Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16216/23.9T8LSB-A.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DE ENTREGA DA CASA DE HABITAÇÃO
LEIS TRANSITÓRIAS CONVID
BENFEITORIAS NO LOCADO
PRECLUSÃO DO DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: IOs recorrentes devem contra argumentar os argumentos das decisões que impugnam. Nada sendo alegado nem nenhum erro demonstrado na decisão que considera que a suspensão de execução de entrega de casa, ao abrigo da al. c) do nº 7 do artigo 6º da Lei 1 - A/2020, de 19 de Março, deve ser requerida na execução e não nos embargos, por não se ajustar aos fundamentos da oposição à execução de sentença, deve manter-se a decisão recorrida.

IISendo dada à execução sentença que julgou procedente o pedido reconvencional e declarou caduco o contrato de arrendamento e condenou a inquilina em rendas em atraso, os embargos em que a inquilina vem invocar benfeitorias que já havia invocado na acção mas que não foram apreciados por desentranhamento da petição inicial e benfeitorias posteriores a essas, como contra crédito a compensar com o valor das rendas, não integra o fundamento de embargos da al. h) do artigo 729º do Código de Processo Civil, quando podiam ter sido invocados na resposta à reconvenção que a autora não produziu, e quando podiam ainda ter sido invocados em articulado superveniente até ao encerramento da discussão em primeira instância.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–Relatório[1]


Foi dada à execução a sentença proferida na acção de processo comum n.º 11476/20.0T8LSB, proferida em 14.3.2023, transitada em julgado[2], com o seguinte teor que aqui releva transcrever:
“I.–Relatório:
I… intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra:
- F…, e
- M …
Pedindo:
a)-Seja declarado que o contrato de arrendamento outorgado em 1 de Maio de 2016 se mantem em vigor, não estando afectado de qualquer nulidade;
b)-Serem os RR. condenados a pagar à A. a titulo de indemnização pelas benfeitorias necessárias a quantia de 10.800,00€ e a titulo de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de €4.000,00.
c)-Mais declarando que com base na figura da compensação a A. tem direito a que sejam consideradas pagas as rendas vencidas desde Fevereiro de 2020 como das vincendas até Setembro de 2020;
d)-Serem os RR. condenados a absterem-se de por qualquer forma perturbarem a posse e normal gozo do locado até Maio de 2026, sob pena de ser condenados a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia em que por qualquer forma impeçam ou Perturbem o normal gozo do locado no pagamento da quantia de 500,00€ bem como custas e procuradoria.
e)-declare resolvido o contrato de arrendamento dos autos;
f)-Se condene os RR. a entrega-lo à Autora livre e devoluto de pessoas;
g)-Se condenem os RR., no pagamento das rendas vencidas e não pagas no valor de 9.000,00€ e vincendas até efectiva entrega do locado.

Alega para tanto e em síntese que:
-em 1 de maio de 2016 celebrou com MF um contrato de arrendamento do 3º andar do prédio sito na Rua, em Lisboa, pelo período de 5 anos, assinando uma adenda pelo qual o senhorio autorizou a A. a utilizar o locado para fim ou ramo de negócio diferente daquele a que se destina, autorizando o subarrendamento.
-as rendas eram pagas todos os meses ao senhorio, em dinheiro vivo.
-A A. sempre contou com a presença do senhorio para acompanhar a realização de obras no locado necessárias à exploração do mesmo como hospedagem, nas quais a A. despendeu 10.800,00€
-com a morte do senhorio e de sua esposa os RR. invocaram a caducidade do arrendamento por extinção do usufruto.

Os RR. contestaram, impugnando a factualidade invocada pela A.

Deduzem pedido reconvencional no qual peticionam:
-A condenação da A. a reconhecer o direito de propriedade dos RR. sobre o prédio dos autos;
-A reconhecer a caducidade do contrato de arrendamento de 01/05/2016 tendo por objecto o 3º andar do prédio sito na Rua ...
-A restituir imediatamente aos RR. o referido imóvel livre de pessoas e bens e em bom estado de conservação, sob cominação de sanção pecuniária compulsória.
-a pagar aos RR. os valores correspondentes às rendas e indemnizações legais que lhes eram devidas em 30/09/2020, data em que a entrega do locado deveria, no limite, ter ocorrido, no total de 7.700,00€;
-A pagar aos RR. a quantia de 1.100,00€ por cada mês de atraso na entrega do imóvel desde 1 de Outubro de 2020 até efectiva entrega do locado.
-subsidiariamente, a entregar aos RR. o locado em 01/05/2021;
-condenar a A. como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor dos RR.

Alegam que:
-são os únicos donos e legítimos proprietários do imóvel em causa, que lhes adveio por doação dos anteriores proprietários MF e BF, por escritura de 25/02/2009, com reserva de usufruto simultâneo e sucessivo a favor destes.
-MF faleceu em 21/08/2017 e BF faleceu em 14/12/2019, consolidando-se a propriedade do prédio nos RR.
-MF deu de arrendamento à A. a 1/05/2016 o 3º andar do prédio sito na Rua, em Lisboa pela renda mensal de 550,00€ e pelo prazo de 1 ano, que a A. alega ter sido prorrogado para 5 anos.
-O contrato de arrendamento caducou em 14/12/2019.
-Por carta de 03/03/2020 os RR. notificaram a A. da ocorrência de tal caducidade e interpelaram-na para entregar o locado até 15/06/2020 e para pagar as rendas vencidas e vincendas.
-A A. recebeu a carta mas não entregou o locado nem pagou quaisquer quantias.

A A. não replicou.

Por despacho de 12.01.2022 foi admitido o pedido reconvencional e corrigido o valor da causa.

A A. não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida, nem quando notificada nos termos do art.º 570º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o que determinou o desentranhamento da petição inicial, prosseguindo os autos apenas para apreciação do pedido reconvencional.

Face à não contestação da A/reconvinda, consideraram-se confessados todos os factos articulados pelos reconvintes no seu pedido reconvencional (cfr. art. 587.º, n.º 1 e 574º do NCPC).
Os reconvintes apresentaram alegações de direito.
(…)

II–Fundamentação de facto:
Nos termos do n.º 1 do art.º 587º do Código de Processo Civil, não tendo a A/reconvinda contestado, tendo sido notificada da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pela R/reconvinte. Nessa sequência, com base na confissão do Reconvinda.  e nos documentos juntos aos autos (dotados de força probatória plena e/ou não impugnados), resultam provados todos os factos alegados no pedido reconvencional (expurgadas as considerações conclusivas e de direito).

III–Fundamentação de direito:
(…)
No caso vertente provou-se, face à ausência de contestação da Ré, que o imóvel identificado na PI pertence aos reconvintes e que a reconvinda não tem qualquer título que legitime a sua detenção.
Efectivamente, aquela ocupava o imóvel em causa com base num contrato de arrendamento, celebrado em 2016 com o usufrutuário do imóvel. Com a morte da última usufrutuária, BF, em 14/12/2019, extinguiu-se o direito de usufruto como prescreve o art.º 1476º, n.º 1 al. a) do Código Civil.
Nos termos do art.º 1051º, al. c) do Código Civil “o contrato de locação caduca quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado”.
Consequentemente, o contrato de arrendamento em que era senhorio o usufrutuário caduca com o óbito deste.
Importa referir que, nos termos do art.º 1053º do Código Civil, a restituição do prédio só pode ser exigida passados 6 meses sobre a verificação do facto que determina a caducidade, ou seja os reconvintes apenas poderiam exigir a restituição em 15/06/2020.
Resulta assente que os reconvintes interpelaram a reconvinda, por carta de 03/03/2020, dando conta da caducidade e interpelando-a para proceder à entrega do imóvel até 15/06/2020 e ao pagamento das rendas vencidas e vincendas.
Resultou, ainda, provado que a reconvinda nada pagou ou respondeu, não tendo, também, procedido à entrega do locado.
Por força do prescrito na al. b) do art.º 8º da Lei n.º 1-A/2020 de 19/030 (na redacção dada pela Lei 14/2020 de 09/05) a data de entrega foi postergada para o dia 30/09/2020, pelo que a partir de tal data a reconvinda deixou de ter justificação para se manter no gozo do imóvel.
Ocorre que resultou também provado que a Reconvinda nada pagou a partir de Agosto de 2019, não lhe sendo, por isso, aplicável a redacção daquela disposição legal introduzida pela lei 58-A/2020 de 30/09. Efectivamente nos termos dos nº. 2 e 3 que foram, então, aditados àquele artº. 8º: “1 - Ficam suspensos até 31 de Dezembro de 2020:
a)-(…)
b)-A caducidade dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
(…)
2–O disposto no número anterior depende do regular pagamento da renda devida nesse mês, salvo se os arrendatários estiverem abrangidos pelo regime previsto no artigo 8.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril.
3–O disposto no n.º 2 aplica-se às rendas devidas nos meses de Outubro a Dezembro de 2020.»

De acordo com o disposto no art.º 1045º, nº 1 e 2 do CC, se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, indemnização que é elevada ao dobro logo que o locatário se constitua em mora na entrega do locado.
Assim, a reconvinda deve pagar aos reconvintes a quantia de 550,00€ por cada mês que tenha decorrido desde Agosto de 2019 até Setembro de 2020 no valor de €7.700,00.
A partir de tal data, não tendo entregue o locado, deve a reconvinda o valor mensal de 1.100,00€ de Outubro de 2020 até à efectiva restituição do locado, o que calculado até à presente data (Março de 2023) soma o valor de 33.000,00€.
A esta quantia, acrescerá, ainda, o montante de € 1.100,00 mensais por cada mês de atraso na entrega do locado, desde Abril de 2023 até à efectiva entrega do mesmo.
Em face desta decisão fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário.
Quanto ao pedido de litigância de má-fé, fica também o mesmo prejudicado, uma vez que a Petição inicial foi desentranhada, não havendo contestação ao pedido reconvencional, pelo que não pode ser apreciada a sua conduta processual de quem não intervém nos autos.
Finalmente, no que respeita ao pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória, entende-se não ser o mesmo de atender.
(…)
IV–Decisão:
Em face do exposto, julgo o pedido formulado pelos reconvintes totalmente procedente, por provado e, em consequência, decido:
1.–Declarar reconhecido aos reconvintes o direito de propriedade sobre a fracção autónoma correspondente ao 3º andar do prédio sito na Rua… em Lisboa.
2.–declarar a caducidade do contrato de arrendamento celebrado relativamente a tal fracção autónoma.
3.–Condenar a reconvinda a restituir o andar acima identificado aos reconvintes livre e devoluto de pessoas e bens;
4.–condenar a reconvinda a pagar aos reconvintes as rendas vencidas até a cessação do contrato – Setembro de 2020 – no valor de €7.700,00, acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
5.–Condenar a reconvinda a pagar aos reconvintes a indemnização por não restituição do locado no valor de € 33.000,00, correspondente aos meses de Outubro de 2020 a Março de 2023, a que acrescerá o montante de € 1.100,00 mensais por cada mês de atraso na entrega do locado, desde Abril de 2023 até efectiva entrega do imóvel.
Custas pela Reconvinda.
Registe e notifique.
Lisboa, 14.03.2023.”. (fim de transcrição).
*

Na exposição de factos constante do requerimento executivo lê-se:
1.–Por Douta Sentença proferida nos autos em 14-03-2023 foi reconhecido o direito de propriedade dos reconvintes, ora exequentes, sobre o 3º andar do prédio sito na Rua …, em Lisboa e declarada a caducidade do contrato de arrendamento celebrado com a reconvinda, ora executada, relativamente àquele imóvel.
2.–E foi a reconvinda, ora executada, condenada a restituir a
(…)
6.–A executada não cumpriu nenhuma das condenações proferidas na referida Douta Sentença, pois nem entregou aos exequentes o referido 3º andar do prédio sito na Rua …, em Lisboa, nem lhe pagou nenhuma das quantias a que foi condenada.
7.–A Douta Sentença proferida nos autos transitou em julgado, pelo que constitui título executivo nos termos do artº. 703º., nº. 1, alínea a) do NCPC.
8.–Têm pois os exequentes o direito a interpor execução tendo em vista o cumprimento coercivo de todas as condenações que foram proferidas contra a executada, porquanto, nos termos do disposto no artº. 710º. do NCPC, “se o título executivo for uma sentença, é permitido cumular a execução de todos os pedidos julgados procedentes”.
9.–O que vêm assim fazer pelo presente requerimento.
10.–Designadamente, têm os exequentes o direito de requerer que imediatamente (atento o preceituado no artº. 626º., nº. 3 do NCPC) sejam investidos na posse do referido imóvel e a que lhes sejam entregues as respectivas chaves, bem como a que, feita a entrega, seja notificada a executada e quaisquer eventuais detentores para que respeitem e reconheçam o seu direito, nos termos do artº. 861º., nº. 3 do NCPC, aplicável por força do aludido artº. 826º., nº. 3.
11.–Pelo que requerem que sejam efectuadas todas as diligências necessárias para o efeito, esclarecendo-se que o referido imóvel não constitui a residência principal da executada, que antes o utiliza para a actividade de alojamento local.
12.–Têm ainda os exequentes o direito de requerer a imediata (cfr. artº. 626º., nº. 2 NCPC) realização no presente processo de todas as diligencias de penhora necessárias a cobrança coerciva dos seus créditos, correspondentes às quantias que a executada foi condenada a pagar-lhes, referidas nos pontos 3, 4 e 5 antecedentes.
13.–As quantias referidas nos pontos 3 e 4 totalizam o montante de € 51.000,00 (7.700,00+33.000,00).
14.–A que acresce a importância de € 2.200,00, correspondente às importâncias, relativas aos meses de Abril e Maio de 2023, correspondentes à condenação da executada ao pagamento mensal da quantia de € 1.100,00, aludido no ponto 5 antecedente, a que deverá acrescer igual quantia por cada mês que ocorra até efectiva entrega do imóvel, com início no corrente mês de Junho de 2023.
15.–Pelo que a executada deve aos exequentes a quantia total de capital de € 53.200,00, cujo pagamento fica reclamado.
16.–Acrescem juros à taxa legal de 4% ao ano sobre a quantia de € 7.700,00 a cujo pagamento a executada foi condenado, os quais, calculados desde a data do trânsito em julgado da Douta Sentença Condenatória, que ocorreu em 10 de Maio de 2023, importam em € 18,56, sem prejuízo dos juros que se vencerem sobre aquela quantia à mesma taxa até integral pagamento, a liquidar a final.
17.–São ainda devidos pela executada, (na proporção de metade para os exequentes e de metade para o Estado) juros contados à taxa de 5% ao ano sobre a quantia total de capital de €51.000,00, desde a data do trânsito em julgado da Douta Sentença condenatória até efectivo e integral pagamento, nos termos do disposto no artº. 829º-A nº. 4 do Código Civil, os quais devem ser reclamados na presente acção executiva, como foi doutamente decidido na Douta sentença proferida nos autos, os quais nesta data importam em €153,70.
18.–Capital e juros vencidos totalizam, na data de hoje, a quantia de € 53 372,26 (…).
19.–Esta dívida é certa, líquida e exigível.
20.–A dívida exequenda monta pois nesta data a € 53 372,26 (…), acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento, nos sobreditos termos.
Liquidação
(…)” (fim de transcrição).
*

Na execução, e em 23.6.2023, foram deduzidos embargos de executado por I.., nos autos melhor identificada, contra F e M, também nos autos m.id, processados por apenso, invocando a embargante os “termos dos artigos 728º, 856º, 859 e 868º do CPC”, e formulando os seguintes pedidos: 
«A)-Serem os presentes Embargos admitidos, com dispensa de prestação de caução, atenta a falta de bens por parte da Embargante, com efeito suspensivo automático visto que se trata da casa de morada de família; serem julgados procedentes por provados, extinguindo-se a obrigação de entrega de coisa certa, marcada para dia 30 de junho de 2023 pelas 11h, bem como do pagamento de qualquer quantia; 
B)-Serem os Embargados condenados a pagar à Embargante a título de indemnização pelas benfeitorias necessárias a quantia de 39.300,00 (trinta e nove mil e trezentos euros), acrescida dos juros legais vencidos e vincendos a partir da notificação dos presentes Embargos, até efetivo e integral pagamento, bem como da quantia diária de 5.000,00 euros a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia em que por qualquer forma interfiram ou perturbem o normal gozo do locado; 
C)-Mais, invocando o instituto da compensação, como direito potestativo, deve ser declarado que as rendas vencidas desde fevereiro 2020 até fevereiro de 2029 se encontram integralmente pagas, de forma antecipada, com base no valor da indemnização peticionada em B), atento o valor da renda que é de 550,00 euros. 
D)-Mais devem os Exequentes e ora Embargados serem condenados em custas e condigna procuradoria.».

Depois de formulados estes pedidos e indicados os meios de prova, acrescentou ainda o seguinte: 
«I…, tendo sido confrontada no dia 22 de junho de 2023 com uma ordem escrita de entrega das chaves para o dia 30 de junho de 2023, Vem Requerer a V. Exa se digne ordenar a suspensão imediata das diligências de despejo, com base no douto despacho que se junta sob a forma de parecer, como Doc. 1, sustentando que a Lei 1 - A/2020, de 19/3 mais precisamente a al. c) do nº 7 do artº 6º mantem-se em vigor e por força da mesma ficam suspensos os atos da execução da entrega do locado arrendado, no âmbito das ações de despejos, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou razão social imperiosa e por maioria de razão de execução de providência cautelar relacionada com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família. Vêm Requerer (…) se digne ordenar a imediata suspensão da execução para salvaguarda da casa de morada de família, a efetivação das diligências de colocação da Embargante numa situação de fragilidade por falta de habitação própria e por outra razão social imperiosa que respeita à falta de meios económicos. Termos em que se formula o pedido de suspensão da efetivação da entrega da casa de morada de família.».

Alinhou a embargante na sua petição de embargos que:

Questões Prévias:
1º-Numa ação de reivindicação, a eventual subsistência dum contrato de arrendamento sobre o imóvel reivindicado, como vínculo contratual que legitima a detenção da coisa pelas Rés, funciona como facto impeditivo à procedência do pedido de restituição da coisa, nos termos do disposto no Art. 1311.º n.º 2 “in fine” do C.C., constituindo um caso típico de fundamento de recusa da restituição previsto na lei.
2º-Os factos essenciais, numa aceção estrita, cumprem a função individualizadora da causa de pedir, são eles que individualizam a pretensão do autor.
3º-Diz-se inepta a petição quando exista uma desarmonia irreversível entre a exposição dos factos na petição inicial e a pretensão jurídica formulada na ação. Nesta hipótese, prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 186.º do Código de Processo Civil, verifica-se contradição entre a causa de pedir e o(s) pedido(s) deduzido(s), facto que inviabiliza qualquer tutela jurisdicional.
4º-Essa contradição ocorre quando o demandante interpõe contra os demandados ação de reivindicação, pedindo, designadamente, que nela sejam estes condenados a reconhecerem o direito de propriedade daquele relativamente a imóvel que os Réus ocupam, pedindo que sejam estes condenados a restituí-lo, quando na exposição dos factos os demandantes alegam a existência de um contrato de arrendamento celebrado com os Réus, que, por virtude de tal contrato, ocuparam o imóvel, mas que se recusam a desocupá-lo, terminado o prazo do arrendamento e tendo o senhorio lhes comunicado o propósito de o não renovar, instando-os a procederem à entrega do local arrendado.
5º-O pedido reconvencional, por ter como causa de pedir a factualidade respeitante a uma ação de reivindicação, nunca deveria ter sido admitido e muito menos ter sido dada como assente a factualidade alegada pelos reconvintes, devendo antes ter merecido a absolvição da Ré da instância.
6º-Recorde-se que a petição inicial continha a seguinte factualidade e documentação, que por nunca terem sido conhecidas pelo Tribunal, devem agora fazer parte da causa de pedir dos Embargos de Executado, com efeito suspensivo automático, passando assim o processo executivo a ter novamente a fase declarativa e por nada ter sido declarado quanto ao pedido das A. nada obsta vem ao invés que a causa de pedir e o pedido voltem a ser colocados ao conhecimento do Tribunal, tal como se passa a desenvolver:
7º-Em 1 de Maio de 2016, a A celebrou com MF um contrato de arrendamento urbano, a prazo certo de 5 anos, relativo ao 3º andar do prédio urbano sito na Rua …, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob … Lisboa, com renda mensal no valor de €550,00, tal como Doc. 1 que se junta.
8º-O primeiro outorgante invocou a qualidade de proprietário, casado no regime de comunhão geral de bens com BF, excluindo qualquer outra qualidade designadamente de usufrutuário.
9º-Com a letra e punho do proprietário o mesmo fez constar que o prazo do contrato é de 5 (cinco)
10º-Mais, de livre e espontânea vontade o Senhorio e A assinaram uma adenda ao contrato nos termos da qual o senhorio de forma escrita e expressa autorizou que a A utilizasse o locado para fim ou ramo de negócio diverso daquele a que se destina, dando até autorização para subarrendar.
11º-Porventura a redação não é a mais feliz mas não restam dúvidas que a A ficou expressamente autorizada, por escrito, a fazer uso do locado para fins de subarrendamento mais precisamente para celebrar, por forma escrita ou verbal, contratos de hospedagem renunciando o senhorio ao direito a resolver o contrato com tal fundamento.
12º-Naturalmente que a autorização para subarrendar/hospedagem incluiu a autorização pela mesma forma escrita da realização das obras necessárias a tal fim o que implica o reconhecimento de que a A tem o direito a ser indemnização pelo valor das obras necessárias a tal fim e cujas benfeitorias não possam ser retiradas.
13º-Sucede que muito antes da assinatura do contrato de arrendamento já a A prestava serviços de administração para o senhorio no referido prédio e serviços de limpeza na habitação o que fazia desde 2004 e nunca lhe fora comunicado que o mesmo não era proprietário. De facto, era o proprietário.
14º-As rendas eram pagas todos os meses em dinheiro vivo, direta e pessoalmente ao senhorio sem necessidade de entrega de qualquer recibo.
15º-Mais a A sempre contou com a presença do senhorio no locado para acompanhar a realização das obras necessárias à exploração do mesmo como hospedagem concordando com o valor das obras e com o recheio que a A ia adquirindo e colocando para que a hospedagem fosse gratificante, tal como resulta do orçamento que se protesta juntar como Doc. 2 bem como das fotografias do estado anterior e posterior às obras que se juntam como Doc. 3 que se passam
16º-O locado, antes das obras, era constituído um sótão e 3 quartos com uma entrada comum, um com suite (casa de banho) e os outros com uma casa de banho comum, sendo a cozinha comum aos 3 quartos.
17º-Por se afigurar necessário à hospedagem a A teve de substituir o piso do sótão colocando chão flutuante na sala, no valor de €2.000,00; cimentar e pintar o piso do quarto, no valor de €300,00; trocou a proteção (cabine) do chuveiro, substituiu todas as canalizações, no valor de €2.000,00.
18º-No 3º andar, pintou todos os quartos; reparações a parte elétrica; adquiriu novo sanitário e lavatório o que importou em €3.000,00 e substituiu as canalizações que se traduziu no custo de €2.000,00. Na cozinha, fez uma pintura geral, reparou os armários, e efetuou arranjos diverso designadamente a reparação do teto tudo no valor de €1.500,00.
19º-Em 2021, teve de efetuar novas obras necessárias designadamente pintando todo o 3º andar e o sótão, tendo despendido em mão-de-obra e pintura, a quantia de 5.000,00 euros e em 2022 teve de dispensar igual montante bem como substituição de duas portas e armários devido a tentativas de arrombamento e de abertura do gás, que obrigou a reforço de segurança com colocação de câmaras, importando tudo no valor 8.500,00 euros.
20º-Em obras necessárias despendeu a A a quantia de € 39.300,00 as quais por não poderem ser retiradas conferem à A o direito a ser indemnizada de igual montante, retirando os bens móveis que constituem o recheio pois que foram adquiridos pela A, tal como Doc. 5 que se protesta juntar e em 14 de Novembro de 2016 o senhorio emitiu uma declaração a autorizar a exploração para alojamento local, sem se excluir o direito de indemnização pelas benfeitorias necessárias, Doc.1.
21º-Infelizmente, em 21 de Agosto de 2017, o senhorio faleceu passando a A. a efetuar o pagamento das rendas no Montepio Geral em conta titulada pela esposa.
22º-Sucedeu que a esposa BF veio a falecer em 14 de Dezembro de 2019 ficando naturalmente a conta cancelada e foi então que a A se dirigiu ao R, para lhe pagar as rendas ao que o mesmo disse que não ia receber quaisquer rendas, para procurar um advogado conversa que foi presenciada. A A ainda insistiu que queria pagar, mas o R disse que não recebia nada.
23º-Nunca mais o A se dirigiu à A, afigurando-se assim que o mesmo já tinha prevista a vontade de comunicar a resolução do contrato com base no que veio a denominar de “caducidade” com base na extinção do usufruto tal como cópia da carta datada de 3 de Março de 2020 que ora se junta como Doc. 4.
24º-Recorde-se que o R nunca se dignou enviar qualquer comunicação designadamente a dar contar do óbito da senhoria BF que teve lugar em 14 de Dezembro de 2019, ou seja, não apresentar a solicitar o pagamento da renda; não indicou qualquer conta bancária para efeitos de depósito e deixando a A em sofrimento, cerca de 4 meses, impossibilitando assim o pagamento integral e tempestivo da renda.
25º-Logo, quando na referida carta se faz constar estarem em mora as rendas de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2019 e Janeiro de 2020 tal não corresponde à verdade visto que até 14 de Dezembro de 2019 – data do óbito da senhoria – as rendas foram pagas de forma integral e tempestiva por depósito pela A na conta da senhoria e as rendas de Fevereiro, Março e subsequentes só não foram pagas porque o R se recusou a receber ou indicar a conta bancária estando a da falecida BF cancelada.
26º-Recorde-se que no início de Janeiro de 2020 a A. deslocou-se efetivamente junto do R disse-lhe que que queria pagar a renda pois que fora informada que o mesmo tinha adquirido o prédio por testamento e apesar disso o R virou-lhe as costas, dizendo-lhe que não recebia renda nenhuma; que procurasse um advogado; deixando a A num desespero visto que é uma senhora honesta e não gosta de ter dívidas.
27º-Daí em diante voltou a perguntar-lhe como podia pagar a renda, chegando-lhe a dizer que tinha o dinheiro para lhe pagar imediatamente, mas que o R queria era despejá-la imediatamente o que só faria impossibilitando-a de pagar a renda.
28º-Tal atuação foi causa direta e necessária de graves danos de natureza não patrimonial resultantes do referido assédio pois que quase todas as semanas passava junto da mesma dizendo que queria a casa;
29º-Dizendo ainda que já tinha comprador para o prédio; passando a ser visto frequentemente e durante vários dias, horas consecutivas, parado junto da entrada com se fosse uma estátua para intimidar a A e obrigá-la a deixar o locado.
30º-Tal postura afecta gravemente a A que ficou com a tensão alterada; os vizinhos olham para a mesma como se fosse uma criminosa tendo assim com base em assédio moral direito a exigir do R o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €4.000,00.
31º-Todas estas obras foram previamente autorizadas pelos senhorios e de forma escrita, ou seja, desde o início que ficou claro que a A estava autorizada a efectuar obras cujo valor iria ser tido em conta para efeitos de compensação sobre o valor das rendas.
32º-Surpreendentemente ao recusar receber a rendas o R está obrigado compensar a A inclusive pelos danos causados.
33º-Ora, se tivermos em conta que o contrato inicial vai de 1 de Maio de 2016 a 1 de Maio de 2021, renovando-se por igual período até 1 de Maio de 2016, assistindo à A o direito a compensar o referido montante de obras necessárias de €39.300,00, ou seja, devendo ser desde já consideradas pagas, com base na compensação, as rendas desde Fevereiro de 2020 até fevereiro de 2029 (€550,00 X 9 anos);
34º-devendo manter-se em vigor o contrato de arrendamento e passando a A a estar obrigada a retomar o pagamento pontual e tempestivo das rendas até ao final da renovação de 5 anos que irá culminar em Maio de 2026.
35º-Estipula o artigo 216º do CC, subordinado à epígrafe Benfeitorias”, que:
(…)
36º-Encontra-se evidenciado o conceito de benfeitorias como sendo as obras e despesas realizadas em propriedade alheia com vista a conservá-la, melhorá-la ou simplesmente embelezá-la, assim revestindo o carácter de necessárias, úteis ou voluptuárias.
37º-No tocante às benfeitorias necessárias e úteis estabelece o art. 1273º do CC o seguinte:
(…)
38º-No que concerne às benfeitorias voluptuárias diz o art. 1275º que:
(…)
39º-Relativamente às primeiras adota a regra de o possuidor da coisa, autor das benfeitorias, ter direito à indemnização, a calcular nos termos gerais do direito, quer seja possuidor de boa-fé quer seja possuidor de má-fé. O que se compreende, porque visando-se com tais benfeitorias evitar o detrimento da coisa, elas não podem deixar de ser vistas como realizadas no interesse do seu legítimo dono. Por isso, o titular da coisa beneficiada adquire sempre o direito à benfeitoria, não podendo haver cabimento para o seu levantamento, pois que se com ela se visou evitar o detrimento da coisa seria um contrassenso levantá-la para, inevitavelmente, provocar tal detrimento. Em contrapartida, e como princípio, o possuidor, de boa ou má-fé, tem direito a ser indemnizado nos termos gerais do direito.
Proteção da casa de morada de família: Sob a epígrafe “Direito à proteção da habitação permanente”, estabelece o art.º 10º da Lei de bases da habitação (Lei n.º 83/2019, de 3/9) de setembro):
1— A habitação permanente é a utilizada como residência habitual e permanente pelos indivíduos, famílias e unidades de convivência. 2— Todos têm direito, nos termos da lei, à proteção da sua habitação permanente. 3— A casa de morada de família é aquela onde, de forma permanente, estável e duradoura, se encontra sediado o centro da vida familiar dos cônjuges ou unidos de facto. 4— A casa de morada de família goza de especial proteção legal.”.
Por sua vez, o artº 13º dessa Lei, sob a epígrafe “Proteção e acompanhamento no despejo”, consigna:
1— Considera-se despejo o procedimento de iniciativa privada ou pública para promover a desocupação forçada de habitações indevida ou ilegalmente ocupadas. 2— A lei estabelece os termos e condições em que a habitação é considerada indevida ou ilegalmente ocupada. 3— O despejo de habitação permanente não se pode realizar no período noturno, salvo em caso de emergência, nomeadamente incêndio, risco de calamidade ou situação de ruína iminente, casos em que deve ser proporcionado apoio habitacional de emergência. 4— O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento, nos termos definidos na lei, sem prejuízo do número seguinte. 5— Em caso de ocupação ilegal de habitações públicas, o despejo obedece a regras procedimentais estabelecidas por lei.

Sempre que estejam reunidas as condições para o procedimento previsto no n.º 1, são garantidos pelo Estado, nomeadamente:
a)-Desde o início e até ao termo de qualquer tipo de procedimento de despejo, independentemente da sua natureza e motivação, a existência de serviços informativos, de meios de ação e de apoio judiciário; b)-A obrigação de serem consultadas as partes afetadas no sentido de encontrar soluções alternativas ao despejo; c)-O estabelecimento de um período de pré-aviso razoável relativamente à data do despejo; d)-A não execução de penhora para satisfação de créditos fiscais ou contributivos, nos termos da lei, quando esteja em causa a casa de morada de família; e)-A existência de serviços públicos de apoio e acompanhamento de indivíduos ou famílias vulneráveis alvo de despejo, a fim de serem procuradas atempada e ativamente soluções de realojamento, nos termos da lei. 7— As pessoas e famílias carenciadas que se encontrem em risco de despejo e não tenham alternativa habitacional têm direito a atendimento público prioritário pelas entidades competentes e ao apoio necessário, após análise caso a caso, para aceder a uma habitação adequada.”.

Ac. do TRL de 6 de fevereiro de 2023, referido a título de parecer no que respeita ao direito de indemnização pelas obras necessárias
A única questão submetida à apreciação deste tribunal respeita à admissão da reconvenção, como sustenta o recorrente, ou a rejeição, como decidido pela primeira instância, do pedido reconvencional formulado pelo Réu que, entre o demais, reclama da Autora o pagamento da quantia pecuniária de €29.470,00 S/IVA Euros, correspondente ao valor das benfeitorias que alegadamente realizou no locado.
Como está assente, o pedido de despejo tem como fundamento a oposição à renovação do contrato de arrendamento no final do termo inicial estabelecido pelas partes.
A vexatio questio constitui ainda matéria controvertida na doutrina e na jurisprudência, divisando-se, em traços largos, duas correntes principais.
No sentido da admissibilidade da reconvenção no procedimento especial de despejo, vejam-se, inter alia, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.4.2017, de 26-09-2019 de 29-09-2020
Na doutrina, defendem a posição afirmativa, Rui Pinto, e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre.
Propugnando pela inadmissibilidade da reconvenção, v.g. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.9.2019; na doutrina, veja-se, nomeadamente, Laurinda Gemas.
São conhecidos os fundamentos de cada uma das teses, e que dispensam para a circunstância, outra delonga.
Tomando posição, reconhecendo a pertinência da argumentação em sentido contrário, cremos, que razões de economia processual e de tutela efetiva do arrendatário, ditam a sua sobreposição à questão de índole formal, e, portanto, justificam, em princípio, a admissão do pedido reconvencional do inquilino no domínio do PED.
A Lei nº 31/2012, de 14.8 alterou o NRAU, criando um novo procedimento especial de despejo do local arrendado com vista a permitir “a célere recolocação daquele no mercado de arrendamento” (art. 1º da referida Lei), ou seja, visando agilizar o procedimento de despejo. De outro passo, o DL nº 1/2013, de 7.1, e a Portaria nº 9/2013, de 10.1, vieram definir as regras do funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento e do procedimento especial de despejo.
O procedimento especial de despejo (PED) encontra-se previsto nos artigos 15ºa 15º-S do NRAU e é apenas aplicável nas situações previstas no nº 2 do mencionado art. 15, e a quanto à oposição, dispõe o artigo 15º-F do NRAU (aditado pela Lei nº 31/2012, de 14.8), que: 1.- O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação. 2.- A oposição não carece de forma articulada, devendo ser apresentada no BNA apenas por via eletrónica, com menção da existência do mandato e do domicílio profissional do mandatário, sob pena de pagamento imediato de uma multa no valor de 2 unidades de conta processuais. 3.- (…). 4.- (…). 5.-(…).
Ora, não prevendo a lei, de forma expressa, a possibilidade de dedução de reconvenção pelo demandado, estabelece a existência de um novo articulado sempre que seja necessário garantir o contraditório (nº 2 do art. 15-H).
Assim, sendo, pelo menos, nas situações em que o Réu pretenda com a reconvenção o reconhecimento de eventual extinção total ou parcial da dívida reclamada pelo Autor – artigo art. 15, nº 5 e artigo 847º do Código Civil. Trata-se da situação típica de despejo fundado em falta de pagamento de rendas, vindo o Réu a alegar em reconvenção que detém um crédito equivalente ou superior, vg. por obras necessárias a que procedeu no locado ou a realização de benfeitorias.
Critério, que a nosso ver, aconselha igualmente, e s.d.r, a admissibilidade da reconvenção, em que sendo outro o fundamento de despejo, como no caso espécie, a oposição pelo senhorio à renovação do contrato , seja o modo de efetivar e tutelar o interesse do arrendatário em reclamar do senhorio o crédito por benfeitorias ou despesas relativas ao imóvel, isto porque, nessa qualidade lhe assiste o direito de reter o imóvel até ao pagamento pelo senhorio- artigos 1036º, 1273º e 754º do Código Civil.
Observe-se que, a exigindo ao inquilino demandado que então interponha uma ação autónoma, a mesma levaria à suspensão do procedimento de despejo por causa prejudicial, afetando, de igual modo, a natureza urgente do PED.
Neste sentido que sufragamos, refere Rui Pinto - “Dado ainda não ter corrido prévio processo judicial, deve entender-se que o direito de defesa determina que o conteúdo da oposição seja qualquer fundamento que possa ser invocado no processo de declaração. (…) portanto, pode ser oposta impugnação e exceção e, bem assim, fazer-se valer o direito a benfeitorias. Se tal era admissível em sede de art. 929.º, nº 1, CPC (…) não (pode) deixar de ser permitido, sob pena de violação do direito à tutela jurisdicional efetiva da posição material do inquilino. Assim, consoante as possibilidades dadas pelo direito substantivo, tanto poderá pedir a condenação do senhorio no pagamento do valor das benfeitorias, como o reconhecimento do direito a levantá-las, em reconvenção.”
Por último, cremos que no que se refere ao óbice da tramitação processual especial em causa, pode sempre o tribunal admitir a reconvenção e adaptação do processado, em consonância com o disposto nos artigos 266º, nº 3, e 37, nºs 2 e 3, do CPC; e, ainda é possível um novo articulado para garantir o contraditório (nº 2 do art. 15-H).
Em suma, afigura-se-nos que o pedido reconvencional formulado pelo Réu tem enquadramento no disposto no artigo 266º, nº1, al) b) e c) do CPC., não contrariando o regime do PED, respeita a crédito que, reconhecido, pode conferir àquele o direito de retenção sobre o locado - artigo 754º do Código Civil.
Importa, pois, que o processo prossiga, para a apreciação preliminar da reconvenção apresentada, conforme previsto no artigo 583º do CPC, e seguir os autos o desenvolvimento da instância em conformidade.
Igualmente sob a forma de parecer se refere uma sentença judicial datada de 12 de junho de 2023 nos termos da qual ainda se encontra em vigor a suspensão das diligências de despejo relativas à casa de morada de família, ao abrigo do denominado Covid-19:

Requerimento de 8.5.2023:
A L Lda., vem requerer a entrega da fração que lhe foi vendida na execução, nos termos do art.828.º do CPC, não invocando que os executados aí não residam. Resulta dos autos, quer do auto de diligência do AE para se inteirar do estado de conservação do imóvel antes da venda, quer do facto da morada do imóvel corresponder à morada da executada que consta de todos os documentos oficiais, quer ainda do posterior requerimento da executada AP, que se trata da casa de morada de família desta executada. Considerando que está em curso processo legislativo tendo em vista a alteração/revogação da Lei 1-A/2020, tendo já sido aprovado o Decreto da Assembleia da República n.º 54/XV publicado no DAR II serie A n.º236 de 1.6.2023, na sequência da proposta de Lei 45/XV/1.ª, e no qual se continua a prever um prazo de 30 dias após a publicação da lei, para a produção dos efeitos da revogação do disposto nas alíneas b) a e) do n.º 7, bem como do n.º 8 do artigo 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, estabelecendo por isso um interregno quando à produção de efeitos da revogação dessas concretas normas, o que não nos parece harmonizável com uma situação prévia de caducidade com efeitos imediatos da citada lei, há que considerar que se mantém a suspensão de entrega prevista no art.6-E n.º7 al. b), da Lei 1-A/2020, pelo que, se impõe aguardar pela cessação de vigência dessas normas e, por isso, por ora, indefere-se a entrega.
Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos devem os presentes embargos de executado admitidos, julgados procedente por provados e por via deles: (…)”. (fim de transcrição).
*

Liminarmente, em 06.07.2023 o tribunal de primeira instância apreciou e decidiu:
II.–Conforme resulta dos autos de execução a que estes autos se encontram apensos, os Exequentes F e M apresentaram requerimento de execução de decisão judicial condenatória contra a ora Embargante, I…, pedindo o pagamento da quantia de €53.372,26, bem como a entrega do 3º andar do prédio sito na Rua …, em Lisboa, livre e devoluto de pessoas e bens. Indicaram como título executivo a sentença proferida em 14-03-2023, já transitada em julgado, na qual se decidiu julgar (…) o pedido formulado pelos reconvintes [ora Exequentes] totalmente procedente, por provado e, em consequência:
«(…)
Estando-se perante uma execução de sentença, é aplicável ao caso o artigo 626.º do CPC que, sob epígrafe «Execução da decisão judicial condenatória», estabelece o seguinte, nos seus n.ºs 1 a 3:
«1–A execução da decisão judicial condenatória inicia-se mediante requerimento, ao qual se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 724.º e seguintes, salvo nos casos de decisão judicial condenatória proferida no âmbito do procedimento especial de despejo. 2–Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 550.º, a execução da decisão condenatória no pagamento de quantia certa segue a tramitação prevista para a forma sumária, havendo lugar à notificação do executado após a realização da penhora. 3–Na execução de decisão judicial que condene na entrega de coisa certa, feita a entrega, o executado é notificado para deduzir oposição, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 860.º e seguintes. […]»
Daqui decorre que, tendo a presente execução as finalidades previstas nos n.ºs 2 e 3 do referido artigo 626.º, no que respeita à execução para entrega de coisa certa, apenas depois de efetuada a entrega «o executado é notificado para deduzir oposição, seguindo-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 860.º e seguintes».
No caso, como refere a embargante e conforme resulta dos autos principais, não foi efetuada a entrega do imóvel em causa, não tendo, por isso, a Executada notificada para deduzir oposição.
No entanto, ainda que já tivesse ocorrido tal entrega, sempre se teria de observar, no que respeita aos fundamentos da oposição, o disposto artigo 860.º CPC, aplicável nos termos do já referido n.º 3 do artigo 626.º. Ora, de acordo com o n.º 1 do mencionado artigo 860.º, «[o] executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos especificados nos artigos 729.º a 731.º, na parte aplicável, e com fundamento em benfeitorias a que tenha direito», acrescentado o n.º 3 que «[a] oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas».

Assim, estando-se perante uma execução de sentença, nos termos referidos, só podem constituir fundamento de oposição à execução os previstos no artigo 729.º do CPC:
«a)-Inexistência ou inexequibilidade do título; b)-Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c)-Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d)-Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e)-do artigo 696.º; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f)-Caso julgado anterior à sentença que se executa; g)-Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h)-Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i)-Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.».

Por outro lado, estando-se perante uma execução para entrega de coisa certa, pode ainda o executado deduzir oposição com fundamento em benfeitorias a que tenha direito, sendo que esta oposição com fundamento em benfeitorias «não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas» (cf. os n.ºs 1 e 3 do referido artigo 860.º).Analisados os presentes embargos, nenhum dos fundamentos invocados se enquadra no disposto no artigo 729.º do CPC.
Com efeito, com a denominada “questão prévia” (cf. artigos 1.º a 39.º), a Executada alega factos respeitantes à ação declarativa, que não se ajustam a qualquer dos referidos fundamentos e cuja apreciação sempre se mostraria precludida face ao disposto no artigo 573.º, n.º 2, do CPC      
É certo que, em tal “questão prévia”, a Executada refere ter efetuado benfeitorias no imóvel a que se refere a execução, sustentando, que lhe assiste «o direito a compensar o referido montante de obras necessárias de €39.300,00, ou seja, devendo ser desde já consideradas pagas, com base na compensação, as rendas desde Fevereiro de 2020 até fevereiro de 2029».
Ora, por um lado, tal “compensação” pressupõe a manutenção em vigor do contrato de arrendamento, questão essa que, dizendo respeito à ação declarativa em que foi proferida a sentença dada à execução, já se mostra por esta decidida (que, conforme resulta do seu dispositivo, acima transcrito, decidiu «Declarar a caducidade do contrato de arrendamento celebrado relativamente a tal fracção autónoma»), pelo que, conforme referido, não se trata de matéria que possa enquadrar-se em qualquer dos fundamentos indicados no artigo 729.º do CPC (designadamente no previsto na alínea h).
Por outro lado, estado em causa uma execução de sentença condenatória, o alegado direito decorrente de benfeitorias efetuadas no imóvel cuja entrega é pedida na execução não poderá ser exercido em sede oposição se o executado não tiver oportunamente feito valer o seu direito a elas (cf. o referido artigo 860.º, n.º 3, do CPC).
É o que se verifica no presente caso, em que a Executada teve a oportunidade de fazer valer esse direito no âmbito da ação declarativa em que foi proferida a sentença exequenda. Aliás, resulta da referida sentença que a Executada (aí Autora), formulou o pedido de condenação dos ora Exequentes (aí RR.) no pagamento da quantia €10.800,00 a título de benfeitorias (pedido esse que não foi por ter sido determinado o desentranhamento da petição inicial, prosseguindo os autos apenas para apreciação do pedido reconvencional), sendo que a Executada nada alegou no sentido de não ter podido, no referido processo, ter formulado o pedido de pagamento das benfeitorias ora invocadas.
Finalmente, também o pedido de formulado à luz da alínea c) do n.º 7 do artigo 6.º-E Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, não se ajusta a qualquer dos aludidos fundamentos de embargos de executado, devendo, se for caso disso, ser formulado na própria ação executiva, enquanto incidente da mesma, devendo a Executada aí alegar os factos integradores de tal previsão legal, apresentando as correspondentes provas.
Assim, uma vez que os fundamentos da presente oposição mediante embargos de executado não se ajustam aos legalmente previstos (designadamente aos previstos nos artigos 729.º e 860.º do CPC), deverão os embargos ser liminarmente indeferidos.
Pelo exposto, indefere-se liminarmente a presente oposição mediante embargos de executado.
Fixa-se à causa o valor de €53.372,26 (…).
Custas pela embargante (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CCP). (…)
*

Inconformada, a embargante interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1ª-O pedido reconvencional, por ter como causa de pedir a factualidade respeitante a uma ação de reivindicação, nunca deveria ter sido admitido e muito menos ter sido dada como assente a factualidade alegada pelos reconvintes, devendo antes ter merecido a absolvição da Ré da instância.
2ª-Para além de não ter sido conhecido na primeira instância, apesar de ter sido alegado e peticionado o direito de indemnização pelas benfeitorias necessárias expressa e previamente autorizadas pelo senhorio são ainda adicionados novos pedidos relativamente a obras posteriores, mais precisamente, em 2021, teve de efetuar novas obras necessárias designadamente pintando todo o 3º andar e o sótão, tendo despendido em mão-de-obra e pintura, a quantia de 5.000,00 euros e em 2022 teve de dispensar igual montante bem como substituição de duas portas e armários devido a tentativas de arrombamento e de abertura do gás, que obrigou a reforço de segurança com colocação de câmaras, importando tudo no valor 8.500,00 euros.
3ª-Traduzindo-se a compensação num direito potestativo extintivo que tanto pode ser exercido por via extrajudicial ou judicial, por via de ação ou de defesa por exceção, ou por reconvenção, conforme a situação.
4ª-Logo, a compensação pode ser exercida, em sede de oposição à execução, como facto extintivo da obrigação exequenda e não já de reconvenção, pois esta não é admissível em processo executivo (…). No entanto, tal como supra referido, um dos requisitos da compensação é que o crédito invocado para a compensação seja exigível em juízo e não inutilizado por exceções, ou seja, o crédito daquele que declarar/invocar a compensação não pode ser controvertido, tem de existir de facto, estar judicialmente reconhecido.
5ª-Relativamente, ao pressuposto da manutenção do contrato de arrendamento refira-se que em C) encontra-se peticionado o pedido de declaração de tal manutenção com base no pagamento antecipado das rendas até fevereiro de 2029, sendo certo que foi requerida a competente perícia singular às obras efetuadas a qual não mereceu qualquer conhecimento por parte do Tribunal.
6ª-Tendo a ora Recorrente solicitado a suspensão da execução do despejo por se tratar da casa de morada de família ao abrigo do disposto na Lei nº 1-A/2020, de 19/3 o Tribunal indeferiu liminarmente tal pedido, sem mais, ou seja, o Tribunal estava obrigado a proceder à inquirição das testemunhas arroladas.
7ª-Aliás, tal pedido deveria ser seguido da prova pois que tinha sido alegada factualidade bastante. Por outras palavras o pedido só poderia ser liminarmente indeferido se não tivessem sido alegados factos e apresentada prova.
8ª-Inconformada vem interpor recurso de Apelação com efeito suspensivo (artº 647º nº 1 al.) por se tratar de habitação contra tal sentença, concretizado que com o despejo a Recorrente ficaria numa situação clamorosa por falta de habitação.
9ª-Não é apresentada qualquer fundamentação do indeferimento, sendo certo que estando previsto que a cada direito corresponde uma ação destinada a fazê-lo valer em Juízo. Logo, encontrando-se ou não esgotado o poder jurisdicional a verdade é que o direito de requerer a suspensão do despejo só pode ser exercido no presente processo.
10º-As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
11ª-A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente.
12ª-Por outro lado, o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo A, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto.
13ª-Nos termos do AC 17696/21.2 T8LSB a Lei nº 1-A/2020, de 19/3 que se junta como Doc. 1 vem determinar a cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentos adotados no âmbito da pandemia Covid 19; por outra e ao revogar os artigos 6º - B e 6º - C da Lei nº 1-A 2020, de 19/3 na sua redação atual vem também aditar o artº 6º - E, e cujo nº 7 determina a suspensão no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo dos actos de execução da entrega do local arrendado no âmbito das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, a suspensão indicada porém não opera ope legis, mas apenas nos casos em que, e na sequência de pertinente alegação dos arrendatários seja produzida prova que confirme que os atos de execução da entrega do local arrendado sejam suscetiveis de colocar os arrendatários(despejados) em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
14º-Também em sentido contrário ao acórdão recorrido se junta exemplar do Ac 2882/21.3T8STB-B.E1 que se junta como Doc. 2 , o qual ipsis verbis mantém o sustentado no Doc. 1.
15º-Em suma, a questão essencial que tem a ver com a existência ou não de base legal para a suspensão do despejo quando como é o caso se trata da casa de morada de família, sempre com efeito suspensivo automático não oferece quaisquer dúvidas.
16º- Artigo 647.º (art.º 692.º CPC 1961)
Efeito da apelação
(…)

Resulta da disposição imperativa a que se alude em 1º que o recurso respeita à posse da casa de habitação, ou melhor, da casa de morada de família. À disposição expressa do CPC de que tem efeito suspensivo da decisão a Apelação que respeita à posse, ou à propriedade de casa de habitação, como é o caso, não oferece quaisquer dúvidas de que o despacho que admite o recurso deve ser entendido como tendo imperativamente efeito suspensivo.
Inexiste disposição legal que revogue expressamente tal artigo do CPC
Termos em que admitindo-se o presente recurso de Apelação, com efeito suspensivo automático por se tratar de posse habitação (artº 692º nº 3 al. b) do CPC, e julgando o mesmo procedente por provado deve ser ordenada admissão e prosseguimento dos Embargos e determinada a suspensão do despejo, se fará Justiça!”
*

Notificado o il. mandatário da contraparte, não apresentou contra-alegações.
*

Corridos os vistos legais, cumpre decidir:

II.–Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC - a questão a decidir é de saber se não devia ter sido liminarmente indeferida a petição de embargos e nela inserto pedido formulado à luz da alínea c) do n.º 7 do artigo 6.º-E Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
*

III.–Matéria de facto
A constante do relatório que antecede.
Acresce que, do histórico processual do processo nº 11476/20.0T8LSB, no qual foi proferida a sentença dada à execução, ao qual este tribunal teve acesso via Citius, resulta que a aqui embargante, ali Autora, não contestou o pedido reconvencional que os aqui embargados, ali Réus, haviam formulado na ocasião da sua contestação.
Do mesmo histórico processual resulta que tendo sido fixado o valor da causa em 12.1.2022, no montante de €85.171,66, e remetidos os autos Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa, por ser o competente em função do valor fixado, neste, não tendo havido pagamento espontâneo do acréscimo de taxa de justiça, foi a Autora convidada, por despacho de 31.5.2022, “a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de igual valor ao da taxa de justiça inicial”, o que não fez, tendo por despacho de 28.6.2022 sido decidido “Pelo exposto, não tendo a A. pago, nos prazos legais, a taxa de justiça devida, a multa e os acréscimos previstos nos n.º 3 e 5 do art.º 570º do Código de Processo Civil, ao abrigo do disposto no n.º 6 do mesmo artigo determino o desentranhamento da PI e, consequentemente, nos termos da al. e) do art.º 277º do Código de Processo Civil, julgo a presente instância extinta por impossibilidade superveniente da lide. Custas pela A.”.

Notificada desta decisão, a Autora não recorreu nem reclamou.

Acresce ainda que por despacho de 30.9.2022, notificado em 03.10.2022, foi decidido “(…) Os autos prosseguirão para apreciação do pedido reconvencional.

Uma vez que não foi apresentada réplica, não tendo sido impugnados os factos ali alegados, ao abrigo do disposto nos art.º 587º e 574º do Código de Processo Civil, declaro confessados os factos articulados pelo reconvinte, sem prejuízo da excepção prevista no art.568º, al.d). Dê cumprimento ao previsto no nº2 do art.567º”.

Os ali Réus e aqui embargados alegaram em 19.10.2022.

A ali Autora e aqui embargada não alegou.

Em 29.11.2022 os ali Réus formularam um requerimento de rectificação de um lapso de escrita no artigo 81º da contestação[3], requerimento que foi notificado ao ilustre mandatário da ali Autora.

Finalmente, os autos foram conclusos em 07.03.2023 e em 14.3.2023 foi proferida a sentença exequenda.
*

IV.–Apreciação
Em face do efeito suspensivo atribuído ao recurso, fica prejudicada a apreciação das conclusões 15 parte final e 16.
Como resulta da conclusão final do recurso – “deve ser ordenada admissão e prosseguimento dos Embargos e determinada a suspensão do despejo” – está em causa saber se o tribunal de primeira instância não podia indeferir, nem os embargos nem o pedido de suspensão.
A recorrente esgrime, embora não forneça o normativo aplicável, a nulidade da sentença por falta de fundamentação. Tal abrange tanto os embargos como o pedido de suspensão. É o que resulta das conclusões 9, primeira parte, 10 e 11.
Apesar da parte final da conclusão 12, a questão nela invocada centra-se essencialmente com a falta de “análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo A”.
É jurisprudência uniforme a de que a falta de fundamentação a que se refere a al. b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil só se verifica no caso de falta absoluta de fundamentação. A sentença recorrida, sendo de indeferimento liminar, só tem de, como no caso efectivamente aconteceu, analisar se os fundamentos invocados para os embargos se subsumem aos fundamentos possíveis de oposição à execução de uma sentença judicial. Foi o que a sentença fez e mostra-se a sua fundamentação não só existente como completa. Não padece assim a sentença da nulidade invocada.
Sendo de indeferimento liminar, não tem a mesma sentença que fazer uma “análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo A”, tendo apenas, relativamente a esta versão, de a analisar do ponto de vista da sua subsunção aos fundamentos legalmente admissíveis, como resulta aliás do artigo 732º nº 1 do Código de Processo Civil, o que a sentença fez, não se verificando assim a invocada falta de análise, quer assim entendida singelamente quer entendida como invocação tácita de nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Tácita, bem entendido, porque a recorrente não a invocou expressamente.
Quanto ao pedido de suspensão (e ao prosseguimento dos autos para apreciação dos respectivos pressupostos, desde logo factuais, que, com o devido respeito, apenas foram alegados sob forma conclusiva – salvaguarda da casa de morada de família, a efetivação das diligências de colocação da Embargante numa situação de fragilidade por falta de habitação própria e por outra razão social imperiosa que respeita à falta de meios económicos – e contraditória com a factualidade alegada na mesma petição de embargos sobre a exploração do locado para fins de hospedagem), a recorrente não adianta argumentação contra a argumentação da sentença recorrida, como lhe compete nos termos do artigo 639º do Código de Processo Civil, isto é, não demonstra qual o erro em que incorre a sentença quando declara que a faculdade de pedir a suspensão não se enquadra nos fundamentos da oposição por embargos e quando declara que o pedido de suspensão deve ser formulado na execução – o que a recorrente não fez, e por não ter feito, não há qualquer fundamento legal para que na execução não seja admitido o processamento desse pedido – e não nos embargos, que são pensados pelo legislador como uma fase declarativa inserta na acção executiva onde, dizendo assim em termos genéricos, a exequibilidade do título executivo pode ser abalada e não meramente suspensa.
Resta dizer, pelo que acabamos de expor, que a recorrente não tem razão quando refere na conclusão 9 que o pedido de suspensão só pode ser feito na instância de embargos quer se entenda esgotado ou não o poder jurisdicional: - não há esgotamento de poder jurisdicional na acção executiva, senão com a extinção da execução, o que não ocorreu. E a afirmação “só pode ser” não está fundamentada, voltamos a dizer, era preciso um argumento (que não uma simples afirmação em contrário) sobre a impossibilidade de formular o pedido de suspensão no processo executivo principal. 
Por esta razão, não precisava a primeira instância apreciar ou conhecer da “factualidade” (entre aspas pelas razões já indicadas) relativa ao pedido de suspensão, limitando-se a não conhecer e a deixar livre à embargante a dedução do pedido no lugar processual próprio. Nada a censurar por isso à sentença.
Derradeira questão: - da justeza do indeferimento liminar da petição de embargos ou da necessidade deles prosseguirem os seus termos em primeira instância.

Retomemos as conclusões do recurso:        
1ª- O pedido reconvencional, por ter como causa de pedir a factualidade respeitante a uma ação de reivindicação, nunca deveria ter sido admitido e muito menos ter sido dada como assente a factualidade alegada pelos reconvintes, devendo antes ter merecido a absolvição da Ré da instânciaesta conclusão, em vista do trânsito em julgado da sentença dada à execução, é inadmissível: - os embargos não são o lugar próprio para pôr em causa a sentença dada à execução, antes dela devia ter sido interposto recurso com esse fundamento – que a reconvenção não devia ter sido admitida e que por isso não podia ser dada como provada a factualidade alegada na reconvenção.
Do mesmo modo para a conclusão 5ª Relativamente, ao pressuposto da manutenção do contrato de arrendamento refira-se que em C) encontra-se peticionado o pedido de declaração de tal manutenção com base no pagamento antecipado das rendas até fevereiro de 2029, sendo certo que foi requerida a competente perícia singular às obras efetuadas a qual não mereceu qualquer conhecimento por parte do Tribunal”: - a sentença dada à execução declarou o contrato de arrendamento extinto por caducidade (por morte dos usufrutuários senhorios), e tendo transitado em julgado – porque a aqui recorrente ali não recorreu – não há como reverter a caducidade do contrato, além de que em C nem sequer se encontra peticionado o pedido de declaração de manutenção do contrato (recorde-se “C) Mais, invocando o instituto da compensação, como direito potestativo, deve ser declarado que as rendas vencidas desde fevereiro 2020 até fevereiro de 2029 se encontram integralmente pagas, de forma antecipada, com base no valor da indemnização peticionada em B), atento o valor da renda que é de 550,00 euros”), e razão também, a do trânsito em julgado da sentença dada à execução, pela qual é indiferente que a primeira instância não tenha conhecido da requerida perícia, e também o é na medida em que tal perícia pudesse interessar à definição do valor das benfeitorias invocado na petição inicial da acção na qual foi proferida a sentença dada à execução, na parte excedente (que aliás nem sequer excedia) à compensação com o crédito exequendo. 
Quanto à primeira parte da conclusão 2ª 2ª Para além de não ter sido conhecido na primeira instância, apesar de ter sido alegado e peticionado o direito de indemnização pelas benfeitorias necessárias expressa e previamente autorizadas pelo senhorio (…)”, a recorrente volta a esquecer o trânsito em julgado da sentença que é título executivo, e concretamente que a omissão de conhecimento é vício que devia ter sido invocado em recurso, e que o não foi. 
Quanto à segunda parte da conclusão 2ª Para além (…) são ainda adicionados novos pedidos relativamente a obras posteriores, mais precisamente, em 2021, teve de efetuar novas obras necessárias designadamente pintando todo o 3º andar e o sótão, tendo despendido em mão-de-obra e pintura, a quantia de 5.000,00 euros e em 2022 teve de dispensar igual montante bem como substituição de duas portas e armários devido a tentativas de arrombamento e de abertura do gás, que obrigou a reforço de segurança com colocação de câmaras, importando tudo no valor 8.500,00 euros”, a que a recorrente associa a conclusão 3ª (Traduzindo-se a compensação num direito potestativo extintivo que tanto pode ser exercido por via extrajudicial ou judicial, por via de ação ou de defesa por exceção, ou por reconvenção, conforme a situação) e segue para a conclusão 4ª (4ª Logo, a compensação pode ser exercida, em sede de oposição à execução, como facto extintivo da obrigação exequenda e não já de reconvenção, pois esta não é admissível em processo executivo (…). No entanto, tal como supra referido, um dos requisitos da compensação é que o crédito invocado para a compensação seja exigível em juízo e não inutilizado por exceções, ou seja, o crédito daquele que declarar/invocar a compensação não pode ser controvertido, tem de existir de facto, estar judicialmente reconhecido), deixando de lado esta última referência, porque a recorrente obviamente não ignora que não invocou estar munida de um título de reconhecimento judicial do crédito por benfeitorias (e recorde-se que a petição inicial onde tais benfeitorias foram invocadas foi desentranhada, por falta de pagamento da taxa devida com a alteração do valor da causa, do que, de tudo, nada a aqui recorrente e ali autora reclamou nem recorreu), a questão que se põe é precisamente a de saber do modo como se interpreta a al. h) do artigo 729º do Código de Processo Civil.

Exemplarmente claro, até porque se pronuncia sobre a contradição entre um acórdão da Relação de Coimbra, confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça e outro acórdão em sentido contrário, é o acórdão de revista excepcional que o Supremo Tribunal de Justiça proferiu no processo 472/20.7T8VNF-A.G1.S1 (Relatora Conselheira Catarina Serra) julgado em 28-10-2021 e consultável no sítio electrónico da dgsi, de cujo sumário consta:
I.–A invocação do fundamento de oposição à execução baseada em sentença previsto na al. h) do artigo 729.º do CPC (“contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos”) pressupõe que o executado estivesse impossibilitado de invocar o contracrédito, por via de reconvenção, no âmbito da acção declarativa precedente.
II.–Esta é a interpretação que mais bem se harmoniza com a disciplina imposta no âmbito do processo declarativo comum, mais precisamente com o artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, “incutindo” a regra de que toda a compensação deve ser deduzida em reconvenção”.
E no pertinente texto do acórdão lê-se:
“O Tribunal a quo julgou improcedentes os embargos porque entendeu que a invocação do contracrédito só constitui fundamento para oposição à execução quando o crédito esteja judicialmente reconhecido.

No Acórdão recorrido expende-se o seguinte raciocínio:

[N]o âmbito do processo executivo, a compensação pode actuar como fundamento de oposição à execução baseada na sentença, quer ao abrigo do disposto na al. g) do art. 729º do CPC quer ao abrigo da al. h) do referido preceito legal. Se é invocado que teve lugar a compensação, que se operou a notificação de um contracrédito, desde que seja judicialmente reconhecido, que acarretou a extinção do crédito exequendo, a situação fáctica encontra acolhimento na al. g), consubstanciando a invocação de excepção perentória; se invoca o contracrédito judicialmente reconhecido com vista à compensação com o crédito exequendo, enquadra-se na previsão da al. h).
Ora, segundo a jurisprudência que seguimos, para efeitos de compensação, um crédito se torna exigível quando está reconhecido judicialmente e, na fase executiva, um crédito dado em execução pode ser compensado por outro que também tenha força executiva.
A orientação jurisprudencial do STJ nesta matéria, explanada, designadamente, no supra referido Acórdão de 14-03-2013 que aqui seguiremos de perto, conta que para efeitos de compensação, um crédito se torna exigível quando está reconhecido judicialmente. Este reconhecimento pode ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio, contrapondo o réu o seu crédito, como forma de operar a compensação. Na fase executiva, um crédito dado em execução pode ser compensado por outro que também tenha força executiva. Donde, a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contracrédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível. podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coativa da prestação, pelo que se o crédito não é exigível judicialmente, não pode ser apresentado a compensação.
Em suma, é indispensável que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-direito. No âmbito da oposição à execução, o crédito exequendo pode ser compensado por outro que também tenha força executiva, ou seja, que seja judicialmente exigível, pois o processo executivo não comporta a definição do contracrédito.
Termos em que cabe concluir que a compensação operada em sede de execução de sentença apoia-se necessariamente num documento com força executiva.
No caso em apreço, na medida em que o embargante não apresenta contracrédito titulado por documento revestido de força executiva, não constitui fundamento válido a atender em sede de oposição à execução”.

A verdade é que, como bem demonstra o Acórdão usado como Acórdão fundamento nas presentes alegações de revista – o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.01.2020, Proc. 51796/18.1YIPRT-B.C1 –, é possível encontrar jurisprudência em sentido contrário, ou seja, defendo a tese de que a compensação pode ser deduzida na oposição à execução sem necessidade de o contracrédito estar reconhecido judicialmente, embora só opere se ambos os créditos vierem a ser reconhecidos.
A oposição de julgados apurada e justificativa da admissão a título excepcional da presente revista é bem ilustrativa das dificuldades inerentes ao tratamento da questão e, evidentemente, da divergência (tanto jurisprudencial como doutrinal) que existe em torno dela.
A questão obriga a interpretar o disposto na al. h) do artigo 729.º do CPC. Mas para isso não pode deixar de se dar atenção ao contexto da norma, destacando-se a proximidade, tanto sistemática quanto substantiva, entre a previsão da alínea em causa e a previsão da alínea imediatamente anterior, ou seja, da al. g) do artigo 729.º do CPC.

A disciplina relevante é a seguinte:
Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: (…)
g)- Qualquer facto extintivo (…), desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento (…).
h)- Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.

Deve começar por saber-se que a al. h) é nova, não constando da norma homóloga antecessora do artigo 729.º do CPC – o artigo 814.º do CPC revogado – e vindo regular uma hipótese distinta e que não deve ser confundida com a regulada na al. g).

Rui Pinto explica, de forma sumária, a diferença de alcance entre as normas:
[a] compensação que o executado já realizou antes da oposição à execução deve ser incluída na al. g) do artigo 729.º, seja na execução da sentença, seja na execução de título diverso de sentença.
Efetivamente, se o devedor executado já emitira a declaração de compensação, não se vê como compensará um contra crédito que já foi cobrado por meio da compensação ou que possa ter ainda em “vista […] obter a compensação de créditos” (…).
A contrario, a al. h) vale apenas para a emissão de uma declaração de compensação por meio da própria petição de oposição à execução (compensação judicial), tanto de sentença como de título diverso de sentença [1].

Por outras palavras: uma coisa é a compensação abrangida pela al. g)(compensação dita “extrajudicial” por estar já consumada e constituir um facto extintivo da obrigação exequenda), outra coisa é a compensação a que se refere a al. h) (compensação dita “judicial” por ser a que é visada com a oposição à execução).
Apesar destes esclarecimentos, persistem as dúvidas quanto à interpretação mais correcta da al. h) do artigo 729.º do CPC ou, mais precisamente, quanto aos termos / às condições em que é admissível a oposição à execução com o fundamento aí previsto.
Como se viu, há quem sustente que a norma exige o reconhecimento judicial prévio do contracrédito, ou seja, que o executado disponha (também) de um título executivo, naquela que é a tese seguida no Acórdão recorrido[2].
Esta tese tem sido, sobretudo mais recentemente, objecto de intensa crítica.

Observa, por exemplo, José Lebre de Freitas:
nada autoriza a restrição [só se a existência do contracrédito se provar por documento com força executiva]: ao alegar a compensação, o executado pretende apenas fazer valer um facto extintivo do direito exequendo (na ação declarativa de embargos de executado), nada mais lhe sendo consentido em processo executivo; não está em causa executar aí o contracrédito e não se vê, por isso, que este tenha de constar de título executivo [3].

Refuta a tese também Miguel Teixeira de Sousa:
não pode deixar de causar alguma estranheza a exigência de que o contracrédito conste de um título executivo, atendendo a que a finalidade da invocação do contracrédito é a oposição à execução, e não a execução do contracrédito. O título executivo atribui a exequibilidade extrínseca a uma pretensão e constitui uma condição da acção executiva. O título executivo só se compreende em função da possibilidade da satisfação coactiva de uma pretensão e para permitir esta satisfação. Sendo assim, não estando em causa a satisfação coactiva do contracrédito, não é justificada a exigência de que o mesmo conste de um título executivo.
E – continua o autor – a exigência de que o contracrédito conste de um título executivo não é harmónica no contexto do art 729.º, dado que exige para uma das formas de extinção da obrigação um requisito que não é exigido para nenhuma outra forma de extinção do crédito exequendo. Acresce que, se assim se entendesse, ter-se-ia que concluir que o legislador do nCPC teria restringido a possibilidade da invocação da compensação na oposição à execução, dado que […] essa possibilidade já existia em função do disposto no art. 814.º, al. g), aCPC e este preceito só exigia que o contracrédito constasse de documento (e não de documento com valor de título executivo)[4].
Sintetizando (e simplificando) os argumentos: não é possível dizer que a exigência de reconhecimento judicial do contracrédito, ademais de omitida no texto da norma (elemento literal), seja justificada nem à luz dos fins da norma (elemento teleológico) nem à luz do sistema jurídico (elemento sistemático).
Deve advertir-se, porém, que a tese da inexigibilidade da condição de reconhecimento judicial do contracrédito não significa que a invocação da excepção de compensação no âmbito da oposição à execução seja incondicionalmente admissível, isto é, que a possibilidade de invocação de fundamentos de defesa na oposição à execução seja ilimitada. Não devem tolerar-se, em sede de oposição à execução, perturbações, morosidades ou inseguranças que não tenham por base razões atendíveis, relacionadas, designadamente, com necessidades de tutela jurisdicional efectiva.

Por esse motivo, a esmagadora maioria dos autores (José Lebre de Freitas[5], Rui Pinto[6], Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa[7], Gonçalves Sampaio[8] [9]) converge no entendimento de que é exigível que o contracrédito invocado seja posterior ao oferecimento da contestação no âmbito da acção declarativa precedente[10].
Quer dizer: o devedor tem o ónus de alegação do contracrédito na acção declarativa (um ónus de reconvir); apenas quando tenha sido impossível ao devedor exercer este ónus (por superveniência do contracrédito) se admite que o devedor se oponha à execução ao abrigo do disposto / com o fundamento previsto no artigo 729.º, al. h), do CPC.
Esta é, visivelmente, a interpretação que melhor se harmoniza com a disciplina imposta no âmbito do processo declarativo comum, mais precisamente com o artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, “incutindo” a regra de que toda a compensação deve ser deduzida em reconvenção.

É o seguinte o teor do artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC:
a reconvenção é admissível nos seguintes casos (…):
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.

Valorizam, em particular, este argumento Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, salientando:
o sentido da al. h), que foi introduzida pelo CPC de 2013, é inseparável do regime que ficou consagrado no art. 266.º, n.º 2, al. c), onde foi estabelecida a solução segundo a qual a invocação de um contracrédito em processo declarativo pendente, independentemente do seu valor, deve ser feita por via reconvencional. Perante esta solução, não é possível manter o entendimento, que vigorou no passado, de que o crédito do executado poderia ser invocado em sede de embargos, a título de exceção perentória e como facto extintivo, ao abrigo da al. g) e sujeita aos mesmos requisitos [11].

Com estes esclarecimentos, volte-se, então, ao caso dos autos, começando por lembrar a factualidade provada.
É incontestável que o contracrédito dos executados não está reconhecido judicialmente. Os executados propuseram uma acção com essa finalidade (cfr. factos provados 3 e 4) mas ainda não houve sentença (cfr. facto provado 6).
Independentemente disso, não é possível dar-se por verificada a condição que se deve entender – é consensual – que o artigo 729.º, al. h), do CPC exige para a sua aplicação: não foi alegada a impossibilidade de os executados invocarem o contracrédito, por via de reconvenção, no âmbito da acção declarativa proposta pela exequente. Isto é suficiente para se concluir pela improcedência da pretensão dos executados / ora recorrentes.
Em suma: falta uma condição de aplicabilidade do artigo 729.º, al. h), do CPC e faltando uma condição de aplicabilidade do artigo 729.º, al. h), do CPC não podem os embargos ser julgados procedentes”. (fim de citação).
Não vendo qualquer razão para divergir desta jurisprudência, e aplicada a mesma ao caso concreto, a questão é a de que a embargante foi autora na acção declarativa interposta contra os exequentes (por reconvenção destes contra ela) e nessa acção deduziu pedido de indemnização por benfeitorias, que a primeira instância não apreciou nem declarou justamente porque a autora não pagou a diferença da taxa de justiça e a em função disso a petição inicial foi desentranhada, do que, repetimos, nada a autora ali recorreu. Todavia, sendo o crivo da admissibilidade de alegação para efeitos da al. h) do artigo 729º do Código de Processo Civil a impossibilidade de dedução oportuna na acção declarativa, por um lado, tanto não foi impossível quanto foi mesmo pedido, mas muito mais relevante que isso, apesar da extinção da instância por falta de pagamento da taxa de justiça, a A., porque ali reconvinda, voltou a ter a oportunidade na mesma acção declarativa em sede reconvencional, de invocar as mesmas benfeitorias como contra crédito ao crédito reconvencional por rendas não pagas, o que não fez, porque não respondeu à reconvenção. 

Resta saber se relativamente às benfeitorias indicadas no artigo 19º da petição de embargos – pois que as indicadas em 17º e 18º[4] já tinham sido invocadas na petição inicial da acção na qual foi proferida a sentença exequenda, podiam ou não ter sido invocadas nessa mesma acção, ou se, pela sua superveniência, apenas o podiam ser nos embargos de executado.

Recordando o que resulta dos termos processuais da acção dada à execução, tendo sido proferido em 30.9.2022 e notificado em 03.10.2022 o despacho que determinou o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido reconvencional e julgou confessados os factos articulados pelos Réus reconvinte, e determinou o cumprimento do artigo 567º nº 2 do CPC concedendo prazo para alegações, evidente se torna que o contra crédito pelas invocadas benfeitorias novas realizadas em 2021, não pode ser considerado.

É que, apesar da ali Autora e reconvinda e aqui embargante não ter respondido à reconvenção, a superveniência de novas benfeitorias e derivados créditos podia ser sempre deduzida na acção declarativa mediante a apresentação de articulado superveniente, nos termos do artigo 588º nº 1 do CPC, até ao encerramento da discussão – discussão que, relativamente ao pedido reconvencional, não estava ainda, na pendência e transcurso de todo o ano de 2021, encerrada.

Sobra 2022. No artigo 19º da petição de embargos lê-se: “(…) e em 2022 teve de dispensar igual montante bem como substituição de duas portas e armários devido a tentativas de arrombamento e de abertura do gás, que obrigou a reforço de segurança com colocação de câmaras, importando tudo no valor 8.500,00 euros”.
Igual montante reporta-se à primeira parte do artigo 19º, ou seja, a €5.000,00, simplesmente sem alegação da concreta benfeitoria, pois que o artigo prossegue com a invocação de bem como da substituição de duas portas e armários… com colocação de câmaras”, obra a que a embargante atribui o valor de €8.500,00, embora nos diga importando tudo em 8.500,00 euros”. Quer isto dizer, 8.500,00 euros não é igual a 5.000,00 euros, portanto não é igual montante, e fica sem se entender se 8.500,00 euros é o valor da mudança das portas e armários e colocação de câmaras, porque se o for não faz sentido a menção “importando tudo(sublinhado nosso) a menos que este tudo sejam as portas e armários e câmaras. No fundo, quer isto dizer que e em 2022 teve de dispensar igual montante bem como resulta na falta de alegação da obra concretamente realizada em 2022 que teria importado em 5.000,00 euros.

Acresce que a embargante, não instruiu a petição de embargos com nenhum documento relativo às invocadas obras de 2021 e 2022.

Voltemos ao encerramento da discussão, enquanto marco processual temporal até ao qual podia a Autora apresentar articulado superveniente invocando para efeito de compensação com o crédito reconvencional – em cujo pagamento o tribunal muito provavelmente a condenaria, visto que havia julgado confessados os factos articulados pelos reconvintes.

Nos termos conjugados dos artigos 604º e 607º do Código de Processo Civil, o encerramento da discussão em primeira instância dá-se com a produção das alegações. A partir daí, e salvo os casos previstos de reabertura da produção de prova, com direito a novas alegações, o processo será concluso ao julgador para prolatar sentença.

No caso das acções não contestadas, a que se equipara precisamente esta situação da instância prosseguir apenas para apreciação do pedido reconvencional e de não haver contestação ao mesmo, não temos uma definição formal do momento em que se considera encerrada a discussão. Apesar disso, a lógica é a mesma: - estando produzida a prova e/ou adquiridos os factos por confissão e tendo as partes alegado sobre a produção de prova e sobre o direito aplicável, nada mais há a discutir e os autos estarão prontos para serem conclusos ao julgador para prolatar a decisão final.

Ora, tendo as partes sido notificadas para alegar em 3.10.2022, dir-se-ia então que a discussão em primeira instância havia encerrado antes do final do ano de 2022, permitindo assim ponderar – isto é, não indeferir liminarmente – se as benfeitorias ditas feitas em 2022, o haviam sido no tempo que mediou entre o fim do prazo para alegações e as férias judiciais de Natal de 2022.

Todavia, cremos não ser essa a solução que mais correctamente se impõe no presente caso. Como vimos na matéria de facto que considerámos relevante, já após a produção de alegações, os Réus reconvintes vieram em 29.11.2022, com um requerimento de rectificação do artigo 81º da reconvenção, notificado à reconvinda na mesma data, e a que ela poderia responder até 15.12.2022 (prazo de dez dias acrescido de três). Ora, este requerimento sobre o artigo 81º, ainda que de rectificação de mero lapso, o mero lapso incidia sobre a data de uma carta relevante, em última análise, para a contagem do crédito reconvencional, e integrava por isso a matéria de facto que o tribunal, ainda que já a tendo considerado confessada, teria de rectificar antes de proferir a sentença. No caso, nem houve despacho especificamente sobre o pedido de rectificação, e os autos foram conclusos para sentença em 07.03.2023.

Pode então dizer-se que enquanto não tivesse sido proferido despacho sobre o requerimento de rectificação, os autos não estavam prontos para sentença, o que equivale a dizer que enquanto tal despacho não fosse proferido, não estava encerrada a discussão da causa. Deste modo, também o invocado crédito por benfeitorias realizadas em 2022, poderia ainda ter sido invocado para compensação com o crédito reconvencional, mediante articulado superveniente. Aliás, como os autos só foram conclusos para sentença em 07.03.2023, claro é que mesmo uma obra que tivesse sido realizada em 31.12.2022, poderia ter o respectivo custo sido invocado na acção declarativa como crédito a compensar com o crédito reconvencional.

Assim, não estando demonstrado que era impossível, em função da superveniência, proceder a essa invocação na acção declarativa, não se pode, conforme acima teoricamente vimos, conceder o prosseguimento dos embargos para os efeitos da al. h) do artigo 729º do Código de Processo Civil, e assim não resta qualquer outra razão pela qual o indeferimento liminar dos embargos não devesse ter sido decidido.

Nestes termos, improcede o recurso.
 
Tendo nele decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.
*

V.–Decisão

Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto e em consequência em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.



Lisboa, 25 de Janeiro de 2024



Eduardo Petersen Silva
António Santos
Octávia Viegas

Processado por meios informáticos e revisto pelo relator



[1]Beneficia do relatório da sentença recorrida.
[2]Como resulta da referência Citius 427004281 (NOTA DE TRÂNSITO EM JULGADO Certifico que a sentença proferida nos n/autos de Ação de Processo Comum, com o nº 11476/20.0T8LSB, transitou em julgado em 14-03-2023”).
[3]O artigo 81º em causa integra a alegação da reconvenção, a qual se estende dos artigos 73º a 96º.
[4]Recorde-se: “17º Por se afigurar necessário à hospedagem a A teve de substituir o piso do sótão colocando chão flutuante na sala, no valor de €2.000,00; cimentar e pintar o piso do quarto, no valor de €300,00; trocou a proteção (cabine) do chuveiro, substituiu todas as canalizações, no valor de €2.000,00. 18º No 3º andar, pintou todos os quartos; reparações a parte elétrica; adquiriu novo sanitário e lavatório o que importou em €3.000,00 e substituiu as canalizações que se traduziu no custo de €2.000,00. Na cozinha, fez uma pintura geral, reparou os armários, e efetuou arranjos diverso designadamente a reparação do teto tudo no valor de €1.500,00”.