Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS CASTELO BRANCO | ||
Descritores: | NULIDADES DE SENTENÇA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO CONTRATO DE COMPRA E VENDA INTERNACIONAL LEI APLICÁVEL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/13/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDÊNCIA | ||
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Sumário: | I) Tendo a autora - uma sociedade comercial brasileira - convencionado com a ré – uma sociedade comercial portuguesa - entregar-lhe fruta (maçãs do tipo “Fuji” e “Imperial Gala”) produzida no Brasil, que esta lhe adquiriu importando-a para Portugal e obrigando-se a pagar-lhe o respetivo preço, a relação jurídica entabulada enquadra-se na do contrato de compra e venda internacional, ainda que, nos mesmos moldes, a ré tenha entregue fruta à autora (exportando-a de Portugal para o Brasil), que esta lhe adquiriu, obrigando-se, igualmente, a pagar o preço correspondente, celebrando um recíproco contrato de compra e venda internacional. II) Sendo a obrigação principal - correspetiva à da entrega de fruta, a cargo da contraparte - a obrigação de pagamento de preço, mostra-se excluída a consideração, em termos de enquadramento jurídico dos factos apurados, do denominado contrato de troca, escambo ou permuta. III) Não se tendo apurado que a fruta fosse disponibilizada à contraparte em contínuo ou que houvesse obrigação de fornecimento periódico ou futuro ou à concretização de futuras compras e vendas, não se está perante um contrato de fornecimento. IV) Na legislação interna, a matéria das regras de conflitos referentes às obrigações contratuais encontrava-se regulada pelos artigos 41.º e 42.º do CC, vigorando até 01-09-1994, data em que Portugal ratificou a denominada Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (assinada em Roma em 19-06-1980 e a que Portugal aderiu através de uma Convenção de Adesão assinada em 18-05-1992, que foi aprovada para ratificação por Resolução da Assembleia da República e ratificada pelo Presidente da República, nos termos publicitados no D.R., I série-A, de 03-02-1994, tendo entrado em vigor em Portugal em 01-09-1994). V) A publicação do Regulamento (CE) n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho de 17-06-2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (denominado Regulamento Roma I) veio substituir (na generalidade dos Estados-Membros, com exceção da Dinamarca) a aplicação da Convenção de Roma (cfr. artigo 24.º do Regulamento), regulamento que é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados após 17-12-2009 (cfr. artigo 28.º). VI) Encontram-se, no caso, verificadas todas as condições – de âmbito material (cfr. artigo 1.º), territorial e temporal – para a integração dos contratos de compra e venda celebrados entre as partes no âmbito de aplicação do Regulamento, sendo que, as compras e vendas a que se reportam as faturas cujo pagamento é reclamado, por ambas as partes, tiveram lugar em 2017, não obstando à aplicação do Regulamento o facto do Brasil ser um Estado não contratante, dado que, nos termos do artigo 2.º do Regulamento Roma I, a lei designada ser aplicável mesmo que não seja a lei de um Estado-Membro, traduzindo um princípio de aplicação universal de tal instrumento jurídico. VII) Na ausência de estipulação pelas partes de qual a lei aplicável, cumprirá determinar qual a lei aplicável, de harmonia com o disposto no artigo 4.º do Regulamento Roma I, sendo que, o contrato internacional de compra e venda de mercadorias é regulado pela lei do país em que o vendedor tem a sua residência habitual (cfr. n.º 1, al. a) ), critério que não é operativo no caso dos autos, porque ambas as partes tiveram tal qualidade. VIII) Nesta situação haverá de lançar mão dos critérios supletivos a que se reportam os n.ºs. 2 a 4 do mencionado artigo 4.º do Regulamento Roma I, sendo que, em primeiro lugar, caso os contratos não sejam abrangidos pelo n.º 1 do mesmo artigo, ou se as partes dos contratos forem abrangidas por mais do que uma das alíneas a) a h) do n.º 1, esses contratos serão regulados pela lei do país em que o contraente que deve efetuar a “prestação característica” do contrato tem a sua residência habitual, critério que, na situação dos autos, também não é operativo, por apontar para a aplicação, quer da lei portuguesa, quer da lei brasileira, consoante nos reportemos à prestação caraterística da entrega de fruta num ou noutro país. IX) Na falta de aplicação do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento, por não se vislumbrar que o conjunto das circunstâncias do caso apresente conexão manifestamente mais estreita com outro país, resta a consideração do n.º 4 do artigo 4.º, sendo o contrato regulado pela lei do país com o qual apresenta uma “conexão mais estreita”. X) A concretização da conexão mais estreita não depende de um elemento de conexão determinado, mas antes da ponderação do conjunto de circunstâncias do caso, suscetíveis de indicar uma forte ligação com um certo país, ou fatores com forte potencial localizador e outras circunstâncias com menor potencial localizador, como sejam, entre outras, a residência habitual (o estabelecimento principal no caso de se tratar de uma pessoa singular, a administração central, no caso de se tratar de uma sociedade ou outra entidade dotada ou não de personalidade jurídica); a relação estreita do contrato com outros contratos ou com uma série de contratos; a situação dos bens, o contexto económico do contrato; a escolha do forum ou a nova lex mercatoria e os usos comerciais; o facto de a lei aplicável considerar o contrato válido ou inválido; o lugar onde ocorreram as negociações; os interesses das partes; o idioma do contrato; a moeda de pagamento; a nacionalidade das partes. XI) Considerando que a ação foi interposta em Portugal, quando o poderia ser no Brasil, elemento que faz supor que a autora teve em vista, ou conformou-se, com a possibilidade de aplicação do direito português, não só em termos da conformação da competência e da aplicação das regras do ordenamento jurídico-processual, mas também, em termos substantivos e sendo que, na relação jurídica em questão, a moeda utilizada como referência para pagamento das prestações pecuniárias de ambas as partes – assim constando em todas as faturas juntas aos autos, quer emitidas pela autora, quer emitidas pela ré – foi o euro, moeda com curso legal em Portugal (e não no Brasil), a relação jurídica entabulada entre as partes, no âmbito das importações/exportações recíprocas de produtos, apresenta uma conexão mais estreita com a ordem jurídica portuguesa, sendo assim aplicável a lei substantiva portuguesa. XII) A Convenção CISG (“Convention on Contracts for the International Sale of Goods”/Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, adotada em Viena em 11 de abril de 1980 e aprovada para adesão por Portugal, pelo Decreto n.º 5/2020, de 7 de agosto), a que o Brasil aderiu em 04-03-2013 (vigorando na ordem jurídica brasileira desde 01-04-2014) e a que Portugal aderiu em 23-09-2020 (vigorando na ordem jurídica portuguesa desde 01-10-2021, aplica-se a contratos de compra e venda internacional de mercadorias, celebrados entre pessoas domiciliadas em países distintos, desde que tais países sejam signatários da Convenção ou que, segundo as regras de direito internacional privado aplicáveis ao caso, o contrato seja regido pela lei de um país signatário. XIII) A Convenção CISG aplica-se “apenas aos contratos concluídos aquando da data de entrada em vigor da Convenção ou após essa data, para os Estados Contratantes referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou para o Estado Contratante referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º”. (cfr. artigo 100.º, n.º 2), pelo que, a Convenção será aplicável quando o contrato seja celebrado a partir de 1 de outubro de 2021 e da data em que a Convenção entrou em vigor no Estado contratante da outra parte, ou, quando o contrato seja celebrado a partir da data em que a Convenção entrou em vigor no Estado da lei designada pelas regras de Direito Internacional Privado do Estado contratante do foro. XIV) Considerando as mencionadas disposições da Convenção CISG e tendo presente que, a relação jurídica em questão nos autos, relativa às partes, se reporta a 2017, a dita Convenção não tem aplicação à situação em litígio, pois, por um lado, na data, a Convenção ainda não vigorava em Portugal e, por outro lado, a lei designada pelas regras de Direito Internacional Privado do Estado contratante do foro (foro este situado em Portugal e apontando as regras de DIP, como se viu, para a aplicação da lei portuguesa) não leva, igualmente, à aplicação da dita Convenção. XV) De acordo com o disposto no artigo 17.º do Regulamento Roma I, “caso as partes não acordem no direito a compensação, a lei que regula a compensação é a lei aplicável ao crédito contra o qual se invoca a compensação”. XVI) Verificando-se que o crédito reclamado pela autora se reporta a contrato de compra e venda celebrado com a ré, onde esta tem a posição de devedora do preço, sendo a ré que pretende opor a compensação à autora (credora da obrigação da contraparte) e não existindo acordo sobre a existência do direito a compensação, a lei a aplicar à questão da compensação é a lei brasileira. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: * 1. Relatório: * 1. POMI FRUTAS S/A., identificada nos autos, instaurou a presente ação declarativa, de condenação, sob a forma comum contra CAMPOTEC IN - CONSERVAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DE HORTOFRUTÍCOLAS, S.A., também identificada nos autos, pedindo ao Tribunal o seguinte: “(…) A) Condenar a Ré no pagamento à Autora do montante a título de capital de €390.497,50 (trezentos e noventa mil, quatrocentos e noventa e sete euros e cinquenta cêntimos). Caso o tribunal entenda aplicar a “CISG” ao mérito da presente disputa, a tal valor de capital deverá ser acrescido de juros de mora mensais contabilizados à taxa de 1% desde a data de vencimento de cada fatura até efetivo e integral pagamento e que na presente data perfazem o montante de €76.976,78 (setenta e seis mil, novecentos e setenta e seis euros e setenta e oito cêntimos), perfazendo assim um montante global de €467.474,28 (quatrocentos e sessenta e sete mil, quatrocentos e setenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos) (valor da presente ação). B) Caso o Douto tribunal entenda aplicar a lei Brasileira ao mérito da presente disputa, aos supra referidos valores deverá ainda acrescer a respetiva “correção/atualização monetária”, bem como o reembolso dos honorários de advogado despendidos pela Autora, nos termos legais, a fixar na sentença, o que desde já se requer. C) Caso assim não se entenda e o Tribunal porventura entenda aplicar a lei Portuguesa, o valor supra referido a título de capital deverá nesse caso ser acrescido de juros de mora anuais contabilizados às taxas de juro comercial sucessivamente em vigor, também desde da data de vencimento de cada fatura até efetivo e integral pagamento, e que na presente data perfazem o montante de €41.964,62 (quarenta e um mil, novecentos e sessenta e quatro euros e sessenta e dois cêntimos).”. Para fundamentar o pedido, a autora alegou que forneceu à ré fruta e que esta não pagou o respetivo preço. * 2. Citada, a ré contestou, não impugnando o fornecimento de frutas invocado pela autora, mas invocando a exceção de ilegitimidade da autora, em virtude de esta ter sido declarada insolvente e não estar representada pelo administrador, e a compensação de créditos para com esta em montante excedente ao crédito peticionado, decorrente do fornecimento de bens à autora, efetuado por ela própria e por outras empresas que cederam os créditos à ré. Concluiu pedindo: “(…) Ser julgada procedente a excepção de ilegitimidade da A, absolvendo-se a Ré da instância; Ser julgada procedente a excepção da extinção da obrigação pelo cumprimento e, em consequência absolver – se a Ré da instância. Se assim não se entender, deve ser aceite como provado o Pedido reconvencional e reconhecido o crédito da Ré sobre a Autora no montante de 405.325,45€ e, em consequência declarada judicialmente a compensação de créditos e, consequentemente, ser a presente acção ser julgada totalmente improcedente e não provada, absolvendo-se a Ré do pedido. Deve a Autora ser condenada a pagar á Ré a quantia que lhe deve, de 14.827,95€. Deve a Autora ser condenada em litigância de má-fé e a indemnizar a Ré na quantia de 32.824, 65€”. * 3. A autora replicou, alegando que os sócios e administradores mantêm a capacidade para agir em representação da autora, reconheceu que a ré tem crédito sobre si no montante de 268.471,40€ e impugnou os restantes créditos invocados. * 4. Em 19-05-2020 a ré deduziu articulado superveniente, no qual invocou factos de que teve conhecimento após a apresentação da contestação, nomeadamente, que a autora tinha sido declarada falida pelo Tribunal da Comarca de Fraiburgo, Brasil, em 17-02-2020 e que “foi alertada pelos seus fornecedores no Brasil que a Autora, terá, alegadamente, gizado um plano para adquirir grandes quantidades de fruta, tenho intenção de posteriormente a essas compras, interpor um processo de Recuperação/Insolvência, por forma a que, entrassem no seu património grandes quantidades de mercadoria que após a interposição do processo, não iria pagar”, considerando “que a Autora não se encontra validamente representada, devido à outorga de procuração forense, por quem não tinha poderes para o fazer” e “que deve ser suspensa a instância e aguardarem os autos pelas diligências a efectuar pela Ré nos sentido de apurar a verdade e, nesse caso, interpor articulado complementar”. * 5. A autora, por requerimento apresentado em juízo em 15-06-2020, pronunciou-se sobre o referido requerimento da ré, concluindo requerendo ao Tribunal que: “A) Conceda um prazo de 20 (vinte) dias para efeitos de junção da certidão comprovativa do despacho em anexo; B) Indefira a pretensão da Ré no sentido de ser suspensa a presente instância, atenta a manifesta falta de alegações, fundamentos, base legal e/ou prova; C) Condene a Ré em sede de litigância de má-fé em multa condigna e pagamento de indemnização à Autora não inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), nos termos e para os efeitos dos Art.ºs 542.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b) e d) e 543.º, n.º 1 do CPC, a apreciar a final.” * 6. Em 09-11-2020 a autora apresentou em juízo requerimento de onde consta, nomeadamente, o seguinte: “(…) 1. Conforme anteriormente demonstrado no requerimento apresentado em 01.09.2020, a aqui Autora já tinha provado o efeito suspensivo do recurso da decisão que outrora tinha determinado a respetiva falência (e da sua participada Pomifrai Fruticultura S/A.) proferida pelo Tribunal Judicial de Santa Catarina, Comarca de Fraiburgo (…). 2. Ficou assim integralmente provado aquilo que já tinha sido anteriormente alegado, ou seja, que a Autora mantém-se na presente data em estado de recuperação (e não de falência), tal como estava aquando da apresentação da presente ação judicial. 3. Razão pela qual a presente ação judicial deverá prosseguir os seus regulares termos processuais, designadamente com a continuação da audiência prévia, a qual já foi aliás entretanto agendada pelo Douto Tribunal. 4. Disto isto, aproveita-se para juntar cópia da decisão entretanto proferida no âmbito do supra referido recurso, a qual deu provimento ao mesmo, revogando a decisão de falência e ordenando a continuação dos regulares termos processuais do processo de recuperação (cfr. Doc. 1 que ora se anexa). 5. Mais se informa que a referida decisão é passível de recurso. Não obstante, nada altera o facto de que a situação jurídica da Autora permanece como sendo de recuperação judicial, tal como estava aquando do início do presente processo (…)”. * 7. Realizou-se a audiência prévia, na qual foi admitido o articulado superveniente apresentado pela ré – a que a autora respondeu por requerimento de 23-11-2020 - e foi proferido despacho saneador, sendo julgados verificados os pressupostos processuais- incluindo a competência internacional dos tribunais portugueses – admitida liminarmente a reconvenção, fixado o valor da causa e enunciados o objeto do litígio e os temas da prova. * 8. Por despacho de 22-04-2021 foi efetuado aditamento aos temas da prova, nos termos aí constantes. * 9. Teve lugar audiência final, com produção probatória, na sequência do que, em 02-02-2022, foi proferida sentença constando do respetivo dispositivo o seguinte: “(…) Face ao exposto, julga-se a ação e a reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência, decide-se: a) absolver da instância a autora quanto à quantia de 85.079,60€ (oitenta e cinco mil e setenta e nove euros e sessenta cêntimos) peticionada pela ré; b) condenar a ré a pagar à autora a quantia de 81.304.09€ (oitenta e um mil trezentos e quatro euros e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal da lei portuguesa, desde a citação até integral e efetivo pagamento; c) absolver a autora e a ré do pedido quanto ao demais - ou seja, na parte que excede o que consta das als. a) e b) - que contra elas foi peticionado pela ré e pela autora, respetivamente. Custas pela autora e pela ré, na proporção de 75% e 25%, respetivamente, dispensando as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça na proporção de 50%. Registe e notifique”. * 10. Não se conformando com a referida sentença, dela apela a autora, pugnando pela procedência do recurso, com revogação da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões: “(…) A) A decisão proferida pelo Tribunal “a quo” contém uma análise manifestamente errada dos factos alegados e da prova produzida, bem como, do Direito aplicável. B) O Artigo 11.º dos Factos Provados deve ser eliminado da matéria provada, porquanto não tem reflexo nem na alegação das partes nem na prova produzida. C) Uma análise cuidada e ponderada dos factos alegados e das provas produzidas a esse respeito só pode levar à conclusão que os mesmos são manifestamente insuficientes e até contraditórios entre si. D) Contrariamente ao decidido em tal artigo 11.º, o preço subjacente à relação de importação e exportação estabelecida entre as partes era pago em dinheiro, in casu, em Euros e não através do fornecimento/troca de outras maçãs. E) Tal resulta, nomeadamente, das faturas juntas como Docs. 3 a 16 com a P.I., das faturas juntas como Docs. 2 a 21 com a Contestação, das cartas juntas com a Contestação como Docs. 33 e 34, das faturas e comprovativos de pagamento apresentados em Tribunal pela Recorrente em 3 de novembro de 2021, e ainda da prova testemunhal produzida, com destaque para os depoimentos das testemunhas TA, GA e LF. F) A Ré não alegou sequer nos seus articulados factualidade suficiente que permita ao Tribunal “a quo” decidir que o pagamento era efetuado por via da troca de frutas e não em dinheiro, realidade que desde logo consubstancia uma manifesta insuficiência da causa de pedir, o que leva à improcedência dos pedidos da Recorrida. G) Os diversos pedidos de compensação de créditos aduzidos pela Recorrida no âmbito do presente processo, tanto em sede extra judicial como judicial, demonstram que a própria Recorrida entendia que havendo necessidade de se operar uma pretensa compensação, então por uma questão lógica, ainda não tinha ocorrido cumprimento do contrato mediante o pagamento efetuado através da entrega de maçãs. H) Em consequência do supra exposto, também o Artigo 10.º dos Factos Provados deve ser alterado, passando o mesmo a refletir a realidade de que as faturas alegadas pela Autora na P.I. permanecem assim por pagar, redação que deve passar a constar nos seguintes termos: “10. As partes acordaram que as faturas supra descritas se venceriam dentro de um prazo de 180 dias a contar da respetiva data de emissão, faturas essas que permanecem por pagar à Autora”. I) Os Artigos 12.º e 13.º dos Factos Provados devem ser alterados face aos factos alegados e à prova que foi produzida nos autos porquanto a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” inclui erroneamente “dentro” do valor de €268.471,40, alegadamente correspondente às frutas fornecidas e faturadas pela Recorrida à Recorrente, faturas que foram emitidas a uma entidade terceira aos presentes autos - a Pomifrai - Fruticultura, S.A.. J) Em sede de audiência prévia, o Tribunal “a quo” considerou erroneamente que havia um acordo entre as partes emergente da matéria alegada nos respetivos articulados, decisão essa que foi objeto de reclamação imediata por parte da aqui Recorrente e ali mal indeferida pelo Tribunal “a quo”. K) Tal decisão, para além de não ter força de caso julgado, podendo ser aqui revogada - o que se requer - é claramente contrariada por toda a prova produzida. L) Se o Tribunal “ad quem” atentar no segmento final dos Docs. 2 a 20 juntos com a Contestação (supõe-se serem os Docs. 15 a 20, uma vez que não estão numerados pela Recorrida) constatará facilmente que as faturas FT2017A1/14619, FT2017A1/14620, FT2017A1/14621, FT2017A1/14683, FT2017A1/16089 e FT2017A1/16090 no valor global de €88.905,60 foram emitidas à Pomifrai – Fruticultura, S.A. e não à Recorrente. M) O valor de € 268.471,40 referido no atual Artigo 12 dos Factos provados corresponde assim a apenas €179.565,80 de créditos reais da Recorrida sobre a Recorrente e a €88.905,60 de créditos da Recorrida sobre uma entidade terceira aos presentes autos, a Pomifrai-Fruticutura, S.A., sendo também este o valor reconhecido no processo de recuperação. N) Tal foi corroborado pelos depoimentos de LJ e de TA, e também, dos Docs. 9, 10 e 11 juntos com a Réplica. O) Consequentemente, os Artigos 12.º e 13.º dos Factos Provados devem assim ser reformulados passando a ter a seguinte redação: 12. “No desenvolvimento dessa relação comercial foram fornecidas pela Ré à Autora frutas, tendo sido emitidas as respetivas faturas, no montante de 179.565,80€.” 13. Tal crédito foi reconhecido à Ré no processo de recuperação da Autora e da Pomifrai – Fruticultura, S.A. no respetivo valor de €179.565,80 sobre a Autora, sendo que sobre a Pomifrai – Fruticultura, S.A. foi reconhecido um crédito de €88.905,60. P) O Artigo 14.º dos Factos Provados também deve ser reformulado passando a constar que a carta em causa apenas foi recebida pela Recorrente no dia 14 de Fevereiro de 2018 e teve a resposta da mesma Recorrente em 22 de Fevereiro de 2018, factos que são juridicamente relevantes para aferir da validade da suposta compensação. Q) Tal resulta do Doc. 7 junto com a Réplica, bem como, do depoimento da testemunha TA. R) A nova redação do Artigo 14 dos Factos Provados deve assim ser a seguinte: “Por carta recebida pela Autora em 15 de Fevereiro de 2018, a Ré comunicou à Autora a compensação dos seus créditos com o crédito da Autora referidos supra em 9., nos termos do documento de fls. 97-98. A Autora respondeu nos termos de carta enviada em 22.02.2018 (junta à Réplica como Doc. 7 e cujo teor se dá por reproduzido) não aceitando a compensação face à pendência do procedimento de recuperação a que a Autora já se encontrava sujeita na altura”. S) O Artigo 15.º dos Factos Provados deve ser eliminado uma vez que já se encontra refletido no respetivo Artigo 14.º dos mesmos Factos Provados. T) A acrescer, tal factualidade é irrelevante uma vez que a Recorrida não fez prova dos factos constitutivos subjacentes ao pretenso direito de crédito, tal como aliás bem explicado por TA e pelo Administrador Judicial Judicial LJ. U) A Recorrida apenas alegou alguns factos referentes à pretensa eficácia da comunicação da cessão dos créditos da Melro Brasil, mas não fez prova dos factos referentes à constituição da cessão. V) O Artigo 16.º da Matéria Provada deve ser eliminado. A matéria subjacente a tal artigo foi considerada provada pelo Tribunal “a quo” com base em depoimentos manifestamente vagos e indeterminados, baseados em prova indireta e alguns demonstrando um claro revanchismo contra a Autora, toldando a credibilidade dos mesmos. W) Atenta a natureza da matéria em causa, para que a mesma fosse considerada provada exigia-se outro tipo de depoimentos baseados em prova direta, e também, que fossem juntos documentos tais como, faturas, contratos, guias de entrega, etc., que fossem identificados nomes e/ou que fosse efetuada prova no sentido de que estivéssemos perante alguma espécie de ação negligente ou dolosa da Recorrente - o que não sucedeu. X) O Artigo 17.º dos Factos Provados deve ser modificado passando a constar do mesmo que “A Autora, juntamente com a Pomifrai - Fruticultura, S.A., apresentaram no dia 25 de janeiro de 2018 um “Procedimento de Recuperação”, o qual foi deferido pelo Tribunal da Comarca de Fraiburgo (1.ª Vara) na mesma data e corre atualmente termos sob o Proc. n.º 0300188- 72.2018.8.24.0024”. Y) Tal resulta dos Docs. 4 e 5 juntos com a Réplica, do Doc. 1 junto com o Requerimento apresentado pela Recorrente em 1 de Setembro de 2020 e do depoimento prestado por LJ. Z) Por fim, e terminando as conclusões referentes à parte de facto, deve ainda ser aditada à matéria provada a seguinte factualidade: . A Ré peticionou também no Processo de Recuperação da aqui Reconvinda que os créditos entre as mesmas fossem objeto de compensação, resultando assim um crédito final a favor da Ré no valor de €14.827,95 (catorze mil, oitocentos e vinte e sete euros e noventa e cinco cêntimos). . Tal pedido foi recusado pelo Administrador Judicial, uma vez que foi entendido que o crédito em causa não poderia ser objeto de compensação face à lei Brasileira. . A Reconvinte, apesar de ter apresentado uma reclamação durante o período de revisão administrativa do crédito, não impugnou judicialmente o valor constante do quadro de recuperação judicial que lhe foi reconhecido. AA) Tal resulta do Doc. 8 junto com a Réplica, não impugnado pela Recorrida, bem como do depoimento de LJ em conjugação com os Docs. 9, 10 e 11 juntos com a Réplica. BB) Do ponto de vista da aplicação do Direito, o contrato celebrado pelas partes consiste num contrato de compra e venda recíproca de frutas com o preço fixado em euros e não num contrato de “troca” ou de “escambo”, conforme decidido pelo Tribunal “a quo”. CC) A causa de pedir e a argumentação da Recorrida não vão sequer no sentido de considerar que a sua obrigação se extinguiu com o cumprimento da mesma através da entrega de fruta. DD) A argumentação da Recorrida aduzida na Contestação vai no sentido de fundamentar e peticionar que o cumprimento da sua obrigação ocorreu através de uma “exceção da extinção da obrigação pelo pagamento” mediante de uma “compensação de créditos já operada”, ou subsidiariamente, através de uma reconvenção na qual se pede uma “declaração judicial de compensação”. EE) A Recorrida não alegou factos suficientes que possam consubstanciar a base de uma causa de pedir compatível com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” no que respeita à qualificação do contrato como “troca” ou “escambo” e à decisão que as prestações subjacentes a tal contrato operaram efetivamente. FF) Tal conduzirá inapelavelmente os pedidos da Recorrida a uma improcedência. GG) Os elementos constitutivos subjacentes ao tipo contratual decidido pelo Tribunal “a quo” não foram suficientemente alegados na Contestação, e nessa medida, não poderão ser carreados para a sentença sob pena também de violação gravosa do princípio do dispositivo e consequente nulidade, o que aqui desde já se invoca para todos os legais efeitos. HH) A lei substantiva aplicável à relação contratual em causa e à determinação da questão da compensação de créditos é a lei Brasileira e não a lei Portuguesa. II) Em qualquer caso, seja perante a lei Brasileira ou perante a lei Portuguesa é patente que a Recorrida incumpriu o contrato celebrado com a Recorrente ao não ter pago o preço acordado em Euros correspondente às frutas fornecidas e às faturas emitidas no valor de € 390.497,50 (trezentos e noventa mil, quatrocentos e noventa e sete euros e cinquenta cêntimos) devendo assim ser condenada a fazê-lo. JJ) Ao valor em causa acrescem juros nos termos peticionados na Petição Inicial à taxa mensal de 1% desde a data de vencimento de cada fatura. KK) Sendo que caso o Tribunal “ad quem” entenda que se aplica a lei Portuguesa e não a lei Brasileira, tais juros devem ser contabilizados à taxa supletiva de juros de mora referente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, nos termos do § 5.º do artigo 102.º do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, i.e. os juros comerciais às taxas sucessivamente em vigor. LL) Estando perante créditos entre sociedades comerciais, a “taxa legal da lei Portuguesa”, conforme decidido pelo Tribunal “a quo”, não tem assim aqui qualquer aplicação. MM) Não havendo lugar a qualquer compensação (seja à luz da lei Portuguesa ou da lei Brasileira), os juros devem ser contabilizados desde a data de vencimento de cada fatura até efetivo e integral pagamento e não desde a data de citação da Recorrida, conforme decidido pelo Tribunal “a quo”. NN) A compensação invocada pela Recorrida não pode ser operada à luz do Direito Brasileiro porquanto as obrigações submetidas ao regime de recuperação judicial são insuscetíveis de pagamento por compensação (Artigos 368.º e 369.º e 380.º do Código Civil Brasileiro e Artigo 49.º da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperações Judiciais e Extrajudiciais e Falências Brasileira). OO) A compensação invocada pela Recorrida também não pode ser operada à luz do Direito Português porquanto o crédito alegado pela Recorrida, estando estritamente sujeito aos termos do processo recuperação da Autora, não é exigível judicialmente fora do processo de recuperação, razões pelas quais não se encontra reunido o requisito do art.º 847.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil. PP) O crédito da Recorrida sobre a Recorrente deverá assim ser pago, não através de compensação, mas sim nos termos que forem decididos no processo de recuperação. QQ) Em qualquer cenário, seja num cenário de contrato “de troca / escambo” ou num cenário de contrato de compra e venda e compensação, nada pode afastar o facto de que as faturas FT …/…, FT …/…, FT …/…, FT …/…, FT …/… e FT …/… no valor global de €88.905,60 foram emitidas à sociedade Pomifrai Fruticultura, S.A. - sociedade terceira aos presentes autos (Docs. 15, 16, 17, 18, 19 e 20 juntos com a Contestação) e não à aqui Recorrente. RR) Nessa medida, a prestação subjacente a tais faturas não pode constituir objeto de cumprimento contratual nem tão pouco objeto de compensação (Artigo 851.º do Código Civil). SS) O mesmo raciocínio vale para os créditos supostamente cedidos pela sociedade Melro Brasil à Recorrida. Não tendo sido feita prova nos presentes autos dos factos constitutivos da pretensa cessão, tal como era ónus da Recorrida, tal cessão nunca pode servir como objeto de compensação. TT) Para além das nulidades já anteriormente invocadas, a parte final decisória da sentença é também nula nos termos e para os efeitos do Artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil porquanto contém diversas contradições com os fundamentos da mesma sentença e é omissa relativamente a determinados pontos, contendo ainda ambiguidades e obscuridades que, analisada no seu todo, tornam a decisão praticamente ininteligível. UU) A decisão proferida pelo Tribunal “a quo” nada refere na parte final decisória quanto à pretensa exceção de extinção da obrigação da Recorrida pelo cumprimento, que destaque-se, foi invocada pela Recorrida na parte inicial do seu pedido final e ao longo da sua Contestação a respeito de uma suposta compensação extra-judicial que na sua visão, já teria operado. VV) A decisão sobre o pedido reconvencional aduzido pela Recorrida é contraditória com os fundamentos da sentença e com os factos alegados pela Recorrida. O pedido reconvencional da Recorrida refere-se a um pedido de compensação judicial de créditos e os fundamentos da sentença referem-se a um suposto cumprimento contratual através de troca / escambo. WW) A decisão que absolve a Recorrente da instância quanto à quantia de €85.079,60 (oitenta e cinco mil e setenta e nove euros e sessenta cêntimos) ignora por completo a circunstância de que o próprio Tribunal “a quo”, na fundamentação da sentença, considerou também improcedente a alegada cessão de créditos efetuada pela Pomartec no valor de €11.052,98 (onze mil e cinquenta e dois euros e noventa e oito cêntimos). XX) Existe assim nova contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão final. YY) O valor de €11.052,98 (onze mil e cinquenta e dois euros e noventa e oito cêntimos) deve assim ser contabilizado pelo Tribunal “ad quem” como também sendo insuscetível de compensação, devendo tal questão constar da parte final decisória. ZZ) O segmento decisório que decide “absolver a autora e a ré do pedido quanto ao demais – ou seja, na parte que excede o que consta das als. a) e b) – que contra elas foi peticionado pela Ré e pela Autora, respectivamente” é pouco claro e pode dar margem a ambiguidades de interpretação. AAA) A sentença devia ter-se pronunciado sobre cada um dos pedidos aduzidos pelas partes. BBB) O Tribunal “a quo” ignora completamente o pedido de litigância de má-fé contra a Recorrida aduzido pela Recorrente no requerimento de 15.06.2020 (ref. citius 9711149) e reiterado no requerimento de 23.11.2020 (ref. citius 10293125) o que consubstancia uma omissão de pronúncia nos termos e para os efeitos do Artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC que deve ser suprida. CCC) A Recorrida deve ser condenada em litigância de má-fé porquanto deduziu uma pretensão que sabe não ter qualquer direito, em particular no que respeita aos créditos que detém sobre a Pomifrai – Fruticultura, S.A. e não sobre a aqui Recorrente. DDD) Estamos perante factos próprios que a Recorrida não poderia ignorar. EEE) A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” deve, por isso, ser substituída por outra decisão do Tribunal “ad quem” que aprecie e decida as questões feridas de nulidade, nos termos e para os efeitos do Artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Nestes termos e nos demais de Direito que serão doutamente supridos por V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve o presente Recurso ser julgado procedente pelos fundamentos atrás expostos e, consequentemente, deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, suprindo-se as nulidades existentes e condenando-se a Recorrida no pagamento à Recorrente nos termos aduzidos na Petição Inicial e que aqui se reiteram: A) Condenar a Ré/Recorrida no pagamento à Autora/Recorrente do montante a título de capital de €390.497,50 (trezentos e noventa mil, quatrocentos e noventa e sete euros e cinquenta cêntimos). B) Caso o Tribunal entenda aplicar a “CISG” ao mérito da presente disputa, a tal valor de capital deverá ser acrescido de juros de mora mensais contabilizados à taxa mensal de 1% desde a data de vencimento de cada fatura até efetivo e integral pagamento. C) Caso o Douto Tribunal entenda aplicar a lei Brasileira ao mérito da presente disputa, para além dos juros e restantes valores referidos deverá ainda acrescer a respetiva “correção/atualização monetária”, bem como o reembolso dos honorários de advogado despendidos pela Recorrente, a liquidar em execução de sentença. D) Caso assim não se entenda e o Tribunal porventura entenda aplicar a lei Portuguesa, o valor supra referido a título de capital deverá nesse caso ser acrescido de juros de mora anuais contabilizados às taxas de juro comercial sucessivamente em vigor, também desde da data de vencimento de cada fatura até efetivo e integral pagamento. E) A acrescer, deve ser julgado improcedente por não provado o pedido reconvencional aduzido pela Recorrida, bem como, improcedentes por não provadas as exceções aduzidas pela Recorrida em sede de Contestação. F) A acrescer - em qualquer cenário - deve igualmente a Recorrida ser condenada em litigância de má-fé em multa condigna e pagamento de indemnização à Autora não inferior a €5.000,00 (cinco mil euros), nos termos e para os efeitos dos Art.ºs 542.º, n.º 1 e 2, alíneas b) e d) e 543.º, n.º 1 do CPC (…)”. * 11. A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, tendo concluído o seguinte: “(…) A) A decisão proferida pelo Tribunal “a quo” contém uma análise absolutamente certa e adequada aos factos alegados e à prova produzida, bem como, ao Direito aplicável. B) O Artigo 11.º dos Factos Provados deve ser mantido integralmente na matéria provada, porquanto, ao contrário do alegado pela Recorrente, tem reflexo na alegação das partes e na prova produzida, basta atentar nos mesmos de forma objectiva e não descontextualizada. C) Os factos alegados e as provas produzidas são manifestamente suficientes e não reflectem qualquer contradição. D) Conforme decide o artigo 11.º, o preço subjacente à relação de importação e exportação estabelecida entre as partes nunca foi pago em dinheiro, mas sempre através do fornecimento/troca de outras maçãs, na safra seguinte do hemisfério E) Os depoimentos de todas as testemunhas, devidamente interpretados e colocados no contexto, assim o provam. F) A Ré alegou desde sempre nos seus articulados, factualidade suficiente que permitiu ao Tribunal “a quo” decidir que o pagamento era efetuado por via da troca de frutas e não em dinheiro, factos que se mostraram aliás, provados em julgamento pelo que, não se verifica qualquer insuficiência da causa de pedir. G) Os diversos pedidos de compensação de créditos aduzidos pela Recorrida apenas demonstram que a Recorrida entendia que poderia existir uma outra solução juridicamente viável e destinava-se a isso mesmo, nunca reflectindo assunção alguma de que o negócio fosse outro senão troca de fruta. H) Por essa razão nada há a alterar quanto ao Artigo 10.º dos Factos Provados. I) Assim como nada há a alterar quanto aos Artigos 12.º e 13.º dos Factos Provados porquanto a Pomifrai - Fruticultura, S.A. não é de facto uma entidade terceira, possui a mesma sede da Recorrente, o mesmo escopo social os mesmos órgãos sociais e ambas se apresentaram à insolvência no mesmo processo como confessado pela Autora e reiterado pelo testemunho do Administrador Judicial. J) Em sede de audiência prévia, o Tribunal “a quo” de forma acertada considerou que havia um acordo entre as partes emergente da matéria alegada nos respetivos articulados. K) Tal decisão, não pode ser já revogada, pois como se provou claramente foi confirmada por toda a prova produzida. L) Nomeadamente foi corroborado pelos depoimentos de LJ e de que ambas as entidades se apresentaram no mesmo processo de insolvência. M) Consequentemente, os Artigos 12.º e 13.º dos Factos Provados devem assim manter-se nada havendo a alterar-se. O) O Artigo 14.º dos Factos Provados também deve ser mantido pois pese embora a alegação da Recorrente de que a carta só foi recebida, no dia 14 de Fevereiro, nenhum facto contraria a data de envio e, existe nos autos, carta endereçada ao Banco Daycoval, com a data de 1.02.2018, com a mesma informação, de que o crédito se já encontrava compensado e nada existia em divida. S) Pelos mesmos motivos, nada há a alterar quanto ao Artigo 15.º dos Factos Provados. T) O Artigo 16.º da Matéria Provada deve ser manter-se. A Autora alega que as testemunhas depuseram de forma “revanchista” mas não invoca um único fundamento para tal para além da sua própria opinião. Ouvidos e analisados os depoimentos o que claramente se retira dos mesmos é que, refletiram conhecimento directo quanto aos factos praticados pela Recorrente e, sobretudo, quanto às consequências devastadoras para toda a economia da região, subjacente a tal comportamento que a Recorrente procurou sempre esconder ao Tribunal U) O Artigo 17.º dos Factos Provados deve ser manter-se, pois as alegações da recorrente em nada contrariam o ali decidido, não passando de meras conjunturas suas devendo apenas retirar-se das mesmas a confissão de que de facto “A Autora, juntamente com a Pomifrai - Fruticultura, S.A., apresentaram no dia 25 de janeiro de 2018 um “Procedimento de Recuperação”, o qual foi deferido pelo Tribunal da Comarca de Fraiburgo (1.ª Vara) na mesma data e corre atualmente termos sob o Proc. n.º 0300188- 72.2018.8.24.0024”. Z) Por nenhuma relevância ter para o desfecho do processo, as alegações da Recorrente a esse respeito, nada mais deverá aditada à matéria provada. AA) É completamente descabida a afirmação da Recorrente de que a causa de pedir e a argumentação da Recorrida não vão sequer no sentido de considerar que a sua obrigação se extinguiu com o cumprimento da mesma através da entrega de fruta. BB) A argumentação da Recorrida aduzida na Contestação, desde sempre se fundamentou também no facto de o negócio se tratar de uma troca de mercadoria e não de compra e venda. CC) Consequentemente, a Recorrida alegou factos suficientes e bastantes que consubstanciaram a base de uma causa de pedir compatível com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” no que respeita à qualificação do contrato como “troca” ou “escambo” e à decisão que as prestações subjacentes a tal contrato operaram efetivamente. EE) Como tal os pedidos da Recorrida sempre terão de considerar-se procedentes FF) Os elementos constitutivos subjacentes ao tipo contratual decidido pelo Tribunal “a quo” foram suficientemente alegados na Contestação, e nessa medida, não existe qualquer de violação gravosa do princípio do dispositivo. GG) A lei substantiva aplicável à relação contratual em causa e à determinação da questão da compensação de créditos é a lei Portuguesa. HH) A compensação invocada pela Recorrida pode também ser operada à luz do Direito Brasileiro. II) A compensação invocada pela Recorrida também pode ser operada à luz do Direito Português porquanto o crédito alegado pela Recorrida, estando também eventualmente sujeito aos termos do processo recuperação da Autora, é exigível judicialmente fora do processo de recuperação. JJ) As faturas FT …/…, FT …/…, FT …/…, FT …/…,FT …/… e FT …/… no valor global de €88.905,60 foram emitidas à sociedade Pomifrai Fruticultura, S.A. - sociedade terceira aos presentes autos pode constituir objeto de cumprimento contratual ou serem objeto de compensação porquanto de facto e na realidade se trata da mesma entidade. LL) Foi feita prova nos presentes autos, que os créditos da cessão dos créditos foram cedidos pela sociedade Melro Brasil à Recorrida através documentos juntos com a Contestação. MM) A a parte final decisória não enferma de qualquer contradição com os fundamentos da mesma sentença. Não enferma de nenhuma omissão nem constam da mesma ambiguidades e obscuridades. A decisão é completamente inteligível para qualquer mediano intérprete. NN) A decisão sobre o pedido reconvencional aduzido pela Recorrida não tem qualquer contradição nem com os fundamentos da sentença ou com os factos alegados pela Recorrida. O facto do pedido reconvencional da Recorrida referir-se a um pedido de compensação judicial de créditos e os fundamentos da sentença referem-se a um suposto cumprimento contratual através de troca / escambo, não são incompatíveis mas sim complementares ou subsidiários e resulta dos factos que se provaram ao longo do julgamento. OO) A decisão que absolve a Recorrente da instância quanto à quantia de €85.079,60 (oitenta e cinco mil e setenta e nove euros e sessenta cêntimos) não conflite com a circunstância de que o próprio Tribunal “a quo”, na fundamentação da sentença, considerar também improcedente a alegada cessão de créditos efetuada pela Pomartec no valor de €11.052,98 (onze mil e cinquenta e dois euros e noventa e oito cêntimos). PP) Não existe qualquer ambiguidade, pelo contrário é muitíssimo claro o segmento decisório que decide “absolver a autora e a ré do pedido quanto ao demais – ou seja, na parte que excede o que consta das als. a) e b) – que contra elas foi peticionado pela Ré e pela Autora, respectivamente”. QQ) Nada na Lei obriga a que a sentença se pronuncie de forma individual e descontinuada, sobre cada um dos pedidos aduzidos pelas partes. RR) O Tribunal “a quo” não ignora o pedido de litigância de má-fé contra a Recorrida aduzido pela Recorrente, apenas entendeu que o mesmo não tinha qualquer fundamento em face dos testemunhos de GP e CN, que depuseram de forma isenta, clara e descomprometida, com conhecimento directo dos factos. SS) A Recorrida não pode nunca ser condenada em litigância de má-fé porquanto em parte alguma se provou, muito pelo contrário, que tenha deduzido pretensão que sabe não ter qualquer direito, em particular no que respeita aos créditos que detém sobre a Pomifrai – Fruticultura, S.A. e não sobre a aqui Recorrente. TT) A sentença proferida pelo Tribunal “a quo” deve, por isso, manter-se por não enfermar de nulidade alguma, estar conforme o Direito e refletir de forma fiel, justa e adequada, os factos provados em audiência de julgamento (…)”. * 12. Em 04-07-2022 foi proferido despacho de admissão liminar da apelação e de pronúncia sobre as nulidades arguidas relativamente à sentença, aí constando, designadamente, o seguinte: “Pronúncia nos termos do art.º 617º/1 do CPC Veio a recorrente invocar nulidades da sentença nos termos das conclusões TT) a BBB), nos seguintes termos: TT) Para além das nulidades já anteriormente invocadas, a parte final decisória da sentença é também nula nos termos e para os efeitos do Artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil porquanto contém diversas contradições com os fundamentos da mesma sentença e é omissa relativamente a determinados pontos, contendo ainda ambiguidades e obscuridades que, analisada no seu todo, tornam a decisão praticamente ininteligível. UU) A decisão proferida pelo Tribunal “a quo” nada refere na parte final decisória quanto à pretensa exceção de extinção da obrigação da Recorrida pelo cumprimento, que destaque-se, foi invocada pela Recorrida na parte inicial do seu pedido final e ao longo da sua Contestação a respeito de uma suposta compensação extra-judicial que na sua visão, já teria operado. VV) A decisão sobre o pedido reconvencional aduzido pela Recorrida é contraditória com os fundamentos da sentença e com os factos alegados pela Recorrida. O pedido reconvencional da Recorrida refere-se a um pedido de compensação judicial de créditos e os fundamentos da sentença referem-se a um suposto cumprimento contratual através de troca/escambo. WW) A decisão que absolve a Recorrente da instância quanto à quantia de €85.079,60 (oitenta e cinco mil e setenta e nove euros e sessenta cêntimos) ignora por completo a circunstância de que o próprio Tribunal “a quo”, na fundamentação da sentença, considerou também improcedente a alegada cessão de créditos efetuada pela Pomartec no valor de €11.052,98 (onze mil e cinquenta e dois euros e noventa e oito cêntimos). XX) Existe assim nova contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão final. YY) O valor de €11.052,98 (onze mil e cinquenta e dois euros e noventa e oito cêntimos) deve assim ser contabilizado pelo Tribunal “ad quem” como também sendo insuscetível de compensação, devendo tal questão constar da parte final decisória. ZZ) O segmento decisório que decide “absolver a autora e a ré do pedido quanto ao demais – ou seja, na parte que excede o que consta das als. a) e b) – que contra elas foi peticionado pela Ré e pela Autora, respectivamente” é pouco claro e pode dar margem a ambiguidades de interpretação. AAA) A sentença devia ter-se pronunciado sobre cada um dos pedidos aduzidos pelas partes. BBB) O Tribunal “a quo” ignora completamente o pedido de litigância de má-fé contra a Recorrida aduzido pela Recorrente no requerimento de 15.06.2020 (ref. citius 9711149) e reiterado no requerimento de 23.11.2020 (ref. citius 10293125) o que consubstancia uma omissão de pronúncia nos termos e para os efeitos do Artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC que deve ser suprida. Na conclusão TT) a recorrente refere “para além das nulidades já anteriormente invocadas…”. Acontece, porém, que não se percebe a que nulidades se está a referir, parecendo confundir nulidade com aquilo que considera ser uma errada aplicação do Direito. É um princípio fundamental de direito processual o iura novit curia princípio que se traduz no dever que o juiz tem de conhecer a norma jurídica e aplicá-la ex oficio por sua própria autoridade. O juiz não tem de estar adstrito aos fundamentos jurídicos invocados pelas partes, incluindo os tipos contratuais que estas invocaram, podendo fazer um enquadramento jurídico distinto, considerando aplicável o regime de outros tipos contratuais. Se a aplicação do direito é correta ou errada, tal trata-se de uma questão de mérito da causa e não de nulidade processual. Quanto às nulidades invocadas nas als. supra indicadas, entendemos que só assiste razão à recorrente quanto à que consta da al. BBB), pois, efetivamente, o Tribunal não apreciou expressamente da litigância de má-fé da ré. Quanto às outras nulidades, a respetiva invocação só pode ter decorrido de algum lapso de entendimento do que consta da sentença, pois não existe qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão. Nos fundamentos distinguiu-se - de uma forma que se nos afigura clara - a compensação decorrente da troca de fruta em cumprimento do contrato, com a compensação enquanto forma autónoma de extinção das obrigações. Explicou-se que, no âmbito do contrato de troca que se considerou ser aquele que foi celebrado entre as partes, a compensação que existe é a decorrente do contrato e não a que resulta da compensação como causa de extinção das obrigações para além do cumprimento. Depois quanto à quantia de 11.052,98€, parece que a autora não terá lido o seguinte trecho da sentença: “Quanto aos demais créditos invocados pela ré, o da cessão de crédito efetuada pela Pomartec não se provou, pelo que, nos termos do artº 342º/1 do CPC, a pretendida compensação improcede”. Só dessa forma se pode compreender a invocação da nulidade. Quanto ao invocado na al. ZZ), segundo o qual considera que o segmento da sentença que cita, “é pouco claro e pode dar margem a ambiguidades de interpretação”, é um pouco difícil entender o que é que a autora não entendeu. E, nesse âmbito, teria sido útil que a recorrente explicasse, com exemplos, que ambiguidades de interpretação poderiam surgir pois assim, da forma como a invocação da nulidade foi efetuada, não se consegue, de todo, entender que ambiguidades pairam sobre o seu espírito. Em todo o caso, tendo sido integralmente transcritos, quer o pedido da autora, quer o pedido reconvencional, afigura-se perfeitamente clara e desprovida de qualquer dificuldade a tarefa de apuramento dos segmentos em que houve procedência e dos segmentos em que ocorreu a improcedência, sendo que o segmento decisório citado pela recorrente absolve do pedido na parte não abrangida pela condenação. Parece que a recorrente considera (cfr. al. AAA) das conclusões) que numa situação em que existem 10 pedidos e todos eles improcedem, o Tribunal tem de absolver expressamente o réu de cada um dos pedidos, não sendo válida a expressão “absolver o réu do pedido quanto a tudo que contra ele vinha peticionado”. No nosso entendimento a parte decisória é claríssima e não contém qualquer ambiguidade (que, em todo o caso, a recorrente não explicitou). (…) Quanto à nulidade invocada na al. BBB), aí assiste razão à recorrente, pois na sentença apenas se apreciou a eventual má-fé da autora. Deste modo, supre-se tal nulidade da seguinte forma: Quanto à eventual existência de má-fé processual da ré, obviamente que a mesma não existe, bastando para tal constatar que a pretensão da ré procedeu em larga medida, em proporção muito superior à da autora (proporção evidenciada na repartição de custas – a autora decaiu em 75% e a ré em 25%). Acresce que a ré logrou provar, na sua essencialidade, os factos que alegou quanto à conduta da autora que conduziu à sua insolvência. Não se verifica, pois, de todo, em relação à ré qualquer das situações previstas nas als. a), b) e c) do art.º 542º/2 do CPC”. * 13. Foram colhidos os vistos legais. * 2. Questões a decidir: Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são: * I) Nulidades: * A) Se ocorre nulidade processual, por violação do princípio do dispositivo, na qualificação do contrato efetuada pelo Tribunal recorrido? B) Se a sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, als. c) e d), do CPC? * II) Impugnação da matéria de facto: C) Do não conhecimento do objeto do recurso atinente à impugnação da matéria de facto quanto ao invocado sobre o facto constante do artigo 10.º dos factos provados. D) Se a matéria de facto constante do artigo 11.º dos factos provados deve ser eliminada da matéria provada? E) Se os artigos 12.º e 13.º dos factos provados devem ser alterados para a seguinte redação: “12. No desenvolvimento dessa relação comercial foram fornecidas pela Ré à Autora frutas, tendo sido emitidas as respetivas faturas, no montante de 179.565,80€.” “13. Tal crédito foi reconhecido à Ré no processo de recuperação da Autora e da Pomifrai – Fruticultura, S.A. no respetivo valor de € 179.565,80 sobre a Autora, sendo que sobre a Pomifrai – Fruticultura, S.A. foi reconhecido um crédito de € 88.905,60”? F) Se o artigo 14.º dos factos provados deve ser alterado para a seguinte redação: “Por carta recebida pela Autora em 15 de Fevereiro de 2018, a Ré comunicou à Autora a compensação dos seus créditos com o crédito da Autora referidos supra em 9., nos termos do documento de fls. 97-98. A Autora respondeu nos termos de carta enviada em 22.02.2018 (junta à Réplica como Doc. 7 e cujo teor se dá por reproduzido) não aceitando a compensação face à pendência do procedimento de recuperação a que a Autora já se encontrava sujeita na altura”? G) Se a matéria de facto constante do artigo 15.º dos factos provados deve ser eliminada da matéria provada? H) Se a matéria de facto constante do artigo 16.º dos factos provados deve ser eliminada da matéria provada? I) Se o artigo 17.º dos factos provados deve ser alterado para a seguinte redação: “A Autora, juntamente com a Pomifrai - Fruticultura, S.A., apresentaram no dia 25 de janeiro de 2018 um “Procedimento de Recuperação”, o qual foi deferido pelo Tribunal da Comarca de Fraiburgo (1.ª Vara) na mesma data e corre atualmente termos sob o Proc. n.º …”? J) Se deve ser aditada à matéria de facto provada a seguinte matéria: - “A Ré peticionou também no Processo de Recuperação da aqui Reconvinda que os créditos entre as mesmas fossem objeto de compensação, resultando assim um crédito final a favor da Ré no valor de €14.827,95 (catorze mil, oitocentos e vinte e sete euros e noventa e cinco cêntimos)”; - “Tal pedido foi recusado pelo Administrador Judicial, uma vez que foi entendido que o crédito em causa não poderia ser objeto de compensação face à lei Brasileira”; e - “A Reconvinte, apesar de ter apresentado uma reclamação durante o período de revisão administrativa do crédito, não impugnou judicialmente o valor constante do quadro de recuperação judicial que lhe foi reconhecido”? * III) Mérito do recurso: K) Se o contrato celebrado consiste num contrato de compra e venda recíproca de frutas com o preço fixado em euros e não um contrato de “troca” ou de “escambo”? L) Se a lei substantiva aplicável é a lei brasileira e não a lei portuguesa? M) Se ocorreu incumprimento contratual da ré, não tendo pago o preço acordado em Euros correspondente às frutas fornecidas e às faturas emitidas no valor de €390.497,50 devendo ser condenada a fazê-lo? N) Se não pode operar a compensação invocada pela ré? O) Se deve ser julgado improcedente o pedido reconvencional? P) Se acrescem à pretensão da autora juros à taxa mensal de 1% e se os mesmos devem ser contabilizados desde a data de vencimento de cada fatura até efetivo e integral pagamento? Q) Se deve ser a ré ser condenada por litigância de má-fé em multa e pagamento de indemnização à autora não inferior a €5.000,00? * 3. Fundamentação de facto: * A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE: 1. A Autora é uma sociedade anónima constituída no ano de 1962 de acordo com o Direito Brasileiro e que se dedica à produção e à comercialização de maçãs in natura e processadas, nas variedades Gala, Royal Gala, Imperial Gala, Fuji e Fuji Suprema. 2. A Ré é uma sociedade comercial constituída de acordo com o Direito Português que tem por objeto a produção, preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas; investigação, desenvolvimento e prestação de serviços técnicos; comércio e distribuição de produtos hortofrutícolas adquiridos aos seus membros, acessoriamente poderá ainda adquirir o mesmo tipo de bens a terceiros; conservação, transformação e comércio de frutos e produtos hortícolas frescos minimamente processados. 3. A Autora e a Ré tinham entre si uma relação comercial que existiu entre Dezembro de 2015 e Dezembro de 2017 e que consistiu em importações e exportações recíprocas de frutas, sobretudo maçãs, mas também, em menor quantidade, ameixas e peras. 4. Autora e Ré, outrora parceiras comerciais, valiam-se assim das vantagens advindas dos diferentes ciclos periódicos de plantio e colheita no Brasil e em Portugal. 5. No âmbito da relação comercial existente entre as partes, a Autora, durante o primeiro semestre de 2017, e por solicitação da Ré, vendeu a esta última diversos carregamentos de maçãs do tipo “fuji” e “Imperial Gala”. 6. O preço acordado entre as partes foi de €0,50 (cinquenta cêntimos) por quilo. 7. As mercadorias em causa foram entregues à Ré, nos termos acordados entre as partes. 8. No total, foram fornecidos pela Autora e entregues à Ré 780.995 (setecentos e oitenta mil, novecentos e noventa e cinco) Kg (quilogramas) de maçãs. 9. A respeito dos diversos carregamentos de maçãs fornecidos, foram emitidas diversas faturas pela Autora à Ré, devidamente recebidas por esta última e acompanhadas da documentação de exportação atinente, no valor total de €390.497,50 10. As partes acordaram que as faturas supra descritas se venceriam dentro de um prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da respetiva data de emissão. 11. Entre a Ré e Autora foram efetuadas várias trocas de maçãs que produziam, nos termos descritos supra em 3 e 4, sendo o pagamento da maçã fornecida pela Autora à Ré efetuado com fornecimentos de maçã da Ré à Autora, e vice-versa, assim se operando a troca. 12. No desenvolvimento dessa relação comercial foram fornecidas pela Ré à Autora frutas, tendo sido emitidas as respetivas faturas, no montante de 268.471,40€. 13. Tal crédito foi reconhecido à ré no processo de recuperação da autora, conforme consta da lista de fls. 138 e segs, mais especificamente a fls. 143. 14. Por carta de 22 de janeiro de 2018, a ré comunicou à autora a compensação dos seus créditos com o crédito da autora referido supra em 9., nos termos do documento de fls. 97-98. 15. Por via dessa carta a ré comunicou também à autora que a Melro Brasil Lda. lhe cedeu o crédito decorrente do fornecimento de frutas efetuado à autora, titulado pelas seguintes faturas: Factura nº … de 20/01/2017 (675,00 Reais) Factura nº … de 20/03/2017 (3.732,52 Reais) Factura nº … de 31/03/2017 (5.7000,00 Reais) Factura nº … de 31/03/2017 (6.460,00 Reais) Factura nº … de 03/04/2017 (5.320,00 Reais) Factura nº … de 04/04/2017 (3.040,00 Reais) Factura nº … de 04/04/2017 (3.800,00 Reais) Factura nº … de 05/04/2017 (666.000 Reais) Factura nº … de 07/04/2017 (296.00 Reais) Factura nº … de 18/05/2017 (716.00 Reais) Factura nº … de 26/07/2017 (120.269,48 Reais), Tudo no valor total de 150.675.00 Reais, que corresponde a 40.722,01€ ao câmbio da altura, pretendendo igualmente compensar este crédito, nos termos indicados supra em 14.. 16. A Autora, no decurso do ano de 2017, adquiriu grandes quantidades de fruta, e, em janeiro de 2018, de forma imprevisível e sem que os fornecedores com isso contassem, interpôs um processo de Recuperação, conseguindo assim que entrassem no seu património grandes quantidades de mercadoria, que, após a interposição do processo, não pagou. 17. A Autora apresentou um procedimento de recuperação perante Tribunais brasileiros, em 25 de Janeiro de 2018, o qual foi liminarmente admitido por decisão proferida nesse mesmo dia, conforme teor do doc. de fls. 128-130; 18. Os administradores e sócios da autora mantêm os poderes de administração da sociedade, tendo sido por via deles que esta ação foi instaurada, conforme teor da procuração junta aos autos. 19. Por decisão proferida em 17 de fevereiro de 2020 pelo Juízo da 1.ª Vara Cível da Comarca de Fraiburgo /SC (Processo …- …) foi proferida decisão no sentido da falência da aqui Autora (e da sua participada Pomifrai Fruticultura S/A.). 20. A Autora interpôs recurso de agravo contra essa mesma decisão, tendo o Juiz Desembargador Competente, por decisão de 3 de Março de 2020, concedido efeito suspensivo ao recurso, assim suspendendo os efeitos da decretação da falência até julgamento final do agravo. * A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE: Não se provaram os outros factos relevantes da contestação e que respeitavam ao alegado ao crédito da Pomartec (artº 103 e 105 da contestação) e à fatura nº 1133, no montante de 85.079,60€. * 4. Fundamentação de Direito: * I) Nulidades: * A) Se ocorre nulidade processual, por violação do princípio do dispositivo, na qualificação do contrato efetuada pelo Tribunal recorrido? Invoca a recorrente que a decisão recorrida se mostra violadora do princípio do dispositivo na qualificação que efetuou relativamente à relação contratual estabelecida entre as partes, o que, em seu entender, configuraria uma nulidade (cfr. conclusão TT) e artigo 219.º das alegações de recurso). A nulidade adviria, segundo nos parece, do facto de o Tribunal ter considerado uma qualificação do contrato celebrado entre as partes diversa da autora e, segundo o por esta referido, não assente em invocação da ré. Fundamentou tal invocação no seguinte: “(…) 102. (…) o Tribunal “a quo” considerou que o contrato celebrado entre as partes foi um contrato de “troca” ou de “escambo”. 103. Contudo, tal não tem amparo nem na matéria alegada pelas partes, - designadamente pela própria Recorrida - nem tão pouco na prova produzida. 104. Com efeito, conforme exposto nas alegações de facto, a própria Recorrida admitiu de forma expressa e clara que existiam créditos recíprocos entre as partes que, na sua ótica, careciam de compensação nos termos e para os efeitos do Artigo 847.º do Código Civil. 105. A argumentação da Recorrida aduzida na Contestação vai assim no sentido de fundamentar e peticionar que o cumprimento da sua obrigação ocorreu através de uma “exceção da extinção da obrigação pelo pagamento” através de uma “compensação de créditos já operada”, ou subsidiariamente, através de uma reconvenção na qual se pede uma “declaração judicial de compensação” 106. Não vai no sentido de considerar que a sua obrigação se extinguiu com o cumprimento da mesma através da entrega de fruta. 107. Reitera-se que tal resulta de forma expressa de toda a Contestação, destacando-se os Artigos 43.º, 45.º, 47.º, 48.º, 112.º a 115.º, da carta enviada pela Recorrida à Recorrente junta à Contestação como Doc. 34 com o assunto “Compensação de Créditos (Art.º 847ª do Código Civil)”, da carta enviada pela Ré ao Banco Daycoval com data de 1 de Fevereiro de 2018 com o título “Compensação de Créditos (Art.º 847ª do Código Civil)” (junta à Contestação como Doc. 33) e da própria Reclamação de Créditos junta com a Réplica como Doc. 8 (documento não impugnado pela Recorrida). 108. Assim, se o acordo firmado entre as partes tivesse sido efetivamente um acordo de troca de fruta no âmbito da qual o pagamento se efetivaria com a entrega e contraentrega dessa mesma fruta, não haveria qualquer necessidade de Ré proceder a uma declaração de compensação de créditos nos termos e para os efeitos do Artigo 847.º do Código Civil, na medida em que simplesmente haveria um pretenso cumprimento contratual, o que não houve. 109. De resto, em momento algum a Recorrida alegou nos seus articulados que o pagamento da fruta se efetuaria com fruta. 110. Em momento algum a Recorrida alegou na sua Contestação factos suficientes que possam sustentar uma pretensa relação contratual de “troca” ou de “escambo”. 111. Muito pelo contrário, toda a argumentação da Recorrida vai no sentido da existência de uma compensação de créditos, figura jurídica distinta do cumprimento de uma obrigação através de uma troca. 112. A Recorrida não alegou assim factos suficientes que possam consubstanciar a base de uma causa de pedir compatível com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, o que conduzirá os seus pedidos inapelavelmente a uma improcedência. 113. Nas palavras do Tribunal da Relação de Lisboa: [Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.02.2010, Proc. 6178/07.5TBOER.L1-1. disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/22b4f97e6aa2252e802576c80039fab3?OpenDocument] “1- Há falta de causa de pedir quando não são alegados os factos em que se funda a pretensão do autor; há insuficiência da causa de pedir quando aqueles factos são alegados, mas são insuficientes para determinar a procedência da acção. 2- A falta de causa de pedir ou a sua ininteligibilidade acarretam a ineptidão da petição. 3- A consequência da falta de causa de pedir é a absolvição da instância ou o indeferimento liminar da petição, nos casos em que ainda é admissível (art.º 234º-A do Código de Processo Civil). A consequência da insuficiência da causa de pedir continua a ser a improcedência da acção. 4- A falta de causa de pedir relativamente ao pedido reconvencional não é susceptível de ser suprida mediante um despacho de aperfeiçoamento.” 114. E nem se diga que estamos perante factos instrumentais, ou que tal consubstancia uma mera questão de direito ou de simples qualificação contratual. 115. Não. Uma coisa é uma relação baseada em emissão de faturas e no respetivo pagamento em euros tal como consta das mesmas, e outra completamente diferente do ponto de vista factual é uma relação baseada em trocas/permuta de frutas que funcionariam per si como pagamentos e com “pagamentos simbólicos”. 116. Os elementos constitutivos subjacentes ao tipo contratual decidido pelo Tribunal “a quo” não foram suficientemente alegados na Contestação, e nessa medida, não poderá ser carreada para os autos sob pena de violação gravosa do princípio do dispositivo e consequente nulidade, o que aqui se invoca para todos os legais efeitos (Artigos 609.º e 615.º n.º 1, alínea e) do CPC). 117. Neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que considerou que: “I - Por força do princípio do dispositivo, a sentença e o acórdão devem conter-se dentro dos limites objectivo e subjectivo da pretensão deduzida, não sendo lícito ao juiz desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo. II - O tribunal pode proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, dentro da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito jurídico pretendido, mas está processualmente vedado atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração, bens ou direitos substancialmente diversos dos que o autor procurava obter através da pretensão que efectivamente formulou. III - Deve ser mantido o acórdão que declare nula a sentença que conheça de causas de pedir não invocadas ou que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância, não observe os limites impostos pelo art.º 609.º, n.º 1, do CPC” [Cfr. Acórdão do STJ de 08.09.2020, Proc. 103355/17.8YIPRT.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1e18802c0dd473ad8025862c003aca49?OpenDocument]. (…)”. A recorrida contrapôs, em contra-alegações, o seguinte: “(…) 137. Na Matéria de Direito vem a Autora pretender que tendo a douta sentença considerado o contrato celebrado entre as partes um contrato de “troca” ou de “escambo” Contudo, tal não tem amparo nem na matéria alegada pelas partes, - designadamente pela própria Recorrida - nem tão pouco na prova produzida. 138. Não tem razão alguma! 139. Ao longo das sessões de julgamento, ficou claramente provado, pelo testemunho de todos, que o negócio inicial, foi sempre um negócio cujo pagamento das mercadorias transaccionadas entre ambas as partes, seria efectuado com recurso à compensação. 140. Nunca esteve na origem do negócio, nem na vontade dos contratantes, efectuar um negócio de compra e venda de fruta, na forma tradicional e singela, mas sim um negócio de troca de fruta. 141. Desde sempre que o pagamento para ambas as partes ficou determinado ser efectuado através de compensação mútua, com a fruta produzida por ambas as partes. 142. Tudo isto foi sendo provado, durante as várias sessões de julgamento. 143. A Autora insurge-se porque, segundo ela, a Ré, em momento algum alegou nos seus articulados que o pagamento da fruta se efetuaria com fruta. 144. Também esta é uma afirmação é falsa! 145. Bastaria à Autora ler o artigo 28º da Contestação onde a Ré afirma “os representantes, à data, da A. deslocaram-se às instalações da Ré em Portugal, onde se definiram os contornos finais do negocio (troca de fruta) e a Ré, comunicou desde a sua sede, via e-mail que iriam dar início ao negocio em causa.” sublinhado nosso. 146. Portanto, não há dúvidas que a Ré sempre esclareceu e indicou, qual o negócio em causa (troca de fruta). 147. Ainda que assim não fosse e é, 148. Decorre do nosso Ordenamento Jurídico, nomeadamente do Artigo 411.º do C.P.C. (Principio do Contraditório) 149. Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. 150. E do Artigo 413.º do mesmo C.P.C.: O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las. 151. Ora, o que resultou provado ao longo das audiências de julgamento, tal como dos documentos constantes dos autos, foi que o negócio desde início constitui na troca de fruta. 152. Resultou óbvio também, o motivo para a troca se processar a cada 180 dias: diferença de hemisférios e consequentes épocas de safra. 153. Resultou óbvia, a existência de uma tabela de compensação que a Autora procurou esconder, porque a mesma provou, sem qualquer margem para duvidas, que a razão da existência essa tabela, só poderia ser, garantir a equivalência da fruta acordada trocar. 154. Resultou também provado que, a Ré enviou toda a fruta acordada trocar com a Autora, nada lhe devendo. 155. Resultou provado que, a Ré, nunca se obrigou a fazer qualquer pagamento correspondente à fruta enviada e que as facturas trocadas entre ambas as partes, se destinaram apenas e só, ao cumprimento das regras fiscais e aduaneiras, nada refletindo quanto ao valor real da fruta. 156. Resultou provado, que o valor da fruta aposta em TODAS as facturas era sempre o mesmo 0,50€, o que, a experiência de qualquer homem comum, desde logo permite concluir, que não é possível que milhares de toneladas de fruta trocadas e sejam todas absolutamente iguais e que, por isso, tais facturas nunca poderiam corresponder à mercadoria em causa. 157. A Ré não procurou nunca um resultado diferente do que a douta sentença reconheceu, sempre alegou tratar-se de um negócio de troca de fruta e a alegada Compensação destinou-se apenas e só, a determinar juridicamente tal negócio. 158. Em momento algum, nem de prova alguma produzida, seja documental seja testemunhal ou outra, resulta que o contrato entre as partes foi de compra e venda. 159. O que resultou clara e abundantemente provado foi que, entre Autora e Ré ficou acordado um negócio de troca de fruta (…)”. Vejamos: O princípio processual do dispositivo, consagrado no artigo 3.º do CPC, “além de fazer impender sobre os interessados o ónus da iniciativa processual, estende-se à conformação do objecto do processo integrado, não só pela formulação do pedido, como ainda pela alegação da matéria de facto que lhe sirva de fundamento” (assim, Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, I vol., 2.ª ed., p 50). De acordo com tal princípio, a lei faz recair sobre a parte onerada com o ónus da prova, os meios necessários a convencer o Tribunal da realidade dos factos alegados. O disposto no artigo 411.º do CPC (inquisitório) não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil que é o do impulso processual – dispositivo - competindo às partes em toda a sua extensão promover os termos do processo, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligências probatórias. Neste ponto, Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil; Lex, 1996, pp. 69-70, distingue entre o princípio do dispositivo e da disponibilidade privada: “aquele assegura a autonomia das partes quanto à definição dos fins que se procuram obter através da acção pendente; este determina o domínio das partes sobre os fatos a alegar e os meios de prova a utilizar para conseguir aqueles objectivos. Pode dizer-se que o princípio dispositivo representa a autonomia na definição dos fins prosseguidos no processo (autodeterminação das partes) e que o princípio da disponibilidade objectiva assegura o domínio das partes sobre os meios de o alcançar”. Na linha das considerações que se vêm fazendo, o n.º 1 do artigo 5.º do CPC prescreve que: “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”, sem prejuízo da consideração, pelo juiz, dos factos a que se reporta o n.º 2 do mesmo preceito legal. Todavia, quanto à aplicação do Direito, o n.º 3 do artigo 5.º do CPC consagra um princípio de liberdade do julgador na indagação, interpretação e aplicação do Direito aos factos da causa: “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”. Trata-se do conhecido princípio de que “o Tribunal conhece do direito” (traduzindo o brocardo latino “iura novit curia”). Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., 2022, p. 27): “Ao que, em concreto, seja de qualificar como matéria de direito aplica-se a regra do n.º 3, que demanda a oficiosidade do seu conhecimento (desde que os factos tenham sido oportunamente alegados ou possam ser considerados), sem embargo da observância do contraditório imposta pelo art.º 3.º, n.º 3, com vista a obstar à prolação de decisões-surpresa”. Nesta linha refere Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, p. 63) que, “o princípio é o da competência autónoma para indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o que configura uma expressão do princípio da oficiosidade quanto à matéria de direito, como ensina TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao processo civil2, Lisboa, 2002, 62-63. No entanto, esta regra tem no respeito pela proibição de decisões-surpresa um limite absoluto”. Lebre de Freitas (Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto; Coimbra Editora, 1996, pp. 115-116) concretiza que o “conhecimento oficioso da norma jurídica tem como limite os casos em que a lei substantiva torna dependente da vontade do interessado a invocação dum direito ou duma excepção, bem como aqueles em que a lei processual coloca na exclusiva disponibilidade da parte a invocação dum pressuposto (…), do vício dum acto processual (…) ou da extinção dos efeitos dum acto (…). Por outro lado, o conhecimento oficioso da norma jurídica está dependente da introdução na causa dos factos aos quais o tribunal a aplica, devendo sempre distinguir-se o plano dos factos, em que vigora, mesmo em matéria de direito processual, o princípio dispositivo (…), e o plano do direito, em que a soberania pertence ao juiz, sem prejuízo ainda, no que ao direito material se refere, de o conhecimento oficioso se circunscrever no domínio definido pelo objecto do processo (…)”. E, do mesmo modo, explica-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-03-2018 (Pº 2057/11.0TVLSB.L1.S2, rel. TÁVORA VICTOR) que: “I - Emerge do art.º 608.º, n.º 2, do CPC que a actividade judicativa, com excepção das questões que o julgador deva conhecer oficiosamente, mostra-se confinada ao objecto do litígio, sendo o objecto do processo integrado pela causa de pedir e pela pretensão formulada pelo autor, abarcando também e eventualmente a matéria de excepção aduzida pelo réu em sua defesa. II - Ao abrigo do princípio da oficiosidade do conhecimento e aplicação do direito aos factos trazidos pelas partes – e que se exprime no brocado latino iura novit curia – actualmente consagrado no art.º 5.º, n.º 3, do CPC, o tribunal pode apreciar as questões submetidas à sua apreciação com base em argumentos ou razões distintas daquelas que foram concitadas pelas partes. III - As decisões-surpresa são apenas aquelas que assentam em fundamentos que não foram anteriormente ponderados pelas partes, ou seja, aquelas em que se detecte uma total desvinculação da solução adoptada pelo tribunal relativamente ao alegado. IV - A simples aplicação de uma norma que não foi invocada não justificará, por si só, a audição prévia das partes, só devendo ter lugar quando o enquadramento legal convocado pelo julgador for absolutamente díspar daquele que as partes preconizaram ser aplicável”. Ora, no caso, para além de não se mostrar inteiramente rigoroso que a ré não tenha feito, em sede de articulados, alusão a trocas de mercadorias (cfr. artigo 28.º e 36.º), certo é que, como decorre do exposto, o Tribunal recorrido, em sede de interpretação e aplicação das normas jurídicas – e precisamente por se tratar de aplicação e interpretação normativa ou de Direito - não se encontrava limitado pela qualificação jurídica da relação contratual das partes, efetuada pela autora, podendo optar por qualificar diversamente o contrato, nisso residindo, aliás, o âmago da função jurisdicional, enquanto atribuição da decisão do conflito das partes, a um terceiro imparcial. Como se referiu, e bem, no despacho de 04-07-2022 que sustentou a decisão recorrida: “É um princípio fundamental de direito processual o iura novit curia princípio que se traduz no dever que o juiz tem de conhecer a norma jurídica e aplicá-la ex oficio por sua própria autoridade. O juiz não tem de estar adstrito aos fundamentos jurídicos invocados pelas partes, incluindo os tipos contratuais que estas invocaram, podendo fazer um enquadramento jurídico distinto, considerando aplicável o regime de outros tipos contratuais. Se a aplicação do direito é correta ou errada, tal trata-se de uma questão de mérito da causa e não de nulidade processual”. Para além deste aspeto, não se alcança que, o Tribunal recorrido, ao optar pelo enquadramento jurídico do contrato das partes na tipologia do contrato de troca ou escambo, tenha violado, de alguma forma, o contraditório que se exigia ou cometido alguma decisão-surpresa, dado que, atento invocado pela ré, não se pode crer que o regime jurídico da troca e a sua respetiva aplicação ao caso concreto, não pudesse ser objeto de cogitação pelas partes. Em suma: Não se detecta uma total desvinculação da solução adotada pelo Tribunal relativamente ao alegado pelas partes e às normas jurídicas que as mesmas poderiam ter como potencialmente aplicáveis ao caso. A nulidade arguida, a este título, é pois, em conformidade com o exposto, improcedente. * B) Se a sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, als. c) e d) do CPC? Nas alegações de recurso, a recorrente vem invocar que a decisão recorrida padece de nulidades (cfr. capítulo vii e conclusões TT) a BBB). Para tanto alegou o seguinte: “(…) 219. Para além da já invocada violação do princípio do dispositivo, a decisão final proferida encontra-se em oposição com os respetivos fundamentos e contém ambiguidades e obscuridades que tornam a decisão final praticamente ininteligível. 220. Por outro lado, a sentença é omissa relativamente a questões que devia ter apreciado. Vejamos: 221. Recordemos que os pedidos da Recorrente foram os seguintes: “A) Condenar a Ré no pagamento à Autora do montante a título de capital de €390.497,50 (trezentos e noventa mil, quatrocentos e noventa e sete euros e cinquenta cêntimos). Caso o tribunal entenda aplicar a “CISG” ao mérito da presente disputa, a tal valor de capital deverá ser acrescido de juros de mora mensais contabilizados à taxa de 1% desde a data de vencimento de cada fatura até efetivo e integral pagamento e que na presente data perfazem o montante de €76.976,78 (setenta e seis mil, novecentos e setenta e seis euros e setenta e oito cêntimos), perfazendo assim um montante global de €467.474,28 (quatrocentos e sessenta e sete mil, quatrocentos e setenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos). B) Caso o Douto tribunal entenda aplicar a lei Brasileira ao mérito da presente disputa, aos supra referidos valores deverá ainda acrescer a respetiva “correção/atualização monetária”, bem como o reembolso dos honorários de advogado despendidos pela Autora, nos termos legais, a fixar na sentença, o que desde já se requer. C) Caso assim não se entenda e o Tribunal porventura entenda aplicar a lei Portuguesa, o valor supra referido a título de capital deverá nesse caso ser acrescido de juros de mora anuais contabilizados às taxas de juro comercial sucessivamente em vigor, também desde da data de vencimento de cada fatura até efetivo e integral pagamento, e que na presente data perfazem o montante de €41.964,62 (quarenta e um mil, novecentos e sessenta e quatro euros e sessenta e dois cêntimos). D) Condene a Ré em sede de litigância de má-fé em multa condigna e pagamento de indemnização à Autora não inferior a €5.000,00 (cinco mil euros), nos termos e para os efeitos dos Art.ºs. 542.º, n.º 1 e 2, alíneas b) e d) e 543.º, n.º 1 do CPC, a apreciar a final”. (nota: o pedido de litigância de má-fé foi apresentado pela Recorrente no requerimento da Recorrente em 15.06.2020, ref. citius 9711149 e reiterado no requerimento de 23.11.2020, ref. citius 10293125). 222. Por seu turno, os pedidos da Recorrida foram os seguintes: Nestes termos e nos demais de direito, deve: Ser julgada procedente a excepção de ilegitimidade da A., absolvendo-se a Ré da instância. Ser julgada procedente a exceção da extinção da obrigação pelo cumprimento e, em consequência, absolver-se a Ré da instância. Se assim não se entender, deve ser aceite como provado o Pedido reconvencional e reconhecido o crédito da Ré sobre a Autora no montante de 405.325,45€ e, em consequência declarada judicialmente a compensação de créditos e, consequentemente, ser a presente ação ser julgada totalmente improcedente e não provada, absolvendo-se a Ré do pedido. Deve a Autora ser condenada a pagar à Ré a quantia que lhe deve, de 14.827,95€. Deve a Autora ser condenada em litigância de má-fé e a indemnizar a Ré na quantia de 32.824,65€. 223. Por seu turno, recorde-se que o Tribunal “a quo” proferiu a seguinte decisão final: “Face ao exposto, julga-se a ação e a reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência, decide-se: a) absolver da instância a autora quanto à quantia de 85.079,60€ (oitenta e cinco mil e setenta e nove euros e sessenta cêntimos) peticionada pela ré; b) condenar a ré a pagar à autora a quantia de 81.304.09€ (oitenta e um mil trezentos e quatro euros e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal da lei portuguesa, desde a citação até integral e efetivo pagamento; c) absolver a autora e a ré do pedido quanto ao demais - ou seja, na parte que excede o que consta das als. a) e b) - que contra elas foi peticionado pela ré e pela autora, respetivamente.” 224. Ora, o sentido geral e final da decisão do Tribunal “a quo” é o de a Recorrida deve assim pagar à Recorrente o valor de € 81.304,09, acrescido dos respetivos juros de mora contabilizados desde a data de citação até efetivo e integral pagamento. 225. Sem prejuízo, uma leitura dos pedidos supra descritos e da sentença proferida leva à conclusão de que a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” se encontra em oposição com os respetivos fundamentos e contém ambiguidades e obscuridades que tornam a decisão, analisada no seu todo, praticamente ininteligível. 226. Com efeito, sem prejuízo de a Recorrente já ter sido considerada parte legítima e sede de despacho saneador (estando tal exceção já decidida), a verdade é que, se o Tribunal a “quo” considera a reconvenção como “parcialmente procedente” então considera como parcialmente procedente o pedido de compensação judicial especificamente peticionado pela Recorrida em sede reconvencional. 227. Contudo, recorde-se que o Tribunal “a quo” considerou nos seus fundamentos que “Deste enquadramento jurídico do acordo celebrado entre as partes resulta desde logo que, quanto à fruta que a ré forneceu à autora, não existe, na realidade, compensação. Existe é cumprimento do contrato celebrado.” 228. Mais: apesar de o referir na fundamentação, nada refere na parte final decisória da sentença quanto à pretensa extinção da obrigação pelo cumprimento através da compensação, que destaque-se foi invocada pela Recorrida na parte inicial do seu pedido final a título de exceção e não na parte a respeito do pedido reconvencional. 229. Por outro lado, a sentença proferida refere que absolve da instância a Autora quanto à quantia de €85.079,60 (oitenta e cinco mil e setenta e nove euros e sessenta cêntimos). Ora presumimos que o Tribunal “a quo” se esteja a referir à quantia emergente da fatura n.º 1133 que é nesse exato valor e que considerou improcedente, 230. Contudo, o Tribunal “a quo” nada refere a propósito da quantia alegada pela Recorrida a propósito da pretensa cessão de créditos efetuada pela Pomartec no valor de €11.052,98 (onze mil e cinquenta e dois euros e noventa e oito cêntimos) que o Tribunal “a quo” também considerou improcedente na fundamentação da sentença 231. Deste modo, não tendo assim em consideração este valor na parte decisória da sentença, apesar de o ter feito em sede de fundamentação, existe uma nova contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão proferida. 232. Mais, o Tribunal “a quo” ignora completamente o pedido de litigância de má-fé aduzido pela Recorrente, existindo uma omissão de pronúncia a respeito desta matéria nos termos e para os efeitos do Artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil. 233. Pedido de litigância de má-fé que aqui se reitera e se reforça perante a evidência que a Recorrida se encontra a alegar factos próprios cuja falsidade não pode desconhecer, nomeadamente no que diz respeito aos créditos que detém sobre a Pomifrai Fruticultura, S.A. que bem sabe não serem detidos sobre a aqui Recorrente, e portanto, nenhum lugar têm nos presentes autos. 234. A acrescer, a sentença proferida conclui o seu segmento decisório absolvendo “a autora e a ré do pedido quanto ao demais – ou seja, na parte que excede o que consta das als. a) e b) – que contra elas foi peticionado pela Ré e pela Autora, respectivamente”, formulação que dá ampla margem a ambiguidades de interpretação. 235. Resumindo, face ao exposto, é patente que o segmento decisório da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” tem diversas contradições com os fundamentos da mesma sentença e é omissa relativamente a determinados pontos, contendo ainda ambiguidades e obscuridades que no seu todo tornam a decisão praticamente ininteligível. 236. Facto que conduz à sua nulidade nos termos e para os efeitos do Artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil (…)”. Espelhou a recorrente esta alegação nas conclusões TT) a BBB). No despacho de 04-07-2022, o Tribunal recorrido considerou: - Que não existe contradição entre os fundamentos e a decisão: “Nos fundamentos distinguiu-se - de uma forma que se nos afigura clara - a compensação decorrente da troca de fruta em cumprimento do contrato, com a compensação enquanto forma autónoma de extinção das obrigações. Explicou-se que, no âmbito do contrato de troca que se considerou ser aquele que foi celebrado entre as partes, a compensação que existe é a decorrente do contrato e não a que resulta da compensação como causa de extinção das obrigações para além do cumprimento”; - Que “quanto à quantia de 11.052,98€, parece que a autora não terá lido o seguinte trecho da sentença: “Quanto aos demais créditos invocados pela ré, o da cessão de crédito efetuada pela Pomartec não se provou, pelo que, nos termos do art.º 342º/1 do CPC, a pretendida compensação improcede”. Só dessa forma se pode compreender a invocação da nulidade”; - Que, relativamente “ao invocado na al. ZZ), segundo o qual considera que o segmento da sentença que cita, “é pouco claro e pode dar margem a ambiguidades de interpretação”, é um pouco difícil entender o que é que a autora não entendeu. E, nesse âmbito, teria sido útil que a recorrente explicasse, com exemplos, que ambiguidades de interpretação poderiam surgir pois assim, da forma como a invocação da nulidade foi efetuada, não se consegue, de todo, entender que ambiguidades pairam sobre o seu espírito. Em todo o caso, tendo sido integralmente transcritos, quer o pedido da autora, quer o pedido reconvencional, afigura-se perfeitamente clara e desprovida de qualquer dificuldade a tarefa de apuramento dos segmentos em que houve procedência e dos segmentos em que ocorreu a improcedência, sendo que o segmento decisório citado pela recorrente absolve do pedido na parte não abrangida pela condenação. Parece que a recorrente considera (cfr. al. AAA) das conclusões) que numa situação em que existem 10 pedidos e todos eles improcedem, o Tribunal tem de absolver expressamente o réu de cada um dos pedidos, não sendo válida a expressão “absolver o réu do pedido quanto a tudo que contra ele vinha peticionado”. No nosso entendimento a parte decisória é claríssima e não contém qualquer ambiguidade (que, em todo o caso, a recorrente não explicitou)”; e - Suprir a nulidade da falta de pronúncia sobre a questão da eventual litigância de má fé da ré, concluindo pela inexistência desta. Vejamos: Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, a mesma é nula, nomeadamente, quando: “(…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)”. Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), será nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Vejamos se o Tribunal omitiu pronúncia devida relativa a questão de que deveria tomar conhecimento, sabendo-se que, é “frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades” (assim, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, p. 132). Apenas existirá nulidade da sentença por omissão de pronúncia com referência às questões objeto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte. A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronúncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, preceito do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão, esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. A “questão a decidir” pelo julgador estará diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita, apreciando-a e decidindo-a, segundo a solução de direito que julga correta. De acordo com o n.º 2 do artigo 608.º do CPC, “o juiz resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” - pelo que, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras - sendo certo que, o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção. “O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Processo nº 1453/17.3T8BRG.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA). A causa de pedir traduz-se no facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido (cfr. Antunes Varela; J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil; 2.ª Ed., Coimbra Editora, p. 245), pelo que, sob pena de ineptidão, não bastará uma indicação vaga ou genérica dos factos com base nos quais a autora sustenta a sua pretensão. Ao autor ou demandante não bastará, assim, formular um pedido, devendo sempre indicar a causa de pedir, traduzida nos concretos factos jurídicos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer, o que passa pela narração de concretos acontecimentos da vida que são suscetíveis de redução a um núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas materiais de direito substantivo (cfr., Lebre de Freitas; Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à luz do Código revisto; Coimbra Editora, 1996, pp. 54 a 57). O autor encontra-se, pois, obrigado a expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação (cfr. art.º 552.º, n.º 1, al. d), do CPC). A indicação da causa de pedir está perfeitamente conexionada com o princípio do dispositivo, consagrado no n.º 1 do artigo 5.º do CPC, onde se prescreve que, “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”. “Intimamente ligada ao princípio dispositivo, a causa de pedir exerce uma «função individualizadora do pedido e de conformação do objeto do processo»; ao apreciar o pedido, o tribunal não pode basear a sua decisão de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor (art.ºs 608º e 609º), sob pena de nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art.º 615º, al. d) )” (assim, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, vol. II, 2.ª Ed., Almedina, 2015, p. 71). Daí que se possa dizer, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2017 (Pº 330/16.0T8PRT.P1, rel. FERNANDO SAMÕES), que “o princípio do dispositivo ou da controvérsia, consagrado no n.º 1 do art.º 5.º do CPC, impede que o juiz considere, na decisão, factos essenciais não alegados pelas partes nos articulados”. No caso em apreço, a recorrente veio invocar a omissão decisória do Tribunal relativamente a diversas pretensões das partes, nos termos que concretizou, bem como, a ausência de pronúncia sobre a questão, por si invocada, da litigância de má fé da contraparte. O Tribunal recorrido supriu a nulidade atinente à falta de conhecimento da questão atinente à litigância de má fé da ré, pelo que, atendendo ao disposto no n.º 6 do artigo 617.º do CPC, valendo essa decisão de 04-07-2022 como “complemento e parte integrante da sentença recorrida” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 796, nota 4) a questão a apreciar no presente recurso cingir-se-á, na altura própria, à de sindicância do mérito de tal decisão. Uma outra causa de nulidade da sentença é, de harmonia com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aquela em que: “(…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Vejamos: “A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º 1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2.ª parte [da alínea c)] do n.º 1, do art.º 615.º do C. P. Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03-11-2016, Processo 1774/13.4TBLLE.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO). Ou seja: Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-94, rel. CARDOSO ALBUQUERQUE, in BMJ nº 433, p. 633, o Acórdão do STJ de 13-02-97, rel. NASCIMENTO COSTA, in BMJ nº 464, p. 524 e o Acórdão do STJ de 22-06-99, rel. FERREIRA RAMOS, in CJ 1999, t. II, p. 160). Trata-se de um erro lógico-discursivo na medida em que, ocorrendo tal vício, a decisão segue uma determinada fundamentação e linha de raciocínio, mas vem, a final, a decidir em conflito com tal fundamentação. Esta nulidade verifica-se, assim, quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, constituindo um vício de natureza processual. Relativamente ao segmento atinente à ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, tem entendido a doutrina que “a sentença é obscura quando contém um passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos” (cfr. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª ed., 2013, Almedina, p. 400). “Diz-se que a sentença padece de obscuridade quando algum dos seus passos enferma de ambiguidade, equivocidade ou de falta de inteligibilidade: de ambiguidade quando algumas das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão; de equivocidade quando o seu sentido decisório se perfile como duvidoso para um qualquer destinatário normal. Mas só ocorre esta causa de nulidade constante do 2º segmento da al. c) do nº. 1 do art.º 615º, se tais vícios tornarem a “decisão ininteligível” ou incompreensível” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371). Cumpre, liminarmente, referir que, na decisão recorrida o Tribunal recorrido evidenciou, como “Questões que importa apreciar” as seguintes: “- qual o montante do crédito da ré sobre a autora, na parte que excede o montante já reconhecido, nomeadamente no que respeita ao montante mencionado na fatura nº 1133, de 31.12.2017, e aos créditos que foram cedidos por outras empresas; - qual o tipo negocial efetivamente acordado entre as partes, nomeadamente se havia troca de fruta entre ambas; - lei aplicável ao contrato; - possibilidade da compensação do crédito da ré sobre o crédito da autora - consequências dos factos alegados no articulado superveniente, caso se venham a provar, relativamente à pretensão compensatória da ré, - existência de má-fé processual (…)”. E, como se viu, à exceção da questão da existência de má-fé processual na conduta da ré – que inicialmente não apreciou – na fundamentação da decisão recorrida encontra-se a análise e a fundamentação jurídica reportada a cada uma das aludidas questões (cfr. páginas 12 a 25 da sentença recorrida). Para além disso, na decisão proferida, em sede de dispositivo da sentença, o Tribunal concluiu, de forma clara, expressa e detalhada, no seguinte sentido: “a) absolver da instância a autora quanto à quantia de 85.079,60€ (oitenta e cinco mil e setenta e nove euros e sessenta cêntimos) peticionada pela ré; b) condenar a ré a pagar à autora a quantia de 81.304.09€ (oitenta e um mil trezentos e quatro euros e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal da lei portuguesa, desde a citação até integral e efetivo pagamento; c) absolver a autora e a ré do pedido quanto ao demais - ou seja, na parte que excede o que consta das als. a) e b) - que contra elas foi peticionado pela ré e pela autora, respetivamente.”. O sentido decisório está em perfeita harmonia com os fundamentos de facto e de direito expressos na sentença, não se alcançando alguma ininteligibilidade na decisão recorrida, assim como, também não se vislumbra que a mesma padeça de obscuridade, percebendo, quem leia a sentença, quer o sentido de fundamentação, quer a congruente (com aquela) decisão tomada. Para além do que se vem referindo, em face do que consta da sentença recorrida não se alcança a existência de alguma ambiguidade na fórmula utilizada na alínea c) do dispositivo, no sentido de absolvição das partes, “quanto ao demais” – ou seja, em tudo o mais que vinha solicitado ao Tribunal pelas partes nas suas respetivas pretensões, para além do apreciado nas demais alíneas do dispositivo, sentido interpretativo que, aliás, o Tribunal recorrido não deixou de expressamente mencionar. Neste âmbito – ou seja, “quanto ao demais” consignado na alínea c) do dispositivo – insere-se, nomeadamente, a questão da absolvição da autora relativamente à quantia a que se reportavam os artigos 103.º a 105.º da contestação, de €11.052,98, integrada no pedido reconvencional formulado pela ré (cfr. p. 22 da contestação), bem como, as demais questões suscitadas pelas partes, enquadradas pelas respetivas pretensões formuladas e que não foram abordadas nas precedentes alíneas do dispositivo. Não advém alguma nulidade para a sentença, da circunstância de, as mesmas, não serem autonomizadas em outra, ou outras alíneas, do dispositivo, pois, na realidade, já se encontram “cobertas” ou abrangidas pelo âmbito “recortado” na mencionada alínea c) da decisão, cuja interpretação, aliás, é perfeitamente conjugável com o que consta das demais alíneas do dispositivo. Assim, conclui-se não se vislumbrar qualquer ambiguidade, do mesmo modo que não ocorre qualquer contradição entre a decisão e os fundamentos, pelo que, não padece a decisão recorrida da invocada nulidade. Em face do exposto, mostrando-se já suprida a nulidade da omissão de pronúncia da questão da litigância de má fé da ré, quanto ao mais, não se vislumbra a ocorrência das nulidades invocadas. * II) Impugnação da matéria de facto: Conclui a recorrente, na alegação de recurso –conclusões A) a AA) – que a decisão do Tribunal recorrido, desde logo, “contém uma análise manifestamente errada dos factos alegados e da prova produzida (…)” (cfr. conclusão A)). Com a alegação produzida, desenvolvida nos pontos 2 e ss. da motivação das alegações, a recorrente/apelante pretende colocar em crise a factualidade apurada pelo Tribunal a quo. No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, pelo que, cumpre apreciar se deve este Tribunal ad quem proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada. Prescreve o artigo 639.º do CPC – sobre o ónus de alegar e de formular conclusões - nos seguintes termos: “1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. 3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada. 4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias. 5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”. Por sua vez, dispõe o artigo 640.º do CPC que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”. Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões. As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efetivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo). O recorrente deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO). Os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o Acórdão do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES). Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art.º 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, relator MANUEL BARGADO). Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art.º 640.º (de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO). O ónus atinente à indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exatidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, relator SEBASTIÃO PÓVOAS). A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art.º 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, relator GRANJA DA FONSECA). Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, relator MÁRIO BELO MORGADO). Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1, relator PEDRO DAMIÃO E CUNHA). A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES). Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Processo 6871/14.6T8CBR.C1, relator MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC). Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação. * C) Do não conhecimento do objeto do recurso atinente à impugnação da matéria de facto quanto ao invocado sobre o facto constante do artigo 10.º dos factos provados: Ora, no caso dos autos, a respeito dos n.ºs. 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 dos factos provados, a recorrente observou os ónus impugnatórios acima referidos, a que se reporta o artigo 640.º do CPC, concretizando tais pontos, que considerou incorretamente julgados, especificando os meios probatórios convocados (convocando, designadamente, as passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem que sejam analisados) e indicando a decisão alternativa a proferir. O mesmo se diga, a respeito da matéria – muito embora, como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-2021 (Pº 4750/18.7T8BRG.G1.S1, rel. FÁTIMA GOMES) “[a]inda que não constitua uma impugnação de matéria de facto, no sentido típico, pode o recorrente entender que a matéria de facto provada e não provada não está completa, para a boa decisão da causa, invocando essa desconformidade em recurso. Com essa pretensão o recorrente quer ver incluídos factos alegados e sobre os quais versou o julgamento na matéria de facto, a partir de alegações e meios de prova (…)”- que a recorrente pretende seja incluída no rol dos factos provados. Contudo, a respeito do artigo 10.º dos factos provados, a recorrente pugna pela alteração da redação apenas tendo invocado o seguinte: “(…) 59. (…) face ao supra exposto a respeito da eliminação do Artigo 11.º da Matéria Provada, e por consequência lógica, a verdade é que as faturas emitidas pela Recorrente à Recorrida ainda permanecem por pagar. 60. Assim, impera modificar o artigo em causa, precisando este ponto, passando o mesmo a ter a seguinte redação: 10. As partes acordaram que as faturas supra descritas se venceriam dentro de um prazo de 180 dias a contar da respetiva data de emissão, faturas essas que permanecem por pagar à Autora”. Concluiu na conclusão H) das alegações de recurso que: “H) Em consequência do supra exposto, também o Artigo 10.º dos Factos Provados deve ser alterado, passando o mesmo a refletir a realidade de que as faturas alegadas pela Autora na P.I. permanecem assim por pagar, redação que deve passar a constar nos seguintes termos: “10. As partes acordaram que as faturas supra descritas se venceriam dentro de um prazo de 180 dias a contar da respetiva data de emissão, faturas essas que permanecem por pagar à Autora”. Ora, neste âmbito, se bem que a recorrente indique qual o ponto de facto que pretende impugnar – artigo 10.º dos factos provados – e a alternativa redação que preconiza, certo é que, não faz acompanhar tal impugnação da indicação dos concretos meios probatórios constantes do processo que imporiam diversa decisão, limitando-se a referenciar uma consequência lógica da precedente impugnação, como baseadora da alteração, mas que, na realidade, não observa o ónus de impugnação referenciado na alínea b) do n.º 1, do artigo 640.º do CPC. Na medida em que a recorrente não deu, neste conspecto, cumprimento ao preceito legal acima mencionado, não cuidando de indicar – quer na motivação, quer nas conclusões do recurso – os concretos meios probatórios que imporiam diversa decisão, tal determina a rejeição da impugnação de facto, nesta parte. De acordo com o exposto, há lugar à rejeição imediata do recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto, quanto ao facto provado n.º 10), por inobservância do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC. * Especificamente sobre a reapreciação probatória, importa referir que “o recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida (art.º 640º do C.P.C.)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo n.º 501/12.8TBCBC.G1, relatora MARIA JOÃO MATOS). O artigo 607.º, n.º 4, do CPC impõe ao julgador que na fundamentação da sentença declare “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” “A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS). Lebre de Freitas (A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil, 3.ª ed., p. 315) refere, a este respeito, que: “No novo código, a sentença engloba a decisão de facto, e já não apenas a decisão de direito. Na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta convicção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art.º 607, n.º 4, 1.ª parte, e 5) ”. Conforme se sublinhou no já citado Acórdão do STJ de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS): “Sendo os temas da prova enunciados de maneira sucinta, ainda que pressuponham ampla matéria de facto, a exigência de fundamentação desta justifica-se, de modo mais acentuado, porquanto não acontece, como no passado, quando a análise da peça processual onde se respondia aos quesitos permitia, em regra, saber de modo discriminado (os quesitos eram enumerados) o que tinha ficado provado e não provado e a fundamentação, que sempre se reputou não ter que ser exaustiva, mas devendo dar a conhecer os meios de prova em que acentuou a convicção quanto à prova submetida a julgamento”. Por seu turno, refere Francisco Manuel Lucas de Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, pp. 350-351) que: “A estatuição do citado nº4 do art.º 607º (1º- segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança […].Não impõe, contudo, a lei que a fundamentação das conclusões fácticas decisórias seja indicada separadamente por cada um dos factos, isolada e autonomamente considerado (podendo sê-lo por conjuntos ou blocos de factos sobre os quais a testemunha se haja pronunciado)”. Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2020 (Pº 258/18.9T8PNF-A.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA): “Podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção); Havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) –v. art.ºs 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil e, ainda, artigo 5º, daquele diploma legal”. Nesta linha é, pois, crucial que seja feita a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento, de acordo com os temas da prova fixados. “A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma fluente e harmoniosa, técnica bem diversa de uma que continue a apostar na mera transcrição de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados, como os que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória (e do anterior questionário). Se, por opção, por conveniência ou por necessidade, se inscreveram nos temas de prova factos simples, a decisão será o reflexo da convicção formada sobre tais factos, a qual deve ser convertida num relato natural da realidade apurada… […]. O importante é que, na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz use uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção.” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 717). Ora, conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2018 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1.S1, rel. ROSA TCHING), “[f]actos provados são os factos concretos assim julgados, na sentença final, após exame crítico das provas e não os factos tidos como assentes no despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Ainda que se admita não haver obstáculo a que o juiz, no âmbito do novo Código de Processo Civil, continue a proferir despacho de fixação da matéria de facto considerada assente, é inquestionável que tal despacho não pode deixar de ser visto como um “guião” ou mero “suporte de trabalho” para o julgamento, pelo que, mesmo depois de decididas as reclamações contra ele apresentadas, não se forma caso julgado formal sobre ele, podendo, por isso, os factos dados como assentes ser alterados pelo juiz do julgamento e/ou pelo juiz do tribunal de recurso”. Ainda na mesma linha, cite-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-11-2017 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1, rel. MADEIRA PINTO) onde se escreveu que: “Sendo certo que a instrução tem por objecto os temas de prova enunciados e que no NCPC estes não se confundem apenas com factos podendo ser conclusões jurídicas ou versões contrárias de factos ou conclusões, é seguro para nós e de acordo com a generalidade da doutrina e da jurisprudência, que a enunciação dos temas de prova não constitui despacho que faça caso julgado formal sobre os factos essenciais, instrumentais ou complementares que interessam à decisão de direito segundo as diferentes soluções possíveis e alegados pelas partes de acordo com as regras dos art.º 5º, nºs 1 e 2 e 607º, nº 4, NCPC”. E conforme referem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436), para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”. Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado. Importa considerar que, em termos substanciais, a impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância, procurando-se que a Relação reaprecie e repondere os elementos probatórios produzidos, averiguando se a decisão da primeira instância relativa aos pontos de facto impugnados se mostra conforme às regras e princípios do direito probatório, impondo-se se proceda à apreciação não só da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios, da sua consistência e coerência, à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, mas também da sua valia extrínseca, ou seja, da sua consistência e compatibilidade com os demais elementos. Como refere Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 127): “Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de actos jurídicos ordenados em função de determinados fins, as partes devem deduzir os meios necessários para fazer valer os seus direitos na altura/fase própria, sob pena de sofrerem as consequências da sua inactividade, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, poderes, faculdades, deveres, cominações e preclusões”. Assim, ressalvadas as modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido que, de motu proprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova sujeitos a livre apreciação e valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar, desde logo, o que o recorrente - no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto - indicou nas respectivas alegações e cujo âmbito tem a função de delimitar o objecto do recurso. O ordenamento processual probatório português combina o sistema livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal, dado que, “a partir da prova pessoal obtida e da análise do teor dos documentos existentes nos autos ou doutra fonte probatória relevante, tomando em consideração a análise da motivação da respectiva decisão, importa aferir se os elementos de convicção probatória foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-10-2016, Pº 1306/12.1TBSSB.E1, rel. JOSÉ TOMÉ DE CARVALHO). A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação, partindo da análise e ponderação da prova disponibilizada (cfr. Antunes Varela, Miguel Varela e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pp. 435-436). Os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência. A prova não visa “(...) a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (...)”, mas tão só, “(...) de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (assim, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 419 e 420). A apreciação das provas resolve-se, assim, na formulação de juízos, que assentam na elaboração de raciocínios que surgem no espírito do julgador “(...) segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica (...)” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245). Nessa actividade de livre apreciação da prova deve o tribunal especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art.º 653º, nº 2 do CPC), permitindo, dessa forma, que se “possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Teixeira de Sousa; Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348) e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão. A “prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos. Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, directamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência, de 21-06-2016, Pº 2683/12.0TJLSB.L1.S1, rel. HÉLDER ROQUE). Neste enquadramento, a credibilidade firmada em torno de um específico meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum, que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se objectiva e se afere em determinado contexto histórico e jurídico, à luz da sua compatibilidade lógica com o sentido comum e com critérios de normalidade social, os quais permitem (ou não) aceitar a certeza subjectiva da sua realidade. Todas estas circunstâncias deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados. Mas, não deverá esquecer-se que a função da Relação não é a de realizar um novo julgamento de facto: “Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-11-2017, Processo 1426/15.0T8BGC-A.G1, relator ANTÓNIO JOSÉ SAÚDE BARROCA PENHA). Neste sentido, “não estando em causa formalidades especiais de prova legalmente exigidas para a demonstração de quaisquer factos e assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental e pericial que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na apreciação dessas provas. O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este. Em caso de dúvida sobre o sentido da decisão, face às provas que lhe são apresentadas, a 2ª instância deve fazer prevalecer a decisão da 1ª instância, em homenagem à livre convicção e liberdade de julgamento. A garantia do duplo grau de jurisdição em caso algum pode subverter o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com a prudente convicção do juiz acerca de cada facto e, por isso, o objecto do recurso não pode ser nem a liberdade de apreciação das provas, nem a convicção que presidiu à matéria de facto, mas esta própria decisão” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05-05-2011, Processo 334/07.3TBASL.E1, relatora MARIA ALEXANDRA A. MOURA SANTOS). É que, na verdade, como escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 234): “… existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador. O sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiamo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo. Além do mais, todos sabemos que, por muito esforço que possa ser feito na racionalização da motivação da decisão da matéria de facto, sempre existirão factores difíceis ou impossíveis de concretizar ou de verbalizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a convicção acerca do grau de isenção que preside a determinados depoimentos”. Em suma: Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre os factos num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. O julgamento dos factos, na sua valoração, mormente quando se reporta a meios de prova produzidos oralmente, não se reconduz a uma operação aritmética de número ou de adição de depoimentos, antes tem de atender a uma multiplicidade de factores, não se bastando com a palavra pronunciada, mas nele confluindo aspetos tão variados como, as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber quem estará a falar com verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida. Aplicando estas considerações à impugnação de facto em questão (na parte não rejeitada), cumpre apreciar cada uma das factualidades colocadas em crise: * D) Se a matéria de facto constante do artigo 11.º dos factos provados deve ser eliminada da matéria provada? Considera a recorrente que o vertido no artigo 11.º dos factos provados deve ser eliminado de tal rol. Para tanto, invocou, em suma, o seguinte: “(…) 15. a decisão do tribunal “a quo” não tem correspondência com as provas que foram produzidas nos presentes autos nem tão pouco com a alegação das partes. 16. Com todo o respeito, na sua fundamentação, o Douto Tribunal incorre em diversos erros de apreciação, desconsiderando princípios de lógica, ciência e experiência. 17. Com feito, desde logo contrariamente ao que se encontra plasmado na referida fundamentação, é falso que o facto 11 “já estava parcialmente provado por acordo quanto à troca de fruta”. 18. Com efeito, o que resulta do Artigo 3.º e 4.º da P.I. e dos pontos 3 e 4 dos factos provados é que existia uma relação comercial entre a Recorrente e a Recorrida que consistia em “importações e exportações recíprocas de frutas” sendo que as referidas partes “valiam-se assim das vantagens advindas dos diferentes ciclos periódicos de plantio e colheita no Brasil”. [nosso sublinhado] 19. Ora, “importação e exportação recíproca” não é o mesmo que um “negócio de troca de fruta”. Significa apenas que a Recorrente vendia fruta à Recorrida e a Recorrida vendia fruta à Recorrente. São duas coisas manifestamente diferentes. 20. Na verdade, existia efetivamente uma relação comercial entre as partes que consistia fundamentalmente em importações e exportações recíprocas de frutas, sobretudo maçãs, mas também, em menor quantidade, ameixas e peras (como aliás se encontra provado no Ponto 3 da Matéria de Facto da Douta Sentença). 21. Contudo, o preço subjacente a tal relação de importação e exportação era pago em dinheiro, in casu, em Euros e não através do fornecimento de outras maçãs. 22. Isso mesmo consta de forma clara em diversas provas produzidas no processo. 23. Desde logo consta das próprias faturas identificadas como Docs. 3 a 16 juntas com a P.I. onde se encontra claramente inscrito o preço de €0,50 (cinquenta cêntimos de euro) por quilo, o respetivo valor total em Euros e as condições de pagamento (180 dias). 24. A acrescer, consta igualmente das faturas juntas pela própria Recorrida como Docs. 2 a 21 onde se encontra novamente mencionado o preço unitário por quilo em Euros, o preço total em Euros e inclusivamente os dados da conta para onde o valor correspondente preço deveria ser transferido: “IBAN: PT50 … BIC|Swift: CGDIPTPL”(vide secção inferior de cada uma das faturas emitidas pela Ré à Autora). 25. É patente assim que não existia qualquer acordo de pagamento de “fruta por fruta”. 26. A acrescer, a testemunha TA, responsável pelo departamento administrativo e financeiro da Recorrente desde setembro de 2015, explicou de forma clara que a relação entre a Recorrente e a Recorrida era de importação e exportação entre as duas partes e baseava-se efetivamente numa lógica de fornecimento - pagamento em euros e não numa lógica de troca de mercadorias. 27. Isto apesar de o Tribunal ter ignorado completamente na sentença proferida as partes do respetivo depoimento que corroboram precisamente esta factualidade. 28. Vejamos então: Mandatário da Recorrente: Diga-me uma coisa Senhor Tiago, relativamente a esta relação entre as duas empresas, a Pomifrutas e a Campotec, consegue explicar um bocadinho ao Tribunal como é que começou esta relação entre as duas empresas, como é que começou, em que circunstâncias? TA: Consigo sim, a negociação de importação e exportação começou em Dezembro de 2015, foi quando chegaram os primeiros “containers” aqui para a Pomifrutas e aí ela terminou até ao final de 2017, a operação começou em final de 2015, Dezembro de 2015 e foi até Dezembro de 2017, era uma operação de compra e venda, importação e exportação das duas partes.3 (…) Meritíssimo Juiz: Portanto, a Campotec comprou frutas à Pomifrutas, não é? TA: Sim. Meritíssimo Juiz: Portanto, e … se houve faturas, mas também, a Pomifrutas também comprou à Campotec? TA: Sim, exatamente. Meritíssimo Juiz: Muito bem. Diga-me então, o que é que comprou a partir de 2017, estamos a falar disso que esteja em dívida em 2017 comprou à Pomifrutas. Diga lá que frutas é que foram e qual era o montante da encomenda, quanto é que era o acordado? TA: As frutas que foram vendidas para a Campotec eram as mesmas variedades que nós recebíamos, que era maçã “fuji” e “gala”. Meritíssimo Juiz: Compravam à Campotec maçã também? TA: Sim, a Campotec comprava maçã também. Meritíssimo Juiz: Não, estou a dizer… certo. O que estou a dizer é que a Campotec comprava maçã à Pomifrutas, foi isso que o Senhor disse não é? E o que é a Pomifrutas comprava à Campotec? TA: A Pomifrutas comprava da Campotec Maçã e eventualmente pera. Meritíssimo Juiz: Diga-me outra coisa, a Pomifrutas desde o início da relação em 2005 comprou sempre fruta à Campotec ou só começou a comprar em determinada altura? TA: Não, em 2015, apenas a Campotec enviou para a Pomifrutas. A partir de 2016 é que a Pomifrutas começou a enviar frutas para a Campotec. Meritíssimo Juiz: Portanto, então de início, a partir de Dezembro de 2015 era a Pomifrutas que comprava à Campotec? TA: As primeiras foram a Pomifrutas que comprou à Campotec. Meritíssimo Juiz: Então quando é que a Campotec começou a comprar à Pomifrutas? TA: Era assim Excelência, uma troca de épocas de safra. Então, a partir de Abril normalmente a Pomifrutas começava a vender para Campotec. No 2.º semestre começava a vir da Campotec para a Pomifrutas as exportações. Meritíssimo Juiz: Ah! portanto tinha haver com as épocas das… Portanto, no 1.º semestre era a Campotec que comprava à Pomifrutas e no 2.º semestre era Pomifrutas que comprava à Campotec, era isso? TA: Exatamente, exatamente, eram as diferenças pela safra. Meritíssimo Juiz: E tinham alguma conta–corrente? TA: Não, nunca existiu conta-corrente Meritíssimo Juiz: E como é que faziam o pagamento? TA: Era fechamento de câmbio, tanto de uma parte como da outra. A Pomifrutas fechava câmbio, pagava à Pomartec, Campotec desculpe e a Campotec fechava câmbio e pagava à Pomifrutas. Meritíssimo Juiz: Certo”. (…)Mandatário da Recorrida: Boa tarde. TA: Boa tarde. Mandatário da Recorrida: Olhe Senhor TA, o Senhor disse à pouco que não estava na reunião inicial onde se delineou, onde se arquitetou o negócio, verdade? TA: É verdade, não estava. Mandatário da Recorrida: Mas diga-me uma coisa, o negócio foi ou não foi sempre troca de maçã Brasileira por maçã Portuguesa, atendendo aos 6 meses de diferença de colheita, de safra. TA: Não, era de exportação e importação. Nesse período que o senhor está me dizendo, mas não era troca, era exportação e importação. Mandatário da Recorrida: Então, explique-me uma coisa para que é que existia uma tabela de compensação. TA: Não existia uma tabela de compensação. Mandatário da Recorrida: Não exista uma tabela de compensação a dizer que “X” caixas de maçã grande equivaliam a “X” caixas de maçã pequena? TA: Não, isso era uma tabela de equivalência, não era uma compensação, porque as frutas do Brasil é diferente das frutas de Portugal e fazia uma menção a tamanhos de maçã. Não era justo uma companhia comprar uma maçã de um calibre menor e outra maior. Existia uma tabela de equivalência. 29. A respeito desta matéria, também a testemunha GB, que prestou serviços de consultoria à Recorrente entre 2017 e 2019 esclareceu este tema no seu depoimento, declarando a final que: “Mandatário da Autora: Então quando diz “então quando diz não cumprir com as suas obrigações, as suas obrigações é: carregamento de maçã, fatura é emitida e o pagamento é efetuado, é isso? GB: Exatamente. Meritíssimo Juiz: O pagamento é efetuado em numerário ou em via de mercadoria? GB: Não, o pagamento, o fechamento do câmbio […7] os pagamentos são financeiros.” 30. É assim concludente que o negócio era efetivamente de compra e venda de frutas sendo o preço fixado em euros e não de “troca de fruta”. 31. Por seu turno, a narrativa apresentada pela Recorrida em articulação com os depoimentos prestados pelas testemunhas por si arroladas, simplesmente não tem sentido. 32. A tese da Recorrida é a de que estaríamos perante um negócio de uma pretensa troca de frutas, sendo que no âmbito desse negócio existia uma “tabela de compensação” e existiam também pagamentos de natureza “simbólica”. 33. Neste contexto, a testemunha LF, a instâncias do mandatário da Recorrente, afirmou que: Mandatário da Recorrida: Olhe diga-me uma coisa… mas o negócio foi delineado para ser troca de fruta por troca de fruta, mas chegou a haver pagamentos, ou pelo menos havia uma forma de justificar esses pagamentos. Isso era porquê? LF: “Portanto, era uma forma legal uma vez que exista faturas também para de uma forma legal e contabilística, para justificar a transação, teria também de haver pagamentos, mas esses pagamentos eram só de uma forma simbólica, no fundo não é…” 34. Contudo, a Recorrida nunca conseguiu explicar em que consistiam verdadeiramente tais pagamentos “simbólicos” e/ou de que forma eram calculados. 35. Nem poderia, porquanto tais pagamentos que a testemunha chama de “simbólicos” eram efetivamente os pagamentos devidos pela fruta fornecida. 36. A acrescer, se a referida “tabela de compensação” efetivamente existia, cumpre então indagar porque não foi a mesma junta aos presentes autos? 37. Com efeito, existindo tal tabela, a mesma constituiria prova documental e estaria certamente na posse de ambas as partes. Contudo, nem a Recorrente nem a Recorrida juntaram tal documento aos autos. 38. Aliás, neste âmbito note-se que o Artigo 393.º, n.º 1 do Código Civil é claro ao determinar que: “Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal”. 39. Assim sendo, considerando que tal “tabela” existiria por pretensa estipulação das partes através do pretenso acordo entre as mesmas e haveria de ser reduzida a escrito e provada por escrito, não pode sequer ser admitida prova testemunhal. 40. A acrescer, note-se que a Recorrente juntou aos autos em 3 de novembro de 2021 um conjunto de faturas emitidas pela Recorrida e respetivos comprovativos de pagamentos no exato valor das faturas, precisamente para demonstrar que a relação entre as partes se consubstanciava numa lógica de fornecimento de frutas – faturação – pagamento, e não numa lógica de “acertos” ou de “pagamentos simbólicos”, (seja o que for que tal efetivamente signifique). 41. Note-se que a Ré não impugnou tais documentos e admitiu que os pagamentos foram efetuados nos termos alegados. 42. Note-se também que não estamos também perante “valores simbólicos”, mas sim perante avultadas somas de dinheiro que correspondem ao valor das faturas num montante total de €231.413,10 (duzentos e trinta e um mil, quatrocentos e treze euros e dez cêntimos). 43. Como resposta a estes documentos a Recorrida afirmou que “que os pagamentos agora “revelados ” pela Autora, mais não são, que a forma de regularizar contabilisticamente, o negócio de troca de fruta, uma vez que, tal como já explicado em audiência e infra também detalhado, a troca de contentores de maçãs entre a Autora e a Ré, carecia da emissão de facturas, de forma a cumprir com as obrigações fiscais, contabilísticas e aduaneiras”. 44. Ora, tal não faz qualquer sentido. Caso assim fosse a Recorrida recebia o preço pelas faturas em euros e também em frutas. Ou seja, recebia duplamente e enriquecia sem qualquer causa. 45. A narrativa da Recorrida é assim completamente incoerente. 46. A prova documental da realização de tais pagamentos conforme fez a Recorrente vai totalmente contra a narrativa da Recorrida, bem como contra o que outras testemunhas arroladas pela Demandada disseram no sentido de que não existiam pagamentos em dinheiro. 47. Sendo que também nas aludidas faturas se encontra claramente inscrito o preço unitário de cada maçã e o preço total em Euros, bem como, as instruções necessárias para o respetivo pagamento no “IBAN: PT50 … E BIC\Swift: CGDIPTPL.,” o qual se encontra evidenciado através de transferência bancária (Docs. 22 a 29 juntos com o requerimento apresentado pela Recorrida em 23 de novembro de 2021. 48. Por outro lado, destaque-se também que em momento algum a Ré alegou nos seus articulados que o pagamento era efetuado por via da troca de frutas e não em dinheiro, realidade que desde logo consubstancia uma manifesta insuficiência da causa de pedir. 49. Pelo contrário, a Ré invoca sucessivamente a necessidade de se operar a respetiva compensação de créditos seja de forma extra judicial ou judicial. Se não, veja-se a título ilustrativo: Artigo 43.º da Contestação - “Somando assim, a compensação, em favor da Ré, o montante de €405.325,54”. Artigo 45.º da Contestação - “Compensando assim, o crédito que a Autora, detinha sobre a Ré, na mesma data e, nessa conformidade foi comunicada pela Ré à Autora a Compensação, desses créditos e, consequentemente, considerado o pagamento efetuado por essa via Docs. 33 e 34)”. Artigo 47.º da Contestação - “Foi igualmente válida e legalmente comunicado pela Ré à Autora, a Compensação de Crédito efetuada, resultante da sua falta de pagamento das faturas em causa e a existência do correspondente crédito a favor da Ré”; Artigo 48.º da Contestação - “Nos termos do artigo 847.º do Código Civil a compensação é uma forma de extinção das obrigações me que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor.” Artigo 112.º da Contestação – “A Autora não podia deixar de saber que deve à Ré, as quantias respeitantes às facturas mencionadas supra, inclusiva há mais tempo do que as facturas cujo pagamento pretende aqui reclamar…” Artigo 113.º da Contestação – “Sabe que a Ré tem créditos sobre si, que a Autora nunca pagou nem manifestou qualquer intenção de pagar” Artigo 114.º da Contestação – “Sabe que nunca pagou à Ré, as faturas anexas, que totalizam a quantia de € 405.325,45”. Artigo 115.º da Contestação – “Tem conhecimento, porque lhe foi devida e legalmente comunicada, a Compensação de Créditos efectuada”. 50. Também na carta enviada pela Recorrida à Recorrente e junta à Contestação como Doc. 34 com o assunto “Compensação de Créditos (Art.º 847ª do Código Civil)”, se encontra expressamente referido que: “Como é do vosso conhecimento existem créditos a favor da Campotec IN, sobre a POMIFRUTAS SA e POMIFRAI FRUTICULTURA SA respeitantes a facturas por liquidar, que a seguir se descriminam: POMIFRAI Fruticultura SA: N/ Factura n.º … de 26.10.2017 no montante de: 14.817,60€; N/ Factura n.º … de 26.10.2017 no montante de: 14.817,60€; N/ Factura n.º … de 26.10.2017 no montante de: 14.817,60€; N/ Factura n.º … de 27.10.2017 no montante de: 14.817,60€; N/ Factura n.º … de 23.11.2017 no montante de: 14.817,60€; N/ Factura n.º … de 26.10.2017 no montante de: 14.817,60€; Montante Total: 88.905,60 € Existem igualmente créditos, a favor da POMIFRUTAS SA, sobre a Campotec IN, respeitantes a facturas por liquidar que a seguir se descriminam: N/ Factura n.º … de 14.09.2017 no montante de: 15.876,60€; N/ Factura n.º … de 21.09.2017 no montante de: 15.876,60€; N/ Factura n.º … de 27.10.2017 no montante de: 15.876,60€; N/ Factura n.º … de 27.10.2017 no montante de: 10.318,00€; N/ Factura n.º … de 04.10.2017 no montante de: 15.876,60€; N/ Factura n.º … de 04.10.2017 no montante de: 15.876,60€; N/ Factura n.º … de 06.10.2017 no montante de: 15.779,80€; N/ Factura n.º … de 13.10.2017 no montante de: 14.817,60€; N/ Factura n.º … de 13.10.2017 no montante de: 14.817,60€; N/ Factura n.º … de 13.10.2017 no montante de: 14.817,60€; N/ Factura n.º … de 13.10.2017 no montante de: 14.817,60€; N/ Factura n.º … de 13.10.2017 no montante de: 14.817,60€; N/ Factura n.º … de 31.12.2017 no montante de: 85.079,60€; Montante total: 264.644,86 […] Pertencendo ambas as entidades, POMIFRUTAS SA e POMIFRA FRUTICULTURA SA, ao mesmo Grupo Empresarial, vem a Campotec IN, informar Vossas Exas, que procedeu à Compensação de créditos, respeitantes às facturas supra mencionadas, nos termos do artigo 847.º do Código Civil.” 51. O mesmo sucede com a carta enviada pela Ré ao Banco Daycoval com data de 1 de Fevereiro de 2018 com o título “Compensação de Créditos (Art.º 847ª do Código Civil)” (junta à Contestação como Doc. 33). 52. Resultando também da própria Reclamação de Créditos junta com a Réplica como Doc. 8 (documento não impugnado pela Recorrida 53. Ora, dito isto, cumpre perguntar: Se o acordo firmado entre as partes tivesse sido efetivamente um acordo de troca de fruta no âmbito da qual o pagamento se efetivaria com a entrega e contra-entrega dessa mesma fruta, que necessidade haveria de a Ré proceder a uma declaração de compensação de créditos vencidos e pretensamente não pagos pela Recorrente? 54. Com efeito, se tais créditos fossem ressarcidos com a contra-entrega de frutas, então não haveria qualquer crédito a compensar, nem tão pouco a Recorrente se encontrava numa situação de devedora conforme alegado pela Recorrida no Artigo 113.º da Contestação. 55. A verdade é que a alegação da Recorrida na sua Contestação não faz sentido e é contraditória entre si. 56. É assim manifesto que uma análise cuidada e ponderada só pode levar à conclusão que tanto os factos alegados como as provas produzidas são manifestamente insuficientes e até contraditórios, pelo que não podem levar à conclusão, tal como fez o Tribunal “a quo” no Artigo 11.º da Matéria Provada. 57. Pelo que tal matéria deverá ser eliminada dos Factos Provados, o que assim se requer.”. A recorrida contra-alegou dizendo que nada há a alterar relativamente ao artigo 11.º dos factos provados, dizendo, para tanto, em suma, que: “(…) 6. O TA, no seu depoimento, certamente com as indicações que tinha, (recorde-se que é funcionária da Autora), inicialmente, veio negar existir uma tabela de compensação, afirmando tratar de uma mera tabela de equivalência. 7. Porém e após reparo do Meritíssimo Juiz, que de imediato o questionou que tabela era essa, veio a testemunha a afirmar, que a tabela existe mas “se destinava a equiparar os calibres” 8. Ora, já antes, em resposta a requerimento da Autora, a Ré juntou um email, onde se pode ver que um dos destinatários, era esta testemunha TA e onde se pode ler, nomeadamente, “Os kg de fruta enviados pelas partes são transformados em kg padrão segundo a tabela anexa, onde entra a linha de conta a Espécie(maça, pera) o calibre e o tipo de embalamento. Criar uma conta corrente entre as empresas dos kg enviados \ recebidos, onde a referência é o KG Padrão.” 9. “Criar uma conta corrente entre as empresas referente à faturação de forma a podermos “zerar” em momento a acordar de forma a não gerar nem Mais nem Menos Valias contabilísticas de forma a não termos lucros ou prejuízos com a operação de facturamento. a. Criar uma conta corrente dos pagamentos de forma a controlar a quantidade de Euros a circular quer num sentido quer noutro, pois a quantidade de Euros terá de ser a mesma nos 2 sentidos de forma a “zerar” este circuito financeiro.” 10.É, por isso, completamente impossível que a testemunha desconhecesse a função da tabela, que aliás se anexou ao referido email. 11.Mentiu ao tribunal. 12.Como aliás resulta da transcrição do depoimento do mesmo e constante da douta sentença: 13.“Havia uma tabela de equivalência entre as maçãs, porque a maçã portuguesa era diferente da maça brasileira, quanto ao calibre. A tabela de equivalência entre o calibre das maças era uma tabela de referência para apurar do valor. Os 180 dias de vencimento das faturas corresponde à diferença entre a safra no Brasil e a safra em Portugal (6 meses). 14.Assim como a Autora procura iludir o douto Tribunal ao afirmar que tal tabela nunca foi apresentada pela Ré. 15.Foi! 16.Desde logo, consta do referido email, entregue nos autos! 17.Aliás, a testemunha da Autora, GA, confirma igualmente a versão da Ré e, desmente em absoluto a afirmação da testemunha TA, não só quanto à função da tabela, mas também quanto ao alegado desconhecimento deste. 18.A testemunha GB, afirma também, que o prazo de 180 dias para o vencimento das facturas, se destina a fazer coincidir com as diferentes safras. 19.Confessa que a tabela de compensação se destina a “zerar” as contas e perguntado se tal “zeramento” se fazia com maçãs respondeu que sim! 20.Explicou que, a tabela se destinava a equilibrar os diferentes envios, dando o exemplo: “se fossem enviados 3 contentores de maçã de calibre médio, seriam recebidos 5 de maçã de calibre pequeno ou 2 de calibre grande de acordo com a tabela de equivalência.” 21.Questionado, posteriormente, pelo ilustre mandatário da Autora, após responder ao aqui mandatário da Ré, numa tentativa de esconder o óbvio, veio contradizer-se, o que o Meritíssimo Juiz não deixou passar em claro, tendo-lhe perguntado então que tabela era, a testemunha acabou por confessar novamente, que se destinava a fazer essa mesma equivalência entre calibres recebidos e enviados, de forma “a zerar” a conta-corrente entre a Autora e Ré respeitante ao negocio de troca de fruta”. 22.Consta da douta sentença a seguinte transcrição deste testemunho: 23.Veio a Portugal visita as instalações das Campotec. No 2º semestre de 2017 houve fornecimentos da ré à autora. A operação que estava em andamento tinha o prazo de faturação de 180 dias de ambas as partes. Existia uma tabela de equivalência entre os calibres (tamanhos) segundo um padrão de classificação Brasil – Portugal. Determinada maçã portuguesa equivalia a determinado calibre da brasileira e vice-versa. A negociação era de fazer a compra de fruta em função da safra. A operação deveria ser “zerada”. Era preciso de fazer a equivalência de volumes. No final haveria um saldo de uma ou de outra a receber, mas na realidade não haveria desembolso. Até ao vencimento de 180 dias já se teria iniciado um novo período de safra e assim a operação ficava “zerada”. Sublinhado nosso. 24.A Autora refere-se ainda ao testemunho de LF, uma vez mais descontextualizado. 25.Querendo a Autora fazer crer ao Douto tribunal que “a Recorrida nunca conseguiu explicar em que consistiam verdadeiramente tais pagamentos “simbólicos” e/ou de que forma eram calculados. (...). 26.Uma vez mais a realidade desmente a Autora: 27.A testemunha LF, foi claro no seu depoimento: a. “O negócio consistia na troca de fruta!” b. “Existia uma tabela de equivalências que permitia equilibrar as trocas existentes entre as duas empresas” c. “A tabela era para equilibrar os valores, não era para determinar se os calibres brasileiros eram em centímetros ou milímetros, não tinha nada a ver com isso” d. “Existiam pagamentos porque eram uma forma legal e contabilística de justificar a transação, porque existiam facturas” e. “Esses pagamentos eram de uma forma simbólica, o que valia mesmo era a fruta ser equivalente à que ia para lá e a que vinha para cá!” f. “Cheguei a ir ao Brasil assisti a reuniões lá e cá também. O negócio consistiu sempre na troca de fruta e não na compra e venda” 28.A instâncias do Meritíssimo Juiz, a testemunha explicou ainda: a. “As maçãs vinham e para acompanhar a mercadoria vinha uma factura para justificar de forma legal a transação. Essa factura que vinha era sempre valorizada ao mesmo preço, independentemente do valor da fruta que vinha” b. “O que se equiparava ao que vinha para cá ou ia para lá, era através dessa tabela” c. “A factura era sempre feita por um valor, no fundo, simbólico, era sempre praticamente o mesmo valor” d. “Houve pagamentos para acerto de contas, mas o que pagava a fruta que vinha, era a fruta que ia, não era o dinheiro!” e. “A fruta vencia-se passados seis meses que era a altura que nós mandávamos para lá a nossa fruta” f. “A forma de quitação seria com a nossa fruta!” 29. Voltando ainda a confirmar, interrogado pelo mandatário da Ré: a. “A factura era um formalismo legal” b. Facturava-se a 0,50€, viesse o que viesse!” c. “Não há factura nenhuma que diga que foi facturada a fruta que veio, o real valor” d. “No final, percebendo que o negócio não ia ter futuro e como a fruta enviada equivalia à fruta recebida, quisemos acertar as contas e zeramos as contas uma vez que os saldos eram equivalentes” e. As contas estavam saldadas e não se reclamou para o processo de insolvência da Pomifrutas, senão uma pequena quantia” 30.Questionada pelo ilustre mandatário da Autora explicou também: “quando eu pago uma factura que não corresponde ao valor efectivamente transacionado estamos a fazer um pagamento simbólico” 31.Novamente a instâncias do Meritíssimo Juiz, a testemunha LF, explicou ainda: a. “recebíamos fruta no primeiro semestre e passados 180 dias mandávamos fruta para lá também, equivalente” 32.Perguntado pelo Meritíssimo Juiz como superavam contabilisticamente os valores facturados a testemunha esclareceu. a. “nós recebíamos um pagamento deles e fazíamos um pagamento igual. O valor das maças esse era equiparado pela tabela” b. “efectivamente mandávamos dinheiro das facturas mas as facturas não correspondiam ao valor das maçãs!” c. “O valor das facturas foi um valor acordado, que era sempre igual, 0,50€ o quilo!” d. “Cada contentor tinha obrigatoriamente de ser acompanhado de uma factura” e. Se um contentor trouxesse 20 toneladas de fruta fazia-se uma factura de 0,50€ por quilo, independentemente se essas maças valessem mais ou menos” 33. Confrontada com valores finais diferentes entre várias facturas, explicou (tal como aliás consta das mesmas): a. “Isso se deve aos diferentes pesos totais, o valor unitário era sempre igual 0,50€ quilo!” 34.Constando da douta sentença a seguinte transcrição deste testemunho: 35.“Para justificar a importação/exportação havia faturas, mas que importava era a fruta ser equivalente. Havia pagamentos, mas apenas para acertar as contas. Daí o prazo de vencimento de 6 meses, o preço da fruta que tinha sido recebida era pago com a fruta que era enviada. Fizeram uma compensação final para fechar o negócio, “zeraram” o saldo das faturas existentes e terminaram o negócio. Por isso só se reclamou um saldo pequeno porque fizeram essa compensação. Os 180 dias tinha a ver com as colheitas.” 36. Tendo ainda de considerar-se (…) o depoimento de CR, empresário do imobiliário e agrícola, e do qual consta a seguinte transcrição na douta sentença: 37.“(...) Foi um dos responsáveis pela ideia de fazer a troca de produtos entre a autora e a ré. A troca é um sistema usado para países com volatilidade de câmbios, como é o caso do Brasil. A autora e a Pomifrai pertenciam a um fundo. Reuniu-se com o presidente desse fundo. Surgiu a ideia de fazer a troca nos 2 hemisférios, que forneciam fruta um ao outro quando o preço da fruta é mais caro porque mais rara. Mas o Brasil tinha uma moeda muito volátil e por isso surgiu a ideia da troca. Ambas tinham a vantagem. Recebiam a fruta quando não a produziam e não tinham o risco de câmbio. Funcionou bem ao princípio. Começou a haver problemas em 2017 com as fazendas, que já não pertenciam à autora. Tiveram dificuldades de comprar fruta, começaram a deixar de pagar aos fornecedores. Em final de 2017 quiseram fazer as contas pois já tinham problemas de relação com os fornecedores locais. Os créditos da Pomartec – empresa brasileira da ré – não foram saldados. Os pagamentos eram meros acertos.” 38. Assim como tem clara relevância o testemunho, de SC, agrónoma e que a douta sentença igualmente transcreve o seu depoimento: 39. “Foi ao Brasil várias vezes, nomeadamente a Fraiburgo, à sede da autora. O negócio acordado entre ambas era trocar fruta. A fruta de cá era paga com a de lá e vice-versa. Havia uma tabela de conversão para fazer equivaler a fruta.” 40. E, apesar de nenhumas duvidas restarem, sublinhe-se ainda que a douta sentença transcreve também o testemunho de CN: 41. “É administrador de um grupo que vende frutas para a ré, a Pomartec. Conhece há 14 anos, têm sócios em comum. Conhece a autora por causa das relações comerciais com a ré. Esteve presente numa reunião para estabelecer o acordo de intercâmbio de frutas entre a A e R. Uma enviava frutas para a outra em função da época, compensando-se o valor de venda com o de compra. Havia um padrão de qualidade estabelecido com uma tabela de correspondência entre o calibre das frutas, em função da qualidade e do tamanho. No final do primeiro trimestre de 2016 a autora enviou a primeira fruta e depois a ré enviou. A safra brasileira é nos primeiros meses do ano e a portuguesa nos últimos. O negócio desde o início era de troca de fruta. Não havia pagamentos.” (…). 46.Ora a Autora não consegue nunca explicar se isso fosse verdade e não é, porque razão toda a fruta é facturada ao mesmo preço(?!) 47. A razão é óbvia e resulta de todos os testemunhos: 48. As facturas destinavam-se apenas a dar suporte contabilístico e fiscal, aos envios de fruta e não ao pagamento de fruta pelo preço real da mesma (…). 51. A tabela que a Autora quer fazer crer que não existe, não só foi junta aos autos como foi referida por todas as testemunhas! 52. Alega a Autora que,” em momento algum a Ré alegou nos seus articulados que o pagamento era efetuado por via da troca de frutas e não em dinheiro, realidade que desde logo consubstancia uma manifesta insuficiência da causa de pedir.” 53. Tal alegação, além de falsa, nenhum efeito jurídico acarreta. 54.A verdade, ao contrário do que a Autora afirma, é que a Ré afirmou “ab Initio” na sua Contestação, (cf. parágrafo 28 do articulado da Contestação) o negócio acordado entre a Autora e a Ré se traduzia na troca de fruta, produzida pelos associados em Portugal da Ré e fruta produzida no Brasil pela Autora, (ainda que facturadas separadamente, por razões contabilísticas e fiscais, conforme as testemunhas esclareceram). 55. Ora, a verdade é que, resultou provado ao longo das sessões de julgamento, pelo testemunho de todos, que o negócio inicial, foi sempre um negócio cujo pagamento das mercadorias transaccionadas entre ambas as partes, seria efectuado com recurso à compensação. 56. Nunca esteve na origem do negócio, nem na vontade dos contratantes, efectuar um negócio de compra e venda de fruta, na forma tradicional e singela, mas sim um negócio de troca de fruta. 57. Desde início do contrato, que o pagamento para ambas as partes ficou determinado ser efectuado através de compensação mútua, com a fruta produzida por ambas as partes (…)”. O referido ponto 11.º dos factos provados contém a seguinte redação: “Entre a Ré e Autora foram efetuadas várias trocas de maçãs que produziam, nos termos descritos supra em 3 e 4, sendo o pagamento da maçã fornecida pela Autora à Ré efetuado com fornecimentos de maçã da Ré à Autora, e vice-versa, assim se operando a troca”. O Tribunal recorrido explanou a seguinte motivação para a formação da sua convicção sobre tal factualidade: “Quanto ao facto 11, já estava parcialmente provado por acordo quanto à troca de fruta. No que respeita especificamente ao pagamento, resultou dos depoimentos de TA 3, GB 4, LF 5, SC 6, CR 7 e CN 8.” Nas notas de rodapé a que se reporta o trecho transcrito, o Tribunal recorrido referencia diversos aspetos dos depoimentos de cada uma das testemunhas que identifica, que se acham em plena compatibilidade com o teor dos depoimentos em questão, cuja audição integral foi realizada por este Tribunal de recurso. Contudo, o Tribunal recorrido extraiu a seguinte conclusão em face dos mencionados depoimentos: “Estas testemunhas foram unânimes na afirmação de que a fruta que era fornecida reciprocamente pela autora e pela ré era paga com a era recebida, de tal forma que até havia uma tabela de equivalência entre a fruta (e tal tabela apenas faz sentido exatamente para apurar do valor da fruta para efeitos de troca, fazendo equivaler o valor de uma qualidade ao valor de outra). Fizeram depoimentos absolutamente credíveis, porque circunstanciados e pormenorizados, tendo, inclusivamente, explicado o porquê de tal sistema. Aliás, essa forma de pagamento através da troca de fruta, no quadro negocial acordado pelas partes (e que resultava desde logo do alegado pela autora e que consta dos números 3 e 4 dos factos provados), era a que, de forma óbvia, fazia sentido (…)”. Ora, neste ponto, TA foi inequívoco em referir que o negócio entabulado entre autora e ré foi de “compra e venda, com importações e exportações” recíprocas entre as duas partes, conforme decorre, aliás, do trecho de respetivo depoimento transcrito pela recorrente. Esclareceu que, em 2015, apenas a ré enviou fruta à autora, sendo esta a compradora, referenciando que não se tratou de uma troca entre as duas empresas. Mais referiu que existia uma “tabela de equivalência”, apenas reportando o tipo de fruta, apenas para servir de “base”. Não se mostra que o referido depoimento tenha sido toldado por alguma falta de objetividade, por algum interesse específico ou demonstrativo de corresponder a alguma instrução da autora no sentido por si afirmado. O facto de o referido depoente ser um dos destinatários do email de 03-07-2017 junto aos autos, não altera o referido, uma vez que, não permite retratar como se processavam as “trocas comerciais” até então, permitindo até supor que, face tal email – referenciado a reunião ocorrida no final de junho de 2017 entre as partes – foi uma forma de “rever os princípios e mecanismos da parceria”, revisão que, necessariamente, implicou alguma alteração com a situação precedentemente existente… GB, de forma concordante, referenciou que existia uma “tabela de equivalência”, reportando os vários tamanhos de frutas entre Brasil e Portugal. Referiu que as faturas tinham que pagas, ocorrendo pagamentos financeiros, havendo desembolso, muito embora, mencionasse que “como vou receber a sua carga, tenho o dinheiro para lhe pagar com a sua fruta, mas há que fazer os pagamentos financeiros”. Para além disso, em cada carregamento de fruta havia emissão de fatura – cfr., desde logo, os documentos 3 a 16 juntos com a petição inicial – mencionando os “bins” ou caixas com a fruta, o peso total respetivo, a descrição, o preço unitário, o prazo de pagamento e o preço total. Também nas faturas juntas pela recorrida, como respeitantes a aquisições da autora – cfr. documentos de fls. 81 a 87 – se encontra o peso, o n.º de caixas, o total de paletes, a tipo de fruta, o respetivo peso, a quantidade faturada, o preço unitário e o respetivo valor faturado, bem como, os dados da conta bancária para onde o valor correspondente do preço deveria ser satisfeito. Mas, tais pagamentos – afastando uma mera troca de bem por bem - mostram-se inequívocos em face dos documentos constantes de fls. 258 a 272, juntos pela autora em audiência, que titulam pagamentos de faturas realizados pela autora à ré, mediante transferências dos correspondentes montantes (v.g., €42.613,63 em abril de 2017; €63.209,00 e €51.309,00 em maio de 2017; €10.119,00, €10.221,00 e €10.327,50 em julho de 2017). Ora, estes elementos probatórios parecem-nos afastar a versão apresentada, desde logo, por LF, o qual, embora caraterizando o negócio entre ambas as partes como um “negócio de troca de fruta”, referiu que existiam faturas de forma legal e para justificar a transação, mas também admitiu que existiam pagamentos, os quais, contudo, procurou – sem explicação plausível – reputar como “simbólicos”. Tal reputação (o simbolismo dos valores de pagamentos) contradiz os valores – na ordem de dezenas de milhares de euros - elevados dos pagamentos efetuados, pelo menos, comprovados em face do que consta dos documentos juntos pela autora em audiência e supra aludidos. Por outro lado, LF referiu que a fruta era valorizada ao mesmo preço, sendo que o que se equiparava era a fruta com a tabela de equivalência que referiu que existia e cuja função era “equilibrar as trocas”. Acabou por referenciar que o pagamento era a 180 dias, com a função de “quitar com a outra fruta”. Nesta tese – sem, contudo, corroborar os aludidos pagamentos “simbólicos” - alinhou CN dizendo que “havia faturas”, mas que tal era “uma questão fiscal”, sendo que o negócio era “fruta contra fruta”. SC fez semelhante caraterização das trocas, muito embora referisse desconhecer se havia faturas ou pagamentos. CR explicou que a razão que presidiu ao negócio foi a de evitar a instabilidade cambial que o real apresentava, o que só poderia ser suprido com equivalências do produto, mencionando, todavia, que o “dinheiro só existia, porque têm que ser contabilizados” os fornecimentos e “para equilibrar”! O depoimento de GP, neste ponto, nenhum contributo relevante, para o apuramento desta factualidade, deu. Importa evidenciar que, desde logo, as faturas emitidas pela ré não corroboram a versão das testemunhas arroladas pela ré, designadamente, LF, no sentido de que o valor do Kilo de fruta era o mesmo entre autora e ré: Na realidade, se nas faturas de fls. 12vº a 33, emitidas pela autora, consta o preço unitário de €0,50/Kg., já nas faturas emitidas pela ré, tal preço unitário é variável (€0,75, €0,70 ou €0,50/Kg. - cfr. fls. 81 a 87 dos autos), não existindo correspondência idêntica com o valor unitário do produto fornecido pela contraparte, o que coloca em crise a ausência de finalidade lucrativa, ou de relevância do preço, no negócio entabulado entre autora e ré. Mas, para além disso, importa ter em conta que, na carta de 2018 (erradamente nela escrita a data de 22-01-2017), constante de fls. 97-98 dos autos, a ré vem invocar deter diversos créditos referentes a faturas sobre a Pomifrutas e Pomifrai, aspeto que, num mero quadro de troca de fruta, em que o pagamento da adquirida fosse efetuado com a troca da fornecida, não teria qualquer plausibilidade, dado que não teria que ter lugar, assim como a compensação pretendida exercer por tal via dos créditos – e não da fruta – que invocadamente detinha sobre a contraparte. Para além destes aspetos, outros elementos documentais constantes dos autos, inculcam no sentido de que os fornecimentos não se resumiam a uma mera troca de fruta por fruta (maças por maças, sendo certo que, desde logo, era fornecido outro tipo de fruta – cfr. facto provado n.º 3), e, bem assim, que se possa concluir que o pagamento da maça fornecida pela autora à ré fosse efetuado com fornecimentos de maça da ré à autora e vice-versa, mas antes que, no desenvolvimento da parceria estabelecida entre autora e ré, cujos contornos visavam “alinhar” as atividades de ambas as empresas, de acordo com os respetivos ciclos produtivos de fruta, em Portugal e no Brasil, os pagamentos do preço da fruta fornecida eram elemento essencial. Disso mesmo se dá conta, em julho 2017, na correspondência trocada entre as partes – cfr. e-mail, datado de 03-07-2017, remetido por LF, no qual se lê, nomeadamente, o seguinte: “(…) Na sequência da reunião do dia 27/06/2017 na Campotec com a presença de: LTFaturas JS LF MK GB Foram revistos os princípios e mecanismos da parceria entre a Campotec e a Pomifrutas no que diz respeito a troca de fruta, assim foram acordados os seguintes princípios: 1. Os kg. de fruta enviados pelas partes são transformados em kg padrão segundo a tabela anexa, onde entra a linha de conta a Espécie (maçã, pêra) o calibre e o tipo de embalamento. Criar uma conta corrente entre as empresas dos kg enviados\recebidos, onde a referência é o KG Padrão. (…) 3. Faturar todos os kg enviados: a. Fruta em bins 0,50€ (vamos ter de rever este valor. Pelo menos no sentido Pomifrutas\Campotec neste ano o valor a baixo do que se paga imposto foi 0.60€) b. Fruta embalada 1,00€ c. Estas faturas vencem 180 dias após a sua emissão. 4. Criar uma conta corrente entre as empresas referente à faturação de forma a podermos “zerar” em momento a acordar de forma a não gerar nem Mais nem Menos Valias contabilísticas de forma a não termos lucros ou prejuízos com a operação de facturamento. 5. Criar uma conta corrente dos pagamentos de forma a controlar a quantidade de Euros a circular quer num sentido quer noutro, pois a quantidade de Euros terá de ser a mesma nos 2 sentidos de forma a “zerar” este circuito financeiro. 6. Os custos do transporte da fruta serão suportados pela entidade que envia a fruta até ao porto de destino (CIF), a partir daí todos os encargos alfandegários e impostos serão da responsabilidade da entidade recetora da fruta. 7. Criar uma conta corrente de despesas extra circuito, nomeadamente despesas suportadas por uma entidade quando estas sejam da responsabilidade da outra. Esta conta corrente pode ser “zerada” com recurso a diversas modalidades, nomeadamente pelo suporte de despesas por uma entidade quando pelas regras do acordo seria pela outra entidade, (Ex. custo de containers) (…) 10. Saldo vencido e em dívida pela Pomifrutas, foi redefinido novas datas de pagamento, ficando acordado as seguintes: (…) 11. A Campotec reiterou o desconforto quanto à situação da Maça e da Ameixa da Pomartec entregues na Pomifrutas e uma vez que a Pomifrutas não cumpriu o acordado relativamente a estes 2 temas no que diz respeito aos pagamentos (…)”. Note-se que, aliás, nesta data, já tinham ocorrido fornecimentos e que não se tratava da primeira “disciplina” de fornecimento, mas antes de uma “revisão dos princípios e mecanismos da parceria” entabulada, e havia inclusive saldo – pecuniário (e, não de fruta!) - vencido para acertar. Para além disso, a mera existência de uma “tabela” de Kg. padrão, mencionada na dita correspondência de 03-07-2017 – que visaria, decerto, procurar “zerar” os fluxos financeiros entre as empresas, certo é que, não permite concluir no sentido de que os pagamentos não tinham lugar (mesmo nos carregamentos de fruta ulteriores a tal email) e que a compensação do fornecimento de fruta, se faria com o fornecimento de outra fruta pela contraparte. Decorre, aliás, da aludida correspondência – ponto 4 - que a função de existir um controlo nos fornecimentos era a possibilidade de “zerar” a faturação em momento a acordar, por forma a não gerar mais/menos valias entre as partes, ou seja, que uma delas não tivesse lucros ou prejuízos – certamente objeto de incidência fiscal – mas, para além dessa função, não se retira qualquer relevo ao preço da fruta fornecida que, tinha lugar e era elemento de referência, de faturação e objeto de pagamento, de acordo com os fornecimentos ocorridos. Aliás, bem se compreende, atento o enquadramento fiscal das partes, que os fornecimentos fossem acompanhados da emissão da faturação e do correspondente pagamento. Em face de tudo o exposto, não se encontra, pois, sustentáculo probatório para dar como provada a matéria que consta do ponto 11.º dos factos provados. Em consequência, deve eliminar-se tal ponto 11.º dos factos provados. * E) Se os artigos 12.º e 13.º dos factos provados devem ser alterados para a seguinte redação: “12. No desenvolvimento dessa relação comercial foram fornecidas pela Ré à Autora frutas, tendo sido emitidas as respetivas faturas, no montante de 179.565,80€.” “13. Tal crédito foi reconhecido à Ré no processo de recuperação da Autora e da Pomifrai – Fruticultura, S.A. no respetivo valor de € 179.565,80 sobre a Autora, sendo que sobre a Pomifrai – Fruticultura, S.A. foi reconhecido um crédito de € 88.905,60”? Considera ainda a recorrente que a redação dos artigos 12.º e 13.º dos factos provados deve ser alterada nos termos que menciona, tendo alegado, para tanto, o seguinte: “(…) 61. O tribunal “a quo” considerou como provado nos Artigos 12.º e 13.º da Matéria Provada os seguintes factos: “12. No desenvolvimento dessa relação comercial foram fornecidas pela Ré à Autora frutas, tendo sido emitidas as respetivas faturas, no montante de 268.471,40€”. “13. Tal crédito foi reconhecido à Ré no processo de recuperação da Autora, conforme consta da lista de fls. 138 e segs., mais especificamente a fls. 143.”. 62. Contudo, tal decisão não tem correspondência com a prova produzida. 63. A presente matéria reveste-se de particular importância porquanto o Tribunal “a quo”, de forma manifestamente incorreta, considerou a existência de créditos detidos pela Recorrida sobre uma empresa terceira aos presentes autos - a Pomifrai - Fruticultura, S.A. - como se fossem créditos detidos sobre a aqui Recorrente, incorrendo assim num erro manifesto de apreciação de prova. Vejamos então: 64. Começando pelo Artigo 12.º da matéria provada, destaque-se que o Tribunal “a quo”, na sua fundamentação a respeito da decisão da matéria de facto, referiu apenas que a factualidade subjacente a este artigo “já se encontrava assente por acordo das Partes”. 65. Ora, sucede que tal é manifestamente falso. 66. Com efeito, o Tribunal “a quo” quando se refere a um suposto “acordo” estará certamente a referir-se à fixação da matéria assente constante da acta da Audiência Prévia que se realizou no dia 11 de Novembro de 2020 e da qual consta que “c) A Ré é credora da Autora em virtude de fornecimentos que lhe fez no montante de 268.471,40€”. 67. Ora sucede que, conforme consta dessa mesma acta, a Recorrente prontamente apresentou Reclamação da fixação deste ponto como constante da matéria assente uma vez que no valor supra referido encontram-se créditos que são efetivamente detidos pela Recorrida mas sobre a Pomifrai - Fruticultura, S.A. também ela parte no processo de recuperação, mas sendo uma sociedade comercial distinta da Recorrente. 68. Reclamação essa que foi indeferida pelo Tribunal “a quo” sem qualquer fundamento válido, mesmo após a Recorrida não ter apresentado qualquer resposta à argumentação aduzida pela Recorrente na sua reclamação, porquanto sabe que tais créditos são detidos sobre a Pomifrai e não sobre a aqui Recorrente. 69. Na sua fundamentação, o Tribunal “a quo” referiu que tal valor foi aceite pela Recorrente na Réplica apresentada, em concreto, nos Artigos 22.º, 24.º e 27.º. 70. Contudo, o Tribunal “a quo” ignora por completo a factualidade vertida no Artigo 23.º da mesma Réplica, o qual especifica que no valor reconhecido à Recorrida no processo de recuperação encontram-se créditos detidos sobre a Pomifrai – Fruticultura, S.A., também ela parte no processo de recuperação, mas sociedade distinta da Recorrente. Reiterando-se, tal como ali alegado no Artigo 23.º, que tais créditos são os seguintes: CRÉDITOS DETIDOS PELA RECORRIDA SOBRE A POMIFRAI – FRUTICULTURA, S.A. Número da fatura Data Valor (€) FT …/… 26.10.2017 14.817,60 FT …/… 26.10.2017 14.817,60 FT …/… 26.10.2017 14.817,60 FT …/… 27.10.2017 14.817,60 FT …/… 23.11.2017 14.817,60 FT …/… 23.11.2017 14.817,60 TOTAL: € 88.905,60 71. Ou seja, se tais créditos são na verdade sobre a referida Pomifrai – Fruticultura, S.A., não poderiam obviamente ser “aceites” pela aqui Recorrente conforme considerado na sentença proferida pelo Tribunal “a quo”. 72. Conclusão essa que se impera após uma leitura da Réplica (em particular os artigos 22.º a 27.º) e dos documentos juntos pela Recorrida com a sua Contestação. 73. Na verdade, tal decorre de forma inequívoca de todos os elementos de prova que foram produzidos no presente processo, não só em sede de articulados mas também em sede de julgamento. 74. Basta uma simples leitura das faturas juntas pela própria Ré com a Contestação para se chegar a esta conclusão sendo que ali se encontram as faturas em causa emitidas à Pomifrai - Fruticultura, S.A. e não à Recorrente. 75. A este respeito leia-se o segmento final dos Docs. 2 a 20 juntos com a Contestação (de entre os quais, apesar de não se encontrarem numerados pela Recorrida, se presumem ser os Docs. 15, 16, 17, 18, 19 e 20) onde se encontra escrito claramente o nome Pomifrai – Fruticultura, S.A. nas faturas FT 2017A1/14619, FT 2017A1/14620, FT 2017A1/14621, FT 2017A1/14683, FT 2017A1/16089 e FT 2017A1/16090. 76. Destaque-se também que a Pomifrai surge nessas faturas com o n.º de contribuinte 86.548.815/0001-25 enquanto que o n.º de contribuinte da Recorrente é o 86.550.951/0014-74. Estamos assim perante duas sociedades diferentes. 77. De resto, dúvidas houvesse - apesar de tal ser absolutamente claro nos documentos supra referidos, note-se que o Senhor LJ, o qual foi nomeado Administrador Judicial no processo de recuperação da Autora confirmou a Recorrente e a Pomifrai são efetivamente duas empresas distintas e que se encontram ambas atualmente em recuperação no âmbito do mesmo processo. A este respeito referiu: Meritíssimo Juiz: Está aqui dito portanto que o Senhor é administrador, aqui, foi nomeado pelo Tribunal administrador da Pomifrutas, é isso? LJ: Perfeitamente Excelência. Para ser mais preciso, o processo envolve duas empresas, a Pomifrutas e a Pomifrai, o processo é conjunto. Meritíssimo Juiz: E é administrador de ambas não é? LJ: Exatamente. 78. A acrescer, no que respeita a quais as faturas / créditos seriam detidos pela Recorrida sobre a Recorrente ou sobre a Pomifrai esclareceu que: Meritíssimo Juiz: Então Senhor… quantas faturas da Pomifrai tem aí que somem este valor que indicou que somem este valor de €88.905,60? Quantas faturas é que são? LJ: Perfeitamente Doutor, são 6 faturas, meia dúzia, todas elas em valores iguais, tudo no mesmo valor de €14.817,60. Meritíssimo Juiz: Catorze mil… Desculpe lá…? Catorze mil…? LJ: € 14.817,60. Meritíssimo Juiz: 6 faturas neste valor, sim senhor. Pronto, já está dito. Isto já identifica as faturas. Mandatário da Recorrente: Mas já que perguntámos, podemos perguntar o número? Meritíssimo Juiz: Não! Temos o valor. São todas deste valor… de certeza que não haverão outras faturas. Mandatário da Recorrente: Eu não sei se existem outras faturas no mesmo valor, não faço ideia. Podem existir cinco, podem existir dez… Não sei… Basta perguntar o número. Meritíssimo Juiz: Então diga lá o número das faturas, se faz favor. LJ: Perfeitamente, vou dizer em ordem numérica crescente: 14619, 14620, 14621, 1466316, 16089, 16090. 79. Sendo que a conjugação deste depoimento com uma nova leitura dos Docs. 15, 16, 17, 18, 19 e 20 juntos com a Contestação leva novamente à conclusão que estamos a falar de faturas emitidas à referida Pomifrai – Fruticultura, S.A. e não à Recorrente, pelo que não são créditos sobre esta última e nessa medida não podem ser considerados no presente processo. 80. Neste contexto aproveite-se para esclarecer que o Senhor LJ não é “Administrador da Autora” (conforme referido na página 12 da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” certamente por lapso…), mas é sim o Administrador Judicial encarregue do processo de recuperação da Autora e da Pomifrai – Fruticultura, S.A. com total conhecimento direto do mesmo. 81. Também a testemunha TA esclareceu a respeito desta matéria que: Mandatário da Recorrente: Oh Tiago, eu queria também.. o Senhor disse que era responsável pela contabilidade, eu queria que me esclarecesse por favor se as seguintes faturas que eu vou referir que foram emitidas pela Campotec, se foram emitidas à Pomifrutas, ok? E as faturas são as seguintes 14169, 14620, 14621, 14683, perdão, 16089, 16090. Isto é tudo “/2017A1. Estas faturas foram emitidas a quem? TA: Pomifrai Fruticultura. Mandatário da Recorrente: Não foi à Pomifrutas? TA: Não foi à Pomifrutas. Mandatário da Recorrente: Não consta da contabilidade, não é um débito da Pomifrutas, ou um alegado débito da Pomifrutas? TA: Não, não é. Mandatário da Recorrente: Ok. Quais é que são os valores destas faturas, tem? Só para esclarecer o Tribunal… para não achar que estamos a falar de.. TA: Cada uma destas faturas o valor é de €14.817,60. 82. De resto, reitera-se, em momento algum a Recorrida contestou esta factualidade, seja em sede de articulados escritos, em sede de resposta à reclamação deduzida pela Recorrente em audiência prévia, em sede de produção de prova, ou mesmo em sede de alegações finais. 83. Nem poderia fazê-lo, pois sabe bem que são créditos detidos sobre uma empresa terceira aos presentes autos, e nessa medida, não podem ser contabilizados para efeitos de apuramento de uma pretensa “compensação”. 84. Caso o fizesse incorreria em litigância de má-fé por negação de facto próprio cuja verdade não pode desconhecer, o que aliás já o fez ao pedir o pagamento de tais faturas à Recorrente e não à Pomifrai. 85. Face ao exposto, a redação do Artigo 12.º dos Factos Provados deve ser alterada de modo a que reflita o valor faturado e efetivamente correspondente aos fornecimentos de fruta efetuadas pela Recorrida à Recorrente. 86. Assim, subtraindo os supra referidos €88.905,60 correspondente aos créditos da Recorrida sobre a Pomifrai – Fruticultura, S.A. dos €268.471,40 considerados pelo Tribunal “a quo” como provados chegamos ao resultado de €179.565,80 (cento e setenta e nove mil, quinhentos e sessenta e cinco euros e oitenta cêntimos). 87. O Artigo 12.º deve assim ser reformulado passando a ter a seguinte redação: “No desenvolvimento dessa relação comercial foram fornecidas pela Ré à Autora frutas, tendo sido emitidas as respetivas faturas, no montante de 179.565,80€.” 88. Consequentemente, o Artigo 13.º da matéria de facto provada também deve ser reformulado. 89. Com efeito, contrariamente ao que se encontra plasmado na sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, o valor reconhecido à Recorrida no processo de recuperação da Recorrente apesar de ter sido no montante de € 268.471,40, tal montante deve ser distribuído entre a Recorrente a Pomifrai – Fruticultura, S.A. nos seguintes termos: - €179.565,80€ sobre a Recorrente; - €88.905,60 sobre a sua participada Pomifrai – Fruticultura, S.A. 90. Isso mesmo resulta de forma clara dos Docs. 9, 10 e 11 juntos com a Réplica em conjugação com as faturas já referidas e juntas com a Contestação e com o depoimento prestado pelo Senhor Administrador Judicial LJ, o qual explicou qual o crédito da Recorrida sobre cada sociedade, bem como, os fundamentos subjacentes ao reconhecimento individualizado dos mesmos no processo de recuperação: Meritíssimo Juiz: Então já agora, tem presente aí qual é, qual foi, já agora que falou nisso, tem presente qual foi crédito reconhecido no processo de insolvência à Campotec. LJ: Perfeitamente. Tenho o relatório aqui na minha mão. Vou fazer apenas um breve arrazoado. Aquando do pedido da recuperação judicial existia um crédito em favor, um crédito Pomifrutas, S.A. em favor da Campotec no montante de €169.247,80. Meritíssimo Juiz: €469.000,00? LJ: €169.247,80. Meritíssimo Juiz: E em relação à 2.ª empresa, a Pomifrai Fruticultura tínhamos mais €88.905,60. Isso perfazendo um montante portanto de €258.153,48. Posteriormente a Campotec apresentou na fase de revisão administrativa dos créditos da recuperação judicial, apresentou diretamente a mim, ao abrigo da legislação Brasileira, uma discordância em relação aos seus créditos e em relação aos itens que discordaram eu concordei em acrescer o crédito da Pomifrutas, S.A. uma fatura que não havia sido considerada pela empresa inicialmente no valor de mais €10.318,00. LJ: Portanto, o crédito recusado consta do quadro… Meritíssimo Juiz: Dez mil trezentos e…? LJ: € 10.318,00. Esse crédito… Meritíssimo Juiz: Portanto, então o crédito é os €169.247,80… depois mais os € 88.905,60 mais estes €13.318,0019, é isto? LJ: Perfeitamente, portanto, o crédito relativo à Pomifrutas Excelência totalizou o montante de €179.565,80. O crédito da Pomifrai Fruticultura não se alterou. Desta forma, o montante que atualmente está arrolado no quadro de credores da recuperação judicial somando os créditos da Pomifrutas e da Pomifrai amontam em €268.471,40. [nosso destaque e sublinhado] 18 As declarações da testemunha LJ referidas neste ponto foram prestadas na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 24.06.2021, constante do ficheiro áudio 20210624144029_5915680_2871207, encontrando-se os excertos em causa entre os 00h04m05ss e os 00h07m08s. 19 O Meritíssimo Juiz terá lavrado num lapso ao referir treze mil, quando a testemunha anteriormente referiu de uma forma clara “dez mil”. 91. Face ao exposto, o Artigo 13.º deve assim ser reformulado passando a ter a seguinte redação: “Tal crédito foi reconhecido à Ré no processo de recuperação da Autora e da Pomifrai – Fruticultura, S.A. no respetivo valor de €179.565,80 sobre a Autora, sendo que sobre a Pomifrai – Fruticultura, S.A. foi reconhecido um crédito de €88.905,60”. Sobre esta invocação da recorrente, a recorrida contrapôs o seguinte: “(…) 65.Pretende ainda a Autora, a modificação dos artigo 12.º e 13.º da matéria provada, para o que alega, que, “o Tribunal “a quo”, de forma manifestamente incorreta, considerou a existência de créditos detidos pela Recorrida sobre uma empresa terceira aos presentes autos - a Pomifrai - Fruticultura,S.A. -como se fossem créditos detidos sobre a aqui Recorrente, incorrendo assim num erro manifesto de apreciação de prova. (...), destaque-se que o Tribunal “a quo”, na sua fundamentação a respeito da decisão da matéria de facto, referiu apenas que a factualidade subjacente a este artigo “já se encontrava assente por acordo das partes”(...). Ora, sucede que tal é manifestamente falso. 66. A Recorrente Autora) apresentou Reclamação da fixação deste ponto como constante da matéria assente, argumentando que, “uma vez que no valor supra referido encontram-se créditos que são efetivamente detidos pela Recorrida mas sobre a Pomifrai - Fruticultura, S.A. também ela parte no processo de recuperação, mas sendo uma sociedade comercial distinta da Recorrente. Reclamação essa que foi indeferida pelo Tribunal “a quo” sem qualquer fundamento válido, mesmo após a Recorrida não ter apresentado qualquer resposta à argumentação aduzida pela Recorrente na sua reclamação, porquanto sabe que tais créditos são detidos sobre a Pomifrai e não sobre a aqui Recorrente” 67. Ora, o Meritíssimo Juiz “a Quo” entendeu e bem, no mesmo sentido da Recorrida, por isso, nada tinha a Recorrida a acrescentar. 68. Acresce que, se a Autora pretendesse avocar tal facto, tinha oportunidade para o fazer, apresentando recurso de tal decisão. 69. Não o fez em devido tempo, consequentemente, conformou-se com a mesma! 70. Não pode vir agora, insurgir-se, extemporaneamente. 71. Como a Autora confessa, “o Tribunal “a quo” referiu que tal valor foi aceite pela Recorrente na Réplica apresentada, em concreto, nos Artigos 22.º, 24.º e 27.º.” 72. O que é absolutamente verdade! 73. Artigo 22º da Réplica apresentada pela Autora: “Tendo na verdade a Reconvinte sido incluída na relação de credores da Reconvinda, na sua versão revista, datada de 21.09.2018 e publicada no Diário Oficial de 24.09.2018, pelo valor final de €268.471,40 (duzentos e sessenta e oito mil, quatrocentos e setenta e um euros e quarenta cêntimos), cujo pagamento obrigatoriamente deverá efetuar-se na forma do plano de recuperação que vier a ser aprovado” sublinhado nosso. 74. Devendo já agora acrescentar-se que, conforme a Autora confessou, ambas as entidades que invoca serem distintas, se apresentaram à insolvência no mesmo processo judicial! 75. Nada havendo por isso a modificar, quanto aos artigos 12º e 13º da matéria provada (…)”. Vejamos: Resulta dos pontos 12.º e 13.º dos factos provados, que o Tribunal recorrido assentou positiva convicção sobre o seguinte: - Que, no desenvolvimento da relação comercial foram fornecidas pela ré à autora frutas, tendo sido emitidas as respetivas faturas, no montante de 268.471,40€; e - Que tal crédito foi reconhecido à ré no processo de recuperação da autora, conforme consta da lista de fls. 138 e ss. (a fls. 143) dos autos. O Tribunal considerou que o ponto 12.º já estava assente por acordo das partes e que o ponto 13.º resultou provado por via da prova documental nele mencionada. Ora, neste ponto parece-nos claro que, conjugando o que consta dos documentos de 93 a 95vº dos autos (faturas emitidas pela ré à Pomifrai), com o que consta da carta de 22-01-2018 (estando erradamente nela aposta a data de 2017, conforme salientado por LF e referenciado na nota de rodapé 2 da sentença recorrida), onde constam discriminadas as faturas referentes à autora e à Pomifrai, coincidindo tal relação, com os mencionados documentos de fls. 93 a 95vº e ponderando ainda as declarações prestadas pelo administrador judicial da autora, LJ (em termos que constam acima extratados), verifica-se claro que o crédito reclamado pela ré é de €268.471,40, mas que, todavia, o mesmo se decompõe numa parcela de €179.565,80, referente à autora e, noutra parcela, de €88.905,60, respeitante à Pomifrai, que, conforme resulta dos documentos referentes ao processo de recuperação e como também foi salientado, convergentemente, por LJ, respeita a ambas as empresas (autora e Pomifrai). Aliás, LJ explicou, com todo o detalhe e segurança, merecendo credibilidade, que a ré reclamou o crédito de €169.247,80 sobre a autora e de €88.905,60 sobre a Pomifrai e que, posteriormente, a ré apresentou uma discordância com os créditos, na sequência do que acresceu à Pomifrutas uma fatura de €10.318,00 – fatura n.º 12953 – que não tinha sido considerada, pelo que o crédito “revisado” da Pomifrutas é de €179.565,80. Foi esse, de facto, o valor de faturas emitido pela ré à autora (onde não se inclui, claro está, o valor de faturas respeitantes a terceira entidade, como a Pomifrutas). Tais elementos probatórios – consistentes e convergentes de sentido – desde logo, com o que se afirma no documento de fls. 78vº-79 (junto aos autos pela própria ré) e não contrariados por qualquer outro meio probatório - são concludentes e convergentes no sentido da incorreção do que consta escrito nos artigos 12.º e 13.º dos factos provados que, nessa medida, deverão ser objeto de alteração, não procedendo o que, em contrário, é referido pela recorrida. Consequentemente, também o âmbito dos factos não provados (tendo em vista evitar contradição com os factos assentes – cfr. artigo 662.º, n.º 1, do CPC) deverá contemplar, agora, a falta de demonstração da integralidade do crédito reclamado pela ré, bem como da cessão de créditos invocada quanto a invocados créditos da Melro (que, para além da correspondência remetida em 15-02-2018 e mencionada no artigo 15.º dos factos provados, não vem titulada com o específico acordo de cessão, cuja prova inexistiu), assim se alterando a redação dos factos não provados (por referência ao que tinha sido alegado pela ré, mas não demonstrado, quanto aos artigos 37.º e 99.º e 39.º, 40.º, 101.º e 102.º da contestação). Assim, de acordo com o exposto, deverá a redação dos pontos 12.º e 13.º dos factos provados ser alterada para a seguinte: “12. No desenvolvimento dessa relação comercial foram fornecidas pela ré à autora frutas, tendo sido emitidas as respetivas faturas, no montante de 179.565,80€.” “13. No processo de recuperação da autora e da Pomifrai – Fruticultura, S.A. foi reconhecido à ré o crédito global de €268.471,40, conforme consta da lista de fls. 138 e ss., mais especificamente a fls. 143, sendo (conforme especificado a fls. 78vº-79): - No valor de €179.565,80 sobre a autora; e - No valor de €88.905,60 sobre a Pomifrai – Fruticultura, S.A”. E, igualmente, nos termos expostos, deverá alterar-se a redação dos factos não provados, que passará a ser a seguinte: “Não se provaram os outros factos relevantes da contestação e que respeitavam ao alegado crédito da Pomartec (art.ºs 103.º e 105.º da contestação) e da Melro (art.ºs 39.º, 40.º e 101.º e 102.º da contestação) e à fatura n.º 1133, no montante de 85.079,60€, bem como, que a ré tenha fornecido mercadoria à autora, para além do referido em 12 (artigos 37.º e 99.º da contestação)”. * F) Se o artigo 14.º dos factos provados deve ser alterado para a seguinte redação: “Por carta recebida pela Autora em 15 de Fevereiro de 2018, a Ré comunicou à Autora a compensação dos seus créditos com o crédito da Autora referidos supra em 9., nos termos do documento de fls. 97-98. A Autora respondeu nos termos de carta enviada em 22.02.2018 (junta à Réplica como Doc. 7 e cujo teor se dá por reproduzido) não aceitando a compensação face à pendência do procedimento de recuperação a que a Autora já se encontrava sujeita na altura”? Impugna ainda a recorrente o vertido no artigo 14.º dos factos provados, considerando que a redação desse artigo deve ser modificada nos termos que preconiza. Para tanto invocou o seguinte: “93. (…) quanto a este ponto cumpre esclarecer que a carta em questão na qual consta a declaração de compensação em causa foi recebida pela Recorrente apenas no dia 14 de Fevereiro de 2018. 94. E por seu turno, teve a respetiva resposta por parte da Recorrente no dia 22 de Fevereiro de 2018, na qual é referido que a pretendida compensação não era aceite, designadamente face à pendência do procedimento de recuperação a que a Autora já se encontrava sujeita na altura. 95. Com efeito, primeiro é importante constar da matéria provada a data de efetiva receção da carta para efeitos de análise dos pressupostos jurídicos referentes a uma eventual admissão de compensação. 96. E segundo, obviamente que é relevante a factualidade referente à resposta da Recorrente relativamente à referida carta, até para se poder aferir se a mesma concordou ou não com a referida compensação. 97. A este respeito a testemunha TA esclareceu: Mandatário da Recorrente: Oh Tiago, tem conhecimento de uma carta, já agora só para ajudar a situar o Tribunal, estou no Artigo 17.º da Réplica… Tem conhecimento de alguma carta que foi enviada por parte da Campotec à Pomifrutas em Fevereiro de 2018, basicamente com uma série de relação de créditos e alegados créditos, toda uma lista? Tem conhecimento. TA: Tenho conhecimento. Tenho conhecimento. Mandatário da Recorrente: Como é que tem conhecimento? TA: Porque fui eu que recebi a carta. Mandatário da Recorrente: Senhor Doutor, não sei se podemos confrontar a testemunha com o Doc. 6 da Réplica? Meritíssimo Juiz: Sim, sim, o que é que dizia a carta? TA: A carta dizia sobre uma compensação entre as empresas Campotec, Pomartec, Melro e ela tá datada errada, obviamente, tava pedindo para a empresa fazer a compensação dos valores. Meritíssimo Juiz: Qual era a data da carta? TA: A data da carta era de 22 de Janeiro de 2017, erroneamente, mas só chegou na empresa em 15 de fevereiro de 2018. Meritíssimo Juiz: Foi recebida quando? TA: Foi recebida em 15 de fevereiro de 2018. Meritíssimo Juiz: 2018? TA: Exatamente. Mandatário da Recorrente: TA, diga-me uma coisa… esta carta teve resposta da parte da Pomifrutas? TA: Teve a resposta 7 dias posteriores. Dia 22 de Fevereiro de 2018, não aceitando e falando da hipótese principalmente por a empresa estar em recuperação judicial, não concordando com o acordo de compensação. 98. Aliás, em momento algum tal matéria foi questionada ou impugnada pela Ré. 99. De resto, a resposta da Recorrente, ou seja a referida carta de 22 de fevereiro de 2018, consta do Doc. 7 junto com a Réplica, na qual se encontra expressamente referido que: “Fazemos referência à notificação emitida por V. Exas., erroneamente datada de 22 de janeiro de 2017, recebida por nós no dia 15 de fevereiro de 2018, por meio da qual a Campotec comunicou que realizará a compensação dos valores devidos à Pomi Frutas S.A. e à Pomifrai Fruticultura S.A. ( em conjunto doravante “Pomi Fruta”) com créditos que possui contra a Pomi Frutas, sujeito à recuperação judicial, bem como solicitou o pagamento do saldo residual obtido após o encontro de contas, para expor o que segue abaixo. Primeiramente, cumpre informar que a Pomi Frutas, com o precípuo objetivo de repactuar suas dívidas com seus credores e se restabelecer econômico e financeiramente, requereram recuperação judicial no dia 25 de janeiro de 2018 (processo n.º 0300188-72.2018.24.0024, em trâmite perante a 1.ª Vara Cível do foro da comarca de Fraiburgo – SC), procedimento ao qual os créditos cobrado na notificação enviada pela Campotec estão sujeitos e foram devidamente arrolados na lista de credores da recuperação judicial. A esse respeito, informamos que, em consonância com a Lei 11.101/05 (“Lei de Falências”), os créditos da Campotec somente poderão ser pagos e quitados na forma do Plano de Recuperação Judicial a ser oportunamente apresentado pela Pomi Frutas e ulteriormente deliberado ela sua coletividade de credores, razão pela qual a Pomi Frutas encontra-se momentaneamente impedida de efetuar qualquer pagamento, seja ele sob qualquer forma, de valores sujeitos à sua recuperação judicial. Por conta disso, deve-se informar que o crédito da Campotec sujeito à recuperação judicial da Pomi Frutas, no valor de € 258.153,36 (duzentos e cinquenta e oito mil cento e cinquenta e três euros e trinta e seis centavos), jamais poderia ser objeto de compensação com créditos que a Pomi Frutas possui contra a Campotec, uma vez que o eventual pagamento de crédito sujeito à recuperação judicial de forma diversa do quanto previsto no Plano de Recuperação Judicial caracteriza crime de favorecimento de redor, nos termos do art.º 172 da Lei de Falências”. 100. Face ao exposto, o Artigo 14.º deve assim ser reformulado (…)”. A recorrida contrapôs, relativamente ao invocado pela recorrente, em suma, que a carta foi remetida na data nela aposta (cfr. artigo 80.º das contra-alegações), sendo que, a data de recebimento da carta pela recorrente não é da responsabilidade da recorrida, mas sim da recorrente, sendo que, com a sua contestação juntou “cópia da carta remetida ao Banco brasileiro Daycoval (que a inquiriu a propósito de supostas dívidas à Autora), datada de 01-02-2018, com a mesma informação de que o crédito já se encontrava compensado e nada existia em dívida”. O artigo 14.º dos factos provados tem a seguinte redação: “Por carta de 22 de janeiro de 2018, a ré comunicou à autora a compensação dos seus créditos com o crédito da autora referidos supra em 9., nos termos do documento de fls. 97-98”. Mostra-se-nos inequívoco que a carta de fls. 97-98 tem, de facto, um lapso material na indicação do ano de 2017, o que, como já se referiu, foi, desde logo, assinalado por LF, admitindo que a carta respeita ao ano de 2018. Tal é, aliás, congruente com o teor da carta, onde se referenciam faturas datadas de setembro a dezembro de 2017, que não poderiam constar de tal documento se o mesmo tivesse sido emitida na data nela aposta. Não colhe, pois, a tese da recorrida (vertida no mencionado artigo 80.º da contra-alegação). A referência constante do mencionado ponto 14.º dos factos provados encontra-se, pois, de harmonia com a prova produzida. Contudo, a mesma é insuficiente face ao que foi alegado nos articulados, traduzindo-se num facto relevante para a apreciação dos efeitos pretendidos com o envio de tal missiva. Com efeito, nos artigos 17.º a 19.º da réplica, a autora havia invocado, nomeadamente, que a carta em questão, foi recebida pela autora apenas em 15-02-2018 e que a compensação pretendida não era aceite, tendo a mesma tido resposta, por parte da autora, em 22-02-2018, nos termos do documento n.º 7 junto com a réplica. Ora, considerando o concludente e objetivo depoimento de TA, acima transcrito e, bem assim, o que consta do documento de fls. 134 dos autos (expressamente referenciando a datação errónea da carta remetida pela ré e o recebimento pela autora, ocorrido em 15-02-2018), verifica-se que, para além da relevância, se mostra demonstrada, com a necessária e suficiente consistência, que a autora recebeu tal missiva em 15-02-2018, o que, aliás se mostra em consonância com a data (06-02-2018) em que a carta terá sido remetida (cfr. fls. 99). A correspondente factualidade deverá, pois, ser incluída no mencionado ponto 14.º dos factos provados. Assim, de acordo com o exposto, deverá a redação do ponto 14.º dos factos provados ser alterada para a seguinte: “14. Por carta recebida pela autora em 15-02-2018, a ré comunicou à autora a compensação dos seus créditos com o crédito da autora referidos supra em 9., nos termos do documento de fls. 97-98, carta a que a autora respondeu, por carta, com data de 22-02-2018, constante de fls. 134, não aceitando a compensação face à pendência do procedimento de recuperação referido em 17”. * G) Se a matéria de facto constante do artigo 15.º dos factos provados deve ser eliminada da matéria provada? Arguiu ainda a recorrente que deve ser eliminado o artigo 15.º dos factos provados, entendendo que: “102. Com vista a fundamentar o seu entendimento relativamente a esta parte da matéria de facto, o Tribunal “a quo” considerou que: “Quanto ao facto 15, ele resultou do teor do documento de fls. 97-98 (carta da ré à autora a comunicar a compensação e a cessão dos créditos), das faturas de fls. 87 verso a 92 verso e das declarações de LJ, administrador da autora, que disse expressamente que tais créditos da Melro Brasil sobre a autora existiam. Disse também que a cessão dos créditos foi comunicada, mas que não a reconheceram unicamente porque não havia documento. Porém, não disse que a cessão não foi reconhecida porque os mesmos créditos tinham sido reclamados pela Melro Brasil, assim como também a autora, no art.º 26 da réplica (fls. 108 verso), não referiu tal situação.” 103. Ora, comece-se por referir que a matéria descrita sob o ponto 15 da matéria prova é desde logo irrelevante porquanto já consta do ponto 14, ou seja, da carta enviada pela Recorrida à Recorrente onde aquela comunicou a pretensa compensação dos créditos nos quais se encontram os alegadamente cedidos pela Melro Brasil. 104. Por outro lado, de nada serve de tal factualidade uma vez que em momento algum ficou provado que a cessão de créditos tenha efetivamente operado, facto que era do ónus da prova da Recorrida. 105. Com efeito, sem prejuízo da carta supra referida - enviada pela Recorrida e não pela Cedente - a Recorrida nunca juntou sequer aos presentes autos as faturas em causa. 106. Os documentos juntos com a Contestação a respeito da Melro Brasil são unicamente “Documentos Auxiliares de Notas Fiscais” e não faturas (vide Docs. 21 a 32 juntos com a Contestação). 107. Por outro lado, a Recorrida também não juntou qualquer contrato de cessão de créditos. 108. Na verdade, não se sabe sequer minimamente em que data tal hipotético “contrato” foi celebrado, nem tão pouco em que termos. Nenhuma prova foi feita neste sentido. Nenhuma das testemunhas arroladas pela Recorrida se pronunciaram sobre este tema, nem tão pouco referiram a existência de quaisquer contratos ou acordos de cessão de créditos. 109. Ou seja a Recorrida não fez sequer prova dos factos constitutivos da cessão do crédito em causa, tal como era do seu ónus. 110. Por seu turno, a testemunha TA declarou expressamente que nunca receberam qualquer notificação de uma cessão de créditos da parte da Melro Brasil: Mandatário da Recorrente: Olhe, TA, agora mudando aqui um bocadinho de tema. Está aqui em discussão neste processo uma suposta cessão de créditos originalmente de uma sociedade chamada Melro Brasil. Supostamente, de acordo com a Campotec, foram cedidos à Campotec. O que é que me sabe dizer sobre isto? TA: Foram frutas compradas à Melro. Mandatário da Recorrente: Portanto, são da Melro? TA: Da Melro, isso. Mandatário da Recorrente: Vocês não foram notificados de uma cessão de créditos? TA: Não. Mandatário da Recorrente: Não? Não receberam. A Melro não vos disse, atenção que agora estes créditos não vos pertencem? TA: Não, nunca foi passado isso para a empresa. 111. Também o Exmo. Senhor Administrador Judicial LJ declarou a este respeito que apesar de tais créditos terem sido reclamados pela Recorrente no processo de recuperação, em momento algum foi apresentado qualquer documento que evidenciasse que tais cessões de créditos foram de facto realizadas, e nessa medida, os créditos em causa não foram admitidos no processo de recuperação da Recorrente. 112. A acrescer, tal como declarado pelo Exmo. Administrador Judicial LJ, cumpre notar que no caso da Melro Brasil, tal empresa surge inclusivamente como credora da Recorrente no âmbito do processo de recuperação num montante de R$ 130.448,00 (cento e trinta mil, quatrocentos e quarenta e oito reais) - cfr. Doc. 9 (pág. 11 do pdf.), Doc. 10 (pág. 8 do pdf.) e Doc. 11 (pág. 5 do pdf.) juntos com a Réplica. 113. Destacando-se que uma dessas faturas admitidas como créditos da Melro Brasil – a Fatura n. º 682 - encontra-se inclusivamente a ser peticionada pela Recorrida em sede dos presentes autos. 114. Ou seja, a Recorrida invoca uma alegada cessão de créditos que inclusivamente inclui faturas que a própria Melro Brasil tem como reconhecidas no processo de recuperação… facto que reforça que será ainda a Melro Brasil, Lda. a respetiva credora e não a aqui Ré. 115. Neste âmbito atente-se nos seguintes excertos do respetivo depoimento do Administrador Judicial LJ: Meritíssimo Juiz: Há algum crédito de uma… portanto, a Campotec também invocou no processo de insolvência determinados créditos de outras empresas que lhe tinham sido cedidos? LJ: Na revisão que a Campotec apresentou à administração judicial à época 22 Vide depoimento prestado por LJ prestado na audiência de 24.06.2021, entre os 00h08m31 e os 00h09m58s (ficheiro n.º 20210624144029_5915680_2871207). existia uma informação a respeito disso de que que ela havia sub-rogado um crédito de uma empresa, denominada Melro, Melro Brasil. Contudo Excelência, não chegou a nós nenhum documento comprovando esta sub-rogação de créditos, simplesmente com a informação do suposto sub-rogado e hoje no quadro geral de credores existe um crédito arrolado em favor desta empresa Melro, aqui em Reais porque que esse crédito tem origem no Brasil no valor de 130.448 reais a favor de Melro (…)” apenas para o efeito de parâmetro, evidentemente que nós teríamos que atualizar isso ao parâmetro aí em Portugal mas amontaria aproximadamente a €30.000,00”. [nosso destaque e sublinhado] (…) Meritíssimo Juiz: Quantas faturas da Melro Brasil é que foram reclamadas? LJ: Dr…. aqui nós temos a seguinte situação… o valor reclamado pela Campotec em relação às faturas Melro em valor de reais não coincidem com os créditos reconhecidos pela empresa. Como não foi apresentado ao Administrador Judicial a cessão desse crédito, a administração judicial entendeu que a Campotec não era habilitada reclamada esses créditos, portanto nós não fizemos essa conciliação. Para efeitos de informação Exa. a Pomifrutas reconhece cinco faturas a favor de Melro que totalizam 130.448 Reais, enquanto que a Campotec na informação que prestou à Administração Judicial reclama uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze… onze faturas que totalizam também em Reais 150.675 Reais então se percebe que temos uma diferença aqui em valor em aproximadamente vinte mil reais e a Campotec reclama seis faturas a mais do que as são reconhecidas pela Pomifrutas. Volto a dizer que a administração judicial não concedeu essa conciliação de valores uma vez que entendemos que como não foi apresentado o documento de sub-rogação de crédito… Meritíssimo Juiz: Certo, certo Sim Senhor… Já percebi… Já explicou à bocado. Já agora diga-me qual é, quais são as faturas, o n.º das faturas que foi reconhecido, as cinco. LJ: Aqui. Normalmente… há uma coincidência sim porque usamos o n.º da fatura Brasileira. A Pomifrutas reconheceu a fatura 630, 633, 634, 637, 682. Essas foram as cinco faturas que a Pomifrutas reconheceu. Meritíssimo Juiz: daquilo que disse relativamente àquelas que estão aqui referidas da Campotec, só uma é que é comum, as outras não, só a 682. Perfeitamente Exa… a 682. Meritíssimo Juiz: Então e as outras que estão indicadas que tem aí o número, o que é que aconteceu.. não… não? Porque é que não foram reconhecidas à Melro Brasil? LJ: Porquê na documentação que temos da empresa, essas faturas relacionadas estariam quitadas. Em contrapartida, existem faturas não quitadas que não foram relacionadas pela Campotec. Meritíssimo Juiz: Que são estas? Que são estas que lhe falei, exceto a 682, que o número coincide. Mandatário da Recorrente: Gostava só de perguntar ao Senhor Administrador se houve alguma impugnação da parte da Ré relativamente à admissão ou não admissão do seu crédito no processo de recuperação? Meritíssimo Juiz: Houve alguma impugnação da parte da Campotec quanto à admissão do seu crédito, dizendo que era superior àquele que foi reconhecido? LJ: Apenas durante o período de revisão administrativa do crédito, Excelência. Quando… Depois que a administração judicial apresentou em juízo o quadro de recuperação judicial, a Campotec poderia ter impugnado evidentemente judicialmente, mas não o fez. 116. Em resumo, face ao exposto, é patente que os factos em causa já se encontram refletidos no Artigo 14 da Matéria Provada. 117. Sendo que, em qualquer caso, a verdade é que os mesmos factos não têm qualquer efeito jurídico face à falta de prova dos factos constitutivos do pretenso direito da Recorrida emergente da alegada cessão de créditos, sendo que não juntou sequer as faturas que titulariam o pretenso crédito, nem tão pouco fez qualquer prova do acordo de cessão. 118. Assim, concluindo, não existe qualquer razão para a transposição dos factos plasmados no atual Artigo 15 da Matéria Provada, requerendo-se assim a respetiva eliminação”. A recorrida contrapõe que o referido artigo não deve ser eliminado, explanando, nesse sentido, o seguinte: “(…) 97. Diz aquela [Recorrente] que, “a Recorrida não fez sequer prova dos factos constitutivos da cessão do crédito em causa, tal como era do seu ónus.” 98. Contudo e completamente em contradição com o que afirma, vem avocar o testemunho do Senhor Administrador Judicial LJ para dizer que este declarou a este respeito: “apesar de tais créditos terem sido reclamados pela Recorrente no processo de recuperação(...)” 99. Portanto apesar de antes afirmar que tais créditos não existem nem os conhece, vem seguidamente afirmar que os mesmos foram reclamados pela Ré, no processo de insolvência da Autora. 100. Afirma que, “a Recorrida nunca juntou sequer aos presentes autos as faturas em causa.” 101. Para adiante reconhecer que, são unicamente “Documentos Auxiliares de Notas Fiscais” e não faturas (vide Docs. 21 a 32 juntos com a Contestação). 102. O que é falso! 103. Tais documentos, referem as facturas conexas e provam que a mercadoria em causa foi recepcionada pelo destinatário. 104. Os documentos em causa provam por isso, sem margem para dúvidas, que a mercadoria foi entregue e o qual valor da mesma, tendo até um valor de prova superior ao das facturas com eles conexas, pois são uma declaração formal, entregue à Administração Fiscal brasileira!” Ora, considerando o reclamado, verifica-se que, inexiste motivo para a eliminação do artigo 15.º dos factos provados (que se limita a enunciar a comunicação de 15-02-2018, mas não demonstra, por si e, sem outros elementos, a cessão nela mencionada), sendo certo que, a relevância ou irrelevância de tal factualidade para a decisão de direito só com esta poderá ser apreciada. Certo é que, em termos factuais, a realidade correspondentemente vertida na carta remetida pela ré à autora é relevante – correspondendo à realidade que a ré comunicou à autora a factualidade correspondente - e deverá ser considerada. A motivação expressa pelo Tribunal recorrido relativamente à razão da convicção formada expressa, de forma clara e correta, em que elementos probatórios assentou o Tribunal para formular o juízo realizado, cuja pertinência não se mostra afetada pelo alegado pela recorrente. Assim, importará, apenas, atenta a alteração preconizada no artigo 14.º dos factos provados, em razão da impugnação relativamente a tal ponto, especificar ou concretizar que o ponto 15.º se reporta ao conteúdo da carta remetida em 2018. Inexistindo motivo para a eliminação do artigo 15.º dos factos provados, improcede, nesta parte, a impugnação da recorrente, devendo, contudo, alterar-se a redação do mencionado artigo 15.º para a seguinte: “15. Por via da carta recebida pela autora em 15-02-2018, a ré comunicou também à autora que a Melro Brasil Lda. lhe cedeu o crédito decorrente do fornecimento de frutas efetuado à autora, titulado pelas seguintes faturas: Factura nº … de 20/01/2017 (675,00 Reais) Factura nº … de 20/03/2017 (3.732,52 Reais) Factura nº … de 31/03/2017 (5.7000,00 Reais) Factura nº … de 31/03/2017 (6.460,00 Reais) Factura nº … de 03/04/2017 (5.320,00 Reais) Factura nº … de 04/04/2017 (3.040,00 Reais) Factura nº … de 04/04/2017 (3.800,00 Reais) Factura nº … de 05/04/2017 (666.000 Reais) Factura nº … de 07/04/2017 (296.00 Reais) Factura nº … de 18/05/2017 (716.00 Reais) Factura nº … de 26/07/2017 (120.269,48 Reais), Tudo no valor total de 150.675.00 Reais, que corresponde a 40.722,01€ ao câmbio da altura, pretendendo igualmente compensar este crédito, nos termos indicados supra em 14.”. * H) Se a matéria de facto constante do artigo 16.º dos factos provados deve ser eliminada da matéria provada? Visa, ainda, a recorrente a eliminação do artigo 16.º dos factos provados, dizendo que o Tribunal recorrido considerou provada a matéria em questão, “unicamente baseando-se em prova indireta e em considerações vagas e genéricas”, considerando estar “perante um conjunto de alegados “factos” manifestamente falsos e até caluniosos, sendo suscetíveis de responsabilidade criminal da parte das testemunhas em causa, tendo em consideração as ofensas infundamentadas ao bom nome comercial da Autora e dos seus legais representantes”, reportando-se aos depoimentos de CN, CR e GP, considerando que os mesmos “não são de todos aptos ou idóneos para fundamentar a convicção de um tribunal relativamente à matéria de facto seguindo as regras da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos”: “126. Neste sentido, destaca-se algumas partes desses depoimentos, começando pelo depoimento da testemunha CN, a qual referiu que diversas famílias ficaram prejudicadas na cidade de São Joaquim. 127. Contudo, o seu depoimento foi maioritariamente baseado em prova indireta, limitando-se a referir que ouviu efetivamente alguns lamentos de famílias, mas que, misteriosamente, não poderia revelar os respetivos nomes, para não as prejudicar e devido a um também misterioso “acordo” que existia com a Pomifrutas no sentido de que nunca poderiam entrar em juízo contra a esta empresa. 128. Atente-se no seguinte excerto do respetivo depoimento: Mandatário da Recorrente: Olhe, diga-me uma coisa também… estes supostos incidentes que houve aqui antes da insolvência da Pomifrutas, foram coisas que lhe foram contadas, é isso? CN: Não me foram contadas, eu conheço as pessoas e as pessoas falaram comigo, eu conversei com elas, eu conheço as famílias, só que eu não posso citar o nome de famílias por causa de uma ação judicial que a Pomifrai tem contra elas. Mandatário da Recorrente: Tudo bem. Sabe qual é que é essa ação judicial? CN: Eles me falaram lá…. Mandatário da Recorrente: Ah, falaram… Portanto as famílias falaram-lhe essas coisas foi…? CN: Sim as famílias, que venderam as frutas à Campotec, à Pomifrai. Mandatário da Recorrente: Fui tudo coisas que com toda a sinceridade estas famílias lhe contaram e o Senhor ouviu dizer, é isso? CN: Eu não ouvi dizer, ouvi delas. Mandatário da Recorrente: Pois, ouviu das famílias, não é? CN: Isso. Mandatário da Recorrente: Ok. Meritíssimo Juiz: Mas então explique lá melhor essas conversas para ficarmos aqui a saber… O que é que essa ação judicial é impeditivo para dizer o nome das famílias. CN: Eles têm aqui… a Pomifrai exigiu na forma de pagamento quando eles foram fazer alguns pagamentos para os produtores, eles tinham que assinar um termo que eles nunca poderiam nunca entrar em juízo contra a Pomifrai antes da insolvência para tentar receber os valores. Eles assinaram isso aí nesses termos que está nesse contrato que eles não podem nunca entrar com a insolvência e também não podem ser citados em juízo contra a Pomifrai. Então não posso complicar eles também não é…? Meritíssimo Juiz: Isso é uma coisa um bocado estranha …. 129. Por seu turno, mantendo o mesmo estilo de depoimento indireto e com considerações vagas e genéricas, a testemunha CR referiu que: Mandatário da Recorrida: Senhor CN, agora só uma coisa, tem conhecimento se ali pela zona houve bastantes ou alguns produtores prejudicados com essa questão de terem vendido, entraram em falência e não pagaram? CR: Sim, sim, tivemos esse conhecimento, na altura, não me pergunte os nomes porque não sei mas há-de ter com certeza isso e houve vários prejudicados e por isso é que nós, neste mercado vai-se sabendo tudo e nós fomos sabendo e fomos tendo atenção. Mandatário da Recorrida: Há pelo menos relatos disso de que a Pomifrai ou a Pomifrutas adquiriu quantidades de mercadoria antes de dar entrada do tal processo também com o objetivo de não pagar? CR: Era essa a nossa interpretação. [nosso sublinhado] 130. Por seu turno, no que respeita ao depoimento prestado pela testemunha GP, comece-se por notar que estamos perante um antigo prestador de serviços à Pomifrai Fruticultura cujos serviços foram dispensados 30 e que admitiu expressamente ter questões pessoais contra a Recorrente, inclusivamente ações judiciais. 131. Na verdade, a referida testemunha prestou um testemunho manifestamente acalorado, emotivo e parcial. 132. Neste contexto destaque-se o seguinte excerto do respetivo depoimento prestado: Mandatário da Recorrente: Senhor GP, muito boa tarde. Só uns pequenos esclarecimentos. Oh Senhor GP, antes de mais, só uma pequena questão, há alguma coisa que o mova contra a Pomifrutas, tem alguma coisa contra a empresa, ou nem por isso? GP: Não entendi, desculpa. Se tem alguma coisa contra a Pomifrutas? GP: Eu tenho, bastantes coisas contra ela. Porque eu era o representante dela, além de não nos pagar, não pagou aos produtores que nós agregamos a ela. Mandatário da Recorrente: E mais, tem mais alguma coisa? GP Não. Fora o que não pagou, o que nos vergonhou, que quebrou a nossa empresa? Não, mais que isso não tenho, só isso. Mandatário da Recorrente: Olhe, existem duas ações judiciais entre o Senhor e a Pomifrutas, não é? GP, Claro. Mandatário da Recorrente: Sim existem. GP: Claro, tenho. 133. De resto, a mesma testemunha GP, situou os pretensos factos ao longo de um período vago e indeterminado de três (!) anos, sendo que perguntado pelo Meritíssimo Juiz quando se tinham passado os factos respondeu que “foram em 2016, 2017, 2018…. Por aí” 134. Mais, a testemunha limitou-se a dar a sua opinião e a sua interpretação sobre questões difusas (e não factos) usando expressões como “Eu particularmente acho que foi pensado” 135. Ora, os depoimentos supra referidos não são minimamente aptos ou idóneos para fundamentar a convicção de um Tribunal seguindo as regras da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos. 136. Com efeito, conforme defende de forma unânime a doutrina e jurisprudência, o Juiz deverá apreciar as circunstâncias concretas da prova e da sua produção em sede judicial, decidindo a partir de “uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão”. 137. Contudo, no meio de todas estas calúnias, considerações, opiniões genéricas, impressões e interpretações tecidas pelas testemunhas: - Não foi junto um único documento, fatura, contrato, guia de entrega, que provasse as supostas “grandes quantidades de frutas” - conceito que é aliás completamente indeterminado - adquiridas pela Recorrente, ou os valores que ficaram por pagar; - Não foram mencionados nomes ou partes concretas; - Não foi feita qualquer prova no sentido de que estivéssemos perante alguma espécie de ação intencional ou negligente por parte da Recorrente. 138. Por seu turno, o Administrador Judicial LJ, responsável pelo processo de recuperação da Ré, sendo uma pessoa terceira, independente e com o melhor conhecimento possível do processo de recuperação da Autora, não deu nota da existência de uma única queixa, ação ou procedimento referente a tais calúnias. 139. A verdade é que, infelizmente, existem sempre entidades e pessoas que ficam de uma forma ou outra prejudicadas quando as empresas entram em processo de recuperação, ou em processo de insolvência. Tal sucede tanto no Brasil, como em Portugal, como em qualquer outro país. É frequente suceder no contexto de atividades comerciais. 140. Tal não equivale necessariamente a qualquer atuação negligente, dolosa ou abusiva. 141. A prova de uma qualquer factualidade que demonstrasse tal realidade teria naturalmente que ser através de um grau de prova particularmente elevado que demonstrasse a existência de alguma espécie de uma gestão danosa ou vontade específica no sentido de a Recorrente se aproveitar de tal processo em prejuízo de terceiros. 142. Nada disto sucedeu. Colocaram-se três testemunhas que teceram considerações genéricas e interpretativas sobre o tema e o Tribunal “a quo”, com base em tais considerações - mal - considerou a matéria em causa como provada. 143. Nas palavras do Tribunal da Relação de Évora: I - Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre eles num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. II – A actividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. III - A prova testemunhal não é, pois, para ser avaliada aritmeticamente. Ou como se o depoimento de uma testemunha fosse para ser considerada com o rigor de uma escritura de um notário. 144. Face ao exposto, e concluindo, o Artigo 16 deve ser eliminado da matéria provada, o que assim se requer (…)”. Contra-alegou a recorrida referindo, nomeadamente, que a prova em questão é prova direta e não indireta, pugnando pela improcedência da impugnação em apreço (cfr. artigos 111.º a 127.º das contra-alegações de recurso). Apreciando: O artigo 16.º dos factos provados tem a seguinte redação: “A Autora, no decurso do ano de 2017, adquiriu grandes quantidades de fruta, e, em janeiro de 2018, de forma imprevisível e sem que os fornecedores com isso contassem, interpôs um processo de Recuperação, conseguindo assim que entrassem no seu património grandes quantidades de mercadoria, que, após a interposição do processo, não pagou”. O Tribunal recorrido motivou a formação positiva da convicção sobre tal factualidade no seguinte: “Quanto ao facto nº 16, resultou dos depoimentos de CN, CR e, especialmente, GP 9. Desses depoimentos, também muito pormenorizados e circunstanciados, resultou que durante o ano de 2017, a autora adquiriu muita quantidade de fruta, inclusive junto de produtores que forneciam outras empresas, aliciando-os com bons preços, e que, de forma imprevisível e sem qualquer tipo de indícios de dificuldade financeiras, apresentou o pedido de recuperação de empresas e cessou os pagamentos. GP explicou até que, quando a autora começou a não cumprir com os pagamentos, questionou um dos responsáveis da empresa sobre se estavam com dificuldades financeiras, tendo o mesmo negado tal situação.” O artigo 516.º, n.º 1, do CPC determina que “a testemunha depõe com precisão sobre a matéria dos temas da prova, indicando a razão de ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento; a razão de ciência invocada é, quando possível, especificada e fundamentada”. Como referia Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Coimbra Editora, 1987, p.327), a testemunha é chamada para narrar ao tribunal os factos que tem conhecimento e para indicar a fonte desse conhecimento. Ou seja: “A testemunha (…) é chamada a referir as suas perceções de factos passados: o que viu, o que ouviu, o que sentiu, o que observou” (assim, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 609). Contudo, conforme decorre do disposto nos artigos 396.º do CC, a força probatória dos depoimentos é apreciada livremente pelo tribunal. Conforme referia Manuel de Andrade (Noções elementares de processo civil, pp. 191-192), “a prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)”. “A propósito da prova por testemunhas, afigura-se-nos importante rememorar os dois pólos que, em regra, se mostram aptos a condicionar o juízo valorativo que o decisor deve fazer, por conseguinte, a maior ou inferior aceitação do conteúdo de cada concreto depoimento. Em 1º lugar, o patamar de fiabilidade ou credibilidade que cada testemunha mereça; com reflexo nos chamados costumes (…); e que pretende apurar não mais do que os níveis de confiança a creditar à pessoa e ao conteúdo do que disser. Em 2º lugar, os níveis daquilo que sabe quanto ao que importa apurar; aqui com reflexo na chamada razão de ciência, (…), quanto possível, especificada e fundamentada; e que pretende apurar, para fixar o nível de aceitabilidade, a justificação para a posse dos conhecimentos, que se pretende que sejam exteriorizados em depoimento. Em suma, tudo depende do patamar de convencimento a que conduza a articulação de todos estes instrumentos; se permite, ou não, superar a dúvida razoável e atingir o nível de segurança bastante, adequado à sua razoável probabilidade. É a concretização do antes referido princípio da prova livre, de harmonia com o qual, e em contraposição ao princípio da prova legal, as provas se apreciam sem nenhuma escala de hierarquização, apenas de acordo com a convicção que gerem realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto controvertido - Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de março de 2001 in Colectânea de Jurisprudência XXVI-2-86.” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-07-2017, Pº 3388/15.5T8BRG.G1, rel. ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA). Conforme salienta Luís Filipe Pires de Sousa (Prova Testemunhal, Almedina, Coimbra, 2013, p. 198): “(…) existem factos com relevância processual que são, pela sua própria natureza e condicionalismo, insuscetíveis de prova testemunhal direta, de prova documental, inspeção judicial e mesmo prova pericial. Neste tipo de condicionalismos, os únicos meios probatórios admissíveis são as declarações de parte (…) e as testemunhas indiretas. (…) Deste modo, e no limite, admitimos que o juiz possa fundar a sua convicção quanto a tal tipo de factualidade apenas nas declarações de parte e/ou nos depoimentos indiretos. Necessário é que a valoração dos mesmos, feita segundo as singularidades do caso concreto e as máximas da experiência convocáveis, permite ao julgador atingir o patamar da convicção suficiente, sendo a valoração plasmada numa explicitação racional e percetível da convicção construída.” Ora, cumpre referir que os meios de prova em que o Tribunal se fundou para formar convicção sobre a realidade vertida no artigo 16.º dos factos provados assentaram em prova colhida diretamente com base nos referidos testemunhos de CN, CR e GP. E estes denotaram, especificamente, deter uma fonte direta do conhecimento que mencionaram, o que, aliás, resulta dos trechos transcritos pela recorrente. Dos elementos probatórios assinalados e dos termos com que os mesmos foram adquiridos pelo Tribunal recorrido, de acordo com a sua livre convicção e, bem assim, ponderadas as regras da experiência, mostra-se que os mesmos atingiram, na perspetiva do julgador, um alto grau de probabilidade, suficiente para que o mesmo desse como assente a correspondente factualidade. E nenhuma das considerações tecidas pela recorrente permite abalar a realização de um tal juízo, que, nessa medida, haverá de se mantido. Por todo o exposto, entende-se dever manter o artigo 16.º dos factos provados, improcedendo, neste conspecto, a impugnação da recorrente. * I) Se o artigo 17.º dos factos provados deve ser alterado para a seguinte redação: “A Autora, juntamente com a Pomifrai - Fruticultura, S.A., apresentaram no dia 25 de janeiro de 2018 um “Procedimento de Recuperação”, o qual foi deferido pelo Tribunal da Comarca de Fraiburgo (1.ª Vara) na mesma data e corre atualmente termos sob o Proc. n.º 0300188- 72.2018.8.24.0024”? Pugna ainda a recorrente no sentido de ser modificado o artigo 17.º como propõe, tendo alegado o seguinte: “(…) 146. (…) tendo a Recorrida invocado nos presentes autos a alegada compensação de faturas que foram emitidas em nome da Pomifrai – Fruticultura, S.A. e não em nome da Recorrente - facto inclusivamente considerado provado (de forma algo incompreensível) pelo Tribunal “a quo” - torna-se importante plasmar na matéria supra referida que o processo de recuperação foi apresentado não apenas pela Recorrente, mas também, pela referida Pomifrai – Fruticultura, S.A. 147. Com efeito, recorde-se que a Recorrida tentou deliberadamente declarar no processo que corre perante este Tribunal Português a compensação de faturas emitidas a uma entidade terceira que não a Recorrente. 148. Isto apesar de tais faturas estarem reconhecidas no processo de recuperação mas em nome da referida Pomifrai – Fruticultura S.A. e não em nome da Recorrente. 149. Dito isto, a constatação de que foram duas as empresas que se apresentaram a um processo de recuperação resulta de forma clara da “Certidão Narrativa” junta como Doc. 5 junto com a Réplica da qual consta que: “Certifico, a pedido da parte interessada, que consta autuado e com tramitação neste Juízo de Direito da(o) 1.ª Vara da Câmara de Fraiburgo, do Estado de Santa catarina, o processo a seguir identificado. Autos n. 0300188-72.2018.8.24.0024 Ação: Recuperação Judicial Autor: Pomifrutas S/A e Pomifrai Fruticultura S.A.” [nosso destaque e sublinhado] 150. Tais factos resultam também do Doc. 1 junto com o Requerimento apresentado em juízo pela Recorrente em 1 de setembro de 202039 que consiste numa nova Certidão narrativa emitida pela 1.ª Vara da Comarca de Fraiburgo (Proc. 0300188-72.2018.8.24.0024) e da qual consta que: “CERTIFICO, a pedido verbal da parte interessada, que consta autuado e com tramitação neste Juízo de Direito da(o) 1ª Vara da Comarca de Fraiburgo, do Estado de Santa Catarina, o processo a seguir identificado. Ação: Recuperação Judicial/PROC Autor: Pomi Frutas S/A e outro Data de Ajuizamento: 25/01/2018 OBJETO: Recuperação Judicial das empresas Pomi Frutas S/A (CNPJ/MF sob n. 86.550.951/0001-50) e Pomifrai Fruticultura S/A (CNPJ/MF sob n. 86.548.815/0001-25).” 151. Por outro lado, consta igualmente de forma clara da “Decisão” junta à Réplica como Doc. 4 onde se encontra referido na 1.ª página que: “Trata-se de pedido de recuperação judicial elaborado por Pomi Frutas S/A e Pomifrai Fruticultura S/A, ambas já qualificadas nos autos, objetivando seu processamento, com fulcro na Lei n. 11.101/2005. As Requerentes pretendem (…).” 152. De resto, dúvidas houvesse - apesar de tal ser absolutamente claro nos documentos - e nunca ter sido impugnado ou mesmo questionado pela Ré ao longo de todo o processo - reitera-se que o Senhor LJ, Administrador Judicial no processo de recuperação da Autora confirmou que são duas empresas distintas e que se encontram ambas atualmente em recuperação no âmbito do mesmo processo. A este respeito referiu: Meritíssimo Juiz: Está aqui dito portanto que o Senhor é administrador, aqui, foi nomeado pelo Tribunal administrador da Pomifrutas, é isso? LJ: Perfeitamente Excelência. Para ser mais preciso, o processo envolve duas empresas, a Pomifrutas e a Pomifrai, o processo é conjunto. Meritíssimo Juiz: E é administrador de ambas não é? LJ: Exatamente (…)”. A recorrida pronunciou-se sobre o invocado (cfr. artigos 128.º a 132.º da contra-alegação). Vejamos: O artigo 17.º dos factos provados apresenta a seguinte redação: “A Autora apresentou um procedimento de recuperação perante Tribunais brasileiros, em 25 de Janeiro de 2018, o qual foi liminarmente admitido por decisão proferida nesse mesmo dia, conforme teor do doc. de fls. 128-130”. Ora, alegou a autora, nos artigos 13.º e 14.º da réplica que: “13. É verdade que a Reconvinda, juntamente com a sua participada Pomifrai - Fruticultura, S.A., apresentaram no dia 25 de janeiro de 2018 um “Procedimento de Recuperação”, o qual corre atualmente termos sob o Proc. n.º 0300188-72.2018.8.24.0024, Tribunal da Comarca de Fraiburgo, Santa Catarina, 1.ª Vara. 14. O processo foi deferido pelo referido Tribunal da Comarca de Fraiburgo na mesma data (cfr. decisão e certidão narrativa que ora se juntam como Doc. 4 e Doc. 5 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).” Tal matéria – de acordo com o alegado pela autora - resultou documentalmente provada (cfr., documentos de fls. 128 a 130, 137 a 153, 157 a 164, 223vº e 226vº a 231), para além de ter sido confirmada, desde logo, por LJ. Importa, pois, alterar a redação do artigo 17.º dos factos provados, por forma a compatibilizá-la com a prova produzida e, bem assim, com a alegação onde a referida factualidade se baseou. De acordo com o exposto, deverá a redação do ponto 17.º dos factos provados ser alterada para a seguinte: “17. A autora e a Pomifrai - Fruticultura, S.A. apresentaram no dia 25-01-2018 um “Procedimento de Recuperação”, o qual foi deferido pelo Tribunal da Comarca de Fraiburgo (1.ª Vara) na mesma data (cfr. doc. de fls. 128-130) e corre atualmente termos sob o Proc. n.º 0300188-72.2018.8.24.0024”. * J) Se deve ser aditada à matéria de facto provada a seguinte matéria: - “A Ré peticionou também no Processo de Recuperação da aqui Reconvinda que os créditos entre as mesmas fossem objeto de compensação, resultando assim um crédito final a favor da Ré no valor de €14.827,95 (catorze mil, oitocentos e vinte e sete euros e noventa e cinco cêntimos)”; - “Tal pedido foi recusado pelo Administrador Judicial, uma vez que foi entendido que o crédito em causa não poderia ser objeto de compensação face à lei Brasileira”; e - “A Reconvinte, apesar de ter apresentado uma reclamação durante o período de revisão administrativa do crédito, não impugnou judicialmente o valor constante do quadro de recuperação judicial que lhe foi reconhecido”? Considera ainda a recorrente que deve ser aditada aos factos provados a matéria que enuncia, dizendo, em suma, que tais factos “são importantes porquanto daí emergem efeitos jurídicos relevantes para se aferir sobre o tema da compensação invocado pela Recorrida”, concretizando que: “(…) 102. Assim, importa começar por referir que a Recorrida peticionou no Processo de Recuperação da aqui Recorrente que os créditos entre as mesmas fossem objeto de uma compensação, resultando assim um crédito final a favor da Ré no valor de € 14.827,95 (catorze mil, oitocentos e vinte e sete euros e noventa e cinco cêntimos). 103. Tal resulta de forma expressa do Doc. 8 junto com a Réplica, não impugnado pela Recorrida. 104. Contudo, tal pedido foi recusado pelo Administrador Judicial, uma vez que foi entendido que o crédito em causa não poderia ser objeto de compensação face às disposições normativas da lei Brasileira. 105. Tal resulta do depoimento do Administrador Judicial LJ em conjugação com o teor dos Documentos 9, 10 e 11 juntos com a Réplica. 106. O referido Senhor Administrador Judicial, a instâncias do mandatário da Recorrida declarou ou seguinte: Meritíssimo Juiz: A Campotec invocou alguma compensação de créditos? LJ: Perfeitamente, na estação administrativa invocou uma compensação de créditos no montante líquido de €14.828,69. Meritíssimo Juiz: Catorze mil e? LJ: €14.828,69. Meritíssimo Juiz: Portanto era o único crédito que entendia que existia que estava compensado com os créditos que a Pomifrutas tinha sob a Campotec, era isso? LJ: Sob o ponto de vista da Campotec, sim. Meritíssimo Juiz: E quanto a essa questão da compensação, o que é que foi decidido? LJ: A legislação recuperacional Brasileira Excelência não permite a compensação desse tipo de créditos com débitos. A Campotec invocou o Artigo 122.º da legislação Brasileira de recuperação judicial, contudo, o artigo 122.º da nossa lei não se aplica à recuperação judicial, se aplica exclusivamente a casos de falência, o que não era o caso. Então a nossa legislação não é possível fazer a compensação de créditos com débitos em caso de recuperação judicial, essa forma e à evidência da lei, a compensação judicial não foi admitida. 107. A acrescer, é igualmente importante ficar provado que a Recorrida, apesar de ter apresentado uma reclamação durante o período de revisão administrativa do crédito, não impugnou judicialmente o valor constante do quadro de recuperação judicial que lhe foi reconhecido, e assim, conformou-se com o mesmo. 108. Tal resulta dos Docs. 9, 10 e 11 juntos com a Réplica, bem como, das declarações prestadas pelo Senhor Administrador Judicial LJ o qual declarou a respeito desta matéria que: Mandatário da Recorrente: Gostava só de perguntar ao Senhor Administrador se houve alguma impugnação da parte da Ré relativamente à admissão ou não admissão do seu crédito no processo de recuperação? Meritíssimo Juiz: Houve alguma impugnação da parte da Campotec quanto à admissão do seu crédito, dizendo que era superior àquele que foi reconhecido? LJ: Apenas durante o período de revisão administrativa do crédito, Excelência. Quando… Depois que a administração judicial apresentou em juízo o quadro de recuperação judicial, a Campotec poderia ter impugnado evidentemente judicialmente, mas não o fez (…)”. A recorrida contrapôs que a nunca foi notificada pelo Sr. Administrador de qualquer lista ou da reclamação de créditos, não se tendo conformado com o que desconhecia, concluindo que nada há que motive a que tal facto se deva considerar como provado. Ora, neste ponto, não assiste motivo para a inclusão no rol dos factos provados da matéria assinalada pela recorrente. Na realidade, a referida matéria não se reconduz a qualquer dos articulados apresentados pelas partes, procurando a recorrente assentar a sua pertinência com base, exclusiva, no depoimento de LJ e nos documentos n.ºs. 9, 10 e 11 juntos com a réplica. Sucede que, nos documentos n.º 9, 10 (parte) e 11, juntos com a réplica, apenas é mencionado que a ré tem um crédito de € 268.471,40, sendo que, a restante parte do documento n.º 10 junto com a réplica corresponde a decisão tomada no processo de recuperação de 17-09-2018. A ausência de base documental – sendo certo que, todos os factos em questão se reportam a atividade que teria ocorrido no âmbito do processo judicial em questão (pretensão da ré, recusa pelo Administrador Judicial, reclamação administrativa e ausência de impugnação judicial – da correspondente factualidade não permite, sem outros elementos, dar como assente uma tal factualidade. De acordo com o exposto, cumprirá indeferir o pretendido aditamento aos factos provados. * NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE: 1. A Autora é uma sociedade anónima constituída no ano de 1962 de acordo com o Direito Brasileiro e que se dedica à produção e à comercialização de maçãs in natura e processadas, nas variedades Gala, Royal Gala, Imperial Gala, Fuji e Fuji Suprema. 2. A Ré é uma sociedade comercial constituída de acordo com o Direito Português que tem por objeto a produção, preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas; investigação, desenvolvimento e prestação de serviços técnicos; comércio e distribuição de produtos hortofrutícolas adquiridos aos seus membros, acessoriamente poderá ainda adquirir o mesmo tipo de bens a terceiros; conservação, transformação e comércio de frutos e produtos hortícolas frescos minimamente processados. 3. A Autora e a Ré tinham entre si uma relação comercial que existiu entre Dezembro de 2015 e Dezembro de 2017 e que consistiu em importações e exportações recíprocas de frutas, sobretudo maçãs, mas também, em menor quantidade, ameixas e peras. 4. Autora e Ré, outrora parceiras comerciais, valiam-se assim das vantagens advindas dos diferentes ciclos periódicos de plantio e colheita no Brasil e em Portugal. 5. No âmbito da relação comercial existente entre as partes, a Autora, durante o primeiro semestre de 2017, e por solicitação da Ré, vendeu a esta última diversos carregamentos de maçãs do tipo “fuji” e “Imperial Gala”. 6. O preço acordado entre as partes foi de €0,50 (cinquenta cêntimos) por quilo. 7. As mercadorias em causa foram entregues à Ré, nos termos acordados entre as partes. 8. No total, foram fornecidos pela Autora e entregues à Ré 780.995 (setecentos e oitenta mil, novecentos e noventa e cinco) Kg (quilogramas) de maçãs. 9. A respeito dos diversos carregamentos de maçãs fornecidos, foram emitidas diversas faturas pela Autora à Ré, devidamente recebidas por esta última e acompanhadas da documentação de exportação atinente, no valor total de €390.497,50. 10. As partes acordaram que as faturas supra descritas se venceriam dentro de um prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da respetiva data de emissão. 12. No desenvolvimento dessa relação comercial foram fornecidas pela ré à autora frutas, tendo sido emitidas as respetivas faturas, no montante de 179.565,80€. 13. No processo de recuperação da autora e da Pomifrai – Fruticultura, S.A. foi reconhecido à ré o crédito global de €268.471,40, conforme consta da lista de fls. 138 e ss., mais especificamente a fls. 143, sendo: - No valor de €179.565,80 sobre a autora; e - No valor de €88.905,60 sobre a Pomifrai – Fruticultura, S.A. 14. Por carta recebida pela autora em 15-02-2018, a ré comunicou à autora a compensação dos seus créditos com o crédito da autora referidos supra em 9., nos termos do documento de fls. 97-98, carta a que a autora respondeu, por carta, com data de 22-02-2018, constante de fls. 134, não aceitando a compensação face à pendência do procedimento de recuperação referido em 17. 15. Por via da carta recebida pela autora em 15-02-2018, a ré comunicou também à autora que a Melro Brasil Lda. lhe cedeu o crédito decorrente do fornecimento de frutas efetuado à autora, titulado pelas seguintes faturas: Factura nº 601 de 20/01/2017 (675,00 Reais) Factura nº 671 de 20/03/2017 (3.732,52 Reais) Factura nº 673 de 31/03/2017 (5.7000,00 Reais) Factura nº 672 de 31/03/2017 (6.460,00 Reais) Factura nº 675 de 03/04/2017 (5.320,00 Reais) Factura nº 677 de 04/04/2017 (3.040,00 Reais) Factura nº 676 de 04/04/2017 (3.800,00 Reais) Factura nº 678 de 05/04/2017 (666.000 Reais) Factura nº 679 de 07/04/2017 (296.00 Reais) Factura nº 680 de 18/05/2017 (716.00 Reais) Factura nº 682 de 26/07/2017 (120.269,48 Reais), Tudo no valor total de 150.675.00 Reais, que corresponde a 40.722,01€ ao câmbio da altura, pretendendo igualmente compensar este crédito, nos termos indicados supra em 14.. 16. A Autora, no decurso do ano de 2017, adquiriu grandes quantidades de fruta, e, em janeiro de 2018, de forma imprevisível e sem que os fornecedores com isso contassem, interpôs um processo de Recuperação, conseguindo assim que entrassem no seu património grandes quantidades de mercadoria, que, após a interposição do processo, não pagou. 17. A autora e a Pomifrai - Fruticultura, S.A. apresentaram no dia 25-01-2018 um “Procedimento de Recuperação”, o qual foi deferido pelo Tribunal da Comarca de Fraiburgo (1.ª Vara) na mesma data (cfr. doc. de fls. 128-130) e corre atualmente termos sob o Proc. n.º 0300188-72.2018.8.24.0024. 18. Os administradores e sócios da autora mantêm os poderes de administração da sociedade, tendo sido por via deles que esta ação foi instaurada, conforme teor da procuração junta aos autos. 19. Por decisão proferida em 17 de fevereiro de 2020 pelo Juízo da 1.ª Vara Cível da Comarca de Fraiburgo /SC (Processo …- …) foi proferida decisão no sentido da falência da aqui Autora (e da sua participada Pomifrai Fruticultura S/A.). 20. A Autora interpôs recurso de agravo contra essa mesma decisão, tendo o Juiz Desembargador Competente, por decisão de 3 de Março de 2020, concedido efeito suspensivo ao recurso, assim suspendendo os efeitos da decretação da falência até julgamento final do agravo. * NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA NÃO PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE: Não se provaram os outros factos relevantes da contestação e que respeitavam ao alegado crédito da Pomartec (arts. 103.º e 105.º da contestação) e da Melro (arts. 39.º, 40.º e 101.º e 102.º da contestação) e à fatura n.º 1133, no montante de 85.079,60 €, bem como, que a ré tenha fornecido mercadoria à autora, para além do referido em 12 (artigos 37.º e 99.º da contestação). * III) Mérito do recurso: * K) Se o contrato celebrado consiste num contrato de compra e venda recíproca de frutas com o preço fixado em euros e não um contrato de “troca” ou de “escambo”? Considera a recorrente que a tipologia contratual aplicável à relação entre as partes é a do contrato de compra e venda e, não, aquela que foi considerada pelo Tribunal recorrido. Invocou, para o efeito, o que consta alegado nos artigos 102.º a 119.º da sua alegação de recurso, argumentando, em suma, que: - O enquadramento do Tribunal não tem amparo na matéria alegada pelas partes, nem na prova produzida; - A recorrida admitiu que existem créditos recíprocos entre as partes e que, na sua ótica, careciam de compensação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 847.º do CC, por compensação de créditos e, não, que a sua obrigação se extinguiu com a entrega de fruta. A recorrida pugnou no sentido de que o negócio consistiu sempre na troca de fruta, em que os pagamentos eram feitos por compensação, através de tabela de equivalência, constituindo as faturas meras formalidades legais e nenhuma correspondendo à mercadoria efetivamente enviada, encontrando-se as contas entre ambas saldadas. Na decisão recorrida concluiu-se que: “Em causa nos autos estão, quanto à pretensão da autora, uns concretos fornecimentos de fruta efetuados à ré. Portanto, aparentemente, estamos perante um contrato de compra e venda, em que uma parte transmite à outra a propriedade sobre determinados bens mediante um preço (art.º 874º do CCivil). Acontece, porém, que se provou que existia um quadro contratual prévio, acordado no início da relação comercial, em finais de 2015, que estabelecia as regras pelas quais se pautava a relação comercial entre as partes. Quanto a esse quadro negocial provou-se o seguinte: - A Autora e a Ré tinham entre si uma relação comercial que existiu entre dezembro de 2015 e dezembro de 2017 e que consistiu em importações e exportações recíprocas de frutas, sobretudo maçãs, mas também, em menor quantidade, ameixas e peras. - Autora e Ré, outrora parceiras comerciais, valiam-se assim das vantagens advindas dos diferentes ciclos periódicos de plantio e colheita no Brasil e em Portugal. - Entre a Ré e Autora foram efetuadas várias trocas de maçãs que produziam, sendo o pagamento da maçã fornecida pela Autora à Ré efetuado com fornecimentos de maçã da Ré à Autora, e vice-versa, assim se operando a troca. Em face destes factos, temos que o contrato celebrado foi, na realidade e na sua essencialidade, o de troca, ou de escambo, como também se designa. Como se constata, o que as partes acordaram foi o fornecimento recíproco de fruta, aproveitando as vantagens advindas dos diferentes ciclos periódicos de plantio e colheita no Brasil e em Portugal, sendo o pagamento da maçã fornecida pela autora à ré efetuado com fornecimentos de maçã da ré à autora, e vice-versa. Quanto às normas que regulam este contrato, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.09.200812 decidiu o seguinte, assim sumariado: “I - O contrato de permuta (ou de troca ou escambo) não se encontra especificamente regulamentado no Código Civil, sendo-lhe aplicáveis, ainda assim, e dada a sua natureza de contrato oneroso, as disposições relativas ao contrato de compra e venda (art.º 939.º do CC). II - Porém, os normativos próprios da compra e venda não são aplicáveis incondicional e automaticamente, mas apenas e na medida em que se harmonizem com a natureza específica da permuta e a ela adaptados. III - Do mesmo modo, as normas da compra e venda ter-se-ão por inaplicáveis à permuta quando forem contrárias ou incompatíveis com as regulações concretamente queridas pelas partes”. Concordamos com os considerandos deste sumário. Deles resulta que o contrato de troca, ou escambo, é um contrato atípico, pois não tem regulação legal específica, devendo recorrer-se ao regime da compra e venda para determinar o seu regime, tendo em conta, naturalmente, aquilo que as partes acordaram no âmbito da autonomia da vontade, consagrada no art.º 405º/1 e 2 do CCivil. Segundo este preceito, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no CCivil ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei. A essencialidade do contrato de troca radica no facto de o “pagamento” do bem cuja propriedade uma parte transmite para a outra, ser efetuado com a transmissão de outro bem, previamente definido, e não em numerário. Não se confunde com a dação em cumprimento na medida em que esta constitui um desvio ao plano negocial inicialmente definido, sendo uma forma de extinção da obrigação diferente da forma de cumprimento estabelecida no momento da conclusão do contrato. No caso da troca, a forma de extinção da obrigação por via da transmissão da propriedade de um outro bem está estabelecida ab initio (…)”. Importa, liminarmente, referir que, na decorrência da procedência parcial da impugnação da matéria de facto, pugnada pela recorrente, as premissas em que assentou este juízo encontram-se, agora, alteradas. De facto, a matéria provada relevante para a apreciação da qualificação da relação jurídica formada entre as partes reconduz-se à seguinte: - A Autora é uma sociedade anónima constituída no ano de 1962 de acordo com o Direito Brasileiro e que se dedica à produção e à comercialização de maçãs in natura e processadas, nas variedades Gala, Royal Gala, Imperial Gala, Fuji e Fuji Suprema (facto provado n.º 1); - A Ré é uma sociedade comercial constituída de acordo com o Direito Português que tem por objeto a produção, preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas; investigação, desenvolvimento e prestação de serviços técnicos; comércio e distribuição de produtos hortofrutícolas adquiridos aos seus membros, acessoriamente poderá ainda adquirir o mesmo tipo de bens a terceiros; conservação, transformação e comércio de frutos e produtos hortícolas frescos minimamente processados (facto provado n.º 2); - A Autora e a Ré tinham entre si uma relação comercial que existiu entre Dezembro de 2015 e Dezembro de 2017 e que consistiu em importações e exportações recíprocas de frutas, sobretudo maçãs, mas também, em menor quantidade, ameixas e peras (facto provado n.º 3); - Autora e Ré, outrora parceiras comerciais, valiam-se assim das vantagens advindas dos diferentes ciclos periódicos de plantio e colheita no Brasil e em Portugal (facto provado n.º 4); - No âmbito da relação comercial existente entre as partes, a Autora, durante o primeiro semestre de 2017, e por solicitação da Ré, vendeu a esta última diversos carregamentos de maçãs do tipo “fuji” e “Imperial Gala”, mediante o preço acordado de €0,50 (cinquenta cêntimos) por quilo e tendo as mercadorias em causa foram entregues à Ré, nos termos acordados entre as partes, tendo sido fornecidos, no total, pela autora e entregues à ré, 780.995 Kg de maças (cfr. factos provados n.ºs. 5 a 8); - A respeito dos diversos carregamentos de maçãs fornecidos, foram emitidas diversas faturas pela Autora à Ré, devidamente recebidas por esta última e acompanhadas da documentação de exportação atinente, no valor total de €390.497,50 (cfr. facto provado n.º 9); - As partes acordaram que as faturas supra descritas se venceriam dentro de um prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da respetiva data de emissão (facto provado n.º 10); e - No desenvolvimento dessa relação comercial foram fornecidas pela ré à autora frutas, tendo sido emitidas as respetivas faturas, no montante de 179.565,80€ (cfr. facto provado n.º 12). Importa sublinhar que a denominação de um contrato como pertencendo a um determinado tipo contratual, com relevância para determinar qual o regime jurídico aplicável, é uma operação lógica subsequente à interpretação das declarações de vontade das partes. Mas, de todo o modo, a qualificação de um contrato é matéria de direito sobre a qual o tribunal se pronuncia livremente, sem estar vinculado à denominação que os contraentes tenham empregado ou àquela que considerem respeita à relação jurídica que concluíram. Com efeito, de harmonia com o princípio do dispositivo, ao juiz só é lícito servir-se dos factos alegados pelas partes; contudo, no que toca à qualificação jurídica desses factos, rege o princípio da liberdade de apreciação. Assim, a natureza ou espécie de certo contrato pode não corresponder, necessariamente, à designação que as partes lhe atribuíram e, portanto, à qualificação que dele fizeram. E, como escreveu o Prof. Galvão Telles, “a não adequação da designação adoptada pelas partes à real natureza do contrato pode resultar de circunstâncias várias, ou de equívoco ou ignorância ou do objecto de defraudar a lei, procurando enquadrar o negócio num modelo que não é o seu, para, através do uso da denominação específica de outro e a confusão assim estabelecida, tentar extrair daí consequências jurídicas favoráveis às partes ou a uma delas...” (cfr. Parecer publicado na C.J., ano XVII, t. 2, p. 27). No caso, o problema complica-se, pois, as declarações das partes não se sedimentaram num documento escrito, nem tomaram alguma forma específica. De facto, a formação de um contrato não tem de passar pela formulação ritual de uma proposta e uma aceitação, paradigma a que o Código Civil reconduz a fase formativa mas que é apenas um possível modelo, entre outros, para a conclusão de um contrato (sobre o tema, v. Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, Conceito, fontes, formação, 4.ª ed., Almedina, 2008, pp. 111-200). O contrato de compra e venda encontra-se regulado nos artigos 874.º a 939.º do CC, sendo definido naquele primeiro artigo como “o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”. Conforme ensina Menezes Leitão (Direito das Obrigações; Vol. III, Almedina, 2002, p. 12 e p. 14): “Desta definição resulta que a compra e venda consiste essencialmente na transmissão de um direito contra o pagamento de uma quantia pecuniária, consistindo economicamente na troca de uma mercadoria por dinheiro (…). Sendo um contrato translativo de direitos, a compra e venda pressupõe ainda a existência de uma contrapartida pecuniária para essa transmissão. Se não existir qualquer contrapartida, o contrato é qualificado como doação (art.º 940.º) e se a contrapartida não consistir numa quantia pecuniária, o contrato já não se constitui como uma compra e venda, mas antes como um contrato de escambo ou troca”. O escambo ou troca era um contrato tipificado no artigo 1592.º do CC de 1867, mandando o artigo 1594.º desse Código aplicar-lhe as regras da compra e venda, exceto na parte relativa ao preço. Presentemente, o contrato de troca deixou de estar tipificado no CC (para além da disposição do artigo 1378.º desse Código), embora continuem a ser-lhe aplicáveis as regras da compra e venda, por força do disposto no artigo 939.º do CC (neste sentido, vd., entre outros: o Acórdão do STJ de 09-10-2007, Pº 07A2761, rel. FONSECA RAMOS; o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-1998, Pº 0032276, rel. SALVADOR DA COSTA; os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 07-09-2009, Pº 2813/08.6TBPRD-A.P1, rel. MARIA ADELAIDE DOMINGOS; de 09-02-2010, Pº 4575/08.8TBMAI-A.P1, rel. GUERRA BANHA; de 19-06-2017, Pº 3630/15.2T8GDM.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES; e de 12-10-2021, Pº 1525/19.0T8VCD.P1, rel. ANABELA DIAS DA SILVA; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-03-2014, Pº 1483/11.9TBVIS.C1, rel. CARVALHO MARTINS; e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-06-2014, Pº 175/10.0TSLV.E1, rel. MATA RIBEIRO). O contrato de troca encontra-se, contudo, previsto no artigo 480.º do Código Comercial, preceito onde se prescreve que: “O escambo ou troca será mercantil nos mesmos casos em que o é a compra e venda, e regular-se-á pelas mesmas regras estabelecidas para esta, em tudo quanto forem aplicáveis às circunstâncias ou condições daquele contrato.” Conforme se mencionou no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-06-2018 (Pº 082/18, 2.ª secção, rel. ANA PAULA LOBO) a respeito do contrato de troca, “a realidade que lhe está subjacente são duas compras e vendas recíprocas e de sinal contrário, de bens ou de direitos, em que a contraprestação não é dinheiro, mas sim o bem alienado pela contraparte integradas num mesmo contrato, um único acordo de vontades. A regulamentação própria do contrato de compra e venda não lhe é adequada quanto às regras que são efeito necessário da existência de preço, aqui inexistente”. Ou seja: “O contrato de permuta, troca ou escambo traduz-se na atribuição recíproca entre os contraentes de coisas presumivelmente de idêntico valor, adquirindo e perdendo cada um deles a propriedade sobre elas, mas se a atribuição da coisa à outra parte é para pagar um preço, já não estamos perante a permuta ou troca” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 01-10-2009, Pº 2688/07.2TBVCT.G1, rel. MANSO RAÍNHO). Com aprofundada investigação sobre o contrato de permuta, Sérgio Manuel da Costa Machado (Do Contrato de Permuta; Almedina, 2021, pp. 123-124) salienta que, “é necessário ter em linha de conta o facto de que, no contrato de permuta, não existe uma contraprestação, que é o pagamento do preço, pois, como sabemos, uma característica essencial do contrato de permuta é a ausência de dinheiro. O contrato de compra e venda caracteriza-se por haver a transmissão da propriedade, contra o pagamento de um preço, alargando-se assim a outros contratos em que não se transmite o direito de propriedade, mas sim outros direitos”. Na análise da distinção entre o contrato de permuta e a compra e venda, Sérgio Manuel da Costa Machado (Do Contrato de Permuta; Almedina, 2021, p. 195) considera que, “(…) a troca está subjacente ao contrato de permuta e ao contrato de compra e venda (…). Como clarifica MASSIMO BIANCA, o contrato de permuta, tal como o contrato de compra e venda, entra na categoria dos contratos de troca, caracterizando-se por uma autonomia causal e baseando-se no significado económico-social que assume na transmissão de uma coisa por outra coisa. Por conseguinte, a troca assenta em uma bilateralidade de custos e de benefícios para as partes que entram na operação contratual (…)”, mas sublinha a distinção entre ambos os contratos, desde logo, ao nível das obrigações das partes: “(…) na compra e venda, as obrigações das partes contraentes são: de um lado, entregar a coisa; do outro lado, entregar o preço sobre essa mesma coisa. Por sua vez, no contrato de permuta, as partes têm obrigações idênticas, ou seja, existe a entrega de uma coisa ou de um direito, havendo, em contrapartida, outra coisa ou direito, que pode ou não ter a mesma equivalência (…)”. Ora, no caso dos autos, ao invés da conclusão a que chegou o Tribunal recorrido, não se divisa no fornecimento de fruta, protraído no tempo, recíproco entre as partes, mediante a concretização de importações e exportações entre ambas, valendo-se das vantagens dos diferentes ciclos periódicos de plantio e colheita de fruta, no Brasil e em Portugal, que, por um lado, o pagamento da maçã fornecida pela autora à ré fosse efetuado com o fornecimento de maçã da ré à autora e, vice-versa, nem, por outro lado, que tenha tido lugar um específico quadro contratual prévio, acordado no inicio da relação comercial, em finais de 2015, pelo qual se estabeleciam as regras pelas quais se pautava a relação comercial entre as partes, ou, pelo menos, não se apurou uma tal realidade, não o revelando os factos apurados. Neste ponto, importa ainda fazer uma referência ao denominado “contrato de fornecimento”. A respeito deste contrato refere Carolina Cunha («O contrato de fornecimento no sector da grande distribuição a retalho: perspectivas actuais», in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, I, org. Diogo Leite de Campos, Coimbra Editora, 2009, pp. 622-623) que: “Trata-se, no caso, de um negócio de execução reiterada, em que uma das partes (o fornecedor) se obriga, contra o pagamento de um preço, a realizar fornecimentos periódicos ao outro contraente (o fornecido)”. Nas palavras de Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II, Almedina, 2007, pp. 142-3, “o contrato de fornecimento caracteriza-se pelo carácter periódico ou contínuo da prestação não monetária (mercadoria, publicações, água, eletricidade, gás, telefone). (…) É frequente a qualificação doutrinária do contrato de fornecimento como subtipo da compra e venda. Mais adequada parece ser porém, se a interpretação do contrato a tal não se opuser, a qualificação como contrato-quadro, no âmbito do qual se celebram múltiplos contratos de compra e venda ou de prestação de serviço”. De acordo com José Engrácia Antunes (Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, p. 358), o contrato de fornecimento “pode assumir diferentes configurações que vão desde a execução de prestações periódicas e continuadas até verdadeiros contratos-quadro que dão lugar a sucessivas compras e vendas mercantis independentes que se prolongam no tempo (v.g., contratos de fornecimento de matérias-primas, eletricidade, gás, etc.)”. No contrato de fornecimento, uma das partes (designada por fornecedor) obriga-se: a fornecer bens ou serviços continuamente, mediante um preço (normalmente a pagar periodicamente) ou a fornecer bens ou serviços, periódica ou reiteradamente, contra uma prestação pecuniária; ou, ainda, a celebrar futuros contratos onerosos (nomeadamente de compra e venda, de locação ou de prestação de serviços), quando solicitado pela contraparte. Trata-se de um contrato duradouro, com influência direta do tempo no conteúdo da prestação, pois o fornecedor obriga-se a ir prestando (eventualmente, celebrando os futuros contratos de execução) ao longo de um período de tempo, não tendo forma de cumprir antecipadamente, pois os futuros fornecimentos não podem, na lógica do contrato, ser efetuados todos de uma vez, desde logo porque a sua concretização – em termos de número, quantidades, tempos – apenas em momentos futuros e diversos será feita de acordo com as encomendas (ou consumos) a realizar pela contraparte. Quando o contrato de fornecimento se destina a determinar ou regular a celebração de futuros contratos, é também um contrato-quadro (sobre esta categoria e suas várias modalidades, v. Maria Raquel de Almeida Graça Silva Guimarães, O Contrato-Quadro no Âmbito da Utilização de Meios de Pagamento Electrónicos, Coimbra Editora, 2011, sobretudo pp. 59-168). Conforme se mencionou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-02-2018 (Pº 22131/15.2T8LSB.L1-7, rel. HIGINA CASTELO): “À expressão contrato de fornecimento podem reconduzir-se ocorrências contratuais de feições diversas que podemos agrupar nos seguintes modelos: a) - Contrato em que o fornecedor disponibiliza o seu produto em contínuo, durante um dado período ou sem termo determinado, obrigando-se a contraparte a pagar em função do que for consumindo ou retirando, sem prejuízo de poder também ser acordada uma prestação fixa, única ou reiterada, por essa disponibilidade; b) - Contrato pelo qual as partes acordam que o fornecedor realizará futuras entregas de certos produtos e quantidades (ou prestará futuros serviços), com dada periodicidade, durante um período ou sem termo determinado, mediante contraprestação pecuniária; c) - Contrato no qual as partes (ou uma delas) se obrigam à futura celebração de contratos de execução (compras e vendas, prestações de serviços, locações), durante um dado período ou por tempo indeterminado, podendo regular com maior ou menor intensidade esses futuros contratos (sua cadência, preços, formas de pagamento, quantidades globais por período de tempo, locais de entrega, etc.)”. Ora, no caso dos autos, evidenciou-se que a componente pecuniária de pagamento do preço era inerente às trocas comerciais entre autora e ré. Ou seja: Não havia especifica troca de fruta por fruta, no sentido de que, o cumprimento da obrigação de entrega de fruta “saldasse” ou “quitasse” o débito de fruta pré-existente. O cumprimento das obrigações inerentes não se efetuava pela entrega de outro bem que não o pagamento do preço respetivo e acordado entre as partes. O cumprimento da obrigação reconduzia-se, pois, ao cumprimento da principal obrigação correspetiva da entrega da fruta vendida: a do pagamento do preço, ainda que tal fosse feito, a 180 dias, por forma a que, em termos económico-financeiros, o pagamento fosse realizado numa altura em que a contraparte já efetuaria um fornecimento de fruta e em que o fluxo financeiro da contraparte, procurasse, tanto quanto possível, anular o dispêndio inicial, decorrente da primeira aquisição. Mas, a correspetiva e principal obrigação não era a de entrega de nova fruta pelo recebedor da primeira, mas sim, o de observar o pagamento do preço da fruta vendida. Tal conduz à exclusão de aplicação, como se viu, do regime do contrato de troca. Mas, por outro lado, não se afere, dos factos provados, que o produto (a fruta) fosse disponibilizado à contraparte em contínuo ou que houvesse qualquer obrigação nesse sentido, muito menos, de fornecimento periódico ou futuro, nada disso resultando dos autos, nem que houvesse vinculação – nenhuma factualidade se tendo apurado nesse sentido, com reporte ao inicio da relação estabelecida entre as partes - à concretização de futuras compras e vendas, mas apenas e tão-só que, no âmbito e por causa da relação comercial estabelecida entre ambas (uma pura parceria ou colaboração económica entre autora e ré, atuando no mesmo mercado de produtos – a fruta – mas, com produção em mercados espacialmente diversos), ocorreram exportações e importações entre as partes, que se ligavam ao ciclo produtivo de fruta respetivo (disruptivo), em Portugal e no Brasil. Afastado se mostra, pois, o enquadramento da relação jurídica num contrato de fornecimento pré-existente ou de conteúdo mais amplo e integrador das compras e vendas realizadas. Por via das exportações/importações ocorridas, a autora vendeu à ré maças no valor total de €390.497,50 (cfr. factos provados n.ºs. 5 a 9) e a ré forneceu à autora frutas, pelo montante de €179.565,80, estando ambas as partes, reciprocamente, obrigadas a entregar o objeto da prestação e a pagar o preço correspondente, também se verificando, logicamente, o efeito translativo de aquisição/alienação correspondente do bem comprado/vendido. Pode sintetizar-se o exposto, nos seguintes termos: a) Tendo a autora - uma sociedade comercial brasileira - convencionado com a ré – uma sociedade comercial portuguesa - entregar-lhe fruta (maçãs do tipo “Fuji” e “Imperial Gala”) produzida no Brasil, que esta lhe adquiriu importando-a para Portugal e obrigando-se a pagar-lhe o respetivo preço, a relação jurídica entabulada enquadra-se na do contrato de compra e venda internacional, ainda que, nos mesmos moldes, a ré tenha entregue fruta à autora (exportando-a de Portugal para o Brasil), que esta lhe adquiriu, obrigando-se, igualmente, a pagar o preço correspondente, celebrando um recíproco contrato de compra e venda internacional. b) Sendo a obrigação principal - correspetiva à da entrega de fruta, a cargo da contraparte - a obrigação de pagamento de preço, mostra-se excluída a consideração, em termos de enquadramento jurídico dos factos apurados, do denominado contrato de troca, escambo ou permuta. c) Não se tendo apurado que a fruta fosse disponibilizada à contraparte em contínuo ou que houvesse obrigação de fornecimento periódico ou futuro ou à concretização de futuras compras e vendas, não se está perante um contrato de fornecimento. A factualidade apurada enquadra-se, pois, no âmbito do contrato de compra e venda internacional, sendo-lhe aplicável o respetivo regime jurídico. * L) Se a lei substantiva aplicável é a lei brasileira e não a lei portuguesa? A regulação de relações jurídicas que apresentem elementos de conexão com diversos Estados é suscetível de gerar um problema de determinação da lei substantiva aplicável. No presente caso, apurou-se, de facto que, entre a autora (sociedade anónima constituída sob o direito brasileiro) e a ré (sociedade anónima de direito português) e que entre ambas ocorreram exportações/importações de produtos (entre o Brasil e Portugal e vice-versa), nos valores acima referenciados, o que, desde logo, coloca a questão de saber qual a lei substantivamente aplicável a essa relação plurilocalizada. Considera a recorrente que ao caso dos autos é aplicável a lei substantiva brasileira. Invocou, para tanto, o seguinte: “(…) 120. Estando definida a tipologia contratual em causa nos presentes autos e uma vez que estamos perante uma relação plurilocalizada com elementos de conexão no Brasil e em Portugal, importa agora definir a lei aplicável à mesma. 121. Neste âmbito recorde-se que o Tribunal “a quo” considerou que a lei aplicável à relação contratual e à pretensa compensação seria a lei Portuguesa e não a lei Brasileira. Contudo, com o devido respeito, fê-lo de forma errónea e em violação das disposições legais aplicáveis. Vejamos: 122. Portugal é um Estado Contratante do Regulamento CE 593/2008 de 17 de Junho de 2008 do Parlamento Europeu e do Conselho referente à lei aplicável às obrigações contratuais (mais conhecido como “Regulamento Roma I”). 123. Como bem decidiu o Tribunal “a quo” nesta parte, a questão da lei substantiva aplicável deverá ser decidida com base no referido regulamento, sendo que as suas provisões derrogam as regras de conflitos internas a este respeito constantes nomeadamente do Código Civil Português. 124. Contudo, a solução que emerge do referido Regulamento no que respeita à lei aplicável não é a lei Portuguesa, mas sim a lei Brasileira. 125. Com efeito, no presente caso, as partes não acordaram entre si qual seria a lei aplicável a uma disputa emergente do contrato celebrado entre si e das faturas em questão. 126. Nesse caso, o artigo 4.º do referido Regulamento determina que: “Na falta de escolha nos termos do artigo 3.º e sem prejuízo dos artigos 5.º a 8.º, a lei aplicável aos contratos é determinada do seguinte modo: a) O contrato de compra e venda de mercadorias é regulado pela lei do país em que o vendedor tem a sua residência habitual”. 127. Dito isto, considerando que a parte vendedora nos termos invocados na Petição Inicial - ou seja, a Recorrente - tem sede no Brasil, o Tribunal Português deverá aplicar a lei substantiva Brasileira para efeitos de decisão desta disputa. 128. Mais: o Artigo 17.º do mesmo Regulamento sob a epígrafe “Compensação” determina que “Caso as partes não acordem no direito a compensação, a lei que regula a compensação é a lei aplicável ao crédito contra o qual se invoca a compensação” . 129. Ora, contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo” na sentença proferida o crédito contra o qual se invoca a compensação é o crédito da empresa Brasileira e nessa medida, a lei que lhe seria aplicável é novamente a lei Brasileira e não a lei Portuguesa (…)”. A recorrida, por seu turno, pronunciou-se no sentido de que é aplicável a lei substantiva portuguesa, dizendo o seguinte: “(…) 161. Entende a Ré que, sendo certo que, a lei aplicável às obrigações contratuais determinada segundo o Regulamento (CE) Nº 593/2008 de 17/6/2008 (Roma I) afasta as normas de conflitos nacionais, essa aplicação da lei, apenas diz respeito, aos Estados-Membros da União Europeia (com excepção da Dinamarca) 162. Insistindo porém a Autora (veja-se o requerimento de Réplica) em tal tese. 163. Argumentando, textualmente que “a questão da lei substantiva aplicável deverá ser decidida com base no referido regulamento “Roma I”, sendo que as suas provisões legais derrogam as regras de conflitos internas a este respeito constantes nomeadamente do Código Civil Português.” 164. Nomeadamente porque entende que, Portugal é um Estado Contratante do Regulamento CE 593/2008 de 17 de Junho de 2008 do Parlamento Europeu e do Conselho referente à lei aplicável às obrigações contratuais (mais conhecido como “Regulamento Roma I”). E, como tal, a questão da lei substantiva aplicável deverá assim ser decidida com base no referido regulamento, sendo que as suas provisões derrogam as regras de conflitos internas a este respeito constantes nomeadamente do Código Civil Português. 165. A Ré, volta a sublinhar que, o Brasil, não é, por razões óbvias, parte contratante em tal Regulamento. 166. A Autora, para além do seu convencimento próprio, nenhum outro argumento apresenta que contrarie o óbvio, que é o facto de não fazer sentido a avocação da A. do Regulamento em causa, nem da legislação comunitária que pretende aplicar, numa relação com um Estado fora da C.E. 167. O que se deve referir a este propósito, é o seguinte: 168. Em Portugal, é admitido o reenvio para a lei de outro Estado, mediante determinados circunstancialismos legais, nomeadamente, tendo em conta o fator de conexão, i.e. o elemento de facto ou de direito, escolhido pela regra de conflitos, do qual depende a designação da lei aplicável. 169. Este factor de conexão, pode ser, consoante os casos, o lugar da celebração de um negócio. 170. O regime previsto nas normas de conflitos nacionais, no nosso ordenamento jurídico, determina que, reclamando a A. um eventual incumprimento do contrato, será pelo recurso às normas dos art.ºs 41º e 42º do C.C., referentes à lei reguladora das obrigações provenientes de negócios jurídicos, que se determina a lei substantiva aplicável, cf. também, artigos 62º e 63º do C.P.C. onde se pode retirar, nomeadamente no artigo 41º do C.C. sob epígrafe (Obrigações provenientes de negócios jurídicos): As obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista. 171. Acrescentando o Artigo 42.º do mesmo C.C. sob epígrafe (Critério supletivo) Na falta de determinação da lei competente, atende-se, nos negócios jurídicos unilaterais, à lei da residência habitual do declarante e, nos contratos, à lei da residência habitual comum das partes. Na falta de residência comum, é aplicável, nos contratos gratuitos, a lei da residência habitual daquele que atribui o benefício e, nos restantes contratos, a lei do lugar da celebração. 172. Ora, o que resultou provado quer pela documentação, quer sobretudo pelos testemunhos prestados em audiência, foi que o contrato, ou antes, os contornos do negócio acordado, foram determinados, maioritariamente em Portugal na sede da Ré. 173. As testemunhas ouvidas, foram unânimes em reconhecer, quanto à formação do negócio, inicialmente, ocorreram reuniões preparatórias no Brasil entre os então representantes da A. e da Ré. 174. Mas, posteriormente, os representantes à data, da Autora, deslocaram-se às instalações da Ré em Portugal, onde se definiram os contornos finais do negócio (troca de fruta). 175. Foi aqui que o negócio ficou definitivamente acordado. 176. Não podendo desde já deixar de se dizer que, tal como a Ré afirmou “ab Initio” na sua Contestação, (cf. parágrafo 26 do articulado da Contestação) o negócio acordado entre a Autora e a Ré se traduzia na troca de fruta, produzida pelos associados em Portugal da Ré e fruta produzida no Brasil pela Autora, (ainda que facturadas separadamente, por razões contabilísticas e fiscais, conforme as testemunhas esclareceram. 177. Significa por isso, que, o lugar da celebração do contrato definitivo foi, sem margem para duvidas, o domicílio da Ré. 178. Consequentemente será competente para apreciar a questão, o tribunal territorialmente competente nesse domicílio., cf. art.º 42º do C.C. e a Lei substantiva aplicável é, por isso, a Lei Portuguesa (…).”. Sobre o ponto em apreço, a decisão recorrida concluiu no sentido de ser aplicável a lei portuguesa. Com efeito, lê-se na decisão recorrida, sobre esta questão, o seguinte: “(…) Da lei aplicável Pretende a autora obter a condenação da ré no pagamento do preço acordado pela venda de fruta que lhe fez. Em causa nos autos temos um contrato que foi celebrado entre partes domiciliadas em diferentes Estados, a autora no Brasil e a ré em Portugal, o que implica previamente a definição da lei aplicável. Relativamente a tal questão, a autora entende que deve ser a lei brasileira, nos termos o artº 4º/1, al. a) do REGULAMENTO (CE) N.º 593/2008 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 17 de junho de 2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), doravante Regulamento, segundo o qual, na falta de escolha, o contrato de compra e venda de mercadorias é regulado pela lei do país em que o vendedor tem a sua residência habitual. Ora, como a autora é a vendedora e tem a sua sede no Brasil, é a lei deste país a aplicável. A ré, por seu turno, considera que o Regulamento não é aplicável porque o Brasil não é membro da União Europeia. Considera aplicáveis as regras de conflitos de leis do Código Civil, nomeadamente o art.º 42º, que, no caso em apreço, entende apontar para a lei portuguesa por ter sido em Portugal que o contrato foi celebrado. O art.º 2º do Regulamento consagra a aplicação universal do mesmo, estabelecendo que a lei designada pelo presente regulamento é aplicável mesmo que não seja a lei de um Estado-Membro. Quer isto dizer que as normas de conflitos de leis estabelecidas no Regulamento passam a constituir direito interno, aplicável também nas relações entre os Estado membros da UE e países terceiros. Deste modo, nesta questão tem razão a autora, sendo, efetivamente aplicável o Regulamento. Não tendo havido escolha de uma lei pelas partes, há que aplicar as regras supletivas do Regulamento. O art.º 4º/1 al. a) aponta como critério supletivo nos contratos de compra e venda a lei onde o vendedor tem a sua residência habitual. Acontece, porém, que ver o contrato celebrado entre as partes como um simples contrato de compra e venda de mercadoria que a autora faz à ré é, não só redutor, mas acima de tudo, errado. O contrato tem de ser analisado no seu todo, tendo em consideração o escopo contratual pretendido pelas partes e o que for acordado em termos globais. Como resulta de forma absolutamente cristalina dos factos provados, o que foi acordado entre a autora e a ré foi a compra e venda recíproca de mercadoria. Ou seja, no contrato, considerado globalmente, nós não temos uma vendedora, a autora, e uma compradora, a ré. Ambas são simultaneamente vendedoras e compradoras. O facto de na pretensão da autora estar em causa uma concreta venda de fruta efetuada por ela à ré, não releva para o efeito, uma vez que este concreto fornecimento estava integrado do quadro negocial mais amplo acordado entre as partes e sujeito às regras gerais definidas ab initio. Deste modo, o critério do mencionado preceito aponta, quer para a lei brasileira, quer para a lei portuguesa. Nestas situações, em que os critérios do nº 1 do artº 4º não permitem definir a lei aplicável, aplicam-se os nºs 2, 3 e 4 do mesmo preceito, que estabelecem o seguinte: “2. Caso os contratos não sejam abrangidos pelo n.º 1, ou se as partes dos contratos forem abrangidas por mais do que uma das alíneas a) a h) do n.º 1, esses contratos são regulados pela lei do país em que o contraente que deve efetuar a prestação característica do contrato tem a sua residência habitual. 3. Caso resulte claramente do conjunto das circunstâncias do caso que o contrato apresenta uma conexão manifestamente mais estreita com um país diferente do indicado nos n.ºs 1 ou 2, é aplicável a lei desse outro país. 4. Caso a lei aplicável não possa ser determinada nem em aplicação do n.º 1 nem do n.º 2, o contrato é regulado pela lei do país com o qual apresenta uma conexão mais estreita”. Aplicando o nº 2 ao caso em apreço, o critério da prestação característica conduz igualmente a ambas as leis aplicáveis. Quer a autora, quer a ré, faziam prestações características do contrato, ou seja, forneciam fruta uma à outra. Quanto ao nº 3, o mesmo não tem aplicação ao caso, pois não está em causa outra lei para além da brasileira e da portuguesa. Em relação ao critério do nº 4, tendo em conta o quadro negocial acordado entre as partes, não podemos de forma alguma afirmar que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com a lei brasileira ou com a lei portuguesa. Há um equilíbrio perfeito dos fatores relevantes, quer quanto às partes, quer quanto ao produto em causa, sendo a fruta fornecida paga com a fruta recebida, não existindo qualquer fator que faça pender a balança para qualquer um dos lados. Então, numa situação destas, quid iuris? Nestas situações há que ir procurar no sistema jurídico alguma pista, algum indício que permita concluir qual a lei que o tribunal deve aplicar, pois que uma delas tem de ser aplicada. Desde logo temos de procurar no próprio Regulamento. E, quanto a este, temos no ponto 12 do preâmbulo uma referência que nos parece ser bastante pertinente para o caso em apreço. Refere tal ponto que “o facto de as partes terem convencionado que um ou vários órgãos jurisdicionais de um Estado Membro têm competência exclusiva para decidir de quaisquer litígios decorrentes do contrato deverá ser um dos fatores a ter em conta para determinar se a escolha da lei resulta de forma clara”. Desta referência extrai-se de forma evidente que, para o Regulamento, a escolha dos tribunais de um determinado país é um dos elementos fundamentais a ter em conta para determinar a escolha tácita da lei aplicável ao contrato. Isto porque, como é natural, os tribunais de um país estão obviamente mais preparados para aplicar a sua própria lei. Será um pouco estranho escolher uma lei aplicável ao contrato e escolher os tribunais de outro país para a aplicar. O risco de uma aplicação errada do Direito é grande. Apesar de não estarmos propriamente no âmbito da determinação da lei escolhida pelas partes, entendemos que do mencionado considerando nº 12 resulta que o Regulamento atribui relevância, de forma expressa, à lex fori. Ora, no nosso caso temos que a autora, podendo instaurar esta ação no Brasil, cujos tribunais eram igualmente competentes para a presente ação e estariam bem mais preparados para aplicar o direito brasileiro, optou por instaurá-la em Portugal. Nos termos do mencionado considerando 12, não existindo qualquer outro critério que permita optar por uma das leis aplicáveis, o facto de autora ter escolhido os tribunais portugueses, sendo que a lei portuguesa era, de forma evidente, uma das aplicáveis ao contrato, revela que está interessada na aplicação da ordem jurídica portuguesa, constituindo até um abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprio, pretender, na situação configurada nos autos de non liquet normativo expresso quanto à determinação da lei aplicável, que este tribunal aplique a lei brasileira [em nota: (…) A escolha de Portugal poderá ter sido fruto de vários interesses, nomeadamente a celeridade e o facto de a ré ter bens cá em Portugal. Em todo o caso, quanto a este último aspeto, teria sempre a possibilidade de obter o reconhecimento da sentença. No que respeita a prova, a autora não tinha grande necessidade de a obter, pois que o direito que invocou estava documentalmente assente. Daí que a instauração da ação no Brasil, quanto à prova, não lhe trazia qualquer vantagem. Já o mesmo não se pode dizer da ré, pois a instauração da ação em Portugal dificultava em termos objetivos a obtenção de informação e de prova quanto aos factos relativos às circunstâncias em que ocorreu a instauração do processo de recuperação de empresas por parte da autora. É claro que não podemos afirmar que esse era também um objetivo que a autora pretendia atingir por via da instauração da ação perante tribunais portugueses, mas a verdade é que tal dificuldade existia em termos objetivos. Em todo o caso, os interesses que a autora pudesse ter na instauração da ação perante tribunais portugueses são mais um argumento no sentido de que deve ser aplicável a lex fori, pois se tira vantagens do foro que escolheu, tem de aceitar, na referida situação de non liquet quanto à lei aplicável, o Direito que esse foro aplica]. Deste modo e face ao exposto, será a lei portuguesa a aplicável ao contrato”. Vejamos: Para dilucidar o problema importa considerar as normas de conflitos aplicáveis, matéria de que se ocupa o Direito Internacional Privado. “Impõe-se ao julgador a ponderação da aplicabilidade das regras de conflitos de leis ainda que nenhuma das partes invoque um Direito estrangeiro” (assim, Pilar Blanco-Morales; “Direito Internacional Privado. Portugal”, in Jurismat, Portimão, n.º especial 2014, p. 39). No Direito português vigora o princípio geral pelo qual a referência feita pelas normas de conflitos a qualquer lei estrangeira determina, apenas, na falta de preceito em contrário, a aplicação do direito indicado, sendo que, esta atribuição de competência, abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela função que assumam nessa lei, integrem o regime do instituto visado na regra de conflitos (cfr. artigo 15.º do CC). Na legislação interna, a matéria das regras de conflitos referentes às obrigações contratuais encontrava-se regulada pelos artigos 41.º e 42.º do CC, vigorando até 01-09-1994, data em que Portugal ratificou a denominada Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (assinada em Roma em 19-06-1980 e a que Portugal aderiu através de uma Convenção de Adesão assinada em 18-05-1992, que foi aprovada para ratificação por Resolução da Assembleia da República e ratificada pelo Presidente da República, nos termos publicitados no D.R., I série-A, de 03-02-1994, tendo entrado em vigor em Portugal em 01-09-1994). A publicação do Regulamento (CE) n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho de 17-06-2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (denominado Regulamento Roma I) veio substituir (na generalidade dos Estados-Membros, com exceção da Dinamarca) a aplicação da Convenção de Roma (cfr. artigo 24.º do Regulamento). Tal Regulamento é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados após 17-12-2009 (cfr. artigo 28.º). Encontram-se, no caso, verificadas todas as condições – de âmbito material (cfr. artigo 1.º), territorial e temporal – para a integração dos contratos de compra e venda celebrados entre as partes no âmbito de aplicação do Regulamento, sendo que, as compras e vendas a que se reportam as faturas cujo pagamento é reclamado, por ambas as partes, tiveram lugar em 2017. O Regulamento Roma I é, pois, aplicável à situação dos autos. A questão que vem colocada pela ré é a da impossibilidade de aplicação do Regulamento a um Estado não contratante, como o Brasil, mas tal impossibilidade, na realidade, não ocorre. Vejamos: De harmonia com o disposto no artigo 2.º do Regulamento, “a lei designada pelo presente regulamento é aplicável mesmo que não seja a lei de um Estado-Membro”. Com efeito, o Regulamento Roma I contém um princípio de aplicação universal: Se for aplicável a lei de um Estado terceiro, ainda assim, o regulamento é aplicável. Conforme sublinha Luís de Lima Pinheiro (“O novo regulamento comunitário sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (ROMA I) – Uma introdução”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 68.º, Set./Dez. 2008, Lisboa, p. 589), “[o] Regulamento tem um carácter universal porque deve ser aplicado pelos tribunais de qualquer Estado-Membro por ele vinculado (art. 1.º/4), sempre que a situação caia no seu âmbito material de aplicação (e do seu âmbito temporal de aplicação) e envolva um conflito de leis. Para este efeito é irrelevante que a relação não tenha conexão com um Estado-Membro ou que a lei designada pelas regras de conflitos do Regulamento seja a lei de um terceiro Estado (…)” (cfr., no mesmo sentido, Rui Manuel Moura Ramos; “O direito internacional privado das obrigações contratuais na União Europeia”, in Estudos de Direito Internacional Privado da União Europeia; Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 79). Explicitando este princípio refere Stéphanie Francq (“The External Dimension of Rome I and Rome II – Neutrality or Schizophrenia?”, in Private Law in the External Relations of the EU; Oxford Scholarship Online, Junho 2016, consultado em: https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780198744566.003.0005, p. 73) que: “The spatial reach of Rome I and Rome II is a priori unlimited. The application of these two regulations is not subject to, or dependent upon, any specific factual link to the EU”. [em tradução livre da língua inglesa: “A abrangência espacial de Roma I e Roma II é a priori ilimitada. A aplicação destes dois regulamentos não está sujeita a, ou depende de, alguma específica ligação com a União Europeia”]. De facto, se em regra, os instrumentos jurídicos tradicionais de direito convencional apenas vinculam nas relações entre os Estados que são contratantes, não tendo aplicação quando se estabeleça uma relação entre um contratante e um não contratante, todavia, por força do aludido princípio de aplicação universal, isso não sucede no âmbito de aplicação do Regulamento Roma I. Ora, constatada a ausência de estipulação pelas partes de qual a lei aplicável – cfr. artigo 3.º - cumprirá determinar qual a lei aplicável na falta de tal escolha, matéria que se encontra regulada no artigo 4.º do Regulamento Roma I, onde se dispõe que: “1. Na falta de escolha nos termos do artigo 3.º e sem prejuízo dos artigos 5.º a 8.º [onde se prevê qual a lei aplicável a determinados tipos contratuais – contratos de transporte, contratos celebrados com consumidores, contratos de seguro e contratos individuais de trabalho], a lei aplicável aos contratos é determinada do seguinte modo: a) O contrato de compra e venda de mercadorias é regulado pela lei do país em que o vendedor tem a sua residência habitual”. Ora, sucede que, no caso dos autos, pode dizer-se que ambas as partes tiveram tal qualidade: A autora foi vendedora da fruta que a ré importou do Brasil, enquanto a ré foi vendedora da fruta que a autora adquiriu de Portugal, não se mostrando, em consequência, operativo o critério a que se reporta a al. a) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento. Nesta situação haverá de lançar mão dos critérios supletivos a que se reportam os n.ºs. 2 a 4 do mencionado artigo 4.º. Em primeiro lugar, de harmonia com o n.º 2 do artigo 4.º, caso os contratos não sejam abrangidos pelo n.º 1 do mesmo artigo, ou se as partes dos contratos forem abrangidas por mais do que uma das alíneas a) a h) do n.º 1, esses contratos serão regulados pela lei do país em que o contraente que deve efetuar a “prestação característica” do contrato tem a sua residência habitual. Conforme dá nota Maria Helena Brito (“Breves notas sobre o Regulamento relativo à lei aplicável às obrigações contratuais (“Roma I”)” texto publicado, no âmbito do Colóquio “Direito europeu: Análise dos regulamentos europeus relativos a competência internacional, responsabilidade contratual e extracontratual e direito sucessório”, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, em 12-12-2014, disponível em: http://elearning.cej.mj.pt/file.php/214/Documentacao_apoio_MHB/texto_comunicacao/texto_Maria_Helena_Brito.pdf, p. 9): “A Convenção não oferece qualquer definição de prestação característica nem sequer uma exemplificação. Não suscita problemas a individualização da prestação característica nos contratos unilaterais. No que diz respeito aos contratos bilaterais ou sinalagmáticos, de que resultam prestações correspectivas para as partes, verifica-se que normalmente em tais contratos uma das prestações consiste no pagamento do preço; a obrigação de pagar o preço não é portanto característica de um tipo de contrato, pois é comum a todos esses contratos. Prestação característica é então a que não consiste no pagamento do preço, “é a prestação em relação à qual o pagamento do preço é devido”; só essa “constitui o centro de gravidade e a função económico-social da operação contratual”, como é a entrega da coisa, no contrato de compra e venda, e a prestação do serviço, no contrato de prestação de serviços. De modo sintético, pode dizer-se que, em relação a um grande número de contratos, a prestação característica é a prestação não monetária. Para localizar a prestação característica, e portanto para estabelecer a ligação do contrato a uma certa ordem jurídica, a Convenção utilizou, no artigo 4º, o elemento de conexão residência habitual (administração central, estabelecimento principal ou outro estabelecimento, conforme os casos) do devedor da prestação característica”. A respeito do conceito de “prestação caraterística”, explicita, Ana Sofia da Silva Gomes (O contrato comercial internacional no Regulamento Roma I : conceito e regime geral, Universidade Lusíada, 2021, texto consultado na Internet em: http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/5874/1/dd_ana_gomes_tese.pdf, p. 313), o seguinte: “Tem-se entendido que a prestação característica do contrato é aquela prestação que permite distinguir um contrato de outro que permite identificar o tipo contratual. A maioria dos contratos é identificável pela prestação de uma das partes, a qual caracteriza a operação pela sua função económica: na compra e venda a transferência de propriedade, (…), enquanto que a outra prestação não é mais do que a remuneração em dinheiro da primeira”. Isso mesmo foi assinalado, ainda que a respeito da Convenção de Roma, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-05-2014 (Pº 254/05.6TBVLP.P1, rel. LEONEL SERÔDIO): “A prestação característica de um contrato é aquela que constitui a contrapartida da habitual prestação pecuniária, por exemplo, o fornecimento de mercadorias, a locação de um bem, a prestação de um serviço. É ela que em regra constitui o centro de gravidade da transacção contratual e define a função económico-social do negócio”. Ora, o critério do n.º 2 do artigo 4.º não é, igualmente, operativo, porque, na situação dos autos, aponta para a aplicação, quer da lei portuguesa, quer da lei brasileira, consoante nos reportemos à prestação característica de entrega de fruta num ou noutro país, o que torna inoperável e não aplicável tal critério. De facto, relativamente à venda de produtos assinalada pela autora na petição contrapôs-se a venda de produtos pela ré à autora, que aquela pretende seja objeto de compensação com o crédito desta. Por seu turno, o n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento não tem aplicação ao caso dos autos, por não se vislumbrar que o conjunto das circunstâncias do caso apresente uma conexão manifestamente mais estreita com outro país diferente do indicado nos n.º 1 ou 2, sendo certo que, o caso dos autos não apresenta conexão com outra ordem jurídica para além da brasileira ou da portuguesa. Resta-nos a consideração do n.º 4 do artigo 4.º, preceito onde se estabelece que: “Caso a lei aplicável não possa ser determinada nem em aplicação do n.º 1 nem do n.º 2, o contrato é regulado pela lei do país com o qual apresenta uma conexão mais estreita”. Conforme decorre do Considerando 16 do regulamento, os tribunais deverão gozar de uma certa margem de apreciação a fim de determinar a lei que apresenta a conexão mais estreita com a situação. Comentando a norma do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento Roma I refere Ana Sofia da Silva Gomes (O contrato comercial internacional no Regulamento Roma I: conceito e regime geral, Universidade Lusíada, 2021, disponível em: http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/5874/1/dd_ana_gomes_tese.pdf, pp. 335-336) que: “Este normativo tem por objeto a necessidade de aplicar ao contrato, na falta de designação da lei aplicável pelas partes, a lei que apresenta uma ligação mais estreita com o mesmo. Trata-se de uma cláusula que garante a aplicação da lei melhor posicionada relativamente ao litígio 1257 e que por isso se considera que apresenta a maior proximidade com o contrato,1258 quer porque corresponde às expetativas das partes quanto à lei que deve reger o seu contrato, quer acessoriamente, por corresponder à lei que implica custos conflituais mais reduzidos”. Concretizando em que termos se deve fazer a análise das circunstâncias atendíveis para a determinação da lei do país com a qual o contrato apresenta uma “conexão mais estreita”, a mesma Autora (ob. Cit., pp. 337-338) reporta o seguinte: “(…) A ponderação sobre a aplicação do normativo em questão implica a consideração de todas as circunstâncias do caso, ao invés do que sucede com o correspondente normativo da Convenção de Roma que apenas prevê a existência de uma conexão mais estreita com outro país. A concretização da conexão mais estreita não depende, assim, de um elemento de conexão determinado, mas antes da ponderação do conjunto de circunstâncias do caso, o que inclui os laços que se estabelecem com certos ordenamentos jurídicos, independentemente da natureza dos mesmos e de qualquer hierarquia. A doutrina tem aludido a circunstâncias suscetíveis de indicar uma forte ligação com um certo país, ou fatores com forte potencial localizador e outras circunstâncias com menor potencial localizador embora os critérios não sejam absolutamente convergentes. De algum modo é consensual que o recurso aos elementos previstos nos artigos 4.º de ambos os instrumentos é revelador, sendo a residência habitual (o estabelecimento principal no caso de se tratar de uma pessoa singular, a administração central, no caso de se tratar de uma sociedade ou outra entidade dotada ou não de personalidade jurídica), um dos elementos a que se atribui maior potencial localizador. Entre os elementos com maior relevância, para além da residência habitual, deve ser considerada a relação estreita do contrato com outros contratos ou com uma série de contratos. (…). Também a situação dos bens, o contexto económico do contrato e a escolha do forum ou a nova lex mercatoria e os usos comerciais serão elementos relevantes a considerar. Para além destes e apesar de se encontrar previsto no artigo 4.º [n.º 1, alínea g)], o lugar da conclusão do contrato não é, em geral, muito revelador de uma ligação estreita com um determinado país. Entre os elementos aos quais deve ser atribuída menor relevância surge o lugar do cumprimento da obrigação, embora o facto de a lei aplicável considerar o contrato válido ou inválido deva ser considerado; lugar onde ocorreram as negociações; os interesses das partes; o idioma do contrato; a moeda de pagamento; a nacionalidade das partes, que se for comum deve conduzir à aplicação da lei da residência habitual das mesmas, ou no caso de venda de bens móveis sujeitos a registo, o lugar no qual o registo da aquisição foi efetuado (…)”. Ora, no caso, ponderando estes elementos não se poderá concluir do modo como o fez a decisão recorrida (no sentido de que não é possível afirmar uma conexão mais estreita do contrato com a lei portuguesa, ou com a lei brasileira). Na realidade, muito embora se tenha em consideração que, o local de sede da autora é no Brasil, enquanto que a sede da ré se situa em Portugal – o que determina a inoperatividade do critério da residência habitual – e, bem assim, que não se apuraram elementos sobre o lugar de conclusão do contrato ou sobre o local onde ocorreram as negociais (não tendo os depoimentos das testemunhas que abordaram alguns desses pontos, formado positiva convicção no Tribunal sobre a realidade do afirmado), nem, ainda, que os interesses em questão apresentem conexão mais estreita com um ou outro dos referidos países. De todo o modo, importa ter em conta que a acção foi interposta em Portugal, quando o poderia ser no Brasil – o que, aliás, foi evidenciado na decisão recorrida, onde se sublinha, interpretando o sentido do Considerando 12 do Regulamento Roma I, que apesar de não nos encontrarmos propriamente numa situação de escolha de lei, resulta que “o Regulamento atribui relevância, de forma expressa, à lex fori” – , elemento que, para além da determinação da competência dos tribunais portugueses para o conhecimento do pleito, faz supor que a autora teve em vista, ou conformou-se, com a possibilidade de aplicação do direito português, não só em termos da conformação da competência e da aplicação das regras do ordenamento jurídico-processual, mas também, em termos substantivos (sendo, aliás, inequívoca a alternativa expressa nos articulados/alegações da autora, a esse respeito, entre o ordenamento jurídico brasileiro e o português). Será também em Portugal – local onde se encontra o estabelecimento principal ou sede da ré (cfr. artigo 19.º, n.º 1, do Regulamento) - , que se encontrarão os bens do seu respetivo património, relativamente ao qual a autora se considera credora. Finalmente, elemento também decisivo na consideração do ordenamento jurídico português como aquele que apresenta a conexão mais estreita, na relação jurídica em questão, é o de que a moeda utilizada como referência para pagamento das prestações pecuniárias de ambas as partes – assim constando em todas as faturas juntas aos autos, quer emitidas pela autora, quer emitidas pela ré – foi o euro, moeda com curso legal em Portugal (e não no Brasil). Todos estes elementos apontam no sentido de que a relação jurídica entabulada entre as partes, no âmbito das importações/exportações recíprocas de produtos, apresenta uma conexão mais estreita com a ordem jurídica portuguesa. Conclui-se, assim, que a lei substantivamente aplicável é, por aplicação do disposto nos artigos 1º, n.º 1, 2.º e 4.º, n.º 4, do Regulamento Roma I, a lei portuguesa. * M) Se ocorreu incumprimento contratual da ré, não tendo pago o preço acordado em Euros correspondente às frutas fornecidas e às faturas emitidas no valor de € 390.497,50 devendo ser condenada a fazê-lo? Considera a recorrente (cfr. artigos 153.º a 163.º da respetiva alegação de recurso) que, no caso de o Tribunal considerar aplicável a lei portuguesa, o contrato celebrado consiste num contrato de compra e venda, nos termos do artigo 874.º do CC, em razão do que, por força do disposto no artigo 879.º do mesmo Código, a recorrente se obrigou perante a ré ao fornecimento e entrega de maçãs, melhor descritas nas faturas juntas como documentos n.ºs 3 a 16 com a petição inicial e a recorrida se obrigou ao pagamento do respetivo preço, na data de vencimento das faturas. Conclui, invocando os normativos dos artigos 406.º, n.º 1, 762.º, n.º 1 e 798.º do CPC, que a ré é responsável pelo prejuízo causado à autora, correspondente ao valor do capital resultante da soma das faturas não pagas, no valor total de €390.497,50, acrescido de juros de mora comerciais, contabilizados nos termos legais desde a data de vencimento de cada fatura até efetivo e integral pagamento. Ora, analisando a factualidade provada, de acordo com o resultado da impugnação levada a efeito pela recorrente nesta sede, verifica-se que: - No âmbito da relação comercial existente entre as partes, a Autora, durante o primeiro semestre de 2017, e por solicitação da Ré, vendeu a esta última diversos carregamentos de maçãs do tipo “fuji” e “Imperial Gala”, tendo sido acordado entre as partes o preço de €0,50 (cinquenta cêntimos) por quilo; - As mercadorias em causa foram entregues à Ré, nos termos acordados entre as partes tendo, no total, sido fornecidos pela Autora e entregues à Ré 780.995 (setecentos e oitenta mil, novecentos e noventa e cinco) Kg (quilogramas) de maçãs; - A respeito dos diversos carregamentos de maçãs fornecidos, foram emitidas diversas faturas pela Autora à Ré, devidamente recebidas por esta última e acompanhadas da documentação de exportação atinente, no valor total de €390.497,50; - As partes acordaram que as faturas supra descritas se venceriam dentro de um prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da respetiva data de emissão. Antes de prosseguirmos, cumpre referenciar uma questão que tem a ver com a da entrada em vigor, na ordem jurídica portuguesa, em 01-10-2021, da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos para Venda Internacional de Mercadorias, adotada em Viena, em 11 de abril de 1980, a denominada Convenção CISG (“Convention on Contracts for the International Sale of Goods”), aprovada, para adesão, por Portugal, pelo Decreto n.º 5/2020, de 7 de agosto. Com efeito, como dá nota Mariana Fontes da Costa (Editorial da Revista Electrónica de Direito, Outubro 2020, n.º 3 (vol. 23), p. 2): “No passado dia 23 de setembro, o Estado Português depositou, junto do Secretário-Geral das Nações Unidas, o seu instrumento de adesão à Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (doravante identificada pela sigla inglesa CISG), estando prevista a sua entrada em vigor em Portugal no dia 1 de outubro de 2021. Trata-se de um marco de enorme importância para todos os empresários portugueses que desenvolvem as suas atividades de comércio para além das fronteiras nacionais e de um acontecimento há muito esperado por aqueles que se dedicam ao estudo do direito comercial internacional, ou, mais rigorosamente, do direito que regula as relações comerciais transfronteiriças entre operadores económicos privados. Aprovada em 11 de abril de 1980, pela Conferência das Nações Unidas sobre os Contratos de Venda Internacional de Mercadorias, que teve lugar em Viena sob a égide da Comissão das Nações Unidas sobre Comércio Internacional, a CISG tem vindo a afirmar-se, ao longo dos seus quarenta anos de existência, como um dos mais bem-sucedidos instrumentos internacionais de harmonização legislativa, tendo, à data de hoje, sido já ratificada por noventa e quatro Estados. Dentre as Partes Contratantes da CISG contam-se países que provêm de todos os quadrantes do globo, de todos os contextos culturais, políticos e económicos e de todas as famílias jurídicas; daí que uma das principais características reconhecidas a este instrumento seja a de representar um compromisso entre sistemas jurídicos diferentes, em especial entre os sistemas romano-germânicos e os sistemas da common law. Entre os Estados que são parte da CISG contam-se, por exemplo, todos os países da União Europeia, com exceção da Irlanda e Malta (ressalvando a entrada em vigor em Portugal apenas em outubro de 2021) e o Brasil, onde a CISG entrou em vigor no dia 1 de abril de 2014”. De facto, o Brasil depositou o instrumento de adesão à Convenção CISG em 04-03-2013, tendo a mesma Convenção sido promulgada em tal país pelo Decreto n.º 8.327, de 16 de outubro de 2014 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/decreto/d8327.htm) Conforme evidencia Luís de Lima Pinheiro (“A adesão de Portugal à Convenção de Viena sobre a venda internacional de mercadorias”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 81.º, n.ºs. 3-4, Jul.-Dez. 2021, p. 734): “A Convenção de Viena é o resultado de um longo processo de unificação legislativa do Direito da venda internacional, e por ter sido discutida e aprovada por países de todos os tipos (países do ocidente industrializado, países em vias de desenvolvimento, países do Leste), encontrou vasto acolhimento na comunidade internacional. são partes na Convenção um elevadíssimo número de estados europeus (43) e um número significativo de estados extraeuropeus (51). As razões para o atraso na adesão de Portugal à Convenção não são claras. Aparentemente, tratou-se mais de razões de índole burocrática do que de natureza político-jurídica”. De acordo com o que lê no preâmbulo do Decreto n.º 5/2020, de 7 de agosto (que aprova, para adesão, a CISG), a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias tem como objetivo “a promoção da segurança e previsibilidade jurídicas relativamente ao regime jurídico aplicável à compra e venda internacional de mercadorias através da remoção dos obstáculos legais ao comércio internacional, nomeadamente na determinação da lei aplicável”. A Convenção proporciona um alto nível de segurança jurídica e previsibilidade, uma vez que estabelece um regime uniforme, neutro e acessível para os seus utilizadores, facilitando, assim, as transações mercantis internacionais. Quanto ao conteúdo substantivo, a Convenção engloba 4 partes, dedicadas ao âmbito de aplicação e disposições gerais, formação do contrato, compra e venda de mercadorias e disposições finais. A Convenção CISG aplica-se a contratos de compra e venda internacional de mercadorias, celebrados entre pessoas domiciliadas em países distintos, desde que tais países sejam signatários da Convenção ou que, segundo as regras de direito internacional privado aplicáveis ao caso, o contrato seja regido pela lei de um país signatário. Quanto ao âmbito temporal de aplicação da Convenção CISG importa ter em conta o que se dispõe no artigo 100.º desse convénio: “1 — A presente Convenção aplica-se à formação de um contrato apenas quando a respetiva proposta é feita aquando da data de entrada em vigor da Convenção ou após essa data, para os Estados Contratantes referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou para o Estado Contratante referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º 2 — A presente Convenção aplica-se apenas aos contratos concluídos aquando da data de entrada em vigor da Convenção ou após essa data, para os Estados Contratantes referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou para o Estado Contratante referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º”. Sendo que, o n.º 1 do artigo 1.º da Convenção, para onde remete o mencionado artigo 100.º, prescreve o seguinte: “1 — A presente Convenção aplica-se a contratos de compra e venda de mercadorias entre partes que tenham o seu estabelecimento em diferentes Estados, quando: a) Os Estados são Estados Contratantes; ou b) As regras de Direito Internacional Privado conduzem à aplicação da lei de um Estado Contratante.”. Ora, discorrendo sobre os termos de articulação destes normativo, refere Luís de Lima Pinheiro (“A adesão de Portugal à Convenção de Viena sobre a venda internacional de mercadorias”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 81.º, n.ºs. 3-4, Jul.-Dez. 2021, p. 747) o seguinte: “A Convenção tornou-se aplicável por força própria nos tribunais portugueses a partir de 1 de outubro de 2021, mas há que ter em conta as regras sobre a aplicação no tempo da Convenção contidas no art.º 100.º. O regime convencional só é aplicável aos contratos celebrados na ou depois da data da entrada em vigor da Convenção nos Estados em que as partes estão estabelecidas ou no Estado da lei designada pelas regras de Direito internacional Privado do Estado contratante do foro (art.º 100.º/2). Por conseguinte, o regime convencional é aplicável por força da Convenção a vendas de mercadorias celebradas por partes estabelecidas em Portugal que caiam dentro do seu âmbito material e espacial de aplicação em duas hipóteses: — quando o contrato seja celebrado a partir de 1 de outubro de 2021 e da data em que a Convenção entrou em vigor no Estado contratante da outra parte; — quando o contrato seja celebrado a partir da data em que a Convenção entrou em vigor no Estado da lei designada pelas regras de Direito Internacional Privado do Estado contratante do foro”. Conforme salienta Helena Mota (“O âmbito de aplicação territorial da CISG”, conferência levada a efeito no Ciclo de Webinars “A adesão de Portugal à CISG”, Centro de Investigação Jurídico-Económica da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, 3 a 24 de fevereiro de 2021, diapositivo n.º 4, conferência disponível em https://cije.up.pt/pt/ciclo-de-webinars-a-adesao-de-portugal-a-cisg/), por referência à alínea b), do n.º 1, do artigo 1.º da Convenção CISG, não estando verificada a condição da alínea a), do n.º 1, do artigo 1.º, “o Estado contratante poderá ainda aplicar a CISG se, nos termos do art. 1.º, n.º 1, b),: • O seu DIP determinar a aplicação da lei de um Estado Contratante (aplicação mediata) • É quase consensual que esta referência pelo DIP à lei do Estado Contratante é material; de qualquer modo, em Portugal, por aplicação da CR [Convenção de Roma] (contratos celebrados entre 1994 até 2009) e do RRI [Regulamento Roma I] (contratos celebrados depois de 2009) o reenvio é excluído”. Ora, considerando as mencionadas disposições da Convenção CISG e tendo presente que, a relação jurídica em questão nos autos, relativa às partes, se reporta a 2017, a dita Convenção não tem aplicação à situação em litígio, pois, por um lado, na data, a Convenção ainda não vigorava em Portugal e, por outro lado, a lei designada pelas regras de Direito Internacional Privado do Estado contratante do foro (foro este situado em Portugal e apontando as regras de DIP, como se viu, para a aplicação da lei portuguesa) não leva, igualmente, à aplicação da dita Convenção. O regime jurídico aplicável é, pois, por força do exposto, ainda e apenas, o da lei interna portuguesa. Ora, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, a compra e venda tem, em geral, como efeitos essenciais, a transmissão da propriedade da coisa, a obrigação de a entregar e a obrigação de pagar o preço (cfr. artigo 879º do CC). De harmonia com o disposto no artigo 406.º, n.º 1, do CC, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, sendo que, “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado” (cf. artigo 762º, nº 1, do CC). Assim, no âmbito das vendas efetuadas pela autora à ré, caberia à autora a obrigação de entregar as mercadorias fornecidas à ré e, a esta última, a obrigação de entregar o preço correspondente às mercadorias/bens vendidos (cfr. artigo 879º, als. b) e c), do CC). Resulta dos autos que, muito embora a autora tenha fornecido à ré os bens supra mencionados, esta não procedeu ao seu pagamento, daí resultando o incumprimento da correspetiva obrigação que sobre si impendia. Efetivamente, o artigo 798.º do Código Civil estipula que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, ou seja, se o devedor não cumpre, como devia, a prestação a que estava obrigado, por culpa sua, há incumprimento pela sua parte, pelo que fica sujeito a responsabilidade civil contratual (a que são aplicáveis os preceitos que regulam a obrigação de indemnizar - artºs. 562º e ss. do CC). No caso, as obrigações em questão tinham vencimento a 180 dias a contar da data de emissão das respetivas faturas. Estão em questão as faturas 1 a 14 de 2017, juntas como documentos n.ºs. 3 a 16 com a petição inicial, com datas de emissão, em 11-04-2017, 11-04-2017, 18-04-2017, 09-05-2017, 09-05-2017, 09-05-2017, 23-05-2017, 25-05-2017, 26-05-2017, 06-06-2017, 26-06-2017, 26-06-2017, 26-06-2017 e 26-06-2017, respetivamente, com vencimento a 180 dias da data da respetiva emissão. E, dispõe o artigo 799.º, n.º 1, do CC que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”. Trata-se, pois, de uma presunção de culpa do devedor, que faz incidir sobre o mesmo o ónus da prova de que assim não se trata. No presente caso, tal presunção não foi ilidida, apurando-se que a ré não pagou a quantia global de €390.497,50, respeitante às faturas e fornecimentos que a autora lhe efetuou. Contudo, a questão de saber se deverá a ré ser condenada a pagar este (ou outro) montante à autora, prende-se com a apreciação da questão atinente à compensação, invocada pela ré, remetendo-se, por isso, para momento ulterior à respetiva apreciação, o conhecimento da questão ora em apreço. * N) Qual a lei aplicável à questão da compensação? Relativamente à pretensão deduzida pela autora, a ré, na contestação, entre outras questões, veio invocar uma “excepção de extinção da obrigação pelo pagamento (através da compensação já operada)” (cfr. artigos 34.º a 71.º de tal articulado) e, para além disso, veio deduzir reconvenção (“caso se entenda, não ter ainda operado a compensação”) (cfr. artigos 72.º a 108.º da contestação), questões sobre as quais a autora se pronunciou em réplica (cfr. artigos 5.º a 151.º). Na decisão recorrida expenderam-se, a respeito da compensação invocada pela ré as seguintes considerações (tendo por base o enquadramento da relação das partes no âmbito do contrato de troca, pressuposto que, como decorre do exposto, não se mantém): “(…) Deste enquadramento jurídico do acordo celebrado entre as partes resulta desde logo que, quanto à fruta que a ré forneceu à autora, não existe, na realidade, compensação. Existe é cumprimento do contrato celebrado. É claro que a ré tem de pagar à autora a fruta que esta lhe forneceu. Mas, no quadro negocial, o pagamento é, prima facie, efetuado por via da fruta que a ré forneceu à autora. Só quanto ao excedente é que a ré terá de pagar em dinheiro (cfr. Art.º 879º, al. c), do CCivil, aplicável à troca nos termos expostos supra no mencionado acórdão), na medida em que a relação comercial entre ambas cessou, não havendo, por isso, possibilidade de a ré fornecer à autora mais fruta pelo valor da diferença. Assim, tudo o invocado pela autora quanto às consequências do processo de recuperação relativamente à compensação pretendida pela ré, é completamente inócuo no que respeita ao crédito próprio da titularidade da ré, ou seja, aquele que se fundamenta do fornecimento de fruta efetuado pela ré à autora. Neste caso não há compensação, mas sim cumprimento da obrigação nos termos contratualmente estabelecidos. Tendo a autora fornecido à ré fruta no valor de €390.497,50, e tendo a ré fornecido à autora fruta no valor de 268.471,40€, por via da troca acordada entre ambas, o crédito da autora extinguiu-se quanto a este último valor, ficando assim reduzido ao montante de 122.026,10€. Da compensação A compensação invocada tem, todavia, relevância quanto ao montante do crédito que lhe foi cedido pela Melro Brasil. Primeiro há que determinar qual a lei aplicável à compensação invocada pela ré. Nos termos do art.º 17º do Regulamento, caso as partes não acordem no direito a compensação, a lei que regula a compensação é a lei aplicável ao crédito contra o qual se invoca a compensação. Entende a autora que se aplica a lei brasileira na medida em que o crédito é da sua titularidade. É uma evidência que a autora é brasileira e o crédito é da sua titularidade. No entanto, se o Regulamento, ao referir “lei aplicável ao crédito”, se quisesse referir à pessoa a quem o mesmo pertence, teria dito isso mesmo. Todavia não o fez, tendo referido um critério objetivo, o do crédito, e não um critério subjetivo. O crédito em causa é o crédito da autora sobre a ré, que decorre de um contrato ao qual é aplicável a lei portuguesa, nos termos acima expostos. Deste modo, a lei aplicável ao crédito da autora é, naturalmente, a lei portuguesa. O crédito resulta de uma cessão de créditos. A mesma foi notificada à autora, cumprindo-se assim o disposto no art.º 583º/1 do CCivil. Note-se que, nos termos desse preceito, o novo credor não tem de enviar qualquer prova da cessão. Tem apenas de a comunicar, o que foi feito. Nos termos do art.º 847º/1 e 2, do CCivil, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente. Por sua vez o art.º 848º/1, do CCivil, estabelece que a compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra. De acordo com estas normas, nada obsta à compensação pretendida pela ré, na medida em que todos os requisitos das indicadas normas estão verificados. A questão que se levanta é a do processo de recuperação da autora. No parecer jurídico que a autora juntou aos autos é alegado que é entendimento da jurisprudência brasileira que, no caso da recuperação de empresas, não é admissível a compensação em virtude de, no Código Civil brasileiro, no art.º 380º, se consagrar que não se admite a compensação em prejuízo do direito de terceiro. Acontece, porém, que a lei aplicável à compensação é a lei portuguesa, como se referiu. Se se tratasse de uma norma específica do regime brasileiro da recuperação de empresas, podia-se questionar se tal regime seria o aplicável. Não sendo esse o caso, mas estando em causa uma norma genérica da compensação, é a lei portuguesa a aplicável, nos termos expostos supra. Em todo o caso, o CCivil tem uma norma idêntica. O art.º 853º/2 estabelece que não é admitida a compensação, se houver prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis. Ora, a existência de direitos de terceiro à data em que os créditos se tornaram compensáveis, constitui uma exceção que teria de ser invocada pela autora. É que a compensação opera retroativamente e não na data em que é comunicada. A autora não invocou tal exceção, sendo certo que, quer o crédito da autora sobre a ré, quer o crédito da ré sobre a autora, decorrente da cessão dos créditos da Melro Brasil, já existiam antes do processo de recuperação. Nada obsta, portanto, à compensação do crédito da ré – decorrente da cessão dos créditos da Melro Brasil – sobre o crédito da autora. De qualquer forma, ainda que assim não fosse, para que a compensação não operasse por causa do processo de recuperação, era necessário que a autora tivesse invocado que a ré, à data da comunicação da compensação, já soubesse da existência desse processo. No entanto, nada disso foi alegado pela autora. Acresce que, atendendo ao facto provado supra sob o nº 16 – que a Autora, no decurso do ano de 2017, adquiriu grandes quantidades de fruta, e, em janeiro de 2018, de forma imprevisível e sem que os fornecedores com isso contassem, interpôs um processo de Recuperação, conseguindo assim que entrassem no seu património grandes quantidades de mercadoria, que, após a interposição do processo, não pagou – conjugado com o facto de quem continua a ter o domínio efetivo da autora são os seus administradores, que continuam a representar a autora, tendo sido por via deles que esta ação foi instaurada, entendemos que configura abuso de direito, nos termos do artº 334º do CCivil, a invocação da inadmissibilidade da compensação. A conduta da autora que se provou configura uma situação de evidente má fé, pois agiu de forma a criar expectativas aos seus credores, que frustrou de um momento para o outro de forma imprevisível. Deste modo, sendo o crédito da ré no montante de 40.722,01€, operando a compensação com o crédito da autora no montante de 122.026,10€, fica um remanescente a favor da autora de 81.304.09€. Quanto aos demais créditos invocados pela ré, o da cessão de crédito efetuada pela Pomartec não se provou, pelo que, nos termos do art.º 342º/1 do CPC, a pretendida compensação improcede. Quanto ao crédito no montante de 85.079,60€, da fatura nº 1133, nessa parte consideramos que existe falta de causa de pedir. Efetivamente, a ré invocou tal crédito remetendo para a fatura. O teor desta não permite de forma alguma determinar qual é a causa de pedir que fundamenta a obrigação de a autora pagar aquele montante. Assim, nos termos do art.º 186º/1 e 2, al. a), do CPC, deverá a autora, nessa parte, ser absolvida da instância. Assim, face a tudo o que acima se referiu, a ré deve ser condenada a pagar à autora a quantia de 81.304.09€.” Considera a recorrente que – quer à face da aplicação da lei substantiva brasileira (cfr. artigos 171.º a 191.º da alegação de recurso), quer à face da aplicação da lei substantiva portuguesa (cfr. artigos 192.º a 218.º da alegação da recorrente) – que a compensação invocada pela ré não pode operar, o mesmo sucedendo com o mencionado “cumprimento do contrato” a que alude a decisão recorrida. Importa, preliminarmente, e ainda em termos muito sumários, apreciar a que instituto jurídico substantivo nos estamos a referir. A compensação é um instituto jurídico, conhecido no direito português e no direito brasileiro, constituindo uma causa de extinção das obrigações e, apesar de, em muitos aspetos apresentar semelhanças, encontram-se, todavia, algumas divergências no detalhe do respetivo regime jurídico, num e noutro dos estados lusófonos. Em Portugal, a compensação legal (podendo ainda a compensação resultar de convenção das partes, caso em que teremos a compensação convencional) encontra-se enunciada nos artigos 847.º a 856.º do CC, referenciando o primeiro desses preceitos, que: “1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade. 2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente. 3. A iliquidez da dívida não impede a compensação”. De acordo com o artigo 848.º, n.º 1, do CC, a compensação torna-se efetiva “mediante declaração de uma das partes à outra”, estando o requisito da reciprocidade dos créditos legalmente enunciado ainda no art.º 851º do CC. Referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1987, pp. 135 -137) que a compensação “é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito liberando-se do seu débito, por uma espécie de acção directa”. Para além dos requisitos ou pressupostos elencados nas referenciadas alíneas – homogeneidade do objecto da prestação e sua exigibilidade -, tem igualmente que verificar-se reciprocidade dos créditos, o que justifica a compensação, economizando-se “com ela dois actos de cumprimento” – cf., art.º 851º (“A compensação é exactamente o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor. Logo que se verifiquem determinados requisitos, a lei prescinde do acordo de ambos os interessados, para admitir a extinção das dívidas compensáveis, por simples imposição de um deles ao outro. Diz-se, quando assim é, que as dívidas (ou os créditos) se extinguem por compensação legal (unilateral)” (assim, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II Volume, 5ª ed., p. 195). Refere-se no Acórdão do STJ de 10-04-2018 (Pº 23656/15.5T8SNT.L1.S1, rel. PINTO DE ALMEIDA) ser a compensação “um meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor. Depende destes requisitos: - Existência de créditos recíprocos; - Fungibilidade das coisas objecto das prestações e identidade do seu género; - Exigibilidade do crédito que se pretende compensar”. Resulta desta excepção perentória extintiva que, se alguém é devedor de outro em determinado montante, mas simultaneamente possui um direito de crédito sobre o mesmo, pode eximir-se ao cumprimento, ou seja, pode extinguir o seu débito ou obrigação, compensando este com o seu crédito, preenchidos que se logrem mostrar os demais requisitos legalmente enunciados. No direito brasileiro, a compensação encontra-se principalmente regulada nos artigos 368.º a 380.º do CC brasileiro (instituído pela Lei n.º 10.406, de 10-01-2002), preceitos onde se dispõe o seguinte: “Art.º 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem. Art.º 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis. Art.º 370. Embora sejam do mesmo gênero as coisas fungíveis, objeto das duas prestações, não se compensarão, verificando-se que diferem na qualidade, quando especificada no contrato. Art.º 371. O devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever; mas o fiador pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado. Art.º 372. Os prazos de favor, embora consagrados pelo uso geral, não obstam a compensação. Art.º 373. A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto: I - se provier de esbulho, furto ou roubo; II - se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos; III - se uma for de coisa não suscetível de penhora. Art.º 374. (Revogado pela Lei nº 10.677, de 22.5.2003) Art.º 375. Não haverá compensação quando as partes, por mútuo acordo, a excluírem, ou no caso de renúncia prévia de uma delas. Art.º 376. Obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa dívida com a que o credor dele lhe dever. Art.º 377. O devedor que, notificado, nada opõe à cessão que o credor faz a terceiros dos seus direitos, não pode opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria podido opor ao cedente. Se, porém, a cessão lhe não tiver sido notificada, poderá opor ao cessionário compensação do crédito que antes tinha contra o cedente. Art.º 378. Quando as duas dívidas não são pagáveis no mesmo lugar, não se podem compensar sem dedução das despesas necessárias à operação. Art.º 379. Sendo a mesma pessoa obrigada por várias dívidas compensáveis, serão observadas, no compensá-las, as regras estabelecidas quanto à imputação do pagamento. Art.º 380. Não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro. O devedor que se torne credor do seu credor, depois de penhorado o crédito deste, não pode opor ao exequente a compensação, de que contra o próprio credor disporia”. Com referência a estes preceitos do CC brasileiro, Sílvio de Salvo Venosa (Direito Civil – Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, 13.ª ed., Editora Atlas, S.A., São Paulo, 2013, p. 285) refere que: “Compensar é contrabalançar, contrapesar, equilibrar, estabelecer ou restabelecer um equilíbrio. No direito obrigacional, significa um acerto de débito e crédito entre duas pessoas que têm, ao mesmo tempo, a condição recíproca de credor e devedor, uma conta de chegada, em sentido mais vulgar. Os débitos extinguem-se até onde se compensam, isto é, se contrabalançam, se contrapõem e se reequilibram. É um encontro de contas. Contrapesam-se dois créditos, colocando-se cada um em um dos pratos da balança. Com esse procedimento, podem ambos os créditos deixar de existir, ou pode subsistir parcialmente um deles, caso não exista contrapeso do mesmo valor a ser sopesado (…)”. Salta, desde logo, à vista que, no Brasil, a compensação se reporta a dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis, enquanto que, em Portugal, a compensação pode respeita a dívidas ilíquidas, sendo pressupostos da compensação legal os seguintes: “a reciprocidade dos créditos, a validade, exigibilidade e exequibilidade do crédito do declarante/compensante, a fungibilidade do objeto das prestações e a existência e validade do outro crédito” (assim, Paula Ponces Camanho, em anotação ao artigo 847.º do CC, no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, p. 1268, nota II). Neste ponto, importa ter em conta, ainda previamente à apreciação da questão da admissibilidade da compensação invocada pela ré (quer extrajudicialmente, quer em sede de reconvenção) que novamente se coloca uma questão de conflito de leis, que previamente importa dilucidar: É aplicável à compensação invocada a lei portuguesa ou a lei brasileira? O artigo 17.º do Regulamento Roma I tem, de facto, uma disposição nesta matéria, dispondo o seguinte: “Caso as partes não acordem no direito a compensação, a lei que regula a compensação é a lei aplicável ao crédito contra o qual se invoca a compensação”. Embora referindo este normativo, a decisão recorrida concluiu que, “[é] uma evidência que a autora é brasileira e o crédito é da sua titularidade. No entanto, se o Regulamento, ao referir “lei aplicável ao crédito”, se quisesse referir à pessoa a quem o mesmo pertence, teria dito isso mesmo. Todavia não o fez, tendo referido um critério objetivo, o do crédito, e não um critério subjetivo. O crédito em causa é o crédito da autora sobre a ré, que decorre de um contrato ao qual é aplicável a lei portuguesa, nos termos acima expostos. Deste modo, a lei aplicável ao crédito da autora é, naturalmente, a lei portuguesa”. Vejamos que sentido extrair do aludido artigo 17.º. Paul Lagarde (“Roma I”, in Direito Civil – Cooperação judiciária europeia; Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo, 2016, disponível em: https://op.europa.eu/pt/publication-detail/-/publication/803b3b93-f280-11e6-8a35-01aa75ed71a1/language-pt/format-RDF/source-267732474, p. 689) salienta que: “A Convenção de Roma não abordou a questão da lei aplicável à compensação. O regulamento vem colmatar essa lacuna. São sobejamente conhecidas as diferenças entre o ponto de vista francês, que só admite a compensação se, no caso em questão, tal estiver previsto em ambas as leis que regulam os créditos a compensar, e o ponto de vista alemão, que defende a lei aplicável aos créditos passivos, isto é, a lei aplicável ao crédito contra o qual se invoca a compensação. O regulamento adotou a posição alemã (artigo 17.º). De facto, a compensação tem por efeito a extinção do crédito contra o qual se invoca a compensação e a lei aplicável à obrigação regula geralmente as condições da sua extinção”. Por seu turno, a respeito do mencionado artigo 17.º do Regulamento Roma I, explica Luís de Lima Pinheiro (“O novo regulamento comunitário sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (ROMA I) – Uma introdução”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 68.º, Set./Dez. 2008, Lisboa, p. 640) que: “Enfim, o Regulamento introduz uma nova regra em matéria de compensação (art.º 17.°): “Caso as partes não acordem no direito a compensação, a lei que regula a compensação é a lei aplicável ao crédito contra o qual se invoca a compensação”. A Proposta da Comissão (art.º 16.°) referia-se à “compensação legal”, o que suscitou a objecção de que a expressão podia ser interpretada no sentido de incluir apenas a compensação automática, que opera ope legis, prevista designadamente no Direito francês, excluindo a compensação por declaração unilateral contemplada nomeadamente nos Direitos português (art.º 848.°/l CC) e alemão. A correcção introduzida pelo legislador comunitário torna claro que a regra regula ambas as modalidades de compensação (…)”. Michale Hellner (“Set-off”, in Rome I Regulation - The Law Applicable to Contractual Obligations in Europe, Editado por Franco Ferrari e Stefan Leible, european law publishers GmbH, Munique, 2009, pp. 252 e 258 e 259), por seu turno, salienta que: “It is for the law of the principal claim to decide whether set-off is allowed or whether set-off is prohibited (…). In many legal orders there is a prohibition to set off against a claim for, by way of example, salary or maintenance. (…) It is also for the law governing the principal claim to decide the prerequisites for set-off, in particular: • whether there is a requirement of mutuality, i. e. the creditor for the principal claim is the same as the debtor for the counterclaim; • whether there is a requirement of homogeneity, i. e. to which extent the two claims involved must concern matters of (more or less) the same kind, e. g. money; • the effect of connexity, i. e. a strong link between the two claims for instance through the fact that they arise from the same contract or linked contracts; • whether there is a requirement of liquidity, i. e. that the counterclaim is either exactly determined or can readily and without difficulty be computed; (…) It could be said that Article 17 only determines the right to set-off and its effects on the principal claim”. [em tradução livre: “É a lei do crédito que decide se a compensação por um contra-crédito é permita ou se é proibida (…). Em muitos ordenamentos jurídicos há uma proibição de compensação contra um crédito, por exemplo, de salários ou alimentos (…). É também a lei do crédito que define os pré-requisitos para a compensação, em particular: - Se há uma exigência de reciprocidade, i. e., que o credor do crédito principal seja o devedor do contra-crédito; - Se há uma exigência de homogeneidade, i. e., com que extensão os dois créditos envolvidos devem ter a mesma natureza, v.g. obrigação pecuniária; - O efeito de conexão, i e., uma estreita ligação entre os dois créditos, por exemplo, em função de que resultam do mesmo contrato ou de contratos conexos; - Se existe um requisito de liquidez, i.e., se o contra-crédito é líquido ou pode, sem dificuldade, ser computado (…); Pode dizer-se que o artigo 17.º apenas determina o direito de compensação e os efeitos sobre o crédito principal”. Ora, considerando o que supra foi referido, relativamente à lei aplicável à situação dos autos, verifica-se que o crédito reclamado pela autora se reporta a contrato de compra e venda celebrado com a ré, onde esta tem a posição de devedora do preço, sendo a ré que pretende opor a compensação à autora (credora da obrigação da contraparte). As partes não se mostram de acordo com a existência do direito de compensação, pelo que, de harmonia com o disposto no artigo 17.º do Regulamento Roma I, a lei a considerar é a que é aplicável ao crédito (deduzido pela autora) contra o qual a ré pretende invocar a compensação, ou seja, a lei brasileira, inexistindo, motivo, nesta situação, para a aplicação da lei portuguesa. Esta conclusão é contrária e diversa da que foi decidida na decisão recorrida, onde apenas se considerou a referência à invocada cessão atinente aos créditos da ré sobre a empresa Melro. Todavia, como se viu, a compensação não se dirige a opor-se a este invocado crédito, mas sim, a contrapor-se à pretensão creditícia esgrimida pela autora. É, pois, de considerar aplicável à questão da compensação a lei brasileira (a do crédito contra o qual a compensação foi invocada). * N) Se não pode operar a compensação invocada pela ré? Considera a recorrente, invocando a aplicação da lei substantiva brasileira à questão da compensação que: “(…) 171. importa agora apreciar a questão da compensação invocada pela Recorrida, isto apesar de o Tribunal “a quo” considerar que tal questão não releva. 172. Ora, os requisitos da Compensação no Direito Brasileiro constam dos Artigos 368.º e 369.º do Código Civil Brasileiro, os quais determinam que: Artigo 368.º - “Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem. Artigo 369.º - “A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis”. 173. Assim, tal como consta do Artigo 369.º acima reproduzido, um dos requisitos do pagamento por compensação é que ambas as dívidas estejam vencidas. 174. Contudo, como sabemos, aquando da apresentação do procedimento de recuperação judicial em 25 de janeiro de 2018 deferido na mesma data (ponto 17 dos factos provados), nenhuma das faturas em causa emitidas pela Recorrida à Recorrente encontrava-se já vencida. 175. Com efeito, vencendo-se as mesmas a 180 dias, elas venceriam apenas entre março e maio de 2018, e consequentemente, após o deferimento da recuperação. 176. A acrescer, dispõe o Artigo 49.º da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperações Judiciais e Extrajudiciais e Falências) lei que “Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos” (nosso sublinhado). 177. Assim, os créditos que a Recorrida pudesse ter contra a Recorrente na data de 25 de Janeiro de 2018, ainda que não vencidos – e, portanto, não passíveis de compensação – , passaram a estar sujeitos a um regime jurídico especial, a saber, o da recuperação judicial a partir do momento em que o processo de recuperação foi iniciado. 178. Com efeito, de acordo com a Jurisprudência dos Tribunais brasileiros, as obrigações submetidas ao regime da recuperação judicial são insuscetíveis de pagamento por compensação. 179. Tal deve-se ao facto de que a admissão da compensação de um crédito sujeito a recuperação judicial implicaria a violação ao princípio da igualdade entre os credores da sociedade em recuperação (denominada, no Brasil, “Recuperanda”). 180. Na verdade, no contexto de um processo de recuperação judicial, os credores são normalmente pagos em condições menos favoráveis do que aquelas originalmente acordadas. Daqui nasce precisamente a impossibilidade de se aceitar a compensação de dívidas recíprocas nesse contexto, o que possibilitaria ao credor o recebimento integral e imediato de seu crédito. 181. Este entendimento baseia-se no disposto no Artigo 380 do Código Civil, primeira parte, o qual determina: “Art.º 380. Não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro. (...)”. Deste modo, caso a compensação de créditos do devedor em recuperação judicial fosse possível, prejudicaria toda a coletividade de credores, ao passo que beneficiaria apenas um deles. 182. Destaque-se que no Parecer junto aos presentes autos, encontra-se justificado o entendimento supra referido com amplas referências a doutrina e jurisprudência para as quais se remete na íntegra.59 183. Sem prejuízo, note-se que o DR. MS refere que: “A partir do pedido de recuperação, a empresa é submetida assim a um diverso regime jurídico, tanto em relação aos seus créditos, quanto à parte de seus débitos submetidos ao plano de recuperação judicial. (...) Com base nesse novo regime a que são submetidos os bens do empresário devedor em recuperação, os créditos do recuperando, desde que não tenham sido extintos previamente à recuperação por ocasião da existência de uma obrigação recíproca compensável, serão indisponíveis à sua vontade exclusiva. A indisponibilidade do crédito impede a compensação nos termos do art.º 380 do Código Civil, que estabelece a regra geral de que não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro. Após a recuperação judicial, os créditos não são livremente disponíveis ao devedor recuperando justamente por conta da preservação da empresa e dos interesses dos demais credores na efetiva reestruturação da atividade. Ausente qualquer dos requisitos da fungibilidade, exigibilidade ou liquidez por ocasião do pedido de recuperação, e desde que não tenham sido supridos por convenção prévia pelas partes, ou diante de uma obrigação recíproca não compensável, o crédito do recuperando passa a ser afeto à proteção do interesse de terceiros por ocasião da preservação da empresa e deverá ser submetido, por meio do plano de recuperação, à aprovação dos credores em assembleia geral de credores. (...) Nesses termos, seja o crédito do recuperando anterior à recuperação judicial, desde que até então não compensável, ou adquirido posteriormente a essa, a compensação é obstada em razão de a recuperação judicial tornar o crédito indisponível ao interesse exclusivo do empresário recuperando. Além do óbice em relação à indisponibilidade do crédito, a impossibilidade de compensação também ocorre pelo regime diferenciado do débito, caso tenha sido contraído anteriormente à recuperação e não tenha se tornado compensável até esta. Nos termos dos art.ºs 49 e 59 da Lei nº 11.101, os débitos do recuperando existentes até a distribuição do pedido se submetem à recuperação judicial e deverão ser satisfeitos conforme previsão no plano”. 184. E em sede jurisprudencial nos Tribunais Brasileiros: (…) 185. Note-se também, que tal como ficou provado em sede matéria de facto, a Recorrida, caso não concordasse com o valor do crédito que lhe foi reconhecido, poderia, ao abrigo da lei processual Brasileira, ter apresentado a competente impugnação à relação de credores (vide Parecer junto aos presentes autos, Parágrafo 30, pág. 13). 186. Contudo não o fez, pelo que o pagamento do crédito da Recorrente sobre a Recorrida deverá assim ser efetuado nos termos do plano de recuperação que venha a ser aprovado. 187. Novamente nas palavras do Douto Parecer: “29. Conforme nos são relatados os fatos relevantes para o Processo, a RÉ/RECONVINTE peticionou ao Administrador Judicial do processo de recuperação judicial da AUTORA/RECONVINDA para alegar a ocorrência de suposta compensação do crédito contra ela detido, o que foi rejeitado pelo referido Administrador, que incluiu o crédito da RÉ/RECONVINTE na relação de credores da AUTORA/RECONVINDA, na sua versão revista, datada de 21.09.2018 e publicada no Diário Oficial de 24.09.2018, pelo valor final de € 268.471,40 (duzentos e sessenta e oito mil, quatrocentos e setenta e um euros e quarenta cêntimos), cujo pagamento obrigatoriamente deverá efetuar-se na forma do plano de recuperação que vier a ser aprovado. 30. A RÉ/RECONVINTE, caso não concordasse com o crédito inscrito em seu favor no quadro de credores, poderia apresentar ao juiz, no prazo de 10 (dez) dias, impugnação à relação de credores11, o que não se tem notícia que tenha feito. Constata-se, assim, que, ao menos parcialmente, o crédito cuja declaração e condenação persegue no Processo pela via reconvencional já foi a ela reconhecido, no âmbito da recuperação judicial da AUTORA/RECONVINDA”. 188. Por outro lado, destaque-se também que nos termos do Direito Brasileiro, os créditos detidos pela Recorrida sobre Pomifrai – Fruticultura, S.A. - empresa terceira aos presentes autos - não podem ser compensados perante a aqui Autora Reconvinda. 189. Conforme melhor referido no Parecer junto aos autos: “Destaque-se que também foram reconhecidos pelo Administrador Judicial certos créditos que são detidos contra outra sociedade, denominada POMIFRAI FRUTICULTURA S.A., participada da AUTORA/RECONVINDA, que com ela não se confunde, pois tem personalidade jurídica própria e independente. “Também por esse motivo, não se verificaram no caso concreto os requisitos indispensáveis da compensação, pois devem necessariamente figurar as mesmas partes como credora e devedora nas relações obrigacionais relevantes, conforme o disposto no artigo 368 do Código Civil, já acima transcrito – e isso antes ou depois do deferimento da recuperação judicial da Autora/Reconvinda” 190. Por fim, no que respeita às alegadas cessões de créditos pretensamente operadas pela Melro Brasil, cumpre recordar que os factos constitutivos subjacentes às mesmas não resultaram sequer como provadas. 191. Tal como resulta do Parecer jurídico que “Em suma, resta evidenciado que, à luz do Código Civil brasileiro, a cessão de crédito, para ser eficaz, deve ser notificada ao devedor. O cessionário, para instrumentalizar a cobrança do crédito, deve produzir em juízo prova idónea e suficiente da existência e teor do contrato de cessão, o que não foi satisfeito pela RÉ/RECONVINTE”. Concluiu a recorrida, em contrário, dizendo que: “(…) 82. Ainda que se pudesse entender de forma diferente quanto à lei aplicável, há que dizer que, a Lei brasileira, nomeadamente o Código Civil Brasileiro, também acolhe, no seu ordenamento jurídico, a extinção da obrigação através da Compensação. 83. Dispondo o Art.º 368º. Do Código Civil Brasileiro: “(...) Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.(...)” 84. Acrescentando até, o Art.º 373º: “(...) A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação,(...)” 85.E, o Art.º 377. refere ainda “(...) O devedor que, notificado, nada opõe à cessão que o credor faz a terceiros dos seus direitos, não pode opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria podido opor ao cedente.(...)”. 86. Pelo que, sem qualquer dúvida, a compensação é valida e legal, seja ao abrigo de lei da República Portuguesa ou da República Brasileira. 87.O mesmo se diga quanto à Compensação por decisão judicial 88.A compensação judicial opera também, por decisão constitutiva do Tribunal e resulta normalmente da invocação em juízo do instituto da compensação porum credor que pretende ver o seu crédito compensado, operando desde quese encontrem verificados os requisitos da compensação legal. 89.O que a Autora também pediu! 90.O artigo 847.º do Código Civil estabelece que, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer uma delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor. 91.Como alegado, os requisitos que a lei exige para a compensação de créditos são: a. Reciprocidade de créditos; b. Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção peremptória ou dilatória, de direito material; c. Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade; d. Não exclusão da compensação pela lei; e. Declaração da vontade de compensar. 92. Todos estes requisitos se verificam “in casu” 93. Existe reciprocidade dos créditos da Autora e da Ré, como aquela, inclusive, confessou na sua P.I. e como todas as testemunhas confirmaram. 94. As duas obrigações têm por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade (fruta) tal como também confessado pela Autora. 95. Também não obsta à compensação o facto de as obrigações deverem ser cumpridas em lugares diferentes (art.º 852.º n.º 1 do Código Civil). (…) 179. E, a Lei portuguesa dispõe desde logo, nos termos do artigo 847º do Código Civil que a compensação é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. 180. A este propósito, do pagamento através de compensação, ainda que se pudesse entender de forma diferente quanto à lei aplicável, há que dizer que, a Lei brasileira, nomeadamente o Código Civil Brasileiro, também acolhe, no seu ordenamento jurídico, a extinção da obrigação através da Compensação. 181. Dispondo o Art.º 368º. Do Código Civil Brasileiro: “(...) Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.(...)” 182. Acrescentando até, o Art.º 373º: “(...) A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, (...)” 183. E, o Art.º 377. refere ainda “(...) O devedor que, notificado, nada opõe à cessão que o credor faz a terceiros dos seus direitos, não pode opor ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria podido opor ao cedente.(...)”. 184. Pelo que, sem qualquer dúvida, a compensação também seria valida e legal, seja ao abrigo de lei da República Portuguesa ou da República Brasileira. 185. Assim como nada na Lei (seja a lei portuguesa seja o ordenamento jurídico brasileiro) impede que o negócio fosse delineado como foi, ou seja, que o pagamento da mercadoria se efetuasse com mercadoria equivalente. 186. O que resulta provado foi que, a mercadoria reclamada pela Autora foi paga com mercadoria enviada pela Ré. 187. A Autora bem sabendo disso, procurou urdir um “esquema”, aproveitando o facto de existirem facturas que, como vastamente alegado e provado, se destinavam apenas a fazer cumprir as regras contabilísticas, fiscais e aduaneiras e vir demandar o pagamento das mesmas que na prática correspondem a coisa nenhuma! 188. A mercadoria cujo valor a Autora vem aqui reclamar, está paga! 189. Foi paga pela Ré, com o envio de mercadoria equivalente conforme ambas acordaram.”. Vejamos: Os créditos que a ré procurou compensar com o contra-crédito da autora são os que foram invocados nos artigos 37.º a 41.º e 99.º a 104.º da contestação e a que se reporta a carta cuja cópia consta de fls. 97-98 dos autos, datada de 22-01-2017, mas, como se viu, remetida em 2018 e rececionada pela autora em 15-02-2018. Por via de tal carta, a ré comunicou à autora a compensação dos seus créditos com o crédito da autora referidos supra em 9, perfazendo um total de €390.497,50. Nesta missiva foram relacionados pela ré, créditos sobre: - A Pomifrai (faturas n.ºs …, …, …, …, … e …), totalizando €88.905,60; - A Pomifrutas (faturas n.ºs. …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e …), totalizando € 264.644,86; - Fatura … de 40.897.20 Reais, respeitante à Pomartec; - Faturas 601, 671, 673, 672, 675, 677, 676, 678, 679, 680 e 682, totalizando 150.675.00 Reais, respeitante à Melro. A autora, por referência ao disposto no artigo 380.º do CC brasileiro e louvando-se na doutrina (citando Marcelo Barbosa Sacramone; “Compensação de débitos na recuperação judicial”, in Bernardo Bicalho de Alvarenga Mendes (coord.); Aspectos atuais e polêmicos da Lei de Recuperação de Empresas, Belo Horizonte, D’Plácido Editora, 2016, pp. 447-472 e o parecer jurídico – cfr. fls. 312 a 357- que fez juntar aos autos) e jurisprudência invocada na réplica (cfr. 38.º a 46.º) e reiterada em sede de alegações, considera que (por força da indisponibilidade do crédito e também do regime diferenciado do débito: caso tenha sido contraído anteriormente à recuperação e não se tenha tornado compensável até esta, ao invés dos créditos abrangidos pelo plano, que, nos termos dos artigos 49.º e 59.º da Lei n.º 11.101 deverão ser satisfeitos de acordo com a previsão do plano de recuperação) a compensação em questão não é possível depois de aprovado um plano de recuperação judicial. Vejamos: Sobre o tema, reporta (Erika Gonçalves do Sacramento Araújo; A compensação no processo de recuperação judicial: Abordagem prática e jurisprudencial; Fundação Getulio Vargas, Escola de Direito de São Paulo, São Paulo, 2018, texto consultado em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/25965/Erika%20Ara%c3%bajo.%20Disserta%c3%a7%c3%a3o%20final%2018012019.pdf?sequence=1&isAllowed=y, pp. 47 e 53) que: “Embora o instituto da compensação seja reconhecido e expressamente autorizado na Lei 11.101/2005, consoante norma prevista no artigo 122º, que regula, especificamente, o processo falimentar, não há regramento próprio nas disposições aplicáveis aos processos de recuperação judicial. Todavia, a citada omissão legislativa não impede a aplicação da compensação aos processos de recuperação judicial, considerando que: a) não há dispositivo legal que vede sua aplicação no regime recuperacional. Logo, nos termos do artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal103, o qual assegura fazer tudo aquilo que não é vedado pela legislação, conclui-se pela sua admissibilidade e aplicabilidade; b) não há qualquer incompatibilidade do instituto com o procedimento recuperacional. Na prática, registre-se que a possibilidade de aplicação da compensação no âmbito da recuperação judicial já foi enfrentada por diversos Tribunais e não há uniformidade de entendimento sobre o tema, consoante se extrai de julgados proferidos pelos Tribunais de Justiça do Estado de São Paulo e do Rio de Janeiro (…). A data da distribuição do pedido recuperacional é o marco definido por lei para determinar que o crédito existente, ainda que não vencido, está sujeito aos efeitos da recuperação, nos termos do artigo 49, caput, da Lei 11.101/2005. E tratando-se de crédito concursal, este deverá ser satisfeito na forma e condições previstas no plano de recuperação, sob pena de violar o princípio da par condicio creditorium. Esse dado é de suma importância para se verificar se o crédito é concursal ou extraconcursal. É um dos pontos a ser avaliado quando se está diante de obrigações recíprocas compensáveis e um dos sujeitos envolvidos encontra-se em processo de recuperação judicial. O contexto fático que envolve a compensação de débitos nos processos de recuperação poderá apresentar diferentes variantes. Na prática, vislumbram-se hipóteses distintas, ilustradas e exemplificadas nos tópicos subsequentes, a receber tratamento e soluções diferenciadas pelo Poder Judiciário. Nesse cenário, destacam-se os seguintes pontos a serem identificados e avaliados: a) o momento em que são preenchidos todos os requisitos a viabilizar a compensação. Nesse aspecto, cabe avaliar o critério temporal e diferenciar as modalidades de compensação, que se submetem a pressupostos distintos. A compensação legal sujeita-se às condições previstas em lei, enquanto a compensação convencional tem requisitos próprios, previamente estipulados pelas partes, que não se confundem com os da natureza legal. Logo, não se pode exigir para a compensação convencional os requisitos legais, se estes não foram pactuados pelas partes; b) a data de distribuição do pedido de recuperação judicial (artigo 49 caput da Lei 11.101/2005); c) a data de ocorrência dos fatos geradores das obrigações; e d) momento que em se efetua, se for o caso, a contabilidade das compensações realizadas.”. Esta Autora (ob. Cit., pp. 54 a 77) distingue três situações fácticas diversas, todas com reporte ao impacto da compensação no processo de recuperação: 1ª - Os factos geradores das obrigações e o preenchimento dos requisitos da compensação ocorreram antes da entrada do pedido recuperacional: Caso em que conclui que “a compensação é ipso iure, efetiva-se de forma automática, no momento em que presentes os requisitos legais ou ajustados, inexistindo, assim, violação ao artigo 380 do Código Civil Brasileiro e nem aos princípios que regem o processo de recuperação.” – cfr. p.59); 2ª - Os factos geradores da obrigação ocorreram antes do pedido de recuperação, mas o preenchimento dos requisitos da compensação surgiu apenas em data posterior à entrada em juízo do pedido de recuperação: Caso em que refere diversos entendimentos, uns, como o de Marcelo Barbosa Sacramonte, e de Deborah Kirschbaum; “Cláusula resolutiva expressa por insolvência nos contratos empresariais: um análise econômico-jurídica”, in Revista Direito FGV 3, v. 2, n. 1, pp. 37-54; jan-jun 2006:37, com arrimo no interesse social envolvido e na interpretação do artigo 380.º do Código Civil brasileiro - concluindo que o interesse individual de um determinado credor não pode prevalecer sobre o interesse social e que a compensação violaria os princípios da preservação da empresa e da par conditio creditorium – e, em sentido inverso, outro entendimento, baseado na prevalência dos princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos, concluindo que a recuperação, ao invés da falência, não é um concurso de credores, negociando os credores com o devedor os meios de superação da crise, pelo que, para os seguidores desta orientação, não obstante a recuperação, seria possível a compensação); e 3ª - Os factos geradores das obrigações e o preenchimento dos requisitos da compensação ocorre em data posterior à entrada em juízo do pedido de recuperação: Caso em que entende que “a solução jurídica que se mostra mais adequada é permitir a compensação de débitos da empresa em recuperação. E o raciocínio é simples: trata-se de crédito extraconcursal, não sujeito aos efeitos do processo de recuperação”, mas adverte que, “(…) caso o Poder Judiciário entenda por impedir a compensação de valores, o que deverá ser compreendido como medida excepcional, em razão da extraconcursalidade do crédito, ressalte-se que tal decisão não poderá ser pautada na proteção do ativo permanente da empresa (artigo 66 da Lei 11.101/2005). O referido dispositivo legal impede a realização de atos de constrição nos ativos permanentes da empresa, salvo se autorizada pelo Juízo da Recuperação. (…). Logo, caso o controle judicial venha a ser excepcionalmente exercido, este deverá ser amparado nos princípios que regem o processo de recuperação, especialmente no princípio da preservação da empresa, preconizado na Lei 11.101/2005.”. Por sua vez, dão nota Mariana Negri e Pâmela Silveira Leite (“A compensação na recuperação judicial”, in Elas no Jota, 28-10-2021, consultado em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/compensacao-recuperacao-judicial-28102021): “À luz dos artigos 368º e 369º do Código Civil, é possível interpretar que a compensação se opera de forma automática, como ocorre, nesse aspecto, no Direito Francês. Ainda, a compensação pode ser legal, que se subordina a requisitos legais, ou voluntária/convencional, em que as partes podem flexibilizar os requisitos legais para autorizar a extinção de obrigações recíprocas. São essas as premissas que devem nortear a análise da aplicabilidade da compensação na recuperação judicial. O tema, porém, é objeto de controvérsias, na medida em que o processo de recuperação se submete a um regime jurídico especial, regido por lei própria (Lei n. 11.101/2005 – LFR), que tem como pilares os princípios da preservação da empresa (art.º 47, da LFR) e do tratamento paritário dos credores (par conditio creditorum). No anseio de preservar esses princípios, comumente se questiona sobre a compensação de débitos e créditos recíprocos, principalmente diante da possibilidade indesejada de ocorrer favorecimento pessoal a um determinado credor. Além disso, muito se debate sobre a compatibilização dos dispositivos que tratam da compensação no Código Civil e na LFR. Nesse ponto, há que se destacar que a LFR é omissa acerca da possibilidade de se efetivar a compensação em caso de recuperação judicial, já que apenas disciplina a compensação na falência, no artigo 122. Nesse cenário de incertezas, torna-se imprescindível a análise da jurisprudência sobre a possibilidade de aplicação da compensação na recuperação judicial. O Tribunal de Justiça de São Paulo já manifestou entendimentos sobre o tema nos seguintes sentidos: (i) admitindo a compensação, ao fundamento principal de que sua aplicação é automática; se opera de pleno direito, independentemente de decisão judicial, com fundamento no Código Civil e (ii) rejeitando a compensação, por implicar violação ao princípio do par conditio creditorum e ao artigo 49, da LFR. Nesse último caso, verifica-se um certo controle por parte do Poder Judiciário na aplicação da compensação na recuperação judicial, que acaba por avaliar as particularidades do caso concreto, principalmente: a data de distribuição do pedido de recuperação judicial; a data dos fatos geradores das obrigações compensáveis e se foram preenchidos os requisitos da compensação (legal ou convencional). As situações enfrentadas pelo Poder Judiciário são diversas. Na hipótese de os fatos geradores das obrigações (débito e crédito) e a compensação se operaram antes do pedido de recuperação judicial, a jurisprudência tem entendido que a compensação ocorreu de forma automática e que as obrigações compensáveis já estavam extintas no momento do pedido de recuperação judicial, por aplicação dos artigos 368 e 369 do Código Civil, não sendo permitida a restituição de valores [No Agravo de Instrumento n. 2024229-92.2020.8.26.0000, o TJSP decidiu que antes mesmo do ajuizamento da recuperação judicial pelas agravadas, já havia dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis, de modo que é perfeitamente possível a compensação dos valores, até onde se compensarem. (Relator Sérgio Shimura; 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do Julgamento: 05/04/2021; Data de Registro: 05/04/2021). No mesmo sentido: TJSP; Agravo de Instrumento 2201470-87.2019.8.26.0000; Relator: Gilson Delgado Miranda; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do Julgamento: 12/11/2019; Data de Registro: 12/11/2019.]. No entanto, quando os fatos geradores das obrigações ocorrem antes do pedido de recuperação, mas o preenchimento dos requisitos da compensação se efetivam depois, a jurisprudência tem considerado que a compensação não é possível, porque prejudica interesse de terceiros – a coletividade dos credores (par conditio creditorum) –, o que é vedado pelo artigo 380, do Código Civil [No Agravo de Instrumento n. 2211765-52.2020.8.26.0000, o TJSP afastou a compensação em razão da omissão legal e de o crédito ser anterior ao pedido de recuperação. (Relator: J. B. Franco de Godoi; 23ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 16/12/2020; Data de Registro: 16/12/2020).]. (…) Há que se observar, ainda, que uma das grandes razões para o indeferimento da compensação é o não preenchimento dos requisitos previstos no art.º 369, do Código Civil, principalmente quando as dívidas não forem líquidas e certas e quando as dívidas recíprocas apresentam naturezas distintas [9] No AI n. 2026607-84.2021.8.26.0000, o TJSP não permitiu a compensação de crédito futuro e incerto. (Relator: Maurício Pessoa; 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do Julgamento: 01/10/2021; Data de Registro: 01/10/2021). No mesmo sentido: TJSP; Agravo de Instrumento 2219545-43.2020.8.26.0000; Relator: Alexandre Lazzarini; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do Julgamento: 12/03/2021; Data de Registro: 12/03/2021)]”. Revertendo estas considerações e aplicando-as ao caso dos autos, cumpre referir, liminarmente, que, atento o que consta dos factos provados, não poderá operar a compensação relativamente a créditos indemonstrados, não se tendo apurado ser a ré credora da autora com respeito a créditos da Pomartec, da Melro e, bem assim, que a ré detenha um créditos sobre a autora referente à fatura n.º 1133, no montante de 85.079,60 €. Mas, para além disso, apurou-se – conforme resulta dos factos provados 17.º a 20.º - que, a autora e a Pomifrai - Fruticultura, S.A. apresentaram no dia 25-01-2018 um “Procedimento de Recuperação”, junto dos tribunais brasileiros, o qual foi deferido pelo Tribunal da Comarca de Fraiburgo (1.ª Vara) na mesma data (cfr. doc. de fls. 128-130) e corre atualmente termos sob o Proc. n.º … (um parêntesis para referir que, ulteriormente, o mesmo tribunal, por decisão de 17-02-2020 decretou a falência da autora, mas, de tal decisão foi interposto recurso de agravo, a que, por decisão de 03-03-2020 foi atribuído efeito suspensivo, assim suspendendo os efeitos da decretação da falência até julgamento final do agravo). Ora, verificamos que, em 15-02-2018, quando a carta, onde a compensação foi invocada, chegou – produzindo efeitos – à esfera da autora, já tinha sido decretada a recuperação judicial da autora (decidida em 25-01-2018), mas, nessa altura - em que, a referida compensação foi manifesta e invocada pela ré - ainda não se encontravam preenchidos os requisitos necessários para a compensação proceder, porque os créditos invocados pela ré, respeitantes às compras da autora, ainda não se encontravam vencidos, aspeto fundamental, no direito brasileiro, para a invocação, com sucesso, da pretensão compensatória. E este é o aspeto decisivo para a resolução da questão. Na realidade, apurou-se que a ré, no desenvolvimento da relação comercial com a autora forneceu a esta frutas, tendo sido emitidas as respetivas faturas – n.ºs. …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e … - totalizando €179.565,80. As faturas - …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e … - em questão, foram emitidas pela ré em 14-09-2017, 21-09-2017, 27-10-2017, 27-10-2017, 04-10-2017, 04-10-2017, 06-10-2017, 13-10-2017, 13-10-2017, 13-10-2017, 13-10-2017 e 13-10-2017, respetivamente, tendo vencimento a 180 dias, pelo que se venceriam entre 14-03-2018 e 13-04-2018. Como se viu, o não vencimento dos créditos obsta à procedência da compensação – cfr. artigo 369.º do CC brasileiro. Na doutrina brasileira a questão é pacífica. Exemplificativamente: - Álvaro Villaça Azevedo (Curso de Direito Civil – Teoria Geral das Obrigações e Responsabilidade Civil, 13.ª ed., Saraiva, São Paulo, 2019, pp. 234-235) reporta que: “(…) as obrigações para se compensarem devem ser líquidas, vencidas e de coisas fungíveis, segundo exigência do art.º 369 do CC. (…) Vencidas são as dívidas que chegaram a seu termo final, ao seu vencimento, devendo ser prestadas. São, dessa forma, exigíveis. Não pode, desse modo, ser compensado um débito vencido com outro não vencido, a não ser que a compensação seja convencional, resulte da vontade das partes (…)”; - Sílvio de Salvo Venosa (Direito Civil – Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, 13.ª ed., Editora Atlas, S.A., São Paulo, 2013, pp. 290-291) sublinha que: “É indispensável que o crédito a ser oposto pelo devedor a seu credor permita exigibilidade imediata. Deve, desse modo, ser certo, líquido e exigível. Um crédito subordinado à condição não é certo, por exemplo. Um crédito que necessite de apuração de valor não é líquido. Não é exigível um crédito ainda não vencido. Não há necessidade, porém, que os vencimentos sejam simultâneos.”. Anderson Schreiber, Flávio Tartuce, José Fernando Simão, Marco Aurélio Bezerra de Melo e Mário Luiz Delgado, no Código Civil comentado – doutrina e jurisprudência (Rio de Janeiro, Editora Forense, 2019, p. 435) reportam que: “As dívidas devem ser vencidas. Isso significa que ambas são exigíveis. Se condicionais (elemento futuro e incerto) ou a termo (elemento futuro e certo), não haverá compensação legal. Se A deve para B R$ 5.000,00 e B deve para A R$ 4.000,00, mas a primeira dívida se venceu e a segunda só vence em um ano, não há compensação”. No caso é manifesto que, quando a ré procurou exercer a compensação, em inícios de 2018, antes de março desse ano, nenhuma das faturas da ré se encontrava vencida, o que, por si só, obsta à procedência da compensação (cfr. a alegação da autora nos artigos 29.º a 46.º da réplica). Ora, de acordo com o que resulta do artigo 49.º da Lei n.º 11.101, de 09-02-2005 (disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm, que, no Brasil, “regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária”): “Art.º 49º. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. § 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (…)”. A sujeição dos créditos, ainda não vencidos ao processo de recuperação apenas pode ter por sentido sujeitar também o crédito não vencido a tal procedimento, vinculando-o ao que for delineado no processo de recuperação, sob pena de ser ofendido o interesse societário, bem como o dos credores sociais (cfr. artigo 380.º do CC brasileiro) e o princípio da igualdade entre os credores. Em face do exposto, conclui-se que, a pretensão de compensação não poderá operar os efeitos pretendidos pela ré – quer no momento em que, extrajudicialmente foi manifestada pela ré, quer também, no momento em que, foi invocada, em sede de contestação, nos presentes autos - atendendo à existência do processo de recuperação e à decisão nele tomada, cujos efeitos permaneciam. * O) Se deve ser julgado improcedente o pedido reconvencional? A impossibilidade de considerar eficaz a compensação invocada pela ré, determina que a mesma, não possa fundamentar a pretensão deduzida pela ré nos presentes autos, quer com respeito à exceção perentória invocada, quer com atinência a basear o pedido reconvencional, por si deduzido. Em consequência, o pedido reconvencional deverá ser julgado improcedente. * P) Se acrescem à pretensão da autora juros à taxa mensal de 1% e se os mesmos devem ser contabilizados desde a data de vencimento de cada fatura até efetivo e integral pagamento? Apurado o crédito da autora sobre a ré – no montante global de € 390.497,50 - respeitante às faturas e fornecimentos que a autora lhe efetuou e uma vez que a ré não procedeu ao seu oportuno pagamento, cumprirá, revogando a decisão recorrida, determinar a condenação da ré no seu pagamento. A autora peticionou a condenação da ré no pagamento de juros de mora “mensais, contabilizados à taxa de 1% desde a data de vencimento de cada fatura até efetivo e integral pagamento” (cfr. al. A) do petitório constante da petição inicial). Na decisão recorrida, a pretensão da autora atinente a juros foi julgada parcialmente procedente, condenando-se a ré a pagar juros de mora, à taxa legal da lei portuguesa, desde a citação até integral e efetivo pagamento (cfr. al. b) do dispositivo da sentença recorrida). Explica-se na fundamentação da decisão recorrida que, “[a]tendendo à invocação da compensação, não é possível apurar qualquer vencimento de juros relativamente à quantia de 81.304,09€ nos termos do art.º 805.º/2, al. a) do CCivil. Deste modo, nos termos do art.º 805º/1 do CCivil, os juros serão devidos desde a citação”. A recorrente não se conforma com esta decisão. Nas conclusões de recurso, a autora considera sobre esta questão, que: “(…) JJ) Ao valor em causa acrescem juros nos termos peticionados na Petição Inicial à taxa mensal de 1% desde a data de vencimento de cada fatura. KK) Sendo que caso o Tribunal “ad quem” entenda que se aplica a lei Portuguesa e não a lei Brasileira, tais juros devem ser contabilizados à taxa supletiva de juros de mora referente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, nos termos do § 5.º do artigo 102.º do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, i.e. os juros comerciais às taxas sucessivamente em vigor. LL) Estando perante créditos entre sociedades comerciais, a “taxa legal da lei Portuguesa”, conforme decidido pelo Tribunal “a quo”, não tem assim aqui qualquer aplicação. MM) Não havendo lugar a qualquer compensação (seja à luz da lei Portuguesa ou da lei Brasileira), os juros devem ser contabilizados desde a data de vencimento de cada fatura até efetivo e integral pagamento e não desde a data de citação da Recorrida, conforme decidido pelo Tribunal “a quo”. (…)”. À questão é, como se viu, aplicável a lei substantiva portuguesa. Nesta medida, não tem fundamento a condenação da ré no pagamento de juros de mora “à taxa mensal de 1%”. Ora, o devedor constitui-se em mora quando a prestação, ainda possível, não foi efectuada no momento próprio, por causa que lhe é imputável (art.º 804º, n.º 2, do CC), sendo certo que, a simples mora acarreta para o devedor a obrigação de reparar os danos causados ao credor (nº 1 do art.º 804º do CC). Em geral (cfr. artigo 805.º, n.º 1 do CC), “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”. Contudo, nos termos do artigo 805.º, n.º 2, al. a) do CC, o devedor constitui-se em mora, independentemente de interpelação se a obrigação tiver prazo certo. E, de acordo com o estipulado no nº 1 do art.º 806º do Código Civil, se a obrigação for pecuniária, “a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”, juros esses que são os juros legais (cfr. nº 2 do art.º 806º, e art.º 559º e ss., do Código Civil). No caso em apreço, as faturas cujo pagamento foi reclamado pela autora tinham prazo certo de vencimento – a 180 dias a contar da respetiva emissão – pelo que, sobre os montantes de capital de cada uma das faturas são devidos juros de mora, nos termos seguintes: - Fatura n.º …, de €30.900,00, com juros vencidos desde 11-10-2017; - Fatura n.º …, de €31.627,50, com juros vencidos desde 11-10-2017; - Fatura n.º …, de €20.605,00, com juros vencidos desde 18-10-2017; - Fatura n.º …, de €31.460,00, com juros vencidos desde 09-11-2017; - Fatura n.º …, de €32.100,00, com juros vencidos desde 09-11-2017; - Fatura n.º …, de € 20.875,00, com juros vencidos desde 09-11-2017; - Fatura n.º …, de € 31.560,00, com juros vencidos desde 23-11-2017; - Fatura n.º …, de €30.997,50, com juros vencidos desde 25-11-2017; - Fatura n.º …, de €21.000,00, com juros vencidos desde 26-11-2017; - Fatura n.º …, de €31.960,00, com juros vencidos desde 06-12-2017; - Fatura n.º …, de €21.302,50, com juros vencidos desde 26-12-2017; - Fatura n.º …, de €32.250,00, com juros vencidos desde 26-12-2017; - Fatura n.º …, de €43.060,00, com juros vencidos desde 26-12-2017; e - Fatura n.º …, de €10.800,00, com juros vencidos desde 26-12-2017. Por outro lado, está-se perante um crédito do qual é titular uma empresa comercial (cf. artigos 2º, 13º, 102º e 230º, todos do Código Comercial), pelo que haverá que ter em conta, quanto à contagem de juros, o disposto no artigo 102.º do Código Comercial, sendo que, a autora peticionou juros de mora comerciais (cfr. artigo 69.º da p.i.). Ora, determina o artigo 102º do Código Comercial, que há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os atos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados naquele Código. Nos termos do referido artigo 102.º, § 3.º, os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça. No caso em análise, autora e ré desenvolvem atividades comerciais, pelo que, a taxa de juros de mora a considerar é a taxa dos juros comerciais. Em execução do referido § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial têm sido publicadas as taxas de juros comerciais correspondentemente aplicáveis ao longo do tempo. Assim, são devidos juros de mora comerciais, contabilizados sobre cada um dos montantes relativos a cada uma das faturas acima identificadas, desde a respetiva data de vencimento e até integral pagamento. * Q) Se deve ser a ré ser condenada por litigância de má-fé em multa e pagamento de indemnização à autora não inferior a € 5.000,00? Nas conclusões CCC) e DDD) das alegações de recurso, considera a recorrente que: “A recorrida deve ser condenada em litigância de má fé porquanto deduziu uma pretensão que sabe não ter direito, em particular no que respeita aos créditos que detém sobre a Pomifrai – Fruticultura, S.A. e não sobre a aqui Recorrente (…). Estamos perante factos próprios que a Recorrida não poderia ignorar”. A recorrida concluiu pela improcedência de tal pretensão (cfr. conclusão SS) da contra-alegação de recurso). Como se viu, entendeu-se no despacho proferido em 04-07-2022 suprir a nulidade da falta de conhecimento de tal matéria na decisão recorrida e proferiu-se decisão no sentido da improcedência de uma tal pretensão – que a autora tinha suscitado em 15-06-2020 e reiterado em 23-11-2020 – com os fundamentos então exarados: A procedência da pretensão da ré “em larga medida” e o facto de a ré ter logrado “provar, na sua essencialidade, os factos que alegou quanto à conduta da autora que conduziu à sua insolvência”. Vejamos: O artigo 8.º do CPC enuncia que “as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado” no artigo 7.º do mesmo Código. “A litigância de má-fé surge (…) como um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo. Não se trata de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem, através de actuações processuais” (assim, Menezes Cordeiro; Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa «In Agendo», 2006; Almedina, 2006, p. 26, nota 2). A particular gravidade que assume o abuso processual acontece porque lesa, não apenas a contra-parte, mas, devido ao carácter publicístico do processo, também e sobretudo, a própria administração da Justiça. O artigo 542.º do CPC censura três comportamentos substantivos contrários à boa fé e um comportamento processual do litigante violador da boa fé devida: A conduta substantiva sancionável pode consistir: 1) Na dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não deva ignorar (artigo 542.º, n.º 2, alínea a)); 2) Na alteração da verdade dos factos ou na omissão de factos relevantes para a decisão da causa (artigo 542.º, n.º 2, alínea b)); 3) Na grave omissão do dever de cooperação (artigo 542º, n.º 2, alínea c)). Em termos de atuação processual sanciona-se o uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, por qualquer das partes, a fim de: i) conseguir um objetivo ilegal; ii) impedir a descoberta da verdade; ou iii) protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (artigo 542º, n.º 2. alínea d)). A delimitação da responsabilização por litigância de má fé impõe sempre uma apreciação casuística sobre a integração dos comportamentos sinalizados no âmbito de alguma das previsões contidas no mencionado n.º 2 do artigo 542.º. A ilicitude pressuposta pela litigância de má-fé distancia-se da ilicitude civil (artigo 483º CC) não apenas porque se apresenta como um ilícito típico (descrevendo-se no artigo 542.º do CPC, analiticamente, as condutas que o integram), mas também porque, ao contrário do que sucede com o ilícito civil, se encontra dependente da verificação de um elemento subjectivo, sem o qual o comportamento da parte não pode ser tido como típico e, consequentemente, como ilícito, aproximando-se nesta medida muito mais do ilícito penal (assim, Paula Costa e Silva; A litigância de má-fé, Almedina, 2008, p. 620). O litigante tem de atuar imbuído de dolo ou culpa grave. O elemento subjetivo será então considerado não apenas ao nível da culpa, mas também em sede de tipicidade. Releva a má-fé subjetiva - quando a parte que atua de má-fé tem consciência de que lhe não assiste razão - e, em face das dificuldades em apurar a verdadeira intenção do litigante, essa consciência deve manifestar-se perante a violação ou inobservância das mais elementares regras de prudência. Se o comportamento da parte preencher objetivamente a previsão de alguma das alíneas do artigo 542º, nº 2, do CPC, mas não se patentear o elemento subjetivo, o mesmo não poderá ser qualificado como litigância de má fé. Não haverá lide dolosa nem temerária. Refira-se, a este propósito, que a reforma do processo civil de 1995-1996 (operada pelo Decreto-Lei n.º. 329-A/95, de 12 de dezembro, Lei n.º 6/96, de 29 de fevereiro e Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de setembro) veio alargar a figura da litigância de má-fé, passando a abarcar não só a lide dolosa, mas também, a lide temerária (esta última ocorrerá quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro – assim, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto; Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pp. 194-195, dando conta de que a lide temerária constitui um “mais” relativamente à lide meramente imprudente, que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, atuando culposamente, mas apenas com culpa leve). A lide temerária pode, pois, ser sancionada como litigância de má fé. Assim, “hoje (…), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização” (nesta linha, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-03-2014, Processo 1063/11.9TVLSB.L1.S1, rel. SALAZAR CASANOVA). O dolo supõe o conhecimento da falta de fundamento da pretensão ou oposição deduzida – dolo substancial direto – ou a consciente alteração da verdade dos factos ou omissão de um elemento essencial – dolo substancial indireto – podendo ainda traduzir-se no uso manifestamente reprovável dos meios e poderes processuais (cfr. Menezes Cordeiro; Da Boa Fé no Direito Civil, 2ª Reimpressão, Colecção Teses, Almedina, 2001, p. 380). Por seu turno, “há negligência grave, fundamentadora de um juízo de litigância de má-fé, quando o litigante procede com imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um” (assim, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2001, Processo 01A3692, rel. João DE MELO). Finalmente, diga-se que “a lei processual castiga a litigância de má-fé, independentemente do resultado. Apenas releva o próprio comportamento, mesmo que, pelo prisma do prevaricador, ele não tenha conduzido a nada. O dano não é pressuposto da litigância de má-fé” (cfr. Menezes Cordeiro; Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa «In Agendo», 2006, p. 26, nota 2). Assim, a condenação não depende dos resultados com a conduta reprovável do tipo das referidas no artigo 542.º, n.º 2, do CPC, serem ou não atingidos (cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-05-2019, Processo 6646/04.0TBCSC.L1.S2, rel. CATARINA SERRA). Contudo, o julgador deve ser especialmente cauteloso e prudente na aferição das situações passíveis de constituírem litigância de má fé, apenas devendo determinar a condenação se se patentearem as condutas típicas e, bem assim, o dolo ou a grave negligência na sua prática. Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2018 (Processo 280/18.5T8OAZ.P1, rel. RITA ROMEIRA): “A responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, ou, a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; O autor deve ser condenado como litigante de má-fé se nega factos pessoais que vieram a ser declarados provados”. Ou seja: “(…) a ousadia de apresentação duma determinada construção jurídica, julgada manifestamente errada, não revela, por si só, que o seu autor a apresentou em violação dos princípios da boa fé e da cooperação, havendo por isso que ser-se prudente no juízo a fazer sobre a má fé processual” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-11-2015, Processo 3067/12.5TBTVD.L1-2, rel. SOUSA PINTO). Importa evidenciar, liminarmente, que o fundamento fáctico em que a autora assenta a condenação da contraparte como litigante de má fé no âmbito do presente recurso (cfr. as mencionadas conclusões CCC) e DDD) e o alegado no ponto 233 das alegações de recurso), não coincide, inteiramente, com o âmbito com que tal questão tinha, precedentemente, sido suscitado. A autora tinha suscitado a questão da litigância de má fé da contraparte no requerimento de 15-06-2020, onde se pronunciou sobre o que a ré tinha alegado no requerimento de 19-05-2020 (de acordo com a ré, a autora “gizado um plano para adquirir grandes quantidades de fruta, tem[d]o intenção de posteriormente a essas compras, interpor um processo de Recuperação/Insolvência, por forma a que, entrassem no seu património grandes quantidades de mercadoria que após a interposição do processo, não iria pagar. (…) Tendo, inclusive, utilizado o mesmo expediente que utilizou com a Ré, ou seja, receber grandes quantidades de fruta e igualmente vender largas toneladas também. (…) Resultando assim que, após a interposição do Processo de Recuperação/Insolvência, a Autora reclama em juízo, a mercadoria que vendeu e, não está obrigada a pagar o que comprou e fez seu. (…) A Ré, pretende deslocar-se ao Brasil para apurar a veracidade e a complexidade desta situação que lhe foi relatada, mas atento o período que atravessamos, com as limitações impostas pelo COVID-19, não lhe foi possível diligenciar nesse sentido. (…) Sendo certo porém que, a ser assim, todo o actual processo, necessita de ser avaliado à luz de tais eventuais intenções da Autora, nomeadamente se são verdadeiras e se, às mesmas, correspondem uma actuação criminosa, ou dolosa. (…) Não sendo possível, nesta data, proceder a essa avaliação, parece à Ré que seria mais avisado aguardarem os autos, pelo apuramento das circunstâncias em que a Autora deduziu o pedido de Recuperação/Insolvência, após a aquisição de grandes quantidades de mercadoria a diversos fornecedores, entre os quais a Ré. (…) À Ré foi garantido, oralmente, existirem alguns casos idênticos ao seu, que lhe foram transmitidos pelos seus fornecedores brasileiros, os quais lhe afirmaram existirem outros que, pelas razões supra, ainda não foi possível á Ré confirmar, nem apurar”), alegação que a autora considerou “um conjunto de factos manifestamente falsos e caluniosos”, dizendo que: “(…) 12. Ora, conforme já referido, as alegações supra são manifestamente falsas, caluniosas e suscetíveis de responsabilidade criminal da parte da Ré, tendo em consideração as ofensas ao bom nome comercial da Autora e dos seus legais representantes. 13. A aqui Autora é uma Sociedade Anônima, com ações listadas na Bolsa de Valores, e os seus representantes são profissionais diligentes, éticos e honestos. 14. Os balanços financeiros e as contas da Autora são públicos e rigorosamente auditados por auditores independentes, para além de passarem pelo crivo do Administrador Judicial. 15. Por outro lado, em momento algum foi apresentado qualquer tipo de ação/procedimento judicial referente a qualquer tipo de “crime falimentar” ou mesmo de “má fé” por parte da aqui Autora, seja por parte de fornecedores de frutas, insumos ou quaisquer outras entidades. 16. A Autora irá assim encetar as diligências necessárias para apurar a existência de responsabilidade criminal por parte da Ré face às suas afirmações caluniosas, e se assim for necessário, agir em conformidade contra esta e contra os seus representantes. 17. Não obstante, importa também destacar que a Ré, num exercício de manifesta irresponsabilidade, não juntou um único resquício de prova com vista à evidência das calúnias que aqui apresenta, limitando-se assim a levantar suspeitas completamente infundadas com vista a protelar o presente processo e obter uma suposta suspensão sem o mínimo fundamento factual ou legal. 18. Com a sua conduta processual a Ré alterou a verdade dos factos e fez do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedindo a descoberta da verdade, entorpecendo a ação da justiça e pretendendo protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.” (assim, o mencionado requerimento de 15-06-2020, correspondendo ao alegado nos artigos 11.º a 21.º do requerimento de 23-11-2020). Importa referir que, como é sabido, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados na 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – bem pode assentar-se nisto: os recursos interpostos para a Relação visam normalmente apreciar o pedido formulado na 1ª instância com a matéria de facto nela alegada. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados: Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas (cfr., entre outros, o Acórdão do STJ de 14-05-93, in CJSTJ, 93, II, p. 62; o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-11-95, in CJ, 95, V, p. 98; e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2012, Processo 169487/08.3YIPRT-A.C1, relator HENRIQUE ANTUNES). De todo o modo, se bem que se encontre excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso, mostra-se ressalvada a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, de matéria que seja de conhecimento oficioso (cfr. Ac. STJ de 23-03-96, in CJ, 96, II, p. 86). Ora, tem sido entendido que, a questão da “litigância de má-fé é de conhecimento oficioso por parte do tribunal, podendo o julgador sancionar a conduta do litigante de má-fé com a aplicação de uma multa, estando a imposição de uma indemnização à parte contrária fundada nessa conduta dependente de pedido da parte prejudicada com tal comportamento. No entanto, apesar da aplicação de multa com base em litigância de má-fé ser matéria de conhecimento oficioso, isso não significa que o tribunal possa sem mais tomar conhecimento dessa matéria sem as partes serem confrontadas com essa eventualidade (veja-se o artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-05-2022, Pº 3739/18.0T8VFR.P1, rel. CARLOS GIL). Cumpre, pois, uma vez que, inclusive, já foi proporcionado o contraditório respetivo à recorrida, apreciar a questão com o âmbito alargado ora proposto pela recorrente. Pergunta-se, pois: Será que, em face do exposto e dos factos apurados, existe motivo para a condenação da ré como litigante de má fé (alterando o juízo levado a efeito pelo Tribunal recorrido)? Com interesse importa considerar o que resultou apurado nos factos provados n.ºs. 16 a 20.º: “16. A Autora, no decurso do ano de 2017, adquiriu grandes quantidades de fruta, e, em janeiro de 2018, de forma imprevisível e sem que os fornecedores com isso contassem, interpôs um processo de Recuperação, conseguindo assim que entrassem no seu património grandes quantidades de mercadoria, que, após a interposição do processo, não pagou. 17. A autora e a Pomifrai - Fruticultura, S.A. apresentaram no dia 25-01-2018 um “Procedimento de Recuperação”, o qual foi deferido pelo Tribunal da Comarca de Fraiburgo (1.ª Vara) na mesma data (cfr. doc. de fls. 128-130) e corre atualmente termos sob o Proc. n.º 0300188-72.2018.8.24.0024. 18. Os administradores e sócios da autora mantêm os poderes de administração da sociedade, tendo sido por via deles que esta ação foi instaurada, conforme teor da procuração junta aos autos. 19. Por decisão proferida em 17 de fevereiro de 2020 pelo Juízo da 1.ª Vara Cível da Comarca de Fraiburgo /SC (Processo 0300188- 72.2018.8.24.0024) foi proferida decisão no sentido da falência da aqui Autora (e da sua participada Pomifrai Fruticultura S/A.). 20. A Autora interpôs recurso de agravo contra essa mesma decisão, tendo o Juiz Desembargador Competente, por decisão de 3 de Março de 2020, concedido efeito suspensivo ao recurso, assim suspendendo os efeitos da decretação da falência até julgamento final do agravo”. Ora, a al. b) do n.º 2, do artigo 542.º do CPC configura como de má fé, o comportamento de alteração da verdade dos fatos ou de omissão de factos relevantes para a decisão da causa. Revertendo ao caso dos autos, ao contrário do que considera a recorrente, não se divisa que a alegação da ré (na parte não conclusiva da mesma), acima transcrita, tenha deturpado a realidade dos factos, reportando-se a ré a um não pagamento de mercadoria adquirida, na sequência da interposição do processo de recuperação no Brasil, bem como, à necessidade de avaliação de tal processo “à luz de tais eventuais intenções da Autora”, daqui se inferindo o caráter dubitativo e impreciso da afirmação, ainda assim, produzida, bem como do “expediente” que refere que a autora utilizou, afirmando, claramente, não ser possível, na data de tal alegação, proceder à avaliação da realidade da conduta da autora. A demais alegação produzida pela ré, não permite, sem outra demonstração (que não teve lugar, para além do apuramento factual acima transcrito), concluir no sentido de que a ré procurou alterar a verdade factual (não se colocando a situação de omissão de factos relevantes para a decisão, nem, igualmente, alguma violação do dever de cooperação – cfr. 2.ª parte, da al. b) e al. c) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC). A pretensão de suspensão dos presentes autos, então deduzida pela ré, insere-se, claro está, no âmbito das faculdades de apresentação de uma pretensão processual, que, de acordo com o juízo que sobre ela for tomado, em sua apreciação, resultará, ou não, procedente, não advindo do esgrimir da mesma, no caso concreto, alguma conclusão no sentido de utilização do processo ou dos meios processuais de forma manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedindo a descoberta da verdade, entorpecendo a ação da justiça ou pretendendo protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (cfr. al. d) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC). Finalmente, será que a dedução de uma pretensão pela ré, no que respeita aos créditos que detém sobre a Pomifrai – Fruticultura, S.A., configura a dedução de uma pretensão consabidamente infundada (cfr. artigo 542.º, n.º 2, al. a) do CPC)? Neste ponto, cumpre salientar que a questão prende-se com a dedução da reconvenção pela ré e com o prosseguimento da demanda (reconvencional) nos presentes autos, colocando a questão de saber se ocorreu o denominado “abuso do direito de ação”. Esta figura surge sempre que um meio processual é usado de forma abusiva ou para fins diversos dos previstos, podendo verificar-se, quer no acesso ao tribunal propriamente dito, com a interposição de uma ação ou de uma providência cautelar, quer na própria defesa, no âmbito da contestação, invocação de exceções, pedidos de reconvenção e no recurso. “O direito de ação, com proteção constitucional, é atualmente entendido, de modo pacífico, como um direito público totalmente independente da existência da situação jurídica para a qual se pede a tutela judiciária, afirmando-se como existente, ainda que ela, na realidade, não exista; a afirmação basta à existência do processo, com o consequente direito à emissão da sentença. Salvo casos excecionais, sendo o direito de ação inerente ao Estado de direito e um veículo para a discussão do direito material subjetivo, não é por se decidir na ação que este direito afinal não existe que deixa de se reconhecer que o direito de ação foi plena e corretamente exercido. Situações excecionais, justificativas de responsabilidade, são aquelas em que o direito de ação é exercido com abuso de direito, de que é afloramento a litigância de má fé, e as que caraterizam a culpa in agendo” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-11-2016, Processo 982/14.5T8PRT.P1, rel. FILIPE CAROÇO). É, aliás, discutível a sua autonomização do instituto da litigância de má fé (cfr. sobre a temática Susana Antas Videira Branco et al.; “A avaliação do regime da litigância de má-fé em Portugal”, in Revista Direito GV, São Paulo, n.º 19, 10 (1), Jan.-Jun. 2014, pp. 347-363). Independentemente disso, a jurisprudência tem concretizado algumas situações em que a instauração ou o prosseguimento de uma ação consubstanciam “abuso de direito de ação”. Assim, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-10-2018 (Processo 528/11.7TVPRT.P1, rel. FERNANDA ALMEIDA), salientou-se que, “o abuso de direito no campo processual, numa perspetiva macroscópica, pode aferir-se tendo em conta, designadamente, os seguintes índices: - o exercício gratuito do direito com o único e manifesto propósito de negar interesses dos outros, revelando-se, em contrapartida uma falta de interesse objetivo para o exercente (ex. a vingança e a pura finalidade de prejudicar terceiros); - a afirmação de interesses próprios mas em que se patenteia uma lesão ponderosa (mas de todo escusada) de interesse alheio (ainda que não dolosa); - o exercício do direito desviado do interesse que lhe é imanente e que justificou a sua atribuição, sendo abusiva qualquer situação subjetiva processual que se desvie manifestamente desse interesse;- a ação por má vontade ou para pressionar o lesado (ex., a ação sem fundamento relativa a um imóvel e registo da mesma, com isso podendo impedir a comercialização do imóvel, causando danos em cadeia); - o pedido manifestamente vexatório ou desprovido de qualquer propósito real”. Por seu turno, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-09-2019 (Processo 423/19.1T8PVZ.P1, rel. FERNANDA ALMEIDA) considerou-se: “Verifica-se abuso de direito de ação quando agente, de má-fé, e ciente do facto de que não tem o direito de pleitear, usa a justiça como se realmente possuísse tal direito ou utiliza os meios judiciários sem causa razoável ou provável”. Outras situações retiram-se da jurisprudência, a saber: - Acórdão da Relação de Évora de 13-06-1985 (in BMJ n.º 350, p. 405): “(…) Toda a pretensão (como toda a defesa) manifestamente inviáveis constituem abuso de direito de acção (…)”; - Acórdão da Relação do Porto de 12-06-2008 (Processo 0716047, rel. FERREIRA DA COSTA): “Deve ser condenado como litigante de má fé em multa e indemnização a favor da ré, o autor (engenheiro civil) que invocou ter sofrido um acidente de trabalho e se provou que se lesionou a jogar futebol”; - Acórdão da Relação de Coimbra de 23-11-2004 (Processo 3064/04, rel. HELDER ALMEIDA): “Constitui abuso de direito, pela desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo respectivo exercício a outrem, a notificação de todos os Notários do País, através da Direcção Geral dos Registos e Notariados, da providência cautelar, que proíbe o requerido de utilizar uma determinada procuração ou qualquer fotocópia autenticada em qualquer escritura notarial”; e - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-06-2004 (Processo 04B882, rel. MOITINHO DE ALMEIDA): “Constitui abuso de direito o comportamento da recorrente que, sem qualquer interesse e depois de ter confirmado a qualidade de sucessor de determinada pessoa, vem recorrer da decisão que a considerou habilitada”. No caso da alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC - “Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”, como refere Susana Teresa Moreira Vilaça da Silva Barroso (O Abuso de Direito de Ação; Faculdade de Direito da Universidade do Porto, julho de 2016, p. 40), “o conceito de “não devia ignorar” tem uma carga demasiado subjetiva e demasiado pessoal que impossibilita a sua aplicação direta. É que o enfoque da norma não está na manifesta falta de fundamento, critério mais ou menos objetivo se entendido na perspetiva do “homem médio”, “bonus pater família” etc., mas sim no facto da falta de fundamento “não dever ser ignorada”. Ora esta nuance devolve à norma um caráter de subjetividade que lhe vem introduzir dificuldades interpretativas. Onde está a linha que separa até onde é “aceitável ignorar” e a partir de onde deixa de o ser. Dito de outra forma, até onde é razoável aceitar estarmos perante o exercício genuíno do direito de ação ou do direito de defesa, e a partir de onde se pode razoavelmente assumir que o agente conhecia (ou devia conhecer) a falta de fundamento? É esta dificuldade interpretativa de imputação de conhecimento presumido que dificulta a arguição da culpa do agente, e torna a norma inaplicável, inócua e esvaziada de conteúdo. Isto no âmbito do instituto da má-fé, já não do abuso do direito (…)”. Revertendo ao caso dos autos, a mera circunstância de a ré ter demandado sem razão, nesse conspecto (como afinal se veio a apurar, não se apurando deter todo o crédito que peticionou), não faz intuir ou supor que o tenha feito de forma dolosamente infundada. Mas, será que houve grave negligência da sua parte, pelo facto de ter deduzido um pedido que não veio a obter procedência e, preponderantemente, pela circunstância de ter prosseguido com a demanda? Neste ponto, afigura-se que a pretensão da ré, que não obteve procedência, não permite intuir, sem outra factualidade, que não se apurou, que a mesma tivesse representado a ausência de fundamento para a pretensão que esgrimiu. Ora, nestes moldes, a formulação do pedido reconvencional, nos termos em que teve lugar e o prosseguimento da lide pela ré - embora, como se vê sem assistir fundamento para a procedência da sua pretensão – encontra-se ainda no núcleo de exercitação admissível do direito de ação. Improcedem, pois, quanto a esta questão, as conclusões em contrário apresentadas pela apelante. O comportamento da ré não é, pois, de sancionar a título de litigância de má fé. * A apelação deduzida deverá, em conformidade com o exposto, proceder. * De acordo com o estatuído no n.º 2 do art.º 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses. Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”. Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária inerente incidirá, in totum, sobre a ré/apelada, que decaiu, para este efeito, integralmente, na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC. * 5. Decisão: Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, na procedência da apelação, em: I) Julgar improcedente, nos termos constantes da questão A), a nulidade aí conhecida; II) Julgar suprida a nulidade da omissão de pronúncia da questão da litigância de má fé da ré e considerar, quanto ao mais, não se verificarem as nulidades que foram invocadas pela recorrente; III) Rejeitar a impugnação da matéria de facto, quanto ao facto provado n.º 10), por inobservância do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC; IV) Eliminar o ponto 11.º dos factos provados; V) Alterar a redação dos pontos 12.º e 13.º dos factos provados para a seguinte: “12. No desenvolvimento dessa relação comercial foram fornecidas pela ré à autora frutas, tendo sido emitidas as respetivas faturas, no montante de 179.565,80€.” “13. No processo de recuperação da autora e da Pomifrai – Fruticultura, S.A. foi reconhecido à ré o crédito global de €268.471,40, conforme consta da lista de fls. 138 e ss., mais especificamente a fls. 143, sendo (conforme especificado a fls. 78vº-79): - No valor de €179.565,80 sobre a autora; e - No valor de €88.905,60 sobre a Pomifrai – Fruticultura, S.A”. VI) Alterar-se a redação dos factos não provados para a seguinte: “Não se provaram os outros factos relevantes da contestação e que respeitavam ao alegado crédito da Pomartec (art.ºs 103.º e 105.º da contestação) e da Melro (art.ºs 39.º, 40.º e 101.º e 102.º da contestação) e à fatura n.º 1133, no montante de 85.079,60€, bem como, que a ré tenha fornecido mercadoria à autora, para além do referido em 12 (artigos 37.º e 99.º da contestação)”; VII) Alterar a redação do ponto 14.º dos factos provados para a seguinte: “14. Por carta recebida pela autora em 15-02-2018, a ré comunicou à autora a compensação dos seus créditos com o crédito da autora referidos supra em 9., nos termos do documento de fls. 97-98, carta a que a autora respondeu, por carta, com data de 22-02-2018, constante de fls. 134, não aceitando a compensação face à pendência do procedimento de recuperação referido em 17”; VIII) Alterar a redação do ponto 15.º dos factos provados para a seguinte: “15. Por via da carta recebida pela autora em 15-02-2018, a ré comunicou também à autora que a Melro Brasil Lda. lhe cedeu o crédito decorrente do fornecimento de frutas efetuado à autora, titulado pelas seguintes faturas: Factura nº … de 20/01/2017 (675,00 Reais) Factura nº … de 20/03/2017 (3.732,52 Reais) Factura nº … de 31/03/2017 (5.7000,00 Reais) Factura nº … de 31/03/2017 (6.460,00 Reais) Factura nº … de 03/04/2017 (5.320,00 Reais) Factura nº … de 04/04/2017 (3.040,00 Reais) Factura nº … de 04/04/2017 (3.800,00 Reais) Factura nº … de 05/04/2017 (666.000 Reais) Factura nº … de 07/04/2017 (296.00 Reais) Factura nº … de 18/05/2017 (716.00 Reais) Factura nº … de 26/07/2017 (120.269,48 Reais), Tudo no valor total de 150.675.00 Reais, que corresponde a 40.722,01€ ao câmbio da altura, pretendendo igualmente compensar este crédito, nos termos indicados supra em 14.”; IX) Alterar a redação do ponto 17.º dos factos provados para a seguinte: “17. A autora e a Pomifrai - Fruticultura, S.A. apresentaram no dia 25-01-2018 um “Procedimento de Recuperação”, o qual foi deferido pelo Tribunal da Comarca de Fraiburgo (1.ª Vara) na mesma data (cfr. doc. de fls. 128-130) e corre atualmente termos sob o Proc. n.º …-….….”; X) Julgar improcedente a impugnação da matéria de facto relativamente ao artigo 16.º dos factos provados; XI) Indeferir o aditamento aos factos provados da matéria pretendida incluir pela recorrente, como supra mencionado na apreciação da questão J); XII) Revogar a decisão recorrida e substituí-la pela presente: a) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 390.497,50 (trezentos e noventa mil, quatrocentos e noventa e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros comerciais, contabilizados sobre cada uma das faturas acima identificadas, na apreciação da questão P), desde a respetiva data de vencimento e até integral pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado pela autora; b) Julgar improcedente a pretensão de compensação deduzida pela ré e, consequentemente, o pedido reconvencional por si formulado, absolvendo a autora em conformidade; e c) Julgar não verificada litigância de má fé no comportamento da ré, absolvendo-a do peticionado a este título pela autora. Custas pela ré/apelada. Notifique e registe. * Lisboa, 13 de outubro de 2022. Carlos Castelo Branco Orlando dos Santos Nascimento Maria José Mouro Marques da Silva |