Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8618/23.7T8SNT.L1-2
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: REQUERIMENTO EXECUTIVO
INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. A sentença homologatória de transação pela qual as partes acordam realizar determinadas prestações (entregas mútuas de coisas) em certo período de tempo, confessando-se, desde logo, a parte B devedora à parte A da quantia de €18.450, caso a parte A cumpra a sua prestação e a parte B não o faça, constitui título executivo bastante para que A execute B pelo referido valor.
II. Para tanto, A tem de, no requerimento executivo inicial:
i. alegar e provar que efetuou a sua prestação, uma das condições da efetividade da confissão (artigo 715.º do CPC – quando a obrigação esteja dependente de uma prestação por parte do credor, tem este de alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que efetuou a prestação, ou, quando a prova não possa ser feita por documentos, oferecer de imediato as respetivas provas);
ii. alegar o incumprimento de B da obrigação primária por si assumida na mesma transação (artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC – no requerimento executivo, o exequente expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo).
III. Estando as condições de exigibilidade da obrigação suficientemente demonstradas, no que respeita ao cumprimento da parte A, e alegadas, no que respeita ao incumprimento da parte B, poderá esta, em sede de embargos, alegar e provar que cumpriu a sua prestação primária ou que a primeira não cumpriu a sua.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
AVJ & Filho, Lda., exequente na presente execução para pagamento de quantia certa, fundada em sentença condenatória, que intentou contra Questão D Ocasião, Lda., notificada do despacho proferido em 13 de julho de 2023, que rejeitou a execução, e com ele não se conformando, interpôs o presente recurso.

No requerimento executivo inicial, a exequente alegou, em síntese, que:
- Vendeu à executada uma ponte rolante usada pelo preço de €18.450,00, para a qual emitiu e entregou à Executada a respetiva fatura, lançando-a em extrato de conta-corrente aberto em nome daquela, a saber: Fatura n.º FT …/…, datada e vencida em 03.04.2021.
- Por conta do referido negócio, a Executada apenas procedeu ao pagamento das seguintes quantias: €2.000,00 em 03.01.2022, €1.000,00 em 07.02.2022 e €2.500,00 em 28.03.2022.
- Interpelada para pagar o remanescente em dívida, com a cominação de que suportaria todas as despesas que a Exequente tivesse de suportar para cobrar coercivamente o seu crédito, veio a Executada alegar que tinha um contra crédito sobre a Exequente no valor de €8.302,50, alusivo à aquisição pela Exequente à Executada de um serrote - aquisição que havia dado lugar à emissão da Fatura FA …/…, datada e vencida em 28.05.2021.
- No entanto, a Exequente não adquiriu à Executada qualquer serrote, nunca a Exequente lançou a referida fatura na sua contabilidade, não procedeu ao seu pagamento e nem autorizou que o pagamento fosse feito por compensação do crédito que detinha (e detém) junto da Executada.
- Na verdade, a Exequente tinha contactado a Executada para a aquisição de um serrote; porém, o serrote que foi depositado nas suas instalações não tinha as características pretendidas pela Exequente e, por isso, aquele não foi adquirido pela Exequente, tendo a mesma solicitado, por inúmeras vezes, o seu levantamento das instalações.
- Uma vez que a Executada não procedia ao pagamento do montante em dívida, a Exequente intentou requerimento de injunção contra a Executada, para o qual foi atribuído o número de processo …/….
- A Executada apresentou oposição ao Requerimento de Injunção e, em consequência, o processo foi distribuído para o Juízo Local Cível de Sintra – Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste.
- Exequente e Executada, em 09.01.2023, chegaram a acordo e transacionaram sobre o objeto do pleito, nos seguintes termos:
1. A Executada devolvia a ponte rolante usada que havia adquirido à Exequente - aquisição essa que deu origem à Fatura nº FT …/…, datada e vencida em 03.04.2021, no valor de €18.450,00, cabendo à Executada o transporte da ponte rolante usada (com todos os seus componentes) para a sede da Exequente, ficando as despesas do referido transporte a cargo da Executada;
2. A Exequente devolvia à Executada o serrote que tinha na sua posse, que deu origem à Fatura FA …/…, datada e vencida em 28.05.2021, no valor de €8.302,50 e a quantia de €5.500,00, referente ao valor que tinha sido pago pela Executada por conta da aquisição da ponte rolante, cabendo à Exequente o transporte do serrote para a sede da Executada, ficando as despesas com o transporte a cargo da Exequente;
3. Acordaram que entrega da ponte rolante usada (com todos os seus componentes), do serrote e a transferência bancária da quantia referida no parágrafo antecedente seria efetuada pelas partes no prazo máximo de 10 dias, após a homologação da presente transação pelo douto Tribunal;
4. Transacionaram, ainda, que, caso alguma das partes não cumprisse o disposto, o acordado ficaria sem efeito e, em consequência: Se a parte faltosa fosse a Executada, então a mesma confessar-se-ia devedora da Exequente da quantia de €12.950,00, acrescida do valor da transferência bancária efetivada pela Exequente no âmbito da Transação, ou seja, do montante de €5.500,00, bem como dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal até ao efetivo e integral pagamento, bem como as demais despesas; Se a parte faltosa fosse a Exequente, então a mesma confessar-se-ia devedora da Executada da quantia de €5.500,00 referente ao valor pago pela Executada para a aquisição da ponte usada, bem como do valor do serrote no montante de €8.302,50;
5. As partes renunciaram ao prazo para recurso do despacho que homologou a Transação.
- A aludida transação foi homologada por sentença no dia 10.01.2023 e notificada às partes no mesmo dia;
- Exequente cumpriu os termos acordados, ou seja: A Exequente contratou a empresa Transportes Cá Vai Sinta, Lda., pessoa coletiva n.º ... e com sede sita em Rua …, Almargem do Bispo para proceder ao transporte do serrote para as instalações da Executada; A empresa Transportes Cá Vai Sinta, Lda. no dia 18.01.2023 levantou, das instalações da Exequente, o serrote e, no dia seguinte, procedeu à entrega do mesmo na sede da Executada; e, no dia 20.01.2023, a Exequente procedeu à transferência da quantia de €5.500,00 para o IBAN da Exequente, referente ao valor que aquela tinha pagado por conta da aquisição da ponte rolante (os documentos ora oferecidos com a presente execução, docs. n.ºs 2 a 4, fazem prova de que a Exequente cumpriu, no prazo acordado, a sua prestação transacionada, sendo certo que o cumprimento da prestação da Exequente nunca foi posto em causa pela Executada);
- No entanto, a Executada no prazo estabelecido, ou seja, até 23.01.2023, não procedeu à entrega da ponte rolante usada nas instalações da Exequente;
- Face à não entrega da ponte rolante pela Executada nas instalações da Exequente até à data acordada, 23.01.2023, a Exequente no dia seguinte ao termo do prazo para a entrega da ponte, em 24.01.2023, enviou comunicação à Executada a informar que, tendo em consideração a não entrega da ponte rolante no prazo fixado se consideraria um incumprimento definitivo da transação, com as demais consequências e que, por isso, a Exequente não iria aceitar a posterior entrega da ponte rolante, conforme doc. n.º 5;
- A referida comunicação, com interpelação para pagamento, foi devidamente recebida pela Executada uma vez que, em 31.01.2023, a Executada enviou e-mail à Exequente onde infra se pode ver a comunicação da Exequente enviada em 24.01.2023, de acordo com doc. n.º 6;
- Sabe agora a Exequente que a Executada apenas confirmou o orçamento que requereu junto da empresa Laso – Transportes, S.A. para a entrega da ponte rolante e, em consequência, requereu o seu transporte no dia 23.01.2023 - pedindo que o transporte fosse efetuado na tarde do dia seguinte e para ser entregue à Exequente no dia 25.01.2023, ou seja, após o termo do prazo estabelecido;
- A Executada tem a posse da ponte rolante, tal como é possível verificar na carta enviada por aquela à Exequente datada de 21.04.2023 onde requer a possibilidade de proceder à entrega da ponte, de acordo com doc. n.º 7;
- Embora a Executada já tivesse sido devidamente interpelada para o cumprimento do disposto supra e da perda de interesse na entrega da ponte, a Exequente, mais uma vez, comunicou àquela, mediante carta registada com aviso de receção cuja cópia se junta como doc. n.º 8 que, tendo em consideração o seu incumprimento já não aceitaria a receção da ponte rolante e que a ora Executada tinha o prazo de 8 (oito) dias para proceder ao pagamento da quantia definida na transação no total de €18.450,00;
- A referida missiva foi rececionada pela Executada em 05.05.2023, de acordo com doc. n.º 9;
- No entanto, terminado o prazo ali definido, mais uma vez, a Executada não pagou o valor em dívida resultante do incumprimento da transação, não existindo assim, quaisquer dúvidas no que respeita ao vencimento da obrigação;
- Assim, tendo em consideração o incumprimento da transação pela Executada, é Exequente credora da quantia de €12.950,00, acrescida do valor da transferência bancária efetivada pela Exequente no âmbito da Transação, ou seja, do montante de €5.500,00, bem como dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal até ao efetivo e integral pagamento, bem como as demais despesas.

O título executivo oferecido é a sentença homologatória proferida em 10/01/2023 que julgou válida a transação junta aos autos em 09/01/2023, e, em consequência, condenou as partes a cumpri-la nos seus precisos termos.
A transação tem os seguintes termos:
«Considerando a causa de pedir nos autos e a oposição apresentada pela Ré, as Partes acordam no seguinte:
1. A Ré devolve a ponte rolante usada que havia adquirido à Autora, a qual aceita a sua devolução, aquisição essa que deu origem à Fatura n° FT …/…, datada e vencida em 03/04/2021, no valor de €18.450,00 (dezoito mil, quatrocentos e cinquenta euros).
2. A Autora devolve à Ré o serrote que tem na sua posse, que deu origem à Fatura FA …/…, datada e vencida em 28/05/2021, no valor de €8.302,50 (oito mi, trezentos e dois euros e cinquenta cêntimos).
3. A Autora devolve à Ré, mediante transferência bancária para o IBAN PT …  … da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo de Lisboa, a quantia de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), referente ao valor que foi pago pela Ré por conta da aquisição da ponte rolante.
4. A entrega da ponte rolante e do serrote será efetuada da seguinte forma:
4.1. A Ré irá efetuar o transporte da ponte rolante usada (com todos os seus componentes) para a sede da Autora, ficando as despesas com o referido transporte a cargo da Ré.
4.2. A Autora irá efetuar o transporte do serrote para a sede da Ré, ficando as despesas com o transporte do mesmo a cargo da Autora.
5. A entrega da ponte rolante usada (com todos os seus componentes), do serrote e a transferência bancária referida em 3. será efetuada pelas partes no prazo máximo de 10 (dez) dias, após a homologação da presente transação pelo douto Tribunal.
6. Com a entrega e receção dos bens por ambas as partes e da transferência bancária referida em 3., nos termos acima apresentados, nada mais é exigível à Autora e à Ré relativamente aos bens acima referidos, seja a que título for.
7. Assim, com a presente transação e cumprimento da mesma, a Ré não poderá intentar qualquer ação contra a Autora para indemnização de quaisquer danos causados pela alegada avaria na ponte rolante usada ou outra qualquer ação alusiva à ponte e ao serrote e, por sua vez, a Autora não poderá intentar qualquer ação contra a Ré relativamente à ponte usada e/ou alusivamente ao serrote.
8. Para se considerar a entrega dos bens efetivada, devem os mesmos ser entregues com todos os seus componentes, ou seja, a Ré compromete-se a entregar a ponte rolante no estado exatamente igual ao estado em que a levantou e a Autora compromete-se a entregar o serrote no mesmo estado em que o recebeu, sob pena de se considerar o acordo incumprido, com as demais consequências.
9. No caso de alguma das partes não cumprir o disposto no número 3 a 5. e 8. da presente transação, o ora acordado ficará sem efeito e, em consequência:
9.1. Se a parte faltosa for a Ré, então a mesma confessa-se devedora da Autora da quantia de €12.950,00 (doze mil, novecentos e cinquenta euros), acrescida do valor da transferência bancária efetivada pela Autora com o presente Acordo e estatuída em 3., ou seja, do montante de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), bem como dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal até ao efetivo e integral pagamento, bem como as demais despesas.
9.2. Se a parte faltosa for a Autora, então a mesma confessa-se devedora da Ré da quantia de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) referente ao valor pago pela Ré para a aquisição da ponte usada, bem como do valor do serrote no montante de €8.302,50 (oito mi, trezentos e dois euros e cinquenta cêntimos).
10. No caso de se verificar o estatuído no número 8 da presente transação, a parte não faltosa poderá, de imediato, executar a presente transação para cobrança dos valores em dívida.
11. As partes acordam que as custas do presente processo serão em partes iguais entre Autora e Ré, prescindindo ambas de custas de parte e renunciando ao prazo para recurso do douto despacho que homologará a presente Transação.»

Realizada a primeira penhora, foi a executada notificada, nos termos do disposto no artigo 626.º do CPC, por carta datada de 15/06/2023, expedida em 16/06/2023 e recebida em 20/06/2023 (RA428641040PT, referência Citius 23567070, de 15/06/2023).
Cf. consulta em https://www.ctt.pt/particulares/index ou https://appserver.ctt.pt/CustomerArea/PublicArea_Detail?ObjectCodeInput=RA428641040pt&SearchInput=RA428641040pt&IsFromPublicArea=true, tal carta foi entregue a “AN” às 10:56H do indicado dia 20:

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 (Ref. Citius 23603559, de 21/06/2023, sem conteúdo visualizável, ou seja, não se mostra digitalizado o talão de aviso de receção que consta naquela referência Citius ter sido devolvido “Citação devolvida (AE)”).

Em 21/06/2023, a executada deu entrada a requerimento com o seguinte teor:
«1. A executada tomou conhecimento dos presentes autos executivos na sequência da penhora dos seus saldos bancários;
2. Face ao tempo decorrido sem que qualquer citação para os presentes autos, a efetuar nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 626.º e 856.º do Código de Processo Civil, tivesse sido dirigida à executada, a ora requerente indagou da ausência da mesma junto da Sra. Agente de Execução, tendo sido informada que, por motivos alheios às partes, as citações haviam sido devolvidas pelos serviços dos CTT Portugal com a indicação de endereço insuficiente, não obstante constar das mesmas o endereço completo da executada;
3. A executada pretende, tão breve quanto possível, ser citada para os presentes autos nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 626.º e 856.º do Código de Processo Civil.
4. Posto que, requer a executada que a sua citação seja efetuada na morada dos seus Ilustres Mandatários, nos termos do disposto no número 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil, tendo aqueles poderes necessários e especiais para o efeito.
Juntou procuração com poderes para deduzir oposição.

Em 26/06/2023, a AE efetuou nova notificação da executada, agora na pessoa da Il. Mand., recebida pela destinatária em 03/07/2023, cf. ref. Citius 23749716.

Foram deduzidos embargos e oposição à penhora em 06/07/2023, tendo sido integrados neste processo pelo AE em 07/07/2023, nos quais a executada termina pedindo que:
A. seja julgada procedente a invocada inexequibilidade do título executivo, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 729.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, seja determinada a extinção da presente execução,
B. seja julgada procedente a invocada inexigibilidade da obrigação exequenda, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea e) do artigo 729.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, seja determinada a extinção da presente execução;
C. seja julgada procedente a invocada inexigibilidade da obrigação exequenda, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea e) e g) do artigo 729.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, seja determinada a extinção da presente execução;
D. seja proferida decisão de mérito quanto à inexistência e exigibilidade da obrigação exequenda, nos termos do número 5 do artigo 732.º do Código de Processo Civil;
E. seja ordenada a suspensão da presente execução sem que seja prestada caução, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do número 1 do artigo 733.º do Código de Processo Civil;
F. seja substituída a penhora que incide sobre os saldos bancários da executada nos termos pugnados;
G. seja reconhecida a má fé da exequente e, em consequência, a mesma condenada: a. à receção da ponte rolante usada a entregar pela executada; b. à condenação do exequente em litigante de má fé; c. à condenação do exequente nos termos do disposto na alínea a) do número 1 e número 3 do artigo 543.º do Código de Processo Civil.

Em 13/07/2023, foi proferido despacho que, sem receber os embargos, rejeitou a execução, com a seguinte fundamentação:
«Compulsados os autos, na sequência da apreciação liminar da oposição à execução deduzida pelo executado – uma vez que, atenta a natureza do título executivo, os presentes autos não foram remetidos para despacho liminar –, constata-se que AVJ & Filho, Lda., intentou a presente execução, para cobrança coerciva da quantia de €19.027,74 contra Questão D Ocasião, Lda., com base em transação homologada por sentença transitada em 13- 02-2023, proferida no processo …/…, que correu termos no juiz 1 Juízo Local Cível de Sintra.
(…)
De entre as várias espécies de título executivo taxativamente previstas no n.º 1 do artigo 703.º correspondente ao anterior art.º 46.º do CPC, figura, logo à cabeça (alínea a), a sentença condenatória, em que se incluem as sentenças homologatórias que contenham, explícita ou implicitamente, a condenação do devedor numa determinada prestação patrimonial, como ocorre nos casos de sentença homologatória de uma transação. Normalmente nestes casos, a definição da prestação objeto de condenação tem de ser feita em função do teor do acordo homologado.
No entanto, importa, desde já, não confundir a exequibilidade do título, como requisito de certeza para efeitos de acesso direto à ação executiva, com a validade e eficácia probatória do documento em causa quanto aos factos constitutivos da obrigação nele espelhada. Na verdade, a exequibilidade do título respeita apenas ao chamado “acertamento” do direito exequendo em termos de dispensar a prévia ação declarativa, mas não altera, por si só, as regras do ónus da prova quanto aos factos constitutivos da obrigação, que terão de ser equacionadas nos termos gerais, incluindo a força probatória atribuída à espécie de documento em causa.
Nas palavras do Professor Lebre de Freitas “a função executiva do documento, embora pressupondo sempre a sua força probatória, não se confunde com ela e o documento constitui base da ação executiva, com autonomia relativamente à atual existência da obrigação …”. Segundo o mesmo Autor “a exequibilidade distingue-se não só da validade e da eficácia (efeitos) do ato titulado, mas também da validade e da eficácia (força probatória), do próprio documento”.
Em suma, o título executivo expressa a exequibilidade extrínseca da obrigação, sendo através da verificação dos seus requisitos que se afere a idoneidade do objeto da pretensão executiva. Por isso mesmo, o título executivo, assume a natureza de um pressuposto processual específico da ação executiva, constituindo um dos requisitos de admissibilidade da mesma, vide Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da reforma da reforma, Coimbra Editora, 5.ª Edição, 2009, pág. 32-33.
Por outro lado, há que distinguir essa exequibilidade extrínseca de outros requisitos exigidos para a obrigação exequenda, nos termos do artigo 713.º correspondente ao anterior artigo 802.º do CPC, como são a certeza, a exigibilidade e a liquidez dessa obrigação, genericamente designados por requisitos de exequibilidade intrínseca, ressalvada a hipótese do n.º 6 do art.º 704.º do mesmo Código, os quais, não interferindo com a exequibilidade do título, se dele não constarem, devem ser liminarmente preenchidos pelo exequente através dos procedimentos previstos nos artigos 714.º a 716.º do CPC.
No caso vertente, o título dado à execução consiste numa sentença homologatória de um acordo de transação do qual, como já ficou acima dito, consta a obrigação da executada devolver à exequente a “ponte rolante”, por seu lado, a exequente devolve à executada “o serrote” e o montante de €5.500,00”
Com vista a tal transmissão/devolução, quer a executada, quer a exequente assumiram as despesas com o transporte.
(…)
Nessa conformidade, do acordo de transação exequendo emergem obrigações principais de prestação de facto positivo, obrigações, também de prestação de facto positivo, mas secundárias, instrumentais ou acessórias daquelas prestações principais, e a par disso, ficou estipulado, para o caso de incumprimento de qualquer dessas obrigações, uma cláusula penal compensatória, nos termos previstos nos artigos 810.º e 811.º, n.º 1, do CC.
Ora, o que o exequente pretende com a presente execução é precisamente efetivar essa obrigação de indemnização, o mesmo é dizer, acionar a referida cláusula penal.
Sucede que tal obrigação de indemnização tem como factos constitutivos não só o acordo celebrado, mas, nuclearmente, a pretensa situação de incumprimento definitivo das obrigações de prestação de facto ali assumidas, sendo que este incumprimento se consubstanciaria em factos ocorridos já na fase de execução do acordo homologado e, portanto, ulteriores à formação do próprio título, recaindo sobre o credor o ónus de provar tal incumprimento, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC.
Em tais circunstâncias, a alegada situação de incumprimento, enquanto fundamento da obrigação de indemnização peticionada, que, de resto, constitui o epicentro do presente litígio, não se encontra coberta pelo caso julgado da sentença homologatória aqui dada à execução, o que, por sua vez, obsta a que se possa extrair desta sentença uma condenação implícita dos ali devedores e ora executados naquela obrigação. 
Ou seja, constando de transação homologada por sentença uma cláusula de indemnização devida pelo eventual não cumprimento definitivo das obrigações de prestação de facto ali assumidas, não se têm por compreendidas no âmbito da eficácia do caso julgado dessa sentença nem a situação de incumprimento definitivo verificada posteriormente nem a obrigação de indemnização que desta possa decorrer, vide neste sentido o Ac. STJ datado de 30.04.2015 e 12.07.2018, ambas disponíveis n www.dgsi.pt.  Assim, não tendo, por certificada a obrigação exequenda no título dado à execução, não resta senão concluir pela sua inexequibilidade ou manifesta insuficiência, vício este insuprível e determinativo da extinção da execução nos termos dos artigos 734.º e 726.º, n.º 2, alínea a), do CPC. 
Assim sendo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 734.º e 726.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Civil, se rejeita a presente execução.»

A exequente não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«A. Vem o presente Recurso interposto do douto Despacho de fls., que determinou a rejeição da execução, face ao Tribunal a quo considerar que o título executivo era inexequível.
B. Entende a Recorrente, com a devida vénia por douto entendimento, que se verificou, no processo de formação da convicção da Meritíssima Juiz a quo, erros na aplicação do Direito e na valoração dos factos, inexistindo qualquer fundamento legal para considerar a transação homologada por sentença inexequível e, por isso, determinar a extinção da instância.
C. De acordo com o Tribunal a quo, a transação homologada por sentença com uma cláusula de indemnização devida pelo eventual não cumprimento definitivo das obrigações de prestação de facto ali assumidas, não se tem por compreendida no âmbito da eficácia do caso julgado dessa sentença e, por isso, concluiu pela inexequibilidade ou manifesta insuficiência do título.
D. No entanto, entende a Recorrente que não se encontra a acionar uma cláusula penal, mas sim uma confissão de dívida devidamente celebrada pela Executada, através do seu mandatário com poderes especiais para confessar e transigir, e homologada por sentença, razão pela qual entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu na errada aplicação do Direito e valoração dos factos, como se disse.
E. Ora, a Recorrente intentou injunção contra a Executada requerendo o pagamento da quantia de €14.135,82 (catorze mil cento e trinta e cinco euros e oitenta e dois cêntimos), alusivo a uma ponte rolante usada que tinha vendido àquela e cujo preço apenas tinha sido pago parcialmente.
F. No âmbito do referido processo, as partes chegaram a acordo sobre o litígio, sob a forma de transação, nos termos da qual a Executada devolveria à Exequente a ponte rolante e a Exequente devolveria à Executada um serrote e o montante de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), no prazo de 10 (dez) dias.
G. Ficou também acordado que, em caso de incumprimento de tais obrigações que:
9.1. Se a parte faltosa for a Ré, então a mesma confessa-se devedora da Autora da quantia de €12.950,00 (doze mil, novecentos e cinquenta euros), acrescida do valor da transferência bancária efetivada pela Autora com o presente Acordo e estabelecida em 3., ou seja, do montante de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), bem como dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal até ao efetivo e integral pagamento, bem como as demais despesas.
9.2. Se a parte faltosa for a Autora, então a mesma confessa-se devedora da Ré da quantia de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) referente ao valor pago pela Ré para a aquisição da ponte usada, bem como do valor do serrote no montante de €8.302,50 (oito mi, trezentos e dois euros e cinquenta cêntimos).
H. Por fim, estabeleceram que “10. No caso de se verificar o estatuído no número 8 da presente transação, a parte não faltosa poderá, de imediato, executar a presente transação para cobrança dos valores em dívida.
I. A transação foi homologada por sentença no dia 10.01.2023 e notificada às partes no mesmo dia.
J. A Recorrente (ali Exequente) cumpriu a sua obrigação e, em consequência, procedeu à entrega do serrote e transferiu para a Executada a quantia €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), dentro do prazo fixado.
K. No entanto, a Executada não procedeu à entrega da ponte rolante nas instalações da Recorrente no prazo estipulado e, por isso, a Exequente (aqui Recorrente) executou a transação homologada por sentença.
L. Na sua oposição à execução, mediante embargos de executada, a Executada (aqui Recorrida) confessa que não entregou a ponte rolante no prazo definido e, em lugar algum, levanta qualquer questão alusiva à exequibilidade do título, mormente da cláusula penal – oposição que nem tão pouco foi objeto de análise pelo Tribunal a quo.
M. Determina o artigo 1248º do CC, que a transação é o contrato pelo qual as partes terminam um litígio mediante recíprocas concessões, que podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.
N. Por sua vez, o artigo 290.º, n.ºs 1 e 3 do CPC determina que a transação pode ser efetuada por documento particular e, examinada a mesma quanto ao seu objeto e à qualidade dos intervenientes, se se entender como válida, é como tal declarada por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos.
O. A transação dos autos injuntivos foi objeto de exame pelo douto Tribunal quanto ao seu objeto e quanto à qualidade dos intervenientes e, entendendo-a válida, o Meritíssimo Juiz declarou-o por sentença, condenando as partes nos termos acordados.
P. O Tribunal julgou “(...) válida e operante a transação” e condenou as partes a cumprir a transação “(...) nos seus precisos termos”, razão pela qual entende a Recorrente que o Tribunal reconheceu como válida e operante a confissão de dívida da Executada (ali Ré) na cláusula 9.1. onde se pode ler “Se a parte faltosa for a Ré, então a mesma confessa-se devedora da Autora da quantia de €12.950,00 (doze mil, novecentos e cinquenta euros), acrescida do valor da transferência bancária efetivada pela Autora com o presente Acordo (…)” (Negrito e sublinhado nosso).
Q. Na transação não se lê que o montante que a parte faltosa se confessou devedora se traduz numa cláusula penal, como o douto Tribunal a quo leva a crer na sentença que ora se recorre.
R. Acresce que, as partes estabeleceram ainda na aludida transação, que o Tribunal julgou “(...) válida e operante a transação”, que a parte não faltosa poderia, de imediato, executar a transação para cobrança dos valores em dívida (cfr. Cláusula 10. da transação).
S. A transação dada à execução envolveu a constituição de direitos diversos do direito controvertido, ou seja, a confissão da Executada numa dívida no montante de €18.450,00 (€12.950,00 + €5.500,00), bem como dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal até ao efetivo e integral pagamento, bem como as demais despesas (cfr. Cláusula 9.1 da transação).
T. Por outro lado, determina o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. n.º 2676/15.5T8PNF-C.P1, proferido em 20.09.2021, relator Nelson Fernandes e disponível em www.dgsi.pt que “A transação exarada no processo, que põe termo ao litígio entre as partes, constitui um contrato processual, concretizando um negócio jurídico efetivamente celebrado pelas partes intervenientes na ação, correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita. A decisão judicial corporizada na homologação da transação, constituindo um ato jurídico, deve interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos e, neste contexto, terá o intérprete de indagar qual a vontade das partes aí exteriorizada, de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo possam ser clarificadas e tomem um sentido definitivamente exato.” (Negrito e sublinhado nosso).
U. Entende a Recorrente que, a intenção das partes na transação é clara e inequívoca – caso uma das partes não procedesse à entrega do bem no prazo fixado, então confessar-se-ia devedora da outra na quantia estatuída na cláusula 9 da transação.
V. Ora, a aludida cláusula da transação homologada por sentença traduz uma confissão de dívida que poderia ser, de imediato, executada, uma vez que a cláusula 10 da transação homologada por sentença é, igualmente, inequívoca, ao estabelecer que a parte não faltosa poderá, de imediato, executar a presente transação para cobrança dos valores em dívida.
W. A aludida cláusula não refere que a parte não faltosa poderá executar a transação para obrigar a parte faltosa a proceder à entrega do bem.
X. A transação refere, expressamente, que a parte não faltosa poderá executar a transação, de imediato, para cobrança dos valores em dívida.
Y. Entende a Recorrente que os valores em dívida apenas poderão corresponder aos montantes que a parte faltosa se confessou devedora na cláusula 9. da transação.
Z. Assim sendo, a intenção das partes na transação sempre foi a de executar a sentença para cobrança dos valores confessados em 9., no caso de não procederem à entrega dos bens no prazo estipulado.
AA. E, como se disse, quanto à entrega dos bens no prazo estipulado, ficou demonstrado, através dos documentos juntos aos autos pela Recorrente na ação executiva que a Recorrida não procedeu à entrega da ponte rolante dentro do prazo acordado – factos que acabam por ser confessados pela Executada na sua oposição à execução, mediante embargos de executada (apesar das desculpas suscitadas pela mesma para a não entrega e que, no entender da Recorrente, não relevam para a apreciação do presente recurso).
BB. Em conclusão, entende a Recorrente que a sentença que serviu de título executivo à ação executiva não é manifestamente insuficiente e/ou inexequível, razão pela qual deve a sentença recorrida ser substituída por outra que determine o prosseguimento da instância executiva, com a concreta análise dos embargos de executada (embargos onde qualquer questão foi suscitada relativamente à exequibilidade da sentença, por alegada falta de título, como se disse), prosseguindo a ação execução os seus ulteriores termos.
CC. Com o devido respeito, que é muito, as partes têm de confiar que a sua intenção na redação do acordo, sob a forma de transação e homologada por sentença, seja válida, eficaz, exigível e exequível, só assim se confiando nos princípios orientadores que fundam o nosso Estado de Direito.
DD. No entanto, caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese académica se admite, sempre se dirá que a cláusula 9 estatuída na transação traduz uma cláusula penal indemnizatória, homologada por sentença pelo douto Tribunal e, enquanto tal, poderá ser objeto de execução.
EE. Tem sido entendimento unânime na jurisprudência que, a cláusula penal estatuída no artigo supracitado engloba, num conceito amplo, dentro de si cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsórias.
FF. Nas cláusulas penais indemnizatórias o acordo das partes tem por exclusiva finalidade liquidar a indemnização devida em caso de incumprimento definitivo, de mora ou cumprimento defeituoso, já nas cláusulas penais compulsórias, o acordo das partes tem por finalidade compelir/pressionar o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento.
GG. Nesta parametrização, releva a intenção das partes no estabelecimento da concreta cláusula, devendo o intérprete socorrer-se do disposto nos art.ºs 236.º a 239.º do CC.
HH. Da conjugação dos factos supra expostos e tal como decorre do sentido normal da declaração interpretada à luz do art.º 236.º do CC, as partes fixaram, antecipadamente, o valor devido da indemnização, em caso de incumprimento do acordo lavrado na transação.
 II. Neste contexto veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. n.º 95/05.0TBCTB-H.C1, proferido por unanimidade em 20-06-2017, relator Isaías Pádua e disponível em www.dgsi.pt onde se pode ler “Na sentença recorrida, o sr. juiz a quo enquanto considerou a parte da cláusula penal que fixou uma de indemnização em €5.000,00, no caso de os executados não cumprirem o ali acordado (Cl. 2ª.) no prazo fixado (90 dias contados a partir da data da transação – Cl. 1ª), como sendo indemnizatória, já a outra parte da cláusula (que aqui está em causa e que estipulou em €100,00 o valor a pagar pelos executados por cada dia que passar, decorridos aqueles 90 dias, sem cumprirem a obrigação ali assumida) foi catalogada como sendo de natureza compulsória.” (Negrito e sublinhado nosso).
JJ. E continua referindo “Estamos em sintonia com essa catalogação, pois na realidade, como ali se afirma, e se extrai da conjugação dos fatos e decorre do sentido normal da declaração interpretada à luz do art.º 236º do CC, enquanto naquela primeira parte da cláusula as partes fixaram, antecipadamente, o valor devido da indemnização (numa liquidação antecipada do dano futuro) em caso de incumprimento do acordo lavrado na transação, já naquela outra 2ª. parte da cláusula dela se extrai que a sua finalidade é exclusivamente compulsória, sem que cariz indemnizatório, pois que o seu escopo é compulsivo-sancionatório a pressionar o devedor (neste caso os executados) ao cumprimento da obrigação que ali assumiram perante o credor/exequente, sendo também para nós inquestionável que elas são cumuláveis entre si, dado que visam alcançar fins diferentes.”
KK. Entende a Recorrente que se o partes fixaram, antecipadamente, o valor devido da indemnização, em caso de incumprimento do acordo lavrado na transação, então conclui-se que a cláusula  9. da transação e objeto de execução é uma clausula indemnizatória e se tal cláusula é exequível à luz do Acórdão supra citado, entende a Recorrente que deverá ser exequível nos presentes autos e, por isso, executável.
LL. Mas mais, tal como já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Acórdão proferido no Proc. n.º 08S2056, em 22-10-2008, relator Bravo Serra e disponível em www.dgsi.pt, entende a Recorrente que sempre caberia ao devedor (Recorrido) o ónus de prova correspondente, ou seja, caberia ao Recorrido a prova de que não ocorreu o incumprimento, o que não sucedeu – e tal prova só poderia ser objeto de análise em sede de embargos de executada.
MM. Em conclusão, o título dado à execução é exequível, uma vez que a transação foi homologada por sentença e constitui uma confissão de dívida, devidamente outorgada pelo mandatário com poderes especiais para o efeito.
NN. Salvo melhor e douta opinião, a Recorrente entende que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos e aplicação do Direito ao caso, tendo violado as disposições dos artigos 704º e 626º do CPC.
OO. Nesta conformidade, deverá ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e substituída por outra que determine o prosseguindo a execução, face à exequibilidade do título.
PP. A sentença recorrida não pode subsistir e impõe-se a sua revogação.»

A executada não apresentou contra-alegações.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, coloca-se a questão de saber se o título dado à execução é inexequível por ser manifesta a sua insuficiência (como decidiu o tribunal a quo), ou, acrescentemos, por qualquer outra razão.

II. Fundamentação de facto
Os factos relevantes são os que constam do relatório, dando-se, ainda, por reproduzidos nos seus precisos termos a transação e respetiva sentença homologatória que constituem o título executivo dos presentes autos, e que, por facilidade de exposição, serão reproduzidas ipsis verbis na parte seguinte.

III. Apreciação do mérito do recurso
Relembremos, em síntese, os factos essenciais.
No âmbito de uma ação, que teve origem em oposição deduzida pela ora executada a um procedimento de injunção deduzido pela ora exequente, as partes, em 09/01/2023, chegaram a acordo nos seguintes termos:
«(…)
1. A Ré devolve a ponte rolante usada que havia adquirido à Autora, a qual aceita a sua devolução, aquisição essa que deu origem à Fatura nº FT …/…, datada e vencida em 03/04/2021, no valor de €18.450,00 (dezoito mil, quatrocentos e cinquenta euros).
2. A Autora devolve à Ré o serrote que tem na sua posse, que deu origem à Fatura FA …/…, datada e vencida em 28/05/2021, no valor de €8.302,50 (oito mi, trezentos e dois euros e cinquenta cêntimos).
3. A Autora devolve à Ré, mediante transferência bancária para o IBAN PT … 0… da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo de Lisboa, a quantia de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), referente ao valor que foi pago pela Ré por conta da aquisição da ponte rolante.
4. A entrega da ponte rolante e do serrote será efetuada da seguinte forma:
4.1. A Ré irá efetuar o transporte da ponte rolante usada (com todos os seus componentes) para a sede da Autora, ficando as despesas com o referido transporte a cargo da Ré.
4.2. A Autora irá efetuar o transporte do serrote para a sede da Ré, ficando as despesas com o transporte do mesmo a cargo da Autora.
5. A entrega da ponte rolante usada (com todos os seus componentes), do serrote e a transferência bancária referida em 3. será efetuada pelas partes no prazo máximo de 10 (dez) dias, após a homologação da presente transação pelo douto Tribunal.
6. Com a entrega e receção dos bens por ambas as partes e da transferência bancária referida em 3., nos termos acima apresentados, nada mais é exigível à Autora e à Ré relativamente aos bens acima referidos, seja a que título for.
7. Assim, com a presente transação e cumprimento da mesma, a Ré não poderá intentar qualquer ação contra a Autora para indemnização de quaisquer danos causados pela alegada avaria na ponte rolante usada ou outra qualquer ação alusiva à ponte e ao serrote e, por sua vez, a Autora não poderá intentar qualquer ação contra a Ré relativamente à ponte usada e/ou alusivamente ao serrote.
8. Para se considerar a entrega dos bens efetivada, devem os mesmos ser entregues com todos os seus componentes, ou seja, a Ré compromete-se a entregar a ponte rolante no estado exatamente igual ao estado em que a levantou e a Autora compromete-se a entregar o serrote no mesmo estado em que o recebeu, sob pena de se considerar o acordo incumprido, com as demais consequências.
9. No caso de alguma das partes não cumprir o disposto no número 3 a 5. e 8. da presente transação, o ora acordado ficará sem efeito e, em consequência:
9.1. Se a parte faltosa for a Ré, então a mesma confessa-se devedora da Autora da quantia de €12.950,00 (doze mil, novecentos e cinquenta euros), acrescida do valor da transferência bancária efetivada pela Autora com o presente Acordo e estatuída em 3., ou seja, do montante de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), bem como dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal até ao efetivo e integral pagamento, bem como as demais despesas.
9.2. Se a parte faltosa for a Autora, então a mesma confessa-se devedora da Ré da quantia de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) referente ao valor pago pela Ré para a aquisição da ponte usada, bem como do valor do serrote no montante de €8.302,50 (oito mi, trezentos e dois euros e cinquenta cêntimos).
10. No caso de se verificar o estatuído no número 8 da presente transação, a parte não faltosa poderá, de imediato, executar a presente transação para cobrança dos valores em dívida.
11. As partes acordam que as custas do presente processo serão em partes iguais entre Autora e Ré, prescindindo ambas de custas de parte e renunciando ao prazo para recurso do douto despacho que homologará a presente Transação.»

A transação vinda de transcrever foi homologada por sentença de 10/01/2023, com o seguinte teor:
«(…)
Considerando a livre disponibilidade do objecto sobre que incide a relação jurídica controvertida e tendo em conta a qualidade dos intervenientes, tendo os I. Mandatários das partes procuração com poderes especiais para transigir, ao abrigo do disposto nos art.ºs 283.º n.º 2, 284.º e 290.º n.º 1, todos, do Código de Processo Civil, julgo válida e operante a transação junta em 09.01.2023, em consequência do que condeno as partes a cumpri-la nos seus precisos termos, declarando, por consequência, extinta a instância (nos termos do art.º 277.º, al. d) do mesmo Código).
*
Custas, pela forma acordada (art.º 537.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
*
Valor da acção: 14 033,82€ (catorze mil e trinta e três euros e oitenta e dois cêntimos) - art.º 18.º do Regime Anexo ao D.L. 269/98, de 1 de Setembro, aplicável ex vi do art.º 10.º, n.º 4, do D.L. n.º 62/2013, de 10 de Maio e art.º 306.º do Código de Processo Civil.
*
Registe e notifique.
***
Tendo em conta o ora decidido, dou sem efeito a realização do julgamento agendado para o dia de hoje (10.01.2023), às 9:30 h.
Notifique e desconvoque.»

A exequente alegou o incumprimento do acordo judicialmente homologado.
Não se nos oferecem quaisquer dúvidas sobre o título dado à execução – sentença homologatória proferida em 10/01/2023 que julgou válida a transação junta aos autos em 09/01/2023, e, em consequência, condenou as partes a cumpri-la nos seus precisos termos –, nem sobre a sua exequibilidade.
Na referida transação, as partes acordaram realizar determinadas ações em dado período de tempo; e acordaram também que, se a autora cumprisse e a ré não, que a ré se confessava desde logo devedora da autora da quantia de €12.950,00 (doze mil, novecentos e cinquenta euros), acrescida do valor da transferência bancária efetivada pela autora com o presente acordo e estatuída em 3., ou seja, do montante de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), bem como dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal até ao efetivo e integral pagamento, bem como as demais despesas.
Mais acordaram e foi judicialmente homologado que, no caso de incumprimento, a parte não faltosa poderia, de imediato, executar a presente transação para cobrança dos valores em dívida.
É o que a autora, que alegou o incumprimento da ré, justamente está a fazer.
A sentença homologatória da transação em causa nos autos é, pelo seu conteúdo, uma sentença condenatória, título que por excelência pode servir de base à execução (artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do CPC). A mesma sentença transitou em julgado, pelo que é dotada de exequibilidade (artigo 704.º, n.º 1, do CPC), pois não se verifica qualquer outra situação que impeça a sua imediata execução (n.ºs 2 a 6, a contrario sensu, do artigo 704.º do CPC).
No caso dos autos, a certeza e exigibilidade da obrigação exequenda (consubstanciada na confissão de dívida constante do n.º 9.1. da transação homologada) dependem de dois fatores:
Em primeiro lugar, da alegação e prova pelo credor, no próprio requerimento executivo, de que efetuou a sua prestação, uma das condições da efetividade da confissão. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 715.º do CPC, quando a obrigação esteja dependente de uma prestação por parte do credor, como era o caso, tem o credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que efetuou a prestação; quando a prova não possa ser feita por documentos, o credor, ao requerer a execução, oferece de imediato as respetivas provas e o juiz decide depois de apreciar sumariamente a prova produzida, a menos que entenda necessário ouvir o devedor antes de proferir decisão. A contestação do executado só pode ter lugar em oposição à execução. No caso sub judice, a exequente, nos pontos 13 e 14 do requerimento executivo inicial, alegou ter efetuado as prestações que sobre si impendiam, da seguinte forma:
«13. No prazo transacionado e homologado por sentença, ou seja, até dia 23.01.2023 (já aqui tendo em consideração o prazo da presunção da notificação da sentença estatuído no art.º 248 do CPC), a Exequente cumpriu os termos acordados, ou seja:
13.1. A Exequente contratou a empresa Transportes Cá Vai Sinta, Lda., pessoa coletiva n.º … e com sede sita em Rua …, Almargem do Bispo para proceder ao transporte do serrote para as instalações da Executada;
13.2. A empresa Transportes Cá Vai Sinta, Lda. no dia 18.01.2023 levantou, das instalações da Exequente, o serrote e, no dia seguinte, procedeu à entrega do mesmo na sede da Executada, tudo conforme guia de transporte emitida pela referida sociedade e assinada pelo Expedidor (Exequente), Transportador (Transportes Cá Vai Sinta, Lda.) e pelo Destinatário (Executada) que se junta como doc. n.º 2;
13.3. O transporte do serrote para as instalações da Executada ficou a cargo da Exequente, conforme tinha sido acordado e de acordo com fatura emitida pela Transportes Cá Vai Sinta, Lda. à Exequente que se anexa como doc. n.º 3; e
13.4. No dia 20.01.2023 a Exequente procedeu à transferência da quantia de €5.500,00 para o IBAN da Exequente, referente ao valor que aquela tinha pagado por conta da aquisição da ponte rolante, conforme comprovativo de transferência bancária que se junta como doc. n.º 4.
14. Os documentos ora oferecidos com a presente execução (cfr. doc. n.º 2 a 4) fazem prova de que a Exequente cumpriu, no prazo acordado, a sua prestação transacionada, sendo certo que o cumprimento da prestação da Exequente nunca foi posto em causa pela Executada
Juntou os aludidos documentos, comprovativos do alegado.
Em segundo lugar, tinha a exequente de alegar o incumprimento pela executada das obrigações por si assumidas na mesma transação, o que fez. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC, no requerimento executivo, o exequente expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo.
O título é, pois, exequível, tendo a exequente, no seu requerimento inicial, dito e provado o necessário para tornar a obrigação exequenda (dívida confessada no ponto 9.1. da transação) certa, exigível e líquida (artigo 713.º do CPC).
Estando as condições de exigibilidade da obrigação suficientemente demonstradas, no que respeita ao cumprimento da exequente, e alegadas, no que respeita ao incumprimento da executada, poderia esta, em sede de embargos, alegar e provar que cumpriu as ditas condições ou que a autora não tinha cumprido as suas. Mas tanto é matéria que transcende os presentes autos (os embargos ainda não foram sequer liminarmente recebidos).

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente procedente a apelação, revogando o despacho recorrido e determinando o prosseguimento da execução (nomeadamente com a apreciação dos embargos de executado e oposição à penhora).

Custas pela executada.

Lisboa, 25/01/2024
Higina Castelo
José Manuel Monteiro Correia
Carlos Castelo Branco