Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4065/23.9T8LSB.L1-8
Relator: FÁTIMA VIEGAS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PROPRIETÁRIO ÚNICO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário:
I- A propriedade horizontal está vocacionada, como resulta do art.1414.º do C.C., para que as frações pertençam a proprietários diversos e o estatuto da propriedade horizontal está traçado em função da existência de vários titulares do direito de propriedade sobre as frações e de compropriedade sobre as partes comuns do edifício.
II- A titularidade numa única pessoa de todas as frações do edifício – embora já individualizadas no título constitutivo – não fornece o conteúdo típico do conjunto incindível dos direitos do condómino, previsto no art.1420.º do C.C.
III-Constituída formalmente a propriedade horizontal do edifício, pode aceitar-se que formalizado está o condomínio enquanto correspetivo daquela, mas quer aquela quer este só se assumem no regime legal traçado, no momento em que se ultrapasse a situação de propriedade singular concentrada num único titular para uma pluralidade de proprietários.
IV- Por isso, o documento em que a única proprietária de todas as frações do prédio, faz constar «No dia 17 do mês de março de 2021, reuniu na Rua…, n°.., 1-Drt°, Lisboa, pelas 16 horas, a assembleia de condóminos do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito (…), encontrando-se presente o Sr. P…, representante da sociedade E…, Lda. proprietária, para se deliberar sobre os seguintes assuntos: (…)”, não corresponde ao registo de uma assembleia de condomínio nem contém qualquer decisão que deva considerar-se deliberação da assembleia de condóminos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I-Relatório
1- Condomínio do Prédio Sito na Rua…, n.º…, Lisboa, instaurou ação declarativa, contra Eagle Sky Consulting Unipessoal, Lda., e Caixa Geral de Depósitos, formulando o seguinte pedido:
a) Serem declaradas ilícitas as obras para construção de marquise no terraço de cobertura afeto à fração autónoma designada pela “I”, do prédio sito na Rua …n.ºs …e Rua …n.ºs…., nos termos conjugados do disposto nos artigos 1421º, 1422º e 1425º, todos do Código Civil.
b) Consequentemente, serem as RR. condenadas a proceder à demolição de tais obras e à retirada de toda a estrutura em metal e vidro ali colocada, repondo assim a estrutura inicial do prédio, nos termos do disposto no artigo 829.º, nº 1 do Código Civil.
c) Serem as RR. condenadas em sanção pecuniária compulsória, prevista no artigo 829º-A do Código Civil, no pagamento do valor diário de € 300,00 (Trezentos Euros) por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de proceder à demolição da obra ilicitamente construída e reposição da estrutura inicial do prédio.
Alegou, sumariamente, que a 2ª ré é proprietária da fração designada pela letra I, e que, por contrato de locação financeira, cedeu à 1.ª ré o gozo e fruição do imóvel; a referida fração autónoma tem acesso exclusivo ao terraço de cobertura do prédio, que é parte comum; o promotor/construtor e, até então, único proprietário do edifício elaborou uma ata de condomínio, autorizando o futuro proprietário da fração I a solicitar autorização junto da Câmara Municipal de Lisboa, para alteração/legalização do terraço de cobertura da fração, sem que tenha comunicado tal decisão aos promitentes compradores das demais frações; as RR. edificaram uma estrutura metálica e de vidro em toda a extensão do terraço, fechando-o e alterando a configuração arquitetónica do edifício sem autorização da assembleia de condóminos e em violação do disposto na escritura de constituição da propriedade horizontal.
2- As rés contestaram.
3- Por requerimento de 5.5.2023 (da mesma data da respetiva contestação) a Ré Eagle Sky Lda., requereu nos seguintes termos: “Nestes termos, requerer a V. Exa. se digne admitir a correção da omissão puramente formal da contestação oferecida nos presentes autos, o que faz nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 146.º do Código de Processo Civil, considerando o requerimento do incidente de intervenção principal provocada da sociedade comercial por quotas E…, Lda, titular do número único de matrícula e de pessoa coletiva…, com sede na Rua…, n.º 45 – 1.º Dt.º, 1070… Lisboa, por se encontrar demonstrado interesse atendível em chamá-la a intervir enquanto litisconsorte voluntário e sujeito passivo da relação material controvertida”
4- Por despacho de 8.10.2024 tal requerimento foi apreciado e decidido que: “Face ao supra exposto, indefiro a intervenção principal provocada de E…, LDA.
5-Após julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Face ao supra exposto JULGO A PRESENTE AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE e, em consequência:
a) DECLARO A ILICITUDE DA OBRA de construção da marquise erigida no terraço de cobertura afeto ao uso exclusivo da fração autónoma designada pela letra «I», correspondente ao quinto andar do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua…, n.º e… e Rua…, n.º…, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, Freguesia de…, descrito na Conservatória de Registo Predial de Lisboa, sob a ficha n.º…., da Freguesia de … (cfr. artigos 1422.º, n.º1 e 1425.º,n.º1, do C.C.);
b) CONDENO as RR. a procederem à demolição da marquise mencionada no ponto antecedente;
c) ABSOLVO os Réus do pedido de pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante de €300,00 (trezentos euros) diários, por cada dia de atraso na demolição da obra (cfr. 829.º-A, n.º 1 do Código Civil); d) CONDENO ambas as partes no pagamento das custas no processo, na proporção de 90% para as RR. e de 10% para o A. (cfr. artigo 527.º do C.P.C.);”
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6-É desta sentença que vem interposto o presente recurso, pela ré Eagle Sky Consulting Unipessoal, Lda., que termina com as seguintes conclusões:
A. A sentença recorrida enferma de nulidade porquanto o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a intervenção principal provocada – requerida pela A. ora recorrente – da sociedade comercial por quotas E…, Lda, titular do número único de matrícula e de pessoa coletiva… , com sede na Rua…., n.º … – 1.º Dt.º, …Lisboa, por se encontrar demonstrado interesse atendível em chamá-la a intervir enquanto litisconsorte voluntário e sujeito passivo da relação material controvertida.
B. A sentença recorrida padece de nulidade porquanto omite a fundamentação de Direito ao julgar suspensa a eficácia da deliberação da assembleia de condóminos do A. a que se refere o ponto 9. dos factos provados, por esta ter ocorrido antes da venda das frações autónomas do prédio constituído em propriedade horizontal.
C. A sentença recorrida enferma de erro na determinação da factualidade relevante para a apreciação da causa porquanto não inclui entre os factos dados como provados a autorização prestada pelo proprietário único do prédio para a construção da marquise no terraço de cobertura.
D. A sentença recorrida errou na interpretação do artigo 1414.º do Código Civil que consiste em considerar a pluralidade de proprietários das frações autónomas como pressuposto da aplicação do regime da propriedade horizontal, nomeadamente das normas que respeitam à orgânica e funcionamento do condomínio, devendo considerar-se, ao invés, como possível a constituição da propriedade horizontal com apenas um proprietário das frações autónomas.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado e em consequência ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por decisão que absolva a R. recorrente do pedido, como é de Direito e de JUSTIÇA.
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7- A ré Caixa Geral de Depósitos aderiu ao recurso nos termos do art.634º do CPC.
8- Contra-alegou o autor, apresentando as seguintes conclusões:
A. Inconformadas com a sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, alegam as Recorrentes, no presente recurso, em síntese, a nulidade da sentença recorrida por violação do dever de pronuncia e ausência de fundamentação jurídica, nos termos das alíneas b) e d) do artigo 615.º do CPC, e ainda que errou o Tribunal a quo quanto à determinação da factualidade relevante e aplicação do preceito normativo a aplicar ao caso sub judice.
B. Com o devido respeito, não assiste razão às Recorrentes em nenhum dos fundamentos por si invocados, revelando-se os mesmos desprovidos de qualquer argumentação plausível, jurídica e factual.
C. Nestes termos, deve a Douta Sentença manter-se integralmente inalterada.
D. Não padece a sentença recorrida de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, na medida em que o Tribunal a quo apreciou, de forma expressa e fundamentada, o incidente de intervenção principal provocada, por despacho constante dos presentes autos, datado de 15/10/2024, com a Ref. Citius: 439303668.
E. Não tendo as ora Recorrentes, nos termos da alínea a), n.º 1 do artigo 644.º e n.º 1 do artigo 638.º, ambos do CPC, apresentado recurso do despacho supra identificado, encontra-se preculido o seu direito de ver reapreciada tal matéria na presente sede.
F. A Douta Sentença recorrida não padece de nulidade por falta de fundamentação jurídica, porquanto o Tribunal a quo construiu e expôs um raciocínio jurídico devidamente estruturado, à luz dos devidos preceitos normativos, bem como jurisprudência e doutrina relevante para o caso em apreço, com vista a demonstrar que a autorização descrita na referida “ata n.º 2” (doc. n.º 8 junto com a Petição Inicial) remonta a momento prévio à constituição do Condomínio e da Assembleia de Condóminos, tratando-se de uma declaração unilateral do proprietário/promotor e vendedor do edifício.
G. Sendo manifesto que a referida autorização não foi emitida pela Assembleia de Condóminos do A., ora Recorrido, não tendo o proprietário/ vendedor legitimidade para se substituir a tal órgão na concessão da autorização prevista no artigo 1425.º, n.º 1, do C.C.
H. Não tendo as Recorrentes impugnado a decisão relativa à matéria de facto, cumprindo o ónus que a seu cargo recaía nos termos e para os efeitos do artigo 640.º do CPC, improcede desde logo qualquer vício apontado quanto ao imputado erro na determinação da factualidade relevante.
I. Acresce que concluiu, corretamente, a sentença recorrida pela inexistência de uma autorização válida e eficaz para a construção da referida marquise no terraço da fração “I”.
J. Ademais, cabe clarificar que a alegada autorização limita-se à mera possibilidade de solicitar junto da Câmara Municipal a alteração/ legalização do terraço de cobertura da fração “I”, sem constituir uma aprovação efetiva para a construção da marquise, estrutura que não consta do projeto inicial do edifício, não foi submetida a aprovação do condomínio de forma válida e eficaz, nem a licenciamento municipal, existindo, inclusive, proposta de indeferimento da respetiva licença, conforme prova testemunhal e factual.
K. Conforme oportunamente alegado, não merece provimento a alegação de erro na interpretação do artigo 1414.º do Código Civil, por se entender que a pluralidade de proprietários das frações autónomas constitui pressuposto necessário à aplicação plena e eficaz do regime da propriedade horizontal, nomeadamente das normas que regem a orgânica e funcionamento do condomínio.
L. De notar que este entendimento sufragado pelo Douto Tribunal a quo encontra amplo respaldo na doutrina e jurisprudência dominantes, cujos Acórdãos supra se descriminaram, e para os quais ora se remete.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
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Objeto do recurso/questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos arts.635.º n.º4 e 639.º n.º1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.608.º, n.º 2, in fine, em conjugação com o art. 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC), prefiguram-se no presente caso as seguintes questões a decidir:
-nulidade da sentença por omissão de pronúncia e falta de fundamentação;
- “erro na determinação da factualidade relevante para a apreciação da causa.”
- “erro na interpretação do artigo 1414.º do Código Civil”.
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II- Fundamentação
2.1- Fundamentação de facto:
2.1.1- Na sentença objeto de recurso constam como provados os seguintes factos:
1. O prédio urbano sito em Rua…., n.º …, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha n.º…./20081212, como tendo uma área total de 643,3 m2 e uma área coberta de 351,2 m2
2. Por escrito datado de 17.09.2018, a sociedade E…, Lda. declarou prometer vender a fração autónoma do prédio urbano descrito em 1. que vier a corresponder ao quarto e quinto andar a S… e a SC… ou a sociedade comercial unipessoal constituída pela última.
3. Por escrito datado de 26.11.2019, a sociedade E…, Lda. declarou prometer vender a fração autónoma do prédio urbano descrito em 1. que vier a corresponder ao terceiro andar direito a V….
4. Por escrito datado de 27.11.2019, no Cartório Notarial de PA.., P…, na qualidade de único gerente da sociedade comercial por quotas que usa a firma E…, Lda. declarou que:
« A sua representada é dona e legitima proprietária do prédio urbano, sito na Rua …, números … e … da Rua…, números…., freguesia de…., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número…., da identificada freguesia, onde se mostra registada a aquisição da sua representada pela AP… de 06/10/2017, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …sob o artigo…., anteriormente sob os artigos … e …, da extinta freguesia de…, que atribui o valor de três milhões de euros. (…) Que constitui sobre o identificado prédio o regime de propriedade horizontal, composto por dez frações autónoma, identificadas pelas letras A a J, descritas no documento complementar elaborado nos termos do número um, do artigo sessenta e quatro, do Código do Notariado, que faz parte integrante desta escritura, cujo conteúdo leu pelo que dispensa a sua leitura. (…) Que são partes comuns, as mencionadas no número 1, do artigo 1421.º, do Código Civil (…)»
5. Por escrito anexo ao mencionado em 1., P…, na qualidade de único gerente da sociedade comercial por quotas que usa a firma E…, Lda. declarou que a fração I correspondia ao «quarto andar esquerdo duplex, destinado a habitação, com parqueamento com os números 1,2 e 3, situados na cave do piso menos um, a que atribui uma permilagem de 190,00, a que corresponde, o valor de €570.000,00, do valor total do prédio. «(…)
6. Pela a Ap. n.º…. de 2019/12/04, foi registada a constituição da propriedade horizontal sobre o prédio descrito em 1.
7. Por escrito datado de 31.12.2019, a sociedade E…, Lda. declarou prometer vender a fração autónoma designada pela letra D do prédio urbano descrito em 1. a J… e M….
8. Por escrito datado de 05.02.2020, a sociedade E…, Lda. declarou prometer vender a fração autónoma designada pela letra B do prédio urbano descrito em 1. a H….
9. Por escrito denominado «Acta n.º2» P…, na qualidade de único gerente da sociedade comercial por quotas que usa a firma E…, Lda. declarou que:
«No dia 17 do mês de março de 2021, reuniu na Rua …, n°…, 1-Drt°, Lisboa, pelas 16 horas, a assembleia de condóminos do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua…, n° …, freguesia de …., concelho de Lisboa, encontrando-se presente o Sr. P…, representante da sociedade E…, Lda. proprietária, para se deliberar sobre os seguintes assuntos:
1. Aprovação das contas do ano 2020;
2. Nomeação de novo administrador do condomínio;
3. Apresentação do orçamento de 2021;
4. Outros assuntos do interesse do condomínio.
Esteve presente na reunião, o condómino Sr° P…, legitimo representante da sociedade E…, Lda., respeitantes as frações "A", "В", "C", "D", "E"; "T", "G", "H", "T", "*', estando assim presentes todas as frações que constam e assinam a lista de presenças, que será anexada à presente ata.
Exerceu as funções de presidente da mesa, o Sr. P…, que tendo verificado que todos os condicionalismos e imperativos legais estavam cumpridos informou que a assembleia poderia deliberar validamente, pelo que declarou a sessão aberta. Tendo perguntado se alguém pretendia usar da palavra, antes de se passar à discussão dos mesmos, nenhum o quis fazer, pelo que se passou de imediato aos respectivos pontos. (...)
Passando de imediato ao ponto quatro da ordem de trabalhos, foi deliberado por unanimidade, que o futuro proprietário da fração "I", poderá solicitar junto da Câmara Municipal de Lisboa a Alteração/Legalização do terraço de cobertura da sua fração, posteriormente à emissão da Licença de Utilização.»
10. A sociedade E…, Lda. não comunicou aos restantes promitentes compradores a existência do escrito mencionado no ponto anterior, nem a possibilidade de futura construção da referida estrutura.
11. Por escrito datado de 31.03.2021, a sociedade E…, Lda. declarou prometer vender a fração autónoma designada pela letra G do prédio urbano descrito em 1. a R… e AS….
12. Por escrito datado de 15.07.2021, a sociedade E…, Lda. declarou prometer vender a fração autónoma designada pela letra F do prédio urbano descrito em 1. a Z… e D….
13. Por escrito datado de 09.08.2021, a sociedade E…, Lda. declarou prometeu vender a fração autónoma designada pela letra J do prédio urbano descrito em 1. a PM….
14. Por escrito datado de 13.10.2021, a sociedade E…, Lda. declarou vender a fração autónoma designada pela letra G do prédio urbano descrito em 1. a R… e AS…., que aceitaram.
15. Por escrito datado de 21.10.2021, a sociedade E…, Lda. declarou prometer vender a fração autónoma designada pela letra E do prédio urbano descrito em 1. a L….
16. Por escrito datado de 27.10.2021, a sociedade E…, Lda. declarou vender a fração autónoma designada pela letra H do prédio urbano descrito em 1. a V…, que aceitou.
17. Por escrito datado de 13.12.2021, a sociedade E…., Lda. declarou vender a fração autónoma designada pela letra C do prédio urbano descrito em 1. a MN… e a F…, que aceitaram.
18. Por escrito datado de 07.01.2022, a sociedade E… Lda. declarou vender a fração autónoma designada pela letra B do prédio urbano descrito em 1. a H…, que aceitou.
19. Por escrito datado de 11.01.2022, a sociedade E…, Lda. declarou vender a fração autónoma designada pela letra D do prédio urbano descrito em 1. a J… e M…, que aceitaram.
20. Pela a Ap. n.º… de 2022/03/17 foi registada a aquisição do direito de propriedade relativo à fração autónoma designada pela letra I do prédio urbano descrito em 1., tendo por sujeito ativo a Caixa Geral de Depósitos, S.A. e por sujeito passivo a E…, Lda.
21. Pela a Ap. n.º … de 2022/09/17 foi registada o ónus de locação financeira tendo por objeto a fração autónoma designada pela letra I do prédio urbano descrito em 1., tendo por sujeito ativo a 1ª R. e por sujeito passivo a 2ªR.
22. No regulamento de condomínio, os terraços de cobertura, ainda que afetos ao uso exclusivo de uma fração, aparecem qualificados como parte comum do edifício.
23. Em data não concretamente apurada, mas seguramente posterior a 17.03.2021 e anterior a 18.10.2022, a 1ª R., através de terceiros contratados para o efeito, procedeu à construção de uma estrutura em aço, preto e cinzento, e em vidro, do tipo marquise, com três metros de altura, que coroa o edifício, ao longo do terraço que serve de cobertura ao prédio e que tem acesso exclusivo através da fração autónoma designada pela letra I.
24. Como consequência da construção de tal estrutura, o terraço, outrora a céu aberto, passou a estar fechado e a coroa do edifício ficou com maior índice de ocupação das suas áreas e mais escura em comparação com a restante fachada do edifício, que foi construída em alvenaria branco.
25. A 2ª R. sabe da existência da referida estrutura, não se opôs à sua construção e manutenção e autorizou a 1ºR. a diligenciar pelo licenciamento da marquise.
26. No dia 18.10.2022, os condóminos do prédio identificado em 1) reuniram-se, pela primeira vez, em assembleia geral ordinária, tendo deliberado: Nomear a sociedade por quotas «B…Lda.» para a administrar o condomínio; Remeter uma carta ao proprietário da fração correspondente ao quinto andar, solicitando esclarecimentos sobre se as obras em curso, foram autorizadas e ratificadas pelo condomínio e pela Câmara Municipal de Lisboa, alertando-o para a possibilidade de recurso à via judicial.
27. A construção da referida estrutura não consta do projeto inicial do edifício, nem foi, posteriormente, aprovada, nem licenciada pela Câmara Municipal de Lisboa.
28. A estrutura foi edificada pelo construtor do edifício e foi projetada pelo mesmo arquiteto que subscreveu o projeto de arquitetura da totalidade do prédio, a pedido da 1ª R.
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2.1.2- Na sentença objeto de recurso foram considerados não provados os seguintes factos:
a. A marquise descrita em 24. encontra-se edificada naquele local desde 16.09.2021;
b. Quando adquiriram as suas frações, os restantes condóminos já sabiam que não foram as RR. que realizaram a construção da estrutura no terraço do quinto piso;
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2.2-Fundamentação de direito:
2.2.1- Nulidade da sentença:
Invoca a recorrente na conclusão A) do recurso que a sentença é nula porque não se pronunciou sobre a intervenção principal provocada da sociedade comercial E.., Lda., requerida pela recorrente.
O art.615.º do CPC no seu n.º1 diz que é nula a sentença quando:
a) não contenha a assinatura do juiz;
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
No caso, o invocado pela recorrente convoca a al. d), já que defende que o juiz não se pronunciou sobre a requerida intervenção principal.
Importa esclarecer o que se entende por questões para efeitos da mencionada alínea d) do n.º1 do art.615.º do CPC.
É pacífico que a nulidade por omissão de pronúncia/excesso de pronúncia só se verifica quando o juiz não aprecie “questões”, ou aprecie “questões” que não podia apreciar (excesso de pronuncia), não correspondendo estas a todo e qualquer argumento das partes ou a toda ou qualquer razão apresentada em sustentação da pretensão deduzida ou invocada em sustentação de posição contrária. Como se escreve no sumário do AC. TRL de 6.6.2024 (José Manuel Monteiro Correia) A nulidade em apreço está conexionada com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, segundo o qual deve o juiz, na sentença, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Do que se trata aqui é, como decorre dos normativos legais supra transcritos, de uma ‘omissão de pronúncia’ do tribunal relativamente a “questões” de que devesse conhecer, o que afasta, por conseguinte, a não consideração de simples argumentos, razões ou juízos valor aduzidos pelas partes em suporte da solução que preconizam para a concreta questão em litígio. Como referia José Alberto dos Reis, “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”, ou, nos dizeres do sumário do Ac. STJ de 6.11.2024 (Mário Belo Morgado), “I. As nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa II. A nulidade por omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d), do CPC], sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, do mesmo diploma, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer “questões temáticas centrais”, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções; e, reciprocamente, o excesso de pronúncia só se verifica quando o tribunal conheça de matéria diversa desta. III. O tribunal não se encontra inibido de usar argumentação diversa da utilizada pelas partes, ou de recorrer a qualquer abordagem jurídica de que seja passível determinada questão (desde que não extravase os limites da questão propriamente dita).”, ou ainda, Ac. STJ de 29.10.2024 (Nuno Pinto Oliveira) “Para efeitos de nulidade de um acórdão há que não confundir “questões” com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes nos seus articulados, aos quais o tribunal não tem obrigação de dar resposta especificada ou individualizada, sem com isso incorrer em omissão de pronúncia.”, (acessíveis em www.dgsi.pt). Por outro lado, como dão boa nota, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. I, 2.ª edição, pag.764 “Para determinar se existe omissão de pronúncia, há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão (STJ 23-1-19, 4568/13).
Há, ainda, que distinguir entre as nulidades da sentença, a que respeita o art.615.º do CPC e as nulidades processuais previstas no art.195.º do CPC, umas e outras com um regime de arguição próprio, as primeiras em decorrência do n.º4 do art.615.º só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a decisão se a mesma não admitir recurso e as segundas, a arguir em conformidade com o disposto nos art.196.º a 199.º do CPC, ou seja, perante o tribunal que profere a decisão (ou omitiu o acto devido) e não em via de recurso.
No caso dos autos a omissão de pronuncia invocada, em rigor, não pode ser apontada à decisão recorrida, mas traduzir-se-ia numa alegada omissão de pronúncia relativamente a uma questão autónoma e prévia relativamente ao apreciado na sentença. Tratar-se-ia, assim, em tese, de uma nulidade processual por não ter o tribunal recorrido apreciado o pedido de intervenção. Ora, sendo a omissão referenciada à falta de decisão sobre esse “chamamento”, o qual, enquanto tal, impunha decisão anterior à prolação da sentença, e a ser admitido, impunha a citação do assim chamado à ação, é evidente que tal omissão não se pode reconduzir a omissão de pronuncia do art.615.º n.º1 d) do CPC, porque não está em causa a falta de pronuncia do tribunal sobre qualquer questão atinente ao objeto do pedido do autor ou das exceções opostas pelas rés, que são as questões a apreciar na sentença final.
Porém, como resulta do relatório, o pedido de intervenção foi apreciado e decidido, mal se compreendendo agora a invocação de omissão de pronuncia no recurso da sentença final. Improcede a arguição.
Mais invoca a recorrente, na conclusão B, que a sentença é nula porque omite a fundamentação de Direito ao julgar suspensa a eficácia da deliberação da assembleia de condóminos do A. a que se refere o ponto 9. dos factos provados, por esta ter ocorrido antes da venda das frações autónomas do prédio constituído em propriedade horizontal. Donde, tratar-se-ia agora de nulidade a integrar na alínea b) do n.º1 do art.615.º do CPC. Ora como a recorrente admite nas alegações já que aí transcreve a fundamentação constante da sentença, esta contém a fundamentação em que se sustentou para considerar que o documento identificado no ponto 9) dos factos provados não provém de uma verdadeira e própria assembleia de condóminos. De facto, consta da sentença, a esse respeito, que “Da factualidade provada colhe-se que, em momento posterior à constituição de propriedade horizontal e previamente à alienação das frações autónomas que compõem o edifício, numa altura em que o construtor/vendedor ainda era o único proprietário das várias frações do prédio, este elaborou o documento descrito em 9. Neste contexto, importa apurar se o acontecimento espelhado no referido documento pode ser qualificado como uma assembleia de condóminos e se a decisão aí tomada pode ser qualificada como uma deliberação do condomínio. Adiante-se, desde já, não ser esse o entendimento deste Tribunal. Nos casos em que a afetação de um prédio ao regime de propriedade horizontal se faz por declaração unilateral do proprietário do edifício, esta declaração não origina, por si só, uma situação plena e acabada de propriedade horizontal, pois a existência de uma pluralidade de condóminos é um pressuposto essencial deste instituto jurídico (art. 1414.º, do C.C.) e, nesse caso, tal pluralidade não existe. Neste contexto, tal declaração unilateral apenas tem eficácia imediata quanto à divisão jurídica do imóvel em várias frações autónomas e independentes, tornando-as objetos de direitos distintos entre si – «coisas» em sentido jurídico – com todas as consequências daí resultantes.”.
A fundamentação das decisões é exigência legal prevista no art.154.º do CPC, em sintonia, aliás, com a imposição constitucional do n.º1 do art.205.º da CRP – “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”. Sendo, pois, imposição legal que a decisão se apresente fundamentada, o grau de exigência dessa fundamentação depende, naturalmente, do tipo de decisão, da complexidade da questão ou questões a apreciar, do facto da questão decidenda ser ou não controvertida na jurisprudência, dos termos em que a mesma foi suscitada pelas partes etc.. Por outro lado, saber se há (ou não) falta de fundamentação, é análise que tem que ser referenciada, como é suposto, à questão que foi efetivamente decidida e que, por isso, havia de ser fundamentada e não a outras questões colaterais ou que se tenham suscitado mas que não são objeto daquela decisão ou não relevam para a mesma.
Importa distinguir as situações que configuram nulidade da sentença, daqueloutras que integram erro de julgamento, sendo que apenas as primeiras se reconduzem ao citado normativo legal. Tal como se escreve no sumário do Ac. STJ de 3.3.2021 (Leonor Cruz Rodrigues), “I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma. II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.” (acessível em www.dgsi.pt).
Vem sendo entendido, de forma cremos pacífica (vide o acima citado acórdão), que só integra nulidade da sentença, a completa falta de fundamentação e não já a fundamentação deficiente, escassa, incompleta. Neste sentido, entre outros, para além do Ac. STJ acima referido, Ac. TRG de 2.11.2017 (António Barroca Penha), com o seguinte sumário “I- Só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.”; Ac. TRL de 21.3.2024 (António Moreira), de cujo sumário consta, no que ora releva: “1–A decisão com fundamentação escassa ou deficiente não é nula, só sendo causa de nulidade da decisão a falta total da mesma fundamentação.”; Ac. TRC de 13.12.2022 (Paulo Correia) com o seguinte sumário “I – Sendo imperativa a exigência de fundamentação das decisões judiciais, só a absoluta falta de fundamentação da sentença (ou seja, a não indicação dos factos provados e não provados) é suscetível de gerar a sua nulidade, pelo que a falta de motivação não gera a nulidade da sentença, desde que na mesma tenham sido discriminados os factos que o tribunal considera provados/não provados. II – Ainda que se admita que também a motivação da decisão da matéria de facto possa ser considerada para efeitos do art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, para que a sentença possa ser considerada nula, sempre se exigiria a falta absoluta de motivação, não bastando que a mesma seja deficiente, incompleta, ou não convincente.” (acórdãos acessíveis em www.dgsi.pt).
Em conformidade, a decisão não será nula se apesar de pouco fundamentada ou de escassa ou deficiente fundamentação, dela se logra extrair e as partes podem ainda extrair as razões de facto e de direito que levaram àquela decisão concreta. A discordância das partes relativamente a essas razões, o entendimento de que outras haviam e foram descuradas pelo tribunal, ou haviam melhores e mais convincentes razões, ou deviam colher razões opostas, não relevam nesta sede porque não se prendem com a falta de fundamentação, mas com o mérito da própria decisão. Acresce, ainda, dizer que a forma como a fundamentação da decisão se apresenta ou a estrutura a que obedece tal fundamentação, dependerá do tipo de decisão que está em causa e, bem assim, o grau ou extensão da fundamentação deve levar em conta, também, a natureza da decisão em causa.
No caso dos autos, contrariamente ao propugnado pela recorrente, consta da sentença, como se evidencia da parte dela acima transcrita, a razão pela qual o tribunal a quo entendeu não estamos em presença de uma deliberação dos condóminos, posto que provém apenas do único, à data, proprietário e a pluralidade de condóminos é um pressuposto essencial do instituto da propriedade horizontal, com indicação da norma legal em suporte desse entendimento. É quanto basta para afastar a existência de qualquer nulidade por falta de fundamentação e saber se o assim decidido colhe à luz da lei é já do âmbito do mérito da decisão. Improcede, por isso, também, nesta parte, a arguição da nulidade.
2.2.2- erro na na determinação da factualidade relevante para a apreciação da causa”
Na conclusão C) do recurso, diz a recorrente que a sentença não inclui entre os factos dados como provados a autorização prestada pelo proprietário único do prédio para a construção da marquise no terraço de cobertura e, por isso, padece de erro de julgamento na determinação da factualidade relevante. A questão assim colocada – que a recorrente, nessas conclusões, não reconduz a qualquer impugnação da matéria de facto - melhor se compreende a partir do que vem dito nas alegações de recurso e destas ressalta que a recorrente discorda do decidido por defender que deve “considerar-se o condomínio – e consequentemente também os seus órgãos – regularmente constituído com a intervenção do único proprietário do prédio constituído em propriedade horizontal e devendo ser consideradas válidas e eficazes as decisões singulares por ele tomadas nessa qualidade, deveria constar – e não consta – do elenco dos factos provados que a assembleia de condóminos do aqui recorrido autorizou a construção da marquise.” (pontos 12 e 13 das alegações). Aqui a recorrente o que essencialmente invoca, embora sob a capa de “erro na determinação da factualidade relevante”, é discordância quanto ao decidido. Contudo, alia a essa discordância uma omissão entre os factos provados, ao referir que deles não consta que a assembleia de condóminos do aqui recorrido autorizou a construção da marquise, embora na conclusão C se referira à autorização do proprietário, o que já não preza pela clareza. Ora convirá dizer em primeira linha que a questão da autorização está referenciada e apreciada na sentença por reporte ao documento mencionado no ponto 9 dos factos provados, tendo o tribunal a quo em face do conteúdo do mesmo apreciado se dele se extrai a autorização da assembleia de condóminos que é a autorização relevante. Os factos sobre os quais o tribunal haverá de emitir pronuncia na decisão sobre a matéria de facto, haverão de ter sido alegados pelas partes pois eventual omissão só se verifica relativamente a factos alegados (sem prejuízo de particularidades que não colhem ao caso em apreço). E a recorrente não identifica onde consta tal alegação. Ademais, vista a contestação da mesma recorrente, dela o que consta é a invocação da ata cujo conteúdo transitou para o ponto 9 dos factos provados, que é, aliás, na economia da mesma contestação a “autorização”, em que se sustenta, pelo que, claramente não se verifica a omissão que vem apontada, o que se avalia tendo em vista apurar se a dita omissão invocada na conclusão C), tem a virtualidade de demonstrar qualquer indispensabilidade de ampliação da matéria de facto (cfr. art.662.º n.º2 c) do CPC), e não é manifestamente o caso.
No mais, qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto, e/ou discordância quanto à decisão de facto, impunha à recorrente que tivesse impugnado a decisão sobre a matéria de facto cumprindo o disposto no art.640.º do CPC. Como já se disse nas conclusões de recurso a recorrente não menciona pretender impugnar a decisão sobre a matéria de facto, e embora das alegações de recurso conste uma singela referência ao art.640.º n.º1, no ponto 3 das mesmas, quando identifica as enfermidades que aponta à sentença, o certo é que a recorrente não cumpre cabalmente os ónus a cargo do impugnante.
De facto, estabelece-se no referido art.640.º do CPC que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Resulta evidente do artigo transcrito que pretendendo a parte recorrer da decisão sobre a matéria de facto, impugnando-a, tem que cumprir diversos ónus, sob pena do recurso quanto à matéria de facto ser rejeitado e, por isso, não chegar a ser apreciado pelo Tribunal da Relação. Por conseguinte, numa primeira linha de exigências (n.º1 do art.640.º), deve obrigatoriamente especificar a) os concretos pontos de facto incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa; c) a decisão (diversa) que deve ser proferida. E numa segunda linha de exigência, se os meios indicados como fundamento do erro na apreciação das provas tiverem sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso, tem o recorrente que indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda.
A jurisprudência é pacífica quando à necessidade de cumprimento de tais ónus. Assim, v.g. Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência, de 17.10.2023 onde se diz “Com efeito, no art.º 640, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, consta do n.º1, Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgado; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida; e quanto ao ora em análise, c) A decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Apontados como ónus primários, pois têm como função delimitar o objeto do recurso, fundando os termos da impugnação, daí a sua falta traduzir-se na imediata rejeição do recurso, em contraposição aos ónus secundários, previstos no n.º2 do art.º640 relativos à alínea b) do n.º1, enquanto instrumentais do disposto no art.º 662, que regula a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto pelos Tribunais da Relação, permitindo assim, um efetivo segundo grau de jurisdição no conhecimento das questões de facto, na procura da sua melhor realização, em termos relevantes, isto é, na busca da verdade material com a decorrente justa composição dos litígios.”; ou nos dizeres do sumário do Ac. TRG de 12.10.2023 (relatora Maria João Matos), I. O ónus de impugnação da matéria de facto julgada exige que, cumulativamente, o recorrente indique os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os meios probatórios e as exactas passagens dos depoimentos que os integrem que determinariam decisão diversa da tomada em primeira instância - para cada um dos factos que pretende impugnar -, e a decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.º 640.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).”; no mesmo sentido Ac. TRP de 12.7.2023 (Paula Leal de Carvalho), Ac. TRL de 11.7.2024 (Paulo Fernandes da Silva) todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Quanto ao cumprimento do ónus previsto na al. a) do n.º1 do art.640.º do CPC, a indicação dos concretos pontos de facto terá, sob pena de rejeição, que constar das conclusões do recurso. Quanto à indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diferente sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b) do n.º1 do art.640.º), vem sendo entendido que tal ónus se cumpre se for possível extrair com segurança das alegações de recurso a indicação dos concretos meios probatórios em que o recorrente se funda para defender que se impõe decisão diferente sobre cada um dos pontos de facto concretamente impugnados. Por outro lado, ainda, não há lugar a convite ao aperfeiçoamento, tendo em vista o cabal cumprimento dos ónus impostos ao recorrente quando impugna a decisão sobre a matéria de facto (Ac. STJ de 25.11.2020 (Paula Sá Fernandes) e Ac. STJ de 14.2.2023 (Jorge Dias), acessíveis em www.dgsi.pt.
Ainda que se visse na singela menção ao n.º1 do art.640.º feita pela recorrente qualquer intenção de impugnar a decisão de facto, a recorrente não cumpriu cabalmente nenhum dos ónus a seu cargo. Não indica sequer os meios probatórios que imporiam decisão diversa ou que sustentariam a prova de qualquer facto adicional, limitando-se a referenciar “primeira testemunha da defesa” ou “depoimento da segunda testemunha da defesa”, sem também indicar as passagens da gravação em que se funda. Donde, sempre o recurso nesse particular, haveria de ser rejeitado.
2.2.3- Mérito da decisão/erro na interpretação do artigo 1414.º do Código Civil”
Insurge-se a recorrente quanto à sentença recorrida, invocando que o tribunal a quo errou na interpretação do art.1414.º do C.C., questão esta que, como já antes aflorado, está relacionada com a posição adotada na sentença, segundo a qual, “Nos casos em que a afetação de um prédio ao regime de propriedade horizontal se faz por declaração unilateral do proprietário do edifício, esta declaração não origina, por si só, uma situação plena e acabada de propriedade horizontal, pois a existência de uma pluralidade de condóminos é um pressuposto essencial deste instituto jurídico (art. 1414.º, do C.C.) e, nesse caso, tal pluralidade não existe.”, posto que, na decorrência de tal entendimento, se considerou não ter a recorrente autorização do condomínio para a edificação da marquise, não sendo suficiente para o efeito o declarado no documento mencionado no ponto 9 dos factos provados. É este, aliás, o cerne do presente recurso já que a recorrente o que defende é que estava autorizada a erigir a estrutura por via do declarado na dita ata.
A questão tem que ser encontrada com apelo à natureza e regime legal da propriedade horizontal. Como escreve Sandra Passinhas, elucidativamente, “Escolhendo um local, o condómino escolheu um imóvel mas também um regime jurídico. O estatuto da propriedade horizontal é fixado pela lei (o legislador fixa um conjunto de normas inderrogáveis pelos particulares), pelo titulo constitutivo da propriedade horizontal, pelo regulamento de condomínio e pelas deliberações da assembleia de condóminos.” (in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Almedina, 2.ª edição, pag.59)
Sobre a própria natureza jurídica da propriedade horizontal muito se tem discorrido, sobretudo na doutrina, havendo quem a faça corresponder a uma propriedade especial, outros autores caracterizam-na como uma compropriedade, outros, ainda, consideram tratar-se de um direito complexo, para outro entendimento estamos em presença de um direito real de gozo a se; não nos deteremos nessa discussão, podendo-se afirmar, numa primeira aproximação ao seu regime, com Andreia Filipa Lobo Mendes, dissertação de mestrado “O Regime Jurídico da Propriedade Horizontal e a Usucapião de Partes Comuns”, acessível em https://estudogeral.uc.pt/, que Assim, a propriedade horizontal é um conjunto, inseparável, de poderes que recaem sobre uma fração autónoma de um edifício e sobre as partes comuns do mesmo, «consiste num conjunto coordenado de direitos de propriedade sobre um prédio onde exista um edifício, incidindo cada um de tais direitos isoladamente, sobre uma parte especificada do prédio (uma fração autónoma) e, em concurso com os demais direitos, sobre as partes comuns do prédio».”, concluindo, a autora, na sua tomada de posição, que “quando um edifício se constitui em propriedade horizontal existe, em primeira instância, a criação de um novo estatuto desse edifício, ou seja, tal deixa de ser considerado uma coisa unitária para passar a ser visto como uma multiplicidade de coisas – as frações autónomas e as partes comuns – que estão necessariamente ligadas. Deste modo, sobre o prédio constituído em propriedade horizontal passam a incidir direitos reais distintos sobre as frações autónomas e as partes comuns. Isto é, o direito real que incide sobre as frações autónomas, e o direito real que incide sobre as partes comuns são de tal forma indissociáveis, que não podemos falar aqui de dois direitos distintos, mas simplesmente de um novo direito real, um tipo autónomo de direito real de gozo.”. Destacaremos, por isso, o que vem sendo aceite sem particulares divergências, que do regime jurídico que regulamenta o instituto, se extrai a aglutinação num direito, que a lei caracteriza como “conjunto incindível” dos poderes correspondentes ao direito de propriedade sobre as frações e poderes correspondentes à compropriedade, mas de cuja incindibilidade resulta uma realidade jurídica própria que reclama para a sua correta compreensão, mais do que a consideração do “conjunto dos dois direitos”, concorrendo outros fatores quer na sua génese (com particular ênfase para título constitutivo), quer nas inter-relações e limitações específicas a que estão sujeitos aqueles direito de propriedade e compropriedade, de tudo resultando a sua identidade.
Há, assim, que ter presente que as frações de que um edifício se compõe podem pertencer a proprietários diversos desde que em condições de constituírem unidades independentes; a propriedade horizontal pressupõe o fracionamento do edifício em unidades independentes (art.1414.º do C.C.) e, além disso, exige-se que as frações sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública (art.1415.º). A falta de tais requisitos importa a nulidade do título constitutivo e a sujeição do prédio ao regime de compropriedade (art.1416.º do C.C.). Por isso estabelece o art.1418.º, com a epígrafe “Conteúdo do título constitutivo” que:
1 - No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio.
(…)
3 - A falta da especificação exigida pelo n.º1 e a não coincidência entre o fim referido na alínea a) do n.º 2 e o que foi fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente determinam a nulidade do título constitutivo.
Podendo a propriedade horizontal ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário (art.1417.º), impõe-se que no título constitutivo, sob pena de nulidade do mesmo, sejam especificadas as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, não exigindo a lei (cfr. art.1418.º), que o título constitutivo especifique as partes comuns. O título constitutivo assume-se como essencial à constituição da propriedade horizontal porque é em face dele que as diversas frações em que o prédio se compõe são individualizadas e, em decorrência, é em face do que aí se estabelece que se conhece a composição de cada fração – relativamente à qual, diz a lei, o condómino é proprietário exclusivo (art.1420.º n.º1). Por conseguinte, a modificação do titulo constitutivo é regulada por lei e ocorre nos limites nela previstos (art.1419.º), estando afastada a possibilidade dessa modificação operar por vontade unilateral de qualquer dos condóminos. A propriedade horizontal está vocacionada como, apoditicamente, resulta do art.1414.º do C.C., para que as frações pertençam a proprietários diversos e o estatuto da propriedade horizontal está traçado em função da existência de vários titulares do direito de propriedade sobre as frações e de compropriedade sobre as partes comuns do edifício, o “conjunto incindível”, a que já se aludiu. Essa pluralidade de titulares impõe uma regulação especifica, ao nível dos direitos dos condóminos (art.1422.º) quer relativamente às partes comuns quer mesmo quanto às frações que lhes pertencem em exclusivo, e, bem assim, no que respeita à administração dessas partes comuns do edifício. Em decorrência impõe a lei que a administração das partes comuns compete à assembleia de condóminos, (ou seja, ao conjunto de todos os condóminos) e a um administrador por ela eleito, atribuindo à assembleia poderes deliberativos com sujeição dos condóminos ao que for deliberado sem prejuízo do direito de impugnarem, nos termos legalmente previstos, as deliberações tomadas. Esse modelo de administração que integra, também, o elenco legal das funções do administrador (art.1432.º), a possibilidade deste ser nomeado pelo tribunal se a assembleia o não eleger, a imposição do cargo de administrador provisório ao condómino cuja fração represente o maior valor de capital investido quando nem a assembleia elegeu administrador nem este foi nomeado pelo tribunal, é central e estruturante do funcionamento do instituto da propriedade horizontal e exprime a existência de um interesse coletivo a cuja satisfação se dirige. A propriedade horizontal só se torna efetiva na pluralidade de condóminos. A titularidade numa única pessoa de todas as frações do edifício – embora já individualizadas no título constitutivo – não fornece o conteúdo típico do direito incindível previsto no art.1420.º, porquanto, em tal caso, se mais não houvesse, falhava a compropriedade sobre as partes comuns. “O regime da propriedade horizontal supõe uma diversidade de titulares que requerem uma organização. Esta organização dá lugar a relações entre os proprietários entre si e frente a terceiros.” (Sandra Passinhas, ob. cit. pag.172).
Traçadas sumariamente as linhas mestras da propriedade horizontal, ainda assim, essenciais para a respetiva compreensão, cumpre atentar no caso dos autos.
Resulta do ponto 4 dos factos provados a constituição da propriedade horizontal do prédio, em 27.11.2019, pela então proprietária do imóvel, a sociedade E…, Lda., com a identificação das frações, constando do título constitutivo, por remissão para o n.º1 do artigo 1421.º, do Código Civil, a enumeração das partes comuns. A propriedade horizontal foi registada em 4.12.2019, como também está provado. Em conformidade, a partir de então, estando o edifício fracionado em unidades independentes podem as mesmas ser, como tal, transacionadas, ficando o conjunto sujeito ao regime acima traçado. E uma vez que só após a constituição do edifício em propriedade horizontal é possível a venda ou constituição de direitos reais sobre as frações, é natural e até pressuposto, que exista um lapso de tempo em que as ditas frações, ainda não transacionadas se concentrem na titularidade de um único dono, como ocorreu no caso. E é nessa situação que surge a ata mencionada no ponto 9 dos factos provados, segundo a qual se trata de uma ata de reunião da assembleia de condóminos. Parece-nos evidente que, contudo, não estamos em face de nenhuma assembleia de condóminos, já que esta, como o nome indica, pressupõe a pluralidade de condóminos, então inexistente. A assembleia é por natureza um órgão colegial. Nem se diga que pode haver uma assembleia de condóminos em que participe apenas um condómino, porque se trata ainda assim de situação diferente: uma coisa é a existência de uma pluralidade de condóminos e apenas um deles participar em assembleia para a qual os demais foram convocados, coisa distinta é inexistir qualquer condómino que pudesse participar porque as frações se mantêm todas na titularidade da mesma pessoa e é esta que se reúne consigo mesma. A lei denomina o proprietário da fração e comproprietário das partes comuns de condómino, (art.1420.º), pelo que, o condomínio corresponde ao conjunto desses condóminos, mais uma vez pressupondo-se a sua pluralidade; é, ademais, essa pluralidade, como se viu, que demanda e justifica as demais regras instituídas, é essa pluralidade que pode ser representada pelo administrador (art.1437.ºdo C.C.), é essa pluralidade que tem, nos limites legais, personalidade judiciária (art.12.º e) do CPC). Por conseguinte, o condomínio é uma realidade que pode não existir em substância simultaneamente com o acto formal de constituição da propriedade horizontal. E daqui não resulta nenhuma contradição nem paradoxo. Constituída formalmente a propriedade horizontal do edifício, pode aceitar-se que formalizado está o condomínio enquanto correspetivo daquela, mas quer aquela quer este só se assumem no regime legal traçado, no momento em que se ultrapasse a situação de propriedade singular concentrada num único titular para uma pluralidade de proprietários. As normas acima vistas e, por isso, o instituto, têm a sua razão de ser nessa pluralidade. Nenhum sentido normativo, (nem social), se descortina na aplicação de tal regulamentação a um prédio cuja totalidade das frações pertence a uma só pessoa e enquanto tal se mantém, situação que apenas se concebe transitoriamente. De facto,“No condomínio encontramos um grupo de pessoas (elemento pessoal) que visa a realização e tutela de um interesse determinado, colectivo e duradouro (elemento teleológico), sustentado por uma organização (elemento organizatório). Estruturalmente, o condomínio no edifício é caracterizado por uma particular “organização e grupo” normativamente estruturada e inderrogavelmente imposta, a qual, por um lado, circunscreve e disciplina as relações internas entre os condóminos e, por outro lado, no interesse de terceiros, faz com que o grupo se apresente externamente como tal. Funcionalmente, o condomínio subentende um interesse supra-individual, considerado prevalecente sobre o interesse dos condóminos. O condomínio é um centro de imputação de relações jurídicas autónomo, enquanto portador de uma vontade própria e de meios patrimoniais (ainda que mínimos). A assembleia de condóminos exprime uma vontade orientação que não representa uma mera soma de votos mas a vontade do condomínio, completamente desvinculada e autónoma das posições individuais de cada condómino. O legislador individualizou um interesse colectivo merecedor de tutela através de uma actividade organizada (administrador e assembleia). E esta actividade desenvolve-se e encontra o seu pleno na fulgor na assembleia, em que vem expressa a vontade dos condóminos.” ( Sandra Passinhas, ob. cit. pag.182 e 183).
Por isso, concorda-se com o tribunal recorrido quando, a tal respeito, disse, “Da factualidade provada colhe-se que, em momento posterior à constituição de propriedade horizontal e previamente à alienação das frações autónomas que compõem o edifício, numa altura em que o construtor/vendedor ainda era o único proprietário das várias frações do prédio, este elaborou o documento descrito em 9. Neste contexto, importa apurar se o acontecimento espelhado no referido documento pode ser qualificado como uma assembleia de condóminos e se a decisão aí tomada pode ser qualificada como uma deliberação do condomínio. Adiante-se, desde já, não ser esse o entendimento deste Tribunal. Nos casos em que a afetação de um prédio ao regime de propriedade horizontal se faz por declaração unilateral do proprietário do edifício, esta declaração não origina, por si só, uma situação plena e acabada de propriedade horizontal, pois a existência de uma pluralidade de condóminos é um pressuposto essencial deste instituto jurídico (art. 1414.º, do C.C.) e, nesse caso, tal pluralidade não existe. Neste contexto, tal declaração unilateral apenas tem eficácia imediata quanto à divisão jurídica do imóvel em várias frações autónomas e independentes, tornando-as objetos de direitos distintos entre si – «coisas» em sentido jurídico – com todas as consequências daí resultantes. Quanto a tudo o mais que decorre de uma situação de propriedade horizontal – nomeadamente, constituição do condomínio e gestão das partes comuns - a eficácia do título constitutivo fica dependente da alienação de, pelo menos, uma das frações autónomas, pois só nessa altura surgirá a pluralidade de condóminos que é o pressuposto essencial de aplicação do regime dos artigos 1441.º e seguintes do Código Civil. Dito por outras palavras: a declaração unilateral em que o proprietário exprime a vontade de sujeitar o edifício ao regime da propriedade horizontal configura um negócio com eficácia parcialmente suspensa até à alienação de alguma das frações autónomas, momento em que passa a existir uma situação de pluralidade de condóminos. Por ser assim, é entendimento pacífico que o condomínio apenas é constituído neste momento, e de forma automática e ex lege. De igual modo, e pela própria natureza das coisas, é, também, a partir do momento em que se concretize a venda de, pelo menos, uma das frações, que os órgãos representativos do condomínio – administrador e assembleia de condóminos (artigo 1430.º, n.º. do C.C.) - ficam em condições de funcionar e exercer plenamente os seus deveres e direitos.(…) É, assim, manifesto que a referida autorização não foi emitida pela Assembleia de Condóminos do A., não tendo o proprietário/ vendedor legitimidade para se substituir a tal órgão na concessão da autorização prevista no artigo 1425.º, n.º 1, do C.C.”.
Em conformidade, não se antevê qualquer erro de interpretação do art.1414.º do Código Civil como propugnado pela recorrente, afigurando-se ter feito o tribunal a quo correta interpretação da lei. Como se escreve no Ac. STJ de 15.11.2011 (relator Gabriel Catarino), mencionado pelo recorrido, “O momento constitutivo do direito ocorre com a declaração negocial do proprietário individual ou em comunhão de propriedade de que pretendem que um determinado imóvel passe a estar constituído em regime de propriedade horizontal. A eficácia deste acto negocial só se despoleta a partir do momento em que o prédio passa a ser detido por uma pluralidade de condóminos, sem que, no entanto, o acto deixe de produzir os seus efeitos, dado que a partir do momento da constituição “[o] edifício fica juridicamente dividido, mesmo em relação ao proprietário, em várias fracções autónomas, com individualidade jurídica própria. O proprietário deixa de ter um direito único sobre todo o edifício e passa a ter tantos quantas as fracções autónomas. O título constitutivo é, assim, um acto de divisão de imóvel.” Desta situação derivam efeitos jurídicos específicos, para o proprietário, caso pretenda constituir garantias reais sobre o prédio - caso em que poderá onerar apenas uma ou alguma das fracções - ou á constituição de relações de usufruto ou de servidão, caso em que só poderá uma ou algumas das fracções. A eficácia imediata do titulo constitutivo “[é], fundamentalmente, um acto gerador de autonomização jurídica das fracções do edifício que preenchem os requisitos indicados no artigo 1415.º e poderá também - acrescente-se agora - um acto modelador do estatuto da projectada propriedade horizontal, sempre que nele se estabeleçam regras que completem o regime legal ou dele se afastem (na medida em que a lei o permita).”; ou, nos dizeres do sumário do Ac. TRC de 27.5.2014 (rel. Moreira do Carmo):4. Constituída a propriedade horizontal por negócio jurídico – declaração unilateral do construtor do edifício -, nos termos do art. 1417º, nº 1, do CC, fica efectuada a divisão do mesmo, com a virtualidade de constituir desde logo tal edifício em fracções jurídicas próprias e independentes, deixando o proprietário de ter um direito único sobre todo o edifício e passando a ter tantos direitos quantas as fracções autónomas; neste aspecto, o título constitutivo da propriedade horizontal tem eficácia imediata, ao proceder à autonomização das fracções do edifício. 5. Mas a declaração negocial unilateral do proprietário do edifício, embora qualificada pela lei como título constitutivo do condomínio, não pode originar, só por si, uma situação plena e acabada de propriedade horizontal, pois esta figura pressupõe uma pluralidade de condóminos diversos, nos termos do art. 1414º do CC. 6. Assim, quanto a tudo o mais que de uma situação de propriedade horizontal decorre – sujeição de determinadas partes do edifício ao regime de compropriedade, eleição do administrador destas partes comuns, limitações ao uso das fracções autónomas, etc. -, a eficácia do título fica dependente da alienação de, pelo menos, uma das fracções autónomas, já que só nessa altura surgirá a pluralidade de condóminos, pressuposto essencial do regime da propriedade horizontal (citado art. 1414º). 7. A declaração em que o proprietário exprime a vontade de sujeitar o edifício ao regime da propriedade horizontal tem de considerar-se, portanto, nesta medida e para o efeito, um negócio necessariamente sujeito à condição (condicio iuris) da alienação de uma das fracções autónomas do edifício, significando isto que o condomínio só nasce após a primeira alienação de uma das fracções autónomas do prédio constituído em propriedade horizontal.” (acessíveis em www.dgsi.pt). Por isso, o facto da propriedade horizontal já estar constituída aquando da elaboração do documento mencionado no ponto 9 dos factos, não significa que tenha plena aplicação ao prédio, cujas frações se mantém na titularidade do proprietário inicial, do regime do respetivo instituto e sobretudo que se considere instituído o condomínio à margem da existência da estrutura organizativa que lhe é própria e do substrato coletivo que lhe é inerente. Assim, a sentença recorrida concluiu acertadamente que o documento referido no ponto 9 dos factos provados não constitui nenhuma deliberação da assembleia de condóminos com base na qual a recorrente possa fundadamente pretender ter sido autorizada pelo condomínio a erigir a estrutura/obra no terraço da fração I. Improcede o recurso devendo confirmar-se a sentença.

III- Decisão:
Pelo exposto, acordam as juízas da 8.ª Secção Cível em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 20.11.2025
Fátima Viegas
Amélia Puna Loupo
Cristina da Conceição Pires Lourenço