Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOSÉ MACHADO | ||
Descritores: | DISPOSITIVOS TELEFÓNICOS APREENDIDOS PESQUISA E APREENSÃO DE DADOS NELES ARMAZENADOS OU ACESSÍVEIS APREENSÃO DE CORREIO ELETRÓNICO E REGISTOS DE COMUNICAÇÕES DE NATUREZA SEMELHANTE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Não se pode reconduzir a apreensão de telemóveis e de equipamentos semelhantes à apreensão dos dados nele contidos, incluídos neles as mensagens de correio electrónico e registos de comunicações semelhantes pois a apreensão de objectos, nos termos do artigo 178.º e ss. do Código de Processo Penal, não tem apenas por fim a recolha de prova, mas também abarca a apreensão de objectos que possam vir a ser declarados perdidos a favor do Estado por constituírem instrumentos da prática do crime. II. Mesmo quando a apreensão de um telemóvel se justifica apenas pelas mensagens de correio electrónico que nele eventualmente se encontram, a apreensão do aparelho, que deve ser feita em conformidade com o artigo 178.º do Código de Processo Penal, distingue-se claramente da apreensão das mensagens que nele se contêm, regulada no artigo 17.º da Lei do Cibercrime, porque a primeira ocorre antes da verificação da existência das mensagens de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, enquanto a segunda pressupõe a comprovação dessa mesma existência. Não é pelo facto de a conservação dessas mensagens ser feita no próprio aparelho que poderá confundir-se as duas situações. III. A apreensão de telemóveis, podendo ser efectuada por um órgão de polícia criminal, como a GNR, está sujeita a validação por uma autoridade judiciária no prazo de 72 horas (artigo 178.º, n.º1, 3 e 6 do Código de Processo Penal), autoridade esta que não é apenas o juiz de instrução criminal, mas, também, o Ministério Público (artigo 1.º, alínea b) do Código de Processo Penal). IV. Essa apreensão dos aparelhos em si mesmos não se confunde com a pesquisa ou apreensão dos dados contidos nos mesmos ou acessíveis através deles. V. Uma vez validada a apreensão dos telemóveis pela autoridade judiciária, independentemente do destino que enquanto eventual instrumentos dos crimes lhes possa vir a ser dado, pode o Ministério Público proceder à pesquisa e eventual, apreensão de dados que neles se contenham, nos termos dos artigos 15.º e 16.º da Lei do Cibercrime e requerer ao Juiz de instrução nos termos do artigo 17.º da mesma lei, a apreensão de dados de correio eletrónico e de registos de comunicações de natureza semelhante, que venham a ser detectados no decurso de tais pesquisas e se mostrem relacionados com a prática dos crimes em investigação ou que possam servir a prova, com cumprimento do regime da apreensão de correspondência previsto no artigo 179.º Código de Processo Penal. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No âmbito do processo de inquérito, supra identificado, foi proferido o seguinte despacho pelo Sr. Juiz de instrução: «O Ministério Público promoveu a autorização para serem efectuadas pesquisas nos dados de comunicação de telemóveis apreendidos no âmbito de processos apensos mencionados no ponto C) da anterior promoção de fls. 6206 verso (na sequência da promoção que consta do ponto D) de fls. 6064 e verso). Analisados os autos constato que a apreensão dos referidos telemóveis foi, em todos os casos, efectuada por iniciativa da GNR, na sequência de acções de fiscalização, em que foram verificados factos, por flagrante delito, a prática de crimes fiscais, nomeadamente de contrabando ou introdução fraudulenta no consumo. Tal apreensão não dependeu de qualquer autorização prévia, nem consentimento, nem foi objecto de validação; tendo já decorrido alguns meses sobre a sua verificação. No entanto, é claro que a apreensão de telemóveis não visa tais objectos, em si, constituindo antes uma forma de apreensão de dados, conforme resulta do disposto no art.º 16.º, n.º 7, a), da Lei n.º109/2009 de 15 de Setembro. Neste tipo de aparelhos é manifesto que se visou a apreensão de dados de vários tipos de comunicação. Por isso, em regra, a sua apreensão dependeria de autorização judicial prévia (art.ºs 17.º da Lei n.º 109/2009 e 179.º do Código de Processo Penal, na interpretação do Tribunal Constitucional exposta no seu Acórdão 687/2021). A Lei não prevê especificamente qualquer possibilidade de apreensão cautelar de dados de comunicação, na medida em que apenas remete para o regime previsto no art.º 179.º do Código de Processo Penal. A situação a que se refere o art.º 16.º, n.º 4, da Lei n.º 109/2009 é distinta; mas sempre imporia a validação no curto prazo ali estabelecido. Por outro lado, a possível analogia com o disposto no art.º 252.º do Código de Processo Penal, também impunha um tipo de intervenção judicial semelhante. Em conclusão, não resulta de qualquer dispositivo legal que os OPC possam, por sua iniciativa, apreender dados de comunicação (telemóveis), mesmo em casos de urgência sem que se lhes siga imediatamente qualquer tipo de intervenção judicial; nomeadamente em casos de flagrante delito pela prática de crimes f iscais. Por isso, a apreensão dos telemóveis (dos respectivos dados) a que se refere a promoção do Ministério Público não foi efectuada nos termos da Lei, sendo nulas, nos termos previstos no art.º 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Assim, indefiro o promovido.» 2. O Ministério Público interpôs recurso desse despacho nos termos constantes da motivação junta aos autos da qual extrai as seguintes conclusões: (transcrição): 1. Por despacho de 15 de Junho de 2023, o Mmº JIC, na sequência de promoção do Ministério Público para que autorizasse a pesquisa de dados informáticos constantes de seis telemóveis apreendidos nos autos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 15.º e 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, e artigos 179.º, n.º 3, 187.º, 188.º, 189.º e 268.º, n.º1, alíneas d) e e), todos do Código de Processo Penal, indeferiu tal pesquisa por considerar nula a apreensão dos telemóveis, 2. Já que não foi precedida ou imediatamente seguida de autorização judicial. 3. Reduziu tais aparelhos a contentores de dados de vários tipos de comunicação. 4. Os telemóveis cuja pesquisa de dados de comunicação se requereu foram apreendidos na decorrência de acções de fiscalização realizadas pela GNR, nos processos apensados com os nºs. 28/22.OFDCBR (Apenso 13), 21/22.2FDCBR (Apenso 14) e 8/22.5FDCBR (Apenso 18). 5. De tal fiscalização resultou a verificação da ocorrência, em flagrante delito, dos crimes de introdução fraudulenta no consumo qualificado, p. e p. nos art.ºs 96º, nº. 1, alíneas a) e b) e 97º, alínea c) do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 05/06, de fraude fiscal, p. e p. no art. 103º, nº 1, al. b), do mesmo diploma legal e de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, este p. e p. pelo artigo 320º., do Código da Propriedade Industrial. 6. Apesar de terem resultado de acções de fiscalização in loco e de situações em que ocorreu flagrante delito, tais acções ocorreram integradas na investigação do processo principal - NUIPC 54/22.9TELSB, na qual os arguidos FG e JC (arguidos aos quais foram apreendidos alguns dos telemóveis agora em causa) estavam sujeitos a intercepções telefónicas e a acções de vigilância. 7. Na investigação mais abrangente, indicia-se a prática de factos susceptíveis de integrar os crimes de introdução fraudulenta no consumo qualificado, p. e p. nos arts. 96º, nº. 1, alíneas a) e b) e 97º, alíneas b) e c) do Regime Geral das Infracções Tributarias (RGIT), aprovado pela Lei nº. 15/2001 de 05/06, de fraude fiscal qualificada, p. e p. no art. 103º, nº 1, al. b) e 104º, nº3, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº. 15/2001 de 05 06, de associação criminosa, p. e p. no art.º 89º., nº. 3 do mesmo diploma legal, e de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, este p. e p. pelo artigo 320º., do Código da Propriedade Industrial. 8. Trata-se de inquérito em que foram aplicadas e se encontram em execução medidas privativas da liberdade (OPHVE), relativamente a dois arguidos, e declarado de excepcional complexidade. 9. Em momento algum dos autos se procedeu a qualquer pesquisa de dados informáticos contidos nos referidos aparelhos ou, sequer, à realização de uma “cópia cega” do seu conteúdo. 10. O que foi apreendido foi o objecto, o aparelho em si. 11. Com o devido respeito, que é muito, a posição defendida pelo Mm. Juiz de Instrução levaria à impossibilidade generalizada de apreensões de determinados objectos suspeitos, como os telemóveis, levadas a cabo pelos OPC e pelo Ministério Público em muitas diligências de investigação, (onde muitas vezes nem é previsível o que se possa encontrar) porquanto, no seu entender só poderia ser feita com prévia autorização judicial, o que inviabilizaria tais apreensões e consequentemente a conservação de dados. 12. De todo o modo, reduzir a apreensão de telemóveis, unicamente, a apreensão de dados de comunicação ou mesmo, como parece resultar da decisão recorrida, a correio electrónico, é extremamente redutor. 13. O telemóvel pode ser em si, como o é no caso que agora nos ocupa, um instrumento do crime, já que, os arguidos/suspeitos estabeleceram diversas ligações entre si, com vista à introdução fraudulenta no consumo de produtos de tabaco, assim como com os compradores/consumidores de tais produtos. 14. Os arguidos FG e JC estavam inclusivamente, aquando das acções de fiscalização realizadas, sujeitos a intercepções telefónicas e a acções de vigilância, tendo as referidas fiscalizações ocorrido na abrangência da investigação mais alargada, desenvolvida nos autos principais, e onde vieram a ser posteriormente apensadas. 15. Como tal, ao abrigo de preceituado nos artigos 178º., nº. 1, do Código de Processo Penal, 20º., nº. 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº. 15/2001, de 5 de Junho, e 12º. B, da Lei %/2002, de 11 de Janeiro, e independentemente do seu conteúdo, sempre haveria lugar a tal apreensão, o que foi cumprido. 16. No caso, não ocorreu qualquer pesquisa informática e, por maioria de razão, a apreensão de dados informáticos, concretos e específicos. 17. Tal pesquisa, tendo em consideração precisamente a natureza dos dados previsivelmente contidos em tais aparelhos de telemóvel, havia sido requerida ao Mm. Juiz de Instrução Criminal, que a indeferiu com os fundamentos agora contestados. 18. As apreensões dos telemóveis, realizadas pela GNR em decorrência de acções de fiscalização e levantamento de autos de notícia pela prática, em flagrante delito, de crimes de tributários, foram posteriormente validadas pelo Ministério Público, ao abrigo do preceituado no artigo 178º., nº. 6, do Código de Processo Penal, no prazo legalmente estabelecido para o efeito. 19. É ao Ministério Público, enquanto titular da acção penal, com a direcção do inquérito, que incumbe validar tais apreensões, conforme resulta do disposto nos artigos 1º., alínea b), 178º., 263º., e 267º., todos do Código de Processo Penal. 20. De todo o modo, ainda que assim não tivesse ocorrido, uma não validação expressa ou tempestiva, não consubstanciaria qualquer nulidade, quanto mais insanável, conforme cominado oficiosamente pelo Mm. Juiz de Instrução. 21. A sua não validação constituiria sim, uma irregularidade, sanável a todo o tempo. 22. Situação bem diferente e é essa que a lei acautela, é o acesso a dados pessoais de tais aparelhos, que necessariamente devem ser autorizados e seleccionados pelo juiz. 23. Como se verifica dos autos, esse procedimento foi adoptado pelo Ministério Público que, após a apreensão dos aparelhos e sem que tivesse havido qualquer acesso ao seu conteúdo, requereu ao Mm. Juiz de Instrução que, em obediência ao preceituado nos artigos 15º., 16º. e 17º. da Lei n.º 109/2009, de 15/09, e 179º., este do Código de Processo Penal, autorizasse a pesquisa de dados informáticos contidos em tais aparelhos e que, caso fossem encontrados ficheiros com correio electrónico e comunicações de natureza semelhante, fossem os mesmos presentes, em primeiro lugar, ao Mm. Juiz, para conhecimento e ponderação da sua efectiva e definitiva apreensão e junção aos autos. 24. Em suma, foi precisamente esta intervenção prévia que se procurou assegurar com a promoção dirigida ao Mm. Juiz de que autorizasse a pesquisa informática nos telemóveis em causa. 25. Ao tê-la indeferido, nos termos em que o fez, declarando nula a apreensão dos telemóveis, reduzindo-os a meros contentores de dados de comunicações, ainda que se desconheça o seu concreto conteúdo, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 178º., n.ºs 1, 3, 4 e 6, 179º. do Código de Processo Penal, e 15º., 16.º e 17º. estes da Lei do Cibercrime. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão recorrida em conformidade com o alegado, determinando-se a realização da pesquisa de dados promovida. 3. Tal recurso foi admitido com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, não tendo sido dado cumprimento ao n.º 6 do artigo 411.º do Código de Processo Penal pelo facto de o processo se encontrar em segredo de justiça. 4. Neste Tribunal da Relação o Ministério Público, no âmbito do artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. 5. Efectuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, foram os autos à conferência por o recurso aí dever ser julgado, nos termos do art.º 419º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, cumprindo agora decidir. II - Fundamentação 1. Objecto do recurso É pacífico o entendimento de que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou das nulidades que não devam considerar-se sanadas, o âmbito dos recursos é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, as quais são obrigatórias, nos termos do n.º 1 do art.º 412.º, do CPP. Atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, que condensam as razões da sua divergência face ao despacho recorrido, importa apreciar da legalidade do despacho recorrido e se deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que autorize a pesquisa de dados nos telemóveis apreendidos e a sua apreensão, ao abrigo do disposto nos artigos 15º e 17º, da Lei n.º 109/2009, de 15/09, e 179º do Código de Processo Penal, tal como foi requerido pelo Ministério Público. 2. Apreciação O despacho recorrido incidiu sobre um requerimento do Ministério Público mediante o qual este requereu: (transcrição) «Em resultado das acções de fiscalização em território nacional, foram à ordem dos diversos NUIPC'S, apensos ao presente inquérito, apreendidos vários equipamentos informáticos que no quadro infra se indicam:
Importa analisar o conteúdo de tais aparelhos, já que poderão conter prova relevante para os factos em investigação, nomeadamente correspondência electrónica e registo de comunicações de natureza semelhante. Assim sendo, nos termos do disposto nos artigos 15.º e 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, e artigos 179.º, n.º 3, 187.º, 188.º, 189.º e 268.º, n.º 1, alíneas d) e e), todos do Código de Processo Penal, promove-se que seja autorizada a: a) pesquisa de dados informáticos em tais sistemas ou noutros legitimamente acessíveis a a partir desses sistemas iniciais, nos temos do disposto no artigo 15.º , n.ºs 1, 2 e 5, da Lei n.º 109/2009, de 15/09; b) apreensão dos ficheiros com correspondência electrónica e comunicações de natureza semelhante, que venham a ser eventualmente detectados no decurso de tais pesquisas e que se mostrem relacionadas com a prática dos crimes em investigação ou que possam servir a prova dos mesmos, cujo conhecimento e acesso deverá ser reservado ao Mm.º. Juiz de Instrução, em primeira mão, para escrutínio e ponderação da manutenção da respectiva apreensão e junção aos autos, ao abrigo do disposto nos artigos 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15/09, e 179.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 3, do Código de Processo Penal, em salvaguardada dos direitos fundarnentais consagrados, entre os quais o direito a privacidade e inviolabilidade das telecomunicações, conforme estipulado nos artigos 9.º, alínea b), 34.º e 35.º, todos da Constituição da República Portuguesa.» A apreensão dos referidos dispositivos foi feita em momentos anteriores, aquando de operações de fiscalização realizadas pela GNR, em processos apensados aos autos principais, das quais resultou a verificação de uma situação de flagrante delito dos crimes de introdução fraudulenta no consumo qualificado p. e p. pelos artigos 96.º, nº1, alíneas a) e b) e 97.º, al. c) do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma e de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca p. e p. pelo artigo 320.º do Código de Propriedade Industrial. O que foi solicitado ao Sr. juiz de instrução não foi a validação da apreensão dos referidos dispositivos, mas, tão só, a autorização para efectuar a pesquisa de dados informáticos nesses mesmos dispositivos e em sistemas acessíveis a partir dos mesmos, bem como a apreensão de ficheiros detectados no âmbito dessas pesquisas. O Sr. juiz, antes de se pronunciar sobre o pedido que lhe tinha sido apresentado, apreciou a validade da própria apreensão dos mencionados telemóveis, considerando-a nula. Fundou a sua decisão no entendimento de que «a apreensão de telemóveis não visa tais objectos, em si, constituindo antes uma forma de apreensão de dados, conforme resulta do disposto no artigo 16.º, n.º 7, a), da Lei n.º 109/2009 de 15 de Setembro». Embora se reconheça que, em muitos casos, a apreensão de telemóveis e de equipamentos semelhantes tenha fundamentalmente em vista propiciar o ulterior acesso aos dados informáticos que neles se possam eventualmente conter, incluindo as mensagens de correio electrónico e os registos de comunicações de natureza semelhante, não se pode reconduzir a apreensão do suporte em que está instalado o sistema informático à apreensão dos dados nele contidos, incluídos neles as mensagens de correio electrónico e registos de comunicações semelhantes. Basta lembrar que a apreensão de objectos, nos termos do artigo 178.º e ss. do Código de Processo Penal, não tem apenas por fim a recolha de prova, mas também abarca a apreensão de objectos que possam vir a ser declarados perdidos a favor do Estado por constituírem instrumentos da prática do crime. Mesmo quando a apreensão de um telemóvel se justifica apenas pelas mensagens de correio electrónico que nele eventualmente se encontram, a apreensão do aparelho, que deve ser feita em conformidade com o artigo 178.º do Código de Processo Penal, distingue-se claramente da apreensão das mensagens que nele se contêm, regulada no artigo 17.º da Lei do Cibercrime, porque a primeira ocorre antes da verificação da existência das mensagens de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, enquanto a segunda pressupõe a comprovação dessa mesma existência. Não é pelo facto de a conservação dessas mensagens ser feita no próprio aparelho que poderá confundir-se as duas situações, como faz o Sr. Juiz de instrução. Com isto não se ignora que, materialmente, a apreensão de dados possa revestir a forma de apreensão do suporte em que os dados se contém. Mas esta é apenas uma das formas admissíveis para esse efeito. A apreensão dos telemóveis, podendo ser efectuada por um órgão de polícia criminal, como a GNR, estava apenas sujeita a validação por uma autoridade judiciária no prazo de 72 horas (artigo 178.º, n.º1, 3 e 6 do Código de Processo Penal), autoridade esta que não é apenas o juiz de instrução criminal, mas, também, o Ministério Público (artigo 1.º, alínea b) do Código de Processo Penal). No caso essa validação foi feita, pelo Ministério Público, como resulta de fls. 1 do apenso 18, 8 do apenso 14 e 2 do apenso 13, que instruem o recurso. Essa apreensão dos aparelhos em si mesmos não se confunde com a pesquisa ou apreensão dos dados contidos nos mesmos ou acessíveis através deles. Apreendidos os telemóveis, e independentemente do destino que, enquanto eventual instrumentos dos crimes, lhes possa vir a ser dado, o Ministério Público, ao abrigo da Lei do Cibercrime, requereu ao Sr. juiz de instrução autorização para pesquisa (artigo 15.º) e, eventual, apreensão de dados (artigo 16.º), de correio electrónico e de registos de comunicações de natureza semelhante (artigo 17.º) que neles se contivessem. Se é certo que apenas as apreensões a que se refere esta última disposição legal estão sujeitas a autorização do juiz, podendo as restantes ser autorizadas pelo próprio Ministério Público, compreende-se e aceita-se perfeitamente que o pedido de autorização seja conjunto dado que os vários actos se encadeiam e ser interconectam. Por isso, este tribunal não pode deixar de revogar a decisão recorrida e de, substituindo-se ao tribunal recorrido, deferir com base nas disposições legais supra indicadas o requerido pelo Ministério Público e, consequentemente, autorizar a pesquisa de dados informáticos nos telemóveis apreendidos e identificados no requerimento de fls. 6064 (do processo principal) ou noutros sistemas a que se possa aceder a partir dos mesmos, bem como a apreensão dos ficheiros com correspondência electrónica e comunicações de natureza semelhante que venham a ser detectados no decurso de tais pesquisas e que se mostrem relacionados com a prática dos crimes em investigação ou que possam servir a prova, com cumprimento do regime da apreensão de correspondência previsto no artigo 179.º Código de Processo Penal. III - Decisão: Face ao exposto, acordam, os juízes, na 5ª Secção deste Tribunal da Relação em, na procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, revogar o despacho recorrido e em autorizar a pesquisa de dados informáticos nos telemóveis apreendidos supra identificados e noutros sistemas acessíveis a partir dos mesmos, bem como a apreensão dos ficheiros de correspondência electrónica e comunicações de natureza semelhante que se mostrem relacionados com a prática dos crimes em investigação ou possam servir para prova dos mesmos, com respeito pelo regime previsto no artigo 179.º do Código de Processo Penal. Sem custas. Lisboa, 13 de Julho de 2023 (Texto integralmente processado e revisto pela relatora – art.º 94.º, n.º 2, do C.P.P.) Maria José Costa Machado Carla Francisco Jorge Antunes |