Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26734/20.5T8LSB.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE ASSEMBLEIA GERAL DE SINDICATO
RENOVAÇÃO DA DELIBERAÇÃO
SEGUNDA DELIBERAÇÃO
CAUSA PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Sumário: I - Estando em causa um sindicato, ou seja, uma pessoa colectiva de direito privado, o mesmo rege-se pelos respectivos estatutos e pelas disposições que resultam dos art.ºs 167º e seguintes do C.Civil, referentes às associações.
II – Detectando-se, sobre alguma matéria, lacunas nos estatutos do Sindicato, ou no Código Civil, será possível, apelando à analogia, recorrer às normas respeitantes às sociedades comerciais.
É o que acontece quanto à questão da renovação das deliberações, não prevista nos Estatutos do Réu e não prevista no C.Civil, mas com assento no artigo 62º do CSC.
III - No caso de invalidade de deliberação, a lei, ciente da insegurança e incerteza daí advenientes, susceptíveis de prejudicar a sociedade e os sócios, permite que estes, em certos casos respeitantes a vícios de procedimento (que não de conteúdo), adoptem uma segunda deliberação que, pelo menos para o futuro, ou mesmo com efeitos ex tunc, salvaguarde a deliberação inicial, colmatando os respectivos vícios, sejam eles reais ou apenas imputados, por forma a, neste último caso, evitar a dúvida sobre a deliberação, dado que os sócios pretendem conservar os seus efeitos jurídicos.
IV – Pressupõe-se, no entanto, a validade da deliberação renovada.
V – Se o Autor contestar judicialmente, em acção autónoma, a validade da deliberação renovada, deve a acção em que impugnou a deliberação originária ser suspensa nos termos do artigo 272º do CPC., até que seja proferida decisão naquela acção, por a mesma constituir uma causa prejudicial em relação a esta.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
AA intentou a presente acção declarativa com processo especial contra o Sindicato Nacional do Ensino Superior, pedindo,
1.º Suspensão imediata das deliberações em matéria de revisão de Estatutos, consideradas aprovadas e adotadas no Ponto n.º 4 da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral, de 20 de novembro de 2020, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 168.º do Código de Processo de Trabalho e art.º 380.º e seguintes do Código Civil, verificado que está o dano apreciável, nos termos requeridos no Procedimento Cautelar que corre termos sob o número 26127/20.4T8LSB, no Juiz 8, do Juízo de Trabalho de Lisboa, cuja apensação à presente ação, desde já se requer;
2.º Anulação das deliberações em matéria de revisão de Estatutos consideradas aprovadas e adotadas no Ponto n.º 4 da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral, de 20 de novembro de 2020, nos termos previstos no disposto no art.º 177.º do Código Civil, em virtude do circunstancialismo descrito no que respeitou à sua convocação e funcionamento e às violações cometidas, mas, também, ao abrigo dos números 1 e 3 do art.º 175.º do Código Civil, devidamente conjugado com os requisitos impostos no Artigo 25.º dos Estatutos, no que à falta de quórum deliberativo e constitutivo concerne;
3.º Anulação da deliberação de eleição da Direção aprovada e adotada no Ponto n.º 2 da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral, de 20 de novembro de 2020, nos termos previstos no disposto no art.º 177.º do Código Civil, por violar a lei e os Estatutos do Sindicato, conforme supra se explanou;
e como pedido subsidiário, caso o pedido principal não proceda,
Declaração de anulabilidade de quaisquer deliberações da Direção, incluindo da sua Comissão Permanente, enquanto pertencerem ao órgão, mais de oito membros eleitos para o Conselho Nacional;
4.º Anulação da deliberação de eleição da Comissão de Fiscalização e Disciplina aprovada e adotada no Ponto n.º 3, da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral, de 20 de novembro de 2020, ao abrigo do disposto no art.º 177.º do Código Civil, por violar a lei e os Estatutos do Sindicato, nos termos supra expostos;
e, como pedido subsidiário, caso o pedido principal, não proceda,
Declaração de anulabilidade de quaisquer deliberações da Comissão de Fiscalização e Disciplina, incluindo da sua Comissão Permanente, enquanto pertencerem ao órgão membros eleitos para o Conselho Nacional.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o douto suprimento de V. Exa., deve a presente ação ser julgada totalmente procedente, declarando-se, em consequência, a suspensão e anulação da deliberação tomada no Ponto 4 da Ordem de Trabalhos, no que respeita à revisão de Estatutos e a anulação das deliberações tomadas nos Pontos 2 e 3 na Assembleia Geral do R. SNESup, todas tituladas nas atas datadas de 27 de novembro de 2020.
Alega, em síntese, que
- lançado que foi um processo deliberativo não eleitoral durante a vigência de um processo eleitoral, os presidentes da Direcção e da Mesa da Assembleia Geral integravam a mesma lista que os membros da Comissão de Fiscalização e Disciplina em funções, no âmbito das quais se deveriam pronunciar sobre os actos praticados nesse processo deliberativo não eleitoral, o que compromete de forma irremediável os princípios da organização e da gestão democráticas, de rigor e de isenção, que dificilmente podem ser observados quando coincidem Assembleias Gerais eleitorais e não eleitorais;
- impugnou em acção judicial a revisão dos Estatutos aprovada em 19 de Julho de 2019;
 - em 2020 foi convocada e realizada uma Assembleia Geral do Réu, simultaneamente eleitoral e de revisão extraordinária dos Estatutos;
- ambas as assembleias regem-se por regras diferentes quanto aos sócios autorizados a votar;
- foi determinado que ambas as assembleias realizar-se-iam com base nos cadernos eleitorais reportados a 1 de Setembro de 2020, o que efectivamente aconteceu, e ofende gravemente os direitos dos associados inscritos entre o dia 1 de Setembro e o dia 20 de Novembro de 2020, data da realização da assembleia, e que não puderam efetivamente exercer o seu direito de voto estatutária e legalmente consagrado;
- o período de convocação da Assembleia Geral de revisão dos Estatutos não foi publicado no sítio do Réu na internet, facto que não permite verificar em que termos foi requerida a Assembleia, e se foi requerida, e se o autor do pedido foi o Presidente da Direcção, ou a própria Direcção;
- não houve pedido de convocação, mas apenas a remessa de uma proposta não assinada, pelo que deveria a convocação da Assembleia Geral de 20 de Novembro de 2020, que, segundo os Estatutos, não pode ser feita pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral por iniciativa própria, ser tida por inexistente e nenhum efeito produzir;
- na ordem de trabalhos constante da convocatória, não é mencionada qualquer “imposição legal” que fundamente o recurso a um procedimento simplificado de revisão dos Estatutos e que, a existir, deveria ter revestido a forma de intimação do MP ou da DGERT, em consequência de uma apreciação fundamentada sobre a anterior revisão dos Estatutos;
- é imprescindível o acordo da Comissão de Fiscalização e Disciplina para determinar se as propostas de alteração de Estatutos a submeter a votação, obedecem aos requisitos legais e estatutários, mas a Comissão só veio a reunir a 15 de Outubro de 2020, depois de já estar definido o processo de votação, sendo evidente, pela análise da acta, que a deliberação da Mesa influenciou a votação;
- nesta reunião, cinco membros da Comissão de Fiscalização e Disciplina referem que relativamente às propostas sob o ponto 4 da Ordem de Trabalhos, a CFD emitiu parecer favorável em relação às 3 propostas apresentadas, sem justificarem tal parecer, deliberação essa que deve ser tida como inexistente, portanto, impeditiva de submissão à Assembleia Geral das propostas em causa;
- quanto ao requerimento do Autor, relativo à admissibilidade a votação das propostas recebidas, bem como ao método de votação, refere-se que “suscitou da parte da CFD uma apreciação que confirma, globalmente, as propostas se enquadram dentro da intimação remetida pela DGERT”;
- não podem ser admitidas propostas por “globalmente” se enquadrarem dentro dos critérios , devendo, com rigor, ser excluídas as partes que não se enquadrem, como é o caso da Proposta A, na parte em que pretende eliminar quase por completo o artigo 25º dos Estatutos;
- impugnou o método de votação das Propostas apresentadas, tendo sido apresentado recurso;
 - a Comissão de Fiscalização e Disciplina analisou erradamente o recurso, entendendo-o como se se tratasse de um pedido de suspensão da Assembleia Geral Eleitoral, sem alcançar que este aludia meramente ao efeito suspensivo do recurso previsto no nº4 do artigo 3º do Regulamento de Funcionamento da Assembleia Geral;
- este erro deixou a decisão final sobre a definição do método de votação para a esfera do Conselho Nacional, que deveria ter ocorrido antes da Assembleia Geral para preparar a discussão entre os sócios e fixar o processo de votação, bem como para aprovar as próprias propostas;
- no entanto, os proponentes da Proposta B não foram admitidos a participar na reunião do Conselho por videoconferência, não podendo contribuir para a preparação da discussão entre os sócios, nem apresentar o método de votação que pretendiam levar à decisão do Conselho;
- tal reunião, porém, acabou por não se realizar por falta de quórum e o Presidente do Conselho Nacional, ao contrário do que lhe competia, não marcou outra reunião, incumprindo o dever estatutário de que a reunião do Conselho Nacional precede a Assembleia Geral e aí se prepara a discussão entre os sócios;
- o Autor e outro associado pediram à Comissão de Fiscalização e Disciplina:
«a anulação ou suspensão da Assembleia Geral para a revisão dos Estatutos, e, caso este pedido não fosse atendido;
«a divulgação por todos os associados da sentença judicial que anulou as deliberações da Assembleia Geral de 2016;
«a atribuição aos proponentes de cada proposta de revisão dos Estatutos da possibilidade de envio por correio electrónico a todos os associados de 3 circulares sobre   a referida revisão;
- nada foi deferido;
- o Presidente da Mesa da Assembleia Geral recusou a divulgação, no site, ao contrário do que fizeram em 2019 e do que previa a convocatória da Assembleia Geral, da acta da comissão relativa ao processo de revisão de 2020, pelo que os associados não tiveram acesso às necessárias informações;
- não foi cumprido o prazo mínimo para a discussão das propostas entre associados;
- inexistiu qualquer forma de debate ou contraditório entre as várias propostas;
- foi indicado que os sobrescritos RSF enviados pelo correio poderiam ser entregues na sede, em mão, fora dos dias da votação, o que viola os Estatutos e os Regulamentos de Funcionamento da Assembleia Geral e Eleitoral;
- a composição das mesas de voto violou os Estatutos do Réu e o Regulamento de Funcionamento da Assembleia Geral;
- o número de membros candidatos ao Conselho Nacional que acumulava simultaneamente com a candidatura à Direcção, excedia o máximo legal. Tal não foi sanado;
- a contagem dos votos deu origem a duas actas, que contêm as irregularidades e falsidades que descreve na p.i.;
- a Assembleia Geral de Revisão dos Estatutos não foi validamente constituída por inobservância do quorum exigido;
- não foi realizada uma segunda convocatória dessa Assembleia Geral de Revisão dos Estatutos;
- a Proposta de Revisão dos Estatutos dada como vencedora alcançou um apoio conjunto dos votantes inferior a ¾.
Conclui
“No procedimento de convocação e funcionamento da Assembleia Geral de 20 de novembro de 2020, na parte relativa a Revisão de Estatutos, verificou-se a inobservância dos princípios de organização e da gestão democráticas e de normas constantes da lei, dos Estatutos e dos Regulamentos do SNESup, designadamente no que se refere:
a) Convocação da Assembleia, sem prévio requerimento expresso, que fundamentasse o recurso ao n.º 4 do Artigo 25.º dos Estatutos e, no caso de existência de imposição legal, indicasse as notificações recebidas e que tivessem sido proferidas pelo Ministério Público ou pela DGERT;
b) Não divulgação da sentença condenatória do Sindicato, que foi invocada de modo deturpado, fundamentando a proposta dada como vencedora, para afirmar a existência de uma imposição legal de supressão de normas estatutárias, que disciplinavam as revisões de estatutos, deturpação essa que levou a que muitos associados a votassem favoravelmente, na convicção errada, de que afastavam um perigo para a continuidade do Sindicato;
c) Admissão e submissão a votação, sem que tal fosse devidamente fundamentado, de propostas de alteração dos Estatutos, que não se enquadravam nos limites do n.º 4 do Artigo 25.º;
d) Incumprimento das normas regulamentares que permitiam a votação de propostas em separado, reservando a votação em alternativa, apenas para os casos em que existem efetivamente alternativas e, como decorre dos princípios de organização e gestão democráticas, a votação na especialidade das propostas que pudessem ser decididas com autonomia e a possibilidade de votar contra todas as propostas em caso de votação em alternativa;
e) Incumprimento das normas regulamentares que previam que as propostas a votar em alternativa seriam identificadas por letras e não pelos nomes dos proponentes;
f) Incumprimento dos termos da própria convocatória da Assembleia Geral, na parte em que não promoveu a publicação da ata da reunião da Comissão de Fiscalização e Disciplina, de 15 de outubro de 2020, relativa à admissão de propostas, ao método de votação, à divulgação da sentença judicial que, alegadamente, explicava o desencadeamento do processo e ao direito à difusão de documentos de defesa das propostas;
g) Não realização de uma reunião com capacidade deliberativa do Conselho Nacional, órgão sobre o qual incumbia, por um lado decidir, após discussão das propostas com a presença dos proponentes, sobre o método de votação e, por outro, deliberar com vista à ratificação, em Assembleia Geral, das normas que, materialmente, alteravam o Regulamento Eleitoral e integravam a proposta que veio a ser dada como aprovada;
h) Falta da discussão das propostas entre os associados, pelo período mínimo de 15 dias e falta da divulgação específica dos manifestos, impedindo que as Propostas B e C exercessem o contraditório relativamente a outras propostas, incluindo a limitação ao recurso às novas tecnologias para esse fim;
i) Promoção do procedimento de revisão de Estatutos, sem haver qualquer notificação de imposição legal que obrigasse a tal procedimento, durante um período de pandemia e em geral de restrição de contatos entre pessoas, antes e durante o período mínimo de discussão de 15 dias;
j) Limitação do direito de voto por parte dos associados, admitidos entre 1 de setembro e 20 de novembro de 2020.
k) Incumprimento das normas regulamentares relativas à composição das Mesas;
l) Inexistência de quórum constitutivo da Assembleia Geral: 319 votantes em 3641 associados em pleno gozo de direitos;
m) Inexistência de quórum deliberativo na votação da revisão de Estatutos: proposta alegadamente vencedora foi adotada por 224 dos 319 votantes;
n) Recusa, durante o apuramento dos resultados, da inspeção pelos mandatários de duas das propostas, de 10 boletins de votos considerados nulos.”.
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O Réu contestou, o que fez por excepção e por impugnação.
Conclui pela sua absolvição da instância, ou, subsidiariamente, pela sua absolvição do pedido.
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O Autor respondeu, concluindo como na p.i.
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Por requerimento de fls. 701 a 703 (Refª 43098395), o Autor veio requerer que seja julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente, pelos seguintes motivos:
1º. Conforme resulta da análise dos presentes autos, nos mesmos é peticionada a “anulação da deliberação tomada no ponto 4 da Ordem de Trabalhos, no que respeita à revisão de Estatutos e a anulação das deliberações tomadas nos Pontos 2 e 3 na Assembleia Geral do R. SNESup, todas tituladas nas atas datadas de 27 de novembro de 2020.”
2º. Ora, no passado dia 11/12/2021, decorreu uma Assembleia Geral do SNESup, na qual foi discutido e votada a “Renovação das deliberações tomadas nas Assembleias Gerais do SNESup de 19/07/2019 e 20/11/2020 [titulada pela acta de 27/11/2020] que procederam a alterações aos Estatutos, com efeitos retroativos até à data de aprovação das deliberações renovadas”, conforme documento que se junta e se dá como reproduzido.
3º. Deliberação esta que foi aprovada pelos associados do SNESup, conforme documento junto.
4º. Ora, o facto de a deliberação subjudice ter sido renovada põe em causa a utilidade da presente acção.
5º. Isto porque, mesmo que a apresente acção seja procedente, não poderá a sentença proferida nos presentes autos anular a referida deliberação de renovação de 11/12/2021, mantendo-se por isso a actual situação inalterada.
6º. Neste sentido, tal como vem sendo entendimento da doutrina e da jurisprudência, deve a presente acção ser de imediato julgada improcedente ou julgada a instância extinta por inutilidade superveniente da lide.
7º. Veja-se neste sentido:
(sublinhados nossos)
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/05/2009, no processo 413/08.0TYVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt:
I - É possível uma deliberação renovar outra que seja nula ou anulável, podendo ser atribuída eficácia retroactiva à deliberação renovada, desde que a retroactividade ressalve os direitos de terceiro.
II - Em caso de renovação estamos perante uma nova e distinta deliberação, que inutiliza a primeira e assim inutiliza o pedido e a causa de pedir duma acção destinada exclusivamente contra a deliberação primitiva.
III - Só se pode reagir contra a deliberação renovada numa nova acção.
IV - A primitiva acção deve ser julgada improcedente ou mesmo julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/10/2012, no processo 512/07.5TYVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt:
I-A renovação retroactiva de uma deliberação impugnada reconduz-se a uma substituição desta último por aquela.
II- Tal implica a inutilidade superveniente da lide onde se impugnou a primeira deliberação adoptada.”
***
O Autor respondeu da seguinte forma:
“(…)
2. Assinalamos, sem quebra de modéstia, que a nulidade de uma deliberação não pode ser resolvida por outra deliberação, mantendo as causas de nulidade da primeira,
3. Ao contrário de quanto pensa a parte contrária pensamos até que não se transferem os problemas para uma nova impugnação – embora a nova impugnação possa ter lugar – devendo, por hipótese aparentemente absurda e não aceite por nós, extinguir-se por pretendida inutilidade a primeira impugnação,
4. Isso só poderia ocorrer – mesmo assim com dúvidas e não certamente em todas as circunstâncias – se a deliberação renovada não tivesse sido impugnada, porque aí se poderia entender que a parte se haveria, por fim, conformado com as determinações que antes combatera, se acaso a matéria em referência estiver ao alcance da vontade da parte, porque pode não o estar,
5. Matéria de Ordem Pública e Direitos Fundamentais, por exemplo, não está e não pode estar ao alcance da vontade da parte,
6. Assim, pensamos que, se acaso a parte não tiver impugnado a renovação em matéria que não está ao alcance da sua transigência ou aceitação, mas tiver impugnado essa matéria na primeira deliberação e nesse âmbito processual não desistir,
• O processo deve prosseguir e a sentença deve ser dada, olhando a renovação como a renovação de deliberações sem efeito possível, a cuja eficácia – se funcionalmente prosseguida - obsta a sentença condenatória que incida no objecto da pretendida renovação,
7. Desde logo – e portanto – quem argui a renovação deve juntar os elementos que permitam ao Juiz a compreensão do procedimento, a sua natureza e o seu alcance (o que aqui a parte contrária não fez);
8. Mas no caso em que a renovação haja sido objecto de impugnação – e foi exactamente o caso – a parte que vem arguir a renovação pedindo a declaração de inutilidade superveniente, não pode ocultar ao tribunal a entrada de uma acção de impugnação dessa renovação;
9. E aqui ocultou, o que é pena, porque está vinculada como todos estamos, à boa colaboração com o tribunal e à lealdade (i.e. à legalidade, significam etimologicamente o mesmo) de procedimento;
10. O R. tem enunciado em múltiplas circunstâncias - e nesta também - as eventuais analogias com matéria de Direito Comercial no que tange aos procedimentos, ora, não...
11. A singularidade de uma associação sindical é radicalmente irredutível aos procedimentos aceitáveis numa sociedade comercial, onde a maioria é de capital, onde os direitos das minorias à informação podem estar severamente condicionados,
• onde a minoria de bloqueio se atinge apenas a partir da titularidade de uma percentagem do capital social e
• onde a maioria do capital pode arguir abuso de direito na mobilização dos
meios legais para impor a barragem das deliberações desfavoráveis ao seu
projecto comercial
12. Uma associação sindical está, por exemplo, vinculada à democracia da gestão
13. A democracia é um valor,
14. Um ideário,
15. Mas também um método,
16. E, como assinalou Bobbio, salda-se num conjunto de normas, mas as normas (como as suas interpretações) devem formular-se tendo por referência a sociedade democrática e não o Estado democrático,
17. Tal perspectiva é claramente definida pelo Direito Internacional dos Direitos do Homem, seja na letra da Convenção Europeia, seja na da Carta dos Direitos Fundamentais da União, seja na jurisprudência europeia (leia-se do tribunal Europeu);
18. Porque mesmo democrático, o Estado não é e não pode ser o expoente máximo da compreensão dos valores da sua época, porque a Democracia não aceita a contaminação de qualquer perspectiva hegeliana do Estado e do Direito;
19. Ora o que aqui está em causa é, antes de mais, um problema de democraticidade interna e da exigência do respeito pela letra e espírito dos estatutos,
20. Não é possível reflectir aqui – onde a Lei escreveu gestão democrática – de acordo com o modelo das sociedades comerciais… Não pode ser;
21. É de tal modo desadequado o modelo, que a analogia não é simplesmente possível;
22. Mesmo admitindo que a analogia remete para a ideia de proporção (seguramente que não para a identidade, análogo não é o idêntico) a desadequação do modelo dos direitos da maioria do capital não pode ser o modelo da compreensão dos eventuais direitos dos gestores sindicais (que aqui anatematizam os opositores internos e marginalizam, como se nota pelas actas das assembleias, a maioria dos associados);
23. O que aqui está em causa é uma vida sindical de tal modo adulterada que entre cerca de quatro mil associados só a minoria detentora de cargos associativos se apresenta a votar e a apoiar a ausência de debate,
24. Significando isto, infelizmente, um perigo iminente para a própria organização sindical que foi um projecto muito interessante de gente muito interessante e que não pode dissolver-se na irrelevância de menos de duzentas pessoas,
25. Pensamos pois, como já o dissemos no 4º juiz, onde corre a impugnação da pretendida renovação - e aderindo à intuição expressa do Exmo. magistrado judicial que ordenara nos pronunciássemos sobre ela – que estes autos e a decisão deles constituem matéria prejudicial (em tudo o que os procedimentos da pretendida renovação não tiverem acrescentado como causas próprias de nulidade)
26. Ao invés, portanto, de se extinguir a instância por inutilidade superveniente, pensamos que, diante da pretendida renovação, há uma utilidade supervenientemente acrescida destes autos, requerendo-se que prossiga a instância até final,
27. Permitindo-nos sublinhar a importância da prova por documentos e designadamente por documentos em poder da parte contrária, que deve juntá-los, como oportunamente formulado e requerido.
Requerendo-se em conformidade que prossiga a instância.”
***
Foi proferida sentença que julgou “extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide.”
***
Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que
1. A eventual extinção da instância em acção pendente de impugnação de
deliberações sociais, sob alegação de que tais deliberações foram renovadas, exige estar-se seguro de se tratar de caso ao alcance da sanação, em primeiro lugar, (porque a nulidade absoluta não admite sanação) e a renovação de uma nulidade sempre se saldaria apenas na nulidade, o mesmo é dizer que para extinguir a instância nestes termos teria sido preciso julgar o caso, outro tanto cabendo dizer da afirmação em cujos termos esta acção não pode ter efeito na acção de impugnação das deliberações de renovação
2. Por outro lado, mostrando-se impugnadas as deliberações de renovação noutros autos, é também necessária a conclusão da improcedência dessa acção para tomar por inútil a instância cuja extinção aqui visa a decisão em crise, conclusão completamente inviável nestes autos, parecendo certo que se a acção proceder e forem nulas as deliberações de renovação, então os autos cuja extinção aqui visa esta decisão não podem deixar de prosseguir
3. Nestas circunstâncias, tão razoável parece – em plano geral - suspender-se a instância na acção de impugnação das deliberações renovadas, como suspender-se a instância do processo de impugnação das deliberações de renovação, conquanto se não suspendam ambas as instâncias, bem entendido
4. Sendo em todo o caso seguro que não estão demonstradas – e não são demonstráveis neste quadrante – quer a impossibilidade da lide, quer a sua inutilidade e não é, portanto, possível decretar a respectiva extinção como aqui se fez;
Termos em que deve prover-se o presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e ordenando ou a suspensão da instância, ou o prosseguimento dos seus termos, com o que se fará Justiça.”
***
O Réu contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
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A Exma Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer nos seguintes termos: “No caso em apreço verifica-se que, a deliberação de 11/12/2021, absorveu o conteúdo da deliberação de 20/11/2020, impugnada nestes autos, tendo esta última deixado de ter existência e de produzir quaisquer efeitos.
Com efeito, como decorre do respectivo texto:
“De acordo com os resultados apurados, a Mesa da Assembleia Geral declarou que foi aprovada a renovação das deliberações tomadas nas Assembleias Gerais do SNESup de 19/7/2019 e 20/11/20, que procedem à alterações aos Estatutos, com efeitos retroactivos até à data da aprovação das deliberações renovadas.”
Nessas circunstâncias, verificando-se que as deliberações resultantes da Assembleia Geral de 20/11/20 deixaram de produzir quaisquer efeitos a partir da deliberação de 11/12/2021, inexistia fundamento para que o Tribunal devesse avaliar a validade e conformidade legal da revisão de Estatutos e determinar a anulação das deliberações tomadas nos Pontos 2 e 3 na Assembleia Geral do R. SNESup, todas tituladas nas atas datadas de 27 de novembro de 2020, em virtude das mesmas não se mostrarem vigentes à data da prolacção da sentença recorrida.
Termos em que se nos afigura que o Recorrente carece de razão.
Pelo exposto deverá ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.”
***
Os autos foram aos vistos aos Exmas. Desembargadoras Adjuntas.
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II – Objecto
Considerando as conclusões de recurso apresentadas, que delimitam o seu objecto, cumpre decidir se a renovação das deliberações impugnadas determina a inutilidade da lide.
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III – Fundamentação de Facto
Para além do que resulta do Relatório que antecede, são os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância, reproduzindo-se, no que respeita ao facto B), a acta da Assembleia Geral de 11 de Dezembro de 2021.
A)- Como decorre da petição inicial, na presente acção o Autor formula os seguintes pedidos principais:
1.º - Suspensão imediata das deliberações em matéria de revisão de Estatutos, consideradas aprovadas e adoptadas no Ponto n.º 4 da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral, de 20 de Novembro de 2020;
2.º - Anulação das deliberações em matéria de revisão de Estatutos consideradas aprovadas e adoptadas no Ponto n.º 4 da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral, de 20 de Novembro de 2020;
3.º - Anulação da deliberação de eleição da Direcção aprovada e adoptada no Ponto n.º 2 da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral, de 20 de Novembro de 2020;
4.º - Anulação da deliberação de eleição da Comissão de Fiscalização e Disciplina aprovada e adoptada no Ponto n.º 3, da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral, de 20 de Novembro de 2020.
B) – No dia 11/12/2021, teve lugar uma Assembleia Geral do Réu (SNESup), na qual foi discutida e votada a “Renovação das deliberações tomadas nas Assembleias Gerais do SNESup de 19/07/2019 e 20/11/2020 [titulada pela acta de 27/11/2020] que procederam à alterações aos Estatutos, com efeitos retroactivos até à data de aprovação das deliberações renovadas”, e foi lavrada acta com o seguinte teor: “(…)
O Vice-Presidente da Mesa BB deu início à reunião informando que:
A presente Assembleia Geral foi convocada por força do requerimento da Presidente da Direcção, no qual se declarava e propunha o seguinte:
Como é do conhecimento dos associados do SNESup, as deliberações dos órgãos do Sindicato têm vindo a ser alvo de sistemática e coordenada impugnação por parte de dois associados. Nomeadamente, desde 2016 estes associados instauraram contra o SNESup as seguintes acções: 461/16.6T8LSB, 4693/16.9T8L58, 383/16.0T81SB, 380/16.6T81SB, 18858/16.0T81SB, 26706/17.T8LSB, 11986/17.6T8LSB, 5931/18.9T8LSB, 12425/18.0T8LSB, 16104/19.3T8LSB, 26127/20.4T8LSB e 525/21.4T8LSB. Em todas estas acções foram suscitados vícios formais e procedimentais das deliberações.
Por obrigação legal e como forma de corrigir vícios e omissões decorrentes da deficiente redação dos Estatutos anteriores, foram propostas alterações estatutárias, as quais foram aprovadas nas Assembleias Gerais do SNESup dos passados dias 19/07/2019 e 20/71/2020.
Contudo, também estas deliberações foram impugnadas pelos referidos associados, tendo, no processo 16104/19.3T8LSB, sido anulada a deliberação de 19/07 /2079, pelo facto de o Tribunal ter considerado ilegal a norma do Estatuto original do SNESup que previa a realização de assembleias gerais descentralizadas.
A anulação desta deliberação põe em causa a própria existência do SNESup,
na medida em que a anulação da referida deliberação, leva ao incumprimento da intimação da Direcção Geral do Emprego e das Relações
do Trabalho de Fevereiro de 2019 e poderá levar à instauração de acção destinada à extinção do SNESup por parte do Ministério Público.
A isto acresce que a impugnação de deliberações que procedem a alterações estatutárias são susceptíveis de criar uma grave instabilidade no funcionamento dos órgãos do SNESup e de pôr em causa deliberações importantes para a salvaguarda dos direitos dos associados. São ainda suscetíveis de vir a gerar dúvidas quanto às formalidades que deverão observar as deliberações futuras.
Não podendo o SNESup permitir que tais impugnações fundadas em anódinos formalismos ponham em causa a sua função de defesa dos direitos dos seus associados, urge tomar providências de forma a evitar futuras acções judiciais que apenas servem para consumir recursos que deveriam ser dedicados à salvaguarda dos direitos dos associados.
Assim, de forma a suprir os vícios que venha a ser apontado às supra referidas deliberações e de forma a evitar os problemas que a sua anulação poderia gerar, proponho que se realize uma nova Assembleia Geral, na qual seja apreciada e deliberada a renovação, com efeitos retroactivos, das deliberações de alteração estatutária tomadas nas Assembleias Gerais de 19/07/2019 e 20/11/2020.
Face ao exposto proponho que se vote a deliberação com o seguinte conteúdo:
Renovação das deliberações tomadas nas Assembleias Gerais do SNESup de 19/07/2019 e 20/11/2020 que procederam a alterações aos Estatutos, com efeitos retroactivos até à data de aprovação das deliberações renovadas.
Foi a proposta colocada a discussão pelos presentes. Interveio na discussão AA (que, entretanto, tinha entrado), declarando que a Assembleia foi convocada de forma ilegal e que, por isso, não iria participar na votação.
Finda a discussão procedeu-se novamente à contagem dos associados, tendo-se verificado que estavam presentes 28 (vinte e oito) associados.
Deu-se, assim, início à votação da proposta, através de voto secreto, em urna e foram apurados os seguintes resultados:
Participantes na Assembleia Geral - 28 (vinte oito) associados.
Votaram - 27 (vinte e sete) associados;
A Favor - 27 (vinte e sete);
Contra - 0
Nulos - 0
Em branco - 0
De acordo com os resultados apurados, a Mesa da Assembleia Geral declarou que foi aprovada a:
Renovação das deliberações tomadas nas Assembleias Gerais do SNESup de 19/07/2019 e 20/11/2020 que procederam a alterações aos Estatutos, com efeitos retroativos até à data de aprovação das deliberações renovadas.
Após a contagem dos resultados, entrou o associado CC, que não participou na votação.
Após a comunicação dos resultados, o associado AA saiu da sala.
A minuta da ata foi lida aos presentes e submetida a votação, tendo sido aprovada com 27 (vinte e sete) votos a favor e uma abstenção.
Nada mais havendo a tratar, o Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral, BB, deu por encerrada a reunião às quinze horas e sete minutos, dela tendo sido lavrada a presente ata que será assinada pela Mesa da Assembleia Geral.”
C) – A deliberação, referida em B), foi aprovada pelos associados do SNESup, conforme resulta do teor da acta também ali referida e dada por reproduzida.
***
IV – Apreciação do Recurso
Com a presente acção visou o Autor impugnar as deliberações proferidas na Assembleia Geral da Ré de 20 de Novembro de 2020.
Como resulta do relatório que antecede, visam-se irregularidades de procedimento na convocação da Assembleia, informação acerca das propostas apesentadas, e método e quórum de votação das mesmas.
Resulta também da matéria de facto que, em 11 de Dezembro de 2021, a Assembleia Geral do Réu decidiu pela “Renovação das deliberações tomadas nas Assembleias Gerais do SNESup de 19/07/2019 e 20/11/2020 que procederam a alterações aos Estatutos, com efeitos retroativos até à data de aprovação das deliberações renovadas.”
Com fundamento nesta denominada renovação, a primeira instância considerou que “Do que ficou dito resulta que a realização da Assembleia Geral de 11/12/2021, em data posterior à data de entrada da presente acção, na qual foi submetida a votação e aprovada a “Renovação das deliberações tomadas nas Assembleias Gerais do SNESup de 19/07/2019 e 20/11/2020 [titulada pela acta de 27/11/2020] que procederam à alterações aos Estatutos, com efeitos retroactivos até à data de aprovação das deliberações renovadas”, constitui fundamento determinante da inutilidade superveniente da presente lide, já que foi concretizado o efeito aqui pretendido, sendo que, por um lado, a suspensão e anulação das deliberações aqui impugnadas não tem qualquer efeito jurídico sobre a validade ou invalidade da deliberação da produz efeitos na esfera jurídica do réu e dos seus associados, agora é a validade ou invalidade da mesma deliberação que o autor terá que impugnar, como, de resto, afirma que já fez.
Assim, o resultado da deliberação tomada na Assembleia Geral de 11/12/2021, que ocorreu em momento posterior à da instauração da presente acção, retirou toda e qualquer utilidade a esta, uma vez que o efeito jurídico visado já se mostra alcançado por via daquela deliberação, não podendo aqui ser revertido.
A inutilidade superveniente da lide constitui fundamento da extinção da instância - art.277º, al. e), do CPC, ex vi do art.º 1º, nº 2, al. a), do CPT.
Aqui chegados, impõe-se julgar extinta a instância.”
O Autor não se conforma com esta solução para a lide, pelo que a questão que nos traz a decidir é a dos efeitos processuais que a deliberação renovatória de 11 de Dezembro de 2021 tem sobre a presente instância, cujo objecto consiste na apreciação da validade da deliberação de 20 de Novembro de 2020.
Estando em causa um sindicato, ou seja, uma pessoa colectiva de direito privado, o mesmo rege-se pelos respectivos estatutos e pelas disposições que resultam dos art.ºs 167º e seguintes do C.Civil, referentes às associações.
Mas, como refere Menezes Cordeiro[1] a propósito do regime das associações: “Nestas condições, não há obstáculos de princípio à aplicação analógica, no campo civil, das regras relativas a sociedades comerciais. O recurso ao Direito Comercial implica, todavia, a presença dos diversos requisitos de que depende a analogia: o caso omisso; o facto de esse caso dever ter, à luz do sistema, uma solução jurídica normativa; a analogia de situações; a presença de uma norma comercial aplicável ao caso análogo. Verificadas as condições, as pessoas colectivas civis podem recorrer ao inesgotável manancial representado pelo Direito das sociedades comerciais. E como estas, a título subsidiário, também podem recorrer às sociedades civis e ao Direito das pessoas colectivas, fecha-se o círculo: mais uma vez, reforçada fica a unidade do Direito privado português»”.
Por conseguinte, havendo lacunas nos estatutos ou no Código Civil, será possível recorrer ainda às normas respeitantes às sociedades comerciais e, como se concluiu no acórdão da Relação de Lisboa de 17-12-2009[2], “no domínio destas, dever-se-á dar prevalência às de carácter geral, como são as constantes dos art.ºs 53º e ss do CSCom, e onde estas se mostrem insuficientes, às das sociedades anónimas …”[3].
Ora, o Código das Sociedades Comerciais, no seu artigo 62º, a propósito da renovação da deliberação, dispõe que
1 - Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiros.
2 - A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória.
3 - O tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para renovar a deliberação.”
Como se afirma no acórdão da Relação do Porto de 13-10-2014[4] a propósito da retroactividade da referida norma, “o Código Civil não contém norma semelhante ao art.º 62º, nº 2, 2ª parte, do CSC, no qual se refere que o sócio que nisso tiver um interesse atendível pode obter a anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória. Ou seja, a deliberação renovatória, no âmbito das sociedades comerciais, tem por regra efeito retroativo, a menos que se verifique interesse atendível do sócio, a este competindo o ónus de alegação e prova de tal interesse.
Pese embora o CSC não seja de aplicação subsidiária às associações sindicais, nem às associações previstas no Código Civil, não poderemos deixar de considerar essa aplicabilidade atenta a similitude e analogia das situações, face à identidade do interesse tutelado na norma.”
No caso, e à míngua de norma que se debruce sobre a questão da renovação das deliberações, quer nos Estatutos do Réu, quer no C.Civil, a similitude das situações e o facto de existir uma norma no Código das Sociedades Comerciais que prevê caso análogo ao que nos trouxe a  decidir, entendemos ser e aplicar tal norma.
Quando o Sindicato delibera, em sede de assembleia geral, tal como acontece com as sociedades comerciais, visa regulamentar um determinado interesse ou a produção de determinado efeito jurídico. No caso de invalidade da deliberação, a lei, ciente da insegurança e incerteza daí advenientes, que podem prejudicar a sociedade e os sócios, permite que estes, em certos casos respeitantes a vícios de procedimento (que não de conteúdo), adoptem uma segunda deliberação que, pelo menos para o futuro, ou mesmo com efeitos ex tunc, salvaguarde a deliberação inicial, colmatando os respectivos vícios, sejam eles reais ou apenas imputados, por forma a, neste último caso, evitar a dúvida sobre a deliberação, dado que os sócios pretendem conservar os seus efeitos jurídicos.
A lei admite, como referimos, que à deliberação renovada possa ser atribuída eficácia retroactiva. E quando isso acontece, os efeitos jurídicos consideram-se produzidos a partir da data em que, apesar da nulidade, a deliberação foi adoptada.
In casu, o que a deliberação de 11-12-2021 pretendeu foi repetir e substituir a deliberação de 20-11-2020, ocupando retroactivamente o seu lugar. O que não resulta do processo é que o tenha feito extirpando os vícios alegados nestes autos e que, na perspectiva do Autor, inquinam a deliberação levada a efeito em 20-11-2020.
Como refere o Autor na resposta ao requerimento de improcedência do pedido ou extinção da lide por inutilidade superveniente, “a nulidade de uma deliberação não pode ser resolvida por outra deliberação, mantendo as causas de nulidade da primeira”, ou, nas palavras de Pinto Furtado[5], “[I]ncontestavelmente, não se trata, portanto, de uma convalidação jurídica da deliberação viciada; logo, o meio legal em presença não integra uma confirmação através de uma acto com a natureza jurídica de renúncia à arguição do vício – mas uma nova deliberação, decalcada sobre a primeira, sem o vício que a inquinava (daí, talvez, o chamar-se-lhe renovação, pois a segunda deliberação é uma cópia corrigida da anterior e, obviamente, por paridade de razão, sem enfermar de qualquer outro), para substituí-la e ocupar o lugar dela, a partir de agora ou mesmo retroativamente
No presente caso, nada resulta do processo, mormente da acta da Assembleia Geral de 11-12-2021 (ponto B dos factos provados), sobre a sanação dos vícios imputados pelo Autor à deliberação que resulta da acta da Assembleia Geral de 20-11-2020, pelo que não é possível concluir que os mesmos foram sanados (e não importa ao raciocínio, se os vícios efectivamente ocorrem ou não, questão a decidir no presente processo, pois a renovação pode visar uma irregularidade pressuposta).
Acresce que, segundo resulta da resposta do Autor de 19-12-2022 e das alegações de recurso, a nova deliberação foi objecto de impugnação judicial, o que não se mostra impugnado pelo Réu.
Voltamos aos ensinamentos de Pinto Furtado quando o mesmo afirma que, “[s]e a deliberação de renovação, como se viu, mesmo quando tenha eficácia retroactiva, jamais pode apresentar-se como um simples acto complementar ou de 2º grau, pois é, verdadeiramente, uma nova deliberação que pretende exigir a mesma disciplina de interesses da anterior, mas isenta de mácula, não será de todo em todo concebível a existência de uma acção de anulação ou de declaração de nulidade contra a deliberação anterior, contra uma deliberação que, a final, foi retirada no mapa.” [6]
Pressupõe-se, no entanto, a validade da deliberação renovada. Se esta padece de vício, naturalmente não será susceptível de produzir os efeitos pretendidos pela Assembleia Geral.
Ocorrendo a impugnação da deliberação renovada, qual o destino da acção em que se impugna a deliberação originária?[7]
Seguimos aqui o referido no acórdão do STJ de 22-09-2021, identificado na nota de rodapé 6: “ (…) para um caso como o presente, em que a R./sociedade dá conhecimento e traz a deliberação renovadora à ação em que se impugna a deliberação primitiva[23][8], que o que há a fazer é olhar para a reação do A. da primeira ação – que tanto pode nada dizer, dizer que aceita a renovação ou dizer que contesta a sua validade – e extrair as correspondentes consequências processuais.
O que constitui questão que, como já se deu nota, é acesamente debatida na doutrina e na jurisprudência.
Há quem afirme, na doutrina, que, com a renovação da deliberação, o impugnante deixa de ter interesse em agir[24][9] – não obstante o impugnante se manter como titular da relação material controvertida/impugnada, deixa de carecer de tutela judiciária (uma vez que a renovação da deliberação gera a inutilidade do processo em que se impugna a primeira deliberação) – o que, segundo uns deve dar lugar à absolvição da instância[25][10] e segundo outros à improcedência da ação[26][11]; assim como há quem entenda que a solução deve variar conforme o vício subjacente à deliberação primitiva (a renovação determinará, no caso de nulidade da primeira deliberação, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e, no caso de anulabilidade, a absolvição da ré do pedido, por perda superveniente do direito de anulação)[27][12], quem entenda que, em casos em que a deliberação antecedente é meramente anulável, a ação deve ser julgada extinta por impossibilidade superveniente, sendo a sociedade-ré absolvida da instância[28][13] e quem entenda que a solução não deve variar conforme o vício subjacente à primeira deliberação, devendo a instância extinguir-se por impossibilidade superveniente, que conduzirá a uma decisão de mérito e à absolvição da ré do pedido[29][14].
Do mesmo modo, na jurisprudência, tanto se tem entendido que o tribunal deve extinguir a instância por inutilidade superveniente da instância, como, porventura maioritariamente, se tem entendido que, encontrando-se pendente uma ação em que se impugna uma deliberação social, a renovação de tal deliberação determina a improcedência do pedido em tal ação[30][15].
Com todo o respeito pelos diversos argumentos esgrimidos, quer-nos parecer que, ocorrendo a carência de tutela judiciária (no caso da renovação ex tunc, opera-se, repete-se mais uma vez, uma substituição, deixando quaisquer efeitos de ser imputáveis à deliberação primitiva) supervenientemente e já na pendência da ação – ou seja, o A., no momento da propositura da ação, tinha interesse em agir contra a primeira deliberação, tendo a falta de interesse em agir surgido em momento posterior ao da propositura da ação – deve a renovação da deliberação ser processualmente configurada como um facto gerador de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide respeitante à deliberação primitiva, facto esse que impede o tribunal de se debruçar e pronunciar sobre o mérito da pretensão formulada e que deve por isso conduzir à extinção da instância (ao abrigo do art.º 277.º/e) do CPC).
E ainda que se entenda que, em rigor processual, se trata de impossibilidade da lide (e não de inutilidade), o certo é que não estaremos perante uma insusceptibilidade do pedido poder ser decretado, mas sim perante a insusceptibilidade do tribunal se poder debruçar sobre o mesmo: o tribunal, apresentada a deliberação de renovação, não chega a entrar na apreciação de fundo da deliberação primitiva, que deixa de ter qualquer efeito que lhe seja imputável, o que impede a análise do mérito da causa e a prolação duma decisão de mérito sobre a mesma, pelo que o que tem que ser proferido, repete-se, é uma decisão de extinção da instância.
Solução esta (de extinção da instância, sem que se aprecie o mérito da causa) que, de resto, é a única que protege o impugnante da deliberação primitiva.
Efetivamente, se na ação movida contra a primeira deliberação o tribunal proferir uma decisão de mérito, com a necessária formação de caso julgado material, uma bem sucedida invalidação da deliberação de “renovação” pouco ou nenhum efeito teria, uma vez que estaria vedada (pelo caso julgado material formado pela decisão de absolvição do pedido) a apreciação da deliberação primitiva, entretanto repristinada pela invalidação da segunda deliberação.
Em conclusão, trazida a deliberação renovadora à ação em que se aprecia a primeira deliberação, como é o caso, se o A. nada diz ou diz que aceita a deliberação renovadora, a consequência processual terá que ser, a nosso ver, a extinção da instância, com fundamento em inutilidade (ou impossibilidade) superveniente da lide (cfr. art.º 277.º/e) do CPC).
Porém, se, diversamente, o A. contestar a validade da deliberação renovadora, intentando (ou tendo já antes intentado, como é o caso dos autos) ação autónoma a impugnar a deliberação renovadora, quer-nos parecer que se deve começar por sobrestar na prolação duma decisão de extinção da instância, procedendo-se antes à suspensão da instância (nos termos do art.º 272.º do CPC) até que seja proferida decisão na ação em que é impugnada a deliberação renovadora.
É que – importa ter presente – a deliberação de renovação é trazida/invocada neste processo (em que se impugna a deliberação primitiva) no pressuposto da sua validade, porém, contestando-a o A. e tendo-a sob contestação noutro e autónomo processo, faz com que a decisão que aí venha a recair sobre a deliberação renovadora funcione como uma questão prejudicial relativamente a esta causa, ou seja, há que considerar que existe, aqui, a possibilidade da prolação duma decisão de mérito, a qual, todavia, está dependente do desfecho do julgamento do processo respeitante à deliberação renovadora (que assim postas as coisas funciona como causa prejudicial relativamente à causa suspensa – o presente processo).
Daí o termos dito que se deve começar por sobrestar na prolação duma decisão de extinção da instância, uma vez que, proferida decisão na ação em que é impugnada a deliberação de renovação, uma de duas coisas terá que acontecer: ou a decisão é no sentido da validade da deliberação renovadora e, então, será aqui proferida a decisão de extinção da instância (com base na referida inutilidade/impossibilidade da lide) ou a decisão é no sentido da invalidade da deliberação renovadora e, então, o processo retomará a sua marcha para conhecer/apreciar a primitiva deliberação (na medida em que, invalidada a segunda deliberação, “caduca” a substituição que se pretendeu introduzir, emergindo a deliberação anterior).
Acompanhamos esta fundamentação. De facto, a simples renovação de uma deliberação, não opera, só por si, a substituição da anterior. Não só a mesma deve colmatar os vícios imputados à anterior, como, ela própria, deve estar isenta de vícios. No caso de ser impugnada, como acontece com a deliberação de 11-12-2021, questionando-se judicialmente  sua validade, deve a instância que incide sobre a deliberação original ser suspensa nos termos do disposto no artigo 272º nº1 do CPC, até que se conheça a decisão proferida na acção que visa a apreciação da validade da deliberação renovadora.
Em face do exposto, revoga-se a sentença proferida, substituindo-se a mesma por outra que suspende a instância.
***
V – Decisão
Face a todo o exposto, acordam as Juízas deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto por AA, e, em consequência, revogam a sentença recorrida, e substituem a mesma por outra, que determina a suspensão da instância até que seja proferida decisão na ação em que o Autor impugna as deliberações (renovadoras) de 21/12/2021.
Custas a cargo do apelado.
Registe.
Notifique.

Lisboa, 24-01-2024
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Celina Nóbrega
Francisca Mendes

_______________________________________________________
[1] In Tratado de Direito Civil Português - Parte Geral – 2004, III pág. 566.
[2] Processo 1541/08.7TVLSB-A.L1-2.
[3] Vide também acórdão desta Relação de 27-03-2012 – Processo 4551/10.0TBALM-B.L1-7.
[4] Processo 1621/13.7TTPRT.P1 – 4º Secção.
[5] In Deliberações dos Sócios, pág. 594.
[6] Ob. citada, pág. 626.
[7] De referir que não pode na presente acção conhecer-se da validade da deliberação renovadora, pois estão em causa pedidos e causas de pedir diferentes – trata-se de uma nova e distinta deliberação que substitui a original, o que envolve um novo e distinto pedido com uma diferente causa de pedir, nomeadamente uma nova e distinta deliberação, implicando uma alteração do objecto da presente acção, o que, falhando o acordo das partes, não teria assento no nº6 do artigo 265º do CPC. Estamos inequivocamente perante uma nova relação jurídica controvertida, pois, como se afirma no acórdão do STJ de 22-09-2021 – Processo 675/10.2TBPTS.L1.S1 – “sendo que a segunda deliberação é precedida de um processo formativo autónomo, não reconduzível ao da deliberação precedente, e de que tanto podem resultar vícios idênticos aos imputados à primitiva deliberação como novos e diferentes vícios.” Donde se conclui que a apreciação da validade da nova deliberação deve ter lugar em processo autónomo.
[8] Por certo o caso mais comum, uma vez que, pendente a impugnação da deliberação primitiva, se se procede à sua renovação, será para a seguir se ir ao processo pedir que se extraiam as respetivas consequências processuais. Nota de rodapé do acórdão citado.
[9] Lobo Xavier, in Anulação de Deliberação Social, pág. 447 e ss; e Vaz Serra, no comentário da RLJ já referido. Nota de rodapé do acórdão citado.
[10] Lobo Xavier e Vaz Serra, nos locais acabados de citar. Nota de rodapé do acórdão citado.
[11] Manuel de Andrade, citado por Lobo Xavier. Nota de rodapé do acórdão citado.
[12] Carneiro da Frada, obra citada, pág. 323/4. Nota de rodapé do acórdão citado.
[13] Menezes Cordeiro, C. S. C. Anotado, em anotação ao art.º 62.º. Nota de rodapé do acórdão citado.
[14] Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, pág. 634/5. Nota de rodapé do acórdão citado.
[15] Segundo o Ac. da Rel. Lisboa de 3/III/2009 (disponível in DGSI), a segunda deliberação é um facto extintivo do direito do autor, o que conduz à improcedência da ação. Segundo os Ac. STJ de 13/X/1993 e de 29/IV/1998 (disponíveis in DGSI), havendo lugar a renovação ex tunc de deliberação nula, o tribunal deverá declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Segundo o Ac. STJ 31/X/2006 (disponível in DGSI), se a sociedade ré demonstrar nos autos que as deliberações foram renovadas, deverá o tribunal a quo julgar a acção improcedente. Segundo o Ac. da Rel. do Porto de 14/II/2007 (disponível in DGSI), a renovação ex post determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, sem que, para tal consequência, importe o vício concreto de que padecia a deliberação antecedente. Segundo os Ac. da Rel. do Porto de 2/III/2009 e de 25/V/2009 (disponíveis in DGSI), independentemente do vício que enfermava a primeira deliberação, a renovação ex post determina a improcedência do pedido. Nota de rodapé do acórdão citado.