Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3212/21.0T8ALM.L1-6
Relator: TERESA SOARES
Descritores: CONTRATO DE COMODATO
OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO DE VEÍCULO
OBRIGAÇÃO NATURAL
PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I–De acordo com o art.º 1129.ºCC “Comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.”

IIEstipula-se no art.º 1136.º (Perda ou deterioração da coisa)
1.-Quando a coisa emprestada perecer ou se deteriorar casualmente, o comodatário é responsável, se estava no seu poder tê-lo evitado, ainda que mediante o sacrifício de coisa própria de valor não superior. (sublinhado nosso)

IIIProvado que o acidente – a queda da tenda - se ficou a dever a uma intempérie temos que concluir que não estava nos poderes do R. ter evitado o dano que o veículo sofreu.
Não pode pois imputar-se ao R. o incumprimento do contrato de comodato.

IVSe o R procedesse à reparação do veículo estariamos no âmbito do cumprimento de uma obrigação natural

V–O R. assumiu a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelo veículo, enquanto estava na sua posse.

VI–A obrigação que tinha assim uma natureza de obrigação natural passou, face à assumpção da responsabilidade pelo R. a ter a natureza de uma obrigação civil.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa




F, solteiro, maior, contribuinte fiscal n.º …, residente na Avenida … Amadora, instaurou acção declarativa de condenação, a qual segue a forma de processo comum, o que fez contra o Município ….,….

Para fundar a respectiva pretensão, alegou o autor:
Em Novembro de 2017, e na sequência de colaborações anteriores, a Ré solicitou, ao Autor, que este lhe disponibilizasse/cedesse, gratuitamente, o uso do veículo de que é proprietário, da marca “Volkswagen”, modelo “Transporter Kastenwagen” (vulgarmente conhecido como “pão-de-forma”), do ano 1970, com a matrícula AG…, para o evento “Aldeia Natal .....”, conforme Documento n.º 1.

Ficou acordado que a Ré deveria restituir o veículo ao Autor, no mesmo estado em que lhe foi entregue, no dia 23.12.2017, dia em que o supra referido evento (“Aldeia Natal .....”) terminaria;
Não obstante, em 15.12.2017, a Ré informou, o Autor, que o veículo, no dia 10.12.2017, tinha sofrido alguns danos, de entre os quais “algumas amolgadelas e um farolim partido”, em virtude da queda da estrutura de uma tenda em cima do veículo.
No dia 04.09.2018, a solicitação da Ré, o Autor deslocou-se com o mecânico Albino ao local onde se encontrava a carrinha, no parque exterior dos serviços centrais do Município …, tendo o mesmo inspeccionado o estado do veículo; Sendo que, no local, foram detectados os seguintes danos visíveis no veículo: estrutura exterior e cantoneiras degradadas com diversas mossas e ferrugem, pintura desgastada e riscada, estrutura do tejadilho danificada/partida, interior degradado (madeira com humidade e deteriorada, forro do chão interior em tecido levantado e rasgado, estofos dos bancos danificados – sendo que o condutor se encontrava rasgado –, interior da porta do passageiro com humidade e deteriorada/lascada, tecto interior degradado/a com sinais de humidade e descolado e luz de presença partida, hidráulico partido), portas danificadas com riscos, amolgadelas e ferrugem e com dificuldade de abertura/fecho, borrachas de isolamento dos vidros laterais degradadas/em decomposição, um dos faróis superiores (instalado no tejadilho) totalmente partido, tudo conforme registo fotográfico efectuado na data e local referidos, que ora se junta como Documento n.º 2.
Não tendo o réu diligenciado pela efectiva reparação do veículo, embora a tal se tenha comprometido, nem tendo pago o valor da sua reparação, retendo-o, mesmo após todas as diligências encetadas pelo autor no desiderato de obter tal reparação, ficando o autor privado do seu veículo, que usava na sua actividade profissional de chef, bem como em lazer, em consequência do que deve o réu ser responsabilizado pelo ressarcimento dos danos que ocasionou com a sua conduta.

Conclui o autor que a presente acção deve ser julgada procedente, por fundada e provada, e, em consequência, pede seja o réu condenado nos seguintes pedidos:
a)-A reparar, por si ou à sua custa, os danos supra identificados provocados no veículo, no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado da decisão e, de seguida, a restituí-lo ao autor no mesmo estado em que lhe tinha sido entregue; subsidiariamente, e no caso de o veículo vir a ser entregue pelo réu ao autor e este proceda à sua reparação, em substituição do réu, a pagar-lhe, a título de indemnização, o custo suportado com a reparação (cujo montante não é possível, neste momento, definir com exactidão, embora se estime ronde o montante de € 21.666,86), a liquidar nos termos do disposto no artigo 358.º e seguintes do Código de Processo Civil, acrescido de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b)-A pagar ao autor uma indemnização pela privação do uso do veículo, em montante a fixar equitativamente pelo Tribunal, o qual se entende, no entanto, não dever ser inferior a € 30,00 diários, contabilizados desde 23.12.2017 até à data da entrega do veículo ao autor integralmente reparado, liquidando-se, assim, provisoriamente, até à presente data, tal montante indemnizatório, à razão de € 30,00 diários, em € 37.350,00;
c)-A pagar ao autor uma indemnização por danos não patrimoniais, em montante a fixar equitativamente pelo Tribunal, o qual se entende não dever ser inferior a € 1.500,00.

Contestou o R. invocando a prescrição e impugnando a extensão dos danos alegados pelo autor, invocando ainda o mau funcionamento do veículo e defendendo que foi o autor quem ocasionou a dilação na sua reparação, fazendo exigências infundadas e que excedem o dano sofrido, concluindo o réu pela improcedência da acção,

Foi proferido despacho saneador onde se julgou improcedente a excepção de prescrição.

Realizou-se o julgamento após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
a)-Condeno o réu Município … a restituir ao autor F o veículo a este pertencente, com a matrícula AG…, da marca “Volkswagen”, modelo “Transporter Kastenwagen”, vulgarmente conhecido como “pão-de-forma”, do ano 1970, após sua reparação, em conformidade com o relatório pericial de fls. 159 a 169 verso, a realizar no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, após o trânsito em julgado da sentença, ou, em alternativa e para o caso de não cumprir esta última prestação nesse prazo, condeno o réu Município … a pagar ao autor F indemnização equivalente ao valor dessa reparação, a liquidar em incidente ulterior à sentença, mas não inferior a € 21.666,86 (vinte e um mil e seiscentos e sessenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos);
b)-Condeno o réu Município … a pagar ao autor F a quantia diária de € 30,00 (trinta euros), desde 23.12.2017 até à restituição do veículo identificado em a) reparado ou até ao pagamento da indemnização fixada em alternativa, bem como o condeno no pagamento da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;
c)-Condeno o réu Município … a pagar ao autor F juros moratórios, à taxa de 4%, contados desde a liquidação e até integral pagamento no tocante à quantia objecto da condenação alternativa constante de a) e desde a citação e até integral pagamento quanto às quantias objecto da condenação exarada em b);
d)-Condeno o réu nas custas do processo.

Desta sentença recorre o R. apresentando conclusões que não respeitam a imposta síntese conclusiva, decorrente do art.º 639.º do CPC.
Contudo, optou-se por não convidar à sintetização, por tal redundar, as mais das vezes, em atropelos processuais.

São as seguintes conclusões:
IVem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa que julgou a acção procedente, por provada e, em consequência: condenou ou Réu Município …:
d)-A restituir ao autor F o veículo a este pertencente, com a matrícula AG…, da marca “Volkswagen”, modelo “Transporter Kastenwagen”, vulgarmente conhecido como “pão-de-forma”, do ano 1970, após sua reparação, em conformidade com o relatório pericial de fls. 159 a 169 verso, a realizar no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, após o trânsito em julgado da sentença, ou, em alternativa e para o caso de não cumprir esta última prestação nesse prazo, condeno o réu Município … a pagar ao autor F indemnização equivalente ao valor dessa reparação, a liquidar em incidente ulterior à sentença, mas não inferior a € 21.666,86 (vinte e um mil e seiscentos e sessenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos);
e)-A pagar ao autor F a quantia diária de € 30,00 (trinta euros), desde 23.12.2017 até à restituição do veículo identificado em a) reparado ou até ao pagamento da indemnização fixada em alternativa, bem como o condeno no pagamento da quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;
f)-A pagar ao autor F juros moratórios, à taxa de 4%, contados desde a liquidação e até integral pagamento no tocante à quantia objecto da condenação alternativa constante de a) e desde a citação e até integral pagamento quanto às quantias objecto da condenação exarada em b);
II–O Réu, ora Recorrente, não se conforma com a Douta Sentença proferida e muito respeitosamente considera haver erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, erro no julgamento de facto, porquanto as provas obtidas à materialidade impugnada conduzem e impõem uma decisão diferente da tomada, e erro de julgamento de direito - razão pela qual, desde já, impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto – com recurso à prova gravada - e de direito.
III–A prova produzida no seu conjunto, declarações de parte, prova testemunhal e a prova documental nos autos, contraria as conclusões a que chega o tribunal e impõe a alteração dos factos, assim, incorrectamente julgados, e ainda que se aditem outros com interesse para a boa decisão da causa, os quais a final determinam decisão diversa da proferida. Como segue:
IV–Consta do ponto 5. do elenco dos factos provados que “Não obstante, em 15.12.2017, o réu informou o autor que o mencionado veículo, no dia 10.12.2017, tinha sofrido alguns danos, de entre os quais “algumas amolgadelas e um farolim partido”, em virtude da queda da estrutura de uma tenda em cima do veículo.”; Neste ponto o tribunal reproduziu a factualidade tal como a fez constar o A. na sua petição inicial, e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto esclarece que a demonstração da matéria que nele se encontra plasmada “fundou-se no acordo das partes, tratando-se de factualidade invocada pelo autor na sua petição inicial, a qual o réu não impugnou e que não está em contradição com a defesa considerada na sua globalidade.”; E assim julgou incorrectamente o ponto 5. do elenco dos factos dados como provados, dele faltando a materialização imprescindível de que a aludida queda da estrutura de uma tenda em cima do veículo, e que lhe causou o apontado dano, resultou da ocorrência de um temporal (tempestade “Ana”).
V–Com efeito, a factualidade em apreço encontra-se em contradição com a defesa do Réu no seu conjunto, lendo-se na contestação aduzida pelo Réu, na parte que ora importa atender, sob o artigo 15.º, como se transcreve: ”E na madrugada do dia 10.12.2017, devido à intempérie que se fez sentir (a tempestade então designada “Ana”, e que vastos prejuízos provocou na costa atlântica), a tenda colapsou parcialmente, tendo a viatura sofrido alguns danos, designadamente, uma mossa na dianteira do lado direito, bem como um farolim partido, do mesmo lado”.
VI–Por seu turno, na fundamentação da própria Sentença e reportando-se às declarações prestadas pelo Autor, alude-se que o mesmo nessas mesmas declarações foi “relatando os eventos que se seguiram à comunicação da queda de uma tenda sobre a carrinha, por causa de um temporal, detalhando que se tratava de uma tenda pesada, com estrutura metálica”. Declarações estas prestadas pelo Autor, no dia 14 de Abril de 2023, tendo ficado gravado em suporte magnético (CD), com começo às 00 horas 03 minutos e 29 segundos e fim às 00 horas 58 minutos e 45 segundos (conforme Acta de Audiência Final, 1.ª Sessão) e no que ora importa entre os minutos 00:14:30 a 00:15:10.
VII–Também na fundamentação da sentença e reportando-se às declarações da testemunha RV, Adjunto da Presidência da Câmara Municipal … (testemunha comum), refere-se que “este explicou que a tempestade “Ana” fez colapsar a tenda na qual foi colocada, ocasionando estragos no veículo, tendo o réu assumido a responsabilidade pela reparação da viatura logo após o sinistro” – conforme declarações prestadas no dia 10 de Maio de 2023, tendo ficado gravado em suporte magnético (CD), com começo às 01 horas 28 minutos e 41 segundos e fim às 02 horas 23 minutos e 20 segundos (conforme Acta de Audiência Final, 2.ª Sessão) e no que ora importa entre os minutos 01:32:26 a 01:35:41.
VIII–Com suporte na prova produzida e ora analisada, deverá o ponto 5. Dos factos provados ser alterado, ficando com a seguinte redacção:
5.- Não obstante, em 15.12.2017, o réu informou o autor que o mencionado veículo, no dia 10.12.2017, tinha sofrido alguns danos, de entre os quais “algumas amolgadelas e um farolim partido”, em virtude da queda da estrutura de uma tenda em cima do veículo, o que resultou da ocorrência de um temporal (tempestade “Ana”).
IX–Consta no ponto 8. do elenco dos factos provados que “Nos meses seguintes, o réu foi transmitindo ao autor que estava a manter contacto com diversas oficinas, para efectivar a reparação do veículo sendo que, “por diversas razões”, que não concretizou, nenhuma apresentava orçamento.” Este ponto da matéria de facto assente corresponde, novamente, à transcrição integral da factualidade que o Autor, ora Recorrido, fez constar no artigo 23.º da sua petição inicial, e foi incorretamente julgado. Porquanto, da prova produzida em julgamento, nomeadamente das próprias declarações de parte do Autor e do depoimento das testemunhas RV, testemunha comum, e IF, arrolada pelo Autor, resultam clarificadas as “diversas razões” pelas quais o Réu não conseguiu obter orçamento.
X–Com efeito, o Réu necessitava de orçamento de reparação para instruir a participação do seguro e posterior reparação do veículo, mas, para tanto, não conseguia encontrar oficina que apresentasse orçamento uma vez que nenhuma assumia a reparação da carrinha dado tratar-se de um clássico.
Dificuldade que decorre e fica comprovado pelo depoimento da testemunha RV, Adjunto da Presidência da Câmara Municipal … (testemunha comum), prestado no dia 10 de Maio de 2023, tendo ficado gravado em suporte magnético (CD), com começo às 01 horas 28 minutos e 41 segundos e fim às 02 horas 23 minutos e 20 segundos (conforme Acta de Audiência Final, 2.ª Sessão) e no que ora importa entre os minutos 01:40:32 e 01:44:00.
XI–Foi grande a dificuldade em obter orçamentos atenta a característica do veículo, por ser um clássico, que o Autor bem conhecia, mesmo antes de lhe ter sido transmitida essa dificuldade pelo Réu. Como, se comprova pelas suas declarações prestadas no dia 14 de Abril de 2023, tendo ficado gravado em suporte magnético (CD), com começo às 00 horas 03 minutos e 29 segundos e fim às 00 horas 58 minutos e 45 segundos (conforme Acta de Audiência Final, 1.ª Sessão) e no que ora importa entre os minutos 00:17:06 e 00:17:30 e entre os minutos 00:27:12 e 00:28:35.
XII–Tudo conforme foi, ainda, confirmado pela Testemunha IF, arrolada pelo Autor, amiga do Autor e colega de profissão desde 2012, com depoimento prestado no dia 14 de Abril de 2023, tendo ficado gravado em suporte magnético (CD), com começo às 01 horas 31 minutos e 25 segundos e fim às 02 horas 29 minutos e 20 segundos (conforme Acta de Audiência Final, 1.ª Sessão) e no que ora importa entre os minutos 01:58:43 e 02:02:48 e entre os minutos 02:13:20 a 02:13:58.
XIII–Ainda, com suporte na prova documental, nomeadamente no Documento n.º 1 junto com a contestação do Réu, consta um conjunto de emails, nos quais, e na parte que ora importa, consta um email datado de 10.05.2018, pelo qual o Autor, através da identificada testemunha IF faculta, ao Réu, os contactos do aludido mecânico, Sr. Albino, e um outro email remetido pelo o Réu no dia seguinte, dia 11.05.2018, ao identificado mecânico solicitando-lhe orçamento para reparação da viatura, facultando para o efeito e nomeadamente a descrição e fotos da mesma (conforme emails que por facilidade se deixaram reproduzidos em sede de alegações);
XIV–Com suporte na prova produzida e ora analisada, deverá o ponto 8. Dos factos provados ser alterado, ficando com a seguinte redacção:
8.- Nos meses seguintes, o réu foi transmitindo ao autor que estava a manter contacto com diversas oficinas, para orçamentarem e efectivarem a reparação do veículo sendo que, não conseguia encontrar oficina que apresentasse orçamento uma vez que nenhuma assumia a reparação da carrinha dado tratar-se de um clássico.
XV–Ainda a este respeito, e com suporte na prova produzida e ora analisada, haverá que dar ao elenco dos factos provados o seu adequado contexto e aditando-se-lhes factos que se entendem ser essenciais para a boa decisão da causa. Assim, devem ser aditados os seguintes factos essenciais e que resultam da prova produzida:
  • O Réu necessitava do orçamento de reparação, também, para instruir a participação do sinistro junto da seguradora; (e mais adiante, essencial para a concretização e contextualização material e impugnação do facto assente em 15.)
  • O Autor bem conhecia a dificuldade em encontrar oficinas especializadas que efectuassem a reparação da carrinha, dado tratar-se de um clássico; (e no seguimento do facto assente em 9. Nessa sequência, em 10.05.2018 e a pedido do réu, o autor disponibilizou-lhe os contactos de um mecânico, que sabia efectuar trabalhos de reparação/reestruturação de veículos mais antigos / “clássicos”.)
  • Por email de 11 de Maio de 2018 o Réu solicitou ao mecânico indicado pelo Autor a apresentação de orçamento para a reparação da carrinha, sendo que para o efeito facultou a descrição e fotos da mesma.
XVI–O facto assente sob o ponto 14., pelo qual “Na sequência da aludida vistoria ao veículo, o referido mecânico, Sr. Albino, elaborou um orçamento estimativo de reparação dos aludidos danos, no montante de € 22.140,00 (vinte e dois mil e cento e quarenta euros), constante de fls. 123 e cujo teor se dá por reproduzido, o qual foi remetido à ré, no dia 07.01.2019.”, foi, de igual modo, incorrectamente julgado pelo tribunal.
XVII–O aludido orçamento, não obstante ter sido apenas remetido pelo Autor à Ré por email de 07.01.2019, foi elaborado pelo mecânico em 10.11.2018 – conforme se alcança do referido orçamento junto ao já supra aludido Documento n.º 1 que se encontra oferecido junto à contestação do Réu, e do qual consta, ainda, o aludido email datado de 07.01.2019, remetido por IF (colaborado do Autor) ao Réu, apresentando e anexando o orçamento em apreço – “que o nosso mecânico apresentou para o arranjo do pão-de-forma”. Acresce que, o aludido orçamento foi elaborado tendo por base os danos que a viatura apresentada à data da vistoria, isto é, em 04.09.2018 (cfr. ponto assente em 11.), e não os danos decorrentes do sinistro (assentes sob o ponto 5.), e como ainda resulta no confronto com o facto assente no ponto 12.
XVIII–Assim, deverá o ponto 14. dos factos provados ser alterado, devendo dele a passar a constar a data em que o aludido orçamento foi realizado pelo mecânico e bem assim que o mesmo orçamentou os danos que o veículo apresentava na data em que foi vistoriado, ficando com a seguinte redacção:
14.- Na sequência da aludida vistoria ao veículo [realizada em 09.09.2018, conforme facto assente em 11.], o referido mecânico, Sr. Albino, elaborou, em 10.11.2018, o orçamento estimativo de reparação dos danos existentes e que o veículo apresentava naquela data, no montante de € 22.140,00 (vinte e dois mil e cento e quarenta euros), constante de fls. 123 e cujo teor se dá por reproduzido, o qual foi remetido pelo autor ao réu, por email, no dia 07.01.2019.
XIX–É patente na Sentença proferida, na sua fundamentação da decisão de facto a manifesta imputação ao Réu, ora Recorrente, de um comportamento intencionalmente omisso e retardador visando como fim a não reparação da carrinha – juízo valorativo com o qual suportou a matéria de facto que materializou como assente. Essa imputação encontra arrimo, a título de exemplo, nas páginas 20 e 23 da Sentença;
XX–Como resulta da análise critica da prova a que se promoveu supra atinente aos pontos 8. e 14., resulta infirmada esta apreciação do tribunal. Caso o tribunal tivesse atentado nas declarações do Autor e no depoimento das testemunhas e nos documentos – que também falam – alcançaria que eram verdadeiros os motivos objectivos pelos quais o Réu, ora Recorrente, não logrou obter orçamento, desde o sinistro e pelo menos durante 5 (cinco) meses – período circunscrito ao momento temporalmente anterior a 10.05.2018 (data em que os contactos de mecânico para o efeito lhe são facultados pelo A.) – não conseguia encontrar oficina que apresentasse orçamento uma vez que nenhuma assumia a reparação da carrinha dado tratar-se de um clássico - motivos esses que eram do conhecimento do Autor e foram por estes relatados ao tribunal;
XXI–No hiato temporal que decorreu desde o email de 11.05.2018, pelo qual o Réu solicita o orçamento ao mecânico indicado pelo A. decorreram três eventos, a saber:
- Apenas “No dia 04.09.2018, a solicitação do réu, o autor deslocou-se com o mecânico Sr. Albino ao local onde se encontrava a carrinha, no parque exterior dos Serviços Centrais do Município …, tendo o mesmo inspeccionado o estado do veículo”.(facto assente em 11.);
- Apenas em 10.11.2018 foi o inerente orçamento elaborado pelo mecânico indicado pelo Autor - conforme consta do próprio orçamento (no seu cabeçalho e no seu radapé: “ Emitido em: 10/11/2018 09.30:53”);
- O aludido Orçamento, não obstante ter sido feito em 10.11.2018, apenas foi remetido pelo Autor ao Réu, por email, em 07.01.2019;
Hiato temporal de 8 (oito) meses que, seguramente, não poderá ser imputado sob qualquer título ao Réu, como pretende a Sentença.
XXII–Censura a Sentença e valora para alcançar a decisão a que chegou que o Réu tenha levado meses (cinco) sem que tenha obtido qualquer orçamento – percebendo-se, no iter de raciocínio que constrói, que lhe imputa e lhe assaca omissão na observância das diligências que se lhe impunham, mas olvida em ponderar que foi perante essa dificuldade que o Réu pediu ao Autor o qual lhe indicou o mecânico que lhe havia feito o restauro na carrinha, tendo neste contexto aguardado pelo orçamento – e pelo qual esperou oito meses no decurso do circunstancialismo factivo já descrito.
XXIII–O orçamento foi feito pelo mecânico em 10.11.2018 mas, sem que se perceba o motivo, apenas em 07.01.2019 (volvidos dois meses) é que o Autor o remeteu ao Réu.
XXIV–A este propósito, questiona-se: se o Autor estava tão preocupado com a sua carrinha e com a sua reparação, a mesma tinha tanto “valor sentimental” para ele (Cfr. facto assente no ponto 43.) como é que, pasme-se (!) (usando-se a mesma terminologia da Sentença), depois do sinistro, apenas foi ver a sua carrinha em Março de 2018, volvidos 3 meses sobre o acidente, e demorou 2 meses a remeter o orçamento ao Réu?
XXV–Consta no ponto 15. do elenco dos factos provados que “Apenas em Janeiro de 2019 é que o réu participou a ocorrência/sinistro referido em 5. À «Companhia de Seguros Tranquilidade», o que transmitiu ao autor em 09.01.2019.” Mais uma vez, o tribunal reproduziu factualidade tal como a fez constar o A. na sua petição inicial e na sua fundamentação da decisão sobre a matéria de facto esclarece que a demonstração da matéria que se encontra plasmada sob o ponto 15. “fundou-se no acordo das partes, tratando-se de factualidade invocada pelo autor na sua petição inicial, a qual o réu não impugnou e que não está em contradição com a defesa considerada na sua globalidade.”- e assim julgou incorrectamente o ponto 15. do elenco dos factos dados como provados.
XXVI–Mais uma vez, e ao contrário do alegado na sentença, a factualidade em apreço encontra-se em contradição com a defesa do Réu no seu conjunto.
Com efeito, lê-se na contestação aduzida pelo Réu, na parte que ora importa atender, sob o artigo 18, 21 a 23 como se transcreve:18.- A 30.01.2018 foi realizada participação do sinistro por parte da Divisão do Plano, Orçamento e Gestão Financeira, a qual contactou a Ponto Seguro, Lda., mediadora, tendo o processo ficado junto da Tranquilidade Seguros, pendente da apresentação de orçamento de reparação;”(sublinhado nosso); 21.Considerando as dificuldades sentidas pelo Município em orçamentar a reparação, mediante solicitação, a 10.05.2018, IF, assistente do Chefe FB, indicou o contacto da oficina AUTOMESTRES (Sr. Albino), tendo sido o orçamento solicitado no dia seguinte; 22. Mas, apenas a 04.09.2018, IF e o Sr. Albino se deslocaram aos Serviços Centrais para verificar a viatura; 23. A 07.01.2019, é enviado à autarquia o orçamento do Sr. Albino, para “Reparação de Sinistro – Bate Chapa”, no montante de €18.000,00 + IVA, elaborado pela GARAGEM AUTO MESTRES LDA, em, 10.11.2018, e que foi imediatamente remetido para a seguradora (Doc. n.º 1);” (negrito nosso).
XXVII–No Documento n.º 1 junto à contestação, foi junto email datado de 08.01.2019, pelo qual o Réu, ora Recorrente, remete à seguradora participação do seguro instruída com o orçamento “parecer técnico do sinistro” – o que faz logo que da parte do Autor recepcionou o orçamento.
XXVIII–Isto mesmo foi assumido no depoimento da testemunha RV, prestado no dia 10 de Maio de 2023, tendo ficado gravado em suporte magnético (CD), com começo às 01 horas 28 minutos e 41 segundos e fim às 02 horas 23 minutos e 20 segundos (conforme Acta de Audiência Final, 2.ª Sessão) e no que ora importa entre os minutos 01:40:32 e 01:42:00.
XXIX–Comprovado fica que o Réu, ora Recorrente, necessitava do orçamento, também para instruir a participação à seguradora, tanto assim que logo que o recepcionou remetido pelo Autor, o remeteu no imediato para a seguradora instruindo a participação do seguro, deverá o ponto 15. dos factos provados ser alterado, ficando com a seguinte redacção:
15.- Logo após a recepção do aludido orçamento, o Réu remeteu-o à seguradora instruindo a participação do sinistro, o que fez por email datado de 08.01.2019, o que transmitiu ao autor em 09.01.2019.
XXX–Quanto ao ponto 16. do elenco dos factos provados, “16. Sendo que aquela Seguradora, em 17.04.2019, comunicou à oficina indicada pelo réu, com a firma «JM..... ... P....., Ld.ª», que “assumimos a liquidação da reparação da viatura, conforme acordo condicional entre o nosso perito e essa oficina, pelo valor de € 619,83 já com IVA”, importa precisar e concretizar que o indicado valor correspondente ao valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro mencionado em 5.
XXXI–Esta concretização decorre do cotejo do facto assente em 14. Na redação que resulta dada supra na impugnação da materialização que ficou acolhida na Sentença - 14. Na sequência da aludida vistoria ao veículo [realizada em 09.09.2018, conforme facto assente em 11.], o referido mecânico, Sr. Albino, elaborou, em 10.11.2018, o orçamento estimativo de reparação dos danos existentes e que o veículo apresentava naquela data, no montante de € 22.140,00 (vinte e dois mil e cento e quarenta euros), constante de fls. 123 e cujo teor se dá por reproduzido, o qual foi remetido pelo autor ao réu, por email, no dia 07.01.2019. – e do facto que se mostra assente sob o ponto 18. da factualidade dada como provada na Sentença – “18. Em resposta à reclamação referida em 17., a seguradora, em 08.05.2019, comunicou ao autor que: “Em anexo segue relatório de peritagem auto, sendo o valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro, o valor de € 616,83, sendo o valor venal da viatura de € 15.000,00. O lesado apresentou uma reclamação no valor de € 18.000,00 + IVA, suportada no orçamento. Analisada a reclamação viemos a apurar que estão a ser reclamados outros danos na carrinha, que em nada têm a ver com o sinistro, nomeadamente de danos face ao estado e uso. O lesado está a reclamar uma restauração integral na sua carrinha, beneficiando notoriamente, com o sinistro participado, que de forma alguma podemos considerar.” (sublinhado nosso).
XXXII–Assim, o ponto 16. do elenco dos factos provados deve passar a ter a seguinte redacção:
6.- Sendo que aquela Seguradora, em 17.04.2019, comunicou à oficina indicada pelo réu, com a firma «JM..... ... P....., Ld.ª», que “assumimos a liquidação da reparação da viatura, conforme acordo condicional entre o nosso perito e essa oficina, pelo valor de €619,83 já com IVA” – correspondendo este ao valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro mencionado em 5.
XXXIII–Quanto ao ponto 20. do elenco dos factos provados, “Por e-mail de 03.06.2019, o réu solicitou ao autor a indicação de data e local para transporte da carrinha, sendo que seria assegurado o reboque até ao local indicado”, deverá ser concretizado com conteúdo do email que o materializa e lhe dá o devido contexto e sentido – o que não fez a sentença.
XXXIV–Do email de 03.06.2019, protestado juntar pelo Réu com a contestação, e que foi junto como primeiro documento sob o requerimento de 06/07/2021 com a referência citius 29739155, resulta que:
“O Processo foi reanalisado, quer pela seguradora, quer pela área jurídica, e as conclusões foram coincidentes, no sentido de não podermos ir mais além que o valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro.
Assim, resta-nos solicitar indicação de data e local para transporte da carrinha, sendo que asseguraremos o reboque até ao local indicado.
A nossa área de Seguros irá continuar a acompanhar o processo e a prestar os esclarecimentos necessários.”
XXXV–Assim, é imprescindível para a cabal compreensão do facto assente sob ponto 20. do elenco dos factos provados, passe a conter o conteúdo do reproduzido email, assim passando a ter a seguinte redacção:
20.- “Por e-mail de 03.06.2019, o réu informou o autor de que o processo foi reanalisado, quer pela seguradora, quer pela área jurídica, e as conclusões foram coincidentes, no sentido de não poder ir mais além que o valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro, e solicitou ao autor a indicação de data e local para transporte da carrinha, sendo que seria assegurado o reboque até ao local indicado”.
XXXVI–O facto assente sob o ponto 22. do elenco dos factos provados, “Por e-mail de 04.10.2019, mais de cinco meses depois da aludida missiva da seguradora, a ré informou o autor que “o Município do ..... irá proceder ao transporte da carrinha para a oficina indicada pela Seguradora, durante a próxima semana”, carece, de igual modo, da devida concretização da materialidade constante do indicado email e que lhe dá o devido contexto e sentido – o que não fez a sentença.
XXXVII–A referida factualidade reproduz o que foi alegado pelo Autor no artigo 35.º da p.i, e encontra acolhimento, também, no artigo 29.º da contestação do Réu no qual se protestou juntar respectivo documento comprovativo do alegado. Este documento protestado juntar – email - foi junto pelo Réu, ora Recorrente, como segundo documento sob o requerimento de 06/07/2021 com a referência citius 29739155, e do teor do mesmo consta como se transcreve:
“Exmo. Senhor FB,
Na sequência do Sinistro ocorrido em 10/12/2017, com a viatura AG…, e em resposta à vossa solicitação, encarregou-me o Sr. Adjunto Dr. RV de remeter a V. Exa. cópia do relatório de peritagem e da comunicação da Seguradora à entidade JM..... ... P....., Lda. que a seguir se transcreve:
“…Vimos informar que assumimos a liquidação da reparação da viatura, conforme acordo condicional entre o nosso perito e essa oficina, pelo valor de €619,83 já com IVA.
A liquidação do referido montante será efectuada contra a entrega da respectiva factura/recibo, a qual deverá ser remetida para a seguinte morada:
(….)”
Face ao exposto, e na ausência de alternativa, informa-se que o Município … irá proceder ao transporte da carrinha para a oficina indicada pela Seguradora, durante a próxima semana.
Ficamos ao dispor para os demais esclarecimentos adicionais”
XXXVIII–Pelo que, também aqui é imprescindível para a cabal compreensão do facto assente sob ponto 22. do elenco dos factos provados, e essencial para a boa decisão da causa que o mesmo passe a conter o conteúdo do reproduzido email, assim passando a ter a seguinte redacção:
22.-Por e-mail de 04.10.2019, o réu informou o autor da comunicação da Seguradora à entidade JM..... ... P....., Lda. pela qual assume “a liquidação da reparação da viatura, conforme acordo condicional entre o nosso perito e essa oficina, pelo valor de €619,83 já com IVA.” e que em face de tal comunicação e na ausência de alternativa “o Município … irá proceder ao transporte da carrinha para a oficina indicada pela Seguradora, durante a próxima semana”.
XXXIX–Refira-se, a este propósito, que o transporte para a indicada oficina acabou por não suceder uma vez que a referida oficina “JM..... ... P....., Lda. “veio a informar que não pretendia realizar a reparação da viatura - conforme se acha assente sob o ponto 48. da factualidade dada como provada.
XL–Na inserção sistemática dos factos assentes sob o ponto 20. e ponto 22. da factualidade assente inseriu a Sentença o ponto 21. no qual “Nos meses seguintes, o autor remeteu ao réu diversas comunicações a solicitar que o informasse sobre o estado do processo e da reparação do veículo, alertando que necessitava do veículo reparado com urgência e que era insustentável continuar a prolongar a resolução da situação.” (sublinhado nosso)
XLI–Sendo tal facto, mais uma reprodução da factualidade alegada pelo Autor, ao ter sido inserido no seguimento do facto assente em 20. Está descontextualizado do sentido em que foi alegado e que lhe foi dado pelo A. sob o artigo 34.º da sua p.i - fazendo crer erradamente que após a comunicação constante da factualidade assente sob o ponto 20. - “Por e-mail de 03.06.2019, o réu informou o autor de que o processo foi reanalisado, quer pela seguradora, quer pela área jurídica, e as conclusões foram coincidentes, no sentido de não poder ir mais além que o valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro, e solicitou ao autor a indicação de data e local para transporte da carrinha, sendo que seria assegurado o reboque até ao local indicado.” (redacção dada pela presente impugnação da matéria de facto) – e “Nos meses seguintes, o autor remeteu ao réu diversas comunicações a solicitar que o informasse sobre o estado do processo e da reparação do veículo.
XLII–Lê-se na p.i. – a qual aliás tão pouco faz menção à comunicação assente em 20. e que o Autor não poderia ignorar(!): “33.º Sendo que, no dia 09.05.2019, a Ré informou o Autor que se encontrava a aguardar “esclarecimentos sobre a resposta do seguro, e estamos a analisar as alternativas ao nosso alcance para uma compensação justa; [facto que ficou assente sob o ponto 19. da factualidade dada como provada.]; 34.º Nos meses seguintes, o Autor remeteu à Ré diversas comunicações a solicitar que o informasse sobre o estado do processo e da reparação do veículo, alertando que necessitava do veículo reparado com urgência e que era insustentável continuar a prolongar a resolução da situação, conforme Documento n.º 4 que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; [facto que ficou assente sob o ponto 21. da factualidade dada como provada.]
XLIII–Do identificado Documento n.º 4 junto pelo Autor, consta um conjunto de emails datados entre 06 de Agosto de 2019 e 09 de Setembro de 2019. Dos mesmos não consta – como aliás não consta de qualquer outro documento no processo – que o Autor tenha reagido à comunicação inclusa sob o ponto 20., nomeadamente informando a oficina para o devido transporte. E não tendo sido indicada oficina pelo Autor, alternativa não restou ao Réu, ora Recorrente, decidir pelo transporte da viatura para a oficina indicada pela seguradora – facto assente em 21. – o que renova-se não veio a suceder ante a factualidade assente em 48.
XLIV–Dos factos assentes sob os pontos 36. e 46. do elenco dos factos provados, que, por facilidade de exposição serão analisados em conjunto, resulta que:
36.- Desde a ocorrência do sinistro, em 10.12.2017, o veículo sempre esteve ficou na posse e à guarda do réu, para que a mesma procedesse à reparação do mesmo, na sequência de ter assumido expressamente essa responsabilidade.”
46.- Logo após o evento mencionado em 5., a viatura do autor foi colocada no parque exterior dos Serviços Centrais do Município …, referido em 11.”
XLVDa impugnação à materialidade dada como provada na sentença apurou-se em sede de alegação, como factos essenciais e imprescindíveis à decisão da causa que:
- O Autor anuiu com a colocação e permanência do veículo no parque exterior dos Serviços do Município ....., no exercício legitimo do seu direito de propriedade;
- Após o sinistro o Autor só foi ver a carrinha no mês de Março de 2018 – volvidos 3 (três) meses sobre o sinistro;
- O Autor tinha pleno conhecimento das condições físicas em que o veículo se encontrava estacionado no aludido parque de estacionamento exterior – em ambiente aberto, sujeita aos elementos do clima.
- O Autor não retirou o seu veículo do parque de estacionamento onde o mesmo se encontrava, de modo a estacioná-lo à sua guarda e em outro sítio - protegido dos elementos do clima - porque não o quis fazer.
XLVI–Da factualidade assente sob os pontos 36. e 46. resulta que desde a ocorrência do sinistro, em 10.12.2017, o qual foi comunicado ao Autor em 15.12.2018 (facto assente em 5.), o veículo do autor foi logo colocado no parque exterior dos Serviços Centrais do Município ….
XLVII–Lê-se na sentença que o Autor, ora Recorrido, referiu “passaram os meses de Janeiro a Março sem que fosse reparado, após o que foi ver a viatura, constatando que a mesma estava parqueada no exterior e com água a entrar para o seu interior, tendo sido colocada num parque descoberto do réu” - página 14 da Sentença (sublinhado nosso). Declarações estas do Autor que foram prestadas no dia 14 de Abril de 2023, tendo ficado gravado em suporte magnético (CD), com começo às 00 horas 03 minutos e 29 segundos e fim às 00 horas 58 minutos e 45 segundos (conforme Acta de Audiência Final, 1.ª Sessão) e no que ora importa entre os minutos 00:22:00 e 00:23:00.
XLVIII–Assim, indubitável é concluir o que a prova produzida nos diz que: O Autor estava tão preocupado com a sua carrinha e com a sua reparação, a mesma tinha tanto “valor sentimental” para ele (Cfr. facto assente no ponto 43.) que após do sinistro, ocorrido em 10.12.2017, o qual lhe foi comunicado a 15.12.2017 (facto assente em 5.), apenas, foi ver a carrinha pela primeira vez em Março de 2018, volvidos 3 meses sobre o acidente, momento em que constatou o local onde a mesma estava parqueada desde o sinistro, o parque exterior dos Serviços Centrais do Município … (cfr.facto assente em 46.).
XLIX–E, portanto, foi, também, nesta sua deslocação, em Março de 2018 que o Autor, ora Recorrido também, constatou as condições em que a viatura estava parqueada, isto é, no exterior e exposta aos elementos do clima – com o que anuiu.
A este propósito, é elucidativo o depoimento da testemunha RV prestado no dia 10 de Maio de 2023, tendo ficado gravado em suporte magnético (CD), com começo às 01 horas 28 minutos e 41 segundos e fim às 02 horas 23 minutos e 20 segundos (conforme Acta de Audiência Final, 2.ª Sessão) e no que ora importa entre os minutos 01:59:39 e 02:00:03 e entre os minutos 02:01:34 a 02:02:00.
L–É certo que, na inquirição o Tribunal faz um juízo valorativo, censurando o Réu, ora Recorrente, quanto ao local onde havia parqueado o veículo do Autor.
Mas olvidou na análise critica da prova em censurar, também, o Autor por nunca daquele parque ter retirado o veículo e para cuja permanência tinha anuído, no livre exercício do seu direito de propriedade.
LI–Lê-se na Sentença, em sede de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, como se transcreve: “após o dito sinistro, tendo o réu, através de quem o representa, comunicado que iriam reparar a carrinha, o autor pediu que o fizesse com celebridade, pois tinha compromissos agendados; acrescentou que, quando adquiriu o veículo, se tratava de “sucata”, pois teve que ser integralmente reconstruído, sendo parte das suas peças fabricadas à mão, pelo que a sua reconstrução demorou mais de dois anos, a qual acompanhou de perto; afirmou que, apesar de ter projectos pendentes que teve que desmarcar, aceitou que o réu reparasse a viatura, pois apenas pretendia ver a questão resolvida e prosseguir com o seu trabalho”(página 14 da Sentença, sublinhado nosso)
E mais adiante,
“clarificou que foi o réu quem ficou na detenção do veículo, pois logo após o sinistro assumiu a responsabilidade pela sua reparação e comprometeu-se a diligenciar pela mesma, tendo ficado a aguardar pela resposta da sua seguradora e tendo solicitado ao autor que aguardasse, tendo-lhe recusado a entrega do veículo, para que o pudesse o próprio reparar, invocando a necessidade de aguardar pela resposta da seguradora, tendo o autor acreditado no réu e que este iria reparar o seu veículo e daí ter anuído em esperar por tal reparação.” (página 16 da Sentença, sublinhado nosso) – declarações estas que, refira-se, não encontram suporte em qualquer outra prova produzida quer testemunhal quer documental.
LII–Fosse qual fosse o motivo pelo qual o Autor anuiu na permanência do veículo no parque, fê-lo no livre exercício do seu direito de propriedade.
Propriedade esta, como se deixou aduzido em sede de direito, lhe foi restituída em pleno após o termo do contrato de comodato. Aliás se assim não fosse, não estaríamos a falar da anuência do Autor, ora Recorrido, na medida em que a anuência apenas pode ser entendida como expressa manifestação do exercício do direito de propriedade.
LIII–E ainda que se atente na justificação dada pelo Autor – constante do transcrito seguimento da Sentença – “tendo-lhe recusado a entrega do veículo, para que o pudesse o próprio reparar, invocando a necessidade de aguardar pela resposta da seguradora, tendo o autor acreditado no réu e que este iria reparar o seu veículo e daí ter anuído em esperar por tal reparação”, e sendo manifesto que a seguradora, mesmo após reclamação do Autor, apenas reconheceu e assumiu a reparação dos danos decorrentes do sinistro pelo valor de € 616,83 (facto assente em 16. e 18.) e que de modo evidente o réu, por email de 03.06.2019, “informou o autor de que o processo foi reanalisado, quer pela seguradora, quer pela área jurídica, e as conclusões foram coincidentes, no sentido de não poder ir mais além que o valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro, e solicitou ao autor a indicação de data e local para transporte da carrinha, sendo que seria assegurado o reboque até ao local indicado.” (factualidade sob o ponto 20. na redacção dada pelo Recorrente em sede de impugnação de facto), então porque motivo não foi o Autor recolher a sua viatura – ou indicou ao Réu o local para o transporte da mesma, de modo a estaciona-la em lugar protegido dos elementos do clima, tendo deixá-la parqueada onde sabia que estava em ambiente aberto, sujeita a intempéries e a agressões ambientais, potenciando a sua célere degradação? Sempre se imporia a um proprietário diligente ir buscar a sua carrinha, retirá-la do parqueamento exterior onde estava e recolhê-la em espaço abrigado o que o A. não fez.
LIV–Assim, o facto assente sob o ponto 36. “Desde a ocorrência do sinistro, em 10.12.2017, o veículo sempre esteve na posse e à guarda do réu, para que a mesma procedesse à reparação do mesmo, na sequência de ter assumido expressamente essa responsabilidade”, foi incorretamente julgado, devendo passar a ter a seguinte redacção:
36.- Desde a ocorrência do sinistro, em 10.12.2017, o veículo ficou na posse e à guarda do réu, para que o mesmo procedesse à reparação do mesmo, na sequência de ter assumido expressamente essa responsabilidade, o que ocorreu com a anuência do Autor.
LV–Da presente impugnação à materialidade dada como provada na sentença resultaram apurados e demonstrados factos essenciais e imprescindíveis à decisão da causa que, assim, que devem ser aditados à factualidade assente:
  • O Autor, após o sinistro, ocorrido em 10.12.2017, o qual lhe foi comunicado a 15.12.2017 (facto assente em 5.), apenas, foi ver a carrinha pela primeira vez em Março de 2018, volvidos 3 meses sobre o acidente, momento em que constatou o local onde a mesma estava parqueada desde o sinistro, o parque exterior dos Serviços Centrais do Município … (facto assente em 46.)
  • O Autor não recolheu o seu veículo do parque exterior dos Serviços Centrais do Município … onde o mesmo se encontrava em ambiente aberto, sujeita aos elementos do clima, e de modo a resguardá-lo dessa exposição - porque não o quis fazer.
LVI–Finalmente, da impugnação da matéria de facto, resulta ainda que foi incorretamente julgado o facto assente sob o ponto 30. da factualidade dada como provada, “O veículo em questão apresentava diversos danos adicionais aos já previamente descritos, denotando um elevado estado de degradação/corrosão exterior, incluindo a pintura estragada e ferrugem, e interior, com elevada humidade e apodrecimento das partes em borracha e revestidas a madeira, bem como de diversos componentes, incluindo pneus, tampões de rodas, sistema de travões, circuitos eléctricos, lâmpadas, tubagens e juntas, fruto, nomeadamente, do facto de o veículo, à guarda da ré, ter estado ao relento, sujeito às diversas alterações climatéricas, durante mais de três anos, sem qualquer manutenção ou protecção, tendo inclusivamente desaparecido a sua bateria, diversa cablagem e outros componentes.” (sublinhado nosso) - Devendo do mesmo ser suprimida a expressão “à guarda da ré”.
LVII–Factualidade que, assim impugnada impõe solução distinta da alcançada pelo tribunal.
LVIII–Não se pretende com o presente recurso alcançar a absolvição do Réu, que assume as suas responsabilidades na medida dos factos por si praticados, o que se pretende é alcançar aquela que se entende ser a solução justa do litigio, nela ponderando a verdadeira realidade dos factos e aquele que foi, também, o comportamento assumido pelo do Autor e que não está, como resulta de tudo quanto se alegou em sede de impugnação da matéria de facto, isento de responsabilidades as quais não podem deixar de ser atendidas na decisão final.
LIX–É indiscutível a afirmação de que, a par da utilização de um processo justo e da escolha e interpretação correctas da norma jurídica aplicável, um dos fundamentos de uma decisão justa é o da verdade na reconstituição dos factos.
O erro de julgamento da questão de facto traz consigo, inevitavelmente, um erro de direito, vício de que enferma a Sentença proferida.
LX–Assim, conflui da materialidade dos factos que nos presentes autos está em causa a celebração de um contrato de comodato entre Recorrente e Recorrido, tal como este vem definido no artigo 1129.º, do Código Civil, segundo o qual o comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela com a obrigação de a restituir.
LXI–E também é certo que, constituindo obrigação do comodatário, nos termos do art. 1135º do Código Civil (para além do mais, ora sem relevo) “guardar e conservar a coisa emprestada;…não fazer dela uma utilização imprudente;… restituir a coisa, findo o contrato” e nos termos do artigo 1043.º, n.º 1 (ex. vi do artigo 1137.º n.º 3) “manter e a restituir a coisa emprestada no estado em que a recebeu”, estabelece o n.º 1 do artigo 1136º do mesmo diploma que “quando a coisa emprestada perecer ou se deteriorar casualmente, o comodatário é responsável se estava no seu poder tê-lo evitado, ainda que mediante o sacrifício de coisa própria de valor não superior”.
LXII–Tal disposição ínsita no n.º 1 do artigo 1136.º do Código Civil, estabelece assim o princípio de que, em caso de deterioração da coisa (como é o caso da deterioração resultante da queda da estrutura de uma tenda em cima do veículo do Autor) recai sobre o comodatário a obrigação de indemnizar o comodante no valor correspondente à deterioração, ou seja, no valor dos danos da coisa. E é inquestionável que tal responsabilidade tem natureza contratual, porque decorrente da violação dos supra referidos deveres contratuais. Todavia, tal obrigação deixa de existir se não estava no poder do comodatário ter evitado o dano. Como é o caso nos presentes autos.
LXIII–Com efeito, como resultou demonstrado em sede de impugnação à decisão da matéria de facto quanto ao facto assente sob o ponto 5., os danos causados no veículo pela queda da estrutura de uma tenda em cima do mesmo resultaram da ocorrência de um temporal, a tempestade “Ana” - a qual por natureza não estava no poder do Réu, ora Recorrente, ter evitado.
LXIV–Deste modo, no âmbito do contrato de comodato que celebrou com o Recorrido, não ficou o Recorrente obrigado a indemnizar no valor correspondente à deterioração, ou seja, no valor dos danos da viatura, e bem assim não ficou obrigado ao dever de a reparar e de a restituir no estado em que a recebeu – não lhe sento tal exigível.
LXV–A obrigação assumida pelo Recorrente perante o Recorrido de que iria proceder à reparação dos danos sofridos pela viatura consubstanciou-se numa obrigação natural. Dispõe o artigo 402º do Código Civil que "a obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça."
LXVI–Inexistem, por conseguinte, os pressupostos da responsabilidade contratual: inexiste causa que seja imputável ao Recorrente, inexiste o facto objectivo da mora ou do incumprimento definitivo e por conseguinte não pode o Recorrente ser condenado na indemnização fundada na privação do uso de veículo e a título de danos não patrimoniais, que foi determinado pelo tribunal sob a alínea b) da parte decisória da Sentença - “A pagar ao autor FB a quantia diária de € 30,00 (trinta euros), desde 23.12.2017 até à restituição do veículo identificado em a) reparado ou até ao pagamento da indemnização fixada em alternativa, bem como o condeno no pagamento da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais”.
LXVII–Não subsistindo dúvidas acerca da natureza do contrato inicialmente constituído pela vontade dos ora Recorrente e Recorrido, que, na verdade, se mostra reconduzível ao instituto do comodato, inscrito nos artigos 1129.º e ss. do Código Civil, não são imediatamente descortináveis e apreensíveis as determinações jurídicas daquele extraídas pelo Tribunal.
LXVIII–Em primeiro lugar, operando a deposição dos factos que considerou provados no âmbito das normas materiais constitutivas do regime do comodato, entendeu o Tribunal que, em decorrência da vontade das partes e tendo a viatura sido comodada ao Recorrente para a realização de alguns eventos no âmbito da designada “Aldeia Natal .....”, a extinção desse contrato e a obrigação de restituição do bem verificar-se-iam no dia 2017.12.23.
LXIX–Não representando uma temática incontroversa o momento concreto da extinção do contrato e da imanente constituição da obrigação de restituição da viatura – na medida em que, atendendo ao enunciado normativo colocado pelo legislador no n.º 1 do artigo 1137.º do Código Civil, que preceitua que, se os contraentes não convencionaram prazo certo para a restituição da coisa, mas esta foi emprestada para uso determinado, o comodatário deve restituí-la ao comodante logo que o uso finde, poderia suscitar-se a questão de saber se, não obstante a estipulação de um prazo pelas partes, não teria o contrato cessado a produção dos seus inerentes efeitos jurídicos em momento concomitante ou imediatamente subsequente àquele em que ocorreu o evento danoso associado ao colapso da estrutura em que a viatura havia sido colocada, uma vez que se encontrava aquela adstrita a um concreto uso, i.e., a uma condição material de realização de concretas actividades no decurso da “Aldeia Natal .....”, conduzindo o acolhimento deste entendimento à ilação de extinção do contrato em 2017.12.10 –, apresenta-se, no entanto, com mais intensa relevância a constatação e a afirmação de que, na utilização de uma hermenêutica jurídica paradoxal, procedeu o Tribunal à inferência e extracção de estatuições jurídicas – v.g., no que respeita ao decretamento de uma indemnização pela privação do uso do bem – de uma disciplina jurídica imanente a um instituto jurídico-contratual não mobilizável em razão da precedente extinção do vínculo contratual.
LXX–Na sustentação deste entendimento, importa, por um lado, reproduzir os segmento das douta Sentença recorrida, em que o Tribunal a quo afirma que (i) «[n]o caso que nos ocupa e na medida em que foi estipulado um prazo certo para a restituição do bem, o contrato cessou, por denúncia, pelo decurso do prazo estipulado para a sua duração, o que ocorreu no dia 23.12.2017 (art.º 1135.º, alínea h), do Código Civil), data no qual o bem emprestado deveria ter sido restituído» – cfr. Sentença, p. 6 –, que, (ii) «atentando nos factos julgados assentes, verifica-se que enquanto a viatura do autor permaneceu emprestada ao réu, com a inerente obrigação de a guardar e de a conservar (art.º 1135.º, alínea a), do Código Civil), bem como sobre ele recaindo a obrigação de dela não fazer uma utilização imprudente (art.º 1135.º, alínea d), do Código Civil), a mesma sofreu danos ocasionados pela queda de uma tenda durante um evento realizado pelo réu, o qual se comprometeu a reparar a viatura e a restituí-la ao autor» – cfr. Sentença, p. 30 – e que, «[c]ontudo, evidencia-se que o réu não cumpriu essas suas obrigações, pois que não só não diligenciou pela reparação que se comprometeu a assegurar, esperando mais de 5 meses após a verificação dos estragos na viatura até pedir ao autor que fosse ele a orçar a reparação, como deixou a viatura parqueada em ambiente aberto, sujeita a intempéries e a agressões ambientais, potenciando a sua célere degradação, agravada ainda pela circunstância de se tratar de um “veículo clássico” e particularmente sensível a essa exposição, recusando reparar a viatura quando lhe foram apresentados orçamentos para o efeito e protelando deliberadamente a restituição da viatura ao autor no estado em que a recebeu, até ao presente» (cfr. ibidem).
LXXI–Situado no quadro normativo-jurídico que possui por referente o instituto do comodato – em que o legislador, ex vi do texto de programa de norma inserido no n.º 1 do 1043.º do Código Civil, relativamente à obrigação de restituição da coisa, introduziu uma remissão intra-sistemática para o instituto locatício –, considerou o Tribunal que, em razão do vício inerente à matéria de facto indevidamente entendida como provada, o ora Recorrente não restituiu ao ora Recorrido a viatura comodada. Sendo o resultado desse exercício de hermenêutica jurídica e aplicação do direito positivado à factualidade que deve ser considerada integralmente provada em absoluto carente de arrimo no regime do instituto jurídico do comodato, que, na verdade, não pressupõe, nem prescreve, em nenhuma das suas normas de conduta, que a restituição do bem se traduza numa devolução material ou física, antes admitindo, naturalmente, que aquela corresponda à reinserção plena do direito na esfera jurídico-patrimonial do comodante e na susceptibilidade do seu exercício pelo respectivo titular, constituindo, neste contexto, como particularmente impressivos os textos-normas constantes, e.g. da al. h) do artigo 1135.º e do artigo 1137.º do Código Civil, que prescrevem, correspondentemente, a obrigação do locatário de restituição do bem comodado decorrido o prazo estipulado, satisfeita a finalidade do uso ou na sequência de interpelação do comodante.
LXXII–Sem prejuízo do respeito sinceramente devido por este entendimento, considera o Recorrente que não possui um qualquer respaldo no conteúdo das previsões normativas do regime aplicável, não podendo, pois, dessa desviante interpretação, extraírem-se as correspectivas estatuições, mormente no concernente à condenação do Recorrente no pagamento de uma indemnização supostamente titulada e fundamentada na privação do uso da viatura.
LXXIII–Assumindo, assim, neste contexto, o facto atinente à manifestação e exteriorização de uma volição concordante do Autor, ora Recorrido, uma substancial relevância, na medida em que induzirá, em decorrência de uma reconfiguração da factualidade assente e tida por provada, a uma diversa convocação dos critérios normativos aplicáveis à composição do litígio emergente da relação jurídica.
LXXIV–A introdução do facto respeitante e traduzido na concordância do ora Recorrido relativamente à deposição da viatura – em momento posterior ao evento natural danoso – no parque das instalações municipais do Recorrente permite, por um lado, operar a identificação e a delimitação das figuras ou tipos contratuais que se projectaram e modelaram as relações jurídicas entre os sujeitos processuais e, por outro, inserir os danos no seu sistemático contexto tipológico-contratual.
LXXVNão remanescendo ambiguidades no que diz respeito à integração da relação jurídica correspondente à cedência não onerosa da viatura para a realização de actividades no âmbito da “Aldeia Natal .....” nos enunciados normativos corporizantes do regime jurídico imanente ao contrato de comodato, impõe-se-nos a dilucidação e a qualificação da relação jurídica defluente da cessação daquele e do consequente e subsequente parqueamento, bilateralmente concordante, daquela viatura nas instalações municipais.
LXXVIA leitura do teor da douta Sentença prolatada não se constitui como um instrumento auxiliar e concorrente na concretização desse desiderato, porquanto, relativamente a esta temática, se circunscreve à reprodução perfilhante de entendimentos jurisprudenciais que, considerando-se adequados relativamente à factualidade incidida pelos correspectivos acórdãos, não revelam a mais exígua das aptidões para a modelação e a resolução da temática-problemática que temos em apreciação.
LXXVIIDo enunciado normativo contido no n.º 1 do artigo 1043.º do Código Civil – aplicável em razão da remissão operada pelo n.º 3 do artigo 1137.º da mesma fonte de direito –, resulta que, na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.
LXXVIIIMostrando-se indispensável que nos questionemos, enquanto sujeitos processuais, acerca do critério normativo que concederá a solução para as circunstâncias em que, na eventualidade de produção de um dano na coisa comodada, o comodatário, no respeito pela norma de conduta, procede à restituição daquela, e, concomitantemente, que esclareçamos que conduta poderá o comodante adoptar na sua confrontação com uma restituição de uma coisa comodada que não se encontre no estado em que foi comodada, i.e., que padeça de um dano provocado ou ocorrido no decurso e no âmbito do contrato de comodato.
LXXIXEntende o Recorrente que o esclarecimento dessas questões haverá que ser procurado no conteúdo do enunciado normativo do n.º 1 do artigo 1043.º do Código Civil, que, não compreendendo a consagração de um direito de retenção de sentido inverso, que imponha, na sua adaptação à morfologia do comodato, ao comodatário a não restituição da coisa em momento e circunstâncias antecedentes da reparação do dano, somente contempla a constituição de um dever de reparação natural ou de ressarcimento financeiro na medida desse dano.
LXXXA transposição deste entendimento para a relação jurídica estabelecida entre os ora Recorrente e Recorrido implicaria a aceitação da ilação de que, no que estritamente concerne à execução do contrato de comodato e aos danos decorrentes do desmoronamento da estrutura em que se encontrava a viatura, a medida do ressarcimento seria correspondente a um montante equivalente à caracterização que desses danos podemos encontrar nos pontos 5. e 18. da factualidade assente, em que se cristaliza que «o réu informou o autor que o mencionado veículo, no dia 10.12.2017, tinha sofrido alguns danos, de entre os quais “algumas amolgadelas e um farolim partido”, em virtude da queda da estrutura de uma tenda em cima do veículo» – e que «[e]m resposta à reclamação referida em 17., a seguradora, em 08.05.2019, comunicou ao autor que: “Em anexo segue relatório de peritagem auto, sendo o valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro, o valor de € 616,83, sendo o valor venal da viatura de € 15.000,00. O lesado apresentou uma reclamação no valor de € 18.000,00 + IVA, suportada no orçamento. Analisada a reclamação viemos a apurar que estão a ser reclamados outros danos na carrinha, que em nada têm a ver com o sinistro, nomeadamente de danos face ao estado e uso.
O lesado está a reclamar uma restauração integral na sua carrinha, beneficiando notoriamente, com o sinistro participado, que de forma alguma podemos considerar”».
LXXXINo entanto, ainda se encontra o entendimento do Recorrente e a delimitação da medida da obrigação ressarcitória efectuada na conclusão precedente condicionados à verificação do momento da extinção do contrato de comodato e dos seus efeitos, i.e., à determinação do momento em que se operou a restituição da viatura comodada.
LXXXIIConcorrendo para esse desiderato, conforme resulta do alegado em sede de impugação da matéria de facto assente na douta Sentença que o Autor e ora Recorrido se encontrava a exercer plenamente o direito de propriedade imanente à viatura e que, portanto, o contrato de comodato havia cessado o seu fluxo de efeitos no momento da sua anuência relativamente à deposição daquela no parque de estacionamento dos Serviços Centrais da Câmara Municipal …, afigurando-se como pertinente reiterar que a norma emergente do enunciado linguístico inserto no n.º 1 do artigo 1043.º do Código Civil terá de ser inevitavelmente interpretada com o escopo de que a estatuição de restituição se confunde e satisfaz com a restituição do direito de comodato e a sua integração no conteúdo complexo do direito de propriedade, permitindo, consequentemente, ao seu titular um pleno e correspectivo exercício.
LXXXIIINão se compreenderia e não se compreende, aliás, uma diversa interpretação, na medida em que, decorre prolixamente dos autos que a personalidade e as competências cognitivas do Autor o conduziriam a uma iniciativa processual-judicial mais célere se o parqueamento da viatura nas instalações do Recorrente lhe tivesse sido imposta e não tivesse resultado de um seu exercício do direito de propriedade que tem aquela por objecto material.
LXXXIVA concordância – ou anuência, na terminologia adoptada pelo Recorrido e acolhida no capítulo da Sentença referente à fundamentação da decisão acerca da matéria de facto – do Autor relativamente ao parqueamento da viatura nas instalações do Réu não se circunscreveu à produção dos efeitos inerentes à reintegração da coisa comodada na sua esfera jurídico-patrimonial, porquanto, estando no exercício pleno do direito de propriedade correspectivo, revestiu-se essa volição complexa da componente formativa de um outro e diverso tipo contratual, no caso, um contrato de depósito, cujo instituto e a respectiva disciplina se encontram tipicamente consagrados nos artigos 1185.º e ss. do Código Civil.
LXXXVDispondo-se no n.º 1 do artigo expressamente referenciado que o depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida, não estando a formação deste tipo contratual, consabidamente, submetida a uma forma legalmente qualificada – i.e., não está sujeita à adopção da forma escrita –, sendo, assim, susceptível de formação mediante a manifestação verbal da vontade dos contraentes e comportando, pois, direitos e obrigações recíprocos, merecendo uma ênfase particular a obrigação que para o depositário decorre do texto-norma inserido pelo legislador na al. a) do artigo 1187.º do Código Civil, que impõe a guarda da coisa pelo depositário.
LXXXVIEssa obrigação de guarda da coisa depositada pelo depositário repercute a sua relevância no domínio da responsabilidade civil contratual decorrente da produção de danos na coisa depositada.
LXXXVIIConsiderando o Recorrente que, por um lado, os danos na viatura gratuitamente cedida ao abrigo de um contrato comodatício são estritamente correspondentes aos decorrentes do desmoronamento da estrutura em que aquela se encontrava colocada, igualmente não desconhece que, em virtude de uma sua conduta desconforme às obrigações emergentes do subsequente contrato de depósito, será responsável pela integral reparação do bem depositado ou ao ressarcimento do titular do direito de propriedade correspectivo.
LXXXVIIITodavia, esse seu entendimento afigura-se como diametralmente oposto e divergente ao vertido na douta Sentença prolatada pelo Tribunal a quo, na medida em que não desconsidera o facto que, nos contornos da relação jurídica controvertida, se perfila como essencial: a viatura ficou – e ainda se encontra – depositada nas instalações do Réu, ora Recorrente, com a absoluta concordância ou anuência do Autor, ora Recorrido, que, assim, exerceu plenamente o direito de propriedade que a tem como objecto material.
XCNão se mostra, pois, admissível que, perante esta factualidade, através da Sentença proferida, se opere o decretamento de uma indemnização pela privação de um uso que foi, em decorrência do exercício de um seu direito, preterido pelo Recorrido.
XCIAssim, e também aqui, mal andou a Sentença em decretar a indemnização fundada na privação do uso de veículo e danos não patrimoniais – carecendo de fundamentação fáctica e jurídica que a sustente.
XCIICaso assim não venha a ser entendido pelo Venerando Tribunal, o que, apenas, por dever de patrocínio de admite, sempre haverá que proceder a forte redução, se não mesmo exclusão da responsabilidade do Réu, ora Recorrente, no que respeita à apontada privação do uso de veículo e alegados danos não patrimoniais, nos termos do disposto no artigo 570.º do Código Civil que refere-se a "culpabilidade" do lesado para a produção ou agravamento do dano.
Aplicação do disposto no artigo 570.º do Código Civil reclama que o lesado seja também causa do dano, o que significa haver necessidade de se estabelecer o nexo causal, em termos de causalidade adequada, mas também que o procedimento do lesado seja "culposo" no entendimento, expresso pela jurisprudência, de que por procedimento culposo do lesado se quis significar um comportamento "censurável" ou "reprovável". A lei exige para a verificação do condicionalismo enunciado no artigo 570.º do Código Civil, que o dano seja causado, tanto por facto praticado pelo lesante como por facto praticado pelo lesado, um e outro causa adequada do dano, havendo assim um nexo de concausalidade.
XCIIIDe tudo quanto se alegou em sede da impugnação da matéria de facto assente na sentença, resulta que o Autor, nessa qualidade de lesado, assumiu no decurso temporal dos factos um comportamento censurável e reprovável, distinto daquele que é expectável de um proprietário diligente, que concorreu para o agravamento do dano – cujo ressarcimento peticiona nos presentes autos sob a atribuição de indemnização pela privação do uso e por danos não patrimoniais, o que consubstancia uma situação de abuso de direito.
XCIVCom este enquadramento, e no que à obrigação de reparação da viatura /equivalente valor dessa reparação diz respeito - que como se disse corresponderá ao dano decorrente do sinistro, porque assumida voluntariamente pelo autor, e obrigação natural, e ao dano resultante do seu parqueamento, no âmbito do aludido contrato de depósito - apenas reconhece o Recorrente, sob sua responsabilidade a reparação atinente ao valor de €18.000,00 + IVA, que resulta fixado no orçamento remetido pelo Recorrido ao Recorrente, em 07.01.2019 (facto assente sob o ponto 14. e 18.).
XCVTendo como pressuposto aquela que é a materialidade, que no entender do Recorrente é a correctamente julgada, conforme impugnação à matéria de facto da sentença a que se procedeu supra, ficou adquirido que:
Desde a ocorrência do sinistro, em 10.12.2017, o veículo ficou na posse e à guarda do réu, para que o mesmo procedesse à reparação do mesmo, na sequência de ter assumido expressamente essa responsabilidade, o que ocorreu com a anuência do Autor (cfr. redacção dada pelo Recorrente ao facto sob o ponto 36.);
O Autor, após o sinistro, ocorrido em 10.12.2017, o qual lhe foi comunicado a 15.12.2017 (facto assente em 5.), apenas, foi ver a carrinha pela primeira vez em Março de 2018, volvidos 3 meses sobre o acidente, momento em que constatou o local onde a mesma estava parqueada desde o sinistro, no parque exterior dos Serviços Centrais do Município ..... (facto assente em 46.)
(cfr. factualidade que se entendeu dever ser aditada à factualidade assente na análise critica a que se procedeu no âmbito do ponto 36.);
O Autor não recolheu o seu veículo do parque exterior dos Serviços Centrais do Município ..... onde o mesmo se encontrava em ambiente aberto, sujeita aos elementos do clima, e de modo a resguardá-lo dessa exposição - porque não o quis fazer. (cfr. factualidade que se entendeu dever ser aditada à factualidade assente na análise critica a que se procedeu no âmbito do ponto 36.).
XCVIComo já se disse, fosse qual fosse o motivo pelo qual o Autor anuiu na permanência do veículo no parque, fê-lo no livre exercício do seu direito de propriedade. Propriedade esta que lhe foi restituída em pleno após o termo do contrato de comodato. Aliás se assim não fosse, não estaríamos a falar da anuência do Autor, ora Recorrido, na medida em que a anuência apenas pode ser entendida como expressa manifestação do exercício do direito de propriedade.
XCVIIE ainda que se atente na justificação dada pelo Autor para tal anuência – constante da fundamentação sobre a decisão de facto da sentença – “aceitou que o réu reparasse a viatura, pois apenas pretendia ver a questão resolvida e prosseguir com o seu trabalho”(página 14 da Sentença, sublinhado nosso);
“tendo-lhe [o Réu] recusado a entrega do veículo, para que o pudesse o próprio reparar, invocando a necessidade de aguardar pela resposta da seguradora, tendo o autor acreditado no réu e que este iria reparar o seu veículo e daí ter anuído em esperar por tal reparação”, (página 16 da Sentença, sublinhado nosso) a mesma perde a sua razão e suporte na realidade dos factos quando:
A seguradora, mesmo após reclamação do Autor, apenas reconheceu e assumiu a reparação dos danos decorrentes do sinistro pelo valor de € 616,83 (facto assente em 16. e 18.);
De modo evidente o Réu, ora Recorrente, por email de 03.06.2019, “informou o autor de que o processo foi reanalisado, quer pela seguradora, quer pela área jurídica, e as conclusões foram coincidentes, no sentido de não poder ir mais além que o valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro, e solicitou ao autor a indicação de data e local para transporte da carrinha, sendo que seria assegurado o reboque até ao local indicado.” (factualidade sob o ponto 20. na redacção dada pelo Recorrente em sede de impugnação de facto),
XCVIIIOu seja, porque não quis, o Autor não foi recolher a sua viatura, tão pouco indicou ao Réu o local para o transporte da mesma, de modo a estacioná-la em lugar protegido dos elementos do clima, tendo deixá-la parqueada onde sabia que estava em ambiente aberto, sujeita a intempéries e a agressões ambientais, potenciando a sua célere degradação. Sempre se imporia a um proprietário diligente ir buscar a sua carrinha, retirá-la do parqueamento exterior onde estava e recolhê-la em espaço abrigado o que o A. não fez – facto que nada impediria que viesse na mesma a peticionar a sua reparação.
XCIXNão pode pois o Réu, ora Recorrente, ser condenado a reparar um veículo – no estado em que hoje se encontra - cujos danos desde a indicada data 03.06.2019 e em face da aludida comunicação remetida ao Recorrido, se agravaram, e continuam a agravar-se, quando, na realidade o Autor, no livre exercício do seu direito de propriedade poderia e deveria ter recolhido a sua carrinha do parque exterior dos Serviços Centrais do Município …, evitando a sua posterior degradação.
CTodos os danos posteriormente apurados e constantes do orçamento realizado em 17.12.2020 (conforme facto assente sob o ponto 31.) e do relatório pericial de fls. 159 a 169 verso, este que apura à data de novembro de 2022 a contrapartida pecuniária pela reparação da viatura em quantia não inferior a €24.580,06 como “mera estimativa, que poderá sofrer alterações em função do estado real dos componentes quando o veículo for desmontado” (cfr. facto assente sob o ponto 45.) não são imputáveis ao Réu.
CIDonde, carece de qualquer fundamento legal e é destituído de suporte factual, a condenação do Réu, ora Recorrente, como fez a sentença na reparação integral do veículo no estado em que presentemente se encontra – portando com os danos que presentemente apresenta - e “em conformidade com o relatório pericial de fls. 159 a 169 verso” e no caso de não cumprir esta prestação, a condenação a pagar indemnização equivalente ao valor dessa reparação, a liquidar em incidente ulterior à sentença,
CIIDestarte, foram violados pelo Tribunal a quo os artigos 1136.º n.º 1, 402.º e 570.º todos do Código Civil, que deveriam ter sido aplicados e não o foram.
CIIIImpondo-se a revogação da Sentença proferida.

O A. contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão.

Nada obsta ao conhecimento do recurso.

O âmbito do recurso determina-se pelas conclusões dos recorrentes (639.º e 635.º do Novo CPC, aprovado pelo art.º 1º da Lei nº 41/2013 de 26/06 só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o Tribunal deva conhecer oficiosamente (artigo 608º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2).
Como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal da 1.ª instância.
Ao recorrente impõe a lei dois ónus – alegar e formular conclusões.-art.º 639.º CPC
Versando o recurso sobre matéria de direito as conclusões devem indicar –art.º 639.º n.º2 CPC:
a)-As normas jurídicas violadas;
b)-O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c)-Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
Caso o recurso verse a decisão sobre a matéria de facto dispõe o art.º 640.º CPC, sob a epígrafe - Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto-
1.Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)-Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)-Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c)-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

A matéria de facto foi decidida da seguinte forma:
1.Em Novembro de 2017 e na sequência de colaborações anteriores, o réu solicitou ao autor que este lhe disponibilizasse e cedesse, sem qualquer contrapartida pecuniária ou outra, o uso do veículo de que o autor é o proprietário, da marca “Volkswagen”, modelo “Transporter Kastenwagen”, vulgarmente conhecido como “pão-de-forma”, do ano 1970, com a matrícula AG…, para o evento “Aldeia Natal .....”, conforme consta do documento de fls. 15, 16 e 16 verso (documento n.º 1), cujo teor se considera reproduzido.
2.O réu solicitou que o autor realizasse dois “showcooking” no aludido evento.
3.Tendo o autor acedido a tais pedidos e, nessa sequência, entregue ao réu o veículo, chaves e respectivos documentos, no início de Dezembro de 2017.
4.Nesse seguimento, ficou acordado que o réu deveria restituir o veículo ao autor, no estado em que lhe foi entregue, no dia 23.12.2017, data em que o referido evento “Aldeia Natal .....” terminaria.
5.Não obstante, em 15.12.2017, o réu informou o autor que o mencionado veículo, no dia 10.12.2017, tinha sofrido alguns danos, de entre os quais “algumas amolgadelas e um farolim partido”, em virtude da queda da estrutura de uma tenda em cima do veículo.
6.Na mesma comunicação, foi transmitido ao autor que o réu “assumia toda a responsabilidade pelos danos e os inerentes custos de reparação”, bem como que já estaria a “tratar do processo”.
7.Posteriormente, no dia 20.12.2017, o réu solicitou ao autor diversos dados pessoais, de modo a poder “tratar do processo de arranjo da vossa viatura”.
8.Nos meses seguintes, o réu foi transmitindo ao autor que estava a manter contacto com diversas oficinas, para efectivar a reparação do veículo sendo que, “por diversas razões”,que não concretizou, nenhuma apresentava orçamento.
9.Nessa sequência, em 10.05.2018 e a pedido do réu, o autor disponibilizou-lhe os contactos de um mecânico, que sabia efectuar trabalhos de reparação/reestruturação de veículos mais antigos / “clássicos”.
10. Na ausência de qualquer actualização por parte do réu sobre o estado do processo em questão, o autor foi solicitando que o mesmo o informasse sobre tal, tendo o réu, na pessoa do Dr. RV, informado, em 06.08.2018, que “tenho ideia que, lamentavelmente, o Sr. Albino (mecânico que lhe tinha sido indicado pelo autor) ainda não teve a possibilidade de fazer a verificação e posterior orçamento de reparação. Mas vou confirmar com os serviços e informarei com detalhe.”
11.Posteriormente, no dia 04.09.2018, a solicitação do réu, o autor deslocou-se com o mecânico Sr. Albino ao local onde se encontrava a carrinha, no parque exterior dos Serviços Centrais do Município …, tendo o mesmo inspeccionado o estado do veículo.
12.Sendo que, no local, foram detectados os seguintes danos visíveis no veículo: estrutura exterior e cantoneiras degradadas, com diversas mossas e ferrugem, pintura desgastada e riscada, estrutura do tejadilho danificada/partida, interior degradado, apresentando madeira com humidade e deteriorada, forro do chão interior em tecido levantado e rasgado, estofos dos bancos danificados – sendo que o do condutor se encontrava rasgado –, interior da porta do passageiro com humidade e deteriorada/lascada, tecto interior degradado com sinais de humidade e descolado e luz de presença partida, hidráulico partido, portas danificadas com riscos, amolgadelas e ferrugem e com dificuldade de abertura/fecho, borrachas de isolamento dos vidros laterais degradadas/em decomposição, um dos faróis superiores (instalado no tejadilho) totalmente partido.
13.Aquando da entrega do veículo ao réu, pelo autor, o mesmo não apresentava nenhum daqueles danos, estando em perfeitas condições de conservação, conforme registo fotográfico efectuado no decorrer do mencionado evento “Aldeia Natal .....”.
14.Na sequência da aludida vistoria ao veículo, o referido mecânico, Sr. Albino, elaborou um orçamento estimativo de reparação dos aludidos danos, no montante de € 22.140,00 (vinte e dois mil e cento e quarenta euros), constante de fls. 123 e cujo teor se dá por reproduzido, o qual foi remetido à ré no dia 07.01.2019.
15.Apenas em Janeiro de 2019 é que o réu participou a ocorrência/sinistro referido em 5. à «Companhia de Seguros Tranquilidade», o que transmitiu ao autor em 09.01.2019.
16.Sendo que aquela Seguradora, em 17.04.2019, comunicou à oficina indicada pelo réu, com a firma «JM..... ... P....., Ld.ª», que “assumimos a liquidação da reparação da viatura, conforme acordo condicional entre o nosso perito e essa oficina, pelo valor de € 619,83 já com IVA”.
17.Tendo conhecimento de tal comunicação, por a mesma lhe ter sido transmitida pela mediadora do réu, no dia 29.04.2019, o autor, no mesmo dia, transmitiu ao réu a sua preocupação com o valor apresentado, pois que o mesmo não seria certamente suficiente para efectuar a reparação, solicitando uma resolução célere da questão, atendendo ao tempo já decorrido desde a ocorrência e consequente impossibilidade de utilizar o veículo, bem como o facto de a passagem do tempo sem reparação do veículo contribuir ainda mais para a sua deterioração.
18.Em resposta à reclamação referida em 17., a seguradora, em 08.05.2019, comunicou ao autor que: “Em anexo segue relatório de peritagem auto, sendo o valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro, o valor de € 616,83, sendo o valor venal da viatura de € 15.000,00.
O lesado apresentou uma reclamação no valor de € 18.000,00 + IVA, suportada no orçamento.
Analisada a reclamação viemos a apurar que estão a ser reclamados outros danos na carrinha, que em nada têm a ver com o sinistro, nomeadamente de danos face ao estado e uso.
O lesado está a reclamar uma restauração integral na sua carrinha, beneficiando notoriamente, com o sinistro participado, que de forma alguma podemos considerar.”
19.No dia 09.05.2019, o réu informou o autor que se encontrava a aguardar “esclarecimentos sobre a resposta do seguro, e estamos a analisar as alternativas ao nosso alcance para uma compensação justa”.
20.Por e-mail de 03.06.2019, o réu solicitou ao autor a indicação de data e local para transporte da carrinha, sendo que seria assegurado o reboque até ao local indicado.
21.Nos meses seguintes, o autor remeteu ao réu diversas comunicações a solicitar que o informasse sobre o estado do processo e da reparação do veículo, alertando que necessitava do veículo reparado com urgência e que era insustentável continuar a prolongar a resolução da situação.
22.Por e-mail de 04.10.2019, mais de cinco meses depois da aludida missiva da seguradora, a ré informou o autor que “o Município … irá proceder ao transporte da carrinha para a oficina indicada pela Seguradora, durante a próxima semana”.
23.Não obstante, o tempo decorreu e o veículo em questão nunca foi entregue reparado ao autor.
24.Em meados de 2020, o autor tomou conhecimento que o veículo tinha sido movimentado, por iniciativa do réu, do parque exterior dos serviços centrais do Município … para o Parque Municipal de Recolha de Viaturas, sito no lugar de SMP..... .
25.Sendo tal parque destinado a recolher viaturas que se encontrem abandonadas na via pública, o precedente facto causou preocupação ao autor.
26.Nesse seguimento, em 01.10.2020, o autor, por intermédio dos seus mandatários, interpelou o réu, descrevendo a factualidade acima descrita e advertindo que “(...) embora sem prejuízo do exercício do direito de o N/ Constituinte ser indemnizado por todos os danos, a apurar, causados com esta situação, nomeadamente, mas sem a isso se limitar, pela privação do uso do veículo desde a ocorrência do sinistro, informamos que V/ Exas. dispõem do prazo de 20 (vinte) dias a contar da presente data para proceder à reparação do veículo, bem como à entrega do mesmo reparado ao N/Constituinte, sendo que, findo tal prazo, sem que ocorra a reparação do veículo e a entrega do mesmo ao N/ Constituinte, se considera definitivamente incumprida a obrigação de reparação da responsabilidade de V/ Exas. e, em consequência, não poderá o N/ Constituinte deixar de exercer todos os direitos que legalmente lhe assistem, mormente, com vista a ser ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que toda esta situação lhe está a causar”.
27.Na sequência de tal missiva, as partes reuniram-se, no dia 24.11.2020, nas instalações da Câmara Municipal …, tendo o réu manifestado expressamente a sua intenção de alcançar uma resolução consensual e célere da situação descrita.
28.Tendo em consideração que, até à data, o réu não tinha encontrado nenhuma oficina disponível para proceder à reparação, informando, ademais, que a oficina que tinha acordado com a Seguradora efectuar a reparação se recusou, depois, a efectuá-la, o réu, solicitou ao autor que, caso conhecesse mais alguma oficina/mecânico, além do que anteriormente tinha apresentado um orçamento (o Sr. Albino), o indicasse ao réu, de modo a que se deslocasse ao local onde estava o veículo e, nessa sequência, apresentasse um orçamento de reparação.
29.Nesse seguimento, no dia 03.12.2020, o autor, o seu mandatário e um mecânico da oficina «Auto AL..... – Acessórios de Automóveis, Ld.ª», o Sr. JF, deslocaram-se ao Parque Municipal de Recolha de Viaturas, sito no lugar de SMP....., onde se encontrava o veículo, tendo o réu mostrado o mesmo ao autor, ao seu mandatário e ao mecânico, para que os mesmos pudessem conferir o seu estado de conservação e, o último, aferir se a reparação era possível e elaborar o respectivo orçamento estimativo.
30.O veículo em questão apresentava diversos danos adicionais aos já previamente descritos, denotando um elevado estado de degradação/corrosão exterior, incluindo a pintura estragada e ferrugem, e interior, com elevada humidade e apodrecimento das partes em borracha e revestidas a madeira, bem como de diversos componentes, incluindo pneus, tampões de rodas, sistema de travões, circuitos eléctricos, lâmpadas, tubagens e juntas, fruto, nomeadamente, do facto de o veículo, à guarda da ré, ter estado ao relento, sujeito às diversas alterações climatéricas, durante mais de três anos, sem qualquer manutenção ou protecção, tendo inclusivamente desaparecido a sua bateria, diversa cablagem e outros componentes.
31.Posteriormente e conforme combinado entre o autor, o réu e a oficina precedentemente identificada, no dia 17.12.2020, o autor remeteu ao réu os orçamentos estimativos de reparação elaborados pela oficina, num total de € 21.666,86 (vinte e um mil e seiscentos e sessenta a seis euros e oitenta e seis cêntimos).
32.Após desmontagem do veículo, poderão ser detectadas outras peças/componentes danificadas.
33.Tais orçamentos contemplam os trabalhos de reparação dos danos visíveis na viatura e inexistentes à data da entrega do veículo pelo autor ao réu.
34.Na mesma comunicação de dia 17.12.2020 e na senda do solicitado pelo réu, o autor apresentou também uma proposta do montante de indemnização para os demais danos causados, incluindo os referentes à privação do uso do veículo.
35.Porém, o réu, que, na reunião realizada entres as partes no dia 01.10.2020, tinha manifestado expressamente o seu interesse em resolver de forma célere, consensual e definitiva a situação, só veio a dar uma resposta concreta quase três meses depois, no dia 12.03.2021, informando que não estava, afinal, “em condições de chegar a acordo”.
36.Desde a ocorrência do sinistro, em 10.12.2017, o veículo sempre esteve na posse e à guarda do réu, para que a mesma procedesse à reparação do mesmo, na sequência de ter assumido expressamente essa responsabilidade.
37.Sendo que, anteriormente àquela data de 10.12.2017, o autor utilizava, diariamente, o veículo, quer para fins pessoais, nas suas deslocações/passeios de lazer, quer para fins profissionais, incluindo a realização de showcookings e workshops de cozinha, em diversos eventos e para diversas marcas, para fixação de publicidade, realização de filmagens, programas de televisão, gravação de anúncios publicitários, serviços de catering e streetfood, tanto mais que o autor é Chef de profissão, bem como era alugada para utilização em diversos outros eventos.
38.Em 2017, o autor utilizou o aludido veículo na prestação de serviços profissionais, em diversos eventos, em número não apurado, pelos quais recebia, em média, uma remuneração entre € 1.000,00 (mil euros) a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), por cada evento.
39.Aquele veículo era um bem essencial para o autor auferir parte dos seus rendimentos, sendo uma das suas “imagens de marca” enquanto Chef, tanto mais que as pessoas associavam imediatamente o veículo ao autor e vice-versa.
40.O réu tinha pleno conhecimento desses factos.
41.A contrapartida pecuniária para tomar de aluguer um veículo de características semelhantes às da viatura do autor, seria, no mínimo, de € 150,00 (cento e cinquenta euros) diários.
42.A situação que ficou descrita causou tristeza, angústia, insegurança, ansiedade e revolta ao autor, nomeadamente em virtude de, pese embora as diversas promessas do réu, desde o dia 15.12.2017, no sentido de que assumia a responsabilidade pela reparação dos danos e já estaria a tratar do processo nesse sentido, nunca ter efectivado tal reparação, fazendo, assim, com que o autor viesse a sentir que foi sendo enganado ao longo do tempo e, em consequência de o réu não ter resolvido a situação de forma consensual e com celeridade, o autor ter ficado privado de utilizar livre e plenamente o veículo, reputado uma das suas “imagens de marca”, por um período superior a três anos, tendo que recusar trabalhos por não dispor do veículo, ter tido necessidade de contratar advogados e recorrer, afinal, à via judicial, quando o réu sempre lhe assegurou que tal não seria necessário, tudo isto com os custos daí advenientes para o autor.
43.O veículo em questão, por se tratar de um modelo clássico, que foi adquirido e recuperado/reestruturado pelo autor, com grande esforço e carinho, tem um grande valor sentimental para o mesmo, o que agudiza a tristeza e angústia que sente.
44.Toda a situação em apreço, obrigou o autor a utilizar o seu tempo e recursos, que poderia dedicar a realizar outras coisas, a tentar solucionar a situação, nomeadamente enviando comunicações escritas ao réu, mantendo diversos contactos telefónicos com o réu e com oficinas que pudessem reparar o veículo, por tal ajuda lhe ter sido solicitada pelo réu, deslocando-se, pelo menos, três vezes, fisicamente, às instalações do réu e aos locais onde o veículo se encontrava, o que foi motivo de incómodo e transtorno para o autor.
45.Em Novembro de 2022, a contrapartida pecuniária pela reparação da viatura do autor ascendia a quantia não inferior a € 24.580,06 (vinte e quatro mil e quinhentos e oitenta euros e seis cêntimos), a qual corresponde a uma mera estimativa, que poderá sofrer alterações em função do estado real dos componentes quando o veículo for desmontado, para efeito de seu recondicionamento, nos termos constantes do relatório pericial de fls. 159 a 169 verso, cujo teor se considera reproduzido.
46.Logo após o evento mencionado em 5., a viatura do autor foi colocada no parque exterior dos Serviços Centrais do Município …, referido em 11..
47.A mesma viatura encontra-se presentemente parqueada no parque municipal de viaturas abandonadas do réu.
48.Em data não apurada, a oficina «JM..... ... P.....» transmitiu, telefonicamente, a DC....., do «P..... S....., Ld.ª», que não pretendia realizar a reparação do veículo do autor.
*

II.2.– Factos Não Provados:
49.No ano de 2017, o autor utilizou o aludido veículo na prestação de serviços profissionais, em cerca de 200 (duzentos) eventos/ocasiões, recebendo, em média, €500,00 (quinhentos euros) por dia.
50.Quando a viatura do autor foi colocada no interior da tenda tipo “dome” que colapsou em cima da mesma, no dia 02.12.2017, essa colocação ocorreu com dificuldade, tendo sido empurrada para o interior da tenda porque já não funcionava, apresentando-se “envelhecida”, com “defeitos” e desgaste.
51.O autor, durante mais de um ano, descurou a sua viatura, dela não querendo saber, nem cuidar, podendo, logo após o acidente, ter recolhido imediatamente a viatura, mas não o quis fazer, recusando receber o seu veículo e exigindo que lhe fosse entregue “como novo”, assim pretendendo a recuperação total da viatura, relativamente a defeitos que já apresentava aquando da cedência da sua utilização ao réu, conduta essa que contribuiu para a sua deterioração.
52.Mesmo depois de verificar o estado em que se encontrava a viatura no parque privado dos Serviços Centrais da Câmara Municipal …, o autor nunca mostrou interesse em recolher a viatura, o que fez com o objetivo de peticionar a indemnização reclamada nesta acção contra o réu.
53.O autor não quis receber os equipamentos que, com cuidado, foram retirados pelo réu da viatura e que ainda se encontram à guarda do Município.
54.Foi no dia 11.10.2019, que a oficina «JM..... ... P.....» transmitiu, telefonicamente, a DC....., do «P..... S....., Ld.ª», que não pretendia realizar a reparação.

Impugnação da matéria de facto.
Consta do ponto 5. do elenco dos factos provados que “Não obstante, em 15.12.2017, o réu informou o autor que o mencionado veículo, no dia 10.12.2017, tinha sofrido alguns danos, de entre os quais “algumas amolgadelas e um farolim partido”, em virtude da queda da estrutura de uma tenda em cima do veículo.
Defende o recorrente que a alteração deve passar a ser a seguinte:
5.-Não obstante, em 15.12.2017, o réu informou o autor que o mencionado veículo, no dia 10.12.2017, tinha sofrido alguns danos, de entre os quais “algumas amolgadelas e um farolim partido”, em virtude da queda da estrutura de uma tenda em cima do veículo, o que resultou da ocorrência de um temporal (tempestade “Ana”).
Desde logo, das declarações do A resulta que a queda da tenda se deveu à ocorrência de uma intempérie, segundo lhe foi, ao tempo, comunicado. Também a testemunha RV afirmou tal factualidade, não tendo sido produzida qualquer prova em sentido contrário, pelo que fundamento não existe para não se dar tal facto como adquirido.
Assim adita-se ao ponto 5 a seguinte expressão “…o que se deveu a uma intempérie.”

Consta do ponto 8. do elenco dos factos provados que “Nos meses seguintes, o réu foi transmitindo ao autor que estava a manter contacto com diversas oficinas, para efectivar a reparação do veículo sendo que, “por diversas razões”, que não concretizou, nenhuma apresentava orçamento.”
Pugna o recorrente que se altere a redacção no seguinte modo:
8.- Nos meses seguintes, o réu foi transmitindo ao autor que estava a manter contacto com diversas oficinas, para orçamentarem e efectivarem a reparação do veículo sendo que, não conseguia encontrar oficina que apresentasse orçamento uma vez que nenhuma assumia a reparação da carrinha dado tratar-se de um clássico.
Suporta a sua impugnação nas próprias declarações do A, no depoimento da testemunha RV e da testemunha IF cujos excertos que entende por significativos transcreve.
Das declarações do A. e do depoimento da testemunha IF resulta claro que o R. não estava a conseguir uma oficina que fizesse orçamento.
E tal é plausível pois os carros clássicos requerem um especial tratamento, sendo que, muitas vezes, só com a desmontagem se apuram os concretos danos a reparar, o que impede que se possa calcular o tempo de serviço, o que dificulta os cálculos para o orçamento.
Assim, aceita-se a redacção dada ao ponto 8 pelo R.
Pretende o recorrente que se adite à factualidade apurada os seguintes factos:
- O Réu necessitava do orçamento de reparação, também, para instruir a participação do sinistro junto da seguradora;
Este facto foi afirmado pela testemunha RV não tendo sido produzida prova em contrário, pelo que se admite este ponto como provado.
- O Autor bem conhecia a dificuldade em encontrar oficinas especializadas que efectuassem a reparação da carrinha, dado tratar-se de um clássico;
O facto já vem indiciado pela resposta ao facto 8 e decorre das declarações do A. que ele tinha conhecimento de tal dificuldade, daí que até tenha facultado o contacto da pessoa que procedeu ao restauro da sua carrinha.
- Por email de 11 de Maio de 2018 o Réu solicitou ao mecânico indicado pelo Autor a apresentação de orçamento para a reparação da carrinha, sendo que para o efeito facultou a descrição e fotos da mesma.
Este mail está nos autos não tendo a sua genuinidade sido posta em causa por qualquer meio de prova.
Assim dá-se por assente este facto.
Consta do ponto 14. “Na sequência da aludida vistoria ao veículo, o referido mecânico, Sr. Albino, elaborou um orçamento estimativo de reparação dos aludidos danos, no montante de € 22.140,00 (vinte e dois mil e cento e quarenta euros), constante de fls. 123 e cujo teor se dá por reproduzido, o qual foi remetido à ré, no dia 07.01.2019.”
Defende o recorrente que o facto está incorrectamente julgado por não constar a data da realização da vistoria e da realização do orçamento.
Estes factos estão documentos pelo que se aceita a rectificação pedida.
14.-Na sequência da aludida vistoria ao veículo [realizada em 09.09.2018, conforme facto assente em 11.], o referido mecânico, Sr. Albino, elaborou, em 10.11.2018, o orçamento estimativo de reparação dos danos existentes e que o veículo apresentava naquela data, no montante de € 22.140,00 (vinte e dois mil e cento e quarenta euros), constante de fls. 123 e cujo teor se dá por reproduzido, o qual foi remetido pelo autor ao réu, por email, no dia 07.01.2019
15.- Apenas em Janeiro de 2019 é que o réu participou a ocorrência/sinistro referido em 5. à «Companhia de Seguros Tranquilidade», o que transmitiu ao autor em 09.01.2019.
Defende o recorrente a alteração nos seguintes moldes:
15.-Logo após a recepção do aludido orçamento, o Réu remeteu-o à seguradora instruindo a participação do sinistro, o que fez por email datado de 08.01.2019, o que transmitiu ao autor em 09.01.2019.
Conjugando o depoimento da testemunha RV com o mail de 7 de Janeiro de 2019 da testemunha Inês para a testemunha RV e o mail desta para a seguradora, merece acolhimento a redacção defendida.
Consta do ponto 16. Sendo que aquela Seguradora, em 17.04.2019, comunicou à oficina indicada pelo réu, com a firma «JM.... ... P....., Ld.ª», que “assumimos a liquidação da reparação da viatura, conforme acordo condicional entre o nosso perito e essa oficina, pelo valor de € 619,83 já com IVA”.
Defende o recorrente que importa precisar e concretizar que o indicado valor correspondente ao “valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro mencionado em 5.”
Trata-se de facto assente no confronto entre os factos 14 e 18. Assim adita-se essa expressão ao ponto 16.
Consta do ponto 20 “Por e-mail de 03.06.2019, o réu solicitou ao autor a indicação de data e local para transporte da carrinha, sendo que seria assegurado o reboque até ao local indicado.”
Defende o recorrente que deve ser concretizado o teor do mail. Assim o faremos:
20.-Por e-mail de 03.06.2019, o réu informou o autor de que o processo foi reanalisado, quer pela seguradora, quer pela área jurídica, e as conclusões foram coincidentes, no sentido de não poder ir mais além que o valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro, e solicitou ao autor a indicação de data e local para transporte da carrinha, sendo que seria assegurado o reboque até ao local indicado.

Consta do ponto 22: Por e-mail de 04.10.2019, mais de cinco meses depois da aludida missiva da seguradora, a ré informou o autor que “o Município … irá proceder ao transporte da carrinha para a oficina indicada pela Seguradora, durante a próxima semana.
Pretende o recorrente que se concretize o teor do mail, o que se passa a fazer:
22.-Por e-mail de 04.10.2019, o réu informou o autor da comunicação da Seguradora à entidade JM...... ... P....., Lda. pela qual assume “a liquidação da reparação da viatura, conforme acordo condicional entre o nosso perito e essa oficina, pelo valor de €619,83 já com IVA.” e que em face de tal comunicação e na ausência de alternativa “o Município … irá proceder ao transporte da carrinha para a oficina indicada pela Seguradora, durante a próxima semana.

Consta do ponto 36: Desde a ocorrência do sinistro, em 10.12.2017, o veículo sempre esteve na posse e à guarda do réu, para que a mesma procedesse à reparação do mesmo, na sequência de ter assumido expressamente essa responsabilidade.
Consta do ponto 46. Logo após o evento mencionado em 5., a viatura do autor foi colocada no parque exterior dos Serviços Centrais do Município …, referido em 11.”
Pretende o recorrente que se adite ao ponto 36 que o A anuiu a que o veículo ficasse na posse do R.
Esse facto resulta desde logo das declarações do A.
Assim, adita-se ao ponto 36. Que o A anuiu a que o veículo ficasse na posse do R
Pretende o recorrente que se adite aos factos que:
- O Autor, após o sinistro, ocorrido em 10.12.2017, o qual lhe foi comunicado a 15.12.2017 (facto assente em 5.), apenas, foi ver a carrinha pela primeira vez em Março de 2018, volvidos 3 meses sobre o acidente, momento em que constatou o local onde a mesma estava parqueada desde o sinistro, o parque exterior dos Serviços Centrais do Município … (facto assente em 46.)
Facto provado, com base nas declarações o A.. Assim transita para o elenco dos provados.
- O Autor não recolheu o seu veículo do parque exterior dos Serviços Centrais do Município … onde o mesmo se encontrava em ambiente aberto, sujeita aos elementos do clima, e de modo a resguardá-lo dessa exposição - porque não o quis fazer.
Trata-se de facto que resulta assente da conjugação das declarações de parte com o depoimento da testemunha RV.
Assim adita-se este facto aos factos provados.
Consta do 30. O veículo em questão apresentava diversos danos adicionais aos já previamente descritos, denotando um elevado estado de degradação/corrosão exterior, incluindo a pintura estragada e ferrugem, e interior, com elevada humidade e apodrecimento das partes em borracha e revestidas a madeira, bem como de diversos componentes, incluindo pneus, tampões de rodas, sistema de travões, circuitos eléctricos, lâmpadas, tubagens e juntas, fruto, nomeadamente, do facto de o veículo, à guarda da ré, ter estado ao relento, sujeito às diversas alterações climatéricas, durante mais de três anos, sem qualquer manutenção ou protecção, tendo inclusivamente desaparecido a sua bateria, diversa cablagem e outros componentes.
Pretende o recorrente que se elimine a expressão“à guarda da ré”.
Não justifica o recorrente onde ancora esta sua pretensão, nem nós vislumbramos fundamento para tal alteração, antes pelo contrário. Decorre da globalidade dos factos que o veículo, desde a ocorrência do acidente, sempre esteve ao cuidado do R., aí se mantendo com vista à reparação dos danos sofridos, danos estes que ocorreram enquanto o veículo esta à guarda e cuidados do R. Mantém-se pois a resposta dada.
Procede assim parcialmente o recurso de facto.

Recurso de direito
Não questionam as partes o enquadramento jurídico feito na sentença de que estamos perante um contrato de comodato.
De acordo com o art.º 1129.ºCC Comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.”
Estipula-se no art.º 1136.º (Perda ou deterioração da coisa)
1.Quando a coisa emprestada perecer ou se deteriorar casualmente, o comodatário é responsável, se estava no seu poder tê-lo evitado, ainda que mediante o sacrifício de coisa própria de valor não superior. (sublinhado nosso)
Provado que o acidente – a queda da tenda - se ficou a dever a uma intempérie –facto 5., alterado por este tribunal – temos que concluir que não estava nos poderes do R. ter evitado o dano que o veículo sofreu.
Não pode pois imputar-se ao R. o incumprimento do contrato de comodato.
Se o R procedesse à reparação do veículo estávamos no âmbito do cumprimento de uma obrigação natural. Neste sentido veja-se Ac. da Relação de Coimbra, de 03-12-2009 Proc.4371/07TJCBR.C1:
1.O artº 402º do C. Civ. consagra a “obrigação natural” como uma figura de carácter geral, compreendendo no seu âmbito todos os deveres de ordem moral e social, cujo cumprimento não seja judicialmente exigível, mas corresponda a um dever de justiça.
2.Em geral, são dados como exemplos de deveres de ordem moral e social, cujo cumprimento corresponde a uma ordem de justiça (comutativa), o caso típico do cumprimento da obrigação prescrita ou do dever legal que haja caducado ou da percentagem remitida pelos credores ao devedor concordado, e não um simples pensamento de piedade, de caridade, de cavalheirismo ou a um sentimento de escrúpulo de carácter individual.
3.São seus pressupostos – ou requisitos positivos – o basear-se a obrigação num dever moral ou social e ao seu cumprimento corresponder um dever de justiça.
4.É requisito negativo da obrigação natural, e constitui ponto líquido, a sua não coercibilidade – há plena liberdade de incumprir por o direito do credor não ser accionável.
5.O dever de ordem moral ou social em que se funda a obrigação não é definido por lei, nem o podia ser – cabe aos tribunais determinar, em relação a cada caso, se existe ou não um dever que justifique a qualificação da obrigação como natural.
6.A existência de uma declaração escrita do Réu no sentido de “se obrigar a pagar as despesas da Universidade da filha da autora, até à conclusão do curso”, não podia ser entendida por qualquer pessoa medianamente diligente e sagaz senão no sentido de o réu estar a assumir essa obrigação como um vínculo e como uma contrapartida para alcançar algo da autora – pelo que tal declaração tem de ser entendida como a assumpção de uma obrigação civil, não como uma obrigação natural.
Revertendo para o caso dos autos temos por adquirido que, logo após o acidente, o R assumiu a responsabilidade pela reparação do veículo, começando a diligenciar para esse efeito.

Vejam-se os factos provados:
6.Na mesma comunicação, foi transmitido ao autor que o réu “assumia toda a responsabilidade pelos danos e os inerentes custos de reparação”, bem como que já estaria a “tratar do processo”.
7.Posteriormente, no dia 20.12.2017, o réu solicitou ao autor diversos dados pessoais, de modo a poder “tratar do processo de arranjo da vossa viatura”.
8.Nos meses seguintes, o réu foi transmitindo ao autor que estava a manter contacto com diversas oficinas, para efectivar a reparação do veículo sendo que, “por diversas razões”, que não concretizou, nenhuma apresentava orçamento.
9.Nessa sequência, em 10.05.2018, e a pedido do réu, o autor disponibilizou-lhe os contactos de um mecânico, que sabia efectuar trabalhos de reparação/reestruturação de veículos mais antigos / “clássicos”.
Resulta daqui, de forma clara e evidente, a assumpção pelo R da responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelo veículo, enquanto estava na sua posse.
A obrigação que tinha assim uma natureza de obrigação natural passou, face à assumpção da responsabilidade pelo A, a ter a natureza de uma obrigação civil. E como tal a questão terá que ser tratada.
Estão assentes os danos sofridos com o acidente. Mas para além destes acrescem os danos que o veículo foi sofrendo enquanto esteve (e está) sob a guarda da R.
A R. foi verdadeiramente negligente, pois em vez de guardar o veículo em lugar resguardado dos elementos naturais (como chuva e sol), manteve-o ao ar livre, em parque aberto.
E não se diga que o A podia ter recolhido o veículo pois tendo o R assumido a responsabilidade pela reparação era-lhe inerente a obrigação de proceder à respectiva guarda. Enquanto não estivesse reparado não estava o A obrigado a recebê-lo, não se verificando no caso mora do credor –art.º813.º
Provado que está que o veículo entrou na pose do R. em bom estado de conservação - ponto 13 - é o R. responsável pela restituição nesse mesmo estado, ou a pagar ao A o respectivo custo de reparação, cabendo-lhe também a responsabilidade por todos os danos ocorridos enquanto o veículo esteve à sua guarda, como decorre do art.º 1136.º CC
Alega o recorrente que o A não entrou na posse do veículo porque o não quis. Mas este argumento é irrelevante. Tendo o recorrente assumido a responsabilidade pela reparação o veículo haveria de ficar à sua guarda, para que a reparação se realizasse. Aliás, o R logo diligenciou por uma oficina para a reparação, donde decorre que era ele, R, que pretendia assumir o controle da reparação.
Dadas as dificuldades alegadas o R. poderia era ter entregue a carrinha ao A e acordado com este que a reparasse e lhe apresentasse o respectivo custo. Mas, assim não entendeu o R proceder, donde, mantendo a carrinha à sua guarda, é responsável pelos danos que sobrevieram, como sejam os que decorreram pelo facto da carrinha não ter sido resguardada dos elementos climatéricos.
Não tem aqui aplicação o disposto no art.º 1036 do CC, invocado pelo R., pois que se reporta às reparações urgentes, em sede de contrato de locação.

Dano por privação do uso
Sobre o dano da privação do uso ver S.T.J. de 08-11-1984 (in BMJ 341º, p. 418) “é ao lesante que incumbe providenciar pela reparação do veículo danificado, desde que o seu dono se não oponha, a menos que ela não seja possível ou se mostre excessivamente onerosa, de conformidade com os artigos 566º, nº 1 e 562º do Código Civil. Se o lesante não é pronto nesse providenciamento e a demora, por desleixo seu, avoluma o prejuízo relativo a gastos com o aluguer de um automóvel para substituir, no seu uso, o que ficou paralisado por força do acidente, será o mesmo lesante que haverá de suportar as consequências daí decorrente, e não o lesado. Se para agravamento de tais danos tiver contribuído o lesado, então terá a situação de ser encarada face ao estatuído no nº 1 do artigo 570º do Código Civil, com base no qual caberá ao tribunal, em atenção à culpa de ambas as partes e as consequências dela resultantes, decidir se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida, mesmo excluída”.
Diz-nos O Ac. SJT 6/3/12, proc. 86/10.0T2SVV.C1, acessível na base de dados da dgsi : não sendo possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.
Está assente que:
36.Desde a ocorrência do sinistro, em 10.12.2017, o veículo sempre esteve na posse e à guarda do réu, para que a mesma procedesse à reparação do mesmo, na sequência de ter assumido expressamente essa responsabilidade.
37.Sendo que, anteriormente àquela data de 10.12.2017, o autor utilizava, diariamente, o veículo, quer para fins pessoais, nas suas deslocações/passeios de lazer, quer para fins profissionais, incluindo a realização de showcookings e workshops de cozinha, em diversos eventos e para diversas marcas, para fixação de publicidade, realização de filmagens, programas de televisão, gravação de anúncios publicitários, serviços de catering e streetfood, tanto mais que o autor é Chef de profissão, bem como era alugada para utilização em diversos outros eventos.
38.Em 2017, o autor utilizou o aludido veículo na prestação de serviços profissionais, em diversos eventos, em número não apurado, pelos quais recebia, em média, uma remuneração entre € 1.000,00 (mil euros) a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), por cada evento.
39.Aquele veículo era um bem essencial para o autor auferir parte dos seus rendimentos, sendo uma das suas “imagens de marca” enquanto Chef, tanto mais que as pessoas associavam imediatamente o veículo ao autor e vice-versa.
40.O réu tinha pleno conhecimento desses factos.
41.A contrapartida pecuniária para tomar de aluguer um veículo de características semelhantes às da viatura do autor, seria, no mínimo, de € 150,00 (cento e cinquenta euros) diários.
Não consta que o A tenha alugado viatura de substituição.
Também não consta que não disponha de outra viatura para se transportar, mas o certo é que deixou de ter a disponibilidade da sua carrinha, que era um carro clássico.
Por outro lado, está assente que o A usava o veículo em eventos pelos quais recebia em média € 1.000/1.500, o que deixou de puder utilizar. Mas não resultou provado que por falta do veículo o A. tenha deixado de realizar os ditos eventos, nem quanto eventuais realizava anualmente. Assim, este segmento dos potenciais danos não será atendido.
Está demonstrado que o A utilizava diariamente o veículo pelo que a sua privação lhe causou os inerentes danos.
E essa privação não pode deixar de ser imputável ao R. pois embora tenha feito diligências para conseguir a reparação, não logrou levá-las a bom porto, tendo deixado a situação protelar-se no tempo, incompreensivelmente.
Alega o R que o A se recusou a receber a carrinha –facto 20. Por e-mail de 03.06.2019, o réu solicitou ao autor a indicação de data e local para transporte da carrinha, sendo que seria assegurado o reboque até ao local indicado. – contudo não se nos afigura que o A estivesse obrigado a aceitar a carrinha, pois esta ainda não se encontrava reparada; o R ainda não havia cumprido a prestação a que se obrigara, pelo que não se pode falar em mora do credor –art.º 813.º CC.
No quadro dos factos provados não vislumbramos que o A tenha contribuído para o atraso na reparação, a não ser pelo período de dois meses em que recebeu o orçamento e só o veio a entregar ao R passados dois meses –facto 14 -, donde apenas este grau de culpa lhe é de assacar.
Tendo o R se obrigado a reparar a carrinha e entregá-la reparada ao A. é responsável pelos danos havidos no período em que a carrinha esteve à sua guarda à espera da reparação (que ainda não ocorreu).
Fazendo apelo a juízos de equidade considerando a privação do uso da carrinha durante 6 anos, entendemos adequado fixar uma indemnização no valor de € 20.000, mostrando-se exagerada a indemnização fixada na decisão recorrida (superior a €60.000)

Abuso de Direito

Alega o recorrente:
“De tudo quanto se alegou em sede da impugnação da matéria de facto assente na sentença, resulta que o Autor, nessa qualidade de lesado, assumiu no decurso temporal dos factos um comportamento censurável e reprovável, distinto daquele que é expectável de um proprietário diligente, que concorreu para o agravamento do dano – cujo ressarcimento peticiona nos presentes autos sob a atribuição de indemnização pela privação do uso e por danos não patrimoniais, o que consubstancia uma situação de abuso de direito.”
O instituto do abuso de direito constitui a concretização mais geral do princípio da boa-fé. É ilegítimo o exercício de qualquer direito sempre que exceda os limites da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico desse direito (artº 334º do CC).
Não podemos concordar com o entendimento do R..
Já se deixou dito que era ao R que cabia a guarda da carrinha até que a mesma fosse reparada.
Tendo o R assumido a obrigação da reparação era obrigação inerente cuidar da carrinha enquanto a reparação não ocorresse.
Temos para nós que ainda que o R. quisesse entregar a carrinha ao A. antes de reparada não estava este obrigado a recebê-la, porque ainda não reparada. Como já se deixou dito não estamos perante um caso de mora do credor. Não se diga que o A foi desleixado ao permitir que a carrinha permanecesse na “rua”, pois era sobre o R que empendia o ónus de recolher condignamente, o que manifestamente não fez.
A partir do momento em que a carrinha se começou a degradar mais uma razão tinha o A para a não receber pois a responsabilidade por tal degradação cabia ao R.
Resumindo: o A tinha o direito de ver a sua carrinha reparada não recaindo sobre si a obrigação de a recolher, enquanto a reparação não fosse feita, tendo o direito a ser indemnizado pela privação do respectivo uso.
Não se mostra assim que o A. tenha actuado fora dos limites da boa-fé, ou seja que esteja a fazer um uso abusivo do seu direito.
Não estamos pois perante um caso de abuso de direito.

Danos não patrimoniais
Não julgamos que os danos não patrimoniais apurados sejam de gravidade tal que mereçam a tutela do direito, pelo que não se confirmará a condenação a tal título.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência altera-se a al. b) do dispositivo que passa a ser:
- b) Condeno o réu Município … a pagar ao autor F a quantia de €20.000,00 a título de dano por privação de uso.
- vai o R absolvido do pedido de indemnização por danos não patrimoniais
No mais, confirma-se a decisão recorrida.
Custas por A e R na proporção de 20% e 80% respectivamente.



Lx. 25/1/2024



Teresa Soares
Maria de Deus Correia
Nuno Gonçalves