Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1238/21.2T8CSC-B.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: ACÇÃO DE DIVÓRCIO
ADMISSIBILIDADE DE PEDIDO RECONVENCIONAL
DATA DA PRODUÇÃO DOS EFEITOS DO DIVÓRCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1- É de admitir a reconvenção em acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge porque, apesar de o efeito imediato do divórcio, pedido pelo autor, e pedido pela ré/reconvinte ser o mesmo, a dissolução do casamento, a verdade é que o momento da produção de efeitos patrimoniais do divórcio, na acção e na reconvenção, são diferentes: na acção, vem pedida a retroação dos efeitos à data da separação definitiva, alegadamente ocorrida em 13/03/2018; e, na reconvenção, nada é dito, inculcando a produção dos efeitos patrimoniais do divórcio à data de dedução da reconvenção, ou seja, 22/03/2022.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência nos termos do art.º 652º nº 3 do CPC, neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:                                        
                                   
I- RELATÓRIO.

1- JFM, instaurou acção especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra MFM, pedindo:
- A dissolução do casamento, por divórcio, devendo a sentença fazer retroagir os efeitos do divórcio à data de 13/03/2018, data em que se iniciou a separação de facto.
Alegou, em síntese, que casou com a ré a 02/09/1982; por não fazer já sentido a vida em comum, o autor saiu da casa de morada de família 13/03/2018; desde essa data que o autora e a ré deixaram de viver em comunhão de mesa, leito e habitação e não têm intenções de o voltar a fazer, o que constitui fundamento de divórcio sem consentimento do outro cônjuge nos termos dos artºs 1781º al. a) e 1782º do CC, a que acresce o fundamento do artº 1781º al. d) do CC: ruptura definitiva do casamento.

2- Realizada a tentativa de conciliação, que se frustrou, foi a ré citada e apresentou contestação e deduziu reconvenção, a 22/03/2022.
Na contestação refere que o autor foi residir para casas arrendadas em nome da Sociedade AT, Lda, de que autor e ré são únicos sócios gerentes, com quotas sociais iguais, o que indicia o autor não pretendia por termo à relação conjugal. Além disso, em 2018 e em 2019, o autor solicitou à ré para subscrever contratos de mútuo bancário com vista a pagarem seguros e impostos do casal, o que igualmente demonstra que não havia de proceder à extinção das relações entre os cônjuges. Entende que falta o elemento subjectivo “propósito de não restabelecer a vida em comum” e, subsidiariamente, para o caso de ser julgada procedente a acção com base na separação de facto há mais de um ano, não devem os seus efeitos retroagir a data anterior à propositura da acção.
Em reconvenção, pede:
- Seja o divórcio decretado com fundamento no artº 1781, al. d) do CC.
Alegou, em síntese, que veio a saber que o autor mantinha uma relação amorosa com outra mulher, sendo visto com ela em locais públicos com comportamentos reveladores dessa relação amorosa, o que constitui violação dos deveres de respeito, fidelidade e coabitação, o que provocou intensa dor e humilhação à ré.

3- O autor replicou.
Invoca que a autora, ao pretender que os efeitos do divórcio não retroajam à data da separação do casal, apenas pretende que o autor não possa exercer os seus direitos de crédito, por suprimentos, sobre a sociedade de qual ambos são sócios e, a fixação da data dos efeitos do divórcio tem relevância quanto à qualificação desses créditos como comuns ou como próprios. Reconhece que tem uma relação com outra mulher.

4- Com data de 17/07/2022, foi proferido despacho saneador, no qual foi feito o saneamento tabelar dos autos, sem pronúncia sobre a admissibilidade, ou não da reconvenção, fixado o valor da acção, indicado o objecto do litígio, os temas de prova e admitindo os meios de prova.

5- Em 25/08/2022, a ré/reconvinte apresentou requerimento, referindo a falta de pronúncia sobre a reconvenção, salientando que no objecto do litígio foi indicada questão relativa à ruptura definitiva do casamento independentemente da culpa dos cônjuges, fundamento alegado na reconvenção, o que parece indiciar a admissão implícita da reconvenção; porém, nos temas de prova não consta a indicação das questões alegadas na reconvenção consubstanciadora da ruptura definitiva do casamento, o que será indispensável para a apreciação da pretensão reconvencional; pelo que ao abrigo do artº 596º nº 2 do CPC reclama quanto à enunciação dos temas de prova da matéria alegada nos pontos 29º, 30º, 31º e 33 da contestação/reconvenção.

6- Por despacho de 24/09/2022, foi decidido:
 “Pelo exposto, não admito a reconvenção apresentada, e consequentemente a
réplica apresentada àquela.”
Na fundamentação desse despacho foi escrito:
Veio a R. reclamar pelo facto de no despacho saneador não nos termos pronunciado de forma expressa relativamente ao pedido reconvencional e de, consequentemente não termos incluído nos temas da prova, matéria da mesma.
Ora, impõe-se, a esse propósito, ter-se presente o seguinte:
Juntamente com a contestação, veio a R. deduzir pedido reconvencional contra o A., pedido esse que se traduz no decretamento do divórcio, não pelos motivos invocados pelo A., mas pelos que aí invoca e sustenta serem imputáveis ao A.
Ora, considerando os actuais fundamentos do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, previstos no art.º 1781.º do C. Civil, na versão introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10, a culpa de um ou outro dos cônjuges deixou de revestir qualquer relevância para que o divórcio seja decretado, o que, aliás, resulta claramente do teor literal da hipótese prevista na al. d) (onde se preveem como fundamento “quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges mostrem a ruptura definitiva do casamento”). A acrescer a tal, a referida Lei n.º 61/2008, de 31.10 eliminou a declaração do cônjuge culpado, anteriormente prevista no art.º 1787.º, do C. Civil.
A esse propósito pode ler-se, em douto Acórdão do STJ, de 09.02.2012 (in www.dgsi.pt, proc. N.º 819/09.7TMPRT.P1.S1), o seguinte:
I - A adesão ao conceito-modelo do “divórcio-constatação da ruptura conjugal” representa uma nova realidade destinada a ser o instrumento para a obtenção da felicidade de ambos os cônjuges, conduzindo à concepção do divórcio unilateral e potestativo, em que qualquer um dos cônjuges pode pôr termo ao casamento, com fundamento mínimo na existência de factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do matrimónio, por simples declaração singular, ainda que a responsabilidade pela falência do casamento lhe possa ser imputada, em exclusivo.
II - Na acção de “divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges”, em que não há lugar à declaração de cônjuge, único ou principal culpado, o tribunal não pode
determinar e graduar a eventual violação culposa dos deveres conjugais, com vista à aplicação de quaisquer sanções patrimoniais ou outras.”
Em face de tais alterações legislativas, e tendo em conta os fundamentos invocados, o divórcio pedido nos presentes autos será ou não decretado consoante, no essencial, se prove:
- Que em 13 de Março de 2018, as partes deixaram de fazer vida conjugal e passaram a viver separados;
- Caso tal não se prove, então passará a ser objecto de prova os factos comprovativos de ter-se verificado a referida ruptura definitiva do casamento, independentemente de qual dos cônjuges tenha para esses factos contribuído em maior ou menor medida, com ou sem culpa.
Trata-se de uma mera situação de facto a apurar e relativamente à qual se possa concluir que o vínculo matrimonial se encontra irreversivelmente comprometido.
Consequentemente, concluindo-se pela verificação de tal ruptura definitiva, sendo como tal o divórcio decretado, nenhuma consequência advém, para qualquer das partes, de tal ter assentado em factos praticados por (ou imputáveis a) um ou outro dos cônjuges.
Em face de tudo o exposto, um pedido – como o formulado pela R., em contestação – de que o divórcio seja decretado com base em certos factos e não noutros, revela-se destituído de qualquer efeito prático ou jurídico, carecendo, por isso, de utilidade, e mesmo de autonomia, relativamente ao pedido formulado na petição inicial.

7- Inconformada a ré/reconvinte veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª A reconvenção deduzida pela R. não carece de utilidade ou de autonomia relativamente ao pedido formulado na petição inicial.
2.ª Os factos alegados na reconvenção integram o fundamento previsto no art.º 1781º d) do Código Civil e não estão compreendidos na formulação dos temas da prova constante do despacho a que alude o art.º 596 º do Código de Processo Civil.
3.ª Além de ser diferente o fundamento legal invocado para o pedido reconvencional, são também distintos os factos alegados como causa de pedir desse pedido.
4.ª Ao rejeitar a reconvenção com fundamento na sua falta de utilidade e de autonomia, o douto despacho recorrido violou o disposto nos art.ºs 5º e 266º nº 2 d) do Código de Processo Civil.
5.ª Deve, por conseguinte, ser julgada procedente a apelação e revogado o despacho recorrido, sendo admitida a reconvenção, com o consequente aditamento dos factos nela invocados aos temas da prova.
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8- Não consta do processo electrónico que tenham sido apresentadas contra-alegações.

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9- Com data de 30/11/2023, foi proferida decisão singular, pelo ora relator, que decidiu:
II-DECISÃO.
Em face do exposto, decide-se julgar o recurso procedente e, em consequência, revoga-se a decisão que rejeitou a reconvenção, devendo ser substituída por outra que a admita, com as inerentes consequências.”
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10- O autor/reconvindo/apelado, notificado da decisão singular do relator, veio requerer, ao abrigo do artº 652º nº 3 do CPC, que sobre a matéria recaia acórdão.
Invoca, em síntese, que na petição inicial invoca dois fundamentos para o divórcio sem consentimento do outro cônjuge: (i)- Separação de facto que perdura há mais de um ano consecutivo (artº 1781º al. a); (ii) - A ruptura definitiva do casamento entre autor e ré (art.º 1781º al. d); pediu ainda que os efeitos do divórcio retroajam à data da separação de facto do casal.
Defende que não há efeito útil da reconvenção, nem em termos de efeitos patrimoniais porque, se não se provar a separação de facto há mais de um ano consecutivo, os efeitos patrimoniais do divórcio retroagem à data da instauração da acção e não à data da dedução da reconvenção.
Que a reconvenção formulada não terá efeito útil no processo, mas sim um efeito monetário útil exclusivo à ré/reconvinte.
Conclui pedindo a improcedência do recurso da ré/reconvinte/apelante.
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11- A ré/reconvinte/apelante, ouvida, veio defender a procedência do recurso e a manutenção da decisão singular do relator. Invoca que alegou factos diversos dos do autor que preenchem o conceito de ruptura definitiva do casamento e, por isso, a dedução da reconvenção tem o efeito útil de tender a conseguir, em benefício da ré, o mesmo efeito jurídico que o autor se propunha obter. E que o efeito útil da reconvenção é determinar a data da produção dos efeitos patrimoniais do divórcio diversa da que decorreria da procedência do pedido do autor.

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II- FUNDAMENTAÇÃO.

1-Objecto do Recurso.

O objecto deste acórdão em Conferência é o de saber:
- Se há fundamento para revogar a decisão que não admitiu a reconvenção.

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2- Factualidade Relevante.

Para apreciação da questão em causa no recurso, releva a factualidade mencionada no Relatório supra.

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3- Notas Prévias:

3.1- Primeira Nota:
Antes de entrarmos na análise do objecto do recurso propriamente dito, importa que seja feita a seguinte nota:
No ponto 5 do seu requerimento de reclamação para a Conferência, o autor/apelado/reclamante refere “…com o devido respeito, não só se trata de uma decisão incompreensivelmente tardia (recorde-se que o recurso é datado de 11.10.2022 e a decisão de que ora se reclama foi proferia mais de um ano depois) …
Pois bem, quer-nos parecer que o autor/reclamante está equivocado quanto à imputação, (ao ora relator?) de uma “decisão tardia…proferida mais de um ano depois do recurso…”.
Na verdade, o recurso ora em causa veio remetido a esta Relação a 28/11/2023; a Secção de Processos desta 6ª Secção Cível, autuou o recurso nesse mesmo dia e, conclui o processo ao ora relator no dia 30/11/2023. E, o ora relator, nesse mesmo dia, 30/11/2023, proferiu a decisão singular a julgar o recurso procedente. Nada podia ser mais célere!
Faz-se esta nota para que fiquem afastados, definitivamente, quaisquer equívocos sobre a referida decisão tardia

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3.2- Segunda Nota.
Vem sendo entendido pelo STJ que quando as alegações da reclamação para a Conferência correspondem à posição inicial e não contêm argumentos novos, é admissível reproduzir no acórdão da Conferência os argumentos da decisão singular, sem que se verifique qualquer nulidade por falta de fundamentação (Cf. acórdãos do STJ, de 05/12/2019 (Proc. 650/12); de 29/04/2021 (Proc. 46/11); de 14/10/2021 (Proc. 64843/19).
Assim, no caso em apreço, como o requerimento de reclamação para a Conferência não invoca argumentos novos e diferentes daqueles que já foram analisados na decisão sumária, o acórdão será proferido com os mesmos fundamentos da decisão sumária.


3.3- A Questão Enunciada: se há fundamento para revogar a decisão que não admitiu a reconvenção.

Segundo a ré/reconvinte/apelante, não é irrelevante que o divórcio seja decretado com base nos factos e enquadramento jurídico alegados pelo autor ou venha a ser decretado com base nos factos e enquadramento jurídico invocados pela reconvinte; e que a reconvenção deduzida não é destituída de efeito prático.

A 1ª instância entendeu não admitir a reconvenção que “Trata-se de uma mera situação de facto a apurar e relativamente à qual se possa concluir que o vínculo matrimonial se encontra irreversivelmente comprometido. Consequentemente, concluindo-se pela verificação de tal ruptura definitiva, sendo como tal o divórcio decretado, nenhuma consequência advém, para qualquer das partes, de tal ter assentado em factos praticados por (ou imputáveis a) um ou outro dos cônjuges.
Em face de tudo o exposto, um pedido – como o formulado pela R., em contestação – de que o divórcio seja decretado com base em certos factos e não noutros, revela-se destituído de qualquer efeito prático ou jurídico, carecendo, por isso, de utilidade, e mesmo de autonomia, relativamente ao pedido formulado na petição inicial.”

Será assim?
Vejamos.
O art.º 266º do CPC, com epígrafe “Admissibilidade da reconvenção”, estabelece, nos seus nºs 1, 2 e 3 (no que ao caso interessa) que:
1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.
2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
3 - Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.
4- (…);
5- (…);
6- (…).”
O nº 1 do preceito contém uma definição algo simplificada de reconvenção. Pode dizer-se que a reconvenção consiste num pedido do réu formulado contra o autor, mas distinto dos normais pedidos de defesa que são deduzidos pelo réu (absolvição da instância, absolvição do pedido). A reconvenção é uma contra-acção e o seu objecto poderia constituir objecto de uma acção autónoma e tem os mesmos elementos de qualquer objecto do processo: um pedido e uma causa de pedir. (Cf. Teixeira de Sousa, CPC online, Livro II, pág. 144, no blog do IPPC, consultado no dia 30/11/2023).
Por outro lado, a dedução da reconvenção produz os mesmos efeitos da propositura da acção (art.º 259º nº 1). Ou seja, a notificação da apresentação da contestação na qual haja sido deduzida reconvenção (artº 583º nº 1) equivale, para efeitos do disposto no art.º 259º nº 2 à citação do réu.
Temos assim que a reconvenção é um pedido no sentido restrito da palavra, dado que ele conjuga o elemento material com o elemento processual; é um pedido autónomo, no sentido de diferente do sentido normal da absolvição do pedido e, portanto, não necessariamente dependente da improcedência da acção; é um pedido autónomo formulado, normalmente, contra o autor o que implica que o réu (reconvinte) é o autor do pedido reconvencional e que o autor (reconvindo) é o réu deste pedido. (Cf. Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL, 2022, pág. 449).

No caso em apreço, a ré deduziu pedido reconvencional contra o autor, visando obter o decretamento do divórcio, não com os mesmos fundamentos alegados pelo autor, mas com outros fundamentos e, até, com efeitos (patrimoniais) diferentes: (i) o autor pretendia, rectius, pedia o decretamento do divórcio baseando-se na separação de facto por mais de um ano (artº 1781º nº 1 al. a)) e que os efeitos patrimoniais do divórcio retroagissem à data da separação em Março de 2018; (ii) a ré/reconvinte pede se decrete o divórcio com fundamento em ruptura da vida em comum, mas nada refere quanto aos efeitos patrimoniais, o que inculca a aplicação do artº 1789º nº 1, 2ª parte, ou seja, efeitos à data da apresentação da reconvenção.
Nos termos do artº 266º nº 2, al, d), supra citado, a reconvenção é admissível “Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.”
Trata-se de situações em que o elemento de conexão entre o pedido do autor e o pedido reconvencional visam a identidade de efeitos.
Nestes casos, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter. O efeito jurídico é o mesmo, mas não é a mesma a decisão do tribunal: se o pedido reconvencional for julgado procedente, o tribunal decreta o efeito jurídico a favor do réu reconvinte.

Na doutrina, podemos encontrar autores que admitem a possibilidade de dedução de reconvenção em acção de divórcio.
Assim, sem ser exaustivo, podemos ver Castro Mendes/Teixeira de Sousa (Manual…, cit., I, pág. 453) dão como exemplo de admissibilidade de reconvenção os casos de acção de divórcio; o réu pode pedir a sua absolvição (do pedido) de divórcio e, em reconvenção pedir ele o divórcio com fundamento diverso.
Guilherme de Oliveira (Manual de Direito da Família, 2ª edição, 2022, pág. 313) menciona, igualmente, a possibilidade de o réu, em acção de divórcio, poder deduzir pedido reconvencional de divórcio.
Geraldes/Pimenta/Sousa (CPC anotado, vol. II, 2020, pág. 375) referem expressamente “Na contestação, o réu, além da defesa por excepção ou por impugnação, pode pedir pedido reconvencional como corolário da alegação de factos que, na sua perspectiva, também integrem algum dos fundamentos do divórcio sem consentimento (artº 266º nº 2, al. d).”
António José Fialho (O divórcio por mútuo consentimento – o difícil percurso pelos tribunais, CEJ, E-book O Divórcio, Julho de 2014, pág. 65) refere:
Não obstante, existem duas situações em que vislumbramos a importância de um pedido reconvencional: a primeira, se o réu tiver interesse na fixação da data da separação de facto para efeitos patrimoniais e esse pedido não tenha sido formulado pelo autor (artigo
1789.º, n.º 2 do Código Civil) e a segunda, se o réu tiver interesse na obtenção de uma decisão que constitua caso julgado relativamente a uma futura ação de responsabilidade civil por facto ilícito contra o autor (artigos 1792.º, n.º 1 do Código Civil e 619.º, 621.º e 622.º, todos do Código de Processo Civil).” (http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/O_divorcio.pdf)

A jurisprudência tem sido igualmente favorável a esta possibilidade de admissão de pedido reconvencional em acção de divórcio.
Assim, sem ser exaustivo, por exemplo:
- TRL, de 14/01/2021 (Jorge Leal, Proc. 7101):
II. A procedência da ação de divórcio sem consentimento, assente na invocação da separação de facto dos cônjuges, não prejudica a apreciação da reconvenção, em que igualmente se peticiona o divórcio, mas com fundamento em outros factos, integradores da alínea d) do art.º 1781.º do CC.”
- TRL, de 23/02/2021 (Diogo Ravara, Proc. 1942):
I - Na ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em que a causa de pedir é a separação de facto por um ano consecutivo (art.º 1781º, nº 1 do Código Civil), pode a/o ré/u deduzir reconvenção, invocando o mesmo fundamento de divórcio, mas alegando que a separação teve início em data diversa da alegada pelo/a autor/a.
- TRG, de 08/10/2020 (Fernanda Proença, Proc. 1478):
“– Em princípio, em acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, não é admissível a dedução de reconvenção por parte do réu (pedindo que se decrete o divórcio), quando este manifesta igualmente a vontade de o obter.
II – Tal já será admissível se o réu tiver interesse na obtenção de uma decisão que constitua caso julgado relativamente a uma futura acção de responsabilidade civil por facto ilícito contra o autor, para o que terá de invocar factualidade que possa ser fundamento de uma acção de responsabilidade civil a intentar nos tribunais comuns.
III. Em acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, o réu pode na reconvenção, deduzir pedido de alimentos contra o autor, bem como a fixação de um regime quanto às matérias referidas no n.º 7 do artigo 931.º do CPC.”

Transpondo a posição da doutrina e da jurisprudência referidas para o caso dos autos, verifica-se que é de admitir a reconvenção porque, apesar de o efeito imediato do divórcio, pedido pelo autor, e pedido pela ré/reconvinte ser o mesmo, a dissolução do casamento, a verdade é que o momento da produção de efeitos do divórcio, na acção e na reconvenção, são diferentes: na acção, vem pedida a retroação dos efeitos à data da separação, alegadamente em 13/03/2018; na reconvenção, nada é dito, inculcando a produção dos efeitos do divórcio à data de dedução da reconvenção, ou seja, 22/03/2022.
Por aqui se afasta o argumento invocado pela 1ª instância para rejeitar a reconvenção: “Em face de tudo o exposto, um pedido – como o formulado pela R., em contestação – de que o divórcio seja decretado com base em certos factos e não noutros, revela-se destituído de qualquer efeito prático ou jurídico, carecendo, por isso, de utilidade, e mesmo de autonomia, relativamente ao pedido formulado na petição inicial.”
A esta luz, impõe-se que a decisão recorrida seja revogada, devendo tal decisão substituída por outra, que admita a reconvenção, com as necessárias consequências.

Em suma: o recurso procede.
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III- DECISÃO.

Em face do exposto, acordam em Conferência, neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão que rejeitou a reconvenção, determinando que seja substituída por outra que a admita, com as inerentes consequências.

Custas no recurso: pelo reclamante.

Lisboa, 08/02/2024
Adeodato Brotas
António Santos
Octávia Viegas