Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4309/21.1T8FNC-A.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
IMPULSO PROCESSUAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
INVENTÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art.º 663.º, n.º 7, do CPC)
I - A deserção da instância decorre da falta de impulso processual, por negligência das partes, decorridos mais de 6 meses (cf. art.º 281.º, n.º 1, do CPC), tratando-se de uma causa de extinção da instância (cf. art.º 277.º, al. c), do CPC) cuja razão de ser se prende com os princípios da celeridade processual, do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes.
II - Há situações em que da tramitação do processo já resulta objetivamente evidenciado que os autos aguardam pelo impulso processual da parte, como por exemplo na sequência de uma decisão de suspensão da instância em virtude do óbito de uma das partes [cf. artigos 269.º, n.º 1, al. a), e 276.º, n.º 1, al. a), ambos do CPC].
III - Mas nem sempre isso acontece, sendo, em regra, necessário que exista um despacho do qual resulte, de forma cabal, que o processo está a aguardar por esse impulso processual, o que servirá para alertar/advertir as partes disso mesmo, justificando-se, até para obviar a eventuais dúvidas sobre as consequências da falta desse impulso, incluir uma referência ao disposto no art.º 281.º do CPC ou ao decurso do prazo da deserção. Decorrido este prazo e constatando o juiz não terem sido praticados os atos indispensáveis para impulso do processo, não será necessário dar às partes a possibilidade de se pronunciarem a respeito da deserção.
IV - Tendo o processo de inventário sido remetido para o Tribunal da comarca por despacho da Sr.ª Notária, ao abrigo do disposto no art.º 12.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 117/2019, de 13-09, por nada ter sido dito ou requerido nos autos pela empregada forense encarregada das citações dos interessados em falta (termos do art.º 237.º do CPC), vindo a ser proferido Despacho judicial que determinou que os autos aguardassem pelo impulso processual e depois, sem que este tivesse sido notificado às partes, Despacho que julgou deserta a instância, o qual foi anulado por Decisão Sumária da Relação, impunha-se que o Tribunal tivesse, após ouvir as partes sobre a questão da deserção, como a Relação determinara, tomado posição a esse respeito, sem olvidar que apenas a partir da notificação daquela Decisão Sumária é que a Cabeça de casal podia ter conhecimento de que, na ótica do Tribunal, deveria impulsionar o processo (assumindo que isso respeitava à realização das citações em falta).
V - Tendo a Requerente e Cabeça de casal, poucos dias após ter sido notificada da Decisão Sumária da Relação, vindo apresentar requerimentos atinentes à realização das citações em falta, não se descortina fundamento legal para julgar verificada a deserção, tanto mais que, com tais requerimentos, em que informou não ter sido possível efetuar a citação de alguns interessados, haveria que “retomar” a regra da oficiosidade das diligências para citação, considerando o disposto no art.º 238.º, n.º 2, do CP, pelo que se impunha prosseguir com o normal andamento dos autos, apreciando os requerimentos das partes sobre as citações efetuadas e a efetuar.
VI - Ademais, no caso, face aos atos que foram praticados no processo após a prolação da Decisão Sumária da Relação, tanto pelas partes, como pelo Tribunal, até seria atentatório da boa-fé processual e do princípio da proteção da confiança, ínsito no Estado de Direito, vir agora declarar a deserção da instância, com fundamento numa inércia da Requerente verificada antes da remessa dos autos para o Tribunal da comarca.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO

A, interessado no processo de inventário por óbito da inventariada F, interpôs o presente recurso de apelação do despacho que julgou não verificada a deserção da instância (indeferindo dois requerimentos que aquele tinha apresentado nos quais suscitava a questão da deserção da instância).
Os autos principais de inventário tiveram início em 25-09-2019 num Cartório Notarial do Funchal, a requerimento da interessada B.
Em 08-10-2019, foi pela Sr.ª Notária proferido despacho que nomeou a Requerente como Cabeça de casal e designou data para que prestasse compromisso de honra e declarações, tendo sido apresentada a relação de bens em 22-10-2019.
No dia 23-10-2019, foram expedidas cartas registadas com aviso de receção, para citação dos interessados, algumas das quais vieram devolvidas.
Em 14-11-2019, foi proferido despacho pela Senhora Notária, determinando a notificação da Requerente para, em 10 dias, indicar novas moradas dos (seis) interessados não citados, acrescentando que, em caso de nova frustração das citações por via postal, estas deveriam ser realizadas por Agente de Execução.
Em 20-11-2019, o interessado A apresentou reclamação contra a relação de bens.
A Requerente e o Interessado A foram notificados daquele despacho (notificação de 21-11-2019). Nada tendo sido dito pela Requerente, a Senhora Notária insistiu, em 10-02-2020, dando conta da falta de citação de alguns (quinze) interessados (notificação elaborada a 13-03-202020).
A Requerente respondeu, em 24-02-2020, requerendo que se procedesse à citação edital dos interessados cuja citação por via postal se tinha frustrado.
Foi pela Senhora Notária proferido despacho a 13-03-2020, determinando que as citações deveriam ser efetuadas por agente de execução, que nomeou para esse efeito, despacho do qual a Requerente foi notificada (notificação elaborada a 03-07-2020).
A Agente de Execução nomeada solicitou o pagamento de uma provisão de honorários, conforme nota que juntou aos autos.
Notificada do pedido de provisão dos honorários (cf. despacho de 03-07-2020), veio a Requerente aos autos, em 10-11-2020, requerer que as citações em falta fossem realizadas nos termos do art.º 237.º do CPC, indicando como pessoa encarregada a empregada forense que identificou.
Esse requerimento foi deferido por despacho de 04-12-2020, tendo a empregada forense encarregada das citações sido notificada do mesmo despacho, por carta registada com aviso de receção, recebida a 11-12-2020.
Em 14-09-2021, por Despacho proferido pela Senhora Notária foi ordenada a remessa oficiosa do processo de inventário para o Tribunal da comarca, considerando aquela que se verificava a falta de impulso por mais de seis meses, de acordo com o disposto no art.º 12.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, por nada ter sido dito pela referida empregada forense, não tendo juntado aos autos prova alguma dos atos em falta.
Na mesma data, tal despacho foi notificado aos Mandatários da Requerente e, em 21-09-2020, o processo foi remetido para o Tribunal da comarca da Madeira, que veio a proferir Despacho, em 18-10-2021, determinando que os autos aguardassem “o impulso processual adequado sem prejuízo do decurso do prazo a que alude o art.º 281.º, n.º 1 do Cód.Proc.Civil”.
Este despacho não foi notificado às partes.
Em 05-05-2022, foi proferido despacho a declarar deserta a instância por falta de impulso processual.
Desta última decisão foi interposto recurso de apelação pela interessada e Cabeça de casal, B, o qual veio a ser julgado procedente, por Decisão Sumária datada de 12-10-2022, que anulou a decisão recorrida e determinou que as partes fossem notificadas para se pronunciarem previamente sobre a questão da deserção da instância, com a seguinte fundamentação (sublinhado nosso):
“Tal como vem sendo reiterado pelos tribunais superiores, a propósito da aplicação do artigo 281° do CPC, a deserção da instância ali cominada só deverá ser declarada após apreciação das circunstâncias concretas, a fim de concluir pelo comportamento negligente no incumprimento do ónus de impulso processual; e,
por outro lado, considerando os efeitos preclusivos da declaração da instância, aquela deverá ser proferida, respeitando o prévio exercício do contraditório.
Nos autos, após a remessa do processo ao tribunal em 14.09.2021, evidencia-se que as partes não foram notificadas de qualquer acto ou decisão, vindo a ser confrontadas em 5.05.2022 com a declaração de deserção da instância, sem que, portanto, tenham tido oportunidade de esclarecer ou justificar a inércia.
O tribunal não pode proferir decisão que ultrapasse o mero acto gestionário, sem que antes as partes sejam chamadas ao exercício do contraditório e direito à defesa, como decorre do disposto no artigo 3º, nº3 do CPC, o que não sucedeu in casu. A omissão implica irregularidade suscpetível de influenciar da decisão da causa, conforme ao disposto no artigo 195º, nº1, do mesmo diploma legal.
A declaração da deserção da instância comporta efeito extintivo da relação jurídico-processual, de particular importância para as partes, pelo que se mostra necessária à sua pronúncia prévia, e de resto, no tribunal a quo não aludiu na decisão recorrida a qualquer motivo excepcional para não ter ouvido as partes.
Reforça tal conclusão, a circunstância da falta de notificação do despacho inicial do Senhor Juiz, prenunciando a aplicação do artigo 281º do CPC, i.e, cerceando aos interessados qualquer possibilidade efectiva de justificar ou esclarecer a falta de impulso dos autos.
Note-se que até à decisão de deserção da instância, as partes não tinham sequer conhecimento, que os autos aguardavam, por decisão judicial, o decurso do prazo de deserção da instância.
Em conclusão, a decisão sob censura não pode subsistir.”
A Decisão Singular foi notificada à Cabeça de casal e ao Interessado A na pessoa dos seus mandatários judiciais, e aos interessados já citados, tendo a notificação sido elaborada a 13-10-2022.
Em 31-10-2022 e, de novo, a 03-11-2022, a Interessada e Cabeça de casal B apresentou requerimento, contendo uma lista com a identificação dos interessados já citados e a citar, juntando documentos, a saber:
A - Interessados citados pelo Cartório Notarial de C (…):
· B - Citada a 13/10/2019 - DOC. 1.
· D - Citada a 07/11/2019 - DOC. 2.
· E - Citado a 30/10/2019 - DOC. 3.
· G - Citada a 31/10/2019 - DOC. 4.
· A - Citado a 31/10/2019 - DOC. 5.
B - Interessados citados por empregado forense da (…), Sociedade Advogados:
· H - Citada a 02/06/2021 - DOC. 6.
· I - Citada a 20/08/2021 - DOC. 7.
· J - Citado a 06/05/2021 - DOC. 8.
· K - Citada a 08/06/2021 - DOC. 9.
· L - Citada a 27/05/2021 - DOC. 10.
· M - Citado a 28/05/2021 - DOC. 11.
· N - Citado a 11/05/2021 - DOC. 12.
· O - Citada a 10/05/2021 - DOC. 13.
· P - Citada a 06/05/2021 - DOC. 14.
· Q - Citado a 16/08/2021 - DOC. 15.
· R - Citada a 09/06/2021 - DOC. 16.
“C - Interessados com citação em falta e respetiva morada de que dispomos”:
· S - DOC. 17.
· T - DOC. 18.
· U - DOC. 19.
· V - DOC. 20.
Nesse requerimento, a Cabeça de casal requereu a citação dos interessados identificados em C e, caso as referidas citações se frustrassem nas moradas indicadas, que fosse dado cumprimento ao disposto no art.º 236.º, n.º 1, do CPC.
Após baixa do processo à 1.ª instância, veio a ser proferido, em 16-11-2022, despacho em que, no ora importa, consta o seguinte:
“Tomei conhecimento da baixa do Douto Acórdão.
Para cumprimento do mesmo notifique as partes para se pronunciarem/esclarecerem/justificarem a falta de impulso dos autos, a qual pode ser motivo de deserção da presente instância.”
Na sequência da notificação desse despacho às partes (elaborada a 17-11-2022), veio o Interessado A, em 02-12-2022, apresentar requerimento, alegando, em síntese, que a deserção da instância se encontra estabelecida desde junho de 2021 e que, estando os autos parados há mais de seis meses por negligência imputável à da Requerente, deve a instância ser considerada deserta, e, por consequência, extinta, nos termos dos artigos 277.º, al. c) e 281.º, n.º 1 do CPC.
Em 02-12-2022, a Cabeça de casal B apresentou requerimento, alegando o seguinte:
“Conforme mencionado no requerimento de 3 de Novembro de 2022 (ref. Citius 43758066), só falta citar quatro interessados.
Assim, requer a citação dos referidos interessados nas moradas indicadas e, caso as mesmas sejam devolvidas, que se pesquise nas bases de dados as moradas actuais (artigo 236.º do Código de Processo Civil).”
Em 17-11-2022, o Interessado A apresentou requerimento, alegando, em síntese, que as cartas de citação das interessadas (…) foram enviadas para moradas incorretas, pois tais interessadas não residem aí, tendo as cartas sido recebidas por uma vizinha, sem autorização das destinatárias, pelo que essas citações são inválidas; tão pouco se podem considerar validamente efetuadas as citações por empregada forense, sendo tais citações nulas ou até inexistentes. Terminou, requerendo que estas questões fossem apreciadas pelo Tribunal para regular andamento do processo, tendo em conta os princípios da limitação dos atos, da cooperação e da economia processual, e o dever de gestão processual.
Em 05-12-2022, os mandatários da cabeça de casal apresentaram renúncia ao mandato, tendo sido cumprido o disposto no art.º 47.º do CPC, vindo a Cabeça de casal juntar aos autos, em 04-01-2023, procuração a favor de outros ilustres advogados.
Em 17-03-2023, a Cabeça de casal apresentou novo requerimento, insistindo que só faltava citar quatro interessados e requerendo a citação dos mesmos nas moradas indicadas e, caso as cartas fossem devolvidas, que se pesquisasse nas bases de dados as moradas atuais nos termos do art.º 236.º do CPC.
Em 20-03-2023, foi proferido despacho determinando a notificação da Cabeça de casal para juntar aos autos as notas de citação efetuadas mediante contacto pessoal, tendo em atenção as exigências previstas nos artigos 237.º e 238.º do CPC, mais tendo sido determinada a notificação do Interessado A para indicar as moradas corretas das Interessadas (…).
Em 22-03-2023, a Cabeça de casal informou não dispor de tais comprovativos de citação, requerendo a citação dos interessados mediante agente de execução.
Em 28-03-2023, foi pelo Interessado A apresentado requerimento, alegando e requerendo, em síntese, que:
“salvo melhor entendimento, a deserção da instância encontra-se estabelecida desde junho de 2021, e a prática de actos posteriores à consumação da deserção não tem a virtualidade de inutilizar os seus efeitos.
Nestes Termos,
Requer que vossa excelência aprecie e decida a questão da deserção da instância, mormente, o nosso requerimento de 02/12/2022, com a referência 44047829.”
Em 16-05-2023 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Ref.ª 5176491:
Vem o interessado A (…), em síntese, requerer, por requerimento apresentado por I. Mandatário, ao tribunal “que aprecie e decida a questão da deserção da instância, mormente, o nosso requerimento de 02/12/2022, com a referência 44047829”.
Esse requerimento foi precedido, de um outro, com a ref.ª citius 4971621 (ref.ª do documento 43904979, no qual, o mesmo interessado, em requerimento apresentado por I. Mandatário, na sequência do despacho de ref.ª 52639480, proferido após baixa do recurso interposto de decisão que julgou deserta a presente instância, vem, em síntese, referir que “Todavia, tendo em conta o princípio da limitação dos actos (artigo 130.º do CPC), o princípio da cooperação e o princípio da economia processual, e, ainda, ao dever de gestão processual (artigo 6.º do CPC), cremos que o tribunal deverá “sanear” estas questões das citações de modo a garantir que não são praticados actos inúteis e a promover o regular andamento do processo, o que se requer.”.
Entre um e outro os autos prosseguiram os seus termos, pelo que, em conclusão, parece-nos que são requerimentos frontalmente contraditórios (um pugna pela extinção da instância, outro pelo seu prosseguimento), pelo que, notifique o I. Mandatário a fim de esclarecer qual o requerimento que pretende ver apreciado.”
Em 02-06-2023, o Interessado A pronunciou-se requerendo a apreciação do seu anterior requerimento, de 02-12-2022, e que, só no “caso de não proceder a deserção da instância”, fossem apreciadas as outras questões, relacionadas com a irregularidade das citações.
Em 09-10-2023, foi proferido o Despacho (recorrido), com o seguinte teor (sublinhado nosso):
“.- requerimento de 28-03-2023
Pelo requerimento assinalado, o interessado A (…) veio suscitar a verificação de fundamento para deserção da instância. Alegou, para tal, que a cabeça-de-casal não justificou a sua inércia nos autos, conforme despacho de 16-11-2022, e que foi proferido no seguimento da decisão sumária do TRL datada de 12-10-2022.
Mais reforçou o referido interessado tal intenção de deserção da instância, como resulta do requerimento de 02-06-2023.
Posto isto, foi proferido despacho em 18-10-2021, determinando que os autos aguardassem o decurso do prazo previsto no artigo 281.º do Código de Processo Civil.
Nesse seguimento, foi proferida a decisão de deserção, como consta do despacho de 05-05-2022.
Ora, a decisão sumária do Tribunal da Relação de Lisboa determinou a revogação do despacho que declarou a deserção da instância, uma vez que não foi dada às partes a faculdade de se pronunciarem quanto à falta de impulso processual verificada após a notificação à cabeça-de-casal do despacho de deserção.
O despacho que foi proferido em 16-11-2022 destinou-se, pois, a pôr cobro a tal circunstância, convidando as partes a pronunciarem-se quanto à falta de impulso processual, para efeitos de verificação do prazo a que alude o artigo 281.º do Código de Processo Civil.
Posto isto, a cabeça-de-casal nada justificou quanto à sua inércia, e requereu, ao invés, o prosseguimento dos autos (vide RE 4997326, de 02-12-2022).
A cabeça-de-casal não respondeu, pois, ao convite mencionado no despacho, a fim de justificar a sua inércia processual durante o período em que decorreu o prazo previsto no artigo 281.º do Código de Processo Civil.
Na verdade, a cabeça-de-casal apenas veio impulsionar os autos decorridos mais de seis meses depois de ter sido notificada do despacho que determinou o início da contagem do prazo de deserção.
Tampouco a cabeça-de-casal justificou a razão da inércia verificada nesse período.
Os demais interessados, igualmente notificados do despacho de 16-11-2022 a fim de se pronunciarem/esclarecerem/justificarem a falta de impulso dos autos, na medida em que também nada requereram nos autos durante o decurso do prazo, nada disseram.
Apenas o interessado A (…) veio pelo requerimento de 02-12-2022 com o RE 4996958, em resposta ao despacho de 16-11-2022, concluir pela verificação de deserção da instância.
Porém, se é certo que está em falta a decisão sobre a referida deserção, afigura-se que também não existiam condições para assim declarar a instância deserta.
Na esteira daquela decisão sumária do TRL, que revogou o despacho que declarou a instância deserta, afigura-se, para além do mais, que nem o próprio despacho a determinar o início do prazo previsto no art.º 281.º do CPC foi notificado às partes.
Não tendo havido lugar a essa notificação, jamais poderia ser declarada a deserção, porquanto nenhuma inércia pode ser assacada à parte que não está advertida para o decurso do prazo do artigo 281.º do Código de Processo Civil.
Em face do exposto, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, julgo não verificada a deserção da instância.
Notifique.
*
A fim de facilitar o desempenho das funções do tribunal, diligencie a secção pela elaboração de uma árvore dos interessados nos presentes autos com indicação do ato processual correspondente à sua citação.
DN
Mais notifique o interessado A (…) para dar cumprimento ao despacho de 20-03-2023.
Prazo: 10 dias”.
É com esta decisão que o Interessado A não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
A. A decisão recorrida defende que só haverá deserção se previamente o tribunal proferir despacho a sinalizar o decurso do prazo do artigo 281.º/1 do CPC, sem o qual esse prazo não se inicia.
B. Tal interpretação não tem o mínimo de correspondência na letra da lei, nem no seu espírito, configurando uma inutilização, uma ab-rogação do instituto jurídico da deserção.
C. Os pressupostos da deserção são a paragem do processo, por inércia das partes, e o decurso do tempo; o seu efeito (não o efeito do seu julgamento) é a extinção da instância [art.º 277.º/c)].
D. A deserção é um efeito directo do tempo sobre a instância — caducidade —, e ocorre independentemente da vontade das partes.
E. E o prazo conta-se do dia (dies a quo) em que a parte tomou conhecimento do estado do processo (ou que tenha tido obrigação de dele conhecer) que implica a paragem deste e torna necessário o seu impulso, não sendo exigido pela lei, para que o prazo se inicie, que o juiz o declare expressamente ou que o demandante seja notificado do seu início (neste sentido acórdão do TRL de 08/03/2007, proc. 1436/2007-8).
F. O prazo de deserção corre inelutavelmente desde a paragem dos autos, sendo que o único fenómeno processual apto a afetá-lo é a prática do acto (útil) que impulsiona o andamento dos autos.
G. E o julgamento da deserção traduz-se no reconhecimento judicial da verificação do seu primeiro requisito – paragem do processo por inércia das partes – por seis meses e um dia. É aqui que ocorre a deserção.
H. Após a ocorrência da deserção, os actos processuais espontaneamente praticados pelas partes são desprovidos do seu efeito jurídico processual típico. Tais actos não são idóneos a impedir o reconhecimento de deserção da instância (neste sentido, Ac. do STJ de 17/06/2004, proc. 04B1472).
I. In casu, competia à Requerente impulsionar o processo, incumbindo-lhe, em especial, proceder à citação dos respectivos interessados, o que não fez.
J. A instância considera-se parada desde a data em que se verifica a inércia da parte em praticar o acto necessário ao respectivo andamento.
K. E o prazo de 6 meses (e um dia) conta-se a partir do dia 12/12/2020, data em que se tornou possível à nomeada praticar o acto que condicionava o andamento do processo.
L. Estando o processo parado desde então, ou seja, por mais de 6 meses, em consequência dessa omissão, há que considerar que a Requerente foi negligente e que essa negligência lhe é imputável.
M. A deserção da presente instância encontra-se estabelecida desde junho de 2021.
N. Verificados os pressupostos da deserção, como efectivamente se verificam, não resta alternativa ao tribunal que não a de declarar a deserção da instância.
O. A decisão recorrida padece de erro de julgamento, por errada interpretação da lei.
P. Normas jurídicas que o recorrente considera que foram violadas: as normas dos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 281.º do CPC, o princípio de celeridade processual, o princípio da autorresponsabilidade das partes e o princípio da igualdade.
Terminou o Apelante pugnando pela revogação da decisão recorrida, declarando-se a instância extinta por deserção, nos termos dos artigos 277.º, al. c), e 281.º, n.º 1, ambos do CPC.
Foi apresentada alegação de resposta pela Cabeça de casal, em que concluiu nos seguintes termos:
I. Não merece censura o douto acórdão recorrido. Andou bem o Tribunal a quo ao não determinar a deserção deixando ali fundamentando – e, a nosso ver, bem – que nenhuma inércia pode ser assacada à parte que não está advertida para o decurso do prazo do artigo 281º do Código de processo Civil.
II. Ora, desde logo nem sequer entendemos estar perante uma situação de incumprimento de ónus imposto à parte. Os autos ficaram a aguardar a citação de alguns interessados.
III. A Requerente/Interessada/cabeça-de-casal forneceu ao Tribunal os nomes e moradas dos interessados cuja citação está em falta. (cfr. requerimento de 31/10/2022, com ref. Citius 603374)
IV. O tribunal a quo não praticou quaisquer actos tendentes às citações em falta, o que, s.m.o., nem determinou nada nesse sentido, o que, s.m.e., se impunha.
V. Por regra, e s.m.e., a não promoção pelo autor dos termos do processo quando é notificado da inviabilidades de diligências de citação do réu não gera deserção da instância, dado que isso não constitui o cumprimento de um dever sem o qual o processo haja de ficar parado, sem possibilidade de prosseguir oficiosamente os seus termos normais.
VI. E quando a prática do ato omitido não está unicamente dependente da iniciativa da parte, não há lugar à deserção da instância.
VII. Em decorrência dos princípios da gestão processual, cooperação processual e dever de prevenção emergente daqueles, deve o juiz sinalizar por despacho que a omissão da prática do ato devido para efeitos de impulso processual será, oportunamente, sancionada nos termos do Artigo 281º, nº1, do Código de Processo Civil.
VIII. E, no caso concreto, não obstante o atrás referido quanto ao(s) ato(s) omitido(s) (citação dos interessados, em falta), e mesmo que se entendesse que o tribunal a quo não tinha de praticar qualquer acto relativo às citações em falta, não estava dispensado de analisar o processo; e, só então, caso concluísse que cabia à Interessada/cabeça de casal B (…) prover pelas citações, declará-lo e dar conhecimento às partes que os autos aguardariam o seu impulso, sob pena de deserção.
IX. O que não ocorreu.
X. Pelo que não poderia proceder a pretendida deserção da instância, como não procedeu e - entendemos nós - bem.
XI. O Tribunal deverá sempre ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente da parte, uma vez a eventual negligência da parte, pressupõe uma efectiva omissão de diligência, não devendo, sem algo mais, vingar uma responsabilidade automática que culmina num despacho de deserção, tal como pretende a Apelante (sem razão)
XII. E em qualquer caso, tal despacho tinha de ser notificado à parte.
XIII. Mais a mais, quando se trata de despacho com consequência tão gravosa.
XIV. Só ocorrendo os sete requisitos da norma do art.º 281.º-1, CPC, que apontámos no corpo das alegações - que no presente caso não ocorreram -, é que o juiz julga deserta a instância.
XV. Ocorrendo os seis primeiros requisitos, mas não sendo feita a advertência judicial à parte, se o juiz proferir o despacho a declarar deserta a instância, verifica-se a omissão de um ato que devia ser praticado antes dessa declaração, pelo que este é nulo nos termos do art.º 195.º-1, CPC: o ato processual da notificação à parte constitui pressuposto do despacho de deserção.
XVI. Notificação que não se verificou no presente caso.
XVII. E assim sendo, como é, não poderia a instância ser considerada deserta.
XVIII. Tal como vem sendo reiterado pelos tribunais superiores, a propósito da aplicação do artigo 281º do CPC, a deserção da instância ali cominada só deverá ser declarada após apreciação das circunstâncias concretas, a fim de concluir pelo comportamento negligente no incumprimento do ónus de impulso processual; e, por outro lado, considerando os efeitos preclusivos da declaração da instância, aquela deverá ser proferida, respeitando o prévio exercício do contraditório.
XIX. Pelo que deverá ser julgado totalmente improcedente o recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, que a nosso ver não merece censura.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
A única questão a decidir é a de saber se deve ser declarada a deserção da instância.

Os factos do iter processual com relevância para o conhecimento do mérito do recurso são os que constam do relatório supra.

Defende o Apelante que, a partir do dia 12-12-2020, em que, segundo diz, se tornou possível à nomeada praticar o ato (as citações em falta) que condicionava o andamento do processo, este ficou parado, por mais de 6 meses, pelo que, em consequência dessa omissão, há que considerar que a Requerente foi negligente e que essa negligência lhe é imputável, estando verificados os pressupostos da deserção da instância desde junho de 2021.
A Requerente e Cabeça de casal discorda, argumentando que o Tribunal a quo deveria ter praticado atos tendentes à realização das citações em falta, considerando designadamente o requerimento de 31-10-2022 que aquela apresentou, não estando dispensado de analisar o processo e, caso concluísse que cabia à Interessada/Cabeça de casal B prover pelas citações, deveria disso ter dado conhecimento às partes, só a partir de então ficando os autos a aguardar o seu impulso, sob pena de deserção.
Apreciando.
É sabido que a deserção da instância decorre, nos termos do art.º 281.º, n.º 1, do CPC, da falta de impulso processual, por negligência das partes, decorridos mais de 6 meses. Trata-se de uma causa de extinção da instância [cf. art.º 277.º, al. c), do CPC] cuja razão de ser se prende com os princípios da celeridade processual, do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes.
Conforme se retira da definição legal, depende da verificação dos seguintes pressupostos:
- uma omissão de ato da parte, que é causal da paragem objetiva do processo;
- a negligência da parte onerada com o impulso processual;
- e o decurso do tempo (contado desde o momento em que a parte devia ter praticado o ato omitido).
Neste sentido, exemplificativamente, veja-se o acórdão do STJ de 12-07-2018, proferido no proc. n.º 411/15.7T8FNC-B.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, em particular o ponto II do respetivo sumário, com o seguinte teor: “A deserção da instância, actualmente prevista no art.º 281.º do CPC, depende da verificação de dois pressupostos: (i) o decurso de um período de tempo superior a 6 meses em que o processo, sem andamento, esteja a aguardar o impulso processual das partes; e (ii) a negligência das partes na promoção dos seus termos.”
Nas palavras de Paulo Ramos de Faria, in “O julgamento da deserção da instância declarativa (breve roteiro jurisprudencial)”, disponível para consulta na Julgar online, pág. 4, a deserção da instância pressupõe uma “paragem qualificada do processo”, sendo que “Como resposta legal para o impasse processual, a extinção da instância só se justifica, no entanto, quando tal impasse não possa (não deva) ser superado oficiosamente pelo tribunal. Assim, determina a lei que a paragem do processo que empresta relevo ao decurso do tempo deve ser o efeito, isto é, o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica integrada por dois elementos: a omissão de um ato que só ao demandante cabe praticar; a negligência deste” (sublinhado nosso).
Mais explica este autor (artigo citado, págs. 5-6), a propósito da negligência, que “a deserção da instância prescinde de um juízo de culpa (censura) sobre a conduta do demandante. Por exemplo, ainda que não se censure o autor por, antes de praticar o ato em falta, passar largos meses tentando chegar a acordo com o réu – o que se admite, embora sem conceder, pois as demoradas tentativas de acordo devem ser ensaiadas antes de se provocar o funcionamento da pesada e onerosa máquina judiciária –, tal comportamento será de qualificar como negligente, para os efeitos que nos ocupam.
Resulta do exposto que negligente significa aqui imputável à parte (causalmente imputável), e não a terceiro – como a uma conservatória que se atrasa na entrega de uma certidão – ou ao tribunal. Em suma, a assunção pelo demandante de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência.
Esta conclusão é confirmada pelo abandono da expressão empregue no Código de 1939 – a qual, de outro modo, seria mais correta. Resultando a deserção da instância da inércia das partes, e não apenas da inércia do autor, tal significa que ela ocorre porque o demandante não praticou o ato necessário ao andamento dos autos, não satisfazendo, negligentemente, o seu ónus de impulso processual, e porque o demandado não praticou qualquer ato sub-rogatório catalisador do processo, nos casos em que este ato está ao seu alcance – sem que, no caso do demandado, se possa formular, com propriedade, qualquer juízo de culpa. Ou seja, a deserção da instância resulta também (causalmente) da circunstância de o réu nada ter feito para a impulsionar – daí a lei antiga referir-se à inércia das partes –, mas não da sua negligência (hoc sensu), pois não tem este qualquer ónus ou dever de o fazer.
A conduta omissiva e negligente da parte onerada com o impulso processual só cessará com a prática do ato que, utilmente, estimule a instância, ou com a superveniência de uma circunstância que subtraia à vontade da parte a possibilidade da sua prática” (sublinhado nosso).
A jurisprudência do STJ sobre o conceito de negligência em causa é também pacífica e uniforme. Para além do acórdão acima citado, destacamos ainda o acórdão de 08-03-2018, proferido no processo n.º 225/15.4T8VNG.P1-A.S1, e o acórdão de 20-09-2016, proferido no processo n.º 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1 - 6.ª Secção, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, citando, pelo seu interesse, as seguintes passagens do sumário deste último:
“V - A negligência a que se refere o n.º 1 do art.º 281.º do CPC não é uma negligência que tenha de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, pelo contrário, trata-se da negligência ali objetiva e imediatamente espelhada (negligência processual ou aparente). 
VI - Tal negligência só deixa de estar constituída quando a parte onerada tenha mostrado atempadamente estar impossibilitada de dar impulso ao processo. 
VII - Inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual”.  
No caso em apreço, o impulso processual que o Apelante considera ter sido omitido diz respeito à citação de alguns interessados.
Importa, assim, ter presente a regra da oficiosidade das diligências destinadas à citação, consagrada no art.º 226.º do CPC, nos seguintes termos:
“1 - Incumbe à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato, sem prejuízo do disposto no n.º 4 e da citação por agente de execução ou promovida por mandatário judicial.
2 - Passados 30 dias sem que a citação se mostre efetuada, é o autor informado das diligências efetuadas e dos motivos da não realização do ato.
3 - Decorridos 30 dias sobre o termo do prazo a que alude o número anterior sem que a citação se mostre efetuada, é o processo imediatamente concluso ao juiz, com informação das diligências efetuadas e das razões da não realização atempada do ato.
4 - A citação depende, porém, de prévio despacho judicial:
(…) 6 - Não tendo o autor designado o agente de execução que deva efetuar a citação nem feito a declaração prevista no n.º 8 do artigo 231.º, ou ficando a designação sem efeito, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 720.º.”
A regra geral quanto à citação das pessoas singulares consta do art.º 228.º do CPC – a citação é efetuada por carta registada com a/r, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho. Preceitua o art.º 231.º, n.º 1, do CPC, que frustrando-se a via postal, a citação é efetuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando.
A citação pode também ser promovida pelo mandatário judicial, conforme previsto nos artigos 237.º e 238.º do CPC. Assim, o primeiro dispõe, sob a epígrafe, “Citação promovida pelo mandatário judicial”, que:
“1 - A citação efetuada nos termos do n.º 3 do artigo 225.º segue o regime do artigo 231.º, com as necessárias adaptações.
2 - O mandatário judicial deve, na petição inicial, declarar o propósito de promover a citação por si, por outro mandatário judicial, por via de solicitador ou de pessoa identificada nos termos do n.º 4 do artigo 157.º, podendo requerer a assunção de tal diligência em momento ulterior sempre que qualquer outra forma de citação se tenha frustrado.
3 - A pessoa encarregada da diligência é identificada pelo mandatário, na petição ou no requerimento, com expressa menção de que foi advertida dos seus deveres.”
Por sua vez, o art.º 238.º, atinente ao “Regime e formalidades da citação promovida pelo mandatário judicial”, preceitua que:
“1 - Os elementos a comunicar ao citando, nos termos do artigo 227.º, são especificados obrigatoriamente pelo próprio mandatário judicial, sendo a documentação do ato datada e assinada pela pessoa encarregada da citação.
2 - Sempre que, por qualquer motivo, a citação não se mostre efetuada no prazo de 30 dias contados da solicitação a que alude o n.º 2 do artigo anterior, o mandatário judicial dá conta do facto, procedendo-se à citação nos termos gerais.
3 - O mandatário judicial é civilmente responsável pelas ações ou omissões culposamente praticadas pela pessoa encarregada de proceder à citação, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar e criminal que ao caso couber.”
De referir, por último, que a citação edital por ausência do citando em parte incerta depende de prévio despacho judicial, como se alcança do disposto no art.º 236.º, n.º 1: “Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais”.
No presente processo, em face da devolução das cartas registadas enviadas para citação de alguns interessados, foi deferido pela Sr.ª Notária o requerido pela Cabeça de casal quanto à realização da citação por mandatário judicial, designadamente por empregada forense (cf. art.º 157.º, n.º 4, do CPC).
Sucede que essa empregada forense nada fez ou, se porventura diligenciou no sentido de realizar as citações de que foi incumbida, disso não deu conta, pois nada informou, não estando comprovada nos autos a efetivação das citações. Por esse motivo, a Sr.ª Notária remeteu o processo para o Tribunal, tendo considerado, dada a base legal em que se estriba a sua decisão, que o mesmo estava parado, sem realização de diligências úteis, há mais de seis meses.
Perante isso, o Tribunal recorrido limitou-se a determinar que os autos aguardariam (ao que parece, a partir dessa data, pois se assim não fosse teria sido determinado que continuavam a aguardar) “o impulso processual adequado sem prejuízo do decurso do prazo a que alude o art.º 281.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil”, o que parece ter subjacente a rejeição, naquela fase do processo, da oficiosidade das diligências tendentes à citação, face à posição anteriormente assumida pelo mandatário da Cabeça de casal.
Apesar de este despacho, proferido a 18-10-2021, não ter sido notificado às partes, o Tribunal de 1.ª instância decidiu julgar deserta a instância, decisão que foi anulada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por considerar que não havia sido observado o princípio do contraditório, acrescentando ainda que “até à decisão de deserção da instância, as partes não tinham sequer conhecimento, que os autos aguardavam, por decisão judicial, o decurso do prazo de deserção da instância”.
Portanto, a Relação, logo deu a entender, que, por não ter sido efetuada a notificação do despacho de 18-10-2021, não se podia censurar a falta de impulso dos autos por parte da Requerente. Esse entendimento mostra-se, aliás, alinhado com a consagração do dever de gestão processual e o princípio da cooperação consagrados nos artigos 6.º e 7.º do CPC.
Com efeito, há situações em que da tramitação do processo já resulta objetivamente evidenciado que se está a aguardar que a parte venha praticar um ato de que depende o normal andamento do processo, como sucede, por exemplo, na sequência de uma decisão de suspensão da instância em virtude do óbito de uma das partes (cf. artigos 269.º, n.º 1, al. a), e 276.º, n.º 1, al. a), ambos do Código de Processo Civil). Porém, nem sempre isso acontece, até porque, perante prazos perentórios (por vezes alargados por dilação ou prorrogáveis), o mais frequente é que o andamento do processo não esteja dependente do impulso processual da parte.
Assim, em regra, será necessário que exista um despacho do qual resulte, de forma cabal, que o processo está precisamente a aguardar por esse impulso processual, o que servirá para alertar/advertir as partes disso mesmo, justificando-se, até para obviar a eventuais dúvidas sobre as consequências da falta desse impulso, incluir uma referência ao disposto no art.º 281.º do CPC ou ao decurso do prazo da deserção (em casos mais duvidosos, porventura até explicitando a data por referência à qual se conta o prazo de 6 meses). Decorrido esse prazo, constatando o juiz não terem sido praticados os atos tidos por indispensáveis para impulso do processo, já não será necessário dar, de novo, às partes a possibilidade de se pronunciarem a respeito da deserção.
Neste sentido, acompanhamos e remetemos, por economia, para as considerações feitas por Paulo Ramos de Faria, no citado artigo, em que conclui (pág. 23) que “Princípio da cooperação e dever de gestão processual – O juiz tem o dever de comunicar às partes que o processo aguarda o seu impulso, esclarecendo-as sobre os efeitos da sua conduta.
Contraditório prévio à decisão – Se as partes já tiverem sido alertadas para a consequência da omissão do impulso pelo prazo de deserção, a lei não exige a sua audição após o decurso de tal prazo”.
Seguimos também, de perto, a posição que tem sido preconizada pelo STJ, em sucessivos arestos, conforme exemplificativamente ilustrado pelo acórdão de 19-09-2017, proferido na Revista n.º 1572/07.4TBCTX.E1.S1, cujo sumário, disponível em www.stj.pt, passamos a citar:
«I - A deserção da instância e dos recursos prevista no art.º 281.º do CPC visa impedir um desperdício de recursos em processos em que o próprio comportamento negligente de uma das partes indicia o seu escasso interesse genuíno no processo em causa. 
II - Para que se verifique a deserção da instância não se exige o carácter mais ou menos fundamental do acto omitido, mas apenas que, cabendo à parte o impulso processual este tenha sido omitido com negligência. 
III - Mesmo advertida da necessidade de impulso processual da sua parte, a autora/recorrente prolongou a sua inacção por mais de seis meses, pelo que ocorre negligência processual fundamento da deserção da instância devidamente declarada por despacho judicial. 
IV - Inexiste fundamento legal para a “audição” das partes (seja ou não a expensas do princípio do contraditório) em ordem à formulação de um juízo sobre essa negligência, a qual se apresentada retratada objectivamente no processo». 
Nesta linha, veja-se, ainda, a título exemplificativo, o acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 24-10-2019, proferido no processo n.º 2165/17.3T8CSC.L1.L1-2, em que a ora Relatora teve intervenção como Desembargadora-adjunta e do qual consta uma abundante resenha jurisprudencial, acórdão este disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:
“I - Para além dos casos em que tal decorre por força de um despacho judicial, há casos, excepcionais, em que a lei impõe às partes o ónus de um impulso processual. Um desses poucos casos é o da habilitação dos sucessores da parte falecida. Se a parte onerada com a necessidade de requerer a habilitação não o fizer, por negligência, durante um período de 6 meses, a instância será declarada deserta (art.º 281/1 do CPC).
II - Salvo casos excepcionais, o tribunal deverá alertar a parte para a consequência da deserção da instância por negligência no cumprimento daquele ónus durante aquele período de tempo, o que normalmente será feito com a referência expressa a essa possibilidade, ou com a menção de que o processo fica à espera da prática do acto sem prejuízo do decurso do prazo do art.º 281/1 do CPC.
III - Se a parte onerada com esse ónus nada fizer nesse prazo, nem vier ao processo, no decurso do prazo, justificar o facto, tal será suficiente para se concluir pela sua negligência e, por isso, o tribunal poderá declarar a deserção sem ter que ouvir as partes sobre isso”.
Para finalizar estas breves referências à jurisprudência e doutrina, destacamos as conclusões de Paulo Ramos de Faria, no seu referido artigo, em que conclui (pág. 23):
“Atendibilidade da deserção – Atualmente, o reconhecimento da deserção produz-se ope judicis, e não ope legis. O juiz conhece da deserção ex officio.
Natureza da decisão – O julgamento da deserção é meramente declarativo do facto jurídico processual extintivo da instância, tendo a decisão efeitos constitutivos ex tunc sobre o processo. Após a ocorrência da deserção, e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos espontaneamente praticados pelas partes são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico. Se o tribunal praticar atos processuais, poderá ficar impedido de, oficiosamente, declarar extinta a instância”.
Transpondo estas considerações para o caso em apreço, é forçoso concluir que, após a baixa dos autos vindos da Relação de Lisboa, deveria o Tribunal recorrido, mais do que determinar a audição das partes “para se pronunciarem/esclarecerem/justificarem a falta de impulso dos autos”, ter também, de seguida, após ouvir as partes, tomado posição (expressa) sobre a questão de saber se estavam (ou não) verificados os pressupostos da deserção.
Sendo certo que, na decisão a tomar, não poderia deixar de ter em consideração que o despacho de 18-10-2021 não havia sido notificado às partes, conforme salientado na Decisão Sumária da Relação, e que somente a partir da notificação dessa Decisão é que a Cabeça de casal podia ter conhecimento de que, na ótica do Tribunal, deveria impulsionar o processo (assumindo que isso respeitava à realização das citações em falta), sob pena de não o fazendo, a sua inércia configurar uma conduta omissiva e negligente que, a manter-se durante mais de 6 meses (contados daí em diante), conduziria à deserção da instância.
Parece-nos que é isto que, acertadamente, se entendeu na decisão recorrida, quando se recorda que nem o próprio despacho a determinar o início do prazo previsto no art.º 281.º do CPC foi notificado às partes.
Não tendo havido lugar a essa notificação, jamais poderia ser declarada a deserção, porquanto nenhuma inércia pode ser assacada à parte que não está advertida para o decurso do prazo do artigo 281.º do Código de Processo Civil.”
Ora, tendo a Requerente, poucos dias após ter sido notificada da Decisão Sumária da Relação, vindo apresentar requerimentos atinentes à realização das citações em falta, não se descortina fundamento legal para julgar verificada a deserção, tanto mais que, com tais requerimentos, em que informou não ter sido possível efetuar a citação de alguns interessados, haveria que “retomar” a regra da oficiosidade das diligências para citação, considerando o disposto no art.º 238.º, n.º 2, do CPC.
Portanto, o que se impunha era prosseguir com o normal andamento dos autos, apreciando os requerimentos das partes sobre as citações efetuadas e a efetuar.
Finalmente, sempre se dirá que, face aos atos que foram praticados no processo após a prolação da Decisão Sumária da Relação, tanto pelas partes, como pelo Tribunal, se nos afigura que seria até atentatório da boa-fé processual e do princípio da proteção da confiança, ínsito no Estado de Direito, vir agora declarar a deserção da instância, com fundamento na inércia da Requerente a partir do dia 12-12-2020, inércia essa anterior à própria remessa dos autos para o Tribunal da comarca e na qual a Sr.ª Notária se terá baseado para convocar o disposto no art.º 12.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 117/2019, de 13-09 (que, além do mais, aprovou o  Regime do Inventário Notarial). Efetivamente, foi por entender que o processo estava parado, sem realização de diligências úteis, há mais de seis meses, que aquela remeteu oficiosamente o processo para o Tribunal da Comarca, o qual, sublinhe-se, não viu então, em 18-10-2021, motivo para julgar deserta a instância, pois tão só considerou que o processo ficaria, a partir de então, a aguardar pelo impulso processual adequado, vindo mais tarde o Tribunal a considerar, implicitamente, mormente com o despacho de 20-03-2023, que não havia que declarar a deserção da instância.
Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso, ao qual será negado provimento.

Vencido o Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).

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III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida, que julgou não verificada a deserção da instância.
Mais se decide condenar o Apelante no pagamento das custas do recurso.

D.N.

Lisboa, 08-02-2024
Laurinda Gemas
António Moreira
Carlos Castelo Branco