Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
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| Relator: | PAULA CRISTINA BORGES GONÇALVES | ||
| Descritores: |  PERÍCIA MÉDICO-LEGAL DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA PEDIDO CÍVEL REENVIO  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
| Sumário: |  Sumário (da responsabilidade da Relatora): I. Na conjugação de toda a prova, não se podem descurar provas objectivas, como é o caso de uma perícia médico-legal, que credibiliza os depoimentos prestados. II. Não se baseando a fundamentação do tribunal recorrido no depoimento de uma testemunha que depôs de forma diversa em inquérito/instrução, não existe qualquer nulidade provinda dos arts. 122º, 355º e 356º do CPP. III. Inexiste qualquer um dos vícios do art. 410º, n.º 2, do CPP, quando o tribunal a quo fundamenta a decisão com base em raciocínio lógico, conducente a uma decisão consentânea com esse mesmo raciocínio. IV. O facto de os arguidos não terem demonstrado arrependimento, não pode funcionar como agravante em termos de medida da pena. V. A suspensão da execução da pena de prisão não funciona de forma automática e a mesma não deve operar quando, nomeadamente, exigências de prevenção geral não se mostram minimamente cumpridas e a mera ameaça dessa execução não é suficiente nem adequada para proteger os bens jurídicos lesados, como é o caso do crime de homicídio na forma tentada, que originou lesões graves e permanentes para o assistente. VI. Não se encontram fundamentos para o reenvio do processo para novo julgamento, designadamente em matéria cível, quando os factos apurados são suficientes para a fixação do pedido de indemnização civil em causa nos autos.  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I- RELATÓRIO I.1. Por acórdão proferido em .../.../2023 foram os arguidos AA e BB condenados pela prática dos crimes por que vinham acusados e pronunciados, da seguinte forma: - o arguido AA, pela prática, em co-autoria material, um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131°, 14º, nº 3, 22º, 23º, nº 2, 26º e 73º, als. a) e b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão; - o arguido BB, pela prática, em co-autoria material, um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131°, 14º, nº 3, 22º, 23º, nº 2, 26º e 73º, als. a) e b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão. Mais foram os arguidos/demandados condenados em relação ao pedido indemnização civil respectivo, solidariamente, a pagarem ao “...”, a quantia de € 157.951,23 (cento e cinquenta e sete mil novecentos e cinquenta e um euros e vinte e três cêntimos), acrescida de juros de mora contados a partir da notificação dos arguidos, demandados civis, para contestar esse pedido, à taxa legal de 4% ao ano (ou outra que possa, entretanto, vigorar), nos termos dos arts. 804.º, 805.º, nº 1 e 806.º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil e da Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril. Foram, ainda, os arguidos/demandados condenados na parcial procedência do pedido indemnização civil respectivo, solidariamente, pagarem ao assistente, CC: - A quantia de € 75.780,00 (setenta e cinco mil setecentos e oitenta euros), a título de indemnização devida por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora contados a partir da notificação dos arguidos, demandados civis, para contestar esse pedido, à taxa legal de 4% ao ano (ou outra que possa, entretanto, vigorar), nos termos dos arts. 804.º, 805.º, nº 1 e 806.º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil e da Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril; - A quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de indemnização devida por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados a partir da data da presente decisão, à taxa legal de 4% ao ano (ou outra que possa, entretanto, vigorar), nos termos dos arts. 805.º, nº 3 e 806.º, nº 1 do Cód. Civil e da citada Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril; - As despesas medicamentosas que venha a suportar em consequência das lesões que sofreu, em montante a fixar em sede de liquidação da decisão; - Condenar os arguidos relativamente a custas e absolver os arguidos quanto ao mais peticionado. * I.2. Recurso da decisão Conforme Acórdão proferido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça, importa apreciar as razões do recurso interposto pelos arguidos. Os arguidos AA e BB interpuseram recurso da decisão, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição total, por referência ao requerimento apresentado a .../.../2024): “A. CONCLUSÕES EM QUE SE CUMPRE O DISPOSTO NO ART. 412º Nºs 3 E 4 DO CPP 1ª. Concretos pontos de facto que, não tendo sido julgados provados pelo Tribunal a quo, se considera que deverão ser julgados PROVADOS: i) “Na madrugada de dia ........2015 o alarme de casa do Assistente disparou” ii) “DD, na sequência de ter recebido um telefonema da Securitas alertando para o facto de o alarme da casa do Assistente estar a tocar, foi a casa do Assistente nessa madrugada de dia ........2015 e não encontrou o Assistente” iii) “DD encontra, em casa do Assistente, o disjuntor do alarme desligado não se sabe por quem, tendo sido assim que o alarme foi silenciado” 2ª. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, ou seja, que impõem que os 3 factos acima elencados sejam julgados PROVADOS nos termos acima enunciados são as seguintes: a) depoimento da testemunha DD, prestado em audiência de julgamento em ........2022, gravado no sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10 horas e 41 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 52 minutos, maxime passagem com início ao minuto 01:55 até ao minuto 02:47 e do minuto 03:14 ao 03:18 da gravação e passagem com início ao minuto 02:54 até ao minuto 03:03 e do minuto 05:30 ao 05:58 da gravação; b) prova documental junta aos autos a fls. 129 e segs., em especial as fotografias de fls. 130 a 132 e ainda fotografias de fls. 28 a 33; c) prova documental junta aos autos a fls. 27 maxime 27 verso (Relatório de Inspeção Judiciária) e a fls. 33 (Fotografia). 3ª. Estas provas acabadas de elencar sob as alíneas a) a c) devem ser concatenadas em especial com os Factos Provados nºs 19, 61, 62, 63, 66 e 67. 4ª. Concretos pontos de facto que, tendo sido julgados provados pelo Tribunal a quo, se consideram incorretamente julgados e que deverão ser julgados NÃO PROVADOS nos seguintes termos: − facto nº 4 (2ª parte) “ambos com a intenção de lhe bater”; − facto nº 5 (2ª parte) “e, em ato contínuo, desferiu-lhe um soco na cara, provocando”, passando esta 2ª parte a ter a seguinte redação «e então o CC falseou o pé num pequeno degrau que ali existe o que provocou»; − facto nº 6 na sua totalidade; − facto nº 7 na parte em que se julgou provado “foi colocado”, passando essa expressão a ser substituída por « foi ajudado a entrar»; − facto nº 8 na sua totalidade; − facto nº 9 (início) “Como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita,” − factos nºs 10 (início) “Também como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita,” − facto nº 11 (1ª parte) “Igualmente como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita,” − facto nº 12 (início) “Ainda como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita,” − facto nº 13 (início) “resultantes da conduta dos arguidos,” − facto nº 14 na sua totalidade − facto nº 15 na sua totalidade − facto nº 16 na sua totalidade − facto nº 17 na sua totalidade; − facto nº 18, 1ª parte, quando se refere “Posteriormente à agressão perpetrada nos termos acima descritos”; − facto nº 34 na parte em que se refere “e dos actos praticados pelos arguidos”; − facto nº 37 na parte em que se refere “Das agressões sofridas pelo assistente, perpetradas pelos arguidos (socos e pontapés, estes últimos desferidos quando se encontrava indefeso no chão), presenciadas por terceiros”; − facto nº 60 na parte em que foi julgado provado “introduziram-no no carro do primeiro (um Táxi)”, passando essa expressão a ser substituída por «ajudaram-no a entrar no carro do primeiro». 5ª. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, ou seja, que impõem que os factos acima elencados sejam julgados NÃO PROVADOS nos termos acima enunciados são as seguintes: a) o depoimento da testemunha EE, prestado em audiência de julgamento em ........2023, gravado no sistema integrado de gravação digital, com início pelas 17 horas e 05 minutos e o seu termo pelas 17 horas e 30 minutos, maxime as passagens iniciadas aos minutos 05:42, 6:27, 01:04, 09:04, 16:52, 17:32 e 21:11, 10:24 e 22:49 da gravação; b) o depoimento da testemunha FF, prestado em audiência de julgamento em ........2023, gravado no sistema integrado de gravação digital, com início pelas 17 horas e 06 minutos e termo pelas 18 horas, maxime as passagens iniciadas aos minutos 01:41, 03:010, 03:22, 14:24, 15:11, 15:56, 20:10, 20:39, 23:09, 27:18, 39:05, 40:43, 45:38, 52:22 e 53:12 da gravação; c) o depoimento (1ª parte) da testemunha GG, prestado em audiência de julgamento em ........2023, gravado no sistema integrado de gravação digital, com início pelas 14 horas e 25 minutos e termo pelas 15 horas e 32 minutos (correspondente à 1ª parte), maxime as passagens com início aos minutos 8:22, 20:09, 17:32, 21:00, 22:06, 24:09, 28:43, 38:58, 43:11, 57:05 e 1:02:45, 24:09 e 28:43 da gravação; d) o depoimento da testemunha HH, prestado em audiência de julgamento em ........2022, gravado no sistema integrado de gravação digital, com início pelas 14 horas e 54 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 56 minutos, maxime as passagens com início aos minutos 02:41, 04:57, 05:41, 07:34, 09:01, 14:50, 19:04, 29:59, 33:04, 47:22, 53:05 e 55:18 da gravação, bem como passagem que tem início ao minuto 19:04 e até ao minuto 19:31 da gravação: e) o depoimento da testemunha II, prestado em audiência de julgamento em ........2023, gravado no sistema integrado de gravação digital, com início pelas 16 horas e 35 minutos e termo pelas 17 horas e 04 minutos, máxime passagem com início ao minuto 03:37 e termo ao minuto 04: 11 da gravação; f) o depoimento da testemunha JJ, prestado em audiência de julgamento em ........2022, gravado no sistema integrado de gravação digital, com início pelas 14 horas e 59 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 13 minutos, maxime passagem com início ao minuto 11:54 a 12:33 da gravação; g) o depoimento da testemunha DD, prestado em audiência de julgamento em ........2022, gravado no sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10 horas e 41 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 52 minutos, maxime passagens com início aos minutos 03:29, 08:27 e 09:30 da gravação; h) o depoimento da testemunha KK, prestado em audiência de julgamento em ........2022, gravado no sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10 horas e 54 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 03 minutos, maxime passagens com início aos minutos 02:35 e 03:17 da gravação e passagem com início ao minuto 00:05 da gravação; i) as declarações do ASSISTENTE E DEMANDANTE CIVIL CC, prestadas em audiência de julgamento em ........2022, gravadas no sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10 horas e 03 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 24 minutos, maxime passagens com início aos minutos 06:33, aos minutos 10:10 a 10:39, aos minutos 19:12 a 19:29 da gravação, aos minutos 16:32 e 16:52, ao minuto 18:47 , ao minuto 10:49 a 11:53, aos minutos 05:41 a 06:08, ao minuto 14:29, ao minuto 07:11 a 7:53, ao minuto 08:44 a 9:25, ao minuto 18:29 a 19:09, aos minutos 05:59 e 06:05 e aos minutos 05:41 a 06:08 e ao minuto 06:27 da gravação; j) as declarações do AA, prestadas em duas sessões de julgamento, começando em ........2023, gravadas no sistema integrado de gravação digital com início pelas 17 horas e 35 minutos e o seu termo pelas 17 horas e 58 minutos, maxime passagem com início ao minuto 07:08 da gravação e passagem com início ao minuto 04:13 e termo ao minuto 06:42 da gravação e terminando as suas declarações em ........2023, gravadas no sistema integrado de gravação digital com início pelas 10 horas e 06 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 28 minutos, maxime passagem com início ao minuto 17:12 e termo ao minuto 17: 19 da gravação, passagem com início ao minuto 14:57 e termo ao minuto 16: 45 da gravação e passagem com início ao minuto 7:56 a 8:02 da gravação; k) as declarações do BB, prestadas em ........2023, gravadas no sistema integrado de gravação digital com início com início pelas 10 horas e 28 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 12 minutos, máxime passagem com início ao minuto 06:18 e termo ao minuto 06:38 e passagem com início ao minuto 07:02 e termo ao minuto 08:17 da gravação; l) prova documental (Informação de Serviço) de fls. 90; m) prova documental (queixa criminal) de fls. 2 a 5; n) prova documental (Participação lavrada pelo agente da PSP que foi chamado ao local na madrugada de ........2015) de fls. 24 (máxime fls. 24 verso); o) prova documental (Relato de Diligência Externa) de fls. 96; p) Relatório Pericial de fls. 980 e segs. devidamente interpretado e suas lacunas supridas; q) Prova documental (Nota de Alta) de fls. 201; r) Prova documental (Relatório Clínico) de fls. 34 verso e 35; s) Prova documental (Relato de Diligência externa realizado pela PJ em ........2015) de fls. 96 a 100, maxime imagens fotográficas juntas a fls. 98 e 99 e respetivas legendas; t) Prova documental (Pedido de Informação) junto aos autos através da refª citius 49317038 de ........2020; u) Sentença proferida no Proc. nº 1626/19.4..., que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca da ..., Juízo Local Criminal do ... – Juiz 2; v) Prova documental de fls. 165 a fls 167; w) Prova documental (Relatório Clínico) de fls. 466. 6ª. Outros concretos pontos de facto que, tendo sido julgados provados pelo Tribunal a quo, se consideram incorretamente julgados e que deverão ser julgados NÃO PROVADOS nos seguintes termos: − facto nº 47, passando o mesmo a ter a seguinte redação «Antes da agressão a que foi sujeito, o assistente explorava um estabelecimento comercial na ..., um talho de sua propriedade, exploração de que retirava um rendimento mensal que, em concreto, não se apurou e atualmente o assistente continua a explorar esse estabelecimento comercial, tendo atualmente cerca de 14-15 empregados.» − facto nº 75, passando o mesmo a ter a seguinte redação «Consta do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível de fls. 980 dos autos que as sequelas que o Assistente e Demandante Civil apresenta são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, impeditivas da sua actividade profissional habitual de talhante. Não obstante o Assistente e Demandante Civil continua a desenvolver a sua atividade profissional.» 7ª. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, ou seja, que impõem que os 2 factos acima elencados (47 e 75) sejam julgados NÃO PROVADOS devendo passar a ter a redação enunciada na conclusão anterior são as seguintes: − as declarações do ASSISTENTE E DEMANDANTE CIVIL CC, prestadas em audiência de julgamento em ........2022, gravadas no sistema integrado de gravação digital, com início pelas 10 horas e 03 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 24 minutos, maxime passagens com início aos minutos 01:08 e 01:37 da gravação e aos minutos 12:17 a 13:01 da gravação. B. DEMAIS CONCLUSÕES 8ª. A versão dos factos sustentada pelo Assistente e Demandante Civil foi julgada provada desconsiderando importantes factos julgados provados e provas concretas de factos (que não foram julgados provados mas o deveriam ter sido) respeitantes ao relevantíssimo hiato temporal ocorrido entre as 22h30 de ........2015 e as 2h00 da madrugada de ........2015 e tendo como único meio de prova a sustentá-la as declarações prestadas pelo próprio Assistente, mas que, mesmo essas, estão particularmente fragilizadas quer ao nível da razão de ciência do Assistente, quer por não oferecerem garantias mínimas de imparcialidade, quer ainda porque em si mesmas são extremamente lacónicas, não se revestiram de qualquer espontaneidade, nem sequer foram coerentes e consistentes ao longo do processo e foram até, em grande parte, inverosímeis. 9ª. Pelo contrário, em julgamento, existiu unanimidade, contra a versão dos factos sustentada pelo Assistente e Demandante Civil, por parte de todas as testemunhas presenciais, a que se somaram as declarações dos Arguidos, tudo em sentido contrário, prova essa que foi completamente desconsiderada sem que tenham sido apontadas quaisquer razões objetivas para isso (falta de credibilidade ou outra coisa qualquer). 10ª. E a verdade é que há no processo factos já julgados provados e provas concretas que deveriam ter conduzido a que outros factos tivessem sido igualmente julgados provados, que revelam que, depois da discussão entre os Arguidos e o Assistente, ocorreram, durante esse período de cerca de 3 horas e 30 minutos (entre as 22h30m de ........2015 e as 2h30 da madrugada de ........2015), outros factos, não imputáveis aos Arguidos, que só podem ter sido decisivos para a causação ao Assistente das lesões que este apresenta atualmente. 11ª. Entre o assistente ter deixado de estar com os Arguidos na ...”, cerca das 22h30m de ........2015 (cfr. Facto Provado nº 1), e ter sido encontrado deitado em decúbito ventral à porta de sua casa pela PSP e Bombeiros e ter sido levado para o Hospital, cerca das 2h30 da madrugada de ........2015 (cfr. Facto Provado nº 19) decorreram pelo menos 3 horas e 30 minutos durante as quais: − o Assistente não teve mais quaisquer contactos com os Arguidos – resulta a contrario dos Factos Provados nºs 60 a 62; − o Assistente esteve em contacto com outras pessoas que estão identificadas nos autos – Factos Provados nºs 61 a 63; e − o Assistente esteve na via pública muito embriagado e pelo menos combalido com uma queda de costas, ou a deambular por ali ou parado ou tentando entrar em casa sem chave, por uma janela, mas sempre ao alcance e mercê de outras pessoas durante 3 horas e 30 minutos - Factos Provados nºs 62 e 63. 12ª. O Assistente foi de automóvel sozinho, apenas com a testemunha FF, até casa do Assistente, pouco depois das 22h00 de ........2015 – cfr. Factos Provados nºs 60 e 61, conjugados com o Facto provado 1 no que respeita à hora. 13ª. Desde logo e de acordo com as regras da experiência comum, não podemos afastar sem mais a hipótese de ter sido o próprio FF (taxista) a ter sido o autor de agressões contra o Assistente. 14ª. Há prova documental nos autos que aponta o FF taxista como sendo o autor das agressões imputadas. Efetivamente há a fls. 90 dos autos uma Informação de Serviço, datada de ........2015, ou seja apenas 3 dias após os factos, que identifica o FF taxista como sendo o autor das agressões. 15ª. É preciso notar que o FF é primo em 1º grau da testemunha LL, que também estava no snack-bar “...” no momento dos factos (pelo que, sendo seu parente próximo, poderia ter ficado tão indignado com o que o Assistente disse à LL, como os Arguidos, também seus parentes). E note-se que o FF foi a conversar durante o percurso de carro com o Assistente do ... até à porta de casa do Assistente. Basta pensarmos que não seria nada inverosímil que o Assistente tivesse feito mais algum comentário desagradável sobre a prima do FF “ser tenrinha” e/ou “comê-la toda” que tivesse provocado uma reação mais desabrida por parte do FF. 16ª. Quando o Assistente é encontrado, 3 horas e 30 minutos depois de ter sido deixado por FF perto de casa, a situação é identificada pelo agente da autoridade como o Assistente tendo sido vítima de uma queda. 17ª. Outros factos não foram dados como provados pelo Tribunal a quo, mas devê-lo-iam ter sido, dado relevarem para a boa decisão da causa e descoberta da verdade material, o que implica a apreciação de todas as soluções jurídicas pertinentes, designadamente para que se possa apurar se foram certos agentes que praticaram determinados factos ou se foram outros agentes a praticar esses ou outros factos. 18ª. Relevância para os autos dos factos que não foram e deveriam ter sido JULGADOS PROVADOS “Na madrugada de dia ........2015 o alarme de casa do Assistente disparou” e de “o disjuntor respeitante ao Alarme ter sido desligado no interior da residência do Assistente”: – de acordo com a experiência comum, durante as quase 3 horas e 30 minutos que mediaram entre o FF ter deixado o Assistente ao pé de sua casa e o Assistente ter sido encontrado prostrado no solo ao pé do portão de sua casa, é natural que o Assistente tenha tentado entrar ou tenha mesmo entrado em sua casa (além de não se poder afastar a possibilidade de o Assistente se ter deslocado a qualquer outro local, designadamente ter tentado ir buscar o seu carro, cujas chaves foram encontradas junto ao Assistente, e depois ter regressado a casa, ficando então sim caído junto ao portão, caso em que se poderia ter cruzado com muitas outras pessoas ou ter sofrido outras quedas). 19ª. Uma coisa é certa: alguém, que não se sabe quem foi (podendo ter sido o próprio Assistente), tentou entrar ou entrou mesmo em casa do Assistente nessa mesma madrugada de ........2015 fazendo disparar o alarme de casa do Assistente e, caso tenha sido o Assistente, este pode ter sofrido uma nova queda durante essa incursão ou tentativa de incursão ao interior da sua residência. 20ª. Relevância para os autos do facto que não foi e deveria ter sido JULGADO PROVADO “A testemunha DD, na sequência de ter recebido um telefonema da Securitas alertando para o facto de o alarme da casa do Assistente estar a tocar, foi a casa do Assistente nessa madrugada de dia ........2015 e não encontrou o Assistente”: – coloca uma nova pessoa em possível contacto com o Assistente já depois dos Arguidos: DD. E, tendo DD ido a casa do Assistente na madrugada de ........2015, não se pode afastar sem mais a possibilidade de até ter sido o DD o autor de ao menos parte das agressões de que o Assistente terá sido vítima. 21ª. Uma coisa é certa: houve mais uma pessoa, DD, que pode ter estado em contacto com o Assistente na madrugada de ........2015 e que portanto pode ter sido o autor das agressões imputadas aos Arguidos e o mesmo DD encontra, em casa do Assistente, o disjuntor do alarme desligado não se sabe por quem, tendo sido assim que o alarme foi silenciado. 22ª. Em termos recursivos do que se trata é de saber: a) Foi bem afastada qualquer dúvida relativamente à veracidade da versão dos factos apresentada pelo Assistente e Demandante Civil? A resposta é seguramente não! b) É possível que aos factos relatados pelos Arguidos se tenham seguido outros factos não imputáveis aos Arguidos que tenham sido os causadores das lesões diagnosticadas ao assistente na madrugada de dia ........2015 (factos esses que não são nem do conhecimento dos Arguidos, nem do conhecimento do Assistente e Demandante Civil nem dos seus familiares)? A resposta é seguramente sim! c) Foram bem afastadas quaisquer dúvidas relativamente à inexistência de outros factos que possam ser causadores das lesões que o Assistente e Demandante Civil apresentava na madrugada de dia ........2015? A resposta é seguramente não! 23ª. Não há imagens do sistema de videovigilância e nenhuma autoridade judiciária as viu, pelo que, seja qual for a razão pela qual tais imagens não existem, jamais se pode inferir que as imagens – cuja prova de existência pura e simplesmente não existe e relativamente às quais nada de nada foi julgado provado, seriam necessariamente tão más para os Arguidos que demonstrariam especificamente os Arguidos a pontapearem a cabeça do Assistente, até porque, salvo melhor demonstração, física ou metafísica, do nada nada se pode retirar (ex nihil nihil fit). 24ª. Em suma, o que o Tribunal a quo decidiu quanto a terem sido os Arguidos que agrediram o Assistente pontapeando-o na cabeça: − não é conforme à experiência; − não se pode extrair de presunções naturais; − não é lógico e racional; − é fortemente contraditado pelo que declararam todas as testemunhas presenciais e os Arguidos (e também estarem presentes no local e no momento da prática dos factos e cujas declarações também têm valor probatório!). 25ª. Pelo que se conclui que o Tribunal a quo julgou a matéria de facto provada em violação do art. 127º do CPP. 26ª. E, ao fazê-lo, cometeu erro de julgamento quanto aos factos nºs 4 (2ª parte), 5 (2ª parte), 6, 7 (em parte), 8, 9 (início), 10 (início), 11 (1ª parte), 12 (início), 13 (início), 14 a 17, 18 (1ª parte), 34 (em parte), 37 (em parte) e 60 (em parte) que foram erradamente julgados provados e deviam ter sido julgados não provados nos seguintes moldes: − facto nº 4 (2ª parte) “ambos com a intenção de lhe bater”; − facto nº 5 (2ª parte) “e, em ato contínuo, desferiu-lhe um soco na cara, provocando”, passando esta 2ª parte a ter a seguinte redação «e então o CC falseou o pé num pequeno degrau que ali existe o que provocou»; − facto nº 6 na sua totalidade; − facto nº 7 na parte em que se julgou provado “foi colocado”, passando essa expressão a ser substituída por «foi ajudado a entrar»; − facto nº 8 na sua totalidade; − facto nº 9 (início) “Como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita,” − factos nºs 10 (início) “Também como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita,” − facto nº 11 (1ª parte) “Igualmente como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita,” − facto nº 12 (início) “Ainda como consequência direta e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita,” − facto nº 13 (início) “resultantes da conduta dos arguidos,” − facto nº 14 na sua totalidade − facto nº 15 na sua totalidade − facto nº 16 na sua totalidade − facto nº 17 na sua totalidade; − facto nº 18, 1ª parte, quando se refere “Posteriormente à agressão perpetrada nos termos acima descritos”; − facto nº 34 na parte em que se refere “e dos actos praticados pelos arguidos”; − facto nº 37 na parte em que se refere “Das agressões sofridas pelo assistente, perpetradas pelos arguidos (socos e pontapés, estes últimos desferidos quando se encontrava indefeso no chão), presenciadas por terceiros”; − facto nº 60 na parte em que foi julgado provado “introduziram-no no carro do primeiro (um Táxi)”, passando essa expressão a ser substituída por «ajudaram-no a entrar no carro do primeiro». 27ª. De onde decorre inexoravelmente a absolvição criminal e civil dos Arguidos. 28ª. Quanto à falta de credibilidade das declarações do Assistente e demandante civil, o mesmo nem percecionou bem os factos por estar fortemente alcoolizado no momento dos factos, nem se recorda bem deles por, além de alcoolizado, ter ficado a padecer e amnésia circunstancial parcial para o evento e ainda de outros problemas de memória pelo que, quanto à razão de ciência, as declarações proferidas pelo Assistente estão particularmente fragilizadas. 29ª. A suposta (in)capacidade de mentir do Assistente não está provada nem consta dos factos julgados provados, e sobretudo não é de modo algum determinante para ter de se considerar verdade o que por ele foi declarado quanto a ter sido agredido pelos Arguidos. 30ª. Não é sequer verdade que o assistente e demandante civil tenha mantido sempre a mesma versão dos factos ao longo do processo, padecendo as suas declarações de incoerência, pelo menos parcial. 31ª. As declarações do assistente e demandante civil, em si mesmas, são muito lacónicas, não são espontâneas, não contêm qualquer narração dos factos, por vezes são incoerentes e não são sequer verosímeis. Inexatidões do resumo das declarações do assistente e demandante civil feito pelo tribunal a quo a fls. 30-31 do acórdão recorrido. 32ª. Do confronto das declarações do Assistente com as de todas as 7 testemunhas (sobretudo com as de 4 testemunhas presenciais e com depoimentos credíveis) e com as declarações dos 2 Arguidos (estes sujeitos processuais tão interessados como o Assistente), resulta, contrariamente ao decidido, que a verdade é que os Arguidos não agrediram o Assistente 33ª. O Assistente e Demandante (do astronómico PIC) é ainda “parte muitíssimo interessada” no julgamento dos factos por ser demandante civil de uma elevadíssima indemnização que justamente se funda na alegação dos factos que confirmou na audiência de julgamento! 34ª. Efetivamente, em face dos Factos Provados nºs 54, 63, 65 e 81 (na parte relativa ao “estado etilizado (agudo)” em que se encontrava o Assistente no momento dos factos sub iudice) e do Facto Provado nº 12 (na parte relativa à “amnésia circunstancial parcial para o evento”), as declarações prestadas pelo Assistente não podem deixar de ser julgadas não genuínas, nem espontâneas, resultando não do que o Assistente percecionou e se recorda, mas necessariamente do que o Assistente ouviu dizer a terceiros, terceiros esses que não se encontram neste momento determinados nos autos. 35ª. A concluir-se, como nos parece inevitável – mais não seja por implicação lógica necessária relativamente aos Factos Provados nºs 54, 63, 65 e 81 (na parte relativa ao “estado etilizado (agudo)” em que se encontrava o Assistente no momento dos factos sub iudice) e relativamente ao Facto Provado nº 12 (na parte relativa à “amnésia circunstancial parcial para o evento”) – que as declarações prestadas pelo Assistente consubstanciam materialmente um depoimento indireto, resultante do que o Assistente ouviu dizer a pessoas indeterminadas, que não foram chamadas a depor, pois não resultam nem do que o Assistente percecionou nem do que se recorda, só pode considerar-se que, ao menos nessa parte (que é a decisiva) nos termos do disposto no art. 129º do CPP, as declarações do Assistente “não podem servir como meio de prova”. 36ª. E, consequentemente, uma vez que tais declarações prestadas pelo Assistente foram valoradas pelo Tribunal a quo em violação do disposto no art. 129º do CPP, a decisão recorrida tem de ser nessa parte revogada e substituída por outra que não valore tal meio de prova. 37ª. Seja por falta de credibilidade tout court do declarado pelo Assistente, seja por aplicação do art. 129º do CPP, certo é que, como a decisão recorrida, para dar como provados os factos respeitantes à matéria de facto relativa às supostas agressões perpetradas pelos Arguidos contra o Assistente (factos erradamente dados como provados acima elencados e constantes dos factos provados nºs 4, 5 (2ª parte), 6, 7, 8, 10 (início), 11 (1ª parte), 12 (início), 14 a 17, 18 (1ª parte), 34 e 35), se apoiou exclusivamente nas declarações do Assistente e Demandante Civil, não pode o Tribunal ad quem deixar de revogar a decisão recorrida e julgar tais factos como NÃO PROVADOS, o que expressamente se requer a V. Exas. que seja decidido. 38ª. Se atentarmos no PIC deduzido pelo Assistente e Demandante civil, de fls. 448 a 455, refª citius 3116370, de ........2019, aquilo que constatamos é que o Assistente já sustentou nos presentes autos uma versão diferente dos factos daquela que declarou às Mmas. Juízas em julgamento. 39ª. Se lermos o artigo 47º do seu PIC, aquilo que o Assistente aí diz é que «Os socos e pontapés pela sua intensidade e por terem atingido a superfície corporal do assistente, nomeadamente os braços, dorso e cabeça causaram dor no assistente.», enquanto que nas declarações que prestou perante o Tribunal a quo, em ........2022, perguntado diretamente pelo Tribunal se «só lhe bateram na cabeça, ou bateram no corpo todo, mas essas patadas foram as piores?», o Assistente respondeu «Foi na cabeça “solamente”.» 40ª. Nas imagens fotográficas juntas a fls. 98 e 99 (integrando o Relato de Diligência externa realizado pela PJ em ........2015 de fls. 96 a 100) é bem visível que o Assistente não apresenta quaisquer ferimentos, equimoses ou pisaduras (vulgarmente denominadas “nódoas negras”) na cara ou no resto do corpo. 41ª. A inexistência de quaisquer lesões na cara e no resto do corpo é de tal modo evidente e causa tal perplexidade, por de todo não corroborar a denúncia que tinha sido apresentada pelo irmão do Assistente e Demandante Civil, a fls. 2 a 5, que o Inspetor da PJ que levou a cabo a Diligência Externa e que recolheu as imagens fotográficas no Hospital, fez constar da legenda das fotografias de fls. 98, onde é possível ver a cara descoberta do Assistente, o seguinte: «Vista lateral esquerda e direita da face do CC internado no serviço da ... do ... MM, também sem quaisquer lesões externas.» 42ª. No mesmo sentido, o Inspetor da PJ fez constar da legenda da fotografia de fls. 99, onde é possível ver em grande o corpo do Assistente, o seguinte: «Vista total da vítima CC internado no serviço da ... do ... MM, sem quaisquer lesões visíveis ao longo do corpo.» 43ª. De acordo com as regras da experiência comum, quem está a ser agredido no chão a pontapé, vira-se instintivamente para o lado contrário àquele donde vêm os pontapés e tenta proteger a cabeça com as mãos, bem como os órgãos sexuais encolhendo as pernas, pelo que não seria possível, se fosse verdade que os Arguidos tivessem agredido o Assistente muito repetidamente com pontapés, ainda que maioritariamente na cabeça, que ele não tivesse também visíveis lesões na cara e noutras partes do corpo como as mãos, braços e pernas. E no entanto não tem tais lesões, o que torna inverosímil a tese factual que o Assistente e demandante expôs no seu PIC e, interessadamente, confirmou oralmente na audiência de julgamento. 44ª. As declarações prestadas pelo Assistente em audiência correspondem pois a uma versão diferente dos factos relatada pelo mesmo Assistente nos autos, em ........2015, apenas dois meses depois dos factos sub iudice e que consta de fls. 211 dos autos. 45ª. Uma distorção da realidade ou falsidade, ainda que não intencional, não deixa de ser uma distorção da realidade ou falsidade e deve ser como tal (des)valorizada pelo Tribunal, …ainda que não seja uma “mentira” no sentido doloso dessa expressão. 46ª. Nas suas declarações, o Assistente e Demandante Civil praticamente limitou-se a confirmar a versão dos factos que lhe foi relatada pelo Tribunal, retirando assim qualquer espontaneidade ou genuinidade às respostas do Assistente e Demandante Civil, que portanto não merecem credibilidade. 47ª. O Tribunal a quo julgou provados factos sem qualquer base probatória, como é, desde logo, o caso do Facto Provado nº 5. 48ª. O Assistente e Demandante Civil não refere qualquer soco desferido pelo arguido BB como tendo sido a causa da sua queda e menos refere ainda que tenha sido uma queda para trás. Nem tal resulta de nenhum dos depoimentos das testemunhas. O Facto Provado nº 5 deve portanto ser julgado NÃO PROVADO, por assim o impor o teor das declarações do Assistente e Demandante Civil e os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, onde tal soco nunca é referido e menos ainda é referido como sendo a causa de uma sua queda para trás. 49ª. De acordo com as regras da experiência comum, é inverosímil que, estando o Assistente e Demandante Civil caído no chão, mas consciente (como o Assistente refere que esteve sempre durante toda a agressão – e por isso, supostamente, se recordaria de quem fez o quê), ao ser atingido ao pontapé e murro na cabeça não se tivesse instintivamente tentado proteger com as mãos e braços, o que, ainda de acordo com as regras da experiência comum, teria que ter causado “lesões defensivas” ao Assistente nas mãos, nos braços e até nas pernas. 50ª. O Assistente não apresentou no hospital qualquer lesão defensiva: nenhum hematoma ou feridas ou nódoas negras nos braços e nas mãos que estariam a proteger a cabeça dos violentos pontapés que estaria a levar; nenhum dedo partido ou lesionado, em consequência de ter tentado evitar com as mãos que os violentos pontapés o continuassem a atingir na cabeça, designadamente que não lhe atingissem as referidas zonas mais sensíveis da cabeça, como os olhos, o nariz e a boca – cfr. o Relato de Diligência Externa de fls 96 a 100, datado de ........2015, do qual são parte integrante as imagens fotográficas juntas a fls. 98 e 99, onde é bem visível que o Assistente não apresenta quaisquer ferimentos, equimoses ou nódoas negras no corpo, tendo sido feito constar da legenda das fotografias de fls. 99 «sem quaisquer lesões visíveis ao longo do corpo». 51ª. Portanto, a prova documental acima referida constante dos autos, conjugada com as regras da experiência comum, contrariam fortemente as declarações prestadas pelo Assistente e Demandante civil, pois não é possível imaginar alguém no chão a levar pontapés e murros seguidos na cabeça e a permanecer muito imóvel, sem fazer qualquer tentativa de se proteger, como se acabou de explicar. Isso seria contra-natura! 52ª. Acresce que o suposto resumo daquilo que teriam sido as declarações prestadas pelo Assistente e Demandante Civil em julgamento no dia ........2022 que o Tribunal a quo fez constar do acórdão recorrido, a fls. 30-31 da fundamentação, com o devido respeito, não é rigoroso, padecendo de variadas inexatidões que prejudicam, em muito, uma escorreita reapreciação da decisão da causa. 53ª. O Assistente e Demandante Civil não fez, ele mesmo, qualquer narração dos factos, e menos ainda um qualquer relato de onde resulte que foi um soco desferido pelo BB que provocou a sua queda no chão. 54ª. E o que o Assistente e Demandante Civil declarou em audiência de julgamento foi que é atualmente comerciante e que tem um talho na ..., que tem 14-15 empregados, mas sempre reportando-se ao presente, como tendo o talho e continuando a trabalhar com 14 ou 15 empregados e queixando-se que o negócio na ... está mau e não dá lucro. 55ª. Em face das declarações efetivamente prestadas pelo Assistente e Demandante Civil na audiência de julgamento acima acabadas de transcrever, e não do resumo feito a fls. 30-31 do acórdão recorrido, o Facto Provado nº 47 tal qual foi dado como provado tem de ser julgado NÃO PROVADO e deve ser antes substituída a sua redação pela seguinte formulação, por assim o impor a prova por declarações de Assistente e Demandante Civil acabada de transcrever: «47. Antes da agressão a que foi sujeito, o Assistente explorava um estabelecimento comercial na ..., um talho de sua propriedade, exploração de que retirava um rendimento mensal que, em concreto, não se apurou e atualmente o Assistente continua a explorar esse estabelecimento comercial, tendo atualmente cerca de 14-15 empregados.» 56ª. Do mesmo modo e ainda em face das declarações efetivamente prestadas pelo Assistente e Demandante Civil na audiência de julgamento acabadas de transcrever, e não do resumo que delas está feito a fls. 30-31 do acórdão recorrido, também tem de ser julgado NÃO PROVADO o Facto Provado nº 75 tal qual foi dado como provado e deve ser antes substituída a sua redação pela seguinte formulação, por assim o impor a prova por declarações de Assistente e Demandante Civil acabada de transcrever: «75. Consta do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível de fls. 980 dos autos que as sequelas que o Assistente e Demandante Civil apresenta são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, impeditivas da sua actividade profissional habitual de talhante. Não obstante o Assistente e Demandante Civil continua a desenvolver a sua atividade profissional.» 57ª. Como resulta da prova gravada e das transcrições, presenciaram os factos sub iudice, além do próprio Assistente e Demandante Civil, as seguintes 9 pessoas: − os 2 Arguidos e Demandados (AA e BB) − EE (empresário dono de uma carpintaria) − FF (o sobrinho “o taxista” muito amigo do Assistente) − HH (suinicultor) − GG (jurista e empresário, “compadre do AA”) − NN (irmão dos Arguidos) − OO (cônjuge de NN e cunhada dos Arguidos) − II (filha e NN e OO e sobrinha dos Arguidos) 58ª. E não apenas as 3 a que o Acórdão recorrido se refere na sua pág. 31 (GG, FF e HH). 59ª. Sendo que as 4 testemunhas EE, FF, HH e GG, que presenciaram a integralidade dos factos em causa, foram muito credíveis e sobretudo EE revelou-se ainda totalmente independente e, todas as testemunhas foram unânimes quanto a os Arguidos não terem agredido o Assistente. 60ª. É inequívoco que o Tribunal a quo julgou provada a factualidade de que decorre terem os Arguidos e Demandados agredido o Assistente e Demandante em contradição com o que declararam as 7 testemunhas presenciais dos factos. 61ª. O art. 127º do CPP estatui, como é sabido, que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. 62ª. Mas os Tribunais não podem julgar arbitrariamente e em desconformidade com as regras da experiência, sendo essencial que a decisão possa ser controlável, sindicável, pelas instâncias de recurso, que hão-de formular o seu próprio juízo. 63ª. Por todo o exposto sé se pode concluir que o Tribunal a quo cometeu um gravíssimo erro de julgamento dos factos acima referidos, que julgou provados quando os deveria ter julgado não provados, apenas fundado numa convicção emotiva e subjetiva, que não é sequer explicitada de forma a poder ser devidamente escrutinada e que em vários aspetos não tem qualquer apoio nas regras da experiência comum. 64ª. As declarações do Assistente e Demandante Civil (que no PIC pede €360.780,00 aos Arguidos) têm contra si as declarações e depoimento de 9 pessoas que foram univocamente concordantes quanto a não terem os Arguidos agredido o Assistente: − dos 2 Arguidos e Demandados, que são tão interessados em não ser condenados quanto o Assistente e Demandante Civil é interessado em que eles sejam condenados; − de 7 testemunhas presenciais: sendo de salientar uma testemunha presencial, EE, sem qualquer interesse na causa e cuja credibilidade não é afetada por coisa alguma e por outra testemunha presencial, HH, relativamente à qual estava já decidido, por sentença penal transitada em julgado, que faz caso julgado em processo penal (!), que mentiu no inquérito quando inculpou os Arguidos e não que houvesse mentido quando na instrução declarou que os Arguidos não tinham agredido o Assistente. 65ª. Compulsado o Acórdão recorrido não encontramos qualquer razão que permita pôr em causa nem a razão de ciência de EE (que é isenta, não tem ligações aos arguidos nem ao Assistente, não tem nada a ganhar ou a perder com a decisão da causa), nem a sua imparcialidade, nem a sua espontaneidade, nem que lhe impute incongruências ou lacunas ao seu depoimento, ou muito menos encontramos qualquer referência a que a testemunha hesitou, tremeu da voz, gaguejou, suou e tremeu das mãos ou qualquer outra circunstância que permita pôr em causa a credibilidade do depoimento que prestou esta testemunha. 66ª. Como decorre das passagens do depoimento da testemunha EE acima transcritas, trata-se de uma testemunha presencial dos factos, sem nenhuma ligação nem aos arguidos nem ao Assistente que permita abalar a sua credibilidade. O seu depoimento é consistente e coerente. Depôs com espontaneidade e seriedade e com as pequenas falhas de memória próprias de quem presenciou os factos há já 7 anos atrás. 67ª. A testemunha FF, se é sobrinho dos Arguidos, também é amigo do Assistente, o que a torna equidistante relativamente a Arguidos e Assistente e, a menos que se tome como provável a sua possível responsabilidade nas agressões ao Assistente, que não estão imputadas, não se pode considerar que tenha qualquer interesse próprio na decisão da causa. 68ª. Compulsado todo o Acórdão recorrido também não encontramos a explicitação de qualquer razão que permita pôr em causa nem a razão de ciência desta testemunha, nem a sua imparcialidade, nem a sua espontaneidade; e também não lhe são imputadas incongruências ou lacunas no seu depoimento, nem qualquer outra circunstância que permita pôr em causa a sua credibilidade. 69ª. E confrontado pelo Tribunal com o resultado da perícia que refere que a TAC crânio-encefálica feita ao Assistente é mais compatível com vários traumatismos do que com uma só queda, a testemunha – que foi a última pessoa a ver o Assistente naquela noite – foi perentória a afirmar que, se aconteceu mais alguma coisa ao Assistente, tem de ter sido depois de o ter deixado em casa, “de certeza absoluta”! 70ª. Quanto à testemunha GG, percorrido todo o Acórdão recorrido também não é explicitada qualquer razão que permita: pôr em causa a razão de ciência desta testemunha, nem a sua imparcialidade; pôr em causa a sua espontaneidade; encontrar-lhe incongruências ou lacunas no seu depoimento que permitam pôr em causa a sua credibilidade. 71ª. E compulsado o depoimento prestado por esta testemunha GG em audiência de julgamento em ........2023, gravado no sistema integrado de gravação digital, com início pelas 14 horas e 25 minutos e termo pelas 15 horas e 32 minutos, esta testemunha é perentória ao afirmar que os Arguidos nunca bateram no Assistente, que o Assistente foi sim agarrado, mas nunca foi alvo de qualquer pontapé ou murro que lhe tivesse sido infligido pelos Arguidos, tendo a testemunha se metido no meio da discussão para acalmar os ânimos, o que de facto aconteceu. Mais relata esta testemunha GG que o Assistente, depois de ter caído no degrau junto ao parque de estacionamento foi-se embora de carro com a testemunha FF, que demorou cerca de 30 a 40 minutos a ir levá-lo a casa e depois ainda regressou ao snack-bar “...” e confirmou que o Assistente tinha ficado bem em frente à casa dele. 72ª. Compulsado o depoimento da testemunha HH, o que se constata é que esta testemunha, mesmo depois de lhe ter sido relembrado, por várias vezes, em diferentes pontos do seu depoimento, que poderia ser novamente Arguida por falsas declarações caso faltasse à verdade, depôs de forma muito espontânea e genuína, com uma enorme coerência e consistência, sem vacilar na descrição dos factos que relatou mesmo quando o Tribunal a quo afirmou ser impossível que os factos fossem como a testemunha descrevia, designadamente quando a testemunha referiu que não viu que o Assistente estivesse ferido na noite dos factos ao sair do snack-bar “...”. 73ª. Esta testemunha tem aliás uma razão de ciência minquestionável, sendo provavelmente a pessoa que estava mais sóbria entre todas as que presenciaram os factos e não tem qualquer interesse na decisão da causa. 74ª. Como resulta da sentença já transitada em julgada no Proc. nº 1626/19.4... a testemunha mentiu em sede de inquérito perante a PJ. Já não o fez perante a Mma. JIC e nada indicia que o tenha feito em sede de julgamento, em que o seu depoimento é escorreito, espontâneo e integralmente coerente. Além de consonante com o que declarou à Mma. JIC na fase de instrução. 75ª. Quanto às restantes 3 testemunhas presenciais dos factos, II, OO e NN, cujos depoimentos foram prestados em audiência de julgamento, todas em ........2023, e que se encontram gravados no sistema integrado de gravação digital com início, respetivamente, pelas 16:35 (a LL), pelas 15:41:49 (a OO) e pelas 14:39:07 (o NN), se é verdade que estas 3 testemunhas são familiares dos arguidos – uma é sobrinha, a outra é cunhada e a outra é irmão dos Arguidos –, e se é também verdade que as duas primeiras, LL e OO não presenciaram a totalidade dos factos, não é menos verdade que nenhuma destas testemunhas viu ou ouviu qualquer agressão, nem com murros nem com pontapés nem por qualquer outra forma, perpetrada pelos Arguidos contra o Assistente, como resulta dos próprios resumos feitos pelo Tribunal a quo dos depoimentos que estas prestaram e que se encontram, respetivamente, a fls. 39, 38 e 36-37 do Acórdão recorrido. 76ª. Quanto a um eventual “interesse do Assistente em querer acusar falsamente os Arguidos” (questiona o Tribunal a quo “o que é que o Assistente ganharia em acusar falsamente alguém que não lhe tivesse batido?”), a resposta é simples: pretendia ganhar a quantia de €360.780,00 que peticiona no PIC! E, a manter-se o decidido no douto Acórdão recorrido, terá tido êxito, pelo menos parcial, e irá efetivamente ganhar € 135.780,00. 77ª. Em suma, uma adequada valoração destes depoimentos, designadamente tendo em conta as passagens acima identificadas, bem como uma adequada valoração das declarações do Assistente, em especial atentas as passagens também acima identificadas, tendo em atenção as incongruências e inconsistências dessas declarações, bem como a sua fragilização em termos de razão de ciência e de garantias de imparcialidade, e ainda o facto de serem, em si mesmas, muito lacónicas, não serem espontâneas, conterem várias incoerências e em boa parte não serem sequer verosímeis, em verdadeira obediência ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art. 127º do CPP, não pode deixar de conduzir à revogação da decisão recorrido, reconhecendo-se o erro de julgamento em que lavrou o Tribunal a quo ao ter julgado provados os factos nºs 4 (2ª parte), 5 (2ª parte), 6, 7 (em parte), 8, 9 (início), 10 (início), 11 (1ª parte), 12 (início), 13 (início), 14 a 17, 18 (1ª parte), 34 (em parte), 37 (em parte) e 60 (em parte), os quais deverão ser assim JULGADOS NÃO PROVADOS. 78ª. A Perícia de Avaliação do Dano Corporal não é apta a identificar a causa das lesões sofridas pelo Assistente, tendo-se in casu apenas pronunciado no sentido de saber se uma determinada causa é ou não mais compatível do que outra quanto a determinadas sequelas. 79ª. O «Quesito I», respondido a fls. 985, está deficientemente formulado pois nunca estaria em causa a existência de apenas uma queda – referindo-se aqui à possibilidade de queda da varanda onde foi localizada a impressão palmar junto ao portão de casa do Assistente (Factos provados 66 e 67) –, pois foi dada como provada uma outra queda anterior a esta, ainda no snack-bar “...” em que o Assistente caiu de costas batendo com a cabeça no chão (Facto Provado nº 5), pelo que o quesito deveria referir-se pelo menos a duas quedas diferentes e não apenas a uma. 80ª. Acresce que a Perícia não afasta a hipótese de uma só queda isolada ter provocado as lesões apresentadas pelo Assistente e Demandante Civil, apenas referindo que a TC é mais compatível com uma causa do que com a outra, mas não exclui nenhuma delas. 81ª. O Tribunal a quo, ao considerar na fundamentação da sentença recorrida, a fls. 46, que a Perícia «afasta a possibilidade de terem resultado de uma qualquer queda» está a interpretar mal a perícia, pois, de facto, o Relatório Pericial não afasta essa hipótese. Apenas se pronuncia no sentido de que não é a hipótese mais provável. 82ª. Quanto ao apuramento das causas que terão provocado as lesões apresentadas pelo Assistente e Demandante, há que conjugar a prova pericial com a prova documental junta aos autos a fls. 34 verso e a fls. 35. 83ª. No Relatório Clínico de fls. 34 verso e 35 consta que no dia .../.../2015 surgiu uma nova lesão neurológica ao Assistente que é descrita nesse Relatório Clínico como uma «nova contusão fronto parietal esquerda» («Observação do neurocirurgião (...): “Juntando-se às lesões preexistentes surge nova contusão fronto parietal esquerda sem indicação cirúrgica”»). 84ª. Ora uma coisa é certa: não foi praticado pelos Arguidos nenhum outro facto posterior a ........2015 que possa ser causa desta nova lesão, o que significa uma de duas coisas: - ou o mesmo traumatismo sofrido pelo Assistente causou diferentes lesões em diferentes zonas do cérebro do Assistente e com surgimento dilatado no tempo; ou - terá sido um facto posterior a ........2015 e com um autor diferente dos Arguidos que terá causado esta nova lesão cerebral ao Assistente. 85ª. Esta nova contusão fronto parietal esquerda que veio somar-se às lesões preexistentes não ser sequer referida no Relatório Pericial de fls. 980 a 985 verso. 86ª. Acresce que esta Perícia foi concluída em .../.../2022, com base em exame clínico do Assistente realizado em .../.../2021, ou seja, mais de 6 anos depois do traumatismo sofrido pelo Assistente e Demandante Civil em causa nos presentes autos. 87ª. Sobretudo se tivermos em conta as patologias de que o Assistente padece – Alcoolismo, Diabetes Mellitus Tipo 2 e Dislipidemia –, não é possível afastar a dúvida sobre se as sequelas que o Assistente apresenta são devidas ao traumatismo que sofreu mais de 6 anos antes ou se se devem, pelo menos em parte, às referidas patologias autónomas que o Assistente apresenta. 88ª. Acresce que o Relatório Pericial nunca menciona qual o grau de escolaridade do lesado e Demandante civil quando esse é um elemento essencial para se poder chegar a várias das conclusões vertidas nesse Relatório, pois a escala de “Mini Mental State Examination”, em que foi atribuído 25 pontos ao lesado, a fls. 983, está irremediavelmente ligada ao grau de escolaridade do examinado, variando em função da escolaridade do examinado: − sendo analfabeto, o normal é até 15 pontos; − tendo entre 1 e 11 anos de escolaridade, o normal é 22 a 30 pontos; − tendo mais de 11 anos de escolaridade, o normal é acima de 27 pontos. 89ª. No relatório pericial concluiu-se que o Assistente se apresenta “sem défice cognitivo expressivo” com a referida pontuação de 25 pontos, mas se o Assistente e Demandante tiver uma escolaridade até ao 11º ano, o resultado de 25 pontos é claramente acima daquele que é considerado normal (entre 22 e 30 pontos) e portanto a conclusão deverá ser «sem qualquer défice cognitivo». 90ª. É portanto essencial saber qual o grau de escolaridade do assistente, informação que não consta do Relatório pericial e era essencial que constasse e que não temos nenhum elemento que nos permita aferir se o Perito tinha conhecimento dessa informação, sendo que ela não consta dos autos. 91ª. Além disso, para se avaliar se as características de o Assistente e Demandante apresentar «um discurso pobre, pouco espontâneo e ligeiramente lentificado» são sequelas do traumatismo sofrido ou se já eram características do Assistente antes do traumatismo é essencial saber o grau de escolaridade que o Assistente tem, pois, o grau de riqueza e espontaneidade do discurso e a rapidez de raciocínio de uma pessoa é necessariamente influenciada pelo grau de escolaridade que possua. 92ª. Todas as omissões acima referidas contribuem pois para fragilizar o valor probatório do Relatório pericial junto aos autos e contribuem para tornar mais evidente o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo ao se ter apoiado neste Relatório Pericial para, com base nele e sem qualquer juízo crítico relativamente ao mesmo, ter julgado provados os Factos nºs 4 (2ª parte), 5 (2ª parte), 6, 7 (em parte), 8, 9 (início), 10 (início), 11 (1ª parte), 12 (início), 13 (início), 14 a 17, 18 (1ª parte), 34 (em parte), 37 (em parte) e 60 (em parte), que não poderão assim deixar de ser julgados NÃO PROVADOS. 93ª. Em qualquer caso torna-se evidente que objetivamente este meio de prova não veio corroborar as declarações do Assistente. 94ª. Um dos elementos com base nos quais o Tribunal a quo julgou provado que os Arguidos pontapearam o Assistente na cabeça com ele no chão sem se poder defender, foi o facto (ademais não julgado provado) de que os registos de videovigilância conteriam imagens que confirmariam tais agressões dos Arguidos ao Assistente (V. págs. 46 e 47 do Acórdão recorrido), ainda que, simultaneamente, o Tribunal a quo afirme que desses registos nada consta (conforme documentado nos autos de fls 165 a fls 167 pela Polícia Judiciária), o que é totalmente ilegal. 95ª. E é-o porque: 1 Não existem tais imagens. 2 Nunca foram vistas nem pelo Tribunal a quo nem por nenhuma outra autoridade judiciária. 3 A testemunha GG diz que um Sr. Inspetor da PJ as viu, mas o Tribunal não acredita nisso. 4 O Tribunal a quo também não acredita na afirmação da mesma testemunha de que as imagens, que ele diz que viu, não conteriam agressões nenhumas dos Arguidos ao Assistente. 5 O Tribunal a quo também não acredita que ele não tenha apagado as imagens. 6 O Tribunal a quo deduz do facto de essa testemunha ter dito que viu as imagens que então elas foram apagadas. 7 Deduz do facto de elas terem disso apagadas pelo GG que seriam desfavoráveis aos Arguidos (não ao GG que as teria apagado). 8 Porém não há a menor prova de que o GG tenha apagado as ditas imagens a pedido dos “Arguidos”. 9 E extrai de serem desfavoráveis aos Arguidos. 10 E o Tribunal a quo deduz da dedução de que as imagens foram apagadas pelo GG e da dedução de que teriam um conteúdo desfavorável aos Arguidos, uma dedução final, que é a de que então as imagens corroborariam a tese do Assistente e Demandante de que teria sido agredido muito violentamente pelos Arguidos com pontapés na cabeça. 96ª. O art. 127º do CPP não autoriza tal sucessão de raciocínios, possíveis mas sem qualquer apoio probatório e em que, a cada nova dedução, se acrescenta mais e mais contra os Arguidos, num sucessivo in dubio contra reo, até se alcançar uma conclusão que é falaciosa, não é lógica e é clamorosamente in dubio contra reo. 97ª. Em qualquer caso torna-se evidente que este meio de prova (gravação das imagens de videovigilância, que se existiam não foram vistas) não veio corroborar objetivamente as declarações do Assistente mque continuam a ser o único meio de prova para, em erro de julgamento determinado por uma apreciação emotiva do caso, o Tribunal a quo ter julgado provados os factos nºs 4 (2ª parte), 5 (2ª parte), 6, 7 (em parte), 8, 9 (início), 10 (início), 11 (1ª parte), 12 (início), 13 (início), 14 a 17, 18 (1ª parte), 34 (em parte), 37 (em parte) e 60 (em parte). 98ª. Quanto à existência de dolo dos Arguidos, de todos os diferentes dolos dos Arguidos que o Tribunal a quo julgou provados, a única fundamentação para a sua prova consta do 3º parágrafo da pág. 48 do Acórdão recorrido onde está escrito que “No que respeita ao dolo que presidiu à conduta dos arguidos (facto do foro psicológico), retirou-o o tribunal da objectividade das suas evidenciadas condutas, que, claramente, o permite presumir, de novo em conformidade com as regras da experiência comum”. 99ª. Isto – em termos de factos subjetivos provados – não é nada! É só a enunciação de um critério, enunciado em abstrato! 100ª. Não se faz referência a um só meio de prova; apenas genericamente se diz que o Tribunal retirou o dolo “da objetividade das suas evidenciadas condutas”, sem que se diga sequer que dolo se retirou de qual conduta, o que sempre seria essencial e sobretudo num caso em que se dá como provado 3 dolos diferentes para os mesmos factos e com referência aos mesmos momentos temporais (factos 14, 15 e 16). 101ª. Devem portanto estes factos ser julgados não provados por erro de julgamento, pois o julgamento quanto a esses factos não se baseou em prova nenhuma. 102ª. Especificamente quanto ao facto provado 15 (o dolo eventual de homicídio) o que depois da pág. 48 surge no Acórdão recorrido sobre o assunto são páginas (as páginas 58 e 59) em que já se dá como adquirido (embora nunca antes tenha sido demonstrado) que os Arguidos agiram, ou atuaram, conformando-se com o resultado morte do Assistente, ainda que, também aí, nenhuma prova seja indicada – absolutamente nenhuma – que possa sustentar que os Arguidos se teriam conformado com, ou teriam aceite, a possível produção do resultado morte que – diz o Tribunal a quo – teriam necessariamente representado mentalmente por terem dado pontapés na cabeça do Assistente. 103ª. Só a conformação com o resultado morte distingue o dolo eventual da negligência consciente de homicídio, como é absolutamente consensual na doutrina e na jurisprudência e resulta do art. 14º nº 3 e do art. 15º alínea a), ambos concatenados com o art. 131º, todos do Código Penal. 104ª. A conformação com o resultado morte não pode decorrer da representação mental da possibilidade de morte, pois tal representação mental é precisamente o que não diferencia o dolo eventual da negligência consciente! 105ª. E, para mais, há nos autos prova de que os Arguidos não se conformaram com o resultado morte do Assistente e que consta da pág. 48 da douta decisão recorrida, 1º parágrafo, onde se refere que, na ...”, depois do o Assistente de lá ter saído com a testemunha FF, os Arguidos e outros ficaram preocupados com o Assistente e por isso ficaram à espera da testemunha FF que, depois de ter posto o Assistente em casa, voltou ao ... e à ...” para tranquilizar os Arguidos e outros que lá teriam ficado a aguardar notícias do CC – V. pág. 48, 1º parágrafo, do Acórdão recorrido, sendo que o FF quando aí voltou, transmitiu-lhes que ele ficara bem. 106ª. O que resulta pois do que está escrito na pág. 48, 1º parágrafo, do Acórdão recorrido é que os Arguidos “estavam preocupados. Porque era importante, sobretudo para os primeiros [os Arguidos] saber se ele [Assistente] estava bem” (…), o que revela precisamente a não conformação dos Arguidos com o (a não aceitação do) resultado morte do Assistente. 107ª. Há pois, aqui, um claro erro de julgamento, pois sem apoio em qualquer prova (pág. 48, 3º parágrafo) o Tribunal a quo julgou provado um facto da maior gravidade (o facto 15), sendo que, quanto a tal facto, esse Tribunal a quo só indicou decisiva prova em contrário (pág. 48, 1º parágrafo), pelo que deve o Acórdão recorrido ser revogado e ser este facto julgado não provado. 108ª. No caso dos autos, a testemunha HH prestou declarações em fase de inquérito perante a Polícia Judiciária (autoridade policial e não autoridade judiciária – cfr. fls. 149 a 152 dos autos); porém, analisada a ata da sessão de julgamento em que tal testemunha foi ouvida (cfr. ata de ........2022), dela decorre que não foi determinada a leitura em audiência de tais declarações em inquérito, ou sequer que tenha havido acordo para tal (o que é corroborado pela gravação áudio do seu depoimento), nos termos exigidos pelo artigo 356º nºs 2, 5 e 9 do CPP. 109ª. Daqui decorre portanto que não podia o Tribunal a quo, na fundamentação do Acórdão recorrido, desvalorizar o depoimento prestado em audiência de julgamento por esta testemunha com base em contradição com o depoimento anteriormente prestado perante a Polícia Judiciária, porquanto tal pressupõe, como se crê evidente, que tal depoimento em inquérito seja valorado como meio de prova. 110ª. Nestes casos, tal como nos presentes autos, o Tribunal a quo valorou declarações que não foram produzidas ou examinadas em audiência, em manifesta violação do disposto no artigo 355º nº 1 do CPP, de onde decorre a nulidade do Acórdão recorrido, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 122º, 355º e 356º do CPP. 111ª. O reconhecimento da – acabada de arguir – nulidade do Acórdão recorrido imporia a expurgação do meio de prova em causa e a baixa do processo ao Tribunal de 1ª instância. 112ª. Porém, em situações como a dos presentes autos, essa baixa seria inútil e portanto não deve ocorrer, pois por imposição dos princípios da economia e celeridade processuais, a arguição da referida nulidade não preclude o dever de conhecimento do mérito do presente recurso, o qual deverá conduzir, por si só, à revogação da decisão condenatória, uma vez que da apreciação da decisão recorrida e da presente motivação do recurso resulta que é uma inutilidade a devolução do processo à primeira instância, pois o conhecimento do mérito do presente recurso não permitirá que se conclua senão pela absolvição dos Arguidos. 113ª. Não foi dado como provado, nem como não provado, o facto de os Arguidos estarem embriagados e em que medida, facto manifestamente relevante para a decisão a proferir, apesar de o Tribunal a quo citar expressamente na fundamentação – e de forma abundante – elementos probatórios que corroboram tal facto. 114ª. É manifesta a relevância do estado de alcoolização de todos os presentes, maxime do Assistente e dos Arguidos, pois daí resultará, nomeadamente maior ou menor culpabilidade dos seus comportamentos e também maior ou menor rigor na perceção que tiveram dos factos e, consequentemente, maior ou menor credibilidade dos seus depoimentos muito posteriores. 115ª. O Acórdão recorrido padece ademais de insuficiências para a decisão da matéria de facto provada, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, como resulta manifesto do seu texto. 116ª. É referido (pelo menos) quatro vezes na decisão recorrida o facto de o resultado «morte» não se ter verificado “por motivos alheios à vontade dos Arguidos”: − na página 7 do Acórdão recorrido; − na página 58 do Acórdão recorrido; − na página 59 do Acórdão recorrido; − e na página 69 do Acórdão recorrido. 117ª. Este enunciado linguístico, de que a morte do assistente não se verificou “por factores alheios à vontade dos arguidos” é estritamente conclusivo, não tendo o douto Acórdão recorrido aduzido quaisquer factos julgados provados que o sustentem (além de se pressupor, indevidamente como já vimos, terem os arguidos agido com dolo de homicídio). 118ª. Em rigor subsiste nos factos provados incerteza quanto à causa da falta de verificação do resultado «morte»: esta não se verificou porque os Arguidos pararam a execução das agressões por vontade própria? ou porque foram interrompidos na execução pela intervenção de terceiros? ou porque o assistente foi devidamente socorrido? 119ª. O Acórdão recorrido padece assim do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410º n.º 2 alínea a) do CPP, resolúvel por via do reenvio para novo julgamento a fim de se apurarem os factos em falta. 120ª. Noutra vertente, do texto da douta decisão recorrida poderá extrair-se, como facto julgado provado, que os ficheiros de videovigilância relativos a ........2015 foram apagados; mas o que de todo não se pode é julgar provado que tais imagens eram disto ou daquilo, pois nem o Tribunal a quo nem nenhuma outra autoridade judiciária as viu (e só a testemunha GG diz que o Sr. Inspetor PP da Polícia Judiciária as viu, o que levaria à conclusão que as imagens tinham sido apagadas na Polícia Judiciária). 121ª. Assumir-se que tais imagens provam seja o que for de agressões dos Arguidos ao Assistente está pois viciado (se não por erro notório na apreciação da prova), por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º nº 2 do CPP. 122ª. O Acórdão recorrido padece também de contradições insanáveis na fundamentação, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, como resulta manifesto do seu texto. 123ª. Efetivamente, o Tribunal a quo deu simultaneamente como provado, sob os números 14 (cfr. página 7 do Acórdão), 15 (cfr. página 7 do Acórdão) e 16 (cfr. páginas 7 e 8 do Acórdão), três conjuntos de factos concomitantes, reveladores de três conclusões antagónicas e inconciliáveis entre si quanto ao elemento subjetivo referente à conduta dos Arguidos (o dolo, que nos termos do art. 13º do CP é indispensável para haver punibilidade dos factos subsumíveis nos tipos penais). 124ª. Com efeito, a factualidade dada como provada no ponto 14 diz respeito à coautoria (“os arguidos (…) actuaram da forma supra descrita de comum acordo e em comunhão de meios, esforços e desígnios”) e é juridicamente qualificável como dolo direto de ofensas à integridade física simples (cfr. artigos 14º n.º 1 e 143º n.º 1 do CP). 125ª. Já a factualidade dada como provada no ponto 15 não diz respeito à coautoria e é juridicamente qualificável como dolo eventual de homicídio simples (cfr. artigos 14º n.º 3 e 131º n.º 1 do CP). 126ª. Por seu turno, a factualidade dada como provada no ponto 16 é juridicamente qualificável como dolo eventual de ofensas à integridade física grave (cfr. artigos 14º n.º 3 e 144º do CP). 127ª. Em suma: − nos pontos 14, 15 e 16 cada dolo tem como objeto e fim últimos atuações e resultados diferentes; − nos pontos 14, 15 e 16 todos os dolos se referem à totalidade das (supostas) atuações dos arguidos; − no ponto 14 afirma-se dolo de coautoria; − nos pontos 15 e 16 afirma-se dolos não de coautoria, dir-se-ia de autorias paralelas. 128ª. É pois manifesto haver uma incompatibilidade entre estes três conjuntos de factos provados quanto à tipicidade subjetiva correspondente a toda a atuação dos arguidos “da forma supra evidenciada” ou “da forma supra descrita”, incompatibilidade essa que é insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, porquanto o Tribunal a quo deu como provados três conjuntos de factos simultâneos e incompatíveis entre si, tornando-se evidente que apenas um deles pode persistir e sem que seja possível apurar qual deles deverá subsistir (se algum houvesse de subsistir: não nos esqueçamos que estamos no âmbito dos pedidos recursivos subsidiários, pois o pedido principal é revogar-se o Acórdão recorrido logo quanto à parte essencial da matéria de facto provada, ou seja dar-se como não provado que os Arguidos agrediram e quiseram agredir o Assistente e, portanto, absolver-se os Arguidos). 129ª. O Tribunal a quo condenou os Arguidos AA e BB, pela prática, em coautoria, de um crime de homicídio na forma tentada, mas a factualidade provada não sustenta tal decisão porquanto, nesta, o único dolo referente à coautoria reporta-se a um crime de ofensas à integridade física simples: cfr. facto provado 14, página 7 do Acórdão. 130ª. Mas a factualidade provada que sustentaria a tipicidade subjetiva (a título de dolo eventual) do crime de homicídio não sustenta a condenação por coautoria, como resulta do ponto 15 dos factos provados (cfr. página 7 do Acórdão). 131ª. Assim, o Acórdão recorrido padece de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão de Direito (condenação por tentativa de homicídio em coautoria, com dolo eventual), porquanto os fundamentos factuais (factos julgados provados) contraditam a decisão de Direito e essa contradição não é ultrapassável com recorrência ao contexto da decisão no seu todo ou às regras de experiência comum. 132ª. Por fim, resulta do texto do Acórdão recorrido que o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, na medida em que o Tribunal a quo fez uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária e de todo insustentável do acervo probatório disponível quanto às suas decisões relativas a os Arguidos terem agredido o Assistente com socos e pontapés na cabeça, plasmadas na matéria de facto julgada provada (nos supra referidos factos nºs 4 (2ª parte), 5 (2ª parte), 6, 7 (em parte), 8, 9 (início), 10 (início), 11 (1ª parte), 12 (início), 13 (início), 14 a 17, 18 (1ª parte), 34 (em parte), 37 (em parte) e 60 (em parte). 133ª. O Tribunal a quo alicerçou inteiramente os seus juízos quanto ao ocorrido naquela noite em declarações do Assistente e contra todo o demais acervo probatório, aqui se incluindo todas as testemunhas presenciais e os próprios Arguidos, sendo que o Assistente é parte manifestamente interessada no desfecho da causa, estava muitíssimo alcoolizado quando teria percecionado os factos e apresentava, ao tempo das suas declarações em audiência de julgamento, “amnésia circunstancial parcial para o evento”, como resulta de prova pericial, e ainda em gravações de imagens de videovigilância inexistentes e numa perícia médica que só ponderou uma queda do Assistente (da varanda da sua casa) e não duas, quando resulta indesmentivelmente dos autos que o Assistente caiu uma primeira vez ainda na ...”. 134ª. Há ainda um segundo erro notório na apreciação da prova quanto ao facto provado 15 (cfr. página 7 do Acórdão), pois, como já se referiu, a conformação com o resultado morte não pode decorrer da representação mental da possibilidade de morte, pois tal representação mental é precisamente o que não diferencia o dolo eventual da negligência consciente (V. art. 14º nº 3 e art. 15º alínea a), ambos do CP). 135ª. Mas o que está escrito na pág. 48, 1º parágrafo, do Acórdão recorrido é que os Arguidos “estavam preocupados. Porque era importante, sobretudo para os primeiros [os Arguidos] saber se ele [Assistente] estava bem” (…). 136ª. Há pois, também aqui, erro notório na apreciação da prova, pois de modo irracional, de zero provas (pág. 48, 3º parágrafo), o Tribunal a quo retira um facto julgado provado essencial (o facto 15) e, quanto a isso, esse Tribunal só indica decisiva prova em contrário (pág. 48, 1º parágrafo). 137ª. A verificação (de pelo menos um) dos vícios do artigo 410º nº 2 do CPP tem como consequência, se tal for possível, a supressão do(s) mesmo(s) pelo Tribunal ad quem e, em consequência a decisão da causa por esse mesmo Tribunal ou, na impossibilidade de o fazer, a anulação do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento. 138ª. Contudo, no presente caso e nos termos do artigo 426º n.º 1 do CPP, a ocorrência de tais vícios não determina um reenvio inútil do processo para novo julgamento, desde logo porquanto a absolvição dos Arguidos decorre inexoravelmente da correta decisão quanto à matéria de facto, como acima se demonstrou; ou, caso assim não se entenda, porquanto este Alto Tribunal dispõe de poderes de cognição amplos – de facto e de Direito – que lhe permitem decidir a causa sem o recurso ao reenvio do processo, uma vez que, constando do processo todos os elementos de prova necessários, está em condições de os reexaminar e proferir decisão sobre a matéria de facto, expurgando os vícios cometidos pelo Tribunal a quo. 139ª. O Tribunal da Relação pode conhecer da matéria de facto, modificando a respetiva decisão, em qualquer uma das situações alternativas contempladas nas alíneas a) a c) do artigo 431º, bem como através do conhecimento dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º e, no caso em apreço, não só constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base ao Acórdão proferido pelo Tribunal a quo (alínea a) do artigo 431º), como a presente motivação de recurso tem como fundamento – entre outros – a ocorrência dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 410º (vícios, aliás, que sempre seriam de conhecimento oficioso). 140ª. Deste modo, é evidente que V. Exas., Venerandos Desembargadores, no uso dos poderes de cognição conferidos por Lei, podem – e devem, como decorre do artigo 426º n.º 1 do CPP – proceder à sanação dos vícios arguidos no recurso, modificando a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo. 141ª. A manterem-se os factos objetivos julgados provados no sentido de que os Arguidos agrediram o Assistente – no que não se concede! –, mas não os factos relativos à tipicidade subjetiva que, como em parte já vimos e agora vamos ver melhor, deverão ser subsumíveis no art. 146º do CP, então o crime cometido não seria tentativa de homicídio com dolo eventual, mas sim ofensas à integridade física privilegiada (art. 146º CP), agravadas pelo resultado ofensas corporais graves (art. 18º, 146º alínea a) e 147º nº 2 CP); só muito subsidiariamente se concebe, sem nunca conceder, que pudesse consubstanciar tentativa de homicídio com dolo eventual, mas de homicídio privilegiado (art. 133º do CP) 142ª. Admitindo pois, sem conceder, que haja alterações da factualidade provada mas que continuará a julgar-se que os Arguidos agrediram o Assistente, será mais rigoroso qualificar juridicamente os factos como uma retorsão (nos termos e para os efeitos do art. 143º nº 3 alínea b) do CP), em defesa da LL (sobrinha dos Arguidos que instantes antes fora assediada sexualmente pelo Assistente CC) e quando muito como um crime praeter-intencional (ou seja uma ofensa dolosa, mas privilegiada, à integridade física agravada pelo resultado ofensas corporais graves, negligentes), sendo então aplicáveis os artigos 18º e 147º do CP, em vez da qualificação dos factos no tipo penal de homicídio na forma tentada. 143ª. Ou seja em que o Assistente sofreu um mal maior do que aquele que os Arguidos lhe quiseram causar e não um mal menor do que aquele que os Arguidos queriam causar-lhe) ! 144ª. E, mesmo que, contrariamente ao que é juridicamente correto pelas razões acima aduzidas, não se reconheça ter havido erros de julgamento e portanto não haja qualquer alteração da matéria de facto julgada provada pelo Tribunal a quo, no que obviamente não se concede, mesmo que não se sanem os vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP supra apontados, no que igualmente não se concede, e mesmo que não se aplique um diferente (mais específico e menos grave) tipo penal do que aquele pelo qual os Recorrentes foram condenados (o art. 146º - ofensa à integridade física privilegiada – e eventualmente os arts. 147º e 148ª), ainda assim ter-se-á necessariamente que constatar que o Direito que o Tribunal a quo aplicou quanto à medida concreta das penas de prisão aplicadas e quanto à não suspensão das respetivas execuções, está eivado de erros em desfavor dos Arguidos, como se vai passar a demonstrar, pelo que as decisões condenatórias proferidas são ilegais, devendo ser sempre substituídas por penas de prisão muito menos graves. C. CONCLUSÕES SUBSIDIÁRIAS – SEGUIDAMENTE TOMA-SE COMO PRESSUPOSTO A MATÉRIA DE FACTO TAL COMO FOI JULGADA PROVADA PELO TRIBUNAL A QUO E A QUALIFICAÇÃO JURÍDICA À QUAL ESTE PROCEDEU, MAS APENAS NUMA LÓGICA DE DEFESA DUPLAMENTE SUBSIDIÁRIA. OU SEJA, NADA DO QUE SE PASSA A EXPOR SEGUIDAMENTE PODE SER ENTENDIDO COMO PONDO EM CAUSA QUALQUER UMA DAS PRETENSÕES RECURSIVAS SUPRA FORMULADAS, SEJA A TÍTULO PRINCIPAL, SEJA NUM PRIMEIRO GRAU DE SUBSIDIARIEDADE. 145ª. Há que começar por atentar em factos provados relevantes, que não podem deixar de ser considerados em benefício dos Recorrentes, quer no âmbito da determinação da medida concreta das penas de prisão, quer no âmbito da decisão acerca da suspensão ou não da respetiva execução 146ª. Para o efeito que aqui nos ocupa, relevam os seguintes pontos da matéria de facto julgada provada, que desde já se destacam: “1. No dia ... de ... de 2015, pelas 22.00 horas, no exterior do snack-bar, padaria e pastelaria ‘...’, sito na ..., o assistente, CC, disse ao arguido AA que a filha deste ‘era tenrinha’, o que lhe causou desagrado. […] 58. O assistente olhou de forma insistente, sugestiva e impertinente para a filha do dono da ..., que ali se encontrava a trabalhar. 59. Na sequência das palavras referidas em 1., o arguido AA ficou zangado. […] 68. Os arguidos são ‘homens de família’, trabalhadores de créditos reconhecidos, pessoas simples, e estão integrados no seu meio social de referência. […] 85. Os arguidos são ambos sócios e gerentes de uma sociedade que explora um estabelecimento comercial de pastelaria e ‘minimercado’, onde exercem funções como funcionários pelas quais cada um deles declara receber um salário correspondente ao salário mínimo regional. 86. O arguido AA tem o 4º ano de escolaridade e reside em casa própria, com a sua mulher, bordadeira, e uma filha. Tem ainda um outro filho. Os seus filhos são ambos autónomos economicamente. 87. O arguido BB tem o 6º ano de escolaridade e reside em casa própria, com a sua mulher, doméstica, e os dois filhos do casal, ambos maiores. O filho mais velho trabalha com ele no referido estabelecimento comercial, onde aufere um salário mensal correspondente ao salário mínimo regional; o mais novo é estudante, estando ainda na sua dependência económica. 88. Os arguidos não têm antecedentes criminais averbados nos seus Certificados de Registo Criminal”. 147ª. Uma vez que, segundo o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, para efeitos de decisão sobre a suspensão ou não da execução da pena de prisão, importa proceder a juízo de prognose com referência ao momento dessa decisão e não ao momento da prática do crime, e uma vez que o que infra se pede é, justamente, que o Tribunal ad quem, agora em fase recursiva, decida suspender a execução das penas de prisão, refere-se, ainda, com referência à atualidade (momento da decisão), que a sociedade a que se refere o ponto 85 dos factos provados é a ‘...’, com o NIF ..., e que a referida sociedade tinha, em ..., 19 trabalhadores (para além dos próprios Recorrentes), tudo como o Tribunal ad quem poderá constatar através da consulta das bases de dados que tem disponíveis (por facilidade de consulta e uma vez que a lei manda atender às circunstâncias no momento da decisão – e não no momento da prática dos factos – é necessário fazer prova da situação atual, junta-se a esta motivação de recurso impressão do registo comercial, como Doc. n.º 1, e cópia do relatório único da sociedade, como Doc. n.º 2). 148ª. Se os Recorrentes tiverem de cumprir pena de prisão efetiva, não poderão assegurar o futuro da sociedade ‘...’, nem dos referidos 19 postos de trabalho, já que nenhum dos seus familiares (mesmo aqueles que trabalham no estabelecimento) tem experiência na gestão do negócio e não poderão contribuir para dar execução ao projeto de desenvolvimento rural da ..., nos termos da candidatura, aprovada a ... de ... de 2022 com uma ajuda ao investimento de € 1.632.741,11, que foi submetida pela ‘...’, da qual ambos os Recorrentes são associados fundadores (Presidente, o Recorrente BB e Tesoureiro, o Recorrente AA). 149ª. Já passaram 8 anos do momento da prática do facto - “muito tempo”, portanto, e tendo sempre os agentes mantido boa conduta, nomeadamente para os efeitos da alínea d) do n.º 2 do artigo 72.º do CP -, a acima referida conduta posterior do agente releva naturalmente muito, pois só tem sentido prender em estabelecimento prisional, para reintegrar, quem está desintegrado; e não quem já está reintegrado. 150ª. O comportamento dos arguidos e a sua boa integração social, quer anterior aos factos, quer posterior aos factos, é exemplar, o que portanto revela bem que a personalidade dos arguidos ora Recorrentes não é antissocial, pelo contrário! 151ª. É precisamente por causa da gravidade do crime de homicídio que o mesmo, na forma simples, é, nos termos do artigo 131.º do CP, punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos e, por ser assim, não se pode, na aplicação da alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º do CP, fazer novamente apelo à grande gravidade do crime em causa, por se tratar de tirar a vida a outrem, pois tal grau de ilicitude (abstrato) já é inerente ao tipo. 152ª. O Tribunal a quo, ao fundamentar a medida da pena, outra vez, com base no grau de ilicitude do facto, já previamente considerado pelo legislador na fixação da moldura penal abstrata, procede, pois, a uma dupla valoração da mesma circunstância, proibida pelo artigo 71.º, n.º 2, corpo, do CP e violadora do princípio non bis in idem, pelo que deve agora ser diminuída a pena concreta, que o Tribunal a quo indevidamente aumentou com a referida dupla valoração da ilicitude (decorrente de estar em causa um caso de homicídio). 153ª. Além disso, num terceiro juízo de afirmação da gravidade da ilicitude, o Tribunal a quo quis dar ainda mais ênfase à ilicitude dos factos imputados aos Arguidos, aduzindo que “a conduta foi vil e reveladora de uma personalidade mal formada e distanciada do Direito e merecedor de acentuada censura”, já que considerou que os Arguidos nem provocados foram. 154ª. Admite-se que, se as agressões dadas como provadas pelo Tribunal a quo tivessem existido (no que não se concede e apenas por dever de patrocínio aqui se equaciona) seriam de qualificar como violentas; mas não é menos certo que os Arguidos, ora Recorrentes também estavam então alcoolizados (V. no douto acórdão recorrido: pág. 30, últimas duas linhas, com referência às declarações do Assistente; pág. 37, linhas 15 e 16, com referência às declarações de NN; pág. 39, linha 12, com referência às declarações de II; pág. 42, linha 11, com referência às declarações de EE; pág. 44, linha 13, com referência às declarações do Recorrente BB). 155ª. Logo, com menos livre arbítrio e menos imputabilidade (se o Tribunal a quo considerou desculpabilizante para o Assistente estar alcoolizado, não se vê como não se faça a mesma ponderação quanto aos Arguidos). 156ª. E teriam agido impulsivamente, por emoção violenta causada pela referência ofensiva e desrespeitosa feita pelo Assistente contra II, sobrinha de ambos, mas que o Assistente julgava ser filha do arguido AA e por isso disse-lhe que a filha dele era “tenrinha” e o AA pensou que o Assistente estava de facto a referir-se à sua filha, pois o AA tem efetivamente uma filha. 157ª. Não se pode, pois, considerar os atos em causa vis, no sentido de (consciente e voluntariamente) infames ou degradantes e portanto com um especialmente elevado grau de culpa (o douto Acórdão recorrido fala aqui de maior grau de ilicitude, mas estamos em crer que apenas por lapso). Pelo contrário! 158ª. Em bom rigor, os atos praticados (a terem sido praticados pelos Arguidos, no que não se concede) deveriam, quando muito, ser referenciados como ofensa à integridade física e deveriam até ser considerados praticados em retorsão contra o assédio sexual feito pelo Assistente à sobrinha dos Arguidos, LL, e portanto subsumíveis no art. 143º nº 3 alínea b) do CP, podendo o Tribunal dispensar de pena ou serem os factos considerados ofensas à integridade física privilegiadas, porque decorrentes de “compreensível emoção violenta”, nos termos do artigo 146.º do CP, como já acima se referiu. 159ª. Assim não sendo, então estaríamos numa situação análoga à prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 72.º do CP (esta enumeração é exemplificativa de acordo com a técnica dos exemplos-padrão – cfr. a expressão do proémio do n.º 2: “entre outras”). 160ª. E também não se aceita que esses factos sejam reveladores de uma personalidade malformada e distanciada do Direito, quer sirva este juízo para considerar o grau de ilicitude (rectius: de culpa) dos factos especialmente elevado - alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º do CP -, quer sirva o mesmo juízo para graduar o dolo – alínea b) do nº 2 do art. 71º do CP – ou para avaliar, em prejuízo dos Recorrentes, as suas condições pessoais - alínea d) do n.º 2 do artigo 71.º do CP. 161ª. Não se pode extrapolar de um só ato isolado na vida de um cidadão (in casu, dois cidadãos) que o mesmo tenha mau caráter e paute a sua existência por uma conduta desconforme às regras jurídicas que balizam a vida em sociedade, para mais quando o próprio Tribunal a quo deu como provado, nos pontos 68 e 85 a 88, que os Recorrentes são “homens de família”, trabalhadores de créditos reconhecidos e integrados no seu meio social de referência, sem antecedentes criminais. 162ª. Assim, o conjunto dos factos composto pelos pontos 68 e 85 a 88 dos factos provados não pode deixar de ser considerado para se concluir que o crime em causa, não obstante o seu modo de execução, é inadequado à personalidade do agente, in casu dos Recorrentes. 163ª. A este propósito, acresce, ainda que o Tribunal a quo decidiu serem os Recorrentes “pessoas simples”, nos termos do ponto 68 dos factos provados. 164ª. Ora, ainda que o que se vai dizer possa ser interpretado como “politicamente incorreto” (o que aqui é indiferente), é público e notório que as pessoas mais simples tendencialmente têm uma perceção mais exacerbada da honra, pois faz parte do que têm como valioso e não depende do dinheiro. Faz parte da sua dignidade! 165ª. Se o que se espera do cidadão exemplar é que ignore um tal comentário e se afaste, ou, no limite, apenas em Tribunal trace armas, pela ofensa infligida, é bem sabido que é completamente irrealista esperar que seja sempre essa a reação de certas pessoas simples, de meios menos citadinos e pouco dadas a “punhos de renda”. 166ª. Facto é que o Tribunal a quo (como o Tribunal ad quem seguramente reconhecerá), minimizou excessivamente o que foi ofensivamente dito pelo Assistente aos Arguidos sobre a LL, sua parente muito próxima: “a tua filha” – dirigindo-se ao Recorrente AA – “é tenrinha” (ponto 1 dos factos provados), o que aliás disse também à LL, como a própria inequivocamente relatou (V. pág. 39 do Acórdão recorrido), depois de, impertinentemente, lhe lançar olhares lascivos – cfr. facto provado 58 e pág. 39 do douto acórdão recorrido, sobre o que declarou a própria II, a quem o Assistente assediou sexualmente, em termos suficientemente intensos para serem suscetíveis de subsunção no artigo 170.º do CP! 167ª. O Tribunal a quo reconheceu que o dito comentário tem “óbvia carga sexual” (o que, aliás, é manifesto), mas, com notória pena do Assistente, descreve-o apenas como “um comentário” de “mau gosto” (pág. 66 do douto acórdão recorrido). E até diz, na mesma passagem, que o mesmo não é provocatório?! 168ª. Não o será, quiçá na específica aceção do artigo 72.º, n.º 2, alínea b), do CP, mas constitui, retorsão nos termos do art. 143º nº 3 alínea b) ou compreensível emoção violenta, nos termos do artigo 146.º do CP – retorsão contra o comportamento “insistente, sugestivo e impertinente” que o Assistente teve contra a filha dos donos da ...” onde todos se encontravam, incluindo os Arguidos, e onde devia o Assistente ter cumprido o dever básico de respeito e consideração pelos donos da casa e pela sua filha, tendo os tios desta ficado zangados com tal falta de respeito (V. facto provado 59). 169ª. Não se pode deixar de ter em conta, em sentido favorável aos Recorrentes (que são, eles mesmos, resultado do seu espaço e tempo, da sua enculturação e nível socioeconómico), que estes são “pessoas simples”, como consta do ponto 68 dos factos provados, para quem é muito ofensivo dizer-se que a sua filha ou sobrinha se comportava (movia-se, vestia-se, falava, apresentava-se) de modo libidinoso ou sexualmente apelativo para os homens; seja ao nível do estatuído nos artigos 143.º nº 3 alínea b) e/ou 146.º do CP, seja ao nível de uma atenuação especial da pena, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, alínea b), do CP, considerando este ser circunstância especialmente atenuante “[t]er sido a conduta do agente determinada por motivo honroso […] ou por provocação injusta ou ofensa imerecida” e/ou ao nível da alínea c) do n.º 2 do artigo 71.º do CP, onde o legislador impõe ao julgador que atenda aos fins ou motivos que determinaram a prática do crime. 170ª. Para o caso de o Tribunal ad quem entender que não devem ser revogadas as decisões do Tribunal a quo de ter julgado provado que os Recorrentes agrediram o Assistente, terá de aceitar-se que a violência utilizada na execução do crime (tal como descrita no douto acórdão recorrido, descrição essa que só para este estrito efeito se admite, sem conceder) releve em desfavor dos Recorrentes, no plano da alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º do CP, mas, quanto ao mais – porque é atendendo à realidade do caso concreto que se fará Justiça –, deve o Tribunal ad quem reconhecer que o Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação dos critérios definidos nos artigos 71.º e 72.º do CP, com o resultado de terem sido aplicadas aos Recorrentes penas de prisão manifestamente exageradas, pois no plano dessa alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º do CP (já que foi a este nível que o próprio Tribunal a quo colocou a questão), bem como no plano das alíneas c) e d) desse mesmo n.º 2 do artigo 71.º do CP e, ainda, dos artigos 143.º nº 3 alínea b) e 146.º do CP, os autos – contrariamente ao que diz o Tribunal recorrido – não revelam terem os Recorrentes uma personalidade malformada e distanciada do Direito (antes pelo contrário), revelando, isso sim, que os factos pelos quais os Recorrentes foram condenados constituem atos decorrentes de retorsão ou de compreensível emoção violenta, isolados num percurso de vida, de resto, exemplar, antes e depois do dia ........2015. 171ª. O que foi provado como dolo, do “acordo” da coautoria a que se refere o artigo 26.º do CP, foi um dolo direto de ofensa à integridade física simples (“bem sabendo que, ao agirem desse modo, molestavam o corpo e a saúde do assistente”) - V. artigo 143.º, n.º, 1 do CP-– e não de homicídio! cfr. o ponto 14 dos factos provados (mal provado porque os Arguidos não quiseram bater ao Assistente e de facto não lhe bateram) e também o que consta dos pontos 15 e 16 (cfr. a pág. 7 do douto acórdão recorrido). 172ª. Portanto, o dolo de ofensa à integridade física simples, a considerar-se que existe, quando muito é que poderia ser considerado intenso ainda que com motivação privilegiada (com referência ao art. 146º CP) ou como resposta a retorsão (art. 143º nº 3 alínea b)). Mas, a ter havido representação mental da possibilidade da morte do Assistente (uma vez mais admitindo-se sem conceder que os Recorrentes tivessem agredido o Assistente) o que na realidade haveria, de acordo com os factos plasmados no douto acórdão recorrido, é negligência consciente, nos termos do artigo 15.º, alínea a), do CP e não dolo eventual, nos termos do artigo 14.º, n.º 3, do CP, por os Arguidos jamais se terem conformado com a morte do Assistente. 173ª. O Tribunal a quo considera impor-se uma pena mais elevada por exigência de prevenção, por, segundo refere, se verificar uma certa banalização deste tipo de conduta mas esses factos não têm qualquer apoio na matéria de facto dada como provada, o que basta para que não possa manter-se este juízo do Tribunal a quo. 174ª. De notar que, como uma simples pesquisa em fonte aberta permite apurar, a taxa de criminalidade na ... tem decrescido e é, inclusivamente, inferior à média nacional: “Em ..., segundo a Direção Regional de Estatística, a taxa de criminalidade na ... (RAM) diminuiu face ao ano precedente, permanecendo abaixo da média nacional”. 175ª. Dito isto, verifica-se aqui, além de erro de Direito, insuficiência de matéria de facto provada para a decisão (acerca da maior exigência de prevenção geral), como acima se referiu, nos termos e para os efeitos do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, devendo, em todo o caso, o Tribunal ad quem, desconsiderar o raciocínio do Tribunal a quo (segundo o qual se impõem, in casu, particulares exigências de prevenção geral) e substituí-lo por outro, segundo o qual se impõem exigências de prevenção geral baixas, pois como vimos o que estará quando muito em causa é um caso de ofensas à integridade física simples, em caso de retorsão (art. 143º nº 3 alínea b)) ou um caso de um caso de compreensível emoção violenta (art. 146º CP). 176ª. Os Recorrentes não têm antecedentes criminais mostram-se plenamente integrados pessoal, social e profissionalmente e têm um percurso de vida marcado por honestidade e intensos hábitos de trabalho, espírito empreendedor e, neste sentido, mérito acima da média: ou seja, a sua conduta, tanto anterior como posterior ao crime, é irrepreensível. 177ª. Pelo que as exigências preventivas especiais são, neste caso, muito diminutas ou mesmo inexistentes, pois os Recorrentes terão praticado um ato isolado, inadequado às personalidades dos Recorrentes e estão preparados para manter uma conduta lícita: para pessoas com a formação cívica e moral dos Recorrentes, a reafirmação contrafáctica das normas está claramente feita. 178ª. Efetivamente, o que os factos revelam é que não há qualquer disposição dos Recorrentes para o crime, tendo antes existido uma situação pontual, gerada por uma muito específica conjugação das circunstâncias, criada pelo Assistente em estado de grande alcoolização e relativamente à sobrinha dos Arguidos que está a terminar (ou já terminou mesmo…) o curso de Direito e, portanto, não voltará a servir na pastelaria/padaria dos seus pais, NN e OO. 179ª. Em suma, também aqui, e no âmbito do juízo imposto pelo artigo 71.º, n.º 1, do CP, deve o Tribunal ad quem substituir a decisão do Tribunal a quo, considerando então que também as exigências de prevenção especial são, in casu, reduzidas. 180ª. O Tribunal a quo valorou, ainda, contra os Recorrentes, circunstâncias que, nos termos da lei, caso se tivessem verificado efetivamente, podiam somente ser valoradas a seu favor. 181ª. A não confissão dos factos e o não arrependimento não podem ser considerados circunstâncias agravantes. 182ª. Pois a não verificação de uma atenuante - o artigo 72.º, n.º 2, alínea c), do CP contém expressa referência ao arrependimento – não equivale à verificação de uma agravante! 183ª. Ponderadas todas as circunstâncias assinaladas, afigura-se serem as penas de prisão aplicadas manifestamente excessivas, justificando-se a redução das mesmas (isto evidentemente a título subsidiário, sem em nada conceder nem prescindir quanto ao que se disse e demonstrou no sentido da pura e simples absolvição dos Arguidos, pois o que desde logo mais releva é a inaplicabilidade do artigo 131.º do CP, sequer na forma tentada, pois os Arguidos não agiram com nenhum dolo eventual de homicídio e nem sequer agrediram o Assistente). 184ª. Atendendo à compreensível emoção violenta com que teriam agido os Recorrentes (volta-se à argumentação subsidiária de admitir, sem conceder, que os Arguidos tivessem agredido o Assistente), deve considerar-se aplicável (porque prevalecente dada a relação de especialidade normativa relativamente ao artigo 143.º do CP) o artigo 146.º do CP, sendo então a pena aplicável de prisão até 3 anos. 185ª. É ainda cumulável, pelas razões já acima expostas, uma atenuação especial, ao abrigo do disposto no art. 72º nº 2 alínea b) do CP, o que determinaria a aplicação do art. 73º nº 1 alínea b), de onde resultaria então uma pena concretamente aplicável ao caso de 1 mês a 2 anos, pena essa de que os Arguidos podem até ser dispensados, nos termos do art. 143º nº 3 alínea b). 186ª. Para o Tribunal a quo o fundamento para a não suspensão da execução das penas de prisão em que os Recorrentes foram condenados foram razões de prevenção geral. 187ª. Porém, como se viu já supra, essa avaliação: a) por um lado, assenta em factos que não foram julgados provados, pelo que se verifica aqui insuficiência de matéria de facto provada para a decisão, na aceção do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP; e b) por outro lado, constitui erro de julgamento, na medida em que, em termos de experiência comum, o juízo que se afigura mais correto é que o tipo de conduta pelos quais os Recorrentes foram condenados não é cada vez mais frequente, mas sim, pelo contrário, cada vez mais raro. 188ª. Dito isto, o referido motivo invocado pelo Tribunal a quo, para com base nele não suspender a execução das penas de prisão nas quais ambos os Recorrentes foram condenados, não colhe, devendo o Tribunal ad quem desconsiderá-lo. 189ª. No presente caso, em que o Tribunal a quo deu como provado, nos pontos 68 e 85 a 88, que os Recorrentes são “homens de família”, trabalhadores de créditos reconhecidos e integrados no seu meio social de referência, sem antecedentes criminais, o que importa concluir é que os Recorrentes são bem formados e cumpridores das regras jurídicas, sendo antes os crimes em causa algo inadequado às respetivas personalidades. 190ª. Segundo o próprio Tribunal a quo (cfr. pág. 71 do Acórdão recorrido), em termos de prevenção especial, seria de suspender-se a execução das penas de prisão nas quais os Recorrentes foram condenados, mas, in casu, sobrepor-se-iam exigências da prevenção geral. 191ª. No quadro, especificamente, do juízo de prognose quanto à perigosidade (ou de respeito pelas normas jurídico-penais, se se preferir), é manifesto que a conclusão só pode ser a de que a necessidade de pena de prisão efetiva, relativamente aos Recorrentes, é nenhuma, sendo precisamente para casos como estes que há, na lei, penas de substituição. 192ª. Contra esta realidade, só necessidades de prevenção geral absolutamente prementes e de máxima intensidade poderiam, ainda assim, impor a não suspensão da execução das penas de prisão…, mas essas especialíssimas necessidades não se verificam, pois teriam que assentar em factos com suporte na matéria de facto dada como provada e não assentam, além de que estão errados, à luz da experiência comum. 193ª. Pelo exposto, o Tribunal a quo, ao não ter suspendido a execução das penas de prisão nas quais os Recorrentes foram condenados, cometeu erro de julgamento, pelo que deve agora esse Venerando Tribunal ad quem revogar essa decisão e substituí-la por outra de sentido inverso (ou seja suspendendo a execução da pena de prisão que possa ser aplicada), caso os Arguidos não sejam absolvidos. 194ª. Há ainda clara contradição do Tribunal a quo entre os fundamentos (segundo os quais se diz, com razão, que para efeitos de suspensão ou não da pena o que importa é a prevenção especial) e a decisão, que diz que as razões de prevenção especial do caso concreto levariam à suspensão da pena e que só por razões de prevenção geral (não provadas), é que o Tribunal a quo não suspende as penas aos Recorrentes: V. pág. 71 do douto acórdão recorrido. 195ª. Deve pois ser suspensa a execução das penas de prisão em que os Recorrentes possam ser condenados, ao abrigo do artigo 50.º do CP e por se ter devidamente em consideração como atenuantes as personalidades dos Recorrentes, as respetivas condições de vida e as suas condutas anteriores e posteriores aos factos em apreço nestes autos, os quais, por seu turno, devem ser considerados atos isolados das suas vidas, que com elevado grau de probabilidade não se repetirão, pelo que a simples censura dos referidos factos e a ameaça de prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. D. QUANTO AO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL 1ª. Se em função do pedido principal desta motivação de recurso o Acórdão recorrido for revogado, como se espera, e se os factos 4 a 6, 8 a 18, 34, 37 e 60 julgados provados pelo Tribunal a quo devido a erro de julgamento forem antes julgados não provados, a absolvição dos Arguidos e Demandados Civis é inexorável e portanto decairá também totalmente a condenação no pedido de indemnização civil que, ao invés, deverá ser julgado improcedente. 2ª. Se, por absurdo, assim não suceder, ainda haverá porém razões de sobra, em especial a verificação no Acórdão recorrido de nulidades e vários dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, para a revogação do Acórdão recorrido e a anulação do julgamento, o que evidentemente implica que só após novo conhecimento do mérito da causa há-de saber-se que destino terá o pedido de indemnização civil deduzido pelo Assistente e Demandante Civil. 3ª. Apenas por cautela de patrocínio ou seja subsidiariamente, e portanto sem em nada se conceder, é concebível a possibilidade de se vir a considerar que os Arguidos e Demandados teriam agredido dolosamente o Assistente e Demandante civil, por retorsão contra os atos de assédio sexual praticados pelo Assistente contra a LL (cfr. art. 143º nº 3 alínea b)) ou por compreensível emoção violenta causada com esse comportamento reprovável (cfr. art. 146º CP) e sem dolo de lhe causar ofensas à integridade física graves, mas que o Assistente e Demandante teria sofrido tais lesões graves que teriam sido causadas por negligência (caso, evidentemente, o nexo de imputação objetiva seja comprovado entre umas e outras ofensas à integridade física). 4ª. Em suma nos termos dos efeitos em Direito Civil de um crime agravado pelo resultado (V. art. 18º CP) que, concretamente, teria consistido em ofensas à integridade física dolosas por retorsão ou privilegiadas por compreensível emoção violenta, das quais teriam decorrido ofensas à integridade física graves por negligência, existindo um nexo de adequação entre uma coisa e outra. 5ª. Se assim for – no que não se concede e só subsidiariamente se concebe –, para além de haver algum dever de indemnizar (de muito menor valor do que aquele em que os Demandados foram condenados) pelas ofensas à integridade física dolosas, mas em retorsão ou privilegiadas, haveria ainda dever de indemnizar pelas ofensas graves causadas por negligência (nos termos do art. 483º do CC, “por mera culpa”). 6ª. Aí então teria aplicação – quanto às ofensas graves causadas por negligência – o art. 494º do Código Civil (CC) que permite que o quantum indemnizatório não se estribe no critério geral previsto no art. 562º CC, mas sim em valor menor, determinado por juízo de equidade favorável aos Demandados (pois trata-se de encontrar um valor inferior ao que decorria do art. 562º CC), tendo nomeadamente em consideração, no caso concreto, que o lesado é bem mais abastado do que os lesantes, que são pequenos comerciantes que apenas auferem o salário mínimo nacional (V. factos provados 85 a 87 e factos provados 50 e 51). 7ª. Foi muito insuficientemente apurada a situação económica do Demandante para o efeito da determinação do quantum indemnizatório, nomeadamente à luz de juízos de equidade, razão pela qual já se aduziu que estamos aqui perante uma insuficiência da matéria de facto provada para a decisão (pois só se conhece o que consta dos factos provados 50 e 51), o que, nos termos do art. 410º nº 2 CPP, deverá conduzir à anulação da decisão recorrida e reabertura da audiência para apuramento da factualidade relativa ao património e rendimento do Demandante civil (e bem assim se o mesmo é proprietário de imóveis ou de automóveis ou titular de participações sociais – o que é fácil de apurar mandando o Tribunal oficiar às respetivas Conservatórias – ou mesmo titular de depósitos bancários ou outras aplicações financeiras – o que também será fácil de apurar oficiando-se ao Banco de Portugal –, ou ainda a sua situação contributiva junto da Segurança Social e situação tributária junto da Autoridade Tributária), o que (subsidiariamente) se requer. 8ª. O que em todo o caso deverá ser levado em linha de conta na determinação de qualquer indemnização que os Demandados Civis possam ser condenados a pagar ao Demandante é a culpa do lesado (V. art. 570º CC) e no dever que o Tribunal a quo tinha de conhecer tal culpa do lesado, mesmo que não alegada, como estatui a segunda parte do art. 572º CC. 9ª. Ora in casu, factos culposos do Demandante CC concorreram para a produção dos danos (cfr. art. 570º nº 1 CC) – a provocação que o lesado fez aos lesantes assediando sexualmente a sua sobrinha II, que, apesar de ser estudante de Direito, estava humildemente a servir à mesa e a lavar a loiça, ajudando gratuitamente os seus pais, donos do estabelecimento “...” (NN e OO), e que foi, sem qualquer culpa sua, importunada pelo lesado, primeiro com olhares lúbricos (“babados” ou “rebarbados”, como declarou a LL) e depois com a afirmação desbocada, ordinária e insultuosa “a tua filha é tenrinha” (o que foi dito com sentido obviamente sexual, como até o Tribunal a quo reconheceu no Acórdão recorrido – V. pág. 66 do Acórdão recorrido –, mas tendo a LL declarado que o ouviu dizê-lo repetidamente e com o acrescento “comia-a toda” – V. pág. 39 do Acórdão recorrido –, tendo ela fingido que não ouvia, mas tendo os seus tios, ora Arguidos e Demandados, ouvido e saído em sua defesa); – em suma, tudo teria estado pacato e normal no estabelecimento “...” se o Demandante não tivesse desatado a importunar sexualmente a LL, sobrinha dos Arguidos, e depois importunado até diretamente os Arguidos com a referida afirmação desbocada, ordinária e insultuosa de a LL ser “tenrinha”; é pois óbvio que o Demandante é que despoletou toda a situação, sendo pois, nessa medida, óbvia, pelo menos, uma sua parte de culpa. 10ª. E factos culposos do Demandante levaram também ao agravamento dos danos (art. 570º nº 1 CC) – o descontrolo da diabetes “mellitus 2” de que já padecia e o seu alcoolismo (V. factos provados nºs 69 e 82), ambos evidentemente de culpa do lesado, ao que acresce o modo descuidado como manipulou os ferimentos causando infeções, maior duração da doença e mais complicações de saúde que de outro modo não teriam acontecido (V. facto provado 83). 11ª. Ora, também aqui há insuficiência da matéria de facto julgada provada para a decisão do quantum indemnizatório que pondere a exata medida da culpa do lesado quanto ao agravamento dos danos, pois não foi apurado em que medida é que o descontrolo da diabetes, o alcoolismo e a descuidada manipulação dos ferimentos implicaram mais tempo de internamento, mais aplicação de fármacos, mais consultas, complicações nas intervenções cirúrgicas e em que medida é que contribuíram para a sua incapacidade para o trabalho e para os déficits Físico-Psíquicos e/ou Físico-Cognitivos de que o Demandante terá ficado a padecer. 12ª. Deverá ainda ter-se em consideração que os danos que o Demandante possa ter sofrido imputáveis aos Demandados se terão certamente agravado pelo facto de o CC ter chegado a casa (cerca das 22h30m), sem chaves de casa, e depois muito provavelmente ter tentado entrar em casa por uma janela ou por uma varanda e muito provavelmente ter então sofrido traumatismos, assim tendo pelo menos co-causado graves danos a si mesmo (V. factos provados 62, 63, 66 e 67). 13ª. E, além disso, o Demandante também caíra já de costas, com a cabeça no chão (V. facto provado 5), pouco antes, cerca das 22h, sendo que a causa de tal queda não foi qualquer soco do BB, que não existiu, mas sim ter-lhe “falseado o pé” no degrau do estabelecimento “...”, como declararam FF (V. pág. 40 do Acórdão recorrido) e GG (V. pág. 41 do Acórdão recorrido), tendo necessariamente concorrido para essa falta de equilíbrio o elevado estado de embriaguez em que se auto-colocara, pois já aí chegara cerca das 18 h notoriamente embriagado (V. facto provado 54) e depois esteve a ingerir whisky (V. facto provado 57). 14ª. Se quanto a esta queda no estabelecimento “...” os Demandados nenhuma culpa têm, ou quando muito poderão ter alguma culpa não dolosa (como já vimos), quanto aos traumatismos que o Demandante sofreu depois de ter chegado a casa já os Demandados Civis não têm mesmo qualquer sombra de culpa. 15ª. Outro aspeto em que há que atentar, no caso dos autos, é no essencial pressuposto da responsabilidade civil delitual que é o nexo de causalidade. 16ª. Uma questão é a da interrupção do nexo de causalidade que tivesse sido iniciado com pequenas eventuais lesões dolosas causadas pelos Arguidos (no que não se concede) e que tenha sido interrompido por outras lesões causadas por terceiro(s) ou pelo próprio, no referido hiato temporal de cerca de 3h e 30 minutos durante o qual ele esteve por sua conta e risco, na rua, fora de sua casa, a altas horas da noite, e muito embriagado, podendo ter caído da varanda de sua casa para a rua, ou por escadas abaixo dentro de casa, ou podendo ainda ter sido agredido p. ex. por quem fez a intrusão em sua casa, fez acionar o alarme da Securitas e desligou o respetivo disjuntor (V. declarações da testemunha DD a que já supra se fez referência detalhada, exatamente a propósito desse acionamento de alarme e desligamento do respetivo disjuntor), se é que não foi o próprio a fazê-lo por descuido ou azar enquanto por ali andava deambulando. 17ª. Em todo o caso nada disso é culpa dos Demandados, sendo que tudo seria bem diferente se o Demandante tivesse chegado a casa, com as chaves, tivesse ido para a cama descansar e então eventualmente tivesse ido para o hospital. 18ª. Outra questão é a de saber se houve, e em que medida, con-causalidade do mau estado de saúde que o Demandante já tinha imediatamente antes da data dos factos (........2015) para os danos verificados nos relatórios médicos posteriores a essa data. 19ª. Para esse efeito é, antes de mais, necessário conhecer um meio de prova inexistente nos autos, mas fácil de obter, que é o Processo Clínico do Demandante com o seu historial de saúde e de doenças, designadamente com as lesões que até então lhe provocara o alcoolismo e a diabetes, o que resulta desde logo das análises hematológicas que com toda a certeza integram o processo clínico do Demandante e que poderá ser junto aos autos desde que o Tribunal oficie o ... MM para que venha juntar aos autos o processo clínico completo do Assistente. 20ª. Efetivamente, existem nos autos alguns Relatórios médicos e Notas de Alta, mas todos com data posterior a ........2015, mas é muito relevante, em face das patologias que já se encontra provado que o Demandante sofria, como a Diabete Mellitus 2 (não controlada uma vez que da própria documentação clínica já junta aos autos resulta que o Demandante não estava a fazer a medicação), o alcoolismo e Dislipidemia (fls. 466), saber até ponto tais patologias já tinham causado lesões ao Demandante, o que só é possível apurar com a junção do processo clínico do Demandante, de onde conste a documentação clínica relativa ao Demandante anterior aos factos de dia ........2015, a qual permitirá designadamente apurar: − se o alcoolismo já tinha causado anteriores internamentos do Demandante? Note-se que a fls. 34 verso dos autos, o Relatório Clínico refere «antecedentes de hábitos alcoólicos» - que antecedentes? − se o alcoolismo de que padecia o Demandante já apresentava à data dos factos uma gravidade tal – o que será revelado pelas análises hematológicas anteriores a ........2015 que integram o processo clínico do Demandante – que justifique por si só, algumas das lesões apresentadas pelo Demandante? − se a dislipidemia de que padecia (cfr. Resumo de Internamento de fls. 466 que refere expressamente antecedentes de «Dislipidemia») já havia sido causa de algum AVC sofrido pelo Demandante? E se esse AVC, a ter ocorrido, que sequelas deixou ao Demandante? 21ª. E mesmo no que respeita à documentação clínica posterior a ........2015, aquilo que se constata é que estão juntos aos autos alguns Relatórios e Notas de Alta, mas não está junta documentação clínica muito relevante como por exemplo análises hematológicas à data dos factos, o «Diário Clínico» do doente de onde constem os «Registos Clínicos» que, como sempre, hão-de ter sido diariamente efetuados e que permitam por exemplo apurar o que aconteceu clinicamente no dia .../.../2015 e que causou a «extubação orotraqueal acidental» referida no Relatório sintético de fls. 35 dos autos – que acidente, causado por quem e com que repercussões para o estado clínico do Assistente (pois pode existir aqui uma interrupção de nexo causal)? E que permita apurar o que terá clinicamente acontecido entre o dia .../.../2015 e o dia .../.../2015 que foi causa de ter surgido uma «nova contusão fronto parietal esquerda», que já não pode ser portanto imputada aos Arguidos e que é expressamente referida no mesmo Relatório sintético de fls. 35 dos autos, onde se pode ler: «Observação do neurocirurgião (...): “Juntando-se às lesões preexistentes surge nova contusão fronto parietal esquerda sem indicação cirúrgica”» 22ª. Por último, há que apurar – o que é obviamente fácil – o grau de escolaridade do Demandante, pois a escala de “Mini Mental State Examination” em que foi atribuído 25 pontos ao lesado varia em função da escolaridade das pessoas: − sendo analfabeto, o normal é até 15 pontos; − tendo entre 1 e 11 anos de escolaridade, o normal é 22 a 30 pontos; − tendo mais de 11 anos de escolaridade, o normal é acima de 27 pontos; − mas, para se poder aferir se a pontuação de “25 pontos” atribuída ao Demandante representa ou não e em que medida algum défice cognitivo (ainda que não expressivo, pois no relatório pericial refere-se “sem défice cognitivo expressivo”) é essencial conhecer a escolaridade do Demandante, o que não consta nos autos, constando apenas a escolaridade dos Demandados. 23ª. Características que foram consideradas relevantes pelo Tribunal a quo para a determinação do dano biológico e para a fixação do montante da indemnização a pagar pelos Arguidos e Demandados ao Demandante foram o facto de o Demandante apresentar «um discurso pobre, pouco espontâneo e ligeiramente lentificado» - cfr. fls. 85 da fundamentação do Acórdão recorrido. 24ª. Porém, para se avaliar se foram os factos de 30 e ........2015 que levaram a que o Demandante passasse a ter essas características, ou se pelo contrário o Demandante já tinha essas características, é essencial saber o grau de escolaridade que o Demandante tinha e tem, pois, de acordo com as regras da experiência comum, um discurso pobre, pouco espontâneo e ligeiramente lentificado numa pessoa que seja analfabeta ou possua apenas o 4º ano de escolaridade não será de estranhar e portanto não é provável que se tenha ficado a dever aos acontecimentos de ........2015; mas já um mesmo discurso pobre, pouco espontâneo e ligeiramente lentificado numa pessoa que tenha o 12º ano de escolaridade será mais fora do normal e portanto haverá probabilidade de ter resultado dos traumatismos sofridos em ........2015.”. * I.3. Resposta do assistente O assistente CC respondeu ao recurso interposto pelos arguidos, propugnando pela sua improcedência, nos seguintes termos (transcrição integral das conclusões): “1º No Sábado, ... de ... de 2015, o assistente foi barbaramente agredido pelos arguidos AA e BB que desferiram vários golpes na zona da cabeça do assistente, sabendo que pela intensidade das pancadas que desferiram, pelo meio que utilizaram, sobretudo pontapeando o assistente na cabeça, poderiam provocar-lhe a morte, resultado que aceitaram e com o qua se conformaram. 2º Como seu comportamento os arguidos provocaram no assistente as lesões descritas nos relatórios médicos de fls 39 a 44; 55, 201, 280 a 282, 302 a 306, 322 a 324; 369, 465 a 502, 971 a 977v dos autos, com os efeitos para a saúde do assistente igualmente demonstrados pelos elementos probatórios referidos. 3º Nesse dia, desde pelo menos as 18horas, encontravam-se no local para alem dos arguidos e do assistente, o irmão dos arguidos NN, o compadre e amigo dos arguidos, o empresário de informática e tecnologia, GG; as testemunhas FF, sobrinho dos arguidos, e EE, empresário e amigo dos arguidos, conforme resulta de forma unanime dos depoimentos prestados pelos arguidos e pelas testemunhas. 4º Desde as 18 horas desse dia, que os arguidos AA e BB, na companhia de GG e, depois, de FF, estiveram no bar consumindo bebidas alcoólicas, sem que nesse período tivessem jantado ou comido qualquer coisa, facto que decorre do depoimento prestado pelo FF (cfr minutos da gravação acima indicados – pag ) 5º No final do dia, em hora não concretamente apurada, mas cerca das 23horas, o assistente proferiu palavras de caris sexual dirigindo-se à testemunha QQ, dizendo que ela era “muito tenrinha, numa logica de ser comida” (depoimento de GG minutos 12.39 da sessão das 14:25), tendo este arguido dado conhecimento aos demais desse facto. 6º Ofendidos com o teor das palavras proferidas pelo assistente os arguidos dirigiram-se ao assistente a quem ofenderam verbalmente e agrediriam fisicamente, ainda no interior do bar, de onde o expulsaram, levando-o para a espanada localizada no exterior, tendo sido necessário a intervenção de, pelo menos, as testemunhas FF e GG para pôr cobro à agressão perpetrada pelos arguidos, dizendo esta testemunha “eu tentei, tentei, tentei e consegui separá-los, não é? ((cfr minutos da gravação acima indicados – pag ) 7º Como decorre do enfase colocado na ação, pela repetição do vocábulo “tentei”, é manifesta a dificuldade que houve em afastar os arguidos do assistente e por cobro à agressão e que os arguidos ofereceram resistência à separação e mantiveram a agressão ao assistente. 8º Após a agressão era visível no assistente, um corte no sobreolho pelo qual saia sangue que contaminou o banco do carro da testemunha FF, conforme, o veiculo VW Golf, matricula ..-..-XA. ( fotografias de fls 141 a 143 e declarações do próprio a minutos 13;38 do seu depoimento.) 9º Por determinação da testemunha GG, a testemunha FF foi incumbida de tirar imediatamente o assistente do local, tendo este sido conduzido pelo referido GG e pelo FF para o carro deste ultimo, o veiculo VW Golf, matricula ..-..-XA. 10º Em hora não concretamente determinada, mas seguramente entre as 24h e a 01h00 do dia 31, o FF deixou o assistente à porta da sua casa. 11º De seguida e como previamente acordado entre todos, regressou ao bar onde o aguardavam os arguidos e as testemunhas GG e EE, que conscientes da gravidade das agressões aguardavam por saber se a testemunha tinha conseguido deixar o assistente em casa, sem sobressaltos. 12º Às 01h35 do dia ..., foi feita uma chamada para o 112, de numero não identificado, dando conhecimento que o arguido se encontrava prostrado na estrada, (cfr relatório da Policia Judiciaria, fls 132 e informação de fls 170.) 13º Seguidamente, o assistente foi conduzido ao hospital, tendo sido sujeito ao internamento, cuidados médicos e medicamentos descritos nos relatórios referidos na conclusão 2. 14º Estes factos estão sobejamente demonstrados pela prova produzida, não merecendo o Acordão recorrido qualquer censura, seja na condenação penal, seja na condenação civil. 15º As lesões decorrentes da agressão perpetrada pelos arguidos, reduziram o assistente a um estado quase vegetativo, incapacitando-o para o trabalho, para a vida social, familiar e amorosa. 16º O assistente é hoje em dia, e em resultado das agressões que sofreu, sem vida própria, totalmente dependente da assistência de terceiros, não merecendo qualquer censura, a não ser por escassa, a condenação penal dos arguidos e a sua condenação no pagamento de indemnização civil que a pecar, só peca por escassa. 17º O depoimento por si prestado é verdadeiro e suficiente na descrição que fez da agressão perpetrada pelos arguidos, sendo notória a sinceridade e verdade das suas palavras, não merecendo censura, a valoração feita pelo tribunal recorrido que não se guiou por critérios de candura ou piedade determinados pelo facto do coletivo do tribunal ser constituído por três senhoras juízas, como parece decorrer da alegação dos arguidos. 18º A verificação por parte do agente da Policia de Segurança Pública da chamada feita pela testemunha DD, ocorreu dois dias apos a agressão ter sido feita. (cfr fls 25 ) 19º Do depoimento da testemunha DD, não decorre que a sua ida ao local ocorreu na madrugada em que foi perpetrada a agressão ao assistente, nem sequer que o alarme tocou nessa madrugada. 20º Não existe qualquer vicio, nem erro de julgamento, na valoração que o Tribunal a quo fez do depoimento da testemunha RR. 21º Depoimento esse que foi prestado na presença e sob o contraditório dos arguidos, que o aceitaram e, inclusive, questionaram sobre todos os factos, incluindo a alteração da versão dos factos feita pela referida testemunha, entre, por um lado, o inquérito e a instrução e o julgamento 22º O mesmo se diga do relatório pericial que foi aceite, sem contradição ou sequer pedido de esclarecimento pelos arguidos que a esse respeito nenhuma diligencia probatória requereram, conformando-se e aceitando o respectivo teor. 23º O depoimento das testemunhas GG, FF, EE e NN, pela participação que tiveram nos factos e no encobrimento dos mesmos, tem de ser ponderado e valorado com cautela, por contraposição com a demais prova produzida, com a prova indiciaria existente, incluindo a decorrente das regras de experiencia. 24º No seu depoimento, FF diz que (minutos 11.59 e segs da gravação) “TESTEMUNHA: Fui à casa de banho, quando saio,» MANDATÁRIO-DEF-1: Quando, quando o SS sai da casa de banho está o seu tio AA e o CC ao balcão? TESTEMUNHA: Não, já estão na rua. Quando eu saio, já estão na rua. MANDATÁRIO-DEF-1: Então, mas, não, não percebi. TESTEMUNHA: Diga? MANDATÁRIO-DEF-1: Não percebi. Conte lá isso outra vez. TESTEMUNHA: Sei que quando eu entro, estava, o CC estava a tentar falar com o meu tio, não sei se, apercebi-me que era sobre,» MANDATÁRIO-DEF-1: Mas, estava a falar onde? Quando o senhor entra,» TESTEMUNHA: Ao balcão, ao balcão. MANDATÁRIO-DEF-1: Ah! Então, é quando entra,» TESTEMUNHA: Vou à casa de banho. MANDATÁRIO-DEF-1: Quando o senhor vai à casa de banho é que eles estão ao balcão a falar um com o outro? TESTEMUNHA: Certo. Certo. Demorei um pouco no,» 00:12:00 MANDATÁRIO-DEF-1: Naturalmente, fez, fez, fez o que tinha a fazer, saiu e eles já estavam cá fora? TESTEMUNHA: Já estavam cá fora. “ 25º Adiante afirma o seguinte (mesmo registo) TESTEMUNHA: Sei que o meu tio agarrou nele assim: - “Não fales mais na minha filha! Não fales mais na minha filha!” MANDATÁRIO-DEF-1: O que é que é “agarrar assim”? M.JUÍZA: Agarrou pelos colarinhos. TESTEMUNHA: Pelos colarinhos. Pronto. M.JUÍZA: Pela camisola. TESTEMUNHA: E eu disse: - “Tem calma! Calma!”, não sei quê, e o meu tio deixou ele. MANDATÁRIO-DEF-1: E o seu tio largou-o? TESTEMUNHA: Ele, ao ir para trás, falseou sozinho um pé e caiu. Estou a dizer, eu estava e presenciei. M. JUÍZA: Já agora, qual seu tio é que estava a falar sobre, sobre raparigas? São os dois seus tios. TESTEMUNHA: Ele estava a falar com o tio AA. “ 26º Esta testemunha afirma ter demorado na casa de banho e que quando entrou os arguidos e o assistente estavam junto ao balcão e quando saiu estavam na esplanada, não tendo presenciado o que antes aconteceu, mas que viu o seu tio AA agarrar o assistente pelos colarinhos e a falar com ele exaltado.. 27º A minutos 13.38 do seu depoimento diz o seguinte, Aliás, olhei, olhei dentro do carro quando falei com ele, só vi aqui um, no sobrolho, aqui um bocadinho de sangue. Que até, caiu,» e que a mancha encontrada no assento do seu carro destinado ao passageiro, era sangue do assistente. (minutos 39.36 da gravação.) 28º GG, não obstante procurar ter um discurso desculpabilizante da atuação dos arguidos, referindo-se ao confronto físico dos arguidos com o assistente diz “ Não, eu depois vi que aquilo ia, que aquilo ia, podia, para não agravar o, para não, para não partir para outro, outro estado de adição, ou seja, em vez daquela parte verbal para não partir para a violência eu tentei, tentei, tentei e consegui separá-los, não é? “ 29º Não obstante, mas também por, as hesitações no discurso, procurando a palavra certa para não incriminar os arguidos, a repetição do vocábulo “tentei”, por três vezes, demonstra que não se deu um mero agarrar de colarinho, nem sequer um mero empurrão , o que conjugado com o sangue existente na face do assistente, sobrolho, prova a existência das agressões. 30º O FF diz que “a primeira pessoa que tentou separá-los fui eu que disse [para o tio] calma, calma” e que o tio largou logo o assistente. (minutos 34 e segs da gravação) 31º Da contradição existente nos depoimentos infere-se que na verdade os factos não ocorreram como pretendem fazer crer as testemunhas, e que a agressão feita pelos arguidos ocorreu como descrita na acusação. 32º Faz-se aqui apelo à doutrina expendida no Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.7.2007, [referido por Jose Antonio Henriques dos Santos Cabral, na intervenção que fez no Centro de Formação Jurídica e Judiciaria de Macau, intitulada de “Prova indiciaria e novas formas de criminalidade”, onde refere que nesse Acordão “estava em causa um crime de homicídio em que o arguido apresentou para desconto um cheque emitido pela vítima, sem qualquer justificação para tal, e o principal indício era constituído por uma mancha de sangue da vítima no sapato do arguido”] decidiu-se que: “IV — A prova nem sempre é directa, de percepção imediata, muitas vezes é baseada em indícios. V — Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra. VI — A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar inter-relacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência VII — O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência. VIII - Os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP titulam a presença do ilógico numa peça processual onde deve predominar a harmonia e a coerência, e põem a descoberto, relevando pela negativa, o absurdo que representaria esse ilogismo na sentença, que se há-de detectar sem esforço de análise, pelo texto da decisão recorrida, sem recurso a elementos estranhos a ela, sendo tais vícios de conhecimento e declaração oficiosos. IX - O erro notório na apreciação da prova leva a uma conclusão contrária à lógica das coisas, ao alcance, pela sua evidência, do homem comum, desconhecedor dos meandros jurídicos, notado sem qualquer esforço.” 33º Concluindo-se pelo bem fundado da decisão recorrida, devendo o Acordão proferido ser confirmado, assim se fazendo JUSTIÇA!”. * I.4. Resposta do Ministério Público O Ministério Público, na resposta ao recurso, pronunciou-se pela sua improcedência, concluindo (transcrição parcial): “Assim, apreciando o teor das motivações do recurso apresentado pelos arguidos, não pode o Ministério Público acompanhar o mesmo, nem concordar com as várias considerações e teses ali expendidas, porquanto os raciocínios ali apresentados desenvolvem-se de forma não sustentada, em várias, diríamos, todas as direções possíveis e imagináveis, como que, recorrendo à gíria popular, mas sábia, qual “afogado que, para se manter à tona da água, esbraceja em todos os sentidos, nem que para isso tenha de sacrificar alguém.” De facto, relativamente à factualidade que o douto tribunal da condenação considerou provada e que aqui se considera por integralmente reproduzida, nenhum reparo importa assinalar, tendo aquele coletivo, de forma assertiva, escorreita, coerente e eficazmente fundamentada, exposto, de forma pormenorizada, todas as razões em que sustenta as conclusões alcançadas, o que subscrevemos na íntegra. Os arguidos, tentam, com a sua petição recursiva, lançar mão de todos os eventuais possíveis motivos de sustentáculo a uma tese que beneficie os mesmos e que os afaste da decisão proferida pelo M. º coletivo “a quo”; e, com esse fito, argumentam e traçam uma estratégia processual muito extensiva, querendo dar a entender ao tribunal de recurso que são muitas e de muita valia as razões que lhes assistem. Ora, tal não corresponde à verdade; o sustentáculo das várias linhas de defesa apresentadas pelos arguidos não passa de “pseudo” razões, e construídas em cima de castelos de areia e moinhos de vento que o colendo tribunal superior se incumbirá de fazer cair. Ademais, e é nesse âmbito que nos focaremos, a linha que trespassa toda a motivação recursiva é apenas uma e só uma: A CONVIÇÃO DO TRIBUNAL “A QUO”. Melhor dizendo, o tribunal da condenação logrou convencer-se da prática dos factos pelos arguidos, pelo convencimento, ou pela falta dele, que os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência lhe mereceram, aliado, claro está, a toda a prova carreada para os autos, mas essencialmente à prova pericial, no que ao assistente/ofendido, respeita. Assim, o tribunal “a quo”, convenceu-se que as declarações do ofendido espelhavam a verdade dos factos, que o mesmo relatou em audiência os factos que efetivamente tinham ocorrido, de forma sincera, verdadeira, transparente, ainda que atabalhoada e, por vezes, com lapsos de memória. Tal verdade, trazida à sala de audiência pelo malogrado protagonista dos actos dos arguidos, foi, como não poderia deixar de ser, apreciada e valorada positivamente, porquanto, a mesma era consentânea com todo o acervo probatório que o tribunal podia e devia apreciar; e, diga-se, a prova rainha das provas; a prova pericial. Ou seja, a verdade reportada pelo assistente é perfeitamente compatível com as conclusões alcançadas no Relatório emitido pelo Instituto de Medicina Legal, como bem explicam as M.ªs Juízas, perícia essa que, a dar como provada a tese da defesa, que o ofendido tinha caído, por mais de uma vez, e que as lesões apresentadas eram a consequência dessas quedas, ficaria sem correspondência na verdade factual; melhor dizendo, a verdade factual que o douto tribunal da condenação acolheu é a única capaz de corresponder e de melhor se ajustar, por um lado, à prova pericial ínsita nos autos, por outro, à postura e linha argumentativa prestada pelo ofendido, que convenceu o coletivo, e diga-se, que estamos em face de um tribunal coletivo com muita e vasta experiência, que, com facilidade consegue perceber onde está a verdade material e que “lê nas entrelinhas”, sendo que, por fim, e não menos importante, é a única tese que supera as contradições trazidas aos autos pelas inúmeras testemunhas apresentadas pela defesa, contraditórias entre si em alguns pontos, mas toda imbuídas e motivadas por um único objectivo comum: ilibar a participação dos arguidos nos factos ilícitos e tentar convencer o tribunal que o assistente não sofreu as agressões perpetradas pelos arguidos, das quais, só por mera sorte não morreu. De igual forma, o douto coletivo, atento como é seu timbre, valorou, na totalidade de todo o puzzle que é a prova e onde todas as peças tem de “encaixar” e fazer sentido, a qustão do desaparecimento das câmaras de vigilância que existiam no local dos factos, e cujas filmagens desapareceram após terem sido visualizadas pelos arguidos e pelo menos pela testemunha que prestou depoimento nos autos. Tal desaparecimento, mesmo após o seu responsável ter sido notificado para a preservação que se impunha, ocorreu como que “por magia”; contudo, a ser verdadeira a tese esgrimida pelos arguidos nos autos, estes seriam os principais beneficiários de tal visualização, porquanto seria a comprovação da alegada inocência dos mesmos, não se percebendo, por isso, a razão de os mesmos, pessoas que a tal meio de prova tinham cesso, não o trouxeram aos autos. Invocam os arguidos várias linhas argumentativas para sustentar a tese de que a condenação cominada não tem sustentáculo jurídico, como seja o erro de julgamento, porquanto consideram que o tribunal “a quo” andou mal em considerar provados certos factos e em não considerar provados outros tantos; a alegada “piedade” do tribunal em relação ao arguido, o “hiato temporal” entre os factos, um “alarme” (da residência do assistente), que não resultou provado em audiência que tivesse soado, a “valoração ilegal de imagens inexistentes”, assim como, pasme-se, de forma temerária, chegam os arguidos a lançar “suspeitas” sobre outras pessoas, de alguma forma com ligação ao caso, para fazer crer que os factos poderiam, eventualmente, ter sido cometidos por essas pessoas e não pelos arguidos. Ou seja, na tese dos arguidos, outras pessoas, que não eles, poderiam ter praticado os factos e agredido o assistente; seja o taxista, familiar dos arguidos, que levou o ofendido a casa (o mesmo que, ao contrário dos arguidos e de outras testemunhas, reconheceu ter visualizado no sobrolho do arguido sangue, que até caiu no interior do táxi), seja o amigo do ofendido que, segundo os arguidos, ouviu o sinal do alarme a ser acionado na casa do assistente, ou, quiçá, outras tantas pessoas que, ainda na perspetiva dos arguidos, CC possa ter cruzado, após ter sido deixado à porta de casa pela testemunha taxista, que o transportou. Contudo, o que se esquecem os arguidos é que o tribunal não trabalha em cima de meras probabilidades e não firma as suas conclusões com base no que poderia ter acontecido, quando, na sua frente fica patente que os factos aconteceram de uma determinada forma. Ou seja, o assistente, não referiu que foi agredido pelo Sr. º Taxista ou por desconhecidos; não, o assistente, com todo o discernimento e acuidade, de forma categórica e escorreita, que logrou convencer o douto tribunal, identificou cabalmente os autores das agressões de que foi vitima, e relatou tais factos de forma coerente, que, por ser consentânea com a razoabilidade e a normalidade do “acontecer”, logrou o convencimento do tribunal, no que a “este pedaço de vida” diz respeito. Tal órgão, com a ingrata função de decidir, acolheu tal relato e afastou a tese dos arguidos, previamente arquitetada de forma a tentar provar a quem decide, que os arguidos são inocentes e que nada fizeram ao ofendido, até porque o mesmo, quando abandonou o local dos factos não aparentava ter lesões ou estar magoado. Ora, desde logo tal não corresponde à verdade; se assim fosse, a própria testemunha que transportou o assistente e familiar dos arguidos não tinha visto CC com sangue no sobrolho, o que aconteceu; segundo, é consabido que determinadas agressões não deixam marcas visíveis no momento, mas que, as mais das vezes é quando as lesões são mais perigosas porque se situam ao nível interno do corpo, com consequências que, a breve prazo, se podem revelar fatais; e este é o caso dos autos. Ou seja, as agressões desferidas pelos arguidos no ofendido, porque se situaram ao nível da cabeça, provocaram lesões internas no mesmo, que, caso não tivesse sido socorrido atempadamente, poderiam ter provocado um desfecho ainda mais trágico para o mesmo. E, tal facto, prende-se com outra situação deveras importante; a intenção de matar. Ou seja, não é por mero acaso ou à toa que os arguidos agridem o ofendido na cabeça; eles, assim como qualquer comum dos mortais, sabem e tem obrigação de saber que a cabeça é um dos principais locais do corpo humano que, quando agredido, pode causar a morte da pessoa atingida; por isso mesmo, os arguidos socaram e pontapearam o ofendido a esse nível e não nos braços ou nas pernas, onde, sabiam de antemão, que as consequências não eram tão graves. Esse facto, ao contrário do que pretende a defesa fazer crer, que nada aconteceu porque o ofendido até nem apresentava lesões “visíveis”, é idóneo a concluir quer pela intenção de matar (embora com dolo eventual) como assim, pela intensidade do dolo que é elevado, razões que, a nosso ver, foram juridicamente bem enquadradas pelo douto coletivo no douto libelo condenatório. Para melhor ilustração do percurso desenvolvido pelo tribunal, e do raciocínio atrás despendido, nunca é demais atentar nas considerações tecidas pelo mesmo no douto acórdão condenatório. (…) Em suma, o que os recorrentes pretendem, e é essa a pedra de toque de todo o recurso apresentado pelos arguidos, é que seja feita uma outra leitura dos depoimentos (a sua), não sendo esse o desiderato dos recursos quanto à matéria de facto. (…) Quantos aos pontos que os arguidos consideram incorretamente julgados, explana a decisão recorrida, de forma detalhada e motivada o processo lógico de formação da sua convicção, nomeadamente apontando os critérios seguidos quanto à credibilidade, seriedade e segurança dos depoimentos prestados pelas várias testemunhas e a motivação para revelar uns e desvalorizar outros. A fundamentação judicial para considerar os factos como provados/não provados (nomeadamente os que aqui estão em crise) é clara e inequívoca. E, espelha a decisão recorrida a real aplicação do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, ou seja, o julgamento seguindo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. É exaustivo, lógico e demonstra pormenorizadamente o raciocínio do tribunal, assente em provas produzidas (aqui se incluindo obviamente a documental, que não tem que ser produzida em julgamento para poder ser valorada). * (…) Estão indicados no acórdão recorrido os fundamentos suficientes que permitiram ao tribunal concluir que os arguidos praticaram os factos que consubstanciam o ilícito pelo qual foram condenados. Foi corretamente avaliada a prova produzida; Valorados, em conformidade, e assertivamente, os depoimentos das testemunhas inquiridas. O acórdão recorrido mostra-se bem fundamentado, de facto e de direito, e não viola qualquer normativo processual penal ou mesmo constitucional. Não merecendo qualquer reparo, entendemos que não deve ser provido o recurso, como é pretensão da defesa dos arguidos. Outrossim, não se verificam, no douto acórdão, os vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2 do CPP, não se verificando qualquer insuficiência, para a decisão, da matéria de facto considerada provada, nem qualquer contradição insanável da fundamentação, bem como inexistem erros notórios na apreciação da prova. Por outro lado, a qualificação jurídica do tipo legal em apreço está correta, não se verificando qualquer erro de direito, chamando-se à colação que nunca poderia ter lugar, in casu, a figura ou instituto da “retorsão”, aventado pelos arguidos, porquanto nunca se verificariam os requisitos objetivos do tipo legal onde o instituto se enquadra. No que respeita à medida das penas aplicadas, entende o Ministério Público que as mesmas se mostram bem doseadas, justas e adequadas, tendo em conta o quadro geral de atuação dos arguidos, as suas repercussões e consequências para o assistente bem assim a personalidade dos infratores manifestada no cometimento do crime, sendo certo que as necessidades de prevenção geral são elevadíssimas e, elevados foram também, quer a ilicitude do acto, quer a culpa repercutida no mesmo. Nestes termos, no que concerne à questão da natureza e dosimetria da pena aplicada, entendemos que a mesma é a única suscetível de cumprir as necessidades de prevenção geral e especial que se impõe, bem como conduzir à ressocialização dos arguidos. Ademais, não pode esquecer-se que as finalidades das penas são, como prevê o disposto no art.º 40.º do Código Penal “a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Encontrada a moldura penal abstrata aplicável ao caso, o juiz determina o quantum concreto da pena a aplicar ao arguido, tendo em conta a culpa e a prevenção como critérios gerais. Sucede que no douto acórdão recorrido, atentos os princípios orientadores do art.º 71.º do Código Penal, e com os elementos sobre as condições pessoais e sociais dos recorrentes, o tribunal não tinha outra opção que a pena efetiva de prisão, por entender que o grau de ilicitude era intenso e que o grau de culpa revelado na atuação era elevado, não olvidando, como referido, as consequências do crime e a postura dos arguidos anteriormente e posteriormente à prática ilícita. Na determinação da medida concreta da pena, em síntese, o tribunal ponderou todos os factos, em absoluto respeito e em cumprimento do estatuído no art.º 71º, do Código Penal, que manda atender, na determinação da medida da pena, à culpa do agente, às exigências de prevenção e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. Assim, nada há a apontar à pena concretamente aplicada aos ora recorrentes, que se deve manter, na sua plenitude, pugnando-se pela improcedência do recurso interposto pela arguida *** O Tribunal “a quo” observou, na íntegra, todos os Princípios a que estava obrigado a respeitar, assim como todos os preceitos legais, e conformou a sua decisão no respeito pela legalidade, pelo que o douto Acórdão recorrido não merece qualquer censura ou reparo. Termos em que se conclui pela manutenção da decisão recorrida, na integra, por a mesma nenhum agravo ter feito à Lei, devendo o presente recurso ser julgado improcedente, como é de toda a JUSTIÇA.”. * I.4. Trâmites Recursivos Cumpre esclarecer que, num primeiro momento o Ministério Público nesta Relação (a .../.../2024) pronunciou-se no sentido de se aguardar pela marcação de audiência. Audiência essa que veio a ser indeferida por despacho de .../.../2024 (que se tornou definitivo nessa parte), e que realizou também um convite aos arguidos para apresentação de alegações mais concisas. Os arguidos juntaram requerimento, a .../.../2024, no seguimento dessa notificação, juntando as conclusões que agora balizam este recurso. Emitiu o Ministério Público, nesta Relação, a .../.../2024, parecer desfavorável ao provimento do recurso interposto pelos arguidos, propugnando em primeiro lugar pela rejeição do recurso. Houve pronúncia dos arguidos a .../.../2024, defendendo o indeferimento do aludido no parecer. Por decisão de .../.../2024 foi rejeitado o recurso. Reclamaram os arguidos, a .../.../2024, para a conferência. Opôs-se o assistente, em .../.../2024, à reclamação apresentada. Foi proferido acórdão a .../.../2024 a manter a decisão singular. A .../.../2024, os arguidos arguiram a nulidade do acórdão. O MP pronunciou-se a .../.../2024 pela nulidade parcial. Interpuseram os arguidos recurso do acórdão a .../.../2024, para o STJ. Foram indeferidas as aludidas nulidades por acórdão de .../.../2024. Foi admitido o recurso interposto para o STJ por despacho de .../.../2024. O MP apresentou resposta ao recurso, a .../.../2024, defendendo a sua procedência. Foi de igual sentido o parecer apresentado pelo MP no STJ, a .../.../2025, com o qual os arguidos concordaram a .../.../2025. Veio a ser proferido acórdão pelo Colendo STJ, a .../.../2025, no sentido de ser apreciado o recurso interposto pelos arguidos, com as conclusões apresentadas a .../.../2024. I.5. Parecer do Ministério Público Emitiu o Ministério Público, nesta Relação, a .../.../2024, parecer desfavorável ao provimento do recurso interposto pelos arguidos. I.5. Resposta ao parecer apresentada pelos arguidos Pronunciaram-se os arguidos a .../.../2024, defendendo o indeferimento do aludido no parecer. * I.7. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência. ** II- FUNDAMENTAÇÃO II.1. Objecto do recurso É consabido e decorre de Jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, que é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões oficiosas (cfr. o art. 410º do CPP). Assim, da análise das conclusões do recorrente extraímos as seguintes questões que importam apreciar e decidir: 1ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto por erro de julgamento, nos termos do art. 412º, n.ºs 3 e 4, do CPP e da alegada violação do art. 127º do CPP; 2ª Da alegada nulidade do acórdão nos termos conjugados dos arts. 122º, 355º e 356º do CPP; 3ª Da alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º, n.º 2, al. a), do CPP; 4ª Da invocada contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nos termos do art. 410º, n.º 2, al. b), do CPP; 5ª Do invocado erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, n.º 2, al. c), do CPP; 6ª Da medida concreta das penas de prisão; 7ª Da eventual aplicação do regime de suspensão da execução da pena de prisão; 8ª Da eventual revogação do acórdão relativamente ao pedido cível e anulação do julgamento, nos termos do art. 410º, n.º 2, do CPP. ** II.2. Decisão recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes) “FACTOS PROVADOS * Instruída e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos, com relevância para a decisão final: * Da Decisão Instrutória * 1. No dia ... de ... de 2015, pelas 22.00 horas, no exterior do snack-bar, padaria e pastelaria “...”, sito na ..., o assistente, CC, disse ao arguido AA que a filha deste “era tenrinha”, o que lhe causou desagrado. 2. Nesse momento, o arguido AA agarrou o assistente pelo braço e disse-lhe «Podes ter muito dinheiro e podes estar melhor na vida que eu, mas não me faltas ao respeito!», após o que lhe desferiu um pequeno empurrão. 3. De seguida, o arguido AA regressou ao interior do dito estabelecimento comercial, tendo o assistente permanecido no seu exterior. 4. Pouco tempo depois, para aí se dirigiram os arguidos, ambos com a intenção de lhe bater. 5. Nessa altura, o arguido BB abeirou-se do assistente e, em acto contínuo, desferiu-lhe um soco na cara, provocando a sua queda para trás. 6. De seguida, aproveitando-se do facto de o assistente estar caído no chão e antes de se conseguir levantar, ambos os arguidos, de comum acordo e em comunhão de meios, esforços e desígnios, desferiram-lhe um número não concretamente determinado de pontapés que o atingiram na cabeça. 7. Posteriormente, o assistente foi colocado dentro de um veículo automóvel por GG e por FF. 8. Quando o assistente estava a ser colocado dentro desse veículo automóvel, os arguidos ainda o agrediram dando-lhe murros na zona da cabeça. 9. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita, o assistente sofreu numerosas pequenas áreas hiperdensas, algumas punctiformes, de sangue, das regiões frontais bilaterais e temporal esquerda, compatíveis com contusões cerebrais hemorrágias e/ou lesões axonais difusas, sangue no espaço subaracnoideu (hemorragia subaracnoideia), sangue na tenda do cerebelo, fímbria de sangue, subdural, da região temporo-pariedatal esquerda, edema cerebral, fractura linear, fronto-parietal esquerda, francos sinais de pan-sinuvite e hematomas, subcutâneos, fronto-temporo-parietal esquerdo e fronto-temporo-parietal direito, que motivaram o seu internamento no ... MM. 10. Também como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita, durante o seu internamento, o assistente sofreu uma elevação lenta e gradual da pressão intra-craniana, com agravamento do edema cerebral e das contusões bifrontais, o que determinou que fosse sujeito a uma craniotomia descompressiva bifronto-temporal (lifesaving), que identificou uma hemorragia arterial (meníngea) e venosa (parassagital e terço médio do seio sagital superior), com edema cerebral grave e volumosas contusões cerebrais bifrontais. 11. Igualmente como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita, o assistente foi traqueotomizado. 12. Ainda como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita, o assistente apresenta um discurso pobre, pouco espontâneo e ligeiramente lentificado, com amnésia circunstancial parcial para o evento, sem défice cognitivo significativo, tendo 27 (vinte e sete) pontos no “Mini Mental State Examination”, com memória e habilidade construtiva prejudicadas, uma cicatriz rosada coronal de características cirúrgicas, medindo 27cm de comprimento, uma cicatriz rosada de características cirúrgicas anterior a esta última, curvilínea de concavidade posterior, medindo 11cm de comprimento depois de rectificada, e uma cicatriz rosada de traqueotomia na região cervical anterior. 13. As lesões acima descritas, resultantes da conduta dos arguidos, determinaram para o assistente um período de 731 (setecentos e trinta e um) dias de doença, com afectação da sua capacidade para o trabalho geral e com afectação da sua capacidade para o trabalho profissional, causaram-lhe síndrome frontal, privaram-no de forma importante das suas capacidades intelectuais e de trabalho e puseram em perigo a sua vida. 14. Os arguidos AA e BB actuaram da forma supra descrita de comum acordo e em comunhão de meios, esforços e desígnios, bem sabendo que, ao agirem desse modo, molestavam o corpo e a saúde do assistente, sem a sua autorização e contra a sua vontade, o que quiseram e alcançaram. 15. Os arguidos AA e BB actuaram da forma supra evidenciada apesar de bem saberem que a cabeça aloja órgãos vitais e que, ao desferirem socos e pontapés na cabeça do assistente, poderiam causar-lhe ferimentos graves e irreversíveis, dos quais poderia resultar a sua morte, resultado que representaram e com cuja produção se conformaram, aceitando-o, mas que não alcançaram por motivos alheios à sua vontade. 16. Os arguidos AA e BB actuaram da forma supra descrita, bem sabendo que, ao desferiram socos e pontapés na cabeça do assistente, poderiam causar-lhe ferimentos graves e irreversíveis, desfigurá-lo de forma grave e permanente e tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a sua capacidade de trabalho e as suas capacidades intelectuais, resultados que previram e com cuja produção se conformaram, aceitando-os, e que alcançaram. 17. Os arguidos actuaram sempre de forma livre, deliberada e consciente, com plena capacidade de determinação segundo as legais prescrições, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas. * Do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo Assistente * 18. Posteriormente à agressão perpetrada nos termos acima descritos, os arguidos providenciaram/determinaram por que o assistente fosse conduzido para a sua casa, onde foi deixado na estrada/caminho, próximo ao portão dessa casa. 19. O assistente foi encontrado prostrado no solo em posição de decúbito ventral e foi conduzido para o ... onde deu entrada no serviço de urgências cerca das 02h30 da madrugada de Sábado. 20. O assistente deu entrada no hospital em estado de coma e evidenciava contusões hemorrágicas bifronto-temporais que impuseram a realização, no dia ... de ... de 2015, de craniectomia bifronto-temporal. 21. Em resultado das lesões sofridas, o assistente manteve-se em coma durante 20 dias e permaneceu internado nos serviços do ... até ao dia .../.../2015. 22. No período acima referido o assistente sofreu várias cirurgias e teve de submeter-se a diversos tratamentos e procedimentos médicos, nomeadamente, craniotomia, reabertura de craniotomia, traqueostomia temporária. 23. Sofreu ainda várias infecções, nomeadamente, nas vias urinária e respiratória, que impuseram que fosse sujeito a diversos tratamentos médicos. 24. Após ter sido submetido a alta hospitalar, teve de realizar vários tratamentos no centro de saúde da ... e nos serviços do ..., o que implicou a sua deslocação aos referidos serviços. 25. No período compreendido entre o dia .../.../2015 e .../.../2015, data em que teve alta hospitalar, o assistente teve de ser internado e submetido a intervenção cirúrgica com anestesia local, por apresentar infecção da ferida operatória. 26. No período compreendido entre o dia .../.../2016 a .../.../2016, o assistente teve de ser submetido a novo internamento hospital determinado pela infecção da ferida resultante da intervenção cirúrgica a que foi sujeito e, durante esse período, foi novamente sujeito a diversos procedimentos e tratamentos médicos. 27. No período compreendido entre os dias .../.../2017 e .../.../2017, o assistente teve de ser internado outra vez nos serviços do ... e de se submeter a nova cirurgia e a tratamentos médicos diversos. 28. No período compreendido entre os dias .../.../2018 e .../.../2018, data em que teve alta hospitalar, o assistente teve de ser novamente internado por apresentar cefaleias, febre, tumefacção frontal, tendo sido demonstrado pela TC ao crânio a existência de abscesso epidural que obrigou à remoção da prótese. 29. O arguido mantém-se sujeito a necessidade de medicamentação constante. 30. Do relatório da última consulta a que foi sujeito no ano de ..., datado de ... desse ano, retira-se que, nessa data, o assistente evidenciava ainda sequelas de leuconcefalomalacia bifrontal decorrentes dos volumosos focos de contusão frontal bilaterais que motivaram a craniectomia bifrontal – na altura na perspetiva de “life saving”. 31. O assistente apresenta cicatrizes na cabeça, como referido em 12. 32. As lesões sofridas pelo assistente em resultado dos actos dos arguidos determinaram a sua presença no “...” para ser sujeito a observação médica por 16 vezes. 33. Em resultado das lesões sofridas, o assistente foi obrigado a deslocar-se ao ..., para observação e tratamentos médicos, 81 vezes. 34. Em resultado das lesões sofridas e dos actos praticados pelos arguidos, por ser necessário um acompanhamento contínuo do estado de saúde do assistente, este teve de ser observado em consultas médicas realizadas no “...” com os Drs. TT, UU e VV, nas quais despendeu a quantia de 660,00€. 35. O assistente suportou ainda o custo de 120,00€, referente a uma TAC ao crânio realizada nos serviços do “...”, no dia .../.../2017. 36. Nas deslocações que fez ao ..., ao ... e ao “...”, o assistente teve de ser conduzido pelo seu irmão WW que utilizou para o efeito o seu próprio carro e teve de aguardar pelo final do tratamento/observação médica no que foram consumidas um número de horas em concreto não apurado. 37. Das agressões sofridas pelo assistente, perpetradas pelos arguidos (socos e pontapés, estes últimos desferidos quando se encontrava indefeso no chão), presenciadas por terceiros, resultaram para ele dores e humilhação. 38. Os tratamentos médicos a que teve de ser submetido, incluindo de natureza cirúrgica, causaram dor e sofrimento ao assistente. 39. As lesões que sofreu e os tratamentos médicos impostos pela sua natureza e gravidade, provocaram dor, sofrimento e incómodo ao assistente e determinaram a realização de procedimentos médicos intrusivos e agressivos da sua integridade física. 40. A circunstância de, em consequência directa das lesões sofridas, ter de ser retirada parte da estrutura óssea de protecção ao crânio do assistente, provocou-lhe mutilação, dor e sofrimento. 41. Para protecção da área do crânio exposta pela intervenção acima referida foi colocada uma prótese no assistente, por meio de intervenção cirúrgica, prótese que teve de ser removida por duas vezes em resultado de infecções que determinaram a sua rejeição pelo seu organismo. 42. Foi decidido não voltar a colocar-se prótese craniana no assistente, razão pela qual apresenta uma deformação na cabeça. 43. Por esse motivo, o assistente tem uma área do seu cérebro sem protecção óssea, apenas coberta por uma fina camada de pele, o que determina prevenção de quedas e protecção da área frontal craniana. 44. Em consequência das lesões sofridas o assistente ficou com a sua capacidade cognitiva diminuída e apresenta dificuldade de raciocínio e de expressão de ideias, bem como, de memorização de factos e acontecimentos. 45. As sequelas das lesões sofridas pelo assistente têm natureza permanente e determinam a incapacidade permanente para o (seu) trabalho. 46. As sequelas das lesões sofridas pelo assistente transformaram-no numa pessoa triste e apática, tendo deixado de conviver com os seus amigos em almoços e jantares como antes fazia. 47. Antes da agressão a que foi sujeito, o assistente explorava um estabelecimento comercial na ..., exploração de que retirava um rendimento mensal que, em concreto, não se apurou. 48. O assistente deslocou-se à ... no período compreendido entre o mês de ... e o mês de ..., tendo regressado a esta Região devido ao agravamento do seu estado de saúde que determinou o seu internamento hospitalar. 49. Durante esse período em que permaneceu na ..., o assistente não pode exercer a sua actividade profissional. 50. Durante o período atrás referido em que permaneceu na ..., entre ... de ... de 2018, o assistente não auferiu qualquer rendimento do seu negócio, aí subsistindo à custa do pagamento de um empréstimo que fizera ao seu irmão de nome XX. 51. Fruto do seu trabalho, no dia .../.../2012, o assistente adquiriu uma fracção autónoma destinada a habitação, identificada pela letra “L”, integrada no ...” pelo preço de €235.000,00, que depois permutou, no dia .../.../2013, por uma moradia (na qual residia e à porta da qual foi encontrado na madrugada do dia ... de ... de 2015), cujo custo foi de € 300.000,00, tendo pago em dinheiro €35.000,00. * Do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo “...” * 52. O “...”, no exercício da sua atividade, prestou cuidados de saúde ao assistente, CC, que consistiram em internamentos e actos clínicos, no período compreendido entre ... de ... de 2015 e ... de ... de 2018. 53. Tal prestação de cuidados importou em € 157.951,23 (cento e cinquenta e sete mil novecentos e cinquenta e um euros e vinte e três cêntimos), como resulta do teor da Certidão de Dívida nº ENCV19/… de ... de ... de 2019, constante de fls. 515 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. * Da Contestação Crime * 54. Na noite dos factos, o assistente chegou à ... do irmão dos arguidos já embriagado, acompanhado de KK. 55. O assistente pediu a FF para o transportar até à sua casa. 56. O referido KK ausentou-se depois de se certificar que o assistente teria boleia para casa. 57. Depois do dito KK se ausentar, o Assistente pediu que lhe servissem whisky. 58. O assistente olhou de forma insistente, sugestiva e impertinente para a filha do dono da ..., que ali se encontrava a trabalhar. 59. Na sequência das palavras referidas em 1., o arguido AA ficou zangado. 60. FF e GG ajudaram o assistente a erguer-se do chão e introduziram-no no carro do primeiro (um Táxi), que se encontrava parqueado mesmo em frente à porta da pastelaria. 61. FF ausentou-se do local e levou o assistente para sua casa onde o deixou, aparentemente, em boas condições de saúde. 62. Após ter sido aí deixado pelo FF, o assistente verificou não ser possuidor das chaves de casa. 63. O assistente foi encontrado (na via pública) junto ao portão da sua casa, cerca das 02H00 do dia ... de ... de 2015, deitado no chão, sobre o seu lado esquerdo, com a cabeça direccionada para a parte de baixo da estrada e aparentava estar a dormir (ressonava) e alcoolizado. 64. O assistente quando assim foi encontrado, aparentava ter um hematoma na face esquerda e uma escoriação no cotovelo esquerdo. 65. Aquando dos factos o assistente apresentava provável etilismo agudo. 66. Na sequência de Inspecção Judiciária feita nos autos, foi localizado um vestígio da palma de uma mão sobre o varão intermédio da varanda da casa do assistente, junto ao portão da garagem. 67. No Relatório de Diligência Externa constante de fls. 96 a 97 dos autos, o Inspector da Polícia Judiciária que o lavrou (PP) referiu que, em contacto com os serviços médicos, foi dito que a vítima, entenda-se, o assistente, dera entrada no ... por suspeita de ter dado uma queda. * 68. Os arguidos são “homens de família”, trabalhadores de créditos reconhecidos, pessoas simples, e estão integrados no seu meio social de referência. * Da Contestação ao Pedido de Indemnização Civil * 69. À data dos factos, o assistente tinha hábitos etanólicos e sofria de Diabetes. * Resultantes da Discussão da Causa * 70. O estabelecimento comercial que o assistente explorava na ... era um talho. * 71. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo assistente poderá ser fixável em .../.../2017. 72. O assistente sofreu um Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 282 dias. 73. O assistente sofreu um Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 547 dias. 74. O assistente sofreu um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total fixável num período de 829 dias. 75. As sequelas que das lesões que sofreu resultaram para o assistente, são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, impeditivas da sua actividade profissional habitual de talhante. 76. As lesões sofridas pelo assistente e os tratamentos médicos a que foi sujeito em consequência dessas lesões provocaram danos biológicos ao assistente. O assistente apresenta um défice funcional permanente da sua integridade Físico-Psíquica fixável em 20 pontos. 77. As dores sentidas pelo assistente por via das lesões que sofreu e dos tratamentos médicos a que foi sujeito redundaram num “quantum doloris” no grau 6/7. 78. As lesões sofridas pelo assistente e os tratamentos médicos a que foi sujeito em consequência dessas lesões provocaram danos estéticos ao assistente. 79. O assistente apresenta um dano estético permanente fixável no grau 4/7. 80. O assistente necessita de medicação antiepiléptica para prevenção de epilepsia tardia. * 81. Na admissão no Serviço de Urgência no dia .../.../2015, o assistente apresentava-se etilizado. 82. À data do evento, o assistente, segundo o que ele próprio afirmou, tinha hábitos etílicos e diabetes “mellitus” não insulinodependente. O diagnóstico de hepatite B verificou-se apenas no internamento hospitalar em ... e não se encontra referência a dislipidemia na informação clínica (a ele referente). Relativamente a epilepsia, tal diagnóstico não foi efectuado, tendo sido apenas dada a indicação para a toma de medicação antipiepiléptica para a prevenção de epilepsia tardia. 83. As sucessivas infecções que determinaram vários internamentos hospitalares deveram-se, essencialmente, à muita manipulação directa das feridas cirúrgicas por parte do assistente, consequência das alterações de comportamento das graves lesões traumáticas cerebrais que sofreu. O facto de ser diabético levou a que tais infecções fossem mais difíceis de tratar, condicionando internamentos mais longos do que seria expectável. * 84. O assistente nasceu em ... de ... de 1969. * 85. Os arguidos são ambos sócios e gerentes de uma sociedade que explora um estabelecimento comercial de pastelaria e “minimercado”, onde exercem funções como funcionários pelas quais cada um deles declara receber um salário correspondente ao salário mínimo regional. 86. O arguido AA tem o 4º ano de escolaridade e reside em casa própria, com a sua mulher, bordadeira, e uma filha. Tem ainda um outro filho. Os seus filhos são ambos autónomos economicamente. 87. O arguido BB tem o 6º ano de escolaridade e reside em casa própria, com a sua mulher, doméstica, e os dois filhos do casal, ambos maiores. O filho mais velho trabalha com ele no referido estabelecimento comercial, onde aufere um salário mensal correspondente ao salário mínimo regional; o mais novo é estudante, estando ainda na sua dependência económica. * 88. Os arguidos não têm antecedentes criminais averbados nos seus Certificados de Registo Criminal. * FACTOS NÃO PROVADOS * Com interesse para a decisão a proferir não se provaram outros factos. Designadamente, não se provou que: * Da Decisão Instrutória * A. O arguido BB deslocou-se para o exterior do Bar atrás referido para bater no assistente antes do arguido AA, que fez o mesmo em momento posterior. B. Antes de agredir o assistente com um soco na cara, como atrás referido, o arguido BB abeirou-se dele e perguntou-lhe «Conheces a minha sobrinha de algum lado?». C. Ao desferir um soco na cara do assistente, como atrás referido, o arguido BB atingiu-o na zona do sobrolho. D. O arguido BB foi o primeiro a desferir pontapés na cabeça do assistente, no que apenas não prosseguiu porque foi agarrado por GG e por EE. E. Depois, é (só) o arguido AA quem se abeira do assistente e lhe desfere socos e pontapés que o atingiram em todo o corpo, nomeadamente na cabeça, o que foi impedido de continuar por FF. F. Os arguidos desferiram um número não concretamente determinado de pontapés que atingiram o assistente na cabeça, como atrás referido, no momento em que ele se tentava levantar. G. Quando o assistente estava caído no chão, os arguidos também o pontapearam no resto do corpo. H. Quando o assistente está a ser colocado dentro do veículo automóvel por GG e por FF, o arguido BB abriu a porta desse veículo desferiu um soco no sobrolho direito do assistente. I. Seguidamente, o arguido AA abriu outra porta da citada viatura, agarrou o assistente pelas orelhas e abanou-lhe a cabeça com força. * Do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo assistente * J. Posteriormente à agressão perpetrada nos termos acima descritos, os arguidos determinaram e providenciaram que fosse conduzido para a sua casa indiferentes ao estado de doença e de incapacidade em que se encontrava. K. O assistente foi “largado” na estrada, deitado à beira do caminho, próximo ao portão da sua casa. L. As infecções sofridas pelo assistente, que determinaram a rejeição da prótese que lhe fora colocada resultaram, sobretudo, dos tratamentos médicos impostos pela natureza e gravidade das lesões. M. No referido em 36., o irmão do assistente, WW, despendeu mais de 200 horas. N. Desde a data em que ocorreram as lesões, dia .../.../2015, até ao presente, o assistente apenas pode deslocar-se à ... uma vez (a atrás referida). O. O assistente era o proprietário do estabelecimento comercial que explorava na ... à data da agressão ajuizada. P. Dessa exploração, o assistente retirava um rendimento de cerca de € 8.000,00 mensais. Q. Até à data dos factos ajuizados, o assistente trazia para a ... uma média de € 60.000,00 por ano. * Da Contestação Crime * R. O assistente chegou à ... do irmão dos arguidos entre as 22H00 e as 23H00. S. Na noite dos factos, quando chegou à ... do irmão dos arguidos como atrás referido, o assistente apelidou KK de “seu noivo”. T. O assistente e o referido KK discutiram. U. Depois do dito KK se ausentar, para pedir que lhe servissem whisky, o assistente entrou no interior da ..., onde dirigiu à filha do dono do bar o olhar atrás referido. V. O assistente, olhou (também) de forma maldosa para a filha do dono da .... W. A filha do dono da ... era, então, menor de idade. X. A filha do dono da ... ficou incomodada com o olhar que o assistente lhe dirigiu, atrás referido em 58. Y. Não contente com o olhar que dirigiu à filha do dono do bar, o assistente abeirou-se do arguido AA a quem disse, algo próximo de “A tua filha é mesmo boa. Comia-a toda!”, frase que a visada ouviu e que lhe causou grande desconforto e vergonha. Z. Depois desse episódio, o arguido AA dirigiu-se ao interior da pastelaria onde relatou a ofensa ao arguido BB e aos demais circunstantes. AA. O arguido AA, incomodado com a vulgaridade do assistente, afastou-se dele, mas este insistiu nos seus modos menos próprios, pelo que foi convidado a retirar-se do estabelecimento, para não incomodar a visada. BB. O arguido AA deslocou-se para a esplanada para fumar um cigarro e aí permaneceu pouco tempo. CC. Na sequência do comportamento do assistente, o arguido AA apenas o segurou por um braço. DD. Depois de relatar a ofensa ao arguido BB e aos demais circunstantes, o arguido AA deslocou-se para a casa de banho. EE. O arguido BB aproximou-se do assistente, dizendo-lhe que não admitia faltas de respeito para com a sobrinha, no que foi seguido pelo seu irmão, o arguido AA. FF. Os restantes circunstantes aproximaram-se, no sentido de acabar com a discussão, aglomerando-se na esplanada seis ou sete pessoas. GG. O assistente caiu ao chão com estrondo, batendo com a cabeça, quando estavam na esplanada seis ou sete pessoas porque tropeçou no degrau que a desnivela do parque de estacionamento (visível nas fotografias de fls. 123 e 124 dos autos), desequilibrando-se. HH. Ao ser transportado para casa, como atrás referido, o assistente mostrou-se sempre consciente e dialogante, e manteve-se em conversa com o motorista. II. Durante as trocas de palavras, na esplanada do bar, nunca os arguidos pontapearam ou socaram o assistente e muito menos na cabeça. JJ. Os arguidos não agrediram o assistente e não quiseram afectar-lhe a capacidade intelectual ou de ganho, assim como jamais equacionaram a possibilidade de o matar. KK. Ao verificar não ser possuidor das chaves de casa, o assistente poderá ter tentado subir o muro de sua casa, para aí tentar aceder a eventual porta ou janela que se mantivesse aberta. LL. Ao tentar saltar o muro e varanda de sua casa, o assistente ter-se-á desequilibrado e tombado de forma violenta no chão, onde terá feito a lesão na cabeça que lhe veio a ser diagnosticada. MM. O assistente pode ter sido agredido por terceiros, à porta de sua casa, ou noutro qualquer local, mas nunca no bar do irmão dos Arguidos. NN. O vestígio lofoscópico atrás referido pertence ao assistente OO. Os arguidos são pessoas de educação esmerada, cidadãos bem formados e com padrões morais e éticos elevados. PP. Os arguidos são incapazes de praticar actos de violência como os ajuizados. * Da Contestação ao Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo Assistente * TT. À data dos factos, o assistente sofria de hepatite B em estado avançado, dislipidemia e epilepsia tardia. * O demais vertido nas contestações e nos articulados em que foram deduzidos os pedidos de indemnização civil e atrás não expressamente mencionado em sede de factos provados e não provados, não o foi por consubstanciar factos conclusivos ou por conter alegações de direito. * Da Motivação Fáctica * Ao dar como provada e não provada a factualidade supra descrita referente à actividade delituosa assacada aos arguidos, seu circunstancialismo e consequências, o tribunal formou a sua convicção na concatenação crítica do conjunto da prova produzida em julgamento e, bem assim, da prova pericial e documental e com que os autos foram instruídos, toda ela apreciada de acordo com o seu valor probatório e as regras da experiência, segundo dita o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP. (…) No caso concreto consideraram-se também as máximas indiciárias fazendo-se relevar o tipo de testemunhos prestados que, juntamente com os pontos cristalizados do lastro de coincidência das várias versões apresentadas, e com alto grau indiciário de probabilidade ou de verosimilhança, deram ao tribunal, na sua compreensão global, para além de toda a dúvida razoável, a verdade material da parcela dos factos dados como provados e não provados em julgamento. Faz-se aqui apelo à realidade das coisas – à mundividência dos homens e regras de experiência que resultam do viver em sociedade. Importa ainda sinalizar, antes de nos abalançarmos na motivação da factualidade provada e não provada, que a audiência de discussão e julgamento decorreu com o registo da prova (declarações dos arguidos e do assistente e depoimentos das testemunhas) em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal. Esta circunstância, permitindo uma ulterior reprodução desses meios de prova e um efectivo controlo do modo como o Tribunal formou a sua convicção, deve, nesta fase do processo, revestir-se de alguma utilidade, nomeadamente, dispensando o relato detalhado das declarações e depoimentos prestados. Assim, esse registo, será ponderado no cumprimento do estatuído no art.º 374º, n.º 2, do CPP, onde se impõe a exposição, tanto quando possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão sobre a matéria de facto, com o exame crítico das provas enumeradas. * O Tribunal fundou-se, pois, nas regras de experiência e na ponderação de toda a prova, quer junta aos autos quer produzida em audiência, e no juízo sobre a certeza e a verdade material dos factos resultou, sobretudo, dos meios de prova que passaremos de seguida passaremos a enunciar. * Neste circunspecto, o assistente, CC, ainda que num discurso pobre, pouco espontâneo e lentificado não deixou de narrar, de modo credível, sentido e quase infantil, em suma, que, no dia dos factos, ao fim da tarde e “já bebido”, juntamente com KK, seu amigo, que para aí o transportou, foi para o “...”, bar pertença de um irmão dos arguidos, que disse serem seus amigos, à data, onde ficou a beber, na esplanada, e a confraternizar, incluindo com estes, com quem se dava bem, ele a beber whisky e eles cerveja. Estavam já todos etilizados, ele mais. Aí permaneceu a beber, depois de o seu amigo se ter ido embora. É nessas circunstâncias que, dirigindo-se ao arguido AA lhe disse que a sua filha “era tenrinha”, o que lhe causou desagrado e o fez ficar zangado, assim como ao arguido BB. É este último, o arguido BB, quem primeiro lhe bate, dando-lhe um soco na cabeça (cara) e fazendo com que caísse para o chão. Aí, quando caído, ambos os arguidos lhe deram “socos” e “patadas” na cabeça. Nas suas palavras, os arguidos “queriam matá-lo”. Tudo foi presenciado (pelo menos) por GG, FF e HH, que se encontravam no local. Foram o GG e o FF que o ajudaram a levantar-se e a entrar no carro deste último. Mesmo nessa ocasião, quando estava a entrar no carro, ainda foi de novo agredido pelos arguidos na cabeça. Foi levado a casa pelo referido FF, taxista, que o deixou na rua, em frente à sua casa, onde não chegou a entrar porque não tinha as chaves, do que só então se apercebeu. De mais nada se recorda a não ser de “acordar” já no hospital. Referiu ainda ser talhante e que tinha um talho na ... com cerca de 14 a 15 funcionários, que continuará em laboração. WW, irmão do assistente, ..., disse conhecer os arguidos há mais de 20 anos e ter tido com eles um bom relacionamento até aos factos subjacentes aos factos. Todavia, desde então, cortou relações com eles. Em resumo, narrou ao tribunal que na segunda-feira depois desses factos (dia ...), que não presenciou, telefonaram-lhe a informá-lo de que o assistente estava internado no ..., em coma, em risco de vida. Segundo o que lhe foi dito mais tarde, “levara uma malha”, embora ainda hoje não saiba porquê. Deu conta do calvário sofrido pelo assistente, tal como acima cristalizado, por via das sequelas resultantes das lesões corporais que sofreu. À data emigrado na ..., onde explorava um estabelecimento comercial de talho sua pertença e, quando de férias nesta região, residente em casa própria, deixou de ser autónomo e de ter condições físicas e mentais para subsistir sozinho, não tendo capacidades para trabalhar e para cuidar de si e da sua casa, que, entretanto, foi vendida. Nessa casa permaneceu ainda sozinho durante algum tempo após a alta hospitalar mas essa situação revelou-se insustentável já que o assistente, por via das sequelas que apresenta, deixou de ter capacidades para cuidar da sua própria higiene e da limpeza e organização da casa, ao ponto de terem contratado uma empresa para proceder à sua limpeza. Agora vive com ele, na casa da progenitora de ambos. O assistente já foi algumas vezes à ..., mas sempre acompanhado por alguém para tomar conta dele. Segundo o que referiu, o “...” que o assistente, talhante de profissão, tinha na ... continuará em funcionamento e aberto ao público, mas a pessoa incumbida da sua exploração (um encarregado) não envia para Portugal quaisquer montantes daí resultantes, pelo que subsistirá das suas poupanças. HH, ..., que disse que os arguidos eram seus “conhecidos”, referiu ter-se deslocado ao bar “...” à noite: Fê-lo para comprar tabaco e beber um café. Foi atendido por NN, irmão dos arguidos, que estava “ao balcão”. Depois de comprar tabaco foi para a esplanada, para fumar e beber o café. Nessa altura, ouviu o assistente, que lhe pareceu embriagado, dizer ao arguido AA qualquer coisa como “o compadre tem uma filha tenrinha”. Este, que também lhe pareceu embriagado, ficou zangado com isso e disse ao assistente que “a ele não lhe faltava ao respeito”, ao mesmo tempo que o “agarrou por um punho”, após o que foi para o interior do Bar, onde se encontrava o arguido BB. Nessa ocasião, também estavam na esplanada o YY e o CC ou FF, taxista, sobrinho dos arguidos, a quem o primeiro disse para levar dali o assistente, “para não haver confusões”, o que este fez, transportando-o no seu carro. No bar, também se encontrava EE. Ele próprio foi embora cerca de 15 minutos depois da sobredita troca de palavras. Não viu que ninguém tivesse agredido corporalmente o assistente, designadamente os arguidos. De forma absolutamente risível e atabalhoada, acabou por justificar ter, em fase de inquérito, quando inquirido na Polícia Judiciária, dito coisa totalmente distinta, a saber, em resumo, que os arguidos, naquela ocasião, tinham batido no assistente ao soco e ao pontapé, quando este estava já caído no chão, designadamente na cabeça, depois de instigados por YY, por se ter, então, baseado “naquilo que foi ouvindo” já que “todas as pessoas” comentavam que o assistente fora “batido pelos “Jucas” (alcunha atribuída aos arguidos). Foi por isso que aí mentiu, declarou em julgamento. ZZ, Motorista de Táxi, amigo dos arguidos desde a sua infância e irmão do assistente, que não presenciou os factos, resumidamente, disse que soube por um amigo de nome AAA que o assistente estava internado no ... e que HH (atrás referido) tudo presenciara e sabia o que sucedera. Este último, por seu turno, disse-lhe que tinha havido “uma confusão”, a saber, “o AA e o BB (os arguidos), tinham batido no CC (o assistente), ao pontapé e aos socos, numa pastelaria de um dos seus irmãos, “por causa de umas bocas que ele (assistente) mandara a uma menina”. Do mesmo modo, disse-lhe que FF, taxista, sobrinho dos arguidos, depois da agressão, levara o assistente para a sua casa, no seu carro. Em conversa que com ele teve, o FF confirmou-lhe que, nessa circunstância, levou o assistente para casa, deixando-o na ..., em frente ao portão que lhe dá acesso e também ele lhe disse que os seus tios (os arguidos) tinham batido no irmão (o assistente). Tanto quanto sabe, o seu irmão ficou sozinho no bar para confraternizar e beber porque combinou com FF que ele o levaria a casa. O referido HH, que lhe disse ter ficado desagradado com aquilo a que assistiu, disse-lhe também que o podiam indicar como testemunha porque pretendia narrar a agressão que presenciara. DD, Promotor Imobiliário, que referiu ser amigo do assistente e não conhecer os arguidos, adiantou ter sido contactado telefonicamente pelo ... a darem-lhe conhecimento do internamento daquele. Fizeram-no porque não o tinham ainda identificado e o seu número corresponderia ao da última chamada feita do seu telefone móvel. Informaram-no de que o assistente estava muito mal, que iam induzir-lhe o coma e pretendiam informar a família. Soube que o assistente fora encontrado inconsciente, caído no chão, à porta da garagem da sua casa. Ele próprio, mais tarde, quando o foi visitar ao hospital, convenceu-se de que o assistente iria morrer. Foi o assistente quem, já saído do coma, lhe disse que “lhe tinham dado uma porrada”. KK, amigo do assistente, confirmou que, no dia dos factos, lhe deu boleia desde o ...), até ao ..., ao Bar “...”, onde ficaram sentados numa mesa da esplanada, a conversar e a beber. Até ele sair, nada de anormal aconteceu. Ele teve de se ausentar mais cedo porque tinha que ir buscar a sua namorada. O assistente quis ficar e disse-lhe que alguém se comprometera a dar-lhe boleia para casa. BBB, Técnica Superior na ..., que foi vizinha dos arguidos, a quem conhece, e sobrinha do assistente, referiu ter sabido por ZZ, também seu tio, que o assistente estava internado nos cuidados intensivos e, depois, foi visitá-lo ao Hospital, enquanto ele aí permaneceu internado. Tanto quanto chegou ao seu conhecimento, os arguidos pontapearam o seu tio por que ele disse umas “palavras menos próprias” sobre uma rapariga. Que ela seria “tenrinha”, “fresquinha” ou algo similar. Uma das pessoas que tal lhe narrou foi a sua prima de nome CCC, filha do atrás referido ZZ. Nas suas palavras, depois do sucedido, o seu tio “já não é o que era”. JJ, Agente da PSP, resumidamente, confirmou ter comparecido no local - entenda-se, a rua onde se localizava a então casa de residência do assistente nesta ilha - na sequência de uma chamada para o 112. Aí estavam “alguns populares” e o assistente (só mais tarde identificado) caído no chão, não sabe se a dormir ou, por exemplo, em coma alcoólica, que logo foi encaminhado para o .... DDD, reformado por invalidez, nada trouxe aos autos. EEE, Operador de Caixa, sobrinho paterno dos arguidos e que apenas conhece o assistente de vista, referiu nada saber sobre o evento subjacente ao presente processo, que não presenciou. NN, irmão dos arguidos, Empresário, disse ser o proprietário do snack-bar, padaria e pastelaria “...”. Aquando dos factos, ele estava a “servir ao balcão” (posicionado atrás desse balcão) e, ao tempo, trabalhavam nesse estabelecimento também a sua filha, de nome LL, e uma funcionária cujo nome não recorda. Em resumo, começou por dizer que, no dia dos factos, “ninguém bateu em ninguém; não houve nenhuma pancadaria ali”. Foi uma noite normal. Se tivesse ocorrido alguma coisa ele teria visto. O assistente saiu do referido estabelecimento comercial à hora do seu encerramento (22.00 horas), sem sinais de ter sido agredido, no táxi do seu sobrinho, o FF, facto que presenciou. À hora do fecho a filha já aí não se encontrava. Estaria a sua mulher, OO, que, normalmente, desce por essa hora para ligar o forno, onde são confecionados os bolos e o pão que comercializam nesse estabelecimento. Os arguidos estavam nesse estabelecimento, com YY, seu amigo e compadre de um deles, com FF, seu sobrinho e EE. Também aí esteve o assistente, com um amigo que, entretanto, se foi embora. O assistente já “estava bebido”. Também os seus irmãos já deveriam ter ingerido 4 ou 5 cervejas cada um. Não viu os seus irmãos e o assistente beberem juntos. Ele, depoente, “bebeu com um copo” com os arguidos e com YY, com FF e com EE. Depois, retomou o seu trabalho, ao balcão, que se situa no lado direito do estabelecimento, considerando o sentido de marcha de quem nele entra. Perguntado sobre as câmaras de CCTV que tem instaladas no seu estabelecimento, disse que apenas filmavam (filmam) o interior desse estabelecimento. OO, Pasteleira, casada com a anterior testemunha e cunhada dos arguidos, também ela referiu que não houve qualquer zaragata no referido estabelecimento no dia .../.../2015. Se a houvesse, ela tê-la-ia ouvido. E tê-la-ia ouvido apesar de estar no interior da casa de residência do casal (na sala), que fica por cima do Bar (o bar está no rés-do-chão e essa casa no 1º andar, como se extrai das fotografias de fls. 123 e 124) a “ver telenovelas num canal brasileiro”, pois, como tratou de dizer, “não precisa de ter a o som da televisão muito alto”. De resto, se tivesse havido alguma confusão, a sua filha, LL, ter-lhe-ia dito, já que, antes de sair para o bar, ainda se cruzou com ela (a filha subiu, vinda do bar, e ela desceu, saindo de casa). Quando desceu, o assistente estava a entrar no carro do FF pelos seus próprios pés e nele não viu quaisquer ferimentos/lesões. YY “não estava a fazer nada”. Só estava com a mão na porta que dá acesso ao lugar do passageiro ao lado do condutor, quando o assistente já aí estava sentado. Só se deu conta que se comentava que tinha “havido uma confusão no bar”, o que não admite, porque, dias depois, uma cliente lhe disse que os cunhados (os arguidos, entenda-se) teriam, aí, “batido no assistente”. Nem tal possibilidade (a de ter havido “uma confusão” no bar) cogitou quando, no dia a seguir ao dos factos (segundo o que disse), um Agente da PSP de nome FFF foi ao Bar “dizer-lhes” (a ela e ao marido, presume-se), para preservarem as imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância instalado no Bar, referentes àquele dia. Em virtude dessa comunicação, garantiu ao tribunal, “ninguém lhes mexeu”. II, filha de NN e de OO e, por conseguinte, sobrinha dos arguidos, estudante, confirmou a sua presença no Bar em causa no dia dos factos, onde então estava a ajudar o seu pai, e de o assistente, já aparentando estar alcoolizado, lhe ter pedido uma bebida, que lhe foi servida. Recorda-se de o assistente ter olhado para ela com “um olhar babado” e de, no interior do bar, ter dito ao seu tio, o arguido AA (pensando que ela era sua filha) e a ela a visando, qualquer coisa como “A tua filha é mesmo tenrinha. Comia-a toda”. Também estavam no bar o arguido BB, YY e EE, cliente habitual do bar e amigo da família. Já “estavam todos bebidos”, disse. Foi para casa cerca de 15 minutos depois do sobredito comentário do assistente. Algum tempo após ouviu comentar na escola que então frequentava que o seu pai batera no assistente, o que ele negou. FF, Taxista, sobrinho dos arguidos, estava no bar já identificado na noite dos factos, onde disse ter chegado por volta das 18.00 horas, tendo sido convidado por eles, por YY e por EE a sentar-se na mesa onde eles já estavam, na esplanada, o que fez. Ficaram sempre na esplanada. Já era noite quando chegou o assistente, com um amigo, que também aí ficaram a beber. Ficou com a sensação de que terão discutido, mas não ouviu o que possam ter dito. Entretanto, o assistente perguntou-lhe se o podia levar a casa (mais tarde), ao que ele anuiu, e o amigo foi-se embora. Quando se dirigia à casa-de-banho, deu-se conta de que, dentro do bar, o assistente e o arguido AA estavam a falar sobre raparigas, mas não ouviu o que em concreto disseram. Contudo, ouviu esse arguido dizer ao assistente “Não falas assim da minha filha”. Pouco tempo após, quando saiu da casa de banho, já no exterior do bar, viu o arguido AA a “agarrar o assistente pelo colarinho”. Mas ele acalmou-o, meteu-se no meio deles e este arguido nada mais lhe fez do que isso. Ainda no exterior do bar, o assistente caiu – caiu para trás, para a zona do estacionamento – vindo a bater com a cabeça no chão (tijoleira). Pensa que caiu de lado, porque tinha um “pingo de sangue” no sobrolho direito. Logo de seguida, ele e YY, cada um do seu lado, ajudaram o arguido a levantar-se e a ir para o seu carro, “mas ele foi pelos seus próprios pés”. De imediato, levou-o para a sua casa. Deixou-o na ..., em frente da casa, onde não esperou que entrasse. O arguido AA não bateu no assistente. Nem ele, nem o arguido BB nem ninguém, disse. Admitiu, todavia, que se alguém o tivesse agredido corporalmente enquanto esteve na casa de banho, ele tal não podia ter visto. GG, empresário das áreas da Tecnologia, Financeira e Gestão de Parques de Estacionamento, amigo dos arguidos e do seu irmão NN, de quem é “visita de casa”, e cliente habitual do bar já identificado, referiu ter chegado a esse bar ao fim da tarde. Chegaram depois os arguidos, um antes do outro e, depois, o NN. Ele e os arguidos estiveram a beber. Ele já teria bebido 7 a 8 cervejas (minis). Chegou também o assistente, trazido no carro por um amigo. A QQ, filha de NN estava no bar e ele ouviu o assistente, que estava muito embriagado, a ela se referindo, dizer ao arguido AA “a tua filha é muito tenrinha”, expressão a que, ele, depoente, atribuiu carga sexual. Isto aconteceu à porta do bar, mas ainda no seu interior. O arguido AA pensou que ele se referia à sua filha (e não à sobrinha QQ), pelo que ficou zangado e foi tirar satisfações ao assistente, e, nessa circunstância, agarrou-o por um braço e nada mais, até porque ele os separou. Não viu, então, qualquer violência física nem a houve – “Porque eu estava lá e não vi. Se não vi, é porque não houve”, disse. Esse arguido limitou-se a agarrar o assistente por um braço. O assistente foi “encaminhado” para a rua e, já no exterior do bar, caiu ao chão, o que ele viu. Não sabe porquê. Talvez tenha tropeçado no degrau aí existente. Talvez se tenha atrapalhado, porque podia estar com medo que alguém lhe batesse, ainda que sem motivo para isso. Viu que tinha uma “ferida sangrenta” num dos sobrolhos que não sabe “como a fez”. Talvez tenha resultado da sua queda. Ele e o FF levaram o assistente até ao carro deste, segurando-o pelos braços, que o levou até casa. Depois disso, o FF regressou ao bar, que já estava encerrado ao público e ele ainda aí se encontrava. Referiu ainda que, já depois do dia dos factos, viu as imagens do sistema de videovigilância instalado no bar “...” e, atestou, delas resultava claro que nada ali se passou no dia (noite) em causa, isto é, que ninguém agrediu corporalmente o assistente. Fê-lo para ter a certeza de que ali “não tinha acontecido nada”. Não conseguiu dar nenhuma explicação cabal para o “desaparecimento” dessas filmagens, apesar de NN ter sido formalmente notificado para as preservar. EE, empresário, disse estar no referido bar naquele dia, com os arguidos, a quem conhece, aí tendo chegado cerca das 20.00 horas, aí tendo ficado todos a beber e a conviver. A dada altura, ele e o arguido AA vieram para o exterior do bar para fumarem um cigarro. É então que o assistente se aproxima desse arguido e lhe diz que a filha dele era “tenrinha”. Nessa sequência, disse, “houve um sururu” entre os arguidos e o assistente, mas não houve quaisquer agressões físicas, querendo com isso significar que os arguidos não o agrediram corporalmente. Ninguém “agarrou” o assistente por qualquer forma e também ninguém foi “desapartar” o arguido AA do assistente. Adiantou também que o assistente não sofreu qualquer queda. Logo de seguida o assistente foi embora, para casa, levado por FF no seu carro. Mas “foi pelo pé dele”. Ninguém o ajudou a ir até ao carro. GGG, Agente da PSP, HHH, Empresário do ramo da Restauração, e III, Floricultor, amigos dos arguidos desde longa data, a quem conhecem bem, retrataram-nos como homens de família, de bem, pacatos, boas pessoas e correctamente integrados na comunidade em que se inserem, onde são bem vistos. Ouvido o assistente e finda a prova testemunhal, os arguidos que, num primeiro momento, apenas quiseram prestar declarações sobre as suas condições sócio-económicas e familiares (já que ambos se recusaram a colaborar na feitura de Relatório Social) quiseram fazê-lo sobre o objecto do processo. Assim, e em resumo, o arguido AA referiu que no dia ... de ... de 2015, estava no “...”, Bar/... do seu irmão NN, onde chegaram, depois, YY, o arguido BB e o assistente. Não se recorda se também aí estava EE. A dada altura, o assistente, referindo-se à sua sobrinha JJJ, que aí estava a trabalhar, e pensando ser sua filha, disse-lhe “Tens uma filha novinha, tenrinha, boa”. Desagradado e incomodado, disse ao assistente que ele podia ter muito dinheiro e estar melhor na vida do que ele mas que não admitia que lhe faltasse ao respeito, ao mesmo tempo que o agarrou pelo seu braço esquerdo. Apenas lhe disse essas palavras e assim o agarrou e nada mais, até porque o seu sobrinho, FF, que também ali se encontrava, lhe disse para “deixar o assistente porque ele estava bêbado” Logo de seguida foi à casa de banho e, quando regressou, já o assistente estava no carro do seu sobrinho, a ir para casa, seriam 22.30 horas. Por várias vezes, repetiu, “eu não bati no CC”, “eu não fiz nada ao CC”. Permaneceram no interior do Bar já depois da hora do fecho ele, o seu irmão NN, o arguido BB, YY e a sua sobrinha JJJ. Chegou o seu sobrinho, o referido FF, que lhes disse que deixara o assistente à porta da sua casa, no .... Não viu o assistente sangrar do sobrolho esquerdo. Referiu que ele e o assistente sempre foram amigos, convivendo quando ele vinha de férias da .... Já o arguido BB, por seu turno, de novo em resumo, confirmou estar no sobredito estabelecimento comercial na referida data, onde também afluiu o assistente, com um amigo, por volta das 19.30, 20.00 horas, que se dirigiram para o interior da pastelaria. Ele estava num grupo, onde estava também o arguido AA, na esplanada, todos a beber cervejas (“minis) e o assistente pagou-lhes “uma rodada”. A dado passo, o assistente e o amigo ter-se-ão chateado, e o amigo foi-se embora, tendo o assistente ficado na esplanada, onde estavam ele e o seu irmão AA. Ele e EE nunca se levantaram das cadeiras onde estavam sentados. Apercebeu-se, então, de que o seu irmão AA estava exaltado, a falar alto com o assistente e a agarrá-lo, dizendo-lhe que ele podia ter muito dinheiro e estar melhor na vida do que ele mas que não falava assim da sua filha. Nada mais aconteceu. Ali não aconteceu nada, disse. O seu sobrinho, o já referido FF, que também ali se encontrava a beber, “no seu grupo”, levantou-se e disse que ia levar o assistente à sua casa, o que fez de imediato. Depois regressou ao bar e disse que o assistente ficara em casa e estava bem. Ele e o assistente eram amigos. Tanto assim que ficou preocupado quando soube que estava em coma. E também o seu irmão AA era amigo do assistente, nenhum deles tendo qualquer motivo para o agredir. Pensa que o assistente foi influenciado para mentir e que, tendo surgido, no ..., um boato de acordo com o qual ele e o seu irmão AA teriam batido no assistente, foi por causa da discussão havida entre ele e esse seu irmão. Não consegue explicar porque é que HH, que disse ser seu amigo e do seu irmão AA, quando inquirido na Polícia Judiciária, disse que ambos, naquela ocasião, tinham batido no assistente ao soco e ao pontapé, quando este estava já caído no chão, designadamente na cabeça. * Feita esta resenha das declarações de assistente e arguidos e dos depoimentos das testemunhas ouvidas em julgamento, o que dizer? Na perspectiva deste tribunal, o que se afigura óbvio: Que os arguidos não disseram a verdade quanto ao que aconteceu no “...” na noite do dia .../.../2015 e que as testemunhas ali presentes quiseram branquear o seu comportamento. Com efeito, mesmo sem aludir às contradições entre os depoimentos dessas testemunhas e a forma hermética e defensiva como depuseram, esqueceram-se os arguidos e tais testemunhas de algo incontornável e objectivo. É que, desde logo, de todas as pessoas ouvidas (e cingimo-nos às já referidas) há apenas uma que, lamentavelmente para ele, perdeu a capacidade de mentir, de engano, de artifício: o assistente. E este, sem grandes pormenores e de modo quase básico – a tal não será alheio o facto de ter ficado a padecer de amnésia circunstancial parcial para o evento e de limitações cognitivas – não deixou de referir o essencial: os arguidos “malharam-no” e queriam matá-lo, tal como já descrito. Mais ainda, não menos importante, tal como se concluiu no Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal a que o assistente foi sujeito neste processo, a TC crânio-encefálica que lhe foi efectuada no referido dia demonstrou a presença de múltiplas lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas dispersas por ambos os lados do crânio e encéfalo, o que é mais compatível com vários traumatismos atingindo diferentes zonas da cabeça, do que com uma queda de uma altura de cerca de 2 metros, uma vez que, nestas circunstâncias, as lesões traumáticas estariam concentradas maioritariamente na zona da cabeça em contacto com o solo. Isto, naturalmente, a conferir evidente respaldo probatório ao veiculado pelo assistente, quando referiu que os arguidos o pontapearam na cabeça e a afastar a possibilidade de terem resultado de uma qualquer queda (diga-se até aqui, à laia de parênteses, que contrariamente ao que por escrito foi veiculado na contestação à pronúncia que apresentaram, os arguidos, nas suas declarações, nem sequer referiram que o assistente teria caído ao chão com estrondo, batendo com a cabeça, no sobredito estabelecimento, aquando dos factos, por ter tropeçado no degrau da sua esplanada). Como se tal não bastasse, sabemos existir um sistema de videovigilância no estabelecimento “...”. Tanto assim é que, no dia .../.../2015, o já referido NN foi notificado por um Agente da PSP para preservar as imagens de videovigilância referentes ao período entre as 24.00 horas do dia .../.../2015 e as 23.00 horas do dia .../.../2015 (cfr. fls. 19). Disso, de resto, se mostrou ciente a sua mulher, OO que, como já se adiantou, referiu que, depois disso, “ninguém lhes mexeu”. No entanto, em clara contradição, o já aludido YY, uma das testemunhas que estava no “...” aquando dos factos, referiu que, em data posterior aos mesmos, viu as imagens do sistema de videovigilância instalado no bar “...” e, atestou, delas resultava claro que nada ali se passou no dia (noite) em causa, isto é, que ninguém agrediu corporalmente o assistente, designadamente os arguidos. Que tal fez para ter a certeza de que ali “não tinha acontecido nada”, certeza que assim obteve. Ora, pergunta-se, se tal correspondeu à verdade, porque não foram trazidas aos autos? Atestando a inocência dos arguidos, seria do seu maior interesse preservá-las e fazer com que chegassem incólumes ao processo, disso dando conta ao seu irmão, o aludido NN. O certo é que isso não veio a suceder. E se assim foi, as mais elementares regras de experiência tal permitem dizer, é porque atestariam o contrário e deles seriam incriminatórias. Levado o aparelho respectivo para as instalações da Polícia Judiciária, aí se constatou nele não existir qualquer registo de imagem ou filme gravado na malograda noite de 30 para ... de ... de 2015, em que ocorreram os factos. E, se essa testemunha viu tais imagens, como fez questão de referir, esse depoimento permite concluir que, afinal, não foi o aparelho que não foi programado para gravar. Diversamente, os ficheiros foram apagados depois da gravação, assim se podendo responder à “alternativa” colocada por aquela polícia depois de fazer a pesquisa no disco respectivo (cfr. fls. 167). Diga-se ainda, que, como resulta da resenha feita, FF, depois de levar o assistente a casa regressou ao referido estabelecimento comercial onde, já depois de encerrado ao público, se encontravam (pelo menos), os arguidos, o seu irmão NN e YY. E porque o fez? Porque estavam preocupados. Porque era importante, sobretudo para os primeiros, saber se ele estava bem. E estava, aparentemente, como ele lhes comunicou (infelizmente isso não era verdade, porque foram internas as lesões que sofreu). Ora, é bom de ver, isso só se coaduna com a verdade dos factos a que se chegou: os arguidos tinham agredido corporalmente o assistente, tal como se deixou cristalizado e estavam apreensivos. Já noutra sede, não sendo conhecidas aos arguidos competências em artes marciais, as mesmas regras permitem concluir que se pontapearam o assistente na cabeça é porque ele estava caído no chão. De outro modo, tal não conseguiriam. No que respeita ao dolo que presidiu à conduta dos arguidos (facto do foro psicológico), retirou-o o tribunal da objectividade das suas evidenciadas condutas, que, claramente, o permite presumir, de novo em conformidade com as regras da experiência comum (cfr., neste sentido, a título meramente exemplificativo, o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de .../.../2008, disponível em www.dgsi.pt). Não foi trazida aos autos a necessária prova documental (fiscal e bancária) demonstrativa dos rendimentos auferidos pelo assistente por força do seu trabalho e dos montantes daí resultantes que possa ter depositado em instituições bancárias no nosso País ou na ..., onde vivia. Do mesmo modo, não foi documentalmente comprovado, como se impunha, ser o assistente o proprietário do estabelecimento comercial de talho que explorava (explorará) na .... Foram ainda valorados pelo tribunal, na formação do seu convencimento, como em alguns casos foi já concretizado, os Relatórios de Perícia de Avaliação do Dano Corporal constantes de fls. 322 a 324 verso e de fls. 980 a 985 verso; o Auto de Denúncia de fls. 15 e verso; a Participação de fls. 24 e verso; o Aditamento de fls. 25 (todos na sua objectividade); o documento de fls. 19; o Relatório de fls. 27 e folhas de suporte de fls. 28 a 33; os relatórios clínicos de fls. 38 a 44; o relatório pericial de fls. 46 a 47; o documento de fls. 55; os relatos e fotogramas de fls. 96 a 110, 122 a 127, 129 a 132 e 138 a 143; o relato, auto e análise de fls. 165 a 169; a Nota de Alta de fls. 201 e verso; as informações clínicas de fls. 291 e 302 a 305; os documentos de fls. 487 a 511; a certidão de dívida de fls. 515 e verso. Através dos sobreditos meios de prova pode o tribunal dar por provada e não provada, pela forma que se deixou elencada, a matéria factual vertida nos pontos 1. a 67., inclusive, 69. a 83, inclusive, e em A) a NN, inclusive, e TT), respectivamente, relacionada com o comportamento delituoso dos arguidos, seu circunstancialismo e consequências. Os depoimentos conjugados das testemunhas GGG, HHH e III, devidamente ponderados e sopesados com o que a prática dos factos típicos ilícitos ajuizados revela sobre a personalidade dos arguidos, permitiram a demonstração e indemonstração da matéria factual a que se aludiu no ponto 68 e em OO) e PP), respectivamente. O Assento de Nascimento de fls. 22 a 23 atesta o facto que se deixou exposto como provado no ponto 84. A matéria factual referente às condições sociais, pessoais, familiares e económicas dos arguidos, a que se aludiu nos pontos 85. a 87., inclusive, resultou das suas próprias declarações, neste circunspecto credíveis. Por fim, a convicção do tribunal quanto ao passado criminal dos arguidos sem mácula criminal, a que se refere o ponto 88., alicerçou-se na análise dos seus CRC, juntos a fls. 1016 a 1017 dos autos.”. ** II.3. Apreciação do recurso II.3.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto por erro de julgamento e alegada violação do art. 127º do CPP A pretensão dos recorrentes consiste numa impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, por erro de julgamento, a que se refere o artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP. De acordo com o artigo 428º do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito e conforme o disposto no artigo 431º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3 do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova”. Por sua vez, o artigo 412º, n.º 3, do CPP dispõe que “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.” E, o seu n.º 4 estabelece que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. A impugnação da matéria de facto por o Tribunal a quo ter efectuado uma incorrecta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, não pode confundir-se com discordância na apreciação da prova, que invada o espaço da livre apreciação da prova plasmado no artigo 127º do CPP, que é de estrito domínio do julgador (e que, no caso concreto, os recorrentes também invocaram). O legislador consagrou no Código de Processo Penal o princípio da livre apreciação da prova que se consubstancia, por um lado, na inexistência de critérios pré-determinados no valor a atribuir à prova e, por outro lado, em não haver uma apreciação discricionária ou arbitrária da prova produzida. Essa liberdade obedece quer ao dever de tal apreciação assentar em critérios objectivos de motivação, quer ao dever de perseguir a verdade material. Ao referir-se que a valoração da prova é ‘segundo a livre convicção da entidade competente (o juiz)’, a convicção há-de ser pessoal, objectivável e motivável, logo, vinculada e, assim, capaz de conseguir a adesão razoável da comunidade pública. Donde resulta que tal existirá quando e só quando o Tribunal se tenha convencido, com base em regras técnicas e de experiência, da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, Coimbra Editora, 1981, págs. 198-207). Assim, o juiz deve apreciar a prova testemunhal segundo os critérios de valoração racional e lógica, tendo em conta as regras de experiência comum, julgando segundo a sua consciência e convicção. O juiz é livre de formar a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha (ainda que familiar do arguido ou do ofendido/assistente) em detrimento de testemunhos contrários (por exemplo, de pessoas sem quaisquer ligações ao arguido ou ao ofendido). Pelo que, a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras de experiência comum ou o princípio in dubio pro reo. Na impugnação da matéria de facto prevista no citado artigo 412º, n.º 3, do CPP e como decorre, nomeadamente, do Ac. da RP de 22/06/2011, processo n.º 10/07.7TAMGD.P1, in www.dgsi.pt: “Não basta ao recorrente discordar quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova: o poder de cognição do tribunal da relação, em matéria de facto, constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância sem assumir a amplitude de um novo julgamento que faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação daquela mesma instância.” No caso sub judice, os recorrentes sustentam, em suma: • que há factos que deveriam ter sido dados como provados; • que existem factos julgados provados e que deverão ser dados como não provados. Comecemos por analisar o invocado quanto aos factos que foram dados como provados e que alegadamente deveriam ter sido dados como não provados (alguns, em parte): Factos 4º a 18º, 34º, 37º e 60º e, ainda, na vertente do pedido cível, factos 47º a 75º. Atentemos no teor de tais factos: “4. Pouco tempo depois, para aí se dirigiram os arguidos, ambos com a intenção de lhe bater. 5. Nessa altura, o arguido BB abeirou-se do assistente e, em acto contínuo, desferiu-lhe um soco na cara, provocando a sua queda para trás. 6. De seguida, aproveitando-se do facto de o assistente estar caído no chão e antes de se conseguir levantar, ambos os arguidos, de comum acordo e em comunhão de meios, esforços e desígnios, desferiram-lhe um número não concretamente determinado de pontapés que o atingiram na cabeça. 7. Posteriormente, o assistente foi colocado dentro de um veículo automóvel por GG e por FF. 8. Quando o assistente estava a ser colocado dentro desse veículo automóvel, os arguidos ainda o agrediram dando-lhe murros na zona da cabeça. 9. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita, o assistente sofreu numerosas pequenas áreas hiperdensas, algumas punctiformes, de sangue, das regiões frontais bilaterais e temporal esquerda, compatíveis com contusões cerebrais hemorrágias e/ou lesões axonais difusas, sangue no espaço subaracnoideu (hemorragia subaracnoideia), sangue na tenda do cerebelo, fímbria de sangue, subdural, da região temporo-pariedatal esquerda, edema cerebral, fractura linear, fronto-parietal esquerda, francos sinais de pan-sinuvite e hematomas, subcutâneos, fronto-temporo-parietal esquerdo e fronto-temporo-parietal direito, que motivaram o seu internamento no ... MM. 10. Também como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita, durante o seu internamento, o assistente sofreu uma elevação lenta e gradual da pressão intra-craniana, com agravamento do edema cerebral e das contusões bifrontais, o que determinou que fosse sujeito a uma craniotomia descompressiva bifronto-temporal (lifesaving), que identificou uma hemorragia arterial (meníngea) e venosa (parassagital e terço médio do seio sagital superior), com edema cerebral grave e volumosas contusões cerebrais bifrontais. 11. Igualmente como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita, o assistente foi traqueotomizado. 12. Ainda como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos, acima descrita, o assistente apresenta um discurso pobre, pouco espontâneo e ligeiramente lentificado, com amnésia circunstancial parcial para o evento, sem défice cognitivo significativo, tendo 27 (vinte e sete) pontos no “Mini Mental State Examination”, com memória e habilidade construtiva prejudicadas, uma cicatriz rosada coronal de características cirúrgicas, medindo 27cm de comprimento, uma cicatriz rosada de características cirúrgicas anterior a esta última, curvilínea de concavidade posterior, medindo 11cm de comprimento depois de rectificada, e uma cicatriz rosada de traqueotomia na região cervical anterior. 13. As lesões acima descritas, resultantes da conduta dos arguidos, determinaram para o assistente um período de 731 (setecentos e trinta e um) dias de doença, com afectação da sua capacidade para o trabalho geral e com afectação da sua capacidade para o trabalho profissional, causaram-lhe síndrome frontal, privaram-no de forma importante das suas capacidades intelectuais e de trabalho e puseram em perigo a sua vida. 14. Os arguidos AA e BB actuaram da forma supra descrita de comum acordo e em comunhão de meios, esforços e desígnios, bem sabendo que, ao agirem desse modo, molestavam o corpo e a saúde do assistente, sem a sua autorização e contra a sua vontade, o que quiseram e alcançaram. 15. Os arguidos AA e BB actuaram da forma supra evidenciada apesar de bem saberem que a cabeça aloja órgãos vitais e que, ao desferirem socos e pontapés na cabeça do assistente, poderiam causar-lhe ferimentos graves e irreversíveis, dos quais poderia resultar a sua morte, resultado que representaram e com cuja produção se conformaram, aceitando-o, mas que não alcançaram por motivos alheios à sua vontade. 16. Os arguidos AA e BB actuaram da forma supra descrita, bem sabendo que, ao desferiram socos e pontapés na cabeça do assistente, poderiam causar-lhe ferimentos graves e irreversíveis, desfigurá-lo de forma grave e permanente e tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a sua capacidade de trabalho e as suas capacidades intelectuais, resultados que previram e com cuja produção se conformaram, aceitando-os, e que alcançaram. 17. Os arguidos actuaram sempre de forma livre, deliberada e consciente, com plena capacidade de determinação segundo as legais prescrições, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas. 18. Posteriormente à agressão perpetrada nos termos acima descritos, os arguidos providenciaram/determinaram por que o assistente fosse conduzido para a sua casa, onde foi deixado na estrada/caminho, próximo ao portão dessa casa. 34. Em resultado das lesões sofridas e dos actos praticados pelos arguidos, por ser necessário um acompanhamento contínuo do estado de saúde do assistente, este teve de ser observado em consultas médicas realizadas no “...” com os Drs. TT, UU e VV, nas quais despendeu a quantia de 660,00€. 37. Das agressões sofridas pelo assistente, perpetradas pelos arguidos (socos e pontapés, estes últimos desferidos quando se encontrava indefeso no chão), presenciadas por terceiros, resultaram para ele dores e humilhação. 60. FF e GG ajudaram o assistente a erguer-se do chão e introduziram-no no carro do primeiro (um Táxi), que se encontrava parqueado mesmo em frente à porta da pastelaria.” E ainda: “47. Antes da agressão a que foi sujeito, o assistente explorava um estabelecimento comercial na ..., exploração de que retirava um rendimento mensal que, em concreto, não se apurou. 75. As sequelas que das lesões que sofreu resultaram para o assistente, são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, impeditivas da sua actividade profissional habitual de talhante.” Os recorrentes invocam a prova documental constante dos autos e o teor das declarações do assistente e dos arguidos, bem como o depoimento das testemunhas inquiridas (EE, FF, GG, HH, KKK, II, JJ, DD, KK). Na verdade, os recorrentes, apesar da sua extensa explanação e da referência a passagens das gravações dos depoimentos de tais testemunhas, assistente e arguidos, mais não fazem do que aventar mais do que uma hipótese para o que poderia ter acontecido, não afastando até, em última instância a ocorrência das agressões pelos arguidos, mas dando uma versão diferente da que foi dada como provada pelo tribunal recorrido, colocando também em causa o acerto da mesma, alegando violação das regras da experiência comum e nulidades quanto às provas usadas e a sua fundamentação. Importa ter presente, contudo, que o tribunal a quo fez uma sequência lógica dos acontecimentos e realizou, conforme se lhe impunha, uma análise crítica e conjugada de toda a prova (testemunhal – num leque que se estende muito além das testemunhas indicadas pelos recorrentes –, documental, pericial e por declarações de arguidos e assistente,) e, dizemos já, sem atropelo da lógica e da experiência comum, fazendo uso da sua livre convicção. O tribunal recorrido, melhor colocado em termos de imediação da prova, baseou-se, além do mais, para responder aos factos provados e não provados, desde logo nas declarações do assistente e demandante civil, em conjugação com o relatório pericial junto aos autos e demais documentos, designadamente elementos clínicos e relatórios de diligências externas, tendo analisado as incongruências dos depoimentos das testemunhas e declarações dos arguidos. Ao contrário do que alegam os recorrentes, não obstante ter descrito os depoimentos das testemunhas em audiência de julgamento, o tribunal recorrido não valorou o depoimento da testemunha HH, nem o que se passou em inquérito, em instrução ou o referido em julgamento, como decorre da sua fundamentação. Acresce que, a interpretação que o tribunal recorrido realizou é consentânea com as regras da experiência comum, quer quando faz alusão ao desaparecimento das imagens de videovigilância do café do irmão dos arguidos, apesar da notificação policial para as manterem, quer quando se refere ao regresso do taxista, sobrinho dos arguidos, para referir como ficou o assistente quando o deixou à porta de casa. A preocupação com o estado do assistente só pode significar do conhecimento que os arguidos tinham da gravidade dos actos perpetrados e, a referência às imagens, prende-se com a análise da documentação junta aos autos, em conjugação com toda a prova, e não necessariamente com a referência a um facto concreto sobre essa matéria. Ao contrário do invocado pelos recorrentes, o tribunal recorrido explicou porque valorou o depoimento do assistente, que apesar das lesões com que ficou e do estado alcoolizado que se encontrava na data dos factos (e considerando ‘apenas’ a existência de amnésia circunstancial parcial para o evento), bem explicou o sucedido, não empolou os factos e nem a matéria que lhe podia ser favorável em termos de pedido cível. Foi realizada uma explicação pelo tribunal recorrido do porquê dessa interpretação, em detrimento do depoimento das testemunhas aí aludidas, em conjugação com as outras provas produzidas, a lógica, as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador (a justificação de o tribunal recorrido ter dado credibilidade a este ou outro elemento de prova, não tem de constar nos factos provados, ao contrário do alegado pelos recorrentes, mas na sua fundamentação da matéria de facto, o que o tribunal recorrido cumpriu, incluindo a motivação relativamente à forma como o assistente depôs, que o imediatismo apurou, mas que não deixa de trespassar na gravação do seu depoimento que tivemos oportunidade de ouvir de forma integral). E nem se diga que existiu valoração de prova de ouvir dizer, nos termos do art. 129º do CPC, tendo o assistente relatado quanto ao evento essencial o que se passou consigo, que necessariamente viu, ouviu e sentiu. O assistente focou, é certo, as agressões ocorridas na cabeça, pois nelas se centrou a agressão e, se as regras da experiência comum nos dizem que se tenta proteger a cabeça com as mãos e o corpo (sendo certo que o mesmo apresentava escoriações no braço esquerdo, como consta do teor de fls. 25 dos autos), essas mesmas regras também nos dizem que muitas vezes isso é impossível, principalmente quando se está no chão a ser agredido por duas pessoas; acresce que o foco de quem foi agredido e de quem prestou os cuidados médicos, são as lesões mais gravosas, como é o caso, na cabeça. Ao contrário do alegado pelos recorrentes (em alusão ao facto 5º), o assistente refere mesmo que foi agredido primeiro pelo arguido BB e que cai ao chão. E, de uma coisa não se pode fugir, o assistente imputa tais factos aos arguidos e não a qualquer outra pessoa, sendo certo que a altercação foi com os arguidos e com mais ninguém (as próprias testemunhas FF e GG, referem ‘confronto’ e ‘confusão’ entre os arguidos e o assistente e que o arguido AA lhe terá chegado a ‘agarrar pelos colarinhos’ ou ‘por um braço’, alegando a sua queda, mas que tropeçou ou não sabem bem porquê…). O assistente tinha (além das lesões internas que posteriormente se vieram a apurar), um corte no sobreolho, quando saiu do estabelecimento, o que foi confirmado (de forma inicial e espontaneamente) pela testemunha FF (taxista que o levou para casa e sobrinho dos arguidos) e o comprova a prova documental junta aos autos, nomeadamente a diligência externa em que se fotografou o veículo do aludido taxista, na parte em que contém uma mancha de sangue. Entre as provas conjugadas com o depoimento do assistente, destaca-se o relatório pericial junto aos autos a fls. 971 e ss., realizado por entidade idónea e isenta, tecnicamente preparada, como é o Instituto Nacional de Medicina Legal (no caso, INMLCF) e que serviu também para fundamentar a matéria dada como provada em relação ao pedido cível e enquadrar, como não poderia deixar de ser, a matéria penal, sustentando-a. Esclarece-se desde já que tal relatório se baseou não só na observação do ofendido, como na análise que fez de toda a documentação clínica relativa ao ofendido e a que fez referência e teve acesso, mostrando-se despicienda a junção de quaisquer outros elementos, face às conclusões operadas em tal relatório, que em sequer foi posto em causa em tempo devido pelos arguidos, como podiam e deviam ter feito. Apurou tal relatório a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano e em resposta aos quesitos apresentados por assistente e arguidos, não teve dúvidas em afirmar que os actos imputados aos arguidos são aptos a provocar as lesões que o assistente apresentava à data da sua admissão no ... no dia .../.../2015 e identificadas nos relatórios médicos (cfr. o aludido relatório, bem como os quesitos apresentados a fls. 455 v.º e os aludidos no despacho de .../.../2021), e determinaram a incapacidade que sofreu e de que padece, quantificando a mesma (20 pontos), assim como o dano estético (4/7) e o quantum doloris (6/7). E o relatório médico-legal é lapidar quando a questão é se as lesões apresentadas pelo ofendido podem ter resultado de uma queda violenta de uma altura de cerca de 2 metros (como questionado pelos arguidos, matéria que foi dada como não provada – factos KK. a NN.), referindo: “A TC crânio-encefálica realizada no dia ...-...-2015 demonstrou a presença de múltiplas lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas dispersas por ambos os lados do crânio e encéfalo, o que é mais compatível com vários traumatismos atingindo diferentes zonas da cabeça, do que uma queda de uma altura de cerca de 2 metros, uma vez que, nestas circunstâncias, as lesões traumáticas estariam concentradas maioritariamente na zona da cabeça em contacto com o solo.”. E o mesmo se diga se fossem duas quedas, pois trata-se de múltiplas lesões, devido a múltiplos traumatismos, atingindo diferentes zonas da cabeça (e, sendo certo que uma das quedas ocorreu na sequência dos actos dos arguidos, como consta do facto 5º dado como provado – que sempre lhes seria imputável – e outra hipotética queda, não resultou minimamente provada, nem que o assistente tivesse caído em casa ou noutro sítio qualquer, não existindo a mínima prova quanto a isto, nem a sua inferência de outros factos). Esta matéria conjugada com a demais prova, nomeadamente, com a descrição do ocorrido pelo assistente, faz com que essa versão se torne verosímil e a única consentânea com as regras da experiência comum e a lógica das coisas (aliado, também, ao facto de as aludidas testemunhas fazerem referência às altercações que existiram). O tribunal recorrido não interpretou mal a perícia (como alegam os recorrentes) nem de fls. 34 v.º e 35 dos autos (ou de qualquer outra) se extrai coisa diversa. Aliás, a descrição médica que se faz das lesões que encontraram ao assistente, é em tudo compatível com a o cenário de agressões dado como provado. Atente-se no que ficou consignado: “numerosas pequenas áreas hiperdensas, algumas punctiformes, de sangue das regiões frontais bilaterais e temporal esquerda, compatíveis com contusões cerebrais hemorrágicas e/ ou lesões axonais difusas; sangue no espaço subaracnoideu - hemorragia subaracnoideia; sangue na tenda do cerebelo; fímbria de sangue, subdural, da região temporo-parietal esquerda; edema cerebral; fractura, linear, fronto-parietal esquerda; francos sinais de pan-sinuvite; hematomas, subcutâneos, fronto-temporo-parietal esquerdo e temporo-parietal direito” (sublinhado e negrito nossos), manifestando diversas lesões, consentâneas com diversas/múltiplas actuações/agressões. Acresce que a referência a ‘nova contusão fronto parietal esquerda’, quando o assistente estava internado, não significa, naturalmente, nova ‘agressão’ nessa zona, mas apenas que essa lesão se veio a verificar/constatar, ainda que posteriormente (o que pode ocorrer em casos de traumatismos cranianos). O relatório pericial abordou as consequências e a origem das lesões e explicou também que as mesmas eram compatíveis com a actuação dos arguidos, não tendo que ver com doenças anteriores (além de que, o agravar da cicatrização só ocorre porque o assistente ficou num estado de incapacidade que não lhe permite alcançar que não pode mexer nas lesões/curativos – o que demorou a curar [demandando apenas mais algum tempo de cura, devido à diabetes], mas o estado de incapacidade só ocorre e é fruto das agressões que o assistente sofreu, perpetradas pelos arguidos, pelo que só a estes se pode imputar). Mostra-se, igualmente, desnecessária a verificação do grau de escolaridade do assistente para aferir do resultado do Mini Mental State Examination, que nunca foi colocado em causa pelos arguidos, mesmo após a notificação do relatório pericial, além de que, o valor encontrado (25 pontos), sem défice cognitivo significativo, é até favorável às pretensões dos arguidos/demandados no que ao pedido cível diz respeito (sendo certo que o exame em causa foi realizado por perito médico, isento, imparcial e tecnicamente capaz de avaliar essa matéria, apurando os elementos que têm de integrar o mesmo, uma vez que estava na presença do assistente, acompanhado do seu irmão). No mais, o relatório (com a análise dos documentos/elementos que realizou) refere ainda que o ofendido se apresentava etilizado aquando da sua entrada no serviço de urgência (sendo que, o ser mais propício a quedas quando se está alcoolizado, é algo até do senso comum, mas não está em causa nos autos quando temos uma perícia médico-legal que sem dúvidas descreve as lesões como mais consentâneas com vários traumatismos, compatíveis estes com a actuação dos arguidos e as agressões perpetradas). Por outro lado, em relação a outras questões colocadas pelos arguidos, o relatório respondeu: “À data do evento em apreço, o examinando afirma ter antecedentes de hábitos etílicos e diabetes mellitus não insulino-dependente. O diagnóstico de hepatite B verificou-se apenas no internamento em ... e não se encontra referência a dislipidemia na informação clínica. Relativamente à epilepsia, tal diagnóstico não foi efectuado, tendo sido apenas dada a indicação para a toma de medicação antiepiléptica para prevenção de epilepsia tardia.” “As sucessivas infecções que determinaram vários internamentos hospitalares deveram-se essencialmente à muita manipulação directa das feridas cirúrgicas por parte do examinando, consequência das alterações de comportamento resultantes das graves lesões traumáticas cerebrais sofridas. O facto de ser diabético, levou a tais infecções fossem mais difíceis de tratar, condicionando internamentos mais longos do que seria expectável.” Não se pode esquecer que o assistente só ficou nesse estado (de comportamento alterado e com agravamento da sua situação), tal como já se referiu, por causa das lesões decorrentes das agressões que sofreu, pelo que, não fora as agressões, nem sequer se colocava a questão de manipular as feridas, de as mesmas serem mais difíceis de tratar pela sua diabetes, nem a necessidade de tomar medicação preventiva para a epilepsia(tudo fruto, note-se, das agressões que sofreu e da afectação do crânio). O referido relatório médico-legal atribuiu, além do mais, uma incapacidade de 20 pontos, impeditiva do exercício da sua actividade profissional habitual, de talhante e gerente de talho, tendo de tomar medicação antiepiléptica para prevenção de epilepsia tardia. As alegações de uma possível queda (por informações policiais e de entrada no hospital, apenas colocada como hipótese, porque à data nada se sabia do que tinha acontecido), em nada invalidam a prova que se veio verificar quanto ao que efectivamente aconteceu, não sendo de descurar que, quando o ofendido foi encontrado, estava sozinho e inconsciente, caído/deitado no chão, pelo que essa primeira referência a uma ‘possível’ queda, não conflitua com a prova que se veio a realizar e muito menos a aniquila. O tribunal recorrido explicou de forma coerente o seu raciocínio para dar como provada e não provada a matéria em causa e, ao contrário do alegado pelos recorrentes, faz alusão às contradições entre as testemunhas que não credibilizou, o que ocorre desde logo quanto à matéria alusiva ao assistente ter ou não caído sozinho (conforme se afere dos depoimentos prestados e que se ouviu das testemunhas EE – que disse que não caiu – e, FF e GG, que referem que caiu). E não é pelo facto de dizerem que não viram agressões, que se pode considerar que elas não existiram, não tendo as declarações do assistente menos valor, quando em conjugação com prova mais objectiva, nomeadamente o relatório pericial e elementos clínicos juntos aos autos e em conjugação com o enquadramento dado à situação pelas testemunhas (pelas regras da experiência comum, a forma como o assistente depôs e a incapacidade que tem, levam à conclusão da genuinidade do seu depoimento, como bem concluiu o tribunal recorrido). Assim, só podiam ter sido dados como provados, como o foram, nomeadamente, os aludidos factos 4º a 18º, 34º, 37º e 60º. No que se refere aos factos 47º e 75º dados como provados, também não pode ser realizada a alteração pretendida pelos recorrentes, porque a interpretação, análise e enquadramento da prova, têm de ser realizados de forma integrada e, não há dúvidas que o assistente não pode trabalhar na sua profissão habitual de talhante e gerente de talho, até pela incapacidade com que ficou, pelo que não se pode dizer que continua com a sua actividade, tanto mais que, o irmão do assistente, WW, em depoimento que prestou e se ouviu, foi peremptório em dizer que o ofendido é incapaz de se orientar sozinho e de explorar qualquer negócio e que o negócio de talho foi entregue a um encarregado. E, não obstante o assistente considerar que ainda tem o talho (como referiu em declarações, mas sem qualquer prova documental do alegado), esse encarregado nem sequer lhe dá o dinheiro relativo ao negócio (que no início ainda lhe dava, mas que a situação na ... depois ficou mais complicada e nem sequer mandou mais nada, como testemunhou WW). As constantes alegações de que poderiam ter sido outras pessoas a agredir o assistente, seja o amigo do assistente que lá foi ver o alarme (e que não encontrou o ofendido, como testemunhou em julgamento), ou até o taxista, sobrinho dos arguidos, não têm qualquer suporte na prova produzida, testemunhal ou documental, antes com ela conflituam. Os recorrentes não podem com o alegado, pretender um segundo julgamento, uma nova interpretação da prova produzida, quando as alegadas falhas na decisão do tribunal recorrido não existem, seja da prova produzida, seja da interpretação que o tribunal recorrido fez dela. Com o alegado, os recorrentes apenas pretendem que a sua visão da prova prevaleça, quando o tribunal recorrido se convenceu que a versão do ofendido espelhava a verdade dos factos, porque, na verdade, foi uma prova consentânea com as restantes, nomeadamente com a ‘rainha das provas’, a prova pericial (com elevada credibilidade, isenção e conhecimentos técnicos e especializados). Não colhe, também, o argumento de que presenciaram os acontecimentos mais pessoas do que as indicadas no acórdão recorrido, quando no acórdão se está a referir em relação às agressões e não a todo o tempo em que o assistente esteve no estabelecimento em causa e refere ‘pelo menos’ (pág. 31 do acórdão recorrido). Também as alegações quanto à testemunha HH e à sua invocada condenação noutro processo (não obstante da acta de .../.../2022 constar ainda a extracção de certidão, a pedido da Digna Magistrada do MP, para eventual procedimento criminal em relação à testemunha HH), não levam a qualquer alteração no sentido da matéria de facto. A decisão recorrida não valorou este depoimento (ou seja, não se baseou no mesmo para dar como provada ou não provada a matéria dos autos), nem a isso estava obrigada, pois tem de agir de acordo com a sua livre convicção e conjugação de todas as provas realizadas no julgamento em causa. Não colhe, igualmente, a alegação da falta de fundamentação para o dolo, quando é certo e sabido que decorre da conjugação das regras da experiência comum e dos factos objectivos provados para se aferir desse elemento interno. E não há dúvidas que as agressões na cabeça dadas como provadas, só podem conduzir à conclusão de que há intenção de matar, pois caso contrário, se fosse apenas para causar outros ferimentos, teriam direcionado os seus actos para outro local do corpo do assistente, pois, na cabeça, sabiam os arguidos (e qualquer pessoa) que podiam matar (daí o dolo eventual, com a representação do facto morte e conformação com essa realização, pois os arguidos não pararam as agressões e só pela posterior assistência médica prestada, não desencadeada pelos arguidos, é que a morte não se veio a verificar – art. 14º, n.º 3, do CP, em tudo distinto da alegada negligência consciente, que implicaria uma falta de cuidado a que se está obrigado e de que se é capaz, representando o facto, mas não se conformando com a sua realização, ou seja, não acreditando que a mesma vai ocorrer – art. 15º, al. a), do CP – o que, já verificamos, não ocorre no caso concreto). A ‘preocupação’ dos arguidos em saber como o ofendido ficou quando o foram levar a casa, não poderia ser outra senão de ‘pensar que ele poderia ter morrido’, e não de estarem eventualmente preocupados pela sua ‘saúde’. Insurgem-se, ainda os recorrentes contra o que alegam ser três dolos diferentes constantes dos factos provados 14º a 16º. Os dolos referidos nos aludidos artigos não conflituam entre si, pois na verdade os arguidos molestaram o corpo e a saúde do assistente contra a sua vontade e infligiram ofensas graves ao ofendido, com as quais se conformaram e realizaram, logrando ainda atingir a cabeça do assistente, sabendo que lhe poderiam causar a morte, conformando-se com isso, o que só não aconteceu por motivos alheios à sua vontade (intervenção médica), nisso se consubstanciando a tentativa de homicídio com o dolo eventual. Os arguidos agiram cientes das consequências das suas condutas, de que as mesmas eram aptas a ofender o corpo e a saúde do assistente, de maneira grave e até a causar a morte (não fora a rápida intervenção hospitalar). Nada há que alterar, também, neste aspecto. * No que concerne aos factos que os recorrentes consideram que deveriam ter sido dados como provados, são os seguintes: i) “Na madrugada de dia ........2015 o alarme de casa do Assistente disparou” ii) “DD, na sequência de ter recebido um telefonema da Securitas alertando para o facto de o alarme da casa do Assistente estar a tocar, foi a casa do Assistente nessa madrugada de dia ........2015 e não encontrou o Assistente” iii) “DD encontra, em casa do Assistente, o disjuntor do alarme desligado não se sabe por quem, tendo sido assim que o alarme foi silenciado” Os recorrentes invocam que, o depoimento da testemunha DD, em conjugação com a prova documental junta aos autos, levaria à prova desses factos. Pretendem os recorrentes com essa prova, em conjugação com outra matéria dada como provada, alegar que ao assistente advieram aquelas lesões fruto da intervenção do próprio ou de terceiros. A necessidade de dar tal matéria como provada ou não provada, terá de resultar da conjugação de toda a prova e, analisada a prova em questão, não se vislumbra a relevância de tal matéria, pelo menos para efeitos de descredibilização da prova considerada na fundamentação pelo tribunal recorrido. Acresce que, a própria testemunha DD refere ter ido ao local e que não viu o assistente, nem ninguém por perto, o que torna irrelevante esta matéria, pois essa questão do alarme tanto poderia ser antes, como depois de o assistente ter sido encontrado e, não se sabendo quando e quem desligou o disjuntor do alarme e se foi dessa forma que o alarme foi silenciado, irrelevante se torna a sua inclusão. Com todos estes invocados factos, os recorrentes pretendem alegar que a dúvida teria de estar instalada quanto à prática pelos arguidos do crime em causa. Não lhes assiste razão e o tribunal recorrido afastou a existência de qualquer dúvida razoável, pela fundamentação lógica que logrou operar, inexistindo qualquer violação do art. 127º do CPP ou do princípio do in dúbio pro reo. O princípio do in dubio pro reo, emanação da injunção constitucional da presunção de inocência do arguido, na vertente de prova (artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), constitui, pois, um limite do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe nos casos de dúvida fundada sobre os factos que o Tribunal decida a favor do arguido. Na verdade, o princípio in dubio pro reo configura-se, basicamente, como uma regra da decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos (isto é, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida razoável e irresolúvel sobre a verificação, ou não, de determinado facto), o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável. O princípio da presunção de inocência, enquanto expressão ao nível da apreciação da prova, traduz-se na imposição de que um non liquet, na questão da prova e tem que ser sempre valorado a favor do arguido (No que se traduz que apenas pode haver condenação se se tiver alcandorado a verdade com um grau de certeza, para além de qualquer dúvida razoável, que, naturalmente, fica aquém da noção de qualquer sombra de dúvida” – acórdão do TRP de 28/10/2015, processo n.º 1381/13.1PBMTS.P1, in www.dgsi.pt). Como igualmente se refere no referido acórdão do TRP, a verificação deste vício “pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador. A simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo”. Na verdade, “o princípio do in dubio pro reo só se coloca quando o Tribunal, depois de esgotado todo o percurso probatório, com recurso à prova direta e à prova indireta, através de presunções judiciais, permanece com dúvidas sobre a demonstração dos factos, não conseguindo formar convicção” (neste sentido, o acórdão do TRL de 05/12/2024, processo n.º 1633/22.0T9LSB.L1-5, in www.dgsi.pt). Não é, manifestamente, o caso dos autos, em que o tribunal recorrido não ficou com dúvidas em relação ao ocorrido, às agressões e à intervenção dos arguidos e às consequências das mesmas, nenhuma dúvida manifestando em relação à verificação da factualidade dada como provada, antes transmitindo uma convicção segura baseada na prova produzida, segundo critérios lógicos e objectivos e em obediência às regras de experiência comum, segundo o princípio consagrado no artigo 127° do CPP. Razão pela qual, não se tinha, nem tem, de lançar mão do princípio in dubio pro reo, não existindo qualquer violação do mesmo. Uma nota, ainda, para a alegação de que se deveria ter dado como provado ou não provado que os arguidos estavam embriagados, para aferir da maior ou menor culpabilidade dos factos. Ora, a prova produzida em audiência de julgamento não é de molde a se concluir que, o facto de terem estado a beber, os colocou num estado tal (de alcoolismo), que levaria a qualquer desculpabilização das suas condutas. Razão pela qual, também, nada há a acrescentar nesta matéria. Como já se referiu, a decisão do tribunal a quo quanto à apreciação dos meios de prova, encontra-se supra descrita. A avaliação da prova em primeira instância, feita de forma directa, oral e imediata, obedece a uma forma de procedimento que coloca o juiz do julgamento em melhores condições para a decisão da matéria de facto, do que a avaliação feita com base na audição do registo de provas, meramente parcial (porque despido de expressões faciais e comportamentos físicos). A reapreciação da prova em recurso, como é sabido, não pode e não deve, por isso, equivaler a um segundo julgamento. O duplo grau de jurisdição não significa a sujeição da acusação/pronúncia a dois julgamentos em tribunais diferentes, mas apenas assegura que o interessado pode obter do tribunal superior a fiscalização e controlo de eventuais erros da decisão da matéria de facto, através do reexame parcial da prova. A prova indicada pelos recorrentes não permite inverter o raciocínio lógico seguido pela primeira instância. Da conjugação da fundamentação expendida pelo tribunal recorrido, inexiste incoerência ou arbitrariedade, perante os elementos de prova que o mesmo analisou. A apontada prova não conclui como os recorrentes alegam. Na verdade, os recorrentes mais não pretendem do que uma versão diferente da encontrada pelo tribunal recorrido e, mais ainda, com uma cisão da prova, sem um enquadramento conjunto, nomeadamente por referência a todas as testemunhas inquiridas pelo Tribunal, uma vez que apenas se baseiam em parte da prova produzida (e mesmo a parte dos depoimentos das testemunhas que referiram). Ouvida a prova indicada e a restante produzida, não se vislumbra a existência de contradições com o que foi referido em sede de decisão recorrida (quanto ao teor dos depoimentos), não sendo de afastar a convicção do julgador da primeira instância quanto à prova apresentada. Não resulta da prova produzida (testemunhal, por declarações, documental ou pericial), que o assistente possa ter sido agredido por outrem que não os arguidos, ou que as suas lesões tenham resultado de quedas não imputadas aos arguidos. Por outro lado, os factos não provados, assim resultaram, também e em parte, em oposição à matéria dada como provada, tendo sido tudo devidamente fundamentado e conjugado. Assim, a análise crítica dos meios de prova produzidos efectuada pelo julgador e o grau de credibilidade atribuído a cada um deles mostra-se adequado, de acordo com a percepção própria permitida pelo imediatismo que acompanhou a produção daqueles meios de prova. Não foi indicada prova que imponha uma outra convicção, diferente da manifestada pelo tribunal recorrido (mesmo após toda a análise da prova produzida e da referida pelos recorrentes, seja a prova testemunhal indicada, seja a prova por declarações dos arguidos e do assistente, ou a prova documental ou pericial), inexistindo qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova. Assim, resta-nos concluir que, no caso concreto, a argumentação defendida pelos recorrentes e as provas indicadas não impõem decisão diversa da proferida, nos termos das als. a) e b) do n.º 3 do artigo 412º do CPP. Razão pela qual, a decisão do tribunal a quo não merece censura na parte analisada. Por isso, improcede, nesta parte, o recurso. ** II.3.2. Da alegada nulidade do acórdão recorrido nos termos conjugados dos arts. 122º, 355º e 356º do CPP Os recorrentes alegam, como vimos, que o tribunal recorrido não poderia atentar nas declarações da testemunha HH, não lidas em audiência de julgamento. Mais referem que isso imporia a expurgação do meio de prova e a baixa dos autos ao tribunal de primeira instância, mas que seria inútil, pelo que se deve conhecer do mérito do recurso e, na sua opinião, revogar a decisão condenatória. Prescreve o art. 122º do CPP, quanto aos efeitos da declaração de nulidade, que: “1 - As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar. 2 - A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade. 3 - Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.” 
 Como já se adiantou supra (porque os recorrentes abordaram as várias questões em conjunto com a impugnação de facto), o tribunal recorrido valorou, grosso modo, o depoimento do assistente, em conjugação com a prova documental e pericial, analisados segundo as regras da experiência comum e a sua livre convicção. Mas ainda que se entendesse que o acórdão recorrido não poderia descrever o que a testemunha disse em julgamento, isso nunca inquinaria a argumentação que foi realizada quanto à sua convicção, nem a anula, até porque não se baseou no depoimento dessa testemunha, pois deu mais credibilidade à prova já aludida (perante as contradições manifestadas, nomeadamente, entre as testemunhas FF, EE e GG), face à lógica e à experiência de vida. Improcede, pois, esta parte do recurso. * II.3.3. Da alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º, n.º 2, al. a), do CPP Nos termos do artigo 410º, n.º 2, do CPP o recurso interposto sobre a matéria de facto de uma sentença proferida em processo crime pode ter um de três fundamentos: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova. Em qualquer um destes fundamentos, o vício tem de resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 279; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. Pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss.), tratando-se assim de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser autossuficiente. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. a), do CPP, ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão (que será quanto à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é sindicável em reexame restrito à matéria de direito – cfr. o Ac. do TRP de 15.11.2018 e o Ac. do TRP de 09.01.2020, ambos em www.dgsi.pt). Os recorrentes alegam que é conclusiva a alusão a que a morte só não ocorreu por motivos alheios à vontade dos arguidos. Do conjunto da decisão proferida, seja dos factos provados ou não provados, seja da fundamentação de facto seja da fundamentação de direito, é perceptível o entendimento de que o resultado morte só não ocorreu devido à rápida intervenção médica, que nada teve que ver com os arguidos (conjugação dos factos provados 8º, 15º, 18º, 19º, 20º, 21º). Acresce que, a alusão que o tribunal recorrido fez à inexistência das imagens, não afronta as regras da experiência comum, nem concluem por qualquer insuficiência da matéria de facto para a conclusão de direito. Há que referir que o irmão dos arguidos e dono do bar, NN, foi notificado para preservar as imagens (fls. 19 dos autos) e a testemunha GG referiu que viu as imagens e que não continham quaisquer agressões (pelo que não se compreende que, a ser assim, os arguidos não as tenham trazido aos autos). Mas o referido pela testemunha está em contradição frontal com as diligências realizadas pela Polícia Judiciária, como consta de fls. 167 dos autos, onde se refere que não foi possível ver quaisquer imagens [apesar de o aparelho ter capacidade para gravar], ou porque as mesmas foram apagadas ou porque não existia gravação. Assim, no caso sub judice, não detectamos na matéria de facto provada qualquer falha que se assemelhe ao invocado vício e não se pode dizer, pois, que a decisão recorrida padece de vício de raciocínio e que o apreciado e fundamentado, só por si (ou mesmo em conjugação com outros elementos), possa levar a uma situação inversa à que foi considerada. Assim, resta-nos concluir que não se verifica o invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, n.º 2, al. a), do CPP. Improcede, neste segmento, o recurso dos arguidos. ** II.3.4. Da invocada contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nos termos do art. 410º, n.º 2, al. b), do CPP A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. b), consiste na incompatibilidade, que não pode ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Isso acontece, por exemplo, na situação de um mesmo facto, com interesse para a decisão da causa, ser julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. No caso concreto, os recorrentes alegam que foram dados como provados dolos incompatíveis, com factos contraditórios – factos provados 14º a 16º. Alegam, ainda, que não se deram como provados factos de co-autoria para a tentativa de homicídio. Da análise que fazemos da matéria de facto provada não podemos dizer (tal como já se havia referido) que há qualquer contradição ou falha na alegação da co-autoria, remetendo os factos 15º e 16º nessa parte para o que já consta do facto 14º (ao referirem ‘actuaram da forma supra evidenciada’, fazendo necessariamente alusão à actuação ‘de comum acordo e em comunhão de meios, esforços e desígnios’). O tribunal recorrido deu como provado o elemento subjectivo do crime de homicídio na forma tentada pelo qual os arguidos vinham acusados/pronunciados e por que foram condenados e que consumiu os crimes de ofensa à integridade física simples e grave, que se encontram em concurso aparente com o aludido crime de homicídio na forma tentada. Pelo que, não há qualquer contradição na forma como se deu como provada a aludida matéria. Improcede, pois, esta parte do recurso. ** II.3.5. Do invocado erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, n.º 2, al. c), do CPP O erro notório na apreciação da prova, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), e que se verifica quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente errónea, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis. Isso acontece na situação de o tribunal valorizar a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pág. 341). Trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste, essencialmente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., pág. 74e Ac. do TRP de 15.11.2018 e Ac. do STJ de 18.05.2011, ambos in www.dgsi.pt). O tribunal decide, salvo no caso de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a sua livre convicção, como dispõe o artigo 127º do CPP que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. A decisão deve, contudo, ser fundamentada, por forma a aferir-se se ocorreu uma apreciação da prova de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada, sem se cair em qualquer poder arbitrário e incontrolável, pois como refere Germano Marques da Silva que “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” (in Curso de Processo Penal, Verbo, Vol. II, pág. 111). Os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem verificar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos, como seja a análise concreta das provas. In casu, os recorrentes alegam que o tribunal recorrido deu como provada a agressão com base: nas declarações do assistente, alcoolizado e com amnésia circunstancial parcial para o evento; em imagens de videovigilância inexistentes e numa perícia que só ponderou uma queda. Mais referiram que o facto 15º prevê de forma igual o dolo eventual e a negligência consciente, uma vez que a conformação com o resultado morte não pode ser mental. Entendem, ainda, os recorrentes que se pode proceder à sanação dos vícios e corrigir a matéria de facto, nos termos do art. 426º do CPP. Mais referem que estamos perante um crime de ofensa à integridade física privilegiada, agravada pelo resultado, nos termos do art. 146º do CP, ou um crime de homicídio privilegiado do art. 133º do CP, ou retorsão nos termos do art. 143º, n.º 3, al. b), do CP, em defesa da sobrinha dos arguidos, ou perante crime preterintencional, nos termos dos arts. 18º e 147º do CP. Ora, em primeiro lugar diremos que do texto da decisão recorrida não resulta qualquer incongruência na sua fundamentação, já tendo nós discorrido sobre a forma como foram apreciadas as provas e que não existe qualquer atropelo nas regras da experiência comum, quanto à credibilidade dada ao depoimento do assistente e à prova pericial analisada, não necessitando o tribunal recorrido de se basear em imagens inexistentes para dar essa matéria como provada. Também já explicámos que o dolo eventual dado como provado não se confunde com a negligência consciente e que decorre não só do artigo 15º, mas da conjugação, nomeadamente, dos arts. 8º e 18º e 60º, de onde decorre a continuidade de actuação, mesmo quando o arguido estava a ser conduzido para outro local, a sua casa, onde foi deixado na estrada/caminho próximo ao portão dessa casa. No mais, face aos factos provados e não provados, não se verifica a previsão legal de qualquer um dos crimes referidos pelos recorrentes: seja de um crime de ofensa à integridade física privilegiada, agravada pelo resultado, nos termos do art. 146º do CP, seja um crime de homicídio privilegiado do art. 133º do CP, ou retorsão nos termos do art. 143º, n.º 3, al. b), do CP, em defesa da sobrinha dos arguidos, ou seja um crime preterintencional, nos termos dos arts. 18º e 147º do CP. Como já vimos, mantendo-se o quadro factual apurado no acórdão recorrido, não subsistindo quaisquer obscuridades ou contradições, temos que os factos provados apenas podem conduzir à condenação dos arguidos pela prática do crime de homicídio na forma tentada, não sendo possível a sua condenação por ofensa à integridade física simples: seja ela com retorsão ou não (art. 143º, n.º 4, al. b), do CP, entendendo-se como retorsão a resposta a uma ‘agressão’, o que, com a matéria dada como provada das diversas agressões perpetradas, também não poderíamos considerar como uma mera ‘resposta’ – cfr. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 220 e 222); ou com agravação pelo resultado (147º do CP), o que é afastado pela tentativa de homicídio e o seu elemento subjectivo; ou homicídio privilegiado (art. 133º do CP) ou ofensa à integridade física privilegiada (146º do CP), pois o motivo invocado (expressões usadas pelo ofendido em relação à sobrinha dos recorrentes), nunca seria considerado motivo que origine compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral. Improcede, pois, este segmento do recurso. ** III.3.6. Da medida concreta das penas de prisão Ao crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131°, 14º, n.º 3, 22º, 23º, n.º 2, 26º e 73º, als. a) e b), do Código Penal, cabe a moldura punitiva abstracta de prisão de 1 ano, 7 meses e 6 dias até 10 anos e 8 meses, pois afastamos desde já as normas invocadas pelos recorrentes quanto a outros crimes, uma vez que se encontra ultrapassada essa questão jurídica. Ainda, assim, apreciaremos os argumentos dois recorrentes em relação à pena aplicada. A finalidade das penas (art. 40º do CP), assim como das medidas de segurança, visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (sendo que, a medida de segurança, quando se coaduna ao caso concreto, só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente). Acresce que, a determinação da medida da pena (art. 71º do CP), dentro dos limites fixados pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (quer geral, quer especial). Balizada no limite mínimo de garantia da prevenção e no máximo da culpa do agente, a pena é determinada em concreto, atendendo a todos os factores previstos, nomeadamente, no n.º 2 do referido artigo 71º do CP (que não façam parte do tipo de crime), que relevem para a ajustar à ilicitude da acção e à culpa do agente, contra ou a favor do mesmo, designadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Assim, a culpa (pressuposto-fundamento da pena que constitui o princípio ético-retributivo), a prevenção geral (negativa, de intimidação ou dissuasão e, positiva, de integração ou interiorização) e a prevenção especial (de ressocialização, reinserção social, reeducação mas que também apresenta uma dimensão negativa, de dissuasão individual) representam as três exigências a cumprir na escolha da pena e na sua medida. No caso sub judice, numa pena abstracta de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão, o tribunal recorrido fixou-a em 4 anos e 10 meses. Na sentença recorrida estão referidas as seguintes circunstâncias (agravantes e atenuantes) para a fixação da pena naquela medida: “No crime de homicídio, o grau de ilicitude do facto é o mais elevado que se pode conceber, pois que a violação do direito à vida é o bem primeiro, o suporte de todos os bens da tutela jurídica. O dolo foi directo e intenso em ambos os arguidos no que toca às agressões corporais que protagonizaram pois, no que a elas respeita, foi clara a sua vontade criminosa. No entanto, quanto ao resultado morte, que sabemos não ter sido alcançado por razões externas à sua vontade, não podemos olvidar que apenas o representaram como consequência dessas agressões e que com ele se conformaram, aceitando-o, agindo, pois, no que a tal respeita, com dolo eventual (cfr. o já citado art. 14º, nº 3 do Cód. Penal). A ilicitude mostra-se em grau elevado. Os arguidos acturam em superioridade numérica. E, como se tal não bastassem, agrediram alguém que estava etilizado e caído no chão e, assim, indefeso e em manifesta impossibilidade de se defender, o que, à saciedade, é vil, revelador de uma personalidade mal-formada e distanciada do direito e merecedor de acentuada censura. Ainda neste caminho, há que ter presentes as dramáticas e gravíssimas consequências que resultaram para o arguido por via da conduta dos arguidos e que perdurarão por toda a sua vida. Não podemos também esquecer, no que toca ao crime em apreço, que, em sede de exigências de prevenção geral de integração, haverá que ponderar, desde logo, a circunstância de ter uma presença quase diária nos nossos tribunais e de se revestir de acentuada gravidade, na medida em que é lesivo da integridade física da pessoa e da sua vida, ainda que no caso vertente esta apenas posta em perigo. Por outro lado, há que dizê-lo, vem-se assistindo, nos últimos tempos, a uma banalização do valor da vida humana e da integridade física de cada um, parecendo ter-se tornado usual responder a qualquer situação de confronto com a utilização da força e da resposta física ou mesmo a ela se recorrer sem qualquer motivo ou por motivo fútil. Tais comportamentos têm vindo a criar um sentimento de insegurança, pelo que se mostra premente reinserir na comunidade a consciência da gravidade do seu cometimento, por forma a tal desincentivar e, desse modo, reintegrar as expectativas sociais de segurança e manutenção da paz social. Sem esquecer ainda que o apontado comentário do assistente, “já bebido”, que terá sido o catalisador da conduta delituosa dos arguidos, de mau gosto e com óbvia carga sexual, é certo, não se pode fazer equivaler a uma provocação. De resto, foi o arguido BB o primeiro a agredi-lo e não o arguido AA, a quem o dirigiu (reportando-se não à sua filha, como pensou, mas sim à sua sobrinha QQ). Já em sede de prevenção especial, os arguidos têm de ser alertados para a gravidade do seu comportamento, de modo a corrigirem-se, evitando-se, assim, futuros actos de delinquência. Impõe-se ponderar também que o arguido não tem o dever de colaborar com a justiça. No entanto, negando a verdade dos factos, como sucedeu no caso sujeito quanto a ambos os arguidos, é legítimo concluir pela ausência de arrependimento. Por fim, importa considerar que os arguidos apresentam um passado sem mácula criminal, o que inculca um percurso de vida normativo e que revelam um bom comportamento posterior aos factos, já longínquos. Que têm ambos uma condição de vida organizada no plano familiar, laboral e económico, mostram-se correctamente integrados no seu meio social e gozam de merecimento por parte daqueles que com eles privam. Feita a devida ponderação, considerando o que da generalidade dos factos sobressai sobre a personalidade dos arguidos, bem como a necessidade de prevenir a prática de futuras infracções e os limites fixados na lei, nada havendo que justifique distintas medidas na censura a atribuir, julga-se justo e adequado: - Aplicar a cada um dos arguidos a pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.”. Os recorrentes alegam que o tribunal recorrido não ponderou devidamente as circunstâncias atenuantes na fixação da medida da pena, realçando as suas condições pessoais, sociais e económicas, o facto de não terem antecedentes criminais, de terem reagido devido às afirmações que o assistente fez em relação à sobrinha dos recorrentes, a impulsividade, estando embriagados, sendo pessoas simples, homens de família, sendo factos provados favoráveis aos arguidos os 1º, 58º, 59º, 68º, 85º, 86º, 87º e 88º. Invocaram, ainda, que já decorreram 8 anos desde a prática dos factos sempre com bom comportamento, profissionalmente empenhados como o demonstram os documentos que juntaram. Mais referem que o grau de ilicitude do facto, já considerado na moldura penal abstracta, não pode ser considerado na medida da pena, sob pena de violação do princípio ne bis in idem. Referem, ainda, que as exigências de prevenção geral não são elevadas, ao contrário do que diz a decisão recorrida em erro de direito e insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, tendo em conta que a taxa de criminalidade na ... tem vindo a diminuir. Mais referem que a falta de confissão e o não arrependimento não podem ser considerados circunstâncias agravantes. Comparando os fundamentos do recurso e os fundamentos da decisão do tribunal recorrido, verificámos que nos termos do art. 71º do CP cabia ao tribunal recorrido pronunciar-se sobre a intensidade da ilicitude do facto, não havendo uma dupla valoração, nem qualquer violação do princípio ne bis in idem por se tratar de crime de homicídio, uma vez que se deve atender ao facto concreto e à forma como foi praticado, o que o tribunal recorrido fez (note-se que a agressão por mais do que uma pessoa, a alguém que está etilizado, indefeso, no chão, tem de ser considerada com elevada censurabilidade e avessa ao direito). As circunstâncias atenuantes invocadas pelos recorrentes já foram no geral ponderadas pelo tribunal recorrido, como as condições pessoais, sociais e económicas, a ausência de antecedentes criminais e o desencadear da confusão pelas palavras proferidas pelo assistente, ainda que não se possam considerar uma provocação. Contudo, o facto de o tribunal recorrido ter considerado que não existiu arrependimento e considerado tal matéria como agravante, não pode funcionar dessa forma. Funcionaria como atenuante, caso tivesse sido demonstrado, assim como uma eventual confissão. Não tendo ocorrido, não pode agravar a pena aos arguidos – veja-se, neste sentido, os Acs., disponíveis em www.dgsi.pt: do STJ de 15/02/2023, processo n.º 55/21.4PEBRG.S1: “I - A ausência de confissão ou de arrependimento não pode funcionar como circunstância agravante, e o passado criminal do arguido, valorável em julgamento, só pode ser o que consta do seu CRC. II - Assim, no que respeita à confissão, a “ausência de confissão” nunca é um facto a tratar como tal na sentença, como não o é a ausência de arrependimento e, no limite, o próprio silêncio do arguido sobre a acusação. E se é errado incluir nos factos provados que o arguido “manteve o silêncio” – o silêncio do arguido não é um facto, no sentido de facto-com-conteúdo-normativo, pois do exercício de um direito não pode ser retirada uma consequência jurídica contra o titular desse direito – também o será, concludentemente, a “não confissão”. III - Já a “confissão”, a ocorrer por opção sempre livre do arguido, deverá constar dos factos provados, de modo a poder ser positivamente valorada na pena, pois repercute-se num juízo atenuante das exigências de prevenção, particularmente (mas não exclusivamente) a especial. IV - Em suma, a confissão, a provar-se, deve constar dos factos provados, e a “ausência de confissão” não deve incluir-se na matéria de facto. E se é certo que a ausência de confissão e arrependimento não constitui de per si circunstância agravante, a sua inexistência em concreto repercute-se numa diminuição do leque de circunstâncias atenuantes. (…)”; Ac. da RP de 22/06/2022, processo n.º 172/21.0GAVLC.P1: “I - Ao falarmos de arrependimento, estamos a referir-nos a um facto imaterial, a um facto subjectivo que pode ser extraível dos factos materiais, objectivos, considerados provados (v.g. a reparação do mal do crime), e/ou da sua conduta processual (v.g. a confissão, desde que relevante para a prova dos factos); II - Se integrado nos factos provados pode e deve constituir um factor atenuante da pena (o seu maior ou menor valor atenuante, derivará da conjugação com a natureza do crime, os bens jurídicos violados, e os restantes factores de medida da pena); III - No pólo oposto, a “ausência de arrependimento” não pode funcionar como factor agravante da pena, ou como fundamento para a sua não suspensão; IV - Tal contrariaria o princípio estabelecido no art. 32º, nº 2, da CRP, de que deriva o direito do acusado a não se auto-incriminar (também denominado de “direito ao silêncio”).”. A par desta ‘correcção’, os demais factores atenuantes tidos em consideração pelo tribunal recorrido e invocados pelo recorrente, foram sopesados devidamente, tendo o tribunal recorrido atendido à ausência de antecedentes criminais, um bom comportamento anterior e posterior aos factos e o estarem inseridos familiar, social e profissionalmente. Para além do mais, no caso em apreço, os factores de prevenção geral são elevados (conforme salientado pelo tribunal recorrido), tendo em conta a frequência com que este tipo de crime ocorre e a gravidade do mesmo e a sua repercussão para vítima, para os familiares e para a sociedade em geral, o que significa uma maior necessidade de assegurar a protecção do bem jurídico que a norma visa proteger (que é também uma das finalidades da pena afirmadas no referido artigo 40º, n.º 1, do CP), por forma a se evitar a repetição desses comportamentos. E, ao contrário do alegado pelos recorrentes, a taxa de criminalidade na ..., nos últimos anos, tem aumentado (cfr. os dados da ...), o que é possível aferir, nomeadamente, durante dos anos de ... e .... Inexistem, por outro lado, motivos para qualquer atenuação especial da pena nos termos do art. 72º do CP. Face às circunstâncias concretas apuradas (que são as que constam também dos factos provados, não existindo um estado de embriaguez tal que condicionasse ou desculpasse os arguidos), sopesando tudo e o facto de os arguidos não poderem ser penalizados pela aludida falta de arrependimento, impõe-se uma diminuição na pena de prisão aplicada, que julgamos adequada que seja fixada para cada um dos arguidos em três anos e seis meses de prisão, correspondendo a uma pena justa, proporcional e adequada (por força da ponderação das variáveis supra expostas e de acordo com os referidos critérios de determinação da pena concreta). Procede, por isso, parcialmente, esta parte do recurso interposto pelos arguidos. ** III.3.7. Da eventual aplicação do regime de suspensão da execução da pena de prisão Os recorrentes sustentam que não há factos tendentes à não suspensão da execução da pena de prisão, nomeadamente quanto à alegada prevenção geral, invocando, também aqui, a insuficiência da matéria de facto para a decisão e que também há erro de julgamento, porque em termos de experiência comum este tipo de comportamento é cada vez mais raro e não mais frequente como disse o acórdão. Mais referem que não há necessidade de pena de prisão efectiva em relação aos recorrentes, além de que existe contradição entre a fundamentação e a e a decisão, porque a decisão recorrida refere que o importante é a prevenção especial e depois conclui com a prevenção geral. Neste âmbito, o tribunal recorrido fundamentou da seguinte forma: “A pena encontrada para os arguidos obriga a que se equacione a possibilidade de uma pena de substituição, em face do que dispõe o art.º 50º do Cód. Penal. Com efeito, nos termos do n.º 1 dessa norma “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Este preceito consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos (Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 14ª edição, pág. 191). Sempre que esses pressupostos se verifiquem, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico. A suspensão da execução da pena deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido; a esperança de que sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. Só se deverá optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de o afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, da senda do crime. Também importa acrescentar que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se, pois, de uma convicção subjectiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso (Cfr. Figueiredo Dias, no já citado “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 344). De um lado, cumpre assegurar em que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspectiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado. Por outro, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. Acresce que a aposta que a opção pela suspensão, sempre pressupõe, há-de fundar-se num conjunto de indicadores que a própria lei adianta. Personalidade do agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste. Não são considerações de culpa que devem ser atendidas, mas juízos sobre o modo como o arguido se irá comportar em liberdade, considerando a sua personalidade, as suas condições de vida, o seu comportamento e as demais circunstâncias do caso, tudo determinando que o juízo de prognose do julgador seja favorável à suspensão, por esta se revelar adequada e suficiente. Assim, antes de se partir para uma avaliação desse juízo de prognose – que se prende, essencialmente, com a personalidade e o modo de vida evidenciados pelo agente, há que verificar também se, no caso concreto, a suspensão da pena salvaguarda as demais e não menos importantes finalidades das penas, quais sejam, as de reafirmar a necessidade da existência da norma punitiva e as de prevenção geral. É que, como já atrás se referiu, no que toca à prevenção geral, o crime aqui em causa tem uma presença quase diária nos nossos tribunais e reveste-se de acentuada gravidade, na medida em que é lesivo da integridade física da pessoa e da sua vida, ainda que no caso vertente esta apenas tenha sido posta em perigo. Ainda que por factores alheios à vontade dos arguidos, o assistente sobreviveu e não veio a morrer em consequência das agressões com que o vitimaram. E, reitera-se, comportamentos como o dos arguidos que, como se sabe, ocorreram num estabelecimento comercial de “...”, local supostamente de lazer, convívio e seguro, criam um sentimento de insegurança, pelo que se mostra premente reinserir na comunidade a consciência da gravidade do seu cometimento, por forma a tal desincentivar e, desse modo, reintegrar as expectativas sociais de segurança e manutenção da paz social. Por outro lado, se não mais, a natureza do crime que vimos cometido pelos arguidos revela, pelo bem jurídico protegido, uma personalidade vincadamente desconforme ao direito. Mais ainda, não podemos aqui esquecer que as consequências advindas da sua acção delituosa foram devastadoras para a vítima: das graves lesões traumáticas cerebrais que sofreu resultaram-lhe sequelas impeditivas do exercício da sua actividade profissional e um défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica fixável em 20 pontos. Ora, como lapidarmente se escreveu no Ac. do TRL de 03/11/2020, acessível em www.dgsi.pt, “tal como se afirma no Acórdão do STJ, de 30 de Janeiro de 2003, no proc. no 3594/02 da 5a Secção, do qual é Relator o Senhor Conselheiro Carmona da Mota, "a suspensão da execução da pena não deverá ser decretada — mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de sociabilização), se a ela se opuserem as finalidades da punição (arts. 50º, no 1 e 40º nº 1 do Código Penal), nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que só por elas se limita — mas por elas se limita sempre — o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto (da suspensão). Impõe-se, numa palavra, "que o crime não compense". No mesmo sentido, vide Figueiredo Dias, in "As Consequências do Crime", Editorial Notícias, 1993, pág. 227 e ss., "entendemos que, a medida da pena há-de ser dada, fundamentalmente, pela necessidade de tutela dos bens jurídicos em face do caso concreto. Entendemos que é a prevenção geral positiva de integração que fornece um "espaço de liberdade ou de indeterminação ", o qual abrange o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e o limiar mínimo em que tal tutela é ainda efectiva e consistentemente assegurada, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa de uma forma irremediável a sua função tutelar”. Isto para concluir que, se o passado sem mácula criminal dos arguidos, a sua correcta inserção familiar, profissional e social e o seu bom comportamento posterior aos factos permitem um juízo de prognose positiva sobre o seu comportamento futuro e, assim, o recurso ao instituto da suspensão da execução da pena de prisão, esse recurso é, todavia, arredado pelas acentuadas necessidades de prevenção geral que aqui pontuam. No caso sujeito, entendemos não estar perante uma das situações em que a ilicitude do facto se mostra diminuída e o sentimento de reprovação social se mostra esbatido, não sendo por isso admissível o recurso a tal instituto, que colidiria com as finalidades da punição, não as acautelando. A comunidade só sentirá que o respeito pela norma jurídica aqui violada ficou assegurado com uma pena privativa da liberdade, que é necessária, proporcional e ajustada às finalidades de prevenção geral, pela gravidade e perigos decorrentes do crime em apreço. Não se justifica, pois, a suspensão da execução das penas encontradas para os arguidos.”. Apreciando as questões suscitadas pelos recorrentes, antecipa-se, desde já, que não assiste razão aos recorrentes. Nos termos do disposto no art. 50º, n.º 1, do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Não são, assim, considerações de culpa que devem presidir na decisão sobre a decisão de suspensão da execução da pena ou não, mas antes razões ligadas às exigências de prevenção geral e especial, sendo que na ponderação das segundas não pode nunca perder-se de vista a salvaguarda das primeiras. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518, “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – bastarão para afastar o delinquente da criminalidade”, acrescentando “para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto”. Alerta, ainda, o Ilustre Professor (ob. cit., § 520) que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (…) Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”. Lê-se no Ac. do STJ de 25/06/2003, in www.dgsi.pt, que o instituto em causa “constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas. (…) Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas”. No caso sub judice, os arguidos são condenados numa pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva pela prática em co-autoria material, de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131°, 14º, nº 3, 22º, 23º, nº 2, 26º e 73º, als. a) e b) do Código Penal. Na decisão recorrida entendeu-se, essencialmente, que as necessidades de prevenção geral comprometem qualquer juízo de prognose futura favorável quanto às virtualidades da suspensão da execução da pena de prisão. Cremos que assiste razão ao julgador. Os argumentos dos recorrentes, ainda que alegados genericamente, não são de todo relevantes para se determinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada pelo Tribunal a quo. Efectivamente, a comunidade não compreenderia que perante um crime tão gravoso e de tão graves consequências, se pudesse cumprir a pena e realizar as finalidades da punição com uma suspensão da execução da pena de prisão. As finalidades de punição, a existência crescente de crimes contra a integridade física e a vida, as exigências de prevenção geral, são considerações que o julgador afere da realidade da vida e dos acontecimentos diários e, já verificámos que não tem de constar dos factos a crescente criminalidade e que não há erro de julgamento porque, efectivamente e infelizmente, ela é uma realidade. E também não há qualquer contradição quando a decisão recorrida refere que a prevenção especial também importa, mas que em termos de prevenção geral, as finalidades da punição não ficam minimamente asseguradas com uma suspensão da execução da pena de prisão. As exigências de prevenção geral neste tipo de criminalidade são elevadas, em face do número de crimes existentes desta natureza, não se olvidando o alarme social gerado por estas condutas e a insegurança que passa para a sociedade. Acresce que, os arguidos não revelam qualquer atitude de que pudesse extrair-se qualquer sensibilidade e capacidade para interiorizarem o desvalor da sua conduta criminalmente relevante, revelando um grau de inadequação comportamental aos valores ético-jurídico comunitários. Pelo exposto, não existem elementos que nos permitam formular um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro dos recorrentes e à interiorização do desvalor das suas condutas e, é certo que são elevadas as necessidades de prevenção geral, que urge salvaguardar de forma adequada e suficientemente dissuasora, não sendo a mera ameaça da execução da pena de prisão suficiente, nem adequada para proteger os bens jurídicos aqui lesados. Assim, não se mostram reunidos os necessários requisitos que possibilitam a suspensão da pena de prisão aplicada aos arguidos, previstos no citado artigo 50º do CP. Improcede nesta parte o presente recurso, mantendo-se o cumprimento efectivo da pena de prisão em que os recorrentes são condenados. ** II.3.8. Da eventual revogação do acórdão relativamente ao pedido cível e anulação do julgamento, nos termos do art. 410º, n.º 2, do CPP Os recorrentes propugnam a absolvição do pedido cível, no caso de alteração da matéria de facto, alteração essa que não existiu. Caso não se verificasse essa alteração da matéria de facto (como não se verificou), sustentam a revogação da decisão com anulação do julgamento nos termos do art. 410º, n.º 2, do CPP, matéria a que já, também, aludimos em parte, não existindo qualquer vício nos termos do citado artigo. Invocam os recorrentes que, de qualquer forma, sempre se teria de considerar como ‘mera culpa’ nos termos do art. 483º do CC e que o valor da indemnização teria de ser inferior, pois o assistente é mais abastado que os demandados. Os recorrentes alegam que há insuficiência de facto para a decisão quanto ao pedido cível, porque não se apurou a situação económica do assistente. Não lhes assiste, porém, razão, pois o facto de se dar uma matéria como provada e outra como não provada, não significa que não houve apuramento da mesma, nem análise de prova suficiente. Por outro lado, a matéria apurada é, manifestamente, suficiente para a condenação efectuada, pontuada pelos factos provados e por referência, também, a critérios de equidade. Os recorrentes pretendem a anulação da decisão recorrida e a reabertura da audiência para apuramento da factualidade relativa ao património e rendimento do demandante civil, nomeadamente, para apurar da existência de bens imóveis, automóveis, participações sociais, contas ou outras aplicações financeiras, com notificações a todas as entidades, como seja, Conservatórias, Banco de Portugal, Autoridade Tributária ou Segurança Social. Nesta matéria, o tribunal recorrido considerou, nomeadamente, que: Factos provados: “19. O assistente foi encontrado prostrado no solo em posição de decúbito ventral e foi conduzido para o ... onde deu entrada no serviço de urgências cerca das 02h30 da madrugada de Sábado. 20. O assistente deu entrada no hospital em estado de coma e evidenciava contusões hemorrágicas bifronto-temporais que impuseram a realização, no dia ... de ... de 2015, de craniectomia bifronto-temporal. 21. Em resultado das lesões sofridas, o assistente manteve-se em coma durante 20 dias e permaneceu internado nos serviços do ... até ao dia .../.../2015. 22. No período acima referido o assistente sofreu várias cirurgias e teve de submeter-se a diversos tratamentos e procedimentos médicos, nomeadamente, craniotomia, reabertura de craniotomia, traqueostomia temporária. 23. Sofreu ainda várias infecções, nomeadamente, nas vias urinária e respiratória, que impuseram que fosse sujeito a diversos tratamentos médicos. 24. Após ter sido submetido a alta hospitalar, teve de realizar vários tratamentos no centro de saúde da ... e nos serviços do ..., o que implicou a sua deslocação aos referidos serviços. 25. No período compreendido entre o dia .../.../2015 e .../.../2015, data em que teve alta hospitalar, o assistente teve de ser internado e submetido a intervenção cirúrgica com anestesia local, por apresentar infecção da ferida operatória. 26. No período compreendido entre o dia .../.../2016 a .../.../2016, o assistente teve de ser submetido a novo internamento hospital determinado pela infecção da ferida resultante da intervenção cirúrgica a que foi sujeito e, durante esse período, foi novamente sujeito a diversos procedimentos e tratamentos médicos. 27. No período compreendido entre os dias .../.../2017 e .../.../2017, o assistente teve de ser internado outra vez nos serviços do ... e de se submeter a nova cirurgia e a tratamentos médicos diversos. 28. No período compreendido entre os dias .../.../2018 e .../.../2018, data em que teve alta hospitalar, o assistente teve de ser novamente internado por apresentar cefaleias, febre, tumefacção frontal, tendo sido demonstrado pela TC ao crânio a existência de abscesso epidural que obrigou à remoção da prótese. 29. O arguido mantém-se sujeito a necessidade de medicamentação constante. 30. Do relatório da última consulta a que foi sujeito no ano de ..., datado de ... desse ano, retira-se que, nessa data, o assistente evidenciava ainda sequelas de leuconcefalomalacia bifrontal decorrentes dos volumosos focos de contusão frontal bilaterais que motivaram a craniectomia bifrontal – na altura na perspetiva de “life saving”. 31. O assistente apresenta cicatrizes na cabeça, como referido em 12. 32. As lesões sofridas pelo assistente em resultado dos actos dos arguidos determinaram a sua presença no “...” para ser sujeito a observação médica por 16 vezes. 33. Em resultado das lesões sofridas, o assistente foi obrigado a deslocar-se ao ..., para observação e tratamentos médicos, 81 vezes. 34. Em resultado das lesões sofridas e dos actos praticados pelos arguidos, por ser necessário um acompanhamento contínuo do estado de saúde do assistente, este teve de ser observado em consultas médicas realizadas no “...” com os Drs. TT, UU e VV, nas quais despendeu a quantia de 660,00€. 35. O assistente suportou ainda o custo de 120,00€, referente a uma TAC ao crânio realizada nos serviços do “...”, no dia .../.../2017. 36. Nas deslocações que fez ao ..., ao ... e ao “...”, o assistente teve de ser conduzido pelo seu irmão WW que utilizou para o efeito o seu próprio carro e teve de aguardar pelo final do tratamento/observação médica no que foram consumidas um número de horas em concreto não apurado. 37. Das agressões sofridas pelo assistente, perpetradas pelos arguidos (socos e pontapés, estes últimos desferidos quando se encontrava indefeso no chão), presenciadas por terceiros, resultaram para ele dores e humilhação. 38. Os tratamentos médicos a que teve de ser submetido, incluindo de natureza cirúrgica, causaram dor e sofrimento ao assistente. 39. As lesões que sofreu e os tratamentos médicos impostos pela sua natureza e gravidade, provocaram dor, sofrimento e incómodo ao assistente e determinaram a realização de procedimentos médicos intrusivos e agressivos da sua integridade física. 40. A circunstância de, em consequência directa das lesões sofridas, ter de ser retirada parte da estrutura óssea de protecção ao crânio do assistente, provocou-lhe mutilação, dor e sofrimento. 41. Para protecção da área do crânio exposta pela intervenção acima referida foi colocada uma prótese no assistente, por meio de intervenção cirúrgica, prótese que teve de ser removida por duas vezes em resultado de infecções que determinaram a sua rejeição pelo seu organismo. 42. Foi decidido não voltar a colocar-se prótese craniana no assistente, razão pela qual apresenta uma deformação na cabeça. 43. Por esse motivo, o assistente tem uma área do seu cérebro sem protecção óssea, apenas coberta por uma fina camada de pele, o que determina prevenção de quedas e protecção da área frontal craniana. 44. Em consequência das lesões sofridas o assistente ficou com a sua capacidade cognitiva diminuída e apresenta dificuldade de raciocínio e de expressão de ideias, bem como, de memorização de factos e acontecimentos. 45. As sequelas das lesões sofridas pelo assistente têm natureza permanente e determinam a incapacidade permanente para o (seu) trabalho. 46. As sequelas das lesões sofridas pelo assistente transformaram-no numa pessoa triste e apática, tendo deixado de conviver com os seus amigos em almoços e jantares como antes fazia. 47. Antes da agressão a que foi sujeito, o assistente explorava um estabelecimento comercial na ..., exploração de que retirava um rendimento mensal que, em concreto, não se apurou. 48. O assistente deslocou-se à ... no período compreendido entre o mês de ... e o mês de ..., tendo regressado a esta Região devido ao agravamento do seu estado de saúde que determinou o seu internamento hospitalar. 49. Durante esse período em que permaneceu na ..., o assistente não pode exercer a sua actividade profissional. 50. Durante o período atrás referido em que permaneceu na ..., entre ... de ... de 2018, o assistente não auferiu qualquer rendimento do seu negócio, aí subsistindo à custa do pagamento de um empréstimo que fizera ao seu irmão de nome XX. 51. Fruto do seu trabalho, no dia .../.../2012, o assistente adquiriu uma fracção autónoma destinada a habitação, identificada pela letra “L”, integrada no ...” pelo preço de €235.000,00, que depois permutou, no dia .../.../2013, por uma moradia (na qual residia e à porta da qual foi encontrado na madrugada do dia ... de ... de 2015), cujo custo foi de € 300.000,00, tendo pago em dinheiro €35.000,00. * Do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo “...” * 52. O “...”, no exercício da sua atividade, prestou cuidados de saúde ao assistente, CC, que consistiram em internamentos e actos clínicos, no período compreendido entre ... de ... de 2015 e ... de ... de 2018. 53. Tal prestação de cuidados importou em € 157.951,23 (cento e cinquenta e sete mil novecentos e cinquenta e um euros e vinte e três cêntimos), como resulta do teor da Certidão de Dívida nº ENCV19/… de ... de ... de 2019, constante de fls. 515 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (…) 70. O estabelecimento comercial que o assistente explorava na ... era um talho. * 71. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo assistente poderá ser fixável em .../.../2017. 72. O assistente sofreu um Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 282 dias. 73. O assistente sofreu um Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 547 dias. 74. O assistente sofreu um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total fixável num período de 829 dias. 75. As sequelas que das lesões que sofreu resultaram para o assistente, são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, impeditivas da sua actividade profissional habitual de talhante. 76. As lesões sofridas pelo assistente e os tratamentos médicos a que foi sujeito em consequência dessas lesões provocaram danos biológicos ao assistente. O assistente apresenta um défice funcional permanente da sua integridade Físico-Psíquica fixável em 20 pontos. 77. As dores sentidas pelo assistente por via das lesões que sofreu e dos tratamentos médicos a que foi sujeito redundaram num “quantum doloris” no grau 6/7. 78. As lesões sofridas pelo assistente e os tratamentos médicos a que foi sujeito em consequência dessas lesões provocaram danos estéticos ao assistente. 79. O assistente apresenta um dano estético permanente fixável no grau 4/7. 80. O assistente necessita de medicação antiepiléptica para prevenção de epilepsia tardia. * 81. Na admissão no Serviço de Urgência no dia .../.../2015, o assistente apresentava-se etilizado. 82. À data do evento, o assistente, segundo o que ele próprio afirmou, tinha hábitos etílicos e diabetes “mellitus” não insulinodependente. O diagnóstico de hepatite B verificou-se apenas no internamento hospitalar em ... e não se encontra referência a dislipidemia na informação clínica (a ele referente). Relativamente a epilepsia, tal diagnóstico não foi efectuado, tendo sido apenas dada a indicação para a toma de medicação antipiepiléptica para a prevenção de epilepsia tardia. 83. As sucessivas infecções que determinaram vários internamentos hospitalares deveram-se, essencialmente, à muita manipulação directa das feridas cirúrgicas por parte do assistente, consequência das alterações de comportamento das graves lesões traumáticas cerebrais que sofreu. O facto de ser diabético levou a que tais infecções fossem mais difíceis de tratar, condicionando internamentos mais longos do que seria expectável. * 84. O assistente nasceu em ... de ... de 1969. * 85. Os arguidos são ambos sócios e gerentes de uma sociedade que explora um estabelecimento comercial de pastelaria e “minimercado”, onde exercem funções como funcionários pelas quais cada um deles declara receber um salário correspondente ao salário mínimo regional. 86. O arguido AA tem o 4º ano de escolaridade e reside em casa própria, com a sua mulher, bordadeira, e uma filha. Tem ainda um outro filho. Os seus filhos são ambos autónomos economicamente. 87. O arguido BB tem o 6º ano de escolaridade e reside em casa própria, com a sua mulher, doméstica, e os dois filhos do casal, ambos maiores. O filho mais velho trabalha com ele no referido estabelecimento comercial, onde aufere um salário mensal correspondente ao salário mínimo regional; o mais novo é estudante, estando ainda na sua dependência económica.”. Factos não provados: “J. Posteriormente à agressão perpetrada nos termos acima descritos, os arguidos determinaram e providenciaram que fosse conduzido para a sua casa indiferentes ao estado de doença e de incapacidade em que se encontrava. K. O assistente foi “largado” na estrada, deitado à beira do caminho, próximo ao portão da sua casa. L. As infecções sofridas pelo assistente, que determinaram a rejeição da prótese que lhe fora colocada resultaram, sobretudo, dos tratamentos médicos impostos pela natureza e gravidade das lesões. M. No referido em 36., o irmão do assistente, WW, despendeu mais de 200 horas. N. Desde a data em que ocorreram as lesões, dia .../.../2015, até ao presente, o assistente apenas pode deslocar-se à ... uma vez (a atrás referida). O. O assistente era o proprietário do estabelecimento comercial que explorava na ... à data da agressão ajuizada. P. Dessa exploração, o assistente retirava um rendimento de cerca de € 8.000,00 mensais. Q. Até à data dos factos ajuizados, o assistente trazia para a ... uma média de € 60.000,00 por ano. (…) TT. À data dos factos, o assistente sofria de hepatite B em estado avançado, dislipidemia e epilepsia tardia.”. Em termos de fundamentação, o tribunal recorrido fundamentou a resposta esta matéria de facto, provada e não provada, conforme já se deu conta na transcrição da sua motivação na parte inicial deste acórdão (e para a qual se remete) e, teve em conta a prova documental e a testemunhal, entre as quais o depoimento do irmão do assistente, WW, que com ele convive mais de perto e que relatou a situação em que o irmão vive, que se encontra a gastar das suas economias, o que, com o decorrer do tempo, se alguma coisa mudou foi certamente para pior (a que acresce a situação de não retirar qualquer valor do talho que tinha na ..., o que, considerando a crise que atravessa esse país, sabe-se que não é caso único). Nenhuma necessidade há, pois, de qualquer outra prova. Alegam também os recorrentes que o assistente concorreu para os danos com as palavras que proferiu, nos termos dos arts. 570º e 572º do CC. Não se vislumbra, porém, que assim seja, nem que tenha contribuído para o evento, pois uma tal situação não legitima as agressões de que foi vítima, consubstanciadas na tentativa de homicídio, e, muito menos contribuiu para os danos, não sendo por causa de doenças anteriores que ficou com aquela incapacidade, pois tudo foi originado pela conduta dos arguidos, pois não fora a mesma, o ofendido não teria aquelas reacções, nomeadamente de não acatar as recomendações para não mexer nas lesões. Os recorrentes pretendem ainda retirar dos factos provados, que o assistente pode ter tido outras lesões por já estar embriagado, ter caído, designadamente ao chegar a casa. Esquecem-se os recorrentes que da matéria provada não resulta que as lesões tenham outra proveniência que não os actos praticados pelos arguidos. Vêm, ainda, os recorrentes alegar que se deve proceder à junção de toda a documentação clínica anterior a .../.../2015 e posterior. Sem razão, porém, quando é certo e sabido que a perícia médico-legal já atenta a toda informação clínica e específica a incapacidade que advém daquele evento e não de qualquer outro, ou de doenças. Não existe, assim, qualquer interrupção do nexo causal, que não resultou provado e também já se explicou que a ‘nova contusão fronto parietal esquerda’ não é algo que surja de nova ocorrência/agressão, mas é algo que emerge das agressões de que foi vítima. Inexiste, igualmente motivo para qualquer apuramento do grau de escolaridade do assistente, pois o apuramento dessa matéria clínica foi realizado por perito médico-legal, que não teve dúvidas quanto à classificação que operou e, assim, elaborou relatório pericial que nunca foi colocado em causa, nem objecto de qualquer reclamação e que, embora o fazendo nesta fase, não se vislumbra que lhes assista razão. De acordo com o disposto no art. 129º do CP, a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, portanto, conforme o estabelecido nos artigos 483º, 487º, 496º, 562º e 566º, do Código Civil (CC), apesar do pedido ser formulado no processo penal respectivo, nos termos dos arts. 71º e ss. do Código de Processo Penal (CPP). Com a indemnização procura ressarcir-se todos os danos causados, tanto de natureza patrimonial, como de natureza não patrimonial por forma a reconstituir a situação em que o lesado se encontraria se não tivesse acontecido a lesão. Mas, para que o pedido proceda, torna-se necessário o preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos: facto voluntário; ilicitude; vínculo de imputação do facto ao agente; dano; e nexo de causalidade entre o facto e o dano (art. 483º, n.º 1, do CC). No que diz respeito aos pedidos cíveis formulados nos autos, verificou-se o preenchimento de todos estes pressupostos, como declarado na decisão recorrida, incluindo o nexo de causalidade entre a actuação ilícita dos arguidos/demandados e os danos/prejuízos com que os demandantes ficaram, sendo os valores apurados, comprovados e equitativamente fixados. Mantém-se, pois, inalterada a decisão sobre os pedidos cíveis. Improcede, também, esta parte do recurso interposto. ** III- DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 9ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos arguidos AA e BB e, em consequência, decide-se condenar: - o arguido AA, pela prática, em co-autoria material, de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131º, 14º, n.º 3, 22º, 23º, n.º 2, 26º e 73º, als. a) e b), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; - o arguido BB, pela prática, em co-autoria material, de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131º, 14º, n.º 3, 22º, 23º, n.º 2, 26º e 73º, als. a) e b), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. No mais, mantém-se a decisão recorrida. Sem custas criminais (artigo 513º, n.º 1, do CPP). Custas cíveis a suportar pelos recorrentes/demandados, sendo a taxa de justiça calculada nos termos da tabela I-B do RCP (artigos 523º e 524º do CPP e artigo 527º do CPC). Notifique. ** Lisboa, 23/10/2025 Paula Cristina Borges Gonçalves Ana Marisa Arnêdo (com declaração de voto que segue) Marlene Fortuna ** Voto vencido Declaração de voto de vencida A discordância quanto ao decidido cinge-se à confirmação da decisão de não suspensão de execução das penas aplicadas aos arguidos/recorrentes. O Tribunal a quo respaldado, única e exclusivamente, em razões de prevenção geral, concluiu, a respeito, nos seguintes termos: «(…) se o passado sem mácula criminal dos arguidos, a sua correcta inserção familiar, profissional e social e o seu bom comportamento posterior aos factos permitem um juízo de prognose positiva sobre o seu comportamento futuro e, assim, o recurso ao instituto da suspensão da execução da pena de prisão, esse recurso é, todavia, arredado pelas acentuadas necessidades de prevenção geral que aqui pontuam. No caso sujeito, entendemos não estar perante uma das situações em que a ilicitude do facto se mostra diminuída e o sentimento de reprovação social se mostra esbatido, não sendo por isso admissível o recurso a tal instituto, que colidiria com as finalidades da punição, não as acautelando. A comunidade só sentirá que o respeito pela norma jurídica aqui violada ficou assegurado com uma pena privativa da liberdade, que é necessária, proporcional e ajustada às finalidades de prevenção geral, pela gravidade e perigos decorrentes do crime em apreço. Não se justifica, pois, a suspensão da execução das penas encontradas para os arguidos». Por seu turno, a maioria que ora fez vencimento corroborou o decidido na primeira instância, nos termos que se transcrevem: «No caso sub judice, os arguidos são condenados numa pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva pela prática em co-autoria material, de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131°, 14º, nº 3, 22º, 23º, nº 2, 26º e 73º, als. a) e b) do Código Penal. Na decisão recorrida entendeu-se, essencialmente, que as necessidades de prevenção geral comprometem qualquer juízo de prognose futura favorável quanto às virtualidades da suspensão da execução da pena de prisão. Cremos que assiste razão ao julgador. Os argumentos dos recorrentes, ainda que alegados genericamente, não são de todo relevantes para se determinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada pelo Tribunal a quo. Efectivamente, a comunidade não compreenderia que perante um crime tão gravoso e de tão graves consequências, se pudesse cumprir a pena e realizar as finalidades da punição com uma suspensão da execução da pena de prisão. As finalidades de punição, a existência crescente de crimes contra a integridade física e a vida, as exigências de prevenção geral, são considerações que o julgador afere da realidade da vida e dos acontecimentos diários e, já verificámos que não tem de constar dos factos a crescente criminalidade e que não há erro de julgamento porque, efectivamente e infelizmente, ela é uma realidade. E também não há qualquer contradição quando a decisão recorrida refere que a prevenção especial também importa, mas que em termos de prevenção geral, as finalidades da punição não ficam minimamente asseguradas com uma suspensão da execução da pena de prisão. As exigências de prevenção geral neste tipo de criminalidade são elevadas, em face do número de crimes existentes desta natureza, não se olvidando o alarme social gerado por estas condutas e a insegurança que passa para a sociedade. Acresce que, os arguidos não revelam qualquer atitude de que pudesse extrair-se qualquer sensibilidade e capacidade para interiorizarem o desvalor da sua conduta criminalmente relevante, revelando um grau de inadequação comportamental aos valores ético-jurídico comunitários. Pelo exposto, não existem elementos que nos permitam formular um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro dos recorrentes e à interiorização do desvalor das suas condutas e, é certo que são elevadas as necessidades de prevenção geral, que urge salvaguardar de forma adequada e suficientemente dissuasora, não sendo a mera ameaça da execução da pena de prisão suficiente, nem adequada para proteger os bens jurídicos aqui lesados. Assim, não se mostram reunidos os necessários requisitos que possibilitam a suspensão da pena de prisão aplicada aos arguidos, previstos no citado artigo 50º do CP». «(…) no que respeita à pena de prisão deve referir-se que é inequívoca a assumpção legislativa (com suporte constitucional) de que a pena de prisão se assume como última ratio no leque de penas aplicáveis. Ora esta dimensão de última ratio tem implicações em todo o sistema penal tanto na escolha da pena, como na medida concreta, nomeadamente quando estão em causa a determinação do quantum da pena de prisão já escolhida como adequada, em função da culpa, ao agente. É essa imposição que decorre do artigo 70º. Como refere Anabela Rodrigues, «a prisão – se cumprido o programa de alargamento de margens legais no âmbito das quais se pode recorrer a penas de substituição e se a tipologia destas penas, por sua vez, também for suficientemente ampla – deve ver a sua aplicação reduzida aos casos de cometimento de crimes mais graves, em que uma reacção através de outras formas de pena não poderia assegurar o efeito essencial de prevenção geral desejado», cf. «Sistema punitivo português. Principais alterações ao Código Penal Revisto», Sub Júdice, nº 11 p. 32»1 Na verdade, «No ordenamento jurídico português a suspensão da execução da pena de prisão é uma verdadeira pena (e não uma simples modalidade da execução da pena de prisão). Tendo por isso um conteúdo autónomo de censura, medido à luz de critérios gerais de determinação da pena concreta (artigo 71.º), assente em pressupostos específicos, sendo na sua categorização dogmática uma pena de substituição, isto é, uma pena que se aplica na sentença condenatória em vez da execução de uma pena principal concretamente determinada. Assenta em dois pressupostos básicos, sendo um de natureza formal (a medida concreta da pena imposta ao agente não pode ser superior a cinco anos de prisão); e outro de cariz material, constituído por um juízo de prognose favorável acerca da ressocialização do arguido em liberdade (de desnecessidade de cumprir efetivamente a pena de prisão), a realizar no momento da condenação, quando se tem de escolher e fixar a medida da pena. Constitui, matricialmente, uma solene advertência ao condenado, que agrega à condenação e ao cumprimento dos deveres a ela ligados a ameaça da prisão efetiva (como a espada de Dâmocles pendendo sobre a sua cabeça), preconizando um efeito sobre o seu comportamento futuro, em benefício da reintegração social do agente. A sua aplicação assenta, pois, num risco prudencial sobre a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior à prática do crime e as circunstâncias deste, concluindo-se que a simples censura do facto e a ameaça da execução da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. E constitui um poder-dever, i. e. um poder vinculado do julgador, o qual deverá decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade e com os matizes que se afigurarem mais convenientes para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, impregnando esta pena um conteúdo reeducativo e pedagógico. Ao Tribunal de julgamento exige-se, pois, a ponderação de todos os elementos disponíveis que possam sustentar a conclusão de que o facto ilícito praticado terá sido como que um acidente de percurso e de que a solene advertência, que constitui a condenação e a ameaça da prisão, terá inevitável reflexo sobre o comportamento futuro do agente, em benefício da sua reintegração social. Fatores essenciais são: a capacidade da pena concreta apontar ao arguido o rumo certo no domínio dos valores prevalecentes na sociedade, impondo-lhe num sentido pedagógico e autorresponsabilizante o seu comportamento futuro; e a capacidade dele para sentir e compreender a ameaça da prisão, de molde a que ela exerça sobre si efeito contentor. O seu ponto fulcral é o prognóstico favorável de que o condenado encetará um modo de vida afastado da prática de crimes, assentando este num juízo de probabilidade fundada; em cujo contraponto surge o prognóstico desfavorável, o qual emergirá quando num juízo quase seguro puder predizer-se a reincidência. (…) De acordo com o princípio vertido no artigo 40.º, § 1.º do CP, o juízo final exige que se acautelem as razões de prevenção geral positiva, isto é, que a suspensão da pena não comprometa a manutenção da confiança da comunidade na ordem jurídica e na norma penal que foi violada. Ora, nesta cogitação só cabem questões de legalidade, sendo de arredar quaisquer asserções morais ou de puro preconceito».2 In casu, pese embora seja indiscutível que o crime perpetrado - homicídio na forma tentada - reclama veementes razões de prevenção geral, não tendo o legislador excluído a possibilidade de suspensão de execução da pena a concretos tipos criminais, afigura-se que, sob pena de violação do princípio da legalidade, ao julgador não assiste a faculdade de automaticamente, em função da gravidade inerente a concretos crimes, excluir tal possibilidade3. Acresce, no concreto, ante o hiato de tempo decorrido desde a prática dos factos4, a inolvidável asserção de que as necessidades de prevenção geral se encontram já necessariamente esbatidas. Por fim, ainda no espectro das necessidades de prevenção geral, se é certo que, conforme decorre do Relatório Anual de Segurança Interna 2024, relativamente à denominada criminalidade violenta e grave se verificou, por referência a 2023, um aumento do número de participações de 2,6%, bastará atentar nos gráficos de fls. 39 e 40 para se concluir que, concomitantemente, o número de participações em 2024 (14385) se encontra, ainda e felizmente, muito aquém do verificado em 2015 (18964) e que, especificamente, no que concerne aos crimes de homicídio e de ofensa à integridade física grave se constata, mesmo por referência a 2023, uma descida, respectivamente, de 1,1% e 6,1%. Por outro lado, invocar que «os arguidos não revelam qualquer atitude de que pudesse extrair-se qualquer sensibilidade e capacidade para interiorizarem o desvalor da sua conduta» redundará, ao cabo e ao resto, na valoração da não confissão por parte dos arguidos, o que - seja na vertente daquilo que, supostamente, evidencia da sua personalidade ou naquela atinente à ausência de arrependimento - encerra, desde logo, sérias dificuldades na compatibilização com o direito ao silêncio e com o corolário direito de prestar declarações sem estar obrigado a dizer a verdade5. Ademais, muito embora se reconheça que corresponde a uma prática judiciária que, amiúde, se mantém, estou em crer que, bule com os fins das penas tal qual se mostram definidos no C.P. vigente. Como já então alertava o S.T.J. no acórdão de 11 de Outubro de 2006, processo 6P2545, in .: «I - O entendimento de que a confissão e o arrependimento são condições necessárias ou adequadas para a aplicação do art. 50.º do CP, correspondente a uma prática judiciária comum há algumas décadas, no domínio do CP86, não se coaduna com os fins das penas consagrados no CP vigente. II - A confissão do crime, acompanhada ou não por manifestações de arrependimento, releva de modo particularmente significativo a nível da medida da pena; para efeitos de suspensão da execução da pena de prisão é apenas um dos elementos a ter em consideração conjuntamente com os outros a que alude o art. 50.º, n.º 1, do CP, não sendo conditio sine qua non. III - A aplicação de uma pena suspensa na sua execução não constitui um prémio ou privilégio concedido ao agente do crime que assume em julgamento a prática do mesmo, mas antes, como qualquer outra, uma forma de punição no interesse da comunidade, visando a protecção de bens jurídicos, sendo que a «reintegração do agente na sociedade», referida no art. 40.º, n.º 1, do CP, não é senão um dos meios de realizar esse fim do direito penal (ao contribuir esta reinserção social para evitar a reincidência - prevenção especial positiva). IV - A ausência de confissão do crime não significa necessariamente que não houve interiorização do mal do crime e que o agente não reconheceu que a sua conduta merece ser censurada; o agente não pode ser penalizado por não confessar o crime - apenas lhe fica vedado o aproveitamento de uma circunstância atenuativa. V - Assim, admitindo-se que a protecção dos bens jurídicos se mostra suficientemente assegurada com a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, a ausência de confissão do crime não impede a aplicação da pena de substituição, desde que se verifiquem os requisitos materiais previstos no art. 50.º, n.º 1, do CP». O que se pretende, como refere Figueiredo Dias, é «o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção, melhora ou – ainda menos – metanoia das concepções daquele sobre a vida e o mundo». Na situação em crise, decorreram 10 (dez) anos desde a prática dos factos e os arguidos - actualmente com 57 e 49 anos de idade - estão plenamente inseridos, quer do ponto de vista familiar, quer profissional, e são primários. Ou seja, têm percursos pautados pela observância das regras, sem evidência de qualquer compulsão e/ou tendência criminosa, podendo concluir-se, sem esforço, que o comportamento delituoso se assume como excepcional no trajecto de vida de ambos. Se é certo que às finalidades da pena subjazem, também, necessidades de protecção dos bens jurídicos, o nosso sistema penal insere-se, de forma inequívoca, na denominada perspectiva de prevenção geral de integração. «(…) qualquer das formas de substituição da pena clássica não deixa de envolver a inflição de um “mal”, que comporta um efeito mais ou menos penoso para quem a sofre, constituindo, nesse sentido, uma pena (…) [a]s medidas alternativas à prisão melhoram as possibilidades de reintegração na sociedade e de aceitação de valores sociais do condenado; ademais, sua execução, no seio da comunidade, incentiva a maior participação desta na administração da Justiça penal, melhorando a compreensão e aceitação das medidas não privativas de liberdade».6 Consabidamente, a prisão «(…) segrega o indivíduo do seu estatuto jurídico normal, atinge a personalidade, favorece a aprendizagem de novas técnicas criminosas e propõe valores e normas contrários aos «oficiais».7 Nestes termos e com tais fundamentos, afigura-se que inexistem concretas circunstâncias que respaldem a inferência do Tribunal Colectivo a quo, corroborada pela maioria que fez vencimento, no sentido de que se impõe, no caso, a aplicação de penas de prisão efectivas8. Estou antes em crer que, no concreto, não se verificam razões de prevenção geral e/ou especial capazes de obstarem à suspensão de execução das penas de prisão aplicadas, «podendo concluir-se, a partir da indiciada ocasionalidade da conduta e dos relevantes factores de inserção familiar, social e laboral» de que os arguidos beneficiam que a simples ameaça de execução da pena seria, ainda, suficiente para os afastar da criminalidade, «ponderando-se que uma pena de prisão, suspensa na sua execução(…) responde com adequado vigor, ao sentimento de justiça, mas também de esperança, da comunidade».9 Com vista ao reforço da interiorização do desvalor das condutas perpetradas e à reparação da vítima, serviria melhor as finalidades das penas impor-se, adicionalmente, que a suspensão da execução ficasse subordinada ao cumprimento do dever de indemnizar (ainda que parcialmente, em vista dos montantes fixados a título de indemnização civil, das condições económicas dos arguidos e da ponderação de razoabilidade que sempre se impõe), conforme art. 51º, n.º 1, al. a) do C.P. Teria, pois e nestes termos, julgado parcialmente procedentes os recursos interpostos. Ana Marisa Arnêdo _______________________________________________________ 1. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/9/2011, processo n.º 310/09.1GAPVZ.P1, in www.dgsi.pt. 2. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8/11/2022, processo n.º 25/21.2PEEVR.E1, in www.dgsi.pt. 3. A este respeito, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18/4/2018, processo n.º 678/14.8TXPRT-K.P1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/3/2023, processo n.º 244/21.1PQLSB.L1-9 e de 10/7/2025, processo n.º 478/24.7TXEVR-E.L1 in www.dgsi.pt. 4. Os factos remontam a 2015, ou seja, decorreram, de permeio, dez anos e do compulso dos autos não resulta que tal demora possa ser, directa ou indirectamente, assacada aos arguidos/recorrentes. Ao invés, objectivamente e em síntese, constata-se que a fase de inquérito durou mais de três anos, a fase de instrução dois outros, a de julgamento na primeira instância quase mais três anos e a apreciação do recurso pelo Tribunal da Relação, findas as vicissitudes processuais decorrentes da inicial rejeição dos mesmos, aproximadamente dois outros. 5. Como, aliás, se assentiu no segmento recursivo atinente à medida das penas e que justificou, inclusive, a mitigação das penas aplicadas na primeira instância. 6. Anabela Miranda Rodrigues, As sanções penais clássicas e alternativas na legislação portuguesa, O direito penal em acção numa sociedade em evolução, Cadernos do CEJ, Lisboa, p. 116. 7. Anabela Miranda Rodrigues, Novo olhar sobre a questão penitenciária: estatuto jurídico do recluso e socialização, jurisdicionalização, consensualismo e prisão, p. 46. 8. «A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, (…) tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos, – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins (…)», Acórdão do STJ de 3/12/2020, processo n.º 565/19.3PBTMR.E1.S1, in www.dgsi.pt. 9. Acórdão do S.T.J. de 11/2/2021, processo n.º 381/16.4GAMMC.C1.S1, in www.dgsi.pt.  |