Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ONDINA CARMO ALVES | ||
Descritores: | CONCORRÊNCIA DESLEAL COMPETÊNCIA MATERIAL TRIBUNAL CÍVEL TRIBUNAL DE COMÉRCIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/05/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1. Um acto de concorrência desleal pressupõe a verificação de três requisitos: - A existência de um acto de concorrência; - Que esse acto de concorrência seja contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade. 2. Os actos desleais tipificados no artigo 317º do CPI distinguem-se segundo o critério do conteúdo, podendo ser qualificados como actos de confusão, actos de descrédito, actos de aproveitamento e actos enganosos. 3. Para além dos actos desleais típicos previstos nas várias alíneas do artigo 317º e no artigo 318º do CPI, pode ser qualificado como desleal qualquer acto atípico susceptível de se integrar no proémio do citado artigo 317º do CPI, designadamente, a chamada concorrência parasitária, ou seja, a actuação de um concorrente que segue, de modo sistemático, continuado, próximo e essencial, as iniciativas e ideias empresariais de outros concorrentes, ainda que não provoque confusão. 4. Os actos de concorrência desleal não se esgotam na violação de direitos privativos tutelados pelo CPI. Nem sempre a concorrência desleal assenta na lesão de um direito privativo, assim como a violação de um direito privativo não consubstancia necessariamente um acto de concorrência desleal. 5. Para que uma acção fundada nos prejuízos resultantes da prática de concorrência desleal seja da competência do Tribunal de Comércio, necessário se torna que a causa de pedir integre factos respeitantes a algum dos direitos privados consagrados no CPI, já que só esses factos interessam à delimitação de competência. (OCA) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO JOSÉ, ANTÓNIO, ORME, S.L. e COR, S.L., intentaram contra MEDIA, LDA., e JOÃO, a acção declarativa com processo ordinário, através da qual pedem: a) sejam os réus proibidos de organizar o torneio de golfe «Corporate Golf Challenge» em Portugal, qualquer que seja a denominação ao mesmo atribuída; b) a condenação dos réus no pagamento aos autores da quantia de € 986 475,00 a título de indemnização por danos emergentes causados; c) a condenação dos réus no pagamento aos autores de uma indemnização a título de lucros cessantes, a liquidar em execução de sentença. Fundamentaram os autores, no essencial, a sua pretensão na circunstância de a 1ª ré se dedicar à organização e promoção de eventos de golfe. E, os 1º, 2º autores e o 2º réu foram sócios fundadores da 1ª ré, tendo o 1º e 2º autores renunciado à gerência desta, por comunicação de 19 de Outubro de 2001, tendo em Assembleia Geral Extraordinária de 05.11.01, sido deliberada a amortização das suas duas quotas com a contrapartida igual aos respectivos valores nominais. A 3ª autora, através da sua participada, a 4ª autora, é proprietária da marca «Corporate Golf Challenge» para o território português e é licenciatária do evento «Corporate Golf Challenge» para Portugal – prova desportiva de golfe para empresas, composta por várias pré-eliminatórias realizadas no território português e uma prova final mundial a realizar no estrangeiro, com as equipas finalistas de cada um dos países. Na altura da constituição da 1ª ré, porque os autores não conheciam aos seus futuros sócios experiência prévia na organização de eventos de golfe, o sub-licenciamento do «Corporate Golf Challenge» apenas seria efectuado para a ré se os 1º e 2º autores ficassem titulares de 50% do capital social, o que não sucedeu, ficando o 2º réu e a sócia Golf Corp titulares de 51% do capital social, pelo que abdicaram da transmissão do sub-licenciamento. O regulamento do «Corporate Golf Challenge» foi copiado do espanhol e a angariação de patrocinadores foi desenvolvida pelo 1º autor, sendo a maior parte dos fornecedores aqueles que os autores utilizavam em Espanha, e de cujos contactos privilegiados a 1ª ré beneficiou. O 1º autor foi decisivo na obtenção dos patrocinadores e da “media partner” e o próprio desenho da prova foi constituído de acordo, maioritariamente, com as suas ideias. Na sequência da amortização das quotas dos autores foi comunicado à ré e aos patrocinadores que estes iriam retirar a organização do evento «Corporate Golf Challenge» à 1ª ré. A 3ª autora é licenciatária do «Corporate Golf Challenge» para vários países, entre eles Portugal, pretendendo a 1ª ré usurpar um negócio que é dos autores, pertencendo-lhes o direito à exploração do «Corporate Golf Challenge», quer em termos de marca, quer em termos de conceito e conteúdo de negócio, qualquer que seja a denominação adoptada para o evento. Segundo os autores, todo o conceito do torneio de golfe em causa foi usurpado pelos réus, excepto a final mundial. A 1ª ré prejudicou deliberadamente a imagem mundial do torneio, já que no ano de 2001 começou a omitir qualquer menção sobre o carácter mundial do evento, retirando-lhe o glamour e começou a omitir deliberadamente nas publicações efectuadas as referências ao conceito e denominação «Corporate Golf Challenge» para, num cenário de ruptura com os autores, não depender de um evento com excessiva componente mundial. Na linha editorial do ano de 2001 nada se refere quanto à dimensão internacional do evento, anulando-se deliberadamente o maior activo do torneio e colocando este ao nível de qualquer outro que se possa fazer em Portugal, o que pôs em perigo o funcionamento e relacionamento dos autores com o detentor da prova mundial, o «World Corporate Golf Challenge, Ltd.». Os autores possuem a titularidade da marca «Corporate Golf Challenge», cujo registo foi solicitado em Abril de 1998 e detêm a propriedade do produto consubstanciado no evento. Desde que os autores foram expulsos da sociedade ré que os réus se encontram a praticar actos de concorrência desleal, como sendo o facto de uma das empresas que eventualmente poderia colaborar na montagem operacional do evento «Corporate Golf Challenge» ter recebido uma ameaça de responsabilização por danos caso colaborasse na organização do torneio. Os autores são titulares do direito exclusivo de usar, fruir e dispor do conceito do torneio de golfe, designadamente o direito ao estabelecimento composto pela organização, promoção, exploração e activos – sponsors e media partners – do evento «Corporate Golf Challenge», com essa ou outra denominação, estando tal direito a ser lesado, de forma grave e irreversível, pelos réus que, de forma desleal e danosa, estão a desviar clientela e patrocinadores. A 1ª ré está, pelo menos desde 10 de Outubro de 2001, a montar o seu próprio evento com os activos, o conceito e o formato do «Corporate Golf Challenge», chamando-lhe «Expresso BPI» em 2001 e agora «Expresso BPI Golf Cup», que é exactamente o mesmo evento, apenas com outra designação e outro logótipo, como se verifica do facto de a prova do ano de 2002 ser a primeira que não contou com a colaboração dos autores e ser referida tratar-se da 5ª edição. Invocam, consequentemente, os autores, que os réus usurparam o conceito de negócios dos autores, tendo para o efeito levado os 1º e 2º réus a renunciarem à gerência da 1ª ré e depois procedido à sua expulsão de sócios. Alegam ainda os autores que os réus praticaram actos de confusão contrários às normas e usos honestos do comércio, proibidos pelo art. 260º do Código da Propriedade Industrial e pela CUP de que Portugal é membro. Copiaram servilmente a linha empresarial do Corporate Golf Challenge, retirando aos autores um valor atractivo de clientela para cuja formação não contribuíram, conseguindo vantagens económicas, locupletando-se de toda uma linha empresarial e respectivos activos como patrocinadores e media partners, mudando apenas o nome e logótipo do evento. Desde 2002 os réus deixaram de usar a marca Corporate Golf Challenge e continuaram a usar o mesmo evento, obtendo um lucro parasitário, servindo-se do fruto da actividade, pesquisa, criatividade e investimento dos autores, causando-lhes danos, correspondentes à diferença entre as receitas originadas pelo torneio da ré e as criadas pelos torneios organizados pelas autores, até ao ano de 2004, tendo também os réus que indemnizar os autores dos lucros cessantes, a liquidar em execução de sentença. Citados, os réus apresentaram contestação, através da qual invocam que os 1ºs autores não foram obrigados a renunciar à gerência, que prejudicaram a 1ª ré pela quebra ilícita contratual do licenciamento da marca que era o sinal distintivo do negócio social mais importante da ré e, em concorrência desleal, desviaram dela clientes e patrocinadores, arquitectando a paralisação total da sociedade de que eram sócios e gerentes. Desde o início que os 1º e 2º autores detiveram 49% da sociedade, nunca exigindo mais nem condicionando o direito à exploração da marca a qualquer circunstância, nunca lhes tendo sido negado o direito à informação. Defendem os réus que o que está em causa é a utilização pela sociedade ré da marca e do logótipo Corporate Golf Challenge, que a ré deixou de utilizar, existindo desde 2002 um novo torneio, com uma nova marca, novo logótipo, novo regulamento e nova organização, o Expresso BPI Golf Cup, radicalmente diferente do Corporate Golf Challenge, organizado pelos autores, sendo a única semelhança entre eles a de serem torneios de golfe por eliminatórias, o que não é inovatório nem apropriável judicialmente. Mais alegam os réus que 90% das receitas da sociedade ré derivam da organização do Expresso BPI Golf Cup, e se não pudesse exercer o seu objecto social ficaria em situação de insolvência, sendo esta acção uma nova tentativa de paralisação da sociedade ré. Já existiam torneios de golfe em Portugal à altura da fundação da sociedade ré, e toda a configuração do torneio a organizar em Portugal foi suportada pela ré que pagou inclusive os direitos de licenciamento à World Corporate Golf Challenge, Ltd. O torneio que está a ser organizado é diferente. A ré abandonou a marca e o logótipo nos finais de 2001, logo que notificada para o efeito, e o evento deve o seu sucesso em Portugal à ré, que angariou os patrocinadores e media partner. Invocam, por isso, os réus, que foram os autores que praticaram actos de concorrência desleal, aliciaram patrocinadores e media partner, tendo mesmo a marca Corporate Golf Challenge sido registada após a constituição da sociedade ré. Pedem, por fim, os réus, a improcedência da acção e a condenação dos autores, como litigantes de má-fé em multa e indemnização. O Tribunal a quo concedeu às partes, ao abrigo do disposto no artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil, prazo para se pronunciarem quanto a excepção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria, o que estas fizeram, defendendo, os réus, a incompetência do tribunal em razão da matéria e, os autores, a competência do Tribunal do Comércio para decidir do processo. O Tribunal a quo proferiu decisão e, por considerar que o tribunal só seria competente, por via da alínea f) do nº 1 do art. 89º da LOFTJ – única que entendeu estar em causa – no caso de alegada violação de um direito privativo de propriedade industrial como conduta consubstanciadora da concorrência desleal. E, por considerar estar em causa alegada conduta não violadora de qualquer direito privativo de propriedade industrial, entendeu falecer-lhe a competência em razão da matéria para preparar e julgar a causa, razão pela qual absolveu os réus da instância. Inconformados com o assim decidido, os autores interpuseram recurso de agravo incidente sobre o despacho prolatado. São as seguintes as CONCLUSÕES dos agravantes: i) Os agravantes intentaram junto do Tribunal de Comércio de Lisboa acção, contra «João ML» e «Media, Lda.», sendo a causa de pedir fundada em factos consubstanciadores de concorrência desleal; ii) O Meritíssimo Juiz «a quo» entendeu que o Tribunal de Comércio não é competente para julgar o pedido e, em consequência, proferiu decisão de absolvição da instância dos agravados, tendo fundamentado tal decisão na circunstância da conduta alegada não ser a violação de qualquer direito privativo de propriedade industrial mas de um direito de outra natureza: a «usurpação» do formato, conceito e patrocinadores de um torneio, não cabendo, assim, o pedido em causa no elenco do n° 1 do art. 89° da LOFTJ; iii) A causa de pedir é clara e exaustiva e a própria prova documental apresentada permitiria, por si só, concluir que, de facto, os agravados, montaram o seu próprio evento com os activos, o conceito e o formato do Corporate Golf Challenge», chamando-lhe - desde logo e quando ainda se encontrava em curso o próprio evento «Corporate» para 2001 -, «Expresso BPI», os, aliás, principais «media partners» e «sponsors» do «Corporate», ou, como recentemente se tem identificado, «Expresso BPI Golf Cup», sendo a situação de ser exactamente o mesmo evento apenas com outra designação evidente pelo facto do torneio dos agravados ter sido referido como a «quinta edição da prova» quando, na verdade, a quinta edição apenas pode ser do «Corporate Golf Challenge» e não do «novo torneio» supostamente criado, tendo-se, assim, violado o disposto nos arts. 264°, 653°, n° 2, 664° e 655°, n° 1 do Código de Processo Civil e no art. 396° do Código Civil; iv) Aos tribunais de comércio, como tribunais de competência especializada, são atribuídas, nomeadamente (art. 89° da LOFTJ, rectificada pela Declaração 11° 7/99, da Assembleia da República, de 04.02.99): as acções de declaração em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas no Código da Propriedade Industrial (11° 1, al. f)); v) O pedido formulado pelos agravantes é o de que os agravados sejam condenados a suspender imediatamente toda e qualquer actividade relacionada com a organização, promoção e execução do torneio de golfe «Corporate Golf Challenge» - seja ele denominado «Expresso BPI», «Expresso BPI Golf Cup» ou tenha qualquer outra designação - até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida no âmbito da acção a propor, por entenderem que a continuação de tal actividade consubstancia a prática de concorrência desleal; vi) Os pedidos formulados pelos agravantes radicam na existência da alegada concorrência desleal dos agravados motivada pelos factos de: a 3ª agravante ser licenciatária do «Corporate Golf Challenge» para vários países, entre eles Portugal, pretendendo as agravadas usurpar um negócio que é dos agravantes; o direito à exploração do «Corporate Golf Challenge» pertencer exclusivamente aos agravantes, quer em termos de marca, quer em termos de conceito e conteúdo de «negócio», qualquer que seja a denominação adoptada para o evento; os agravados pretenderem aproveitar-se dos direitos de que os agravantes são titulares e que lhes foram concedidos pela sociedade que é detentora da marca a nível mundial – titular da prova – bem como da mais valia inerente ao conceito e conteúdo do torneio e que se traduzem no facto do mesmo ser o reflexo da experiência e do prestígio adquiridos no mercado dos torneios de golfe por iniciativa e desenvolvimento dos agravantes; os agravantes possuírem a titularidade da marca «Corporate Golf Challenge» e deterem a propriedade do «produto» consubstanciado no evento, sendo tais «activos» um património seu; desde que os 1° e 2° agravantes foram «expulsos» da sociedade, os agravados encontrarem-se a praticar actos de concorrência desleal, facto cuja notoriedade está bem patente na circunstância de uma das empresas que eventualmente poderia colaborar na montagem operacional do evento «Corporate Golf Challenge» ter recebido uma «ameaça» de responsabilização por danos caso colaborasse na organização do identificado torneio; os agravantes serem titulares do direito exclusivo de usar, fruir e dispor do «conceito» do torneio de golfe, designadamente o direito ao estabelecimento composto pela organização, promoção, exploração e activos — sponsors e media partners - do evento «Corporate Golf Challenge», com essa ou com outra denominação, encontrando-se tal direito a ser lesado, de forma grave e irreversível, pelos agravados, que, de forma desleal e danosa, estão a desviar «clientela» e os patrocinadores; a agravada, através do sócio e agravado e do gerente Filipe, estar, pelo menos desde 10 de Outubro de 2001, a montar o seu próprio evento com os activos, o conceito e o formato do «Corporate Golf Challenge», chamando-lhe - desde logo e quando ainda se encontrava em curso o próprio evento «Corporate» para 2001 -, «Expresso BPI», os, aliás, principais «media partners» e «sponsors» do «Corporate», ou, como recentemente se tem identificado, «Expresso BPI Golf Cup», sendo a situação de ser exactamente o mesmo evento apenas com outra designação evidente pelo facto do torneio dos alegados de ter sido referido como a «quinta edição da prova» quando, na verdade, a quinta edição apenas pode ser do «Corporate Golf Challenge» e não do «novo torneio» supostamente criado; os agravantes serem os legítimos titulares do «Corporate Golf Challenge», tendo sido os mesmos que desenvolveram, promoveram e executaram o torneio, designadamente através dos contactos com os patrocinadores, com a transmissão do seu «bom nome», experiência e «know-how»; vii) Atentos os factos alegados, a causa de pedir na presente acção reconduz-se à problemática da concorrência desleal, matéria directamente regulada no Código da Propriedade Industrial, mais precisamente nos artigos 317° e 318°, não havendo, para tal efeito, que distinguir entre a concorrência desleal emergente da violação de direitos privativos de propriedade industrial e a concorrência desleal sem violação de quaisquer direitos privativos; viii) Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 89°, n° 1, al. f) e n° 2 da Lei n° 3/99, de 13 de Outubro, ex vi do art. 83°, n° 1, al. c) e do art. 96°, n° 1 do Código de Processo Civil, o Tribunal de Comércio é o materialmente competente por se tratar de questões de concorrência desleal, sendo, para efeitos de determinação de tal competência, irrelevante que a concorrência desleal derive, ou não, da violação de direitos privativos de propriedade industrial; ix) Os agravados requereram contra os agravantes providência cautelar não especificada que, sob o n° 345/2001, correu termos no 1° Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, e, depois, acção que, sob o n° 144/2003, correu termos no 3° Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa alegando, designadamente, que os agravantes praticaram uma série de factos tendentes à usurpação do negócio da agravada, iniciaram uma campanha difamatória da agravada junto dos parceiros essenciais ao negócio e aliciaram esses mesmos parceiros a, com a sociedade «Organización y Medios, S.L.», organizarem o mesmo torneio de golfe que pertencia à agravada; que em 11.10.2001, José tentou aliciar o «Expresso» para ser o media partner da «OrMe, S.L.» para a realização do «Corporate Golf Challenge» e em 12.10.2001 aliciou o «BPI», na pessoa do administrador DrK. a subsidiar a referida sociedade na realização do «Corporate Golf Challenge»; que a «OrMe, S.L.» e a «Corporate Golf Challenge Espana, S.L.» foram utilizadas como sociedades instrumentais para desviar «clientela» e os patrocinadores, tendo-se praticado concorrência desleal, tendo tais procedimento e acção sido recebidos, ordenada a citação dos ora agravantes, deduzida oposição e contestação e iniciada a audiência de discussão e julgamento, não tendo sido suscitada, nem oficiosamente, a questão da incompetência material do Tribunal do Comércio de Lisboa; Invocam os agravantes que a decisão recorrida, de fls. 1017 a 1025, violou várias normas jurídicas, nomeadamente as constantes do artigo 89°, n° 1, al. f) e n° 2 da Lei n° 3/99, de 13 de Outubro, ex vi do artigo 83°, n° 1, al. c) e do artigo 96°, n° 1 do Código de Processo Civil, dos artigos 67°, 101°, 102°, n° 2, 105°, 493°, n° 2 e 494°, al. a), 660° e 655°, n° 1 do Código de Processo Civil, do artigo 396° do Código Civil e do artigo 317° e 318° do Código da Propriedade Industrial, pelo que pedem seja concedido provimento ao recurso. Arguiram, também, na parte final das conclusões de recurso, e nos termos do artigo 668°, n° 1, alínea d) do Código de Processo Civil, a nulidade da decisão, com as demais consequências legais, assim se fazendo a devida Justiça. Responderam os recorridos, defendendo a manutenção do decidido e formulando as seguintes CONCLUSÕES: i) Não obstante a exaustiva e demasiado extensa explanação - senão mesmo reprodução - dos factos já invocados na p.i. por parte dos agravados, é ponto assente que o que verdadeiramente importa discutir no âmbito dopresente recurso interposto é saber se o Tribunal do Comércio é ou não competente em razão da matéria para preparar e julgar uma alegada situação de concorrência desleal; ii) A conduta alegadamente praticada pelos agravados não consubstancia uma violação de qualquer direito privativo de propriedade industrial e, portanto, não será subsumível ao artigo 317º do Código da Propriedade Industrial nem tão-pouco enquadrável na alínea f) do art. 89º da LOFTJ, carecendo assim o Tribunal "a quo" de competência para julgar os termos destes autos; iii) Na enumeração do artigo 317º do Código da Propriedade Industrial, são referidos actos de concorrência desleal resultante da violação de direitos privativos da propriedade industrial, existindo, contudo, referência a outros actos de concorrência desleal que não representam nem surgem de qualquer violação desses direitos. É o caso, por exemplo, da situação de concorrencial desleal descrita na p.i., como causa de pedir nesta acção e que foi qualificada pelo tribunal "a quo" como a "usurpação" do formato, conceito e patrocinadores de um torneio, não cabendo, portanto, no elenco da alínea f) do nº 1 do artigo 89º da LOFTJ; iv) Apenas e tão só será de verificar qual a concreta violação invocada. Se for alegada a violação de um direito privativo da propriedade industrial enquanto conduta consubstanciadora de concorrência desleal, o Tribunal de comércio será competente para a acção, por via do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 89º da LOFTJ. Porém, se for alegada uma conduta que não seja violadora de qualquer direito privativo, então o tribunal já não terá competência para a causa, ao abrigo da mesma disposição legal...; v) Como é comummente aceite, a concorrência desleal, tout court, não constitui um direito de propriedade industrial, um direito privativo, sendo regulada tão só como um meio específico de tutela daqueles, sendo certo ainda que, dos factos descritos no Código da Propriedade Industrial cuja prática a constitui, nem todos têm a ver com aqueles direitos, isto é, nem sempre a concorrência desleal assenta na lesão de um direito privativo, como ainda é certo que a violação de um direito privativo não consubstancia necessariamente um acto de concorrência; vi) Ademais, acresce que pelo facto de o Código da Propriedade Industrial regular a concorrência desleal, tal não significa que a mesma seja propriedade industrial nem por nele ter assento se poderá concluir que o legislador a pretendeu incluir na expressão "verse sobre propriedade industrial..." ou deva o intérprete aí incluí-la; vii) De tudo o acima exposto resulta que a presente acção, que mais não é do que uma acção de indemnização que tem como causa de pedir a alegada prática de actos ilícitos, com alegada violação das regras da concorrência e com actuações alegadamente pautadas por deslealdade, é da competência do Tribunal cível e não do Tribunal do Comércio onde foi efectivamente intentada, solução esta preconizada por Oliveira Ascensão ao considerar que "a concorrência desleal não é, ela própria, propriedade industrial, é antes a sanção de formas anómalas de concorrência", como tal escapando em absoluto à previsão do número 1, alínea f) do artigo 89º da LOFTJ; viii) Aliás, segundo o entendimento do Acórdão do STJ, de 06.07.04, verifica-se não existir na lei ou nas razões de especialização de competência em razão da matéria fundamento suficiente para justificar a atribuição aos tribunais de comércio da competência para o julgamento de quaisquer acções só porque implicam a alegação de actos de concorrência desleal; ix) Assim, e face ao disposto nos artigos 101º, 102.°, nº 1 e 2, 105º, 288.°, 1 al. a) e 495.° do CPC e no artigo 89º, nº 1, al. f) da LOFTJ não subsistem dúvidas sobre o acerto da decisão judicial ora recorrida, pelo que se defende e preconiza a bondade e manutenção da decisão proferida pelo tribunal "a quo", devendo, em consequência, ser mantida tal decisão e os ora agravados absolvidos da instância. Pedem, por isso, os agravados que a decisão recorrida seja revogada e, consequentemente, ser o recurso julgado totalmente improcedente, devendo manter-se a decisão judicial recorrida na sua plenitude e, em consequência, ser declarada a incompetência material do tribunal "a quo" e os agravados absolvidos da instância. O Tribunal a quo manteve a decisão. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. ÂMBITO DO RECURSO DE AGRAVO Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, e face ao teor das conclusões formuladas são questões controvertidas a resolver: 1) Da nulidade prevista no artigo 668° n° 1, alínea d) do C.P.Civil; 2) Da competência do tribunal de comércio para conhecer de acções em que esteja em causa situações de concorrência desleal; O que implica a análise, Þ Da importância da distinção entre a concorrência desleal emergente da violação de direitos privativos de propriedade industrial e a concorrência desleal sem violação de quaisquer direito privativos para aferir da competência do tribunal do comércio. III . FUNDAMENTAÇÃO A - OS FACTOS Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido. B - O DIREITO 1) Da nulidade prevista no artigo 668° n° 1, alínea d) do C. P. Civil A sentença, sendo um acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 668º do Código de Processo Civil. A este respeito, estipula-se no apontado artigo 668º do CPC, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, que: “1 - É nula a sentença: a) Quando não contenha a assinatura do juiz; b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.....” Segundo J. Castro Mendes, Direito Processual Civil, II vol., revisto e actualizado, págs. 793 a 811, os vícios de que podem enfermar as decisões judiciais reconduzem-se a cinco tipos: a) Vícios de essência que, atingindo a sentença nas suas qualidades essenciais, a privam até da aparência de acto judicial, e dão lugar à sua inexistência jurídica; b) Vícios de formação, que se prendem com os vícios como o do erro e o da coacção; c) Vícios de conteúdo, vícios na própria decisão em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam, aqui se incluindo a Falta de clareza; o Erro material e o Erro judicial; d) Vícios de forma, sujeitos ao regime das nulidades de processo nos termos dos artigos 201º e seguintes do CPC; e) Vícios de limites, consistentes numa decisão, porventura formalmente regular, contendo só afirmações exactas e verdadeiras, não contém o que deveria conter ou contém mais do que devia. Os recorrentes, apenas na parte final das suas conclusões imputam à decisão recorrida a nulidade decorrente da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, da qual resulta que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – artigo 660.º, n.º 2 CPC - sendo que é em relação a tal comando legal que se terá de aferir a nulidade prevista na citada al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC. Trata-se, como salienta M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, 220 e 221 do “... corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte)” que “significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões“(...). Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia. Questões para este efeito são “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …” - cfr. A. Varela, RLJ, 122.º, 112. E, como refere J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado,Vol. V, 143, não podem confundir-se “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …”. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas tendo em consideração o pedido e a respectiva causa de pedir. Mas, igualmente sustenta M. Teixeira de Sousa, ob. cit., loc. cit. “(...) O tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. (...). Verifica-se, ao invés, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade - artigo 668.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte do CPC – sempre que, na sentença, contrariando o disposto no art. 659.º, n.º 2 do mesmo diploma, se abstiver de apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor. Como sustenta M. Teixeira de Sousa, ob. cit., loc. cit., “Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou a excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder”. O vício de conteúdo referido pelos agravantes na parte final das suas conclusões e a que se refere o artigo 668º, n.º 1 alínea d) do Código do Processo Civil, inexiste na decisão recorrida, como a sua leitura claramente evidencia, uma vez que o Tribunal a quo pronunciou-se sobre questão que devia conhecer ex officio – competência do Tribunal - com precedência sobre as demais. E, tendo o Tribunal a quo decidido pela sua incompetência para conhecer do processo, forçoso é concluir que as restantes questões, quer de índole processual, quer atinentes ao mérito, ficaram obviamente prejudicadas com a decisão incidente sobre a excepção de competência. Nega-se, pois, a esse propósito, provimento ao agravo. Importa, portanto, analisar a segunda questão controvertida a resolver. 2) Competência do tribunal do comércio para conhecer de acções em que esteja em causa situações de concorrência desleal; O que implica a análise, Da importância da distinção entre a concorrência desleal emergente da violação de direitos privativos de propriedade industrial e a concorrência desleal sem violação de quaisquer direito privativos para aferir da competência do tribunal do comércio. É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que a competência em razão da matéria tem de ser averiguada em função dos termos em que o autor configura a acção. Visam os autores na presente acção que os réus sejam proibidos de organizar o torneio de golfe «Corporate Golf Challenge» em Portugal, qualquer que seja a denominação ao mesmo atribuída e pedem a condenação destes em indemnização decorrente, ao cabo e ao resto, da prática de actos de concorrência desleal ou “concorrência parasitária”, como os autores denominam os alegados actos praticados pelos réus. Nos termos do n.º 1 do art. 18º da LOTJ – Lei 3/99, de 13 de Janeiro - e do art. 66º do CPC “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”. Decorre do disposto no artigo 67º do CPC que “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada”. E, o nº 2 do artigo 18º da LOFTJ prescreve que “O presente diploma determina a competência em razão da matéria entre os tribunais judiciais, estabelecendo as causas que competem aos tribunais de competência específica”. Estabelece o artigo 64º, nº 2 da LOFTJ que “Os tribunais de competência especializada conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável." Por sua vez, o artigo 89º, nº 1, da LOFTJ prevê os Tribunais de Comércio, como tribunais de competência especializada, aos quais compete preparar e julgar: a) Os processos especiais de recuperação da empresa e de falência; b) As acções de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade; c) As acções relativas ao exercício de direitos sociais; d) As acções de suspensão e de anulação de deliberações sociais; e) As acções de dissolução e de liquidação judicial de sociedades; f) As acções de declaração em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas no Código da Propriedade Industrial; g) As acções a que se refere o Código do Registo Comercial; h) As acções de anulação de marca. Importa proceder à interpretação da alínea f) do supra referido artigo 89º, n.º 1, al. f), da LOFTJ, única susceptível de relevar para a decisão deste recurso. Diz-se, pois, nessa alínea que compete aos tribunais de comércio preparar e julgar as acções de declaração em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas no CPI - aprovado pelo Dec. Lei nº 36/2003, de 5/3. Como se estatui no artigo 1º do supra mencionado CPI a propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos, bem como a repressão da concorrência desleal. Esclarece Carlos Olavo, A Propriedade Industrial, Almedina, 1997, 143/144 que “a propriedade industrial corresponde à necessidade de ordenar a liberdade de concorrência, feita essencialmente por duas formas: por um lado, pela atribuição da faculdade de utilizar, de forma exclusiva ou não, certas realidades imateriais, e, por outro, pela imposição de determinados deveres no sentido de os vários agentes económicos que operam no mercado procederem honestamente. A primeira das duas indicadas ordens de ideias abrange os chamados direitos privativos da propriedade industrial. Na segunda, integra-se a repressão da concorrência desleal”. A concorrência desleal, segundo Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, AAFDUL, 1994, 91, é um acto exterior ao exercício da empresa, tendente a outorgar uma posição de vantagem no mercado. Defendia Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1º, 224, que a concorrência desleal era todo o acto susceptível de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos comerciantes, qualquer que seja o meio empregado. Trata-se de um instituto expressamente regulado no CPI, constituindo um acto ilícito, civil e contra-ordenacional. A noção de concorrência desleal é dada através de uma definição – cláusula geral – seguida de uma enumeração exemplificativa de actos desleais - artigos 317º e 318º do aludido diploma. Prescreve-se na dita cláusula geral que “Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica”. Tal significa que um acto de concorrência desleal pressupõe três requisitos: a) Um acto de concorrência; b) Contrário às normas e usos honestos; c) De qualquer ramo de actividade. E, para que os actos de concorrência desleal enumerados exemplificativamente nas diversas alíneas do artigo 317º do CPI sejam qualificados como tal, indispensável se torna que sejam observados os requisitos estabelecidos no proémio do preceito. Os actos desleais tipificados no artigo 317º do CPI distinguem-se segundo o critério do conteúdo, podendo ser qualificados como actos de confusão, actos de descrédito, actos de aproveitamento e actos enganosos – v. sobre esta distinção Luís M. Couto Gonçalves, Concorrência Desleal, Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos, Vol. I, 1024-1051. Mas, para além dos actos desleais típicos previstos nas várias alíneas do artigo 317º e no artigo 318º, pode ser qualificado como desleal qualquer acto atípico susceptível de se integrar no proémio do citado artigo 317º do CPI, dando-se frequentemente como exemplo de acto atípico a chamada concorrência parasitária, ou seja, a actuação de um concorrente que segue, de modo sistemático, continuado, próximo e essencial, ainda que não provoque confusão, as iniciativas e ideias empresariais de outros concorrentes – v. a propósito, Luís M. Couto Gonçalves, ob. cit. loc cit. É comummente aceite a necessidade de protecção dos modos de afirmação económica das empresas num mercado de livre concorrência. E, tal protecção pode ser concretizada por duas vias: a) Pela via da propriedade industrial, através da atribuição de direitos privativos em relação a determinadas formas de afirmação – técnica (patentes de invenção, modelos de utilidade); estética (desenhos ou modelos) e distintiva (sinais distintivos); b) Pela proibição de determinados comportamentos concorrenciais. É igualmente pacífico o entendimento que os actos de concorrência desleal não se esgotam na violação de direitos privativos tutelados pelo CPI – v. neste sentido, Oliveira Ascensão, ob. cit., 32 e Carlos Olavo, ob. cit., loc, cit. Sucede que não tem sido unívoca a posição assumida, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, no sentido de saber a quem deve ser atribuída a competência material para conhecer das acções, sempre que se invoquem factos que integram o instituto da concorrência desleal – se aos Tribunais Cíveis ou aos Tribunais de Comércio. Duas posições podem ser defendidas. Para uns – tese maioritária - a alusão às “modalidades previstas no Código da Propriedade Industrial”, que consta da alínea f) do art. 89º da LOFTJ, leva a concluir que o legislador apenas pretendeu abarcar acções em que seja invocada a violação de direitos privativos, como o são os que tutelam invenções e patentes, modelos de utilidade, modelos e desenhos industriais, marcas, nomes e insígnias de estabelecimentos e logótipos. Estando em causa, por exemplo, uma acção indemnizatória que tem por fundamento a prática de actos ilícitos mas que não versam sobre os aludidos direitos privativos relativos a formas de afirmação técnica, estética ou distintiva, a competência para dela conhecer cabe ao Tribunal Cível e não ao Tribunal de Comércio – v. neste sentido e a título meramente exemplificativo, Acs. R.L de 05.12.02, CJ, tomo V, pág. 85 e de 16.12.2003 (Pº 9426/2003-7), de 13.07.2005 (Pº 6680/2005.6), de 15.12.2005 (Pº 11244/2005-6), Acs.R.P. de 13.12.2005 (Pº 0525017), de 17.11.2005 (Pº 0534963) e Acs. STJ de 10.02.2005 (Pº 04B4611) e de 22.09.2005 (Pº 01B4317), todos acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt. Mas, para outros – tese minoritária - a competência material do Tribunal do Comércio basta-se com o facto de a causa de pedir se reconduzir à problemática da concorrência desleal, já que esta matéria está regulada no CPI – v. neste sentido, Ac. R. Lx. de 22-3-01, CJ, tomo II, pág. 85. Carlos Olavo, no seu estudo A Propriedade Industrial e a Competência dos Tribunais de Comércio”, publicado na ROA, ano 61º, págs. 193 e segs., efectuando já uma crítica à dicotomia de regimes com discutível eficácia prática, admite que a competência material dos tribunais do comércio não abrange os recursos da totalidade dos despachos previstos no Código da Propriedade Industrial, mesmo quando afectem a situação jurídica dos interessados, mas apenas os recursos das decisões que concedam, recusem ou tenham por efeito a extinção de qualquer dos direitos privativos nele previstos. Mas, em anotação ao Ac. STJ fr 06.07.2004, ROA, ano 65, Vol. 1 – Jun. 2005, Carlos Olavo defende a competência em razão da matéria dos Tribunais de Comércio para conhecer das acções declarativas em que a causa de pedir verse sobre concorrência desleal, por entender que o contencioso da propriedade industrial não pode deixar de abranger as acções declarativas em que estejam em causa infracções contra a propriedade industrial, como é o caso da concorrência desleal. Aponta-se como razão justificativa para a unificação do contencioso da propriedade industrial - integrando nele quer a disciplina dos direitos privativos, quer a concorrência desleal - a falta de clareza da diferenciação, na prática, entre a protecção dos direitos de propriedade industrial e a repressão da concorrência desleal, figuras que têm tido um tratamento unitário, formando até dois círculos concêntricos. Não tendo a repressão da concorrência desleal uma autonomia formal relativamente à propriedade industrial, a imprecisão de critérios distintivos, sempre levaria a uma indefinição da competência dos tribunais do comércio em razão da matéria. E, para evitar essa indefinição é necessário dar um tratamento unitário à matéria da propriedade industrial, na qual se integram as diferentes categorias de direitos privativos e a repressão da concorrência desleal, cuja apreciação incumbirá aos Tribunais de Comércio, os quais detém para o efeito uma maior especialização. E, em defesa deste entendimento minoritário, defende Carlos Olavo, na citada anotação que Não faz sentido que, à acção destinada a fazer cessar e/ou reparar a lesão por supressão, ocultação ou alteração de marca, se atribuam causas de pedir radicalmente distintas, consoante o enfoque seja no direito à marca ou na concorrência desleal. Pese embora a pertinência dos argumentos aduzidos pelos defensores deste segundo entendimento (que é o dos agravantes), comunga-se do primeiro entendimento – maioritário - supra referido e que foi, justamente, seguido – e bem - pelo Tribunal a quo. É que, nem sempre a concorrência desleal assenta na lesão de um direito privativo, como ainda é certo que a violação de um direito privativo não consubstancia necessariamente um acto de concorrência desleal. Como esclarece Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, 69-73, a concorrência desleal não é, ela própria, propriedade industrial, é antes a sanção de formas anómalas de concorrência, razão pela qual se entende que a mesma não caberá na previsão do nº 1, alínea f) do referido artigo 89º do CPI, nem mesmo por recurso à analogia – v. também neste mesmo sentido Ac. STJ de 6.07.2004, CJ/STJ 2004, II, 131. Há, pois, que atentar nos elementos interpretativos do citado artigo 89º, nº 1, alínea f) da LOFTJ, quer no elemento literal, quer nos elementos histórico e sistemático. E, na esteira de Lebre de Freitas, no estudo publicado na ROA, ano 65, Vol. III, Dez. 2005 – Incompetência do Tribunal de Comércio para as acções fundadas em concorrência desleal – igualmente se considera que o legislador ao referir, em tal normativo, as modalidades da propriedade industrial não pretendeu aludir indiscriminadamente aos direitos privativos e à concorrência desleal. É que, com efeito, pretendendo o legislador incluir na competência dos Tribunais de Comércio as acções fundadas nos prejuízos resultantes de actos integradores da prática de concorrência desleal teria adoptado uma formulação genérica de atribuição de competência e nunca teria incluído a expressão “em qualquer das modalidades de propriedade industrial previstas no CPI”. Para que a acção seja da competência do Tribunal de Comércio torna-se, portanto, necessário que a causa de pedir seja integrada com factos respeitantes a algum dos direitos privados consagrados no CPI, já que só esses factos interessam à delimitação de competência. Ao invés, em sede de concorrência desleal estão habitualmente em causa, normas gerais de direito civil, tais como a responsabilidade extracontratual, a boa-fé na negociação dos contratos, competindo, por isso, em tais casos, a competência aos tribunais cíveis. No caso vertente constata-se que os factos alegados pelos autores integradores da causa de pedir não constituem violação de direitos privativos da propriedade industrial. E, não estando em causa nenhuma das modalidades de propriedade industrial previstas no Código da Propriedade Industrial, mas actos alegadamente ilícitos, em violação das regras da concorrência, que não implicam a violação de direitos privativos, forçoso é concluir, face ao que acima ficou dito, que o Tribunal de Comércio de Lisboa não é o competente em razão da matéria para preparar e julgar a presente acção, como bem decidiu o Tribunal a quo. Não merece, por conseguinte, provimento o recurso de agravo. Vencidos, são os recorrentes responsáveis pelas custas respectivas, nos termos do disposto no artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. IV. DECISÃO Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso de agravo, mantendo-se o despacho recorrido nos seus precisos termos. Condenam-se os recorrentes no pagamento das custas respectivas. Lisboa, 5 de Fevereiro de 2009 Ondina Carmo Alves - Relatora Ana Paula Boularot Lúcia Sousa |