Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17636/20.6T8LSB.L1-7
Relator: ALEXANDRA DE CASTRO ROCHA
Descritores: DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Não se justifica a alteração da matéria de facto provada se, atentos os princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação, as provas produzidas não impuserem decisão diversa.
II – Não sendo apurada a vontade real do declarante, deve proceder-se à interpretação da declaração negocial, dentro dos parâmetros definidos pelo art. 236.º do Código Civil, no sentido de se apurar o sentido que dessa declaração seria apreendido por um declaratário normal, isto é, um declaratário medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real em face do comportamento do declarante.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO:
Esplendor da Planície, Unipessoal, L.da, intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra CSFALA, L.da, e SSG - Produção de Energia Solar, L.da, pedindo que seja proferida decisão no sentido de:
«a) Condenar as RR. a pagar à A. a quantia de 100 000€;
b) Condenar a R. a pagar à A. os juros à taxa legal vencidos sobre capital da al.A desde o fim do ano de 2019, altura em que estavam verificadas todas as condições de pagamento, até integral e efectivo pagamento, os quais nesta data se contabilizam em 2652,05€, sem prejuízo dos vincendos até integral e efectivo pagamento;
c) Condenar as RR nas custas e demais de lei».
Para tanto, alega que, juntamente com a sociedade Nenuphar Frontier Unipessoal, L.da, celebrou com as RR. um contrato denominado de «divisão e cessão de quotas e contrato-promessa de cessão de quotas com eficácia real», sendo certo que, verificadas que estão as condições estipuladas, se encontra por pagar a segunda prestação do preço da cessão, no valor de € 100.000,00, a que acrescem juros de mora, contados desde a data em que o pagamento deveria ter ocorrido.
As RR. CSFALA e SSG contestaram, alegando que não foram preenchidas todas as condições de que dependia a obrigação de pagamento daqueles € 100.000,00. Referem, ainda, que, tendo as partes fundado a sua decisão de contratar na circunstância de a Câmara Municipal de Nisa autorizar a edificação, pela sociedade cujas quotas foram objecto da cessão, de uma central fotovoltaica, veio a verificar-se que tal autorização não existe, pelo que o contrato celebrado é anulável, por erro sobre a base negocial. Finalizam pedindo que a A. seja condenada, como litigante de má fé, no pagamento da indemnização que o tribunal considere adequada, por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento bem conhecia. Em reconvenção, a R. CSFALA pede que o contrato dos autos seja anulado e que a A. seja condenada a restituir-lhe os montantes já despendidos (a primeira prestação paga pela cessão de quotas e os investimentos entretanto realizados).
A A. pugnou pela improcedência da reconvenção, entendendo que se mostra ainda possível a obtenção de autorização do Município para a pretendida instalação da central, mediante as necessárias correcções aos projectos apresentados. Mais defendeu a improcedência dos pedidos da sua condenação como litigante de má fé e, em contrapartida, pediu a condenação das RR., como litigantes de má fé, em multa e indemnização não inferior a € 5.000,00, por terem alegado factos falsos.
As RR. exerceram contraditório relativamente a este último pedido, pugnando pela sua improcedência.
Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual o processo foi tabelarmente saneado. Foi, ainda, indicado o objecto do litígio [«Importa apreciar e decidir nos presentes autos se o “contrato de divisão de quotas e cessão de quotas, e contrato promessa de cessão de quotas com eficácia real” celebrado entre as partes (junto a fls. 6 vº e seguintes) foi incumprido pelas rés, por falta de pagamento da “2ª tranche” acordada, ou se esse incumprimento inexiste por não se verificarem reunidos os respetivos requisitos, previstos na cláusula 5ª, iii do contrato. Mais apreciar e decidir se se mostram preenchidos os requisitos da anulabilidade do supra identificado contrato, por erro sobre a base negocial, nos termos dos artigos 252º, n.º 2, e 289º do Código Civil e se a ré “CSFALA”, nessa sequência, tem direito a receber a quantia peticionada de € 251.188,40. Por último, o tribunal deverá apreciar e decidir se as partes litigam de má fé»] e foram enunciados os temas da prova [«1º Das circunstâncias e razões que determinaram a celebração do contrato em discussão (importa apurar, designadamente, se o contrato foi celebrado, ou não, no pressuposto de a autora deter autorização prévia da Câmara Municipal de Nisa à implementação de uma central de produção de energia fotovoltaica em Falagueira, Município de Nisa, ou antes no pressuposto de a autora abdicar de quaisquer direitos sobre este projeto, que decorressem da declaração inicial emitida pela Câmara Municipal de Nisa. Importa ainda apurar qual o sentido, expresso ou implícito, dado reciprocamente pelas partes a tal declaração na fase da formação da vontade negocial, bem como se existe erro na base negocial). 2º Da verificação/falta de verificação das condições necessárias ao pagamento da 2ª tranche pelas rés (que se mostram elencadas na cláusula 5ª, iii). 3º Da impossibilidade (ou não) de implementação da central de produção de energia fotovoltaica em Falagueira, município de Nisa, e respetivas causas. 4º Dos investimentos e empreendimentos realizados pela ré “CSFALA, Lda.” com vista à implementação da referida central e respetiva avaliação (€ 251.188,40?)»].
Procedeu-se a audiência final, tendo, após, sido proferida sentença que concluiu com o seguinte dispositivo:
«Na presente acção de processo comum, decide-se julgar:
a) a acção improcedente e consequentemente absolver as Rés CSFALA, LDA. e SSG – PRODUÇÃO DE ENERGIA SOLAR, LDA. do pedido formulado pela Autora ESPLENDOR DA PLANÍCIE UNIPESSOAL, LDA..
a) o pedido reconvencional improcedente e consequentemente absolver a Autora ESPLENDOR DA PLANÍCIE UNIPESSOAL, LDA. do pedido formulado pela 1.ª Ré CSFALA, LDA..
*
Custas da acção a cargo da Autora e custas da reconvenção pela Reconvinte CSFALA, LDA. - nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil -, reduzindo-se, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, o pagamento do remanescente da taxa de justiça em 5/6, suportando apenas 1/6 da taxa de justiça remanescente».
Não se conformando esta decisão, na parte em que julgou improcedente a acção, dela apelou a A., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«1ª Considera a recorrente que os factos provados sob o nº8 devem ser considerados provados com o seguinte esclarecimento, As Rés celebraram o referido contrato com a Autora porque pretendia proceder à construção e exploração de uma central solar fotovoltaica na localidade da Falagueira, situada no Município de Nisa (Projecto) e ainda para concorrerem ao leilão de energia solar,
Chega-se a tal conclusão pela audição do depoimento do Sr. Eng. L… depoimento gravado no sistema Citius, em 26/01/2023, desde 15:41h. - 15:58h, passagem de 10-47 min. a 14.40 min.
E, ainda, depoimento de M… de 26/01/2023, desde 11:30 -12:31, passagem que se ressalva de 49.44 min. a 52.20min., 52.44 min a 54.20min.
2ª Considera a recorrente que os factos não provados sob as als. A e C devem ser considerados provados.
O que resulta da audição do depoimento de M… de 26/01/2023, desde 11:30 - 12:31, passagem que se ressalva de 44min. a 46 min.
De N… de 26/01/2023, desde 10:17h. - 11:16h., passagens que se ressalvam de 56.42 min. a 57.13min.; e ainda Além disso, do depoimento da testemunha, O…, de 26/01/2023, desde 14:23 - 15:38, passagem que se ressalva 35 min. a 39.30 min.
O que, aliás, já resultava da própria percepção da juiz “a quo” que afirmou em julgamento que o único requisito que importava provar seria a referida transferência de poderes da carta (cfr. gravação de N…, em 26/01/2023, desde 10:17h. - 11:16h., passagem de 56.42 min. a 57.13min.)
3ª A recorrente considera que os factos dos arts.12º a 15º da réplica à contestação da SSG lda devem ser considerados provados, apesar de não terem sido escrutinados pelo tribunal “a quo”, por serem demonstrativos de que as RR. pretendiam celebrar o contrato com a A., a todo o custo, pois careciam do mesmo para os leilões de energia e, ainda, para a instalação da central fotovoltaica.
Assim, devem ser provados:
“12ºDurante as negociações com os RR., momento prévio à constituição da A., o Sr. C…, a Cartoglobo, lda. e a Nenuphar frontier, unipessoal, lda tiveram propostas de outras empresas concorrentes das RR, designadamente, Finerg e EDP renováveis.
13º Contudo, as partes intervenientes na parceria optaram pelas RR.
14º As condições garantidas pela A. e a documentação a serem entregues eram as mesmas para todos os concorrentes das RR.
15º As RR. tudo fizeram para ficar com o negócio da Estimatesunday, o que veio a acontecer através do melhor preço oferecido.”
O que resulta do depoimento da testemunha, O…, de 26/01/2023, desde 14:23 - 15:38, passagem que se ressalva 4.20 min. a 9.22min.

Considerou o tribunal recorrido que a declaração não confere nenhum direito que possa ser transmitido.

A Cartoglobo, lda. requereu ao Município de Nisa um parecer através de carta refª nº71/AD/19 de 28/03/2019, sobre a viabilidade prévia de localização de uma central solar fotovoltaica a implantar nos terrenos das citadas freguesias.
A C.M. Nisa respondeu, com data de 22/05/2019, após deliberação que nada tem a opor à localização proposta com a “salvaguarda do cumprimento de todas as formalidades legais”. (cfr. factos provados 05 e 06)

Nunca em momento algum a A. garantiu ou afirmou que o parecer da CM Nisa de 22/05/2019 vinculava o município ao projecto que viesse a ser apresentado.
Na verdade do texto do parecer, do conhecimento de todas as partes, que a CM Nisa nada tem a opor à localização proposta com a “salvaguarda do cumprimento de todas as formalidades legais”.
Correm por conta e risco das RR. a salvaguarda do cumprimento de todas as formalidades legais junto do Município de Nisa, por forma a que o parecer proferido permita a implantação da central fotovoltaica no local proposto.

A declaração emitida destina-se a obter informações sobre a viabilidade da realização de uma determinada operação urbanística, bem como os seus condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infraestruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão.

A A. cumpriu escrupulosamente o preceituado no contrato celebrado com as RR. mais precisamente, a “transferência para a esfera jurídica da cessionária dos direitos das cedentes decorrentes da carta da Câmara Municipal de Nisa”(cfr. factos provados nº05, 06 e 13)

A transferência consistia, somente, no abdicar de quaisquer direitos sobre o projecto futuro da central fotovoltaica e a cessionária ficar nos direitos da cedente para efeitos posteriores de utilizar para parecer a sua informação no futuro projecto de operação urbanística.
10ª
Declaração emitida pela CM Nisa que ao contrário do afirmado pelo tribunal “a quo” vincula o Município trata-se de um acto administrativo que produz efeitos jurídicos e protege o particular.
Não podendo ser considerada, tal como fez o tribunal “a quo”, mera informação fornecida pela CM Nisa nos termos do art.268.º da CRP.
11ª
Independentemente da forma como foi redigido o requerimento o que importa reter é que foi pedido parecer à CM Nisa que informe se há algo que impeça a localização e inviabilize o projecto apresentado.
Ao que foi respondido pela CM Nisa caracterizando-a como uma informação prévia tal como consta do corpo do acto, “…viabilidade prévia de localização da central solar...” regulado nos termos do art.14º a 17º do regime jurídico da urbanização e edificação.
12ª
Sendo o Sr. Eng. L…, autor do acto, muito claro ao afirmar que caso as RR. tivessem mantido a mesmo localização da central, tal como fora anteriormente deferido, não haveria forma de recusar o projecto, o que resulta do depoimento gravado no sistema Citius, em 26/01/2023, desde 15:41h. - 15:58h., passagens de 05 min a 8.13 min; 9.05min. a 9.50 min.; 16.50 min. a 17.30 min.
13ª
A A. cumpriu tudo ao que se obrigou contratualmente considerando que todos os requisitos da clª5.3 se verificam.
A A. transferiu/abdicou de tudo o que resultava de tal declaração, a qual teve previamente na base um projecto e trabalho árduo despendido pela Cartoglobo, lda e pela A.
Nestes termos requer a V.Exªs se dignem considerar procedente e provado o presente recurso, e em consequência revogarem a sentença recorrida, condenando-se as RR. nos pedidos formulados nos autos».
As RR. contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação.
A R. CSFALA, além disso, interpôs recurso subordinado da sentença, na parte em que a mesma julgou improcedente a reconvenção.
A A. contra-alegou, defendendo a inadmissibilidade do recurso subordinado e, em qualquer caso, a sua improcedência.
Tendo o processo subido a este Tribunal da Relação, as partes foram convidadas a, nos termos do art. 655.º n.º1 do Código de Processo Civil, pronunciarem-se sobre a legitimidade passiva na reconvenção, na perspectiva do litisconsórcio necessário.
A reconvinte / recorrente entendeu nada obstar ao conhecimento do mérito da reconvenção, porque existe responsabilidade solidária e, de qualquer forma, pode conhecer-se da quota-parte da responsabilidade que couber à A..
A reconvinda / recorrida defendeu a existência de preterição de litisconsórcio necessário, atendendo a que advém do teor do contrato de cessão de quotas «um feixe de direitos e obrigações para todas as intervenientes, designadamente a Nenuphar, pelo que a reconvenção não poderia ter sido deduzida apenas contra a Reconvinda».
Em 19/11/2024, foi proferido, por este TRL, acórdão que concluiu com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, acorda-se em:
a) Julgar improcedente a apelação da A. e, em consequência, manter a decisão recorrida que julgou a acção improcedente, absolvendo as RR. dos pedidos;
b) Revogar a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente o pedido reconvencional, a qual se substitui por outra que absolve a reconvinda da instância, com fundamento em preterição de litisconsórcio necessário;
c) Não conhecer do objecto do recurso subordinado.
Custas de cada um dos recursos pela respectiva apelante – arts. 527.º do Código de Processo Civil e 6.º n.º2, com referência à Tabela I-B, do Regulamento das Custas Processuais».
Relativamente às decisões constantes das alíneas b) e c) não foi interposto recurso, pelo que as mesmas transitaram em julgado.
Do decidido em a) interpôs a A. recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo este proferido acórdão, que concluiu com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, concede-se provimento à revista nos seguintes termos:
1. anula-se o Acórdão recorrido na parte em que rejeitou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto no tocante à pretensão de aditamento aos factos provados dos factos não provados constantes das alíneas a) e c);
2. determina-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, se apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto naquela parte, extraindo-se as eventuais consequências ao nível da decisão de direito».
QUESTÕES A DECIDIR
Conforme resulta dos arts. 635.º n.º4 e 639.º nº.1 do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, as quais desempenham um papel análogo ao da causa de pedir e do pedido na petição inicial.
Nessa conformidade, e tendo também em consideração o teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos, são as seguintes as questões que cumpre apreciar:
- a impugnação da decisão acerca da matéria de facto, naquilo que diz respeito às alíneas a) e c) dos factos não provados;
- a verificação dos pressupostos da condenação das RR., nos termos pretendidos pela A..
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
«1. A 1.ª Ré CSFALA, LDA. é uma sociedade comercial que tem por objecto social o comércio de electricidade e gás por condutas, comércio de painéis fotovoltaicos e seus derivados. Representação, manutenção e assistência técnica de todo o tipo de equipamentos e acessórios de microgeração de energia e eficiência energética. Elaboração de projectos de engenharia energética. Aquisição, gestão e alienação de participações de sociedades cujo objecto social esteja relacionado com produção e comercialização de electricidade. Gestão directa e prestação de serviços a unidades de produção e comercialização de electricidade. Produção, distribuição e comercialização de electricidade de origem eólica, geotérmica, solar, maremotriz, hídrica e a partir de biomassa. Supervisão e gestão de outras unidades do grupo ou empresa, nomeadamente, nos domínios do planeamento estratégico e organizativo.
2. A 2.ª Ré SSG – PRODUÇÃO DE ENERGIA SOLAR, LDA. é uma sociedade comercial que tem como objecto o estudo, desenvolvimento, execução, produção e comercialização de energia eléctrica, execução e exploração de centrais solares e eólicas ou quaisquer outras no âmbito das energias renováveis, promoção imobiliária, compra e venda e arrendamento de imóveis.
3. C… apresentou à Ré um conjunto de seis contratos atípicos denominados de “CONTRATOS DE COMODATO E ARRENDAMENTO DE PRÉDIO RÚSTICO NÃO SUJEITO A REGIME ESPECIAL”, celebrados em Abril de 2019 e através dos quais C… estaria em condições de garantir os necessários direitos reais para a construção e desenvolvimento do Projecto nos terrenos objecto destes contratos.
4. Referindo-se em todos esses contratos celebrados com os proprietários dos terrenos nos quais se instalaria a central de produção de energia fotovoltaica que os mesmos seriam encaminhados para a sociedade a ser estabelecida com fim ao desenvolvimento do projecto fotovoltaico.
5. C… apresentou igualmente um documento da Câmara Municipal de Nisa denominado “DECLARAÇÃO”, datado de 22 de Maio de 2019, com o seguinte teor: “Para os devidos efeitos, declara-se que relativamente ao pedido de parecer apresentado pela CARTOGLOBO – Topografia e Projetos, Lda., através da carta refª. 71/AD/19, datada de 28/03/2019, sobre a viabilidade prévia de localização de Central Solar Fotovoltaica, a implantar em terrenos identificados na planta anexa à referida carta, deste Concelho de Nisa, por Deliberação de Câmara datada de vinte e um de maio de dois mil e dezanove, esta Câmara Municipal nada tem a opor à localização proposta, com a salvaguarda do cumprimento de todas as formalidades legais”.
6. Em reunião Ordinária de 21 de Maio de 2019 da Câmara Municipal de Nisa, por deliberação n.º 129/2009, ficou decidido quanto à “Instalação de painéis solares para produção de energia, no prédio rústico “Fontainhas”, sito na União de Freguesias do Espírito Santo, Nossa Senhora da Graça e São Simão – Pedido de emissão de declaração genérica, requerida por Cartoglobo, Tipografia e Projectos, Ldª”, o seguinte:
“Relativamente ao assunto referido em epígrafe e tendo em conta a solicitação apresentada na Câmara Municipal, as informações prestadas (…), o Executivo reunido aprova, por maioria (…) a emissão de declaração genérica, informando da não existência de inviabilização para o projecto de instalação de painéis solares para produção de energia, no prédio rústico denominado “Fontainhas”, sito na União de Freguesias do Espírito Santo, Nossa Senhora da Graça e São Simão, em Nisa, requerida por Cartoglobo, Tipografia e Projectos, Ldª”.
7. A Autora e as Rés outorgaram, entre si, um contrato denominado de “CONTRATO DE DIVISÃO E CESSÃO DE QUOTAS E CONTRATO PROMESSA DE CESSÃO DE QUOTAS COM EFICÁCIA REAL” datado de 19 de Agosto de 2019, nos seguintes termos:
(…)
8. As Rés celebraram o referido contrato com a Autora porque pretendia proceder à construção e exploração de uma central solar fotovoltaica na localidade da Falagueira, situada no Município de Nisa (Projecto).
9. A Autora recebeu a quantia de € 50.000,00 das Rés.
10. A Autora e a outra cedente formalizaram e concluíram todos os contratos de comodato e arrendamento de prédios rústicos identificados no contrato (identificação dos prédios), não sujeitos a regime especial relativos aos prédios, onde futuramente serão instalados painéis fotovoltaicos e as infraestruturas necessários a produção de energia.
11. Concluíram a totalidade dos contratos identificados no contrato (identificação dos prédios) e transferiram-nos para as Rés.
12. O que ocorreu em Março de 2020, com o pagamento do respectivo Imposto de Selo associado aos vários contratos.
13. A CARTOGLOBO – TOPOGRAFIA E PROJECTOS, LDA. remeteu carta para a 1.ª Ré, em 5 de Março de 2020, com o seguinte teor:
“Assunto: “Projeto de Central Fotovoltaica Moizinhos” – Passagem de poderes
(…)
A Cartoglobo Topografia Projectos Lda, (…), vem para os devidos efeitos informar que
o pedido de parecer enviado para a C.M. Nisa em 28 de Março de 2019, o qual foi
totalmente favorável a instalação do projecto em assunto.
A informação recebida da C.M.Nisa, encontra-se em poder da Dra. AA.
Para os devidos efeitos, se declara que a empresa Cartoglobo Lda dá plenos poderes a
Empresa CSFala Lda (…) sobre o mesmo documento.
(…).”
14. A 1.ª Ré entregou requerimento dirigido à Exma. Presidente da Câmara Municipal de Nisa, com o seguinte teor:
“CSFALA, LDA., pessoa colectiva n.º ..., registada na Conservatória do
Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com sede social no Empreendimento
Nova Amoreiras, ..., freguesia de
Santo António, concelho de Lisboa, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1. Em 21 de Maio de 2019, a Câmara Municipal de Nisa, em reunião ordinária, deliberou,
(Deliberação nº 129/2019) no seu ponto 10 da ordem de trabalhos, inexistir
inviabilização para o projeto de instalação de painéis solares para a produção de
energia, no prédio rústico denominado “Fontainhas”, sito na União de Freguesias de
Espirito Santo, Nossa Senhora da Graça e São Simão, em Nisa, na sequência do pedido
de Cartoglobo – Topografia e Projetos, Lda., sobre a viabilidade prévia de localização
de Central Solar Fotovoltaica nos terrenos identificados na planta anexa como
Documento nº1;
2. Para efeitos da construção da Central Solar Fotovoltaica, o sócio gerente da
Cartoglobo, Lda, o Senhor C…, celebrou com os Senhores BB,
P… e mulher, Q…, W… E S…, T… e mulher, U…, V… E X… e Y…e mulher, contratos nos quais transferiu a sua posição contratual para a CSFALA,
Lda.(conforme cópia dos contratos de cessão da posição contratual que se anexam
como Documento nº2), permitindo agora a esta dispor dos terrenos identificados no
quadro anexo como Documento nº3;
3. Conforme V. Exa pode verificar pela planta de implantação (Doc. nº4), planta
cadastral (Doc. nº5), pelo extrato da carta de ordenamento PDM de Nisa (Doc. nº6),
pelo extracto da carta de condicionantes PDM de Nisa (Doc. nº7), pela memória
descritiva (Doc. nº8) anexas, a área de implantação da Central Solar Fotovoltaica foi
reduzida de forma a reduzir o impacto ambiental,
4. Pelo que se requer a V. Exa.
a. A confirmação da decisão dessa Câmara Municipal, tomada em reunião ordinária 21
de Maio de 2019, ajustada à nova área identificada no Documento nº5;
b. A emissão de correspondente declaração dirigida à ora Requerente.
Pede e espera deferimento.”
15. Em resposta, a Câmara Municipal de Nisa remeteu à 1.ª Ré carta com o seguinte teor:
“Assunto: “Pedido de Emissão de Declaração”
LOCAL: Nisa
Pelo presente e relativamente ao processo em epígrafe se faz referência, cumpre-se
por despacho da Srª Presidente da Câmara datado de 18/03/2020, informar V/ Exª
que o mesmo é alvo de uma proposta de indeferimento, baseada na informação técnica,
que a seguir se transcreve:
“Trata-se de um pedido de emissão de uma declaração, semelhante à que foi
anteriormente emitida. A área agora em causa é inferior à anterior, sendo contudo o
objecto o mesmo, “construção de central solar fotovoltaica”.
Apesar de ter sido emitida em maio de 2019 uma declaração e de agora se vir solicitar
nova, prende-se no essencial com dois fatores, por um lado ter alterado,
anteriormente Cartoglobo, Topografia e Projetos, Lda e agora CSFALA, Lda. Por outro
lado por ter havido uma redução na área a abranger pela Central.
Relativamente a esta situação importa ter presente o conteúdo da deliberação da
Câmara nº 196.2019 de 6 de agosto, deliberação essa que recaiu sobre um pedido de
natureza em tudo semelhante, em que a Câmara deliberou para estes casos: “Indeferir
o pedido de emissão de declaração” de consideração de Projeto de interesse
Municipal, (…) por se ter considerado que este tipo de empreendimento não é
prioritário para a estratégia de desenvolvimento do Concelho de Nisa, pelos impactos
negativos em termos ambientais que provoca na paisagem e que já o são evidentes (…)
e porque deste tipo de infraestruturas não são obtidas quaisquer contrapartidas de
discriminação positiva, nomeadamente numa redução significativa no preço da
eletricidade consumida pelas populações concelhias”.
Nesta conformidade, foi decidido nos termos do número 1 do artigo 122º do CPA,
conceder-lhe um prazo de 15 dias, para por “escrito” se pronunciar, “sobre todas as
questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como
requerer diligências complementares e juntar documentos”.
(…)”.
16. A Câmara Municipal de Nisa remeteu à 1.ª Ré carta com o seguinte teor:
“Assunto: “Informação Prévia n.º 14/2020
LOCAL: Prédio Rústico “Tapada Grande das Mousinhas” e Outros Nisa
Pelo presente e relativamente ao processo a que em epígrafe se faz referência,
cumpre-me por Deliberação da Câmara datada de 05/01/2021, informar V/Exª que
uma vez cumprido que foi o CPA. Foi decidido indeferir o processo referido em
epígrafe, na medida em que a presente operação urbanística não é possível de
concretizar pelos seguintes motivos:
(…)
1.7 A existência de centrais fotovoltaicas, contrariamente ao que é referido, são
empreendimentos novos ao nível do concelho. A existência de um que se encontra já em
fase de produção, serviu para se ter a noção precisamente das suas consequências, das
consequências ao nível da sua presença na paisagem, do reflexo na biodiversidade, dos
condicionamentos que representa numa paisagem na sua vertente produtiva, quer seja
ela agrícola ou florestal, e claro nas consequências que manifesta relativamente à
atratividade do concelho, de como contribuiu para fixar população, o reflexo na
formação e por último os postos de trabalho criados.
Nesta conformidade, irá proceder-se ao arquivamento do processo.”».
A decisão recorrida considerou não provados os seguintes factos:
«a) A transferência para a esfera jurídica da cessionária dos direitos da segunda cedente decorrentes da carta REN foi concluída.
b) A qual se trata da transmissão da titularidade dos pedidos de reserva de capacidade de rede para ligação de um centro electroprodutor (Moizinhas e Portalegre), tendo a sociedade Nenuphar transmitido os direitos à Ré.
c) Foi, também, entregue à cessionária a documentação preliminar do projecto Portalegre bem como cessão dos direitos das cedentes relativos a este mesmo projecto.
d) A Ré entrou em investimentos e empreendimentos avaliados no valor de € 151.188,40 por causa do Projecto».
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO - MÉRITO DO RECURSO INTERPOSTO PELA A.
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Nos termos do art. 662.º n.º1 do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., págs. 333 e ss.), «sem embargo da correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência». A modificação deverá, ainda, ocorrer sempre que «o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova» ou «quando for apresentado pelo recorrente documento superveniente que imponha decisão diversa».
Note-se, no entanto, que como se refere no Ac. RP de 21/6/2021 (proc. 2479/18, disponível em http://www.dgsi.pt), «mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância».
Particularmente no caso da prova testemunhal e por declarações de parte (e desde que não estejamos perante factos de prova vinculada), é de salientar que, havendo vários depoimentos / declarações contraditórios ou não entre si, as regras da sua apreciação não são matemáticas, ou seja, um facto não é considerado provado ou não provado consoante exista um maior ou menor número de pessoas a afirmá-lo ou a contrariá-lo. Ainda que apenas uma pessoa afirme um facto, enquanto todas as outras o negam, e ainda que várias pessoas afirmem um facto, enquanto apenas uma o nega, esse facto pode ser considerado provado / não provado, conforme a apreciação que seja feita dos depoimentos / declarações, com base na sua credibilidade, coerência, isenção, razão de ciência, distanciamento, conjugação com outros meios de prova (v.g., documental) e conjugação com as regras da experiência. Aliás, ainda que todas as pessoas ouvidas afirmem determinado facto, o mesmo pode ser considerado não provado - basta que os depoimentos / declarações não sejam credíveis (porque, por exemplo: as pessoas têm interesse na decisão da causa e não se mostraram objectivas na sua narração; o seu conhecimento não é directo; os depoimentos / declarações foram contraditórios ou foram de tal forma coincidentes que se afiguram «ensaiados»; não é possível que aquelas pessoas, nas circunstâncias concretas, tivessem conhecimento daqueles factos; os depoimentos não se acham sustentados em prova documental que era forçoso existir…). E não se pode olvidar que o tribunal de primeira instância se encontra em posição privilegiada para levar a cabo tal tarefa de apreciação, ponderação e discernimento, uma vez que contacta directa e presencialmente (ou, mesmo que à distância, com imagem) com as pessoas ouvidas e, portanto, pode aperceber-se dos aspectos relevantes da linguagem não verbal – expressões faciais, postura, gestos, hesitações. Significa isto que, salvo casos de flagrante erro de avaliação por parte do tribunal de primeira instância (v.g., uma testemunha em que o tribunal se baseou claramente está a efabular, o seu depoimento é contrariado por prova documental ou pericial fiável, os factos que narrou não podiam – de acordo com as regras da experiência ou outras – ter acontecido daquela forma, aquilo que disse não foi o que o tribunal entendeu…), não há que alterar a matéria de facto fixada na sentença. Dito de outra forma, em caso que não seja de prova legal, deve confiar-se na avaliação efectuada em primeira instância, a não ser que a prova produzida implique, necessariamente, decisão diversa, ou seja, a não ser que aquela avaliação não se situe dentro dos limites da aceitabilidade.
Passemos, então, à apreciação da pretensão da recorrente, naquilo que para aqui importa, que é a de que sejam considerados provados os factos constantes das alíneas a) e c) dos factos não provados [«a) A transferência para a esfera jurídica da cessionária (CSFALA) dos direitos da segunda cedente (Nenuphar) decorrentes da carta REN foi concluída; c) Foi, também, entregue à cessionária (CSFALA) a documentação preliminar do projecto Portalegre bem como cessão dos direitos das cedentes relativos a este mesmo projecto»].
Entende a recorrente que os factos em causa se encontram provados, com base nos seguintes fundamentos:
«Considera a recorrente que tais factos devem ser considerados provados o que resulta da audição do depoimento de M… de 26/01/2023, desde 11:30 - 12:31, passagem que se ressalva de 44min. a 46 min.
E ainda do N… de 26/01/2023, desde 10:17h. - 11:16h., passagens que se ressalvam de 56.42 min. a 57.13min.
Na verdade, resulta destes depoimentos a assunção de que o único requisito em falta para o pagamento previsto na clª5ª nº5.3 seria o no 5.3 iii., isto é transferência dos direitos da carta da CM Nisa.
Além disso, do depoimento da testemunha, O…, de 26/01/2023, desde 14:23 - 15:38, passagem que se ressalva 35 min. a 39.30 min.
Assim, devem ser consideradas provados as als. A e C dos factos não provados, aliás tal resulta da própria percepção da juiz “a quo” que afirmou em julgamento que o único requisito que importava provar seria a referida transferência de poderes da carta (cfr. gravação de N…, em 26/01/2023, desde 10:17h. - 11:16h., passagem de 56.42 min. a 57.13min.)».
Já o tribunal recorrido justificou a sua convicção da seguinte forma:
«Dos factos não provados, o Tribunal considera que não foi produzida prova quanto a eles ou a prova junta não é suficiente e cabal.
Assim, quanto aos factos não provados em a) e b) – transferência dos direitos da carta da REN – e apesar do documento junto aos autos a fls. 512, no qual resultaria que Nenuphar “cede” a “Passagem dos direitos do Pedido de Acordo com o Operador”, consta do documento junto aos autos a fls. 514 a 515 que “No que diz respeito à titularidade do pedido de reserva de capacidade em apreço, o ORT não foi informado de qualquer alteração, pelo que a entidade Nenuphar, Lda. mantém-se como titular do pedido de reserva de capacidade n.º 30134”. No que toca à alínea c), na total ausência de prova».
Relativamente ao invocado pela recorrente, diga-se, desde logo, que qualquer comentário oral feito pelo juiz que preside à audiência final não constitui, evidentemente, um meio de prova e não é vinculativo, pelo que não há que levá-lo em consideração nesta sede.
No mais, naquilo que respeita à matéria constante da alínea a) dos factos não provados, temos que, tal como assinalado na sentença proferida em primeira instância, a prova documental produzida não permite corroborar que «a transferência para a esfera jurídica da cessionária dos direitos da segunda cedente decorrentes da carta REN» tenha sido concluída, antes infirmando tal facto.
Assim, é certo que do documento junto com o requerimento de 30/9/2021 (ref.ª CITIUS 30401690) consta uma declaração, datada de 4/3/2020, subscrita pela sociedade Nenuphar, L.da, e dirigida à R. CSFALA, afirmando que, relativamente ao «projecto de central fotovoltaica Moizinhas», situado no Município de Nisa, «na qualidade de requerente do pedido de acordo com o operador n.º20A380 datado de dia 14 de Junho de 2019», cede «o mesmo» à R. CSFALA.
Porém, do ofício da DGEG junto aos autos em 19/5/2022 consta que a Nenuphar, relativamente à subestação da Falagueira, apresentou dois pedidos de acordo para reserva de energia: o A380, relativamente ao qual foi apresentada declaração de «cedência de passagem dos direitos (…) para a CSFALA» (ou seja, a já mencionada declaração de 4/3/2020); e o 134. Ora, em relação a este pedido 134 - que igualmente diz respeito à subestação da Falagueira, em causa nos autos - consta do ofício da REN junto aos autos em 27/10/2021 que o pedido de reserva de capacidade na RESP (com o n.º30134) foi apresentado pela Nenuphar, em 21/6/2019 (com aditamento em 6/10/2020), na plataforma eletrónica da DGEG, que a remeteu para o ORT, sendo que tal pedido ainda se encontra em processo de avaliação, mantendo-se a Nenuphar, à data daquele ofício da REN, como titular do pedido de reserva de capacidade, por não ter sido comunicada àquela entidade qualquer alteração. Esta última informação é confirmada pelo ofício da REN, junto aos autos em 2/2/2022, do qual consta o aditamento ao pedido efectuado pela Nenuphar em 6/10/2020, sendo certo que a Nenuphar, nessa data, não comunicou à REN qualquer alteração na titularidade do pedido de reserva de capacidade, antes se mantendo como requerente.
Portanto, da prova documental produzida resulta que não se encontra concluída a transmissão da titularidade dos pedidos de reserva para a R. CSFALA.
Por outro lado, ao contrário do que refere a recorrente, nas suas declarações de parte, os representantes legais das RR. não admitiram que aquela transmissão se tivesse efectivado. Mesmo a testemunha O… (que, sendo director geral da Nenuphar, depôs de forma claramente interessada e parcial) também não afirmou tal facto de modo sustentado: limitou-se a dizer, genericamente, que, na sua opinião, em finais de 2019, inícios de 2020, as sociedades cedentes tinham cumprido os requisitos para pagamento dos € 100.000,00. Ora, evidentemente que não estamos perante uma questão de opinião - ou os requisitos estavam cumpridos, ou não estavam. E, para estarem, seria necessário que a testemunha tivesse indicado factos concretos de onde esse cumprimento resultasse. Ocorre que a mesma testemunha acabou por dizer que achava que os requisitos desse pagamento a que se estava a reportar eram a «passagem dos contratos» [de comodato / arrendamento] para a CSFALA, sendo que os direitos da REN «não têm a ver para o caso».
Portanto, não tendo sido produzida prova que permita sustentar a matéria em causa, a mesma tem de permanecer nos factos não provados.
No que concerne à matéria aludida na alínea c) dos factos não provados (entrega, à cessionária, da documentação preliminar do projecto Portalegre, bem como cessão dos direitos das cedentes relativos a este mesmo projecto), constata-se que não foi junta aos autos qualquer prova documental relacionada com a mesma, sendo certo que a prova testemunhal e por declarações de parte também não a corroborou, já que se trata de assunto que nem sequer foi aflorado. Portanto, tal como referido na sentença, houve total ausência de prova quanto a estes factos, os quais, assim, têm também de manter-se na matéria não provada.
Pelo exposto, mantém-se intocada a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença.
Do mérito da decisão recorrida:
Os autos reportam-se às consequências que a A. pretendia fazer extrair do alegado incumprimento, por parte das RR., de um contrato entre todas celebrado.
Tendo em consideração o disposto no art. 342.º n.º1 do Código Civil, à A. incumbia a prova dos factos constitutivos do seu direito, ou seja, a celebração do contrato e o vencimento da obrigação.
Relativamente à celebração do contrato, a mesma resulta do facto provado n.º7 e, aliás, não é posta em causa por qualquer das partes.
Desse contrato consta uma estipulação (vinculativa, nos termos do art. 406.º n.º1 do Código Civil) segundo a qual, naquilo que para aqui importa:
«


».
Neste processo, a A. pretende exercer o seu invocado direito a receber a quantia de € 100.000,00, prevista na cláusula 5.2 - II.
Ocorre que, embora se tenha fixado o dia 31/8/2019 como a data-limite do pagamento desses € 100.000,00, o certo é que na cláusula 5.3 e 5.4 se previu que tal pagamento só seria devido (portanto, só se venceria) desde que as cedentes (entre as quais se encontra a A.) tivessem satisfeito os requisitos ali fixados. Ao contrário do que é referido na decisão recorrida, as RR. não põem em causa nestes autos apenas o preenchimento do requisito previsto no ponto 5.3-iii). Com efeito, a A. alega, no art. 16.º da petição inicial, que todas as condições previstas no ponto 5.3 estão verificadas desde o fim do ano de 2019, facto que foi expressamente impugnado nas contestações. O ónus da prova da verificação desses requisitos incumbia à A. (art. 342.º n.º1 do Código Civil).
Relativamente ao ponto 5.3 - i) e ii), a verificação dos correspondentes requisitos resulta provada a partir dos n.º3, 4 e 10 a 12 da sentença – sendo certo que tal verificação ocorreu apenas em Março de 2020 (e não, como alegava a A., em finais de 2019).
Em relação ao ponto 5.3 - iii), a decisão recorrida considerou não preenchido o respectivo requisito, por entender que a carta da Câmara Municipal de Nisa (doravante, CMN) que declara nada ter a opor à localização proposta para a central solar fotovoltaica não constitui resposta a um pedido de informação prévia, não resolvendo antecipadamente quaisquer pontos concretos da operação urbanística e, portanto, não atribuindo quaisquer direitos à A. (designadamente, de aproveitamento do solo com o conteúdo da informação prévia aprovada) que a mesma pudesse transmitir à 1.ª R..
No entanto, não podemos concordar com esta solução.
Com efeito, a interpretação da declaração negocial tem de procurar conciliar os interesses do declarante (que pretende ver relevar apenas a sua vontade) e do declaratário (que pretende confiar naquilo que ele próprio entendeu). Sendo a vontade um elemento interno, puramente psicológico, o objecto da interpretação terá de ser a manifestação da vontade, o elemento exterior, a própria declaração negocial. Mas, como a função do negócio jurídico é realizar a autonomia da pessoa, dentro da autonomia privada, conforme a sua vontade, toda e qualquer interpretação terá de procurar averiguar a vontade que está atrás da manifestação, a vontade que se pretendeu declarar. Ou seja, a interpretação parte de critérios objectivos para obter, através deles, como finalidade, o elemento subjectivo, na medida em que isso seja possível1.
É assim que, nos termos do art. 236.º do Código Civil, «a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele», mas, «sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida». Por seu turno, prevê o art. 238.º, do mesmo diploma, que «nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso», a não ser que esse sentido corresponda «à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade».
No caso dos autos, não foi apurada a vontade real dos declarantes.
Assim, necessário se torna proceder à interpretação da declaração em causa, dentro dos parâmetros definidos pelas disposições legais citadas, no sentido de se apurar o sentido que dessa declaração seria apreendido por um declaratário normal, isto é, um declaratário medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real (as RR.), em face do comportamento do declarante (a A.). A «normalidade» do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto, mas também na diligência para recolher todos os elementos que coadjuvam a declaração2. Deste modo, atribui-se o risco do uso linguístico ao declarante – este dispõe de todos os meios para se fazer entender, pelo que a sua declaração vale com o sentido que lhe puder ser dado pelo declaratário «normal», protegendo-se, desta forma, quer as legítimas expectativas do declaratário, quer a segurança do tráfico jurídico. Mas, se o declarante não pode contar razoavelmente com o sentido deduzido do seu comportamento pelo declaratário normal, o risco linguístico já será suportado por este último. É que também o declaratário tem o dever, ao participar no tráfico jurídico negocial, de interpretar e atender com cuidado a declaração, quando procura averiguar o seu sentido.
Ora, o que está previsto na cláusula contratual é que as cedentes deveriam transferir para a 1.ª R. «os direitos decorrentes da carta3 da CMN». Portanto, a estipulação reporta-se a uma concreta carta da CMN, necessariamente já existente à data da celebração do contrato. Não é feita qualquer menção relativa à necessidade de um pedido de informação prévia, nem à necessidade de existência de uma informação prévia favorável, nem a que os direitos que terão de ser transmitidos sejam os que resultarem dessa informação prévia, pelo que, tratando-se de um negócio formal, não é viável interpretar a referência a «direitos decorrentes da carta da CMN» como uma referência a uma informação prévia favorável a obter (na acepção legal dos arts. 14.º a 17.º do DL 555/99 de 16-12). Por outro lado, conforme resulta do facto provado n.º5, previamente à celebração do contrato em causa nos autos, foi apresentado às RR. um documento emitido pela CMN e datado de 22 de Maio de 2019, declarando aquela entidade que, relativamente ao pedido de parecer apresentado sobre a viabilidade prévia de localização de Central Solar Fotovoltaica, a implantar em terrenos identificados na planta anexa, nada tem a opor à localização proposta, com a salvaguarda do cumprimento de todas as formalidades legais. Assim, um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, interpretaria a alusão, na cláusula 5.3 - iii), à «carta da CMN», como reportando-se à carta que foi exibida previamente à celebração do contrato, referida no ponto 5.º dos factos provados. Portanto, os direitos que as cedentes se encontravam obrigadas a transmitir eram, apenas, os que resultassem daquela concreta carta (quaisquer que fossem esses direitos).
E, conforme resulta do facto provado n.º13, foram conferidos à 1.ª R., por carta de 5/3/2020, emitida pela titular daquele documento de informação, plenos poderes sobre o mesmo.
Tem, pois, de considerar-se cumprido o ponto 5.3-iii) do contrato, embora apenas em 5/3/2020 (e não, como alegava a A., em finais de 2019).
No entanto, compulsada a matéria provada, da mesma não consta que tenha sido feita a transferência, para a 1.ª R., dos direitos da Nenuphar decorrentes da «carta REN», nem que tenha sido entregue à 1.ª R. a documentação preliminar do projecto Portalegre, bem como a cessão dos direitos das cedentes relativos a esse projecto. Assim, por essa via, não se encontra preenchido o ponto 5.3 - iv) e v) do contrato e, portanto, não existe, por ora, obrigação de pagamento da segunda prestação do preço, pelo que a acção está votada ao insucesso.
Nessa medida, improcede o recurso, devendo manter-se a decisão recorrida, embora com fundamento diverso.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação da A. e, em consequência, manter a decisão recorrida que julgou a acção improcedente, absolvendo as RR. dos pedidos.
Custas pela A. - apelante – arts. 527.º do Código de Processo Civil e 6.º n.º2, com referência à Tabela I-B, do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 09-09-2025,
Alexandra de Castro Rocha
Carlos Oliveira
Rute Alexandra da Silva Sabino Lopes
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1. Cfr. Henrich Ewald Hörster, Teoria Geral do Direito Civil, ano lectivo 1990/1991, polic., UCP/Porto, págs. 631 e ss..
2. Cfr. Henrich Hörster, local cit.
3. Sublinhado nosso.