Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4140/21.4T8ALM.L1-8
Relator: ANA PAULA NUNES DUARTE OLIVENÇA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
MORTE DO SEGURADO
ANULABILIDADE
ERRO DA SEGURADORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÕES
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTES
Sumário: 1. A aplicação do regime previsto no art.º 25º do RJCS depende do preenchimento de todos os requisitos legais a saber: 1) a causalidade entre o dolo e o erro; e 2) a essencialidade do erro para a celebração do contrato;
2. Não tendo a seguradora demonstrado que não celebraria o contrato de seguro caso a omissão não tivesse sido produzida, mas apenas que teria agravado o prémio, não demonstrou os factos que espelhem a necessária essencialidade do erro, com vista à declaração da anulabilidade do contrato de seguro.
3. No seguro de vida, sobrevindo a morte da pessoa segura, por efeito da designação beneficiária surge directamente no património do beneficiário um direito de crédito sobre o capital seguro;
4. Considerando que a ré seguradora apenas se obrigou perante os tomadores do seguro de vida a pagar à instituição bancária o crédito hipotecário em dívida à data do sinistro, inexiste fundamento legal ou convencional para que se considere procedente a pretensão formulada  pelos autores, no sentido de lhes ser pago o remanescente do capital seguro, após pagamento ao único beneficiário;
5. O contrato de seguro de vida associado a um contrato de mútuo concedido pela instituição bancária funciona como um verdadeiro reforço da garantia resultante da hipoteca ainda que a garantia resultante do seguro apenas se concretiza na eventualidade de ocorrência do sinistro.»
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A, residente na …;
B, residente na…;
C, residente na…;
vieram intentar acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra,
D Seguros, S.A. com sede na …;
pedindo seja julgada procedente a acção e, consequentemente:
Seja a ré condenada, em cumprimento do contrato de seguro celebrado com E, na liquidação, perante o Banco T de todas as quantias devidas com os empréstimos que identificam, no valor de 62.225,79€ e bem assim, no pagamento aos autores do remanescente do capital seguro, 14.759,21€ após liquidação da hipoteca, acrescido de juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento ou,
Seja a ré condenada a pagar a cada um dos autores a quantia de €3.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.
Subsidiariamente, deve a ré ser condenada na devolução de todos os prémios pagos por E, acrescido de juros moratórios, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.
Para tanto alegam, em síntese:
Os autores são os únicos herdeiros da herança indivisa aberta por óbito de E;
Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, de 29 de Setembro de 2000, a cabeça-de-casal, 1ª A. e o seu marido confessaram-se devedores ao Banco  C, S.A.(actual Banco T, S.A) da quantia de 22.000.000$00 de escudos (109.753,54€) que receberam a título de empréstimo para aquisição  e realização de obras no imóvel que identificam e constituíram hipoteca a favor do referido banco sobre o imóvel;
A cabeça-de-casal e o seu marido obrigaram-se, além do mais, a reembolsar o Banco T do referido montante mediante o pagamento de 300 prestações mensais e sucessivas de amortização do capital mutuado e juros;
Obrigaram-se ainda a contratar um seguro de vida;
Por escritura pública de mútuo com hipoteca, lavrada em 15 de Maio de 2001, a cabeça-de-casal e o seu marido confessaram-se devedores ao Banco S, S.A. (actual Banco T, S.A) da quantia de 15.000.000$00 de escudos (74.819,68€) que receberam a título de empréstimo para realização de obras de beneficiação na sua habitação própria e permanente, e constituíram hipoteca a favor do referido banco sobre o mesmo imóvel;
A cabeça-de-casal e o seu marido obrigaram-se ainda a contratar um seguro de vida;
Por escritura pública de mútuo com hipoteca, de 15 de Maio de 2001, a cabeça-de-casal e o seu marido confessaram-se devedores ao Banco S, S.A. (actual Banco T, S.A) da quantia de 8.000.000$00 de escudos (39.903,83€) que receberam a título de empréstimo para realização de obras de beneficiação na sua habitação própria e permanente, e constituíram hipoteca a favor do referido banco sobre o mesmo imóvel;
Obrigaram-se ainda a contratar um seguro de vida;
Por escrito particular, assinado em 31 de Janeiro de 2005, a cabeça-de-casal e o seu marido contraíram um empréstimo junto Banco S, S.A. (actual Banco T, S.A) no valor de 30.000,00€ para fazer face a compromissos financeiros assumidos, e constituíram hipoteca a favor do referido banco sobre o mesmo imóvel;
Obrigaram-se ainda a contratar um seguro de vida;
No início de 2019, aconselhados pelo mediador, a cabeça-de-casal e o seu marido optaram por terminar a relação contratual com a seguradora X e decidiram contratar um novo seguro de vida junto da Z, ora ré – tudo por razões económicas;
Para o efeito, no dia 23 de Janeiro de 2019, o falecido e a ora cabeça-de-casal, 1ª A., previamente à subscrição da proposta de adesão do seguro da ré, responderam, individual e telefonicamente, ao questionário clínico da ré seguradora;
No questionário clínico de E, segundo pôde a cabeça-de-casal perceber, porquanto, apenas pôde ouvir a gravação, sem possibilidade de transcrição ou de ficar com uma cópia, parece ter sido perguntado:
-se faz exercício físico;
-se é fumador;
-se bebe bebidas alcoólicas;
-se teve ou tem algum tipo de cancro;
-se teve ou tem problemas cardíacos como enfartes e outros;
-se teve ou tem problemas respiratórios como asma, enfisema, bronquite ou tuberculose;
O marido da cabeça-de-casal respondeu:
-que faz caminhadas todos os dias;
-que não é fumador;
-que bebe um copo às refeições;
-negativamente às questões relacionadas com os vários tipos de cancro;
-negativamente às questões das patologias cardíacas e respiratóras que lhe foram
perguntadas.
Foi ainda perguntado ao marido da cabeça-de-casal se pretendia beneficiar de um desconto de 17% no pagamento do prémio, sendo que para o efeito necessitaria de fazer um teste em farmácia ou laboratório para comprovar que não fumava.
O Senhor E respondeu que não podia fazer esse teste brevemente, por questões de agenda profissional, mas veio a fazê-lo – o teste “hábitos saudáveis” – no sábado seguinte, tendo passado a beneficiar do referido desconto.
Terminado o questionário, a funcionária confirmou que a adesão ao seguro vida estava feita.
A ora cabeça-de-casal e o seu marido contrataram, assim, no dia 25.01.2019, com efeitos a partir de 01.02.2019, um novo seguro vida, junto da Seguradora Z, marca detida pela ré, produto Vida AAA com actualização de capital, apólice n.º 000xxx, pelo qual a ré seguradora se obrigou, mediante o pagamento de um prémio, além do mais, ao abrigo da cobertura principal de morte, ao pagamento do capital (ais) em dívida junto do Credor Hipotecário/Beneficiário, até ao limite do capital seguro contratado (€76.985,00), conforme previsto, além do mais, na cláusula 2., ponto 2.1 e cláusula 20 das Condições Gerais e Especiais e, bem assim, nas Condições Particulares;
E. veio a falecer de doença neoplásica no dia 22.01.2020;
A ré, após ter sido informada do óbito do Senhor E, solicitou à cabeça-de-casal mais informação e documentação clínica do marido e após um moroso processo, veio a informar a cabeça-de-casal, de que se eximia de qualquer responsabilidade pelo sinistro, não accionando, a cobertura de morte contratada, e, bem assim, que anulava a apólice seguro do falecido;
Argumentou para tanto que da proposta de seguro subscrita por E constam inexactidões e omissões, nomeadamente quanto ao facto de sofrer de SAOS (Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono) inclusivamente com tratamento com CPAP à data da celebração do contrato, que têm influência na apreciação do risco.
Mais esclarece que tem factos objectivos que consubstanciam tal posição, na medida em que houve lugar a uma questão colocada ao segurado aquando da subscrição do contrato, sobre patologias respiratórias, tendo o mesmo respondido negativamente.
A SAOS (Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono), era uma patologia relevante e o segurado não poderia ter alegado o seu desconhecimento – esta falsidade na entrevista clínica influenciou casualmente a celebração do contrato.
À data da celebração do contrato de seguro, a apneia outrora diagnosticada já não abalava a saúde do marido da cabeça-de-casal, e, por isso, nem sequer era encarada por este como uma patologia respiratória relevante.
O marido da cabeça-de-casal, à data da celebração do contrato de seguro, era, uma pessoa saudável.
Importa, por conseguinte, concluir que não assiste qualquer razão à ré Seguradora para concluir que o Senhor E omitiu – ou prestou declarações inexactas relativamente ao seu historial clínico.
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Devidamente citada, apresentou a Ré contestação, alegando, em síntese:
Em caso de sinistro coberto pelas garantias do contrato de seguro, no caso a Morte de uma das Pessoas Seguras, impende sobre a Ré a obrigação contratual de liquidar ao Banco o capital em dívida à data da verificação do óbito, na qualidade de beneficiário irrevogável, não cabendo aos AA o direito a receber qualquer remanescente, ao contrário do que alegam pelo que alega a ilegitimidade dos AA. na parte respeitante ao montante em dívida ao beneficiário irrevogável;
Perante a proposta de seguro apresentada e atento o questionário respondido pela Pessoa Segura, a Ré concluiu pela aceitação do seguro, sem qualquer agravamento;
Após o óbito e visto o competente certificado de óbito verificou a Ré que do mesmo constava como causa da morte:
“Parte I a) Adenocarcinoma do pulmão estadio IV
Parte II Pneumectomia esquerda, HTA, SAOS, pelo que solicitou à A. documentação clínica respeitante ao falecido, quer quanto à causa da morte, quer quanto ao seu estado de saúde aquando da celebração do contrato, tendo em vista avaliar a situação e o enquadramento ou não do sinistro na cobertura contratada.
Vista a documentação facultada concluiu que, a Pessoa Segura E não podia ignorar, à data da celebração do contrato de seguro dos autos, concretamente quando respondeu ao questionário de saúde, que não padecia de doença respiratória.
Conhecendo a Ré o estado de E, nunca teria aceite celebrar o contrato de seguro dos autos nos termos em que o fez.              
Assim, após apuramento do historial clínico da Pessoa Segura nos termos referidos, a Ré comunicou aos AA que não cobria o sinistro, por terem existido inexactidões ou omissões relevantes para a apreciação do risco aquando da celebração do contrato, tendo considerado o mesmo anulado.
Deduz incidente de intervenção principal do Banco na acção, do lado activo que não foi admitido.
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Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixados o objecto do litígio e os temas da prova.
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Procedeu-se a audiência final tendo vindo a ser proferida sentença de cujo dispositivo consta:
«IV – Dispositivo
Em face do exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide julgar a ação parcialmente procedente, e em conformidade:
1. Declara válido o contrato de seguro de vida celebrado entre E, a A. A e a R.  Seguros, S.A., para garantia dos contratos de mútuo celebrados pelos primeiros com o Banco T, S.A., com os nºs 0366XXXX, 03660XXXX, 03660XXXX e 0003005XXXX;
2. Condena a R. Seguros, S.A., a pagar ao Banco, S.A., a quantia que se encontrava em dívida, no dia 22.01.2020, relativamente aos contratos de mútuo bancário aludidos em 1., a apurar em sede de liquidação de sentença;
3. Condena a R. D Seguros, S.A., a pagar aos AA. A, B e C as quantias por estes já suportadas e que venham a suportar, com os empréstimos aludidos em 1, desde que cessou a moratória de que beneficiavam;
4. Absolve a R. dos demais pedidos formulados pelos AA..
Custas pelas partes, na proporção do respetivo vencimento.
Notifique e registe.»
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Não se conformando com a decisão, dela vem recorrer a Ré, alinhando as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
1 – A Sentença proferida violou o preceituado nos arts. 24º, nº 1 e 25º, nºs 3 e 5 do DL nº 72/2008, de 16.4, bem assim como os arts. 254º, 342º, nº 2, 398º, 405º, 406º, nº 1 e 473º do CC e ainda o disposto nos pontos 4.1 e 4.2, 5.2, 5.3, 13 e 20 das Condições Gerais do Contrato de Seguro celebrado.
2 – Atendendo à prova produzida, considerou o Tribunal a quo, na nossa perspectiva, bem, que a Pessoa Segura, perante a pergunta directa colocada no questionário de saúde sobre se padecia de doenças respiratórias, deveria ter respondido afirmativamente, pelo que, perante a demonstração da omissão da indicação de que padecia da doença respiratória SAOS, quando é certo que sabia deste facto, à luz das regras gerais de interpretação das declarações negociais, deverá considerar-se que essa omissão lhe é imputável (art.º  236º, nº 1 do CC).
3 – Tendo assim concluído que: “Há, pois, uma desconformidade direta entre as respostas dadas no questionário médico e a situação clínica do segurado à data do preenchimento da proposta, a qual era do conhecimento deste, pelo que entendemos estar demonstrada a conduta dolosa do segurado.”
4 – Porém, julgou improcedente a excepção de anulabilidade do contrato que havia sido invocada pela ora Recorrente, por entender que faltava o requisito da essencialidade do erro;
5 – Ora, conforme consta do ponto 52 da sentença recorrida, resultou provado que “Caso a R. tivesse tido conhecimento do historial clínico de E, com a idade que o mesmo tinha à data da celebração do contrato, teria agravado a cobertura de invalidez em 50%.”
6 - Ou seja, a patologia respiratória dolosamente omitida por parte de E, caso tivesse sido declarada à ora Recorrente, levaria à celebração do contrato de seguro dos autos em condições diferentes das que foram contratadas, implicando, em concreto um agravamento do prémio em 50% para a cobertura de invalidez.
7 - Resulta claramente pontos 4.1 e 4.2, 5.2 e 5.3 das Condições Gerais do Contrato de Seguro, juntas à contestação domo doc. nº 2, que, havendo omissões ou inexatidões dolosas que, caso fossem conhecidas, levariam a um aumento do valor do prémio aplicável o contrato é anulado, independentemente de o agravamento que fundamenta o aumento respeitar ao risco morte ou ao risco invalidez, porquanto as cláusulas não distinguem e o prémio é um só.
8 - As normas dos art.ºs 24º e 25º da LCS vão exactamente no mesmo sentido do clausulado do contrato.
9 - Assim, a omissão era significativa para a apreciação do risco, conforme vem previsto no art.º 24º, nº 1 da LCS, gerando anulabilidade por incumprimento do dever previsto na norma, conforme estatui o art.º 25º, nº 1 da mesma Lei.
10 - Com efeito, o art.º 24.º, n.º 1, do RJCS impõe ao Tomador do seguro/Segurado que declare “com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”, contemplando o nº 2 da mesma norma tal obrigação mesmo relativamente a circunstâncias que não sejam mencionadas num eventual questionário.
11 - Como refere Luís Poças em “O dever de declaração inicial do risco no contrato de seguro” p. 145, “Na verdade, as omissões ou inexactidões sobre as circunstâncias do risco configuram uma violação dos valores – dominantes na ordem social e jurídica – de honestidade, lealdade, probidade, correcção, bem como do respeito pela confiança do segurador. As mesmas representam, assim, a infracção de um modelo de conduta imposto pela boa-fé objectiva (…)”.
12 - O dever de declaração é assim um dever espontâneo, genérico, independente do tomador do seguro, concretizando o princípio máximo da boa-fé.
13 - Quanto à questão da relevância da informação a prestar pela Pessoa Segura, como nota e bem JOSÉ ALBERTO VIEIRA em “O dever de informação do tomador de seguro em contrato de seguro automóvel”, in Estudos em memória do Professor Doutor António Marques dos Santos, Vol. I, Almedina, 2005, p. 1005., “Para a Seguradora apenas interessa a informação que lhe permite decidir sobre a celebração do contrato e o conteúdo deste (…)”.
14 - Isto é, a informação relevante para a delimitação do risco, é aquela que por um lado habilita o Segurador a formar a sua vontade de contratar e por outro influi em determinadas cláusulas do contrato que com o risco se relacionem, onde necessariamente se inclui a determinação do valor do prémio a liquidar.
15 - No caso, ao optar por omitir informações que lhe foram expressas e especificamente solicitadas pela Seguradora, o Segurado estava ciente da relevância das mesmas para a Recorrente, evidenciando o carácter doloso/intencional da respectiva omissão.
16 - Conforme pacificamente aceite, é de presumir que as perguntas que constam do questionário médico apresentado à Pessoa a Segurar foram relevantes e essenciais para a decisão da seguradora celebrar o contrato em determinadas condições.
17 – Nos termos do n.º 1 do art.º 25.º da LCS, o legislador sanciona com a anulabilidade do contrato o incumprimento doloso do dever de declaração do risco.
18 - A partir do momento em que o segurador fixa um prémio sem qualquer agravamento em resultado de omissões dolosas, estamos necessariamente perante uma situação em que o segurador foi induzido em erro.
19 - Basta, pois, que se demonstre que o segurador, caso tivesse tido conhecimento da patologia dolosamente omitida, contrataria em condições objectivamente mais gravosas (agravamento no caso de 50% do valor do prémio para a cobertura de invalidez) para que opere a anulabilidade prevista no art.º 25º do diploma em análise.
20 - O requisito da essencialidade, subjacente ao art.º 25.º, exclui a anulabilidade apenas quando o segurador, efectivamente, não tenha tido por significativo certo facto para a sua apreciação do risco, ou melhor, e em geral, quando o segurador, efectivamente, não tenha dado relevância ao aspecto sobre o qual estava em erro para a sua decisão de contratar como contratou.
21 - Ora, não é esta a situação dos presentes autos, pelo que andou mal o Tribunal a quo ao decidir que, pelo facto de a patologia omitida apenas implicar agravamento e não recusa e apenas ter consequências para a invalidez e não para a morte (que era o risco que está em discussão) não estava verificada a essencialidade do erro.
22 - Neste sentido, vide designadamente, a contrario, Ac.STJ de 30.11.2022 e Ac.STJ de 08.03.2022, ambos disponíveis em www.dgsi.pt,
23 - Termos em que, atendendo à matéria de facto provada, aos preceitos legais e contratuais aplicáveis e à doutrina e jurisprudência dominantes, estamos perante uma situação em que é aplicável o preceituado no art.º 25º da LCS, procedendo, consequentemente, a anulabilidade invocada pela ora Recorrente, com a necessária revogação da sentença em conformidade.
24 - Caso assim não se entendesse, o que evidentemente se alega sem conceder e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre se imporia a contabilização do acréscimo em 50% do prémio de seguro que foi liquidado desde a data da celebração do contrato até à data do sinistro, cujo valor global teria necessariamente que ser abatido ao capital seguro a liquidar.
25 - Finalmente e sem conceder, sempre se dirá que, na hipótese que por mera cautela de patrocínio se equaciona de se considerar que a anulabilidade improcede, nunca a Recorrente poderá ser obrigada a devolver aos AA as quantias por estes já suportadas e que venham a suportar com os empréstimos bancários, desde que cessou a moratória de que beneficiavam.
26 - Com efeito, ao condenar a Seguradora a liquidar ao Banco o capital que se encontrava em dívida à data do óbito da Pessoa Segura, o Tribunal está a reportar a essa data os efeitos do contrato e o fim do empréstimo bancário, na medida em que, com o pagamento do capital que estava em dívida em 22.01.2020, o empréstimo bancário extingue-se com efeitos à referida data.
27 - Assim, todas as quantias que os AA, entretanto liquidaram com o dito empréstimo e que foram recebidas pelo Banco e não pela Seguradora, têm que ser por aquele devolvidas, nunca podendo ser a Seguradora a pagar um montante a título de prestações do empréstimo que nunca recebeu.
28 - Sob pena de enriquecimento sem causa da instituição bancária, na medida em que, por um lado já recebeu as prestações do empréstimo em datas posteriores a 22.01.2020 e, por outro, recebe a totalidade do capital que estava em dívida a essa data.
29 - Situação que igualmente não corresponde ao preceituado na Cláusula 20 das Condições Gerais do contrato de seguro.
30 - Impondo-se, consequentemente, a revogação da sentença em conformidade.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve ser dado provimento ao recurso apresentado pela Recorrente, absolvendo- se a mesma do pedido, assim se fazendo como sempre
JUSTIÇA»
*
Vieram os AA. apresentar contra alegações e, a título subsidiário, requerer a ampliação do objecto do recurso com impugnação de matéria de facto, a título subsidiário, para o caso de o recurso interposto pela recorrente for de proceder e, ainda, subsidiariamente, apresentar recurso subordinado.
Em sede de contra-alegações e de ampliação do objecto do seguro, conclui como segue:
«Conclusões:
Contra-alegações
A. Não merece reparo a conclusão do Tribunal de que (ainda assim) não assistia razão à ré, recorrente, para anular o contrato de seguro nos termos do artigo 25.º da LCS - mesmo que o falecido tivesse prestado - que não prestou - informações inexactas sobre o seu estado de saúde.
B. O Tribunal a quo decidiu acertadamente, além do mais, que não estavam preenchidos os pressupostos necessários para a anulação do contrato de seguro de vida melhor identificado nos autos porquanto entendeu que a ré, ora recorrente, não demonstrou a essencialidade do erro para a celebração do contrato.
C. O simples facto de ter ficado (alegadamente) provado – o que não ficou, conforme adiante se demonstrará, mas que, sem conceder, se concebe apenas por mero dever de patrocínio - que o segurado incumpriu o dever de declarar vertido no artigo 24.º da LCS e nas condições gerais e especiais da apólice, não permite que a seguradora possa, sem mais, anular o contrato nos termos do artigo 25.º do LCS.
D. Não basta o mero incumprimento do dever de declarar por banda do segurado previsto no artigo 24.º da LCS para que toda e qualquer seguradora possa anular o contrato de seguro com base no artigo 25.º da LCS.
E. Não se pode confundir a questão da essencialidade do erro com o dever de informar que impende sobre o tomador do segurado ou segurado e que vem vertido no referido artigo 24.º da LCS.
F. Sem prejuízo da natural relevância das perguntas e respostas no questionário apresentado pela seguradora, a verdade é que nada - nem a lei nem o clausulado invocado pela recorrente - autoriza a interpretação de que: i) o facto sobre o qual é pedido uma resposta é essencial para a decisão de celebrar o contrato de seguro; e que
ii) a declaração inexacta sobre esse facto constitui presunção inilidível de erro essencial.
G. Mesmo que sejam produzidas declarações inexactas pelo segurado, a anulação do contrato depende sempre da verificação de dois requisitos: i) causalidade entre o dolo e o erro; ii) a essencialidade do erro para a celebração do contrato.
H. Ou seja, mesmo que se provasse que o tomador do seguro ou segurado prestara declarações inexactas ou omitira circunstâncias relevantes, caberia sempre à seguradora alegação e prova de que se tomara conhecimento dos factos inexactos e/ou dos omitidos, das duas uma: não teria celebrado o contrato de seguro ou teria celebrado sem cobrir o risco morte associado à patologia omitida - o que não provou.
I. Refere ainda a recorrente que sempre “(…) se imporia a contabilização do acréscimo em 50 % do prémio seguro que foi liquidado desde (…)”.
J. Sempre haveria que ser referido que o alegado pela recorrente nem sequer poderia proceder, porquanto nunca a ré, aqui recorrente o peticionara.
*
Ampliação do âmbito de recurso
K. Apesar de ser ter como ostensiva a falta de razão da recorrente, uma vez que existe uma pluralidade de fundamentos da acção, oportunamente alegados, não podem os autores, aqui recorridos deixar de requerer, subsidiariamente, a ampliação do objecto do recurso, prevenindo – contra o que resolutamente se espera – a necessidade da sua apreciação, tudo nos termos do disposto no artigo 636.º n.º 1 do CPC.
L. Existem alguns factos dados por provados que deverão ser reformulados ou dados como não provados, não podendo, por isso, deixar de se impugnar a decisão que recaiu sobre eles, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, a) do CPC.
M. Os factos impugnados são os seguintes:
46. Quando há necessidade de recorrer à utilização do CPAP, como foi o caso, estamos perante um grau de apneia moderado a severo, cujo tratamento com outros mecanismos, como tiras nasais, exercício físico ou perda de peso, se tornaram ineficazes (31º cont.).
52. Caso a R. tivesse tido conhecimento do historial clínico de E, com a idade que o mesmo tinha à data da celebração do contrato, teria agravado a cobertura de invalidez em 50%.
N. Para prova do facto 46 o Tribunal a quo ponderou os depoimentos de todos os médicos ouvidos em audiência e consultou ainda o site do SNS24; para prova do facto 52 o Tribunal a quo atendeu ao depoimento da testemunha PR.
O. De acordo com os meios de prova constantes dos autos, tais factos não podiam ter sido dados como provados, tudo nos termos do artigo 640.º, n.º 1, b) do CPC.
P. Relativamente ao facto 46, e salvo melhor entendimento, o Tribunal errou ao dar como provado que esta apneia de sono obrigava à utilização do CPAP.
Q. A apneia de sono do falecido era moderada, no bordeline com a leve - 16 IAH - cfr., entre outros, documentação junta aos autos por requerimento datado 23/09/2022, ref. citius 419004406.
R. A propósito da apneia de sono do falecido, esclareceu a Dr. F, pneumologista e especialista em medicina do sono, que esta não obrigava ao tratamento CPAP, uma vez que o falecido não tinha, além do mais, quaisquer patologias cardíacas associadas, conforme depoimento: min. 00.14.30 a 00.15.30 min
S. Também a Dra. PG, pneumologista na Fundação Champalimaud, confirmou que só no caso de patologia cardiovascular associada é que é obrigatório o tratamento CPAP, conforme depoimento: min. 00.06.20 a 00.07.03 min
T. Ambas as médicas, especialistas no foro das patologias respiratórias, e com especial destaque para a Dra. F, especialista em medicina do sono, confirmaram que a apneia do falecido não carecia de tratamento CPAP.
U. Já o Dr. OP, médico da seguradora, especialista em avaliação de dano corporal e cirurgia geral, quiçá por não ser pneumologista e especialista em medicina do sono, não soube explicar ao Tribunal quais as apneias que obrigam ao Tratamento do CPAP ou que nem sequer sabia que uma apneia moderada, conforme depoimento min 00.27.15 a 00.29.50 min;
V. Salvo o devido respeito, melhor do que a informação do SNS 24, consultada por espontânea vontade do Tribunal a quo - que apesar da sua reconhecida importância, não aborda, nem podia abordar, com detalhe, as questões que são suscitadas nos autos - será, por exemplo, uma tese de mestrado, também disponível na internet, consultável para todos, onde se confirma, além do mais, o referido pelas sobreditas médicas especialistas:“(…) A CPAP está indicada em casos severos onde a IAH excede os 30 eventos por hora. No entanto, se o IAH for maior que 5 eventos por hora e estiverem associados sintomas clínicos como hiper-sonolência e doenças cardiovascular.
W. Por tudo o exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea c) do CPC, deve o facto 46 ser reformulado ou corrigido para:
46. A apneia do sono, neste caso, não obrigava à utilização do CPAP.
Ou caso, assim não se entenda, deve ser dado como não provado.
X. Relativamente ao facto 52, salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo também errou ao dar como provado que a ré, aqui recorrente, teria agravado a cobertura de invalidez em 50% caso tivesse tido conhecimento do historial clínico de E.
Y. Note-se que o Tribunal, para dar como provado o ponto 52, recorreu ao depoimento do Senhor PR, testemunha essa que confirmou que não haveria lugar a agravamento caso o falecido não estivesse obrigado ao tratamento CPAP, conforme depoimento min 00.10.08 a 00.10.36 min e min 00.13.08 a 00.13.34 min.
Z. Demonstrado que está que o falecido nem sequer estava obrigado ao tratamento CPAP e de acordo com a respostas do Senhor PR, logica e naturalmente que não se pode dar como demonstrado que a ré, aqui recorrente, teria agravado a cobertura de invalidez.
AA. Em síntese, deve o facto 52 passar a ser dado como não provado, tudo de acordo com o disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
BB. Sem conceder, a recorrente anulou o contrato de seguro por, segundo alegou nos seus articulados, ter ocorrido um conjunto de omissões e inexatidões da parte do falecido.
CC. Para estribar tal juízo, a recorrente socorreu-se das alegadas perguntas que foram colocadas ao Senhor E no questionário clínico e das alegadas respostas por este oferecidas
DD. Sucede, porém, que confrontado o registo fonográfico do questionário clínico do falecido Senhor E com a transcrição que a seguradora fez do mesmo – e que consta do artigo 14.º da contestação e do Doc. 3 junto com a contestação – resultou claro que a mesma estava eivada de falsidades, o que vem confirmado na sentença e que foi confirmado pela ré, agora recorrente.
EE. A ré, aqui recorrente inventou que determinadas questões teriam sido colocadas e que determinadas respostas teriam sido oferecidas., tudo para fundamentar a sua recusa na cobertura do sinistro e subsequente anulação da apólice.
FF. A alegação da recorrente no sentido de que se impunha ao Senhor E responder de forma bem diversa a cinco questões que foram colocadas – alegação essa que procurou provar com base numa transcrição falsa – era duma importância central na construção trazida à contestação da ré.
GG. Recorde-se que segundo confirmou a ré, aqui recorrente é com base nas repostas que o eventual tomador de seguro oferece no questionário clínico que “(…) avalia o risco de cada contrato em concreto e fixa o valor dos respectivos prémios, podendo inclusivamente, decidir não contratar, de todo.” - cfr. 18.º da contestação da r
HH. Demonstrado que ficou que não é verdade que tivessem sido colocadas aquelas perguntas e oferecidas aquelas respostas, logica e naturalmente, a ré, aqui recorrente não tinha qualquer fundamento para recusar a cobertura do sinistro.
II. Com efeito, demonstrado que a recorrente nem sequer logrou demonstrar o que é que havia efectivamente sido perguntado ao falecido - note-se que só se veio efectivamente a saber que o que fora perguntado nada tinha a ver com o que fora alegado - sempre deveria a contestação da ré, aqui recorrente ser julgada improcedente.
JJ. De qualquer forma, entendeu o Tribunal a quo, mesmo sabendo que a ré se recusara a cobrir o sinistro com base em alegadas questões que nunca foram colocadas, que ainda assim o falecido teria omitido informação clínica relevante.
KK. Na verdade, a ré veio a conceder em toda a linha que faltou à verdade, defendendo, no entanto, que “À pergunta sobre se padece de “Doenças pulmonares ou do aparelho respiratório tais como, enfisema pulmonar, bronquite, asma, tuberculose ou qualquer outro transtorno que não tenha sido referido”, mesmo que não colocada nos termos em alegara, na verdade o que foi perguntado foi “A nível respiratório enfisema pulmonar, bronquite, asma, tuberculose, alguma outra situação?”, que ainda assim merecia uma resposta positiva - no sentido de que o falecido padecia de apneia do sono.
LL. O simples facto de a questão como foi efectivamente colocada nem ter sido alegada na fase dos articulados, deveria ser suficiente para claudicar a pretensão da recorrente.
MM. Por muito aliciante e entusiasmante que fosse a discussão hermenêutica relativamente ao sentido da resposta que o falecido deveria ter oferecido à questão foi efectivamente colocada, sobretudo quando a sintonia de formas de entender/decidir não existe, é necessário, imperioso, observar a realidade concreta, privativa da situação julgada, ou seja, com a conformação decorrente da factualidade alegada pelas partes - ora nunca a, recorrente, alegara ter colocado a questão que veio a efectivamente a ser colocada:
10.5 A nível respiratório, enfisema pulmonar, bronquite, asma, tuberculose, alguma outra situação?
NN. Se se verificou, por culpa imputável unicamente à recorrente, que a tese em que ancorara a sua contestação não era verdadeira - porque na verdade as questões não tinham sido colocadas nos termos em que foram concretamente por si alegados e repisados ao longo de todo o processo - sempre ficaria prejudicada a questão de saber se o falecido omitira ou não informação clínica.
OO. No entanto, mesmo que fosse de admitir, contra todos os princípios e regras com que o legislador perspectivou o regime processual vigente, maxime, o princípio do dispositivo, da concentração da defesa, da preclusão, o recurso às questões e respostas que foram efectivamente colocadas - pese embora nunca alegadas - ainda assim nunca se poderia ter concluído que o falecido omitira informação clínica, face à questão           
“10.5 A nível respiratório, enfisema pulmonar, bronquite, asma, tuberculose, alguma outra situação?”
PP. Nem o falecido, nem qualquer outra pessoa, mesmo que padecesse de apneia de sono - e que esta o melindrasse, não a podendo, por isso, considerá-la irrelevante – se confrontado com a questão acima, percepcionaria que deveria responder positivamente à mesma:
- Por um lado, porque os exemplos dados pela entrevistadora a este propósito sempre afastariam qualquer resposta positiva por parte do falecido, uma vez que a SAOS não é sequer equiparável (em termos de gravidade) aos tipos identificados pela entrevistadora.
- Por outro lado, o questionário na parte referente às questões diretamente relacionadas com patologias e afins, que são 21 questões (da questão 10.1 à 16) durou menos de 3 minutos - ou seja, a questão foi colocada no meio de um chorrilho de outras questões apresentadas em catadupa e a uma velocidade galopante.
QQ. Em síntese, nunca, de forma alguma, se poderia ter concluído, como erradamente concluiu o Tribunal a quo, por referência ao artigo 236.º do CC, que era exigível ao falecido ter respondido padecer de apneia de sono.
RR. Sem conceder, o Senhor E não podia encarar a apneia de sono de que padecia como uma patologia respiratória relevante.
SS. Relembre-se o relatório clínico de 11 de Maio de 2020, assinado pela Dra. F, a qual escreveu, a propósito da justificação para a cirurgia de pneumectomia a que o Senhor E se sujeitou, “(…) Por se tratar de doente jovem, sem doença respiratória ou cardiovasculares conhecidas e sem medicação crónica, com bom performance status foi decidida em reunião multidisciplinar como tratamento inicial indicado a opção cirúrgica.(…) ” (negrito nosso) – cfr. Doc. 13 da PI,.
TT. O falecido, à data da celebração do contrato de seguro, era, portanto, uma pessoa saudável, ou, pelo menos, de acordo com a legis artis - de acordo com a Dra. F, médica que seguia o Senhor E em pneumologia, pneumologista especialista em pneumologia e medicina do sono e com a equipa que decidiu submeter o falecido E  à referida cirurgia -, era considerado pessoa saudável e sem patologias respiratórias.
UU. Se até para os profissionais de saúde especialistas na área, o falecido E era considerado pessoa saudável, sem patologia respiratória, não será minimamente lógico ou coerente que este, com respaldo clínico, também se considerasse saudável e que, em consequência disso, não pudesse encarar que a outrora diagnosticada apneia do sono pudesse ser entendida como uma patologia relevante?
VV. Conforme a jurisprudência firmada do STJ, de 29-06-2017, processo n.º 225/14.1TBTND.C1.S1, “IV - Entende-se que o tomador ou o segurado a que a lei se refere é o contraente concreto e não um contraente médio; é essa consideração do concreto e real tomador ou segurado que melhor se harmoniza com a exigência da revelação das circunstâncias que conheça e não das circunstâncias meramente cognoscíveis.
V - A figura do contraente medianamente diligente, expedito e informado releva para o efeito de determinar com objectividade quais as informações que se espera que sejam significativas para o segurador, do ponto de vista da apreciação do risco.”
WW. Atento o exposto, o falecido não podia ter encarado que a diagnosticada apneia do sono pudesse ser entendida como uma patologia respiratória e, em consequência disso, nunca poderia ter entendido que tal informação - o diagnóstico da apneia de sono – fosse importante para a apreciação do risco pela ré seguradora.
XX. Acresce que mesmo que se pudesse dar como demonstrado que o falecido omitira, dolosamente, informação clínica relevante para apreciação do risco da seguradora, ainda assim a ré, aqui recorrente não demonstrara a essencialidade do erro por outro motivo:
YY. A ré seguradora, aqui recorrente, afirmou, conforme doc. 15 junto com a PI, que não teria celebrado o contrato de seguro de vida: “(…) esta falsidade na entrevista clínica influenciou causalmente a celebração do contrato (…) - note-se que a seguradora não referiu que a falsidade na entrevista clínica influenciou causalmente o conteúdo do contrato, mas antes a sua celebração.
ZZ. Posteriormente, a recorrente veio afirmar na contestação que se tivesse tomado conhecimento da apneia outrora diagnosticada nunca teria aceitado celebrar o contrato seguro nos termos em que o fez – cfr. artigo 56.º.
AAA. A seguradora alegou que, “em concreto”, se tivesse tido conhecimento da alegada SAOS, teria pelo menos agravado em 50% a cobertura de invalidez – cfr. 61.º e 82.º - e que o Tribunal a quo deu como demonstrado, quando, salvo melhor entendimento, os meios de prova existentes impunham decisão diversa.
BBB. Ora, foi a própria recorrente que afastou a essencialidade do erro (caso este devesse existir, o que pressuporia reconhecer que o falecido E actuara dolosamente, o que não fez), pois, segundo a sua lavra, ora não teria contratado ora teria contratado, ainda que em moldes putativamente diferentes - que ficam por demonstrar.
CCC. Neste sentido, conforme jurisprudência. cfr- Ac. STJ de 08-11-2018, processo n.º 399/14.1TVLSB.L1.S1 e Ac. STJ de 29-06-2017, processo n.º 225/14.1TBTND.C1.S1
DDD. No limite, a aportada omissão ou inexatidão só deverá ser entendida como negligente, tudo nos termos do artigo 26.º do RJCS.
EEE. Sem concederem a ré anulou o contrato de seguro com base na própria transcrição do questionário, sem sequer ter escutado a entrevista telefónica, o que foi confirmado pelo depoimento do Dr. OP, testemunha da ré.
FFF. Referiu o Dr. OP, além do mais, e passa-se a citar “a responsabilidade toda da definição do conceito de falsas de declarações é médica, é minha, eu é que a assumi” – minuto 9 e seguintes.
GGG. Pasme-se: a pessoa que teve a responsabilidade total de decidir se o Senhor E prestara ou não falsas declarações, nem sequer cuidou de ouvir o que foi realmente foi perguntado e respondido.
HHH. Por muito aliciantes e entusiasmantes que sejam as discussões hermenêuticas relativamente ao sentido das respostas que cada pessoa preconiza para uma mesma pergunta, a verdade é que o Dr. OP propôs a anulação do seguro partindo de pressupostos errados.
III. Não importava saber, porque não foi alegado, se o Dr. OP proporia, à mesma, a anulação do contrato, se tivesse tomado conhecimento de que, na verdade, o falecido não fora confrontada com as perguntas nos termos em que o Dr. OP julgou ter sido confrontado.»
Em sede de recurso subordinado, ressalvando a hipótese de se entender que a matéria vertida em sede de ampliação do objecto do recurso, só em sede de recurso subordinado poderia ser apreciada, reproduz as alegações ali constantes e aduz ainda, concluindo, como segue:
«Conclusões:
A. Os autores, agora recorrentes, em sede da sua Petição Inicial peticionaram o pagamento do remanescente do capital seguro.
B. Pedido este considerado improcedente, pelo Tribunal a quo, por segundo este:
“No caso em apreço está provado que, efetivamente, foi consignado no contrato que o beneficiário do contrato de seguro é o Banco T, mais constando das Condições Particulares que o remanescente deve ser pago ao beneficiário.”
C. O prémio de seguro pago pelo tomador do seguro manteve-se sempre igual durante a vigência do contrato (facto este alegado e provado aquando do requerimento apresentado pelos recorrentes em 30 de Setembro de 2021).
D. Todavia, o capital em dívida ao Credor Hipotecário foi diminuindo à medida que o tomador de seguro ia pagando as prestações bancárias devidas ao passo que o capital seguro nunca fora actualizado nem actualizado o prémio mensal.
E. O prémio de seguro, enquanto contrapartida devida à Seguradora pelo risco que assumiu, foi calculado de acordo com o risco e coberturas inicialmente assumidas e nunca foi alvo de actualização.
F. Não pode a recorrida arrogar pagar, apenas e só, o capital seguro pelo valor da dívida do crédito hipotecário à data do óbito, quando se manteve, durante a vigência do contrato, a cobrar sempre o mesmo prémio de seguro.
G. Estamos perante uma situação que consiste um exercício abusivo de um direito (cfr. art.º 334.º do Código Civil).
H. Fará todo o sentido que os herdeiros possam agora beneficiar do valor correspondente à diferença entre o capital seguro e o capital em dívida.
I. Tal argumento também flui das condições gerais e especiais do contrato de seguro celebrado: “(…)13.2. Em caso de sinistro, se o capital seguro for, à data, superior ao capital em dívida ao Credor Hipotecário a parte excedentária reverte (…) a favor dos Herdeiros dos(s) Segurado(s)/Pessoa(s) Segura(s), em caso de Morte (…).”
J. O Banco aceita o benefício até à concorrência do capital em dívida e que, sendo o capital assegurado fixo, o prémio fixado tem por base o mesmo capital que pelo facto de se manter inalterado, será devido o remanescente ao próprio tomador de seguro/herdeiros legais.
K. É do entendimento dos recorrentes que a interpretação da cláusula beneficiária constante no contrato apenas se poderá coadunar com o sentido mais favorável ao segurado, que, atendendo à natureza fixa do capital seguro, àquele será sempre devido o capital remanescente enquanto diferença entre o capital seguro e o capital em dívida.
L. O Tribunal a quo veio a considerar improcedente o pedido de condenação em litigância de má-fé da recorrente uma vez que: “Pese embora tenha, efetivamente, ficado demonstrada a falta de fidedignidade parcial da alegada transcrição, a R. juntou aos autos a gravação do questionário clínico, ainda que na sequência de ordem do Tribunal nesse sentido, o que permitiu conferir a transcrição à luz da gravação. Julgamos, assim, não estarem preenchidos os pressupostos da litigância de má-fé.”
M. Salvo melhor entendimento, a fundamentação utilizada pelo tribunal para não condenar a recorrente em litigância de má-fé é insuficiente.
N. Os recorrentes requereram quer em sede de Petição Inicial, quer por Requerimento de 9 Setembro de 2021, quer no Requerimento datado de 12 de Novembro de 2021, que lhes fosse disponibilizada uma cópia do registo fonográfico do questionário clínico do falecido Senhor E.
O. Conforme alertado pelos recorrentes por requerimento datado de 12 de Setembro de 2022, “confrontando o registo fonográfico do questionário clínico do falecido Senhor E com a transcrição que a seguradora fez do mesmo - e que consta do artigo 14.º da contestação e do Doc. 3 junto com a contestação – resulta claro, salvo o devido respeito, que a mesma está eivada de falsidades.” (cfr. artigo 1.º do referido requerimento).
P. Sendo que essa mesma transcrição foi feita em tais termos que permitiu à Recorrente alicerçar a sua ação com base no fundamento erróneo de que o falecido teria mentido aquando do questionário clínico.
Q. Ainda que o direito de recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça constitua um direito fundamental, conforme dispõe o art.º 20.º da Constituição da República, o mau uso desse direito implica uma conduta abusiva, sancionada nos termos do art.º 542.º do Código de Processo Civil.
R. Nos termos do disposto no artigo 542.º do Código de Processo Civil:
“1 – Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
S. Ora, a situação nos presente autos enquadra-se precisamente na alínea b) do artigo supratranscrito.
T. “Os Tribunais – em especial os Superiores - são normalmente acusados de alguma benevolência na apreciação desta matéria (de Dias Ferreira a Paula Costa e Silva a queixa é constante), mas importa sublinhar o esforço que nos últimos anos tem sido feito por não deixar passar em claro, condutas menos próprias das partes.” Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de novembro de 2021, processo n.º 7819/18.4T8LSB-D.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
Termos em que deve a sentença recorrida ser parcialmente revogada, e ré condenada:
- no pagamento do capital remanescente;
- como litigante de má-fé, no pagamento de multa, bem como no reembolso aos autores de todos os custos e despesas com o presente processo, incluindo os honorários dos seus mandatários, a liquidar em momento posterior, e ainda a pagar-lhes uma indemnização por danos morais de valor não inferior a 5.000,00€ por cada um dos aqui autores, ora recorrentes.
Assim decidindo, farão V. Exas a esperada JUSTIÇA!»
E respondeu a apelante concluindo:
«Conclusões:
1 – A pretensão dos AA de verem revogada a sentença recorrida quanto ao pedido formulado de receberem o remanescente do capital seguro após a liquidação do capital em dívida ao credor hipotecário e também, relativamente ao pedido de condenação da Ré como litigante de má fé, não pode proceder, por total falta de fundamento;
2 - Relativamente à primeira, dir-se-á desde logo que o contrato de seguro é um negócio formal, pelo que se rege pelo clausulado das Condições Contratuais aplicáveis;
3 - Para cada contrato de seguro, existem as Condições Gerais aplicáveis aos contratos de seguro, no caso, do ramo vida, e as Condições Particulares que mais não são do que o que, em particular, as partes estipularam como vigorando para o contrato em concreto em que intervêm;
4 - Ora, no caso do contrato dos autos, consta das Condições Particulares do Contrato juntas como doc. nº 1 à contestação da Ré e que eram do perfeito conhecimento de E, que o contrato é um contrato “Vida AAA com atualização de capital”;
5 - A atualização do capital do seguro de vida associado ao crédito à habitação permite ajustar o valor do seguro, à medida que a dívida ao banco vai diminuindo;
6 - Tal, porém, não tem imediata correspondência com a diminuição proporcional e imediata do valor do prémio, sendo até provável que, no início do contrato, aumente ligeiramente;
7 - Isto porque o aumento que o prémio sofre em resultado do avançar da idade do titular pode ser superior à sua redução por via da diminuição do capital, em particular, no início do contrato, quando a maior parte da prestação é constituída por juros;
8 - Ora, no caso do contrato de seguro em análise, o mesmo teve o seu início em 01.02.2019 e o óbito de E ocorreu em 22.01.2020, ou seja, decorrido menos de um ano;
9 - Pelo que não colhe o alegado desequilíbrio contratual;
10 - Por outro lado, o capital seguro não faz parte da herança, nem os AA foram indicados como beneficiários do capital remanescente nas Condições Particulares do contrato, apenas constando como beneficiário o credor hipotecário.
11 - Termos em que, andou bem o Tribunal a quo ao ter julgado improcedente o pedido a este respeito formulado pelos AA;
12 - Finalmente, no que respeita à invocada litigância de má fé, jamais, na humilde perspectiva da Ré, a mesma poderá proceder;
13 - Com efeito, a Ré, em momento algum, pretendeu apresentar ao Tribunal um questionário de saúde com perguntas e/ou respostas diferentes das que efectivamente decorreram na entrevista telefónica que foi feita a E, aquando da celebração do contrato de seguro objecto dos presentes autos;
14 – O que sucede neste tipo de questionários telefónicos é que existe uma entrevista, com uma série de questões pré-elaboradas, no caso pela Advancecare, que é disponibilizada numa plataforma específica (TUP);
15 - Trata-se de um questionário em árvore, com perguntas e sub perguntas, que o entrevistador, um enfermeiro, utiliza como guia, inserindo na plataforma as respostas do entrevistado de forma sucinta e não transcrita na íntegra;
16 - Significa o supra exposto, que a versão em pdf que foi junta com a contestação e transcrita no artigo 14º dessa peça processual, não corresponde a uma transcrição absoluta do questionário telefónico que foi realizado, mas garante o sentido das respostas face às perguntas pré-elaboradas;
17 - De forma a permitir aos técnicos da Ré que fazem a análise do risco aquando da celebração dos contratos, uma análise técnica e clínica correcta do sentido das respostas dadas, em face das perguntas colocadas;
18 - Ora, foi isso que sucedeu no caso dos autos, muito embora tal particularidade não tivesse sido adequadamente explicada em sede de contestação, porquanto também não foi, impõe-se assumi-lo, transmitida pela Ré ao seu mandatário;
19 - Ou seja, o documento com o texto da entrevista que foi junto com a contestação, é um documento em pdf retirado da plataforma utilizada e não uma transcrição fiel do questionário que foi feito pelo entrevistador;
20 - Mas, apesar de não corresponder exactamente ao questionário telefónico, não pode, de maneira alguma, levar a concluir que a Ré pretendeu omitir, deturpar, alterar ou falsear o sentido das perguntas ou das respostas, tendo em vista induzir em erro o Tribunal ou os AA;
21 - Tanto assim que, em audiência, a Ré desde logo se disponibilizou para juntar a versão áudio, apesar da resistência demonstrada quanto à junção em fase de julgamento por parte dos AA;
22 - A Ré declinou o sinistro dos autos porque a Médica Pneumologista de E declarou, em 29 de junho de 2020 que “O doente supracitado foi seguido em consulta de patologia do sono desde 16-08-2013 por Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono de grau moderado (índice de Apneia-Hipopneia 16/hora).
Encontrava-se desde 2013 sob tratamento com CPAP, com bom controlo sintomático e dos índices residuais. Manteve seguimento regular em consulta com bom controlo sintomático” (sublinhado e negrito nossos), vide doc. nº 6 junto com a contestação
23 - Tendo considerado que, em face destes elementos era exigível a E que tivesse relatado à Ré esta sua patologia, designadamente, na resposta à pergunta 10.5, mesmo do modo resumido como foi feita na entrevista telefónica;
24 - Tudo o supra exposto foi relatado pela Ré ao Tribunal assim que, no decurso da audiência e perante a audição da gravação, se apercebeu da desconformidade entre o registo pdf e o registo áudio, vide requerimento da Ré de 22.09.2022;
25 - Termos em que a Ré:
• Não deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
• Não alterou a verdade dos factos ou omitiu factos relevantes para a decisão da causa;
• Não praticou omissão grave do dever de cooperação; e
• Não fez do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
26 - Devendo, consequentemente, improceder a condenação como litigante de má fé;
27 – Termos em que, com os fundamentos expostos, deve improceder o recurso subordinado interposto.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve ser negado provimento ao recurso subordinado apresentado em conformidade com as presentes alegações, assim se fazendo como sempre JUSTIÇA»
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O recurso foi admitido em 1ª instância, e mostrando-se cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.
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3. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art.ºs 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº 3 do mesmo Código).
In casu estamos perante:
-interposição de recurso principal por parte da Ré seguradora;
-dedução de ampliação do objecto do recurso com recurso da matéria de facto por parte dos autores recorridos a título subsidiário, para o caso de procedência do recurso interposto pela apelante no que à anulação do contrato diz respeito;
não se julgando admissível tal ampliação,
-interposição de recurso subordinado sobre a mesma matéria que serviria para fundamentar a ampliação e ainda,
-pagamento aos AA. do remanescente;
-condenação da Ré apelante como litigante de má fé.
Perante este modus procedendi e considerando que a matéria de facto apurada não foi posta em causa pela recorrente principal, e que a ampliação do objecto do recurso vem deduzida quanto à matéria da anulação do seguro, é a luz da matéria de facto fixada em 1ª instância que se há-de desde já apreciar o recurso principal.
3. Fundamentação de facto
A) Factos Provados
1. Os AA. são os únicos herdeiros do falecido E., sendo A. a sua mulher e os outros dois AA., os seus filhos (7º a 9º p.i.).
2. Por morte de E., os AA. são os únicos titulares, sem determinação de parte ou direito, do prédio urbano sito na XX, Estrada …, descrito na Conservatória do Registo Predial de XX sob o n.º … da freguesia de … e inscrito na matriz predial da união das freguesias de - sob o artigo … (10º p.i.).
3. Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, lavrada no ...º Cartório Notarial de Lisboa, em 4 de Dezembro de 1997, a cabeça-de-casal e o seu marido confessaram-se devedores ao Banco C , S.A. (atual Banco T, S.A.) da quantia de esc.: 22.000.000$00 (€109.753,54), que receberam a título de empréstimo para aquisição do imóvel acima identificado e para realização de obras, e constituíram hipoteca a favor do referido banco sobre o imóvel acima identificado (11º p.i.).
4. A cabeça-de-casal e o seu marido obrigaram-se, além do mais, a reembolsar o Banco S do referido montante mediante o pagamento de 300 prestações mensais e sucessivas de amortização do capital mutuado e juros (12º p.i.).
5. A cabeça-de-casal e o seu marido obrigaram-se ainda a contratar um seguro de vida (13º p.i.).
6. Por escritura pública de mútuo com hipoteca, outorgada no ....º Cartório Notarial de Lisboa, em 29 de Setembro de 2000, a cabeça-de-casal e o seu marido confessaram-se devedores ao Banco S, S.A. (atual Banco T, S.A.) da quantia de esc.: 15.000.000$00 (€74.819,68), que receberam a título de empréstimo para realização de obras de beneficiação na sua habitação própria e permanente, e constituíram hipoteca a favor do referido banco sobre o imóvel acima identificado (14º p.i.).
7. A cabeça-de-casal e o seu marido obrigaram-se ainda a contratar um seguro de vida (15º p.i.).
8. Por escritura pública de mútuo com hipoteca, lavrada no 17.º Cartório Notarial de Lisboa, em 15 de maio de 2001, a cabeça-de-casal e o seu marido confessaram-se devedores ao Banco S, S.A. (atual Banco T, S.A.) da quantia de esc.: 8.000.000$00 (€39.903,83), que receberam a título de empréstimo para realização de obras de beneficiação na sua habitação própria e permanente, e constituíram hipoteca a favor do referido banco sobre o imóvel acima identificado (16º p.i.).
9. A cabeça-de-casal e o seu marido obrigaram-se ainda a contratar um seguro de vida (17º p.i.).
10. Por escrito particular, assinado em 31 de janeiro de 2005, a cabeça-de-casal e o seu marido contraíram um empréstimo junto do Banco S, S.A. (atual Banco T, S.A.) no valor de €30.000,00, para fazer face a compromissos financeiros assumidos, e constituíram hipoteca a favor do referido banco sobre o imóvel acima identificado (18º p.i.).
11. O falecido E e a sua mulher obrigaram-se ainda a contratar um seguro de vida (19º p.i.).
*
12. No início de 2019, aconselhados pelo mediador, homónimo do falecido marido da cabeça-de-casal, E, a cabeça-de-casal e o seu marido optaram por terminar a relação contratual com a seguradora G e decidiram contratar um novo seguro de vida junto da seguradora, ora R., por razões económicas (20º p.i.).
13. Para o efeito, no dia 23 de Janeiro de 2019, o falecido E e a cabeça-de-casal, previamente à subscrição da proposta de adesão do seguro da R., responderam, individual e telefonicamente, ao questionário clínico da R., realizado por uma funcionária desta (21º p.i.).
14. No questionário clínico a E, foi perguntado o seguinte:
“Por motivos de controlo de qualidade e suporte às condições contratuais, a sua chamada será gravada. As informações recolhidas, serão utilizadas exclusivamente com este âmbito, garantindo a Seguradora a sua total confidencialidade. Autoriza o tratamento dos seus dados, que inclui informações relativas à sua saúde, e a respetiva gravação da chamada?
Sim
1. Indique o seu peso (kg)
72, mais ou menos
2. Indique a sua estatura (cm)
169
3. Qual é a sua atividade profissional habitual?
Vendedor, é a área que poderá estar relacionada com a agricultura
4. Pratica alguma atividade desportiva ou de competição?
Corridas e caminhadas, diária, e futsal à quarta-feira
5. Tem previsto viajar ou residir para fora de Portugal? (irrelevante férias até 30 dias e irrelevante residência ou viagens para Europa, Canadá, Estados Unidos, América Latina, Japão e Oceânia)
Não, viajo porque eu ando a saltitar, Alentejo
6. Tem valores alterados de tensão Arterial?
Não
[6.1. Encontra-se atualmente em tratamento?]
7. Tem ou teve valores alterados de Colesterol?
Não
8. É fumador ou já foi?
Não
9. Consome bebidas alcoólicas?
Sim, normalmente bebo o meu copinho de vinho às refeições
9.1 Quantas unidades por semana? (1 unidade = 1 copo de vinho, cerveja ou licor)
7; 1 por refeição
10.1 Doenças do coração, como angina de peito, enfarte do miocárdio, Valvulopatia, arritmia, sopro cardíaco, bypass coronário ou outras?
Não
10.2 Doenças vasculares, como embolia, hemorragia cerebral, acidente isquémico transitório, AVC, trombose venosa profunda, varizes ou outras?
Não
10.3 Diabetes, níveis alterados de glicose no sangue ou intolerância à glicose?
Não
10.4 Algum tipo de cancro, como cancro do pulmão, mama, do colorretal ou outras doenças tumorais, como leucemia, linfoma, melanoma, tumor cerebral ou da medula?
Não
10.5 A nível respiratório, enfisema pulmonar, bronquite, asma, tuberculose, alguma outra situação?
[Doenças pulmonares ou do aparelho respiratório, tais como, enfisema pulmonar, bronquite, asma, tuberculose ou qualquer outro transtorno que não tenha sido referido]
Não
10.6 Doenças do aparelho digestivo, tais como colite ulcerosa, doença de Crohn ou outras?
Não
10.7 Doença do fígado ou do pâncreas ou vesícula, tais como hepatite, cirrose ou pancreatite?
Não
10.8 Doenças genitourinárias, tais como próstata, útero, ovários, doença do rim, cálculos, incontinência, albumina, sangue na urina ou doenças de transmissão sexual?
Não
10.9 Alterações ou lesões ósseas, musculares ou reumatóides, como hérnias discais, artrite, osteoporose, fibromialgia, síndrome de fadiga crónica, artrose ou outras?
Não
10.10 Doenças mentais, psicológicas, do sistema nervoso, tais como depressão, ansiedade ou ataques de pânico, esquizofrenia, transtornos alimentares, esclerose múltipla, epilepsia, meningite, doenças degenerativas ou outras?
Não
10.11 Alguma outra doença endócrina, como hipertiroidismo, hipotiroidismo, bócio?
Não
10.12 Alterações a nível da audição, vertigens, pólipos nasais ou das cordas vocais?
(Alguma alteração da garganta, nariz ou ouvidos, como diminuição da audição, vertigens, pólipos ou outras)
Não
10.13 Alguma alteração dos olhos ou perda de visão, como glaucoma, cataratas, miopia, descolamento de retina ou outras?
Não
10.14 Alguma doença da pele, tal como eczema, psoríase ou dermatite?
Não
10.15 Alguma doença ou alteração do sangue, como anemia, hemofilia ou outras?
Não
11. Tem previsto submeter-se a algum exame médico (análises, TAC, RNM, ...), investigação, tratamento ambulatório, hospitalar ou cirúrgico ou está à espera de algum resultado de diagnóstico?
Não, normalmente faço análises
12. Alguma vez deu positivo ou aguarda realizar um teste de HIV (SIDA) ou teste de hepatite B ou C?
Não
13. Atualmente faz algum tipo de medicação diária, comprimidos, gotas, xarope?
(Toma atualmente algum medicamento ou está ou esteve a fazer algum outro tratamento médico, psicológico, psiquiátrico ou de reabilitação que ainda não nos tenha declarado? (em caso afirmativo, dê detalhes, como dose, motivo, ...))
Não
14. Consome ou já consumiu alguma vez drogas ou esteróides anabolizantes?
Não
15. Foi hospitalizado ou sofreu alguma intervenção cirúrgica em consequência de doença ou acidente? (omitir intervenções às amígdalas, apêndice, adenóides, partos, hérnias abdominais externas ou fraturas curadas e sem sequelas)
Não
16. É portador de algum grau de incapacidade física, psíquica ou sensorial?
Não
17. Encontra-se atualmente em situação de baixa laboral por doença ou acidente ou encontra-se a aguardar decisão sobre um pedido de incapacidade ou invalidez? (Não é necessário que indique baixas por maternidade)
Não, estou no ativo
18. Alguma vez uma proposta de seguro de vida lhe foi recusada ou aceite com agravamento ou exclusão?
Não
(19. Qualquer outra doença ou alteração não mencionada anteriormente?)”.
15. Foi ainda perguntado ao marido da cabeça-de-casal se pretendia beneficiar de um desconto de 17% no pagamento do prémio, sendo que para o efeito necessitaria de fazer um teste em farmácia ou laboratório para comprovar que não fumava (24º p.i.).
16. O E respondeu que não podia fazer esse teste brevemente, por questões de agenda profissional, mas veio a fazê-lo – o teste “hábitos saudáveis” – no sábado seguinte, tendo passado a beneficiar do referido desconto (25º p.i.).
17. Terminado o questionário, a funcionária confirmou que a adesão ao seguro vida estava feita (26º p.i.).
18. A cabeça-de-casal e o seu marido contrataram, assim, no dia 25.01.2019, com efeitos a partir de 01.02.2019 e termo em 01.02.2031, um novo seguro de vida, junto da Seguradora Z, denominado “Vida AAA”, titulado pela apólice n.º 000xxx, pelo qual a R. se obrigou, mediante o pagamento de um prémio, além do mais, ao abrigo da cobertura principal de morte, ao pagamento do capital (ais) em dívida junto do Credor Hipotecário/Beneficiário, até ao limite do capital seguro contratado (€76.985,00), conforme previsto, além do mais, na cláusula 2., ponto 2.1 e cláusula 20 das Condições Gerais e Especiais e, bem assim, nas Condições Particulares (27º p.i.).
19. Assim, em caso de morte da A. cabeça-de-casal ou do seu marido, a seguradora obrigou-se, além do mais, a pagar ao beneficiário do seguro de vida, Banco T, S.A., os valores que permanecessem em dívida referentes ao crédito hipotecário, até ao limite do capital seguro contratado (28º p.i.).
*
20. Em 2013 – em data não concretamente apurada -, E foi diagnosticado com síndrome de apneia obstrutiva de sono, tendo passado a ser seguido, desde 16.08.2013, em consulta de patologia de sono pela Dra. F (42º p.i.).
21. Assim que começou a ser seguido pela Dra. F, pneumologista especialista em pneumologia e medicina do sono, procurando ir ao encontro das indicações da mesma, E logrou assegurar uma expressiva diminuição dos factores de risco associados à apneia de sono. Em consequência, passou a fazer exercício físico, a dormir número de horas suficientes; a alimentar-se de forma saudável, tendo ainda deixado de fumar e perdido peso (43º p.i.).
22. E conseguiu, por conseguinte, mitigar os factores de risco associados à doença (44º p.i.).
23. Em data não concretamente apurada, mas no início do mês de maio de 2019, o marido da cabeça-de-casal começou a sentir uma tosse desconfortável, com expectoração, falta de ar (dispneia) e uma dor no peito (toracalgia), motivos pelos quais, no dia 14 de Maio de 2019, se dirigiu ao Hospital da CUF Descobertas (29º p.i.).
24. Após ter sido avaliado, foi submetido a uma radiografia de tórax, a qual revelou uma hipotransparência no 1/3 médio do campo pulmonar esquerdo (30º p.i.).
25. Consequentemente, o marido da cabeça-de-casal foi submetido a uma tomografia computorizada (TC) de tórax, a qual veio a revelar uma extensa condensação do lobo inferior esquerdo (31º p.i.).
26. Posteriormente, realizou uma broncofibroscopia com biópsias, a qual veio a revelar um adenocarcinoma do pulmão do lobo inferior esquerdo (32º p.i.).
27. Apesar da pneumectomia realizada e de outros tratamentos e terapêuticas necessários, a doença neoplásica maligna diagnosticada progrediu e, em consequência disso, E veio a falecer no dia 22.01.2020 (33º p.i.).
*
28. A cabeça-de-casal, através do mediador supra identificado, encetou as diligências necessárias para fazer accionar o seguro de vida, a fim de assegurar o pagamento do capital em dívida ao Banco beneficiário, participando o sinistro à R. (34º p.i.).
29. A 28.01.2020 a A. A. participou à R. o óbito do seu marido (22º cont.).
30. Tendo, para o efeito, entregue à R. o Certificado de Óbito do seu marido (23º cont.).
31. Consta do aludido Certificado de Óbito que E faleceu no Hospital Pulido Valente (Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE), sendo indicado, a título de “Causa de Morte”:
“Parte I a) Adenocarcinoma do pulmão estadio IV.
Parte II Pneumectomia esquerda, HTA, SAOS” (24º cont.).
32. A R., após ter sido informada do óbito de E., solicitou à cabeça-de-casal mais informação e documentação clínica do marido (35º p.i.).
33. Após o que a A. disponibilizou à R. três relatórios clínicos, concretamente:
a) Um relatório clínico do Centro Hospitalar de Setúbal, EPE, nos termos do qual consta que E era seguido em consulta de patologia do sono desde 16.08.2013 por
Ação de Processo Comum
SAOS – Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono, encontrando-se em tratamento desde a referida data com CPAP, com seguimento regular;
b) Um relatório clínico do Centro Clínico Champalimaud, nos termos do qual consta que em Maio de 2019 foi diagnosticado a E  Adenocarcinoma do pulmão, sendo referido como comorbilidade SAOS controlado em consulta de Pneumologia;
c) Um relatório clínico do Hospital …, nos termos do qual consta que em maio de 2019 E foi avaliado por tosse produtiva e toracalgia, tendo realizado exames com biopsias compatíveis com Adenocarcinoma do pulmão (26º cont.).
34. No relatório clínico de 11.05.2020, assinado pela Dra. F, a mesma escreveu, a propósito da justificação para a cirurgia de pneumectomia a que E  se sujeitou: “(…) Por se tratar de doente jovem, sem doença respiratória ou cardiovasculares conhecidas e sem medicação crónica, com bom performance status foi decidida em reunião multidisciplinar como tratamento inicial indicado a opção cirúrgica.(…) ” (48º p.i.).
35. A Dra. F escreveu no seu relatório que o E foi “(…) avaliado em consulta de pneumologia por modificação de queixas respiratórias com início em 2019” (58º p.i.).
36. A Dra. F esclareceu, no relatório de 11.05.2020, que a Síndrome de Apneia do Sono referida na Parte II do atestado de óbito aparece aí como doença ou condição associada da doença oncológica (64º p.i.).
37. Na carta de 22.05.2020 escreveu a R. que:
“(…) É factual que:
(…) Segurado foi avaliado em consulta de Pneumologia por modificações de queixas respiratórias com início Maio 2019 (ou seja, já havia outro tipo de queixas respiratórias prévias)” (59º p.i.).
38. A Dra. PG, pneumologista na Fundação Champalimaud, escreveu no relatório assinado no dia 01.07.2020: “(…) De referir ainda como comorbilidade SAOS seguido e controlado em Consulta de Pneumologia, sem qualquer relação com a doença oncológica (…)” (65º p.i.).
39. A R. veio a informar a cabeça-de-casal, por carta datada de 04.08.2020, que se eximia de qualquer responsabilidade pelo sinistro, não acionando, portanto, a cobertura de morte contratada, e, bem assim, que anulava a apólice de seguro do seu marido, nos termos do artigo 25.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (36º p.i.).
40. Tudo isto por, segundo referiu a R., “(…) termos constatado de que da proposta de seguro subscrita por E constam inexactidões e omissões, nomeadamente quanto ao facto de sofrer de SAOS (Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono) inclusivamente com tratamento com CPAP à data da celebração do contrato, que têm influência na apreciação do risco (…)” (37º p.i.).
41. Por e-mail datado de 30.08.2020, a R. referiu “(…) informamos que temos factos objectivos que consubstanciam a nossa posição, na medida em que houve lugar a uma questão colocada ao segurado aquando da subscrição do contrato, sobre patologias respiratórias, tendo o mesmo respondido negativamente.
A SAOS (Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono), neste caso, era uma patologia relevante e o segurado não poderia ter alegado o seu desconhecimento – esta falsidade na entrevista clínica influenciou casualmente a celebração do contrato.” (38º p.i.).
42. A Dra. F., por declaração assinada no dia 15.10.2019, esclareceu que E foi “(…) avaliado pela primeira vez em consulta a 14 maio 2019 (…) por aparecimento de tosse, expetoração e dispneia (…)” (61º p.i.).
*
43. A referida patologia dá sintomas e sinais, como dificuldade em dormir, cansaço permanente, dificuldades respiratórias, alteração dos batimentos cardíacos, que não passam despercebias ao doente (28º cont.).
44. O diagnóstico de Síndrome de Apneia Obstrutiva do Sono não é feito com exames de rotina, mas com exames específicos, concretamente, a realização de uma polissonografia ou de uma poligrafia cardiorrespiratória (29º cont.).
45. Exigindo acompanhamento médico da especialidade (30º cont.).
46. Quando há necessidade de recorrer à utilização do CPAP, como foi o caso, estamos perante um grau de apneia moderado a severo, cujo tratamento com outros mecanismos, como tiras nasais, exercício físico ou perda de peso, se tornaram ineficazes (31º cont.).
47. O CPAP é um aparelho que é utilizando durante o sono para tentar diminuir a ocorrência da apneia de sono, evitando o ronco, durante a noite, e melhorando a sensação de cansaço, durante o dia (32º cont.).
48. Sendo o seu uso prescrito apenas em casos de absoluta necessidade (33º cont.).
49. A SAOS provoca uma menor oxigenação do sangue (58º cont.).
50. Tendo como principais problemas associados maior risco de acidentes, maior risco de acidente vascular cerebral e diabetes (59º cont.).
51. Para a avaliação do risco e decisão de aceitação ou não de um contrato de seguro do ramo Vida, a R. socorre-se de tabelas, com classificação das doenças, suas características e suas consequências (57º cont.).
52. Caso a R. tivesse tido conhecimento do historial clínico de E, com a idade que o mesmo tinha à data da celebração do contrato, teria agravado a cobertura de invalidez em 50% (61º cont.).
*
53. A recusa da R. em garantir o sinistro, alegando que o seu marido e pai mentiu, trouxe, e ainda traz, extrema ansiedade e transtorno aos AA. (80º p.i.).
54. A recusa da R. em garantir o sinistro e, em consequência disso, o risco de os AA. se verem confrontados com o pagamento integral das prestações bancárias mensais produziu, e continua a produzir, uma intensa perturbação do equilíbrio psicoemocional dos AA. (81º p.i.).
55. A recusa da R. em garantir o sinistro tem acarretado uma grande humilhação para os AA. e provocado neles efeitos emocionais de tristeza e um sentimento de limitação constrangedor (82º p.i.).
56. A A. cabeça-de-casal se encontra num estado de depressão, clinicamente comprovado (85º p.i.).
*
57. Na data de estava em dívida ao Banco T o montante total de €62.225,79 (94º p.i.).
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Mais se provou que:
58. Consta do contrato de seguro, na parte atinente à “Cláusula Beneficiária”, o seguinte: “Beneficiários em caso de morte: Credor hipotecário pelo capital em dívida a título irrevogável, remanescente para a(s) pessoa(s) ou entidades(s) indicada(s) como beneficiário(s) nas Condições Particulares. Quando não sejam indicados beneficiários para o remanescente, este será atribuído aos herdeiros legais nos termos definidos nas Condições Gerais da Apólice”.
B) Factos Não Provados
a) Tendo, consequentemente, deixado de fazer o tratamento com CPAP a partir de 2017 (44º p.i.).
b) À data da celebração do contrato de seguro, a apneia outrora diagnosticada já não abalava a saúde do marido da cabeça-de-casal, e, por isso, nem sequer era encarada por este como uma patologia respiratória relevante (45º p.i.).
c) O marido da cabeça-de-casal, à data da celebração do contrato de seguro, era uma pessoa saudável (47º p.i.).
d) Pois têm desistido da maioria dos convívios sociais e até de pequenos prazeres, tais como almoços ou jantares fora (82º p.i.).
e) A iminência de poderem de ter de suportar quatro empréstimos poderá, no limite, levá-los a uma situação de incumprimento perante o Banco credor e, em consequência, fazê-los perder a casa morada de família, onde a cabeça-de-casal e o seu marido investiram todas as suas poupanças, e onde os seus filhos, aqui também AA., cresceram (84º p.i.).
f) Por último, a A. cabeça-de-casal encontra-se desempregada, na sequência do despedimento coletivo pela TAP, o que agudiza o transtorno e ansiedades vividos (86º p.i.).
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4. Fundamentação de Direito
Do recurso principal
Da anulabilidade do contrato de seguro:
Antes de mais cumpre caracterizar o contrato dos autos. A Lei do Contrato de Seguro[1], não define o contrato de seguro. O art.º 1º da LCS dá uma ideia através da referência das suas principais características. Assim, pode definir-se o contrato de seguro como aquele em que uma das partes (segurador) se obriga, contra o pagamento de certa importância (prémio), a indemnizar outra parte (segurado ou terceiro) pelos prejuízos resultantes da verificação de determinados riscos ou, nas palavras de José Vasques «é o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto»[2].
Considerando as cláusulas insertas neste contrato de seguro o mesmo configura um seguro do ramo vida, associado ao contrato de crédito celebrado entre a 1ª A. e o seu falecido marido e o Banco T, S.A., sendo estes os tomadores do seguro e a entidade bancária a beneficiária.
No contrato de seguro estavam cobertos o risco morte, invalidez absoluta e definitiva, invalidez definitiva para a profissão ou actividade compatível 60%.
A primeira questão que urge decidir neste âmbito, e tal como vem colocada pela seguradora apelante, é a da violação pelo tribunal a quo do preceituado nos arts.24º, nº1 e 25º, nº3 e 5 do Dec.Lei nº 72/2008, de 16.4 e art.ºs254º, 342º, nº 2, 398º, 405º, 406º, nº1 e 473º do CCivil e, ainda, das cláusulas 4.1 e 4.2.,  5.2, 5.3, 13 e 20, das Condições Gerais do Contrato de Seguro celebrado.
Diverge a apelante do entendimento do tribunal na medida em que considerando haver uma desconformidade directa entre as respostas dadas pelo segurado ao questionário médico e a sua situação clínica à data do preenchimento da proposta, que era do seu próprio conhecimento e tendo, por tal, concluído pela sua conduta dolosa, ainda assim julgou improcedente a excepção de anulabilidade do contrato por considerar não ter ficado provado o requisito da essencialidade do erro.
Argumenta a apelante com o facto dado como provado sob o nº 52, que compete recordar:
«Caso a R. tivesse tido conhecimento do historial clínico de E, com a idade que o mesmo tinha à data da celebração do contrato, teria agravado a cobertura de invalidez em 50%.»
Daqui resulta que, caso a seguradora tivesse tido conhecimento do historial clínico do segurado, não teria recusado a celebração do seguro tout court mas teria agravado o prémio em 50% para a cobertura de invalidez. Cfr. ponto 52.
Em causa está, pois, a declaração inicial de risco e a anulabilidade do contrato de seguro e as suas consequências.
Vejamos a legislação aplicável ao caso.
Dispõe o art.º 24º, do RJCS sob a epígrafe «Declaração inicial do risco» na parte ora relevante:
«1 - O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito. (…)»
Esta disposição legal estabelece, o conteúdo do dever do tomador, ou do segurado, na emissão da declaração inicial de risco, determinando que é seu dever: 1) declarar com exactidão; 2) todas as circunstâncias que conheça; 3) e que razoavelmente deva ter por significativas para a avaliação do risco pelo segurador.
Já o nº 2 do mesmo preceito estende este dever ao de revelação das circunstâncias relevantes mesmo aos casos em que não sejam mencionadas/indicadas no questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito (ou seja, nos casos de sistema do questionário aberto). A lei refere-se ao tomador, ou ao segurado, como o «contraente concreto».
No caso específico dos seguros de saúde, o citado art.º  24º, nº 1, impõe ao tomador, ou ao segurado, o dever de informarem as circunstâncias relativas à saúde que conhecem no momento da emissão da declaração inicial de risco e que, para um segurador medianamente cuidadoso na avaliação dos riscos que assume, sejam objectivamente de considerar relevantes para a decisão de contratar e/ou para a definição concreta do conteúdo do contrato.
No caso do tomador ou do segurado incumprirem o dever que lhes incumbe nos termos do nº1 do referido art.º 24º, devido a prestação de declarações inexactas ou omissas no que se refere a circunstâncias significativas aquando da emissão da declaração inicial de risco, o legislador distinguiu os casos em que tal incumprimento resulta de actuação dolosa dos casos em que resulta de uma actuação negligente.
O art.º 25º, sob a epígrafe «Omissões ou inexactidões dolosas» (na parte que aqui releva), dispõe:
«1 - Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.
2 - Não tendo ocorrido sinistro, a declaração referida no número anterior deve ser enviada no prazo de três meses a contar do conhecimento daquele incumprimento.
3 - O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade…».
Sob a epígrafe «Omissões ou inexactidões negligentes» (na parte que aqui releva), dispõe o art.º 26º:
«1 - Em caso de incumprimento com negligência do dever referido no n.º1 do artigo 24.º, o segurador pode, mediante declaração a enviar ao tomador do seguro, no prazo de três meses a contar do seu conhecimento: a) Propor uma alteração do contrato, fixando um prazo, não inferior a 14 dias, para o envio da aceitação ou, caso a admita, da contraproposta; b) Fazer cessar o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos para a cobertura de riscos relacionados com o facto omitido ou declarado inexactamente.
2 - O contrato cessa os seus efeitos 30 dias após o envio da declaração de cessação ou 20 dias após a recepção pelo tomador do seguro da proposta de alteração, caso este nada responda ou a rejeite…
4 - Se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexactidões negligentes: a) O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente; b) O segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio».
Conclui-se, assim, que qualquer dos vícios referidos nos nestas disposições legais se reportam à fase da formação do contrato de seguro já que prestação de declarações inexactas e/ou omissão de circunstâncias relevantes sobre a saúde do segurado impedem a formação de uma vontade real da por parte da seguradora, uma vez que a vontade que esta vai formar vai assentar em realidade que não corresponde à verdade dos factos já que os mesmos lhe foram omitidos ou não transmitidos de forma cabal.
A propósito da aplicação do regime no art.º 25º, segundo o qual a prestação de declarações inexactas ou omissão de circunstâncias clínicas relevantes permite à seguradora proceder à anulação do contrato de seguro, tem sido entendimento uniforme da Jurisprudência do STJ que necessário se torna a verificação de dois requisitos, cujo ónus de prova impende sobre a seguradora: 1) a causalidade entre o dolo e o erro; e 2) a essencialidade do erro para a celebração do contrato.
Pode concluir-se que o elevado grau de relevância que a declaração inicial do risco assume no âmbito do contrato de seguro advém da sua finalidade específica consistir precisamente na transferência do risco de determinado sinistro para a seguradora (mediante uma contrapartida).
No Ac. do STJ de 08/03/2022 a propósito, defende-se que «Essa especial relevância explica-se, por um lado, por ser o tomador do seguro ou o segurado quem melhor conhece o risco de que se quer proteger; compreendem-se, assim, quer o significativo ónus de revelar completamente e com verdade o risco a segurar, quer as consequências de declarações falsas ou omissivas, determinantes para a celebração do contrato. Mas igualmente se explica, por outro lado, e agora na perspectiva da seguradora, pela necessidade de proteger a segurança na formação da decisão de contratar e de aceitação do âmbito e condições de cobertura, ou dos termos da contrapartida, para apenas referir alguns pontos ostensivamente dependentes da possibilidade de real avaliação do risco em jogo - ou seja, da probabilidade de o sinistro ocorrer durante a vigência do contrato (…)».[3]
No Ac. do STJ de 30/11/2022 escreve-se que «Trata-se, afinal, da relevância do princípio da boa-fé na fase pré-contratual, dever adstrito aos contraentes (a conformação da conduta de qualquer das partes envolvidas com os ditames de um correcto, honesto e leal proceder), que se reconduz não só na obrigação do tomador do seguro ou do segurado declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador (artigo 24.º, n.º1, do RJCS), como na imposição, à entidade seguradora, de conduzir todo o processo negocial com lisura procedimental, em nome da tutela da confiança da contraparte, reflectida quer na elaboração e teor do questionário, quer no esclarecimento do tomador ou segurado acerca da relevância do dever de informação exacta que sobre o mesmo impende (cfr. artigos 24.º, n.º 3 e 4, do RJCS)»[4]
Na mesma esteira, no Ac. do STJ de 02/12/2013decidiu-se, precisamente, que «Nos contratos de seguro a característica da boa fé merece especial realce por a decisão de contratar por parte da seguradora se basear quase em exclusivo nas declarações do segurado ao momento da sua subscrição».[5]
No Ac. do STJ de 19/06/2019, decidiu-se que «(…) IV - A sanção da anulabilidade do contrato de seguro, contemplada no artigo 25º nº 1 do RGCS não é mais que a previsão de um caso de erro vício de vontade. V - Trata-se de uma particularização do regime da anulabilidade do erro causada por dolo, previsto em geral no artº 254º do Código Civil. VI – Cabe à seguradora o ónus de provar o erro, a sua relevância e a existência do dolo (artº 342º nº 2, do Código Civil (…)».[6]
E citando mais uma vez o Ac. do STJ de 30/11/2022, por absolutamente relevante: «(…) III – As declarações inexactas ou omissões passíveis de determinar a anulabilidade do contrato, nos termos do artigo 25.º, do RJCS, terão de ser essenciais na contratação do seguro, ou seja, determinantes da vontade (viciada) de contratar o respectivo negócio, essencialidade que deverá ser alegada e demonstrada pela seguradora. IV – Consequentemente, embora se encontre provado que o Segurado prestou informações inexactas com vista à celebração do contrato de seguro (ainda que referentes a circunstâncias que razoavelmente devia ter por significativas para a apreciação do risco, uma vez que constavam de questionário fornecido pela Ré seguradora quando da adesão), as mesmas não afectam a validade do contrato celebrado para efeitos de aplicação do regime previsto no artigo 25.º, do RJCS, uma vez que a Ré não alegou nem demonstrou que se tivesse conhecimento dos factos omitidos não teria celebrado o contrato de seguro, ou tê-lo-ia celebrado noutras condições»
Ainda no Ac. do STJ de 08/03/2022 decidiu-se: «(…) IX - Uma omissão dolosa determinante da celebração do contrato confere à seguradora o direito de opor a anulabilidade do contrato, nos termos do art.º 25.º, n.º 1 do RJCS. Trata-se, no fundo, de uma particularização do regime da anulabilidade do erro causada por dolo, previsto em geral no art.º 254.º do CC, cabendo à seguradora o ónus de provar o erro, a sua relevância e a existência do dolo (art.º 342.º, n.º 2, do CC). X - Resultando apenas provado que: “Se a ré tivesse tido conhecimento das doenças do falecido, e dependendo da evolução ao tempo, não teria aceitado celebrar o contrato de seguro ou, pelo menos, e após o pedido de exames médicos com avaliação clínica, teria aplicado um sobre prémio para o risco morte ou recusado cobrir determinados riscos” – e não que, não fora o erro provocado pelo dolo, o contrato não teria sido celebrado –, tal é insuficiente para a procedência da excepção de anulabilidade do seguro, por falta de prova da essencialidade do erro».
Visto o regime legal e a jurisprudência pertinente, vejamos o caso dos autos
O tribunal a quo, analisada a factualidade adquirida, concluiu que o falecido não foi questionado a propósito de doenças pulmonares, tendo sido questionado sobre doenças respiratórias, exemplificando-se com doenças típicas desta espécie, designadamente, a bronquite e a asma. Não tendo dúvidas que a SAOS é uma doença respiratória, provocando, apneias do sono concluiu que a patologia omitida foi objecto de pergunta directa no questionário e não podendo o segurado deixar de conhecer a relevância desta matéria para a celebração do contrato de seguro, concluiu pela sua actuação omissiva dolosa. Escreve-se a propósito «Em conclusão, perante a demonstração da omissão, no questionário clínico, da indicação de que o proponente padecia da doença respiratória SAOS, quando é certo que o proponente sabia deste facto, à luz das regras gerais de interpretação das declarações negociais, devemos considerar que essa omissão lhe é imputável (art.º  236º, nº 1 do CC).
Há, pois, uma desconformidade directa entre as respostas dadas no questionário médico e a situação clínica do segurado à data do preenchimento da proposta, a qual era do conhecimento deste, pelo que entendemos estar demonstrada a conduta dolosa do segurado.»
Com fundamento nesta conclusão do tribunal a quo, entende a Ré/Recorrente que se verificam os requisitos conducentes à procedência da exceção de anulabilidade por falsas declarações, pelo que, deve a decisão ora recorrida ser revogada e substituída por uma outra que, julgue a acção improcedente.
Na verdade, a Ré seguradora logrou cumprir o ónus de provar que o falecido incumpriu obrigação, relativa à declaração inicial de risco, que para si decorria do disposto no nº1 do art.º 24º do RJCS ou seja, que produziu declaração inexacta ou omissa, sob a forma dolosa (art.º 25º do RJCS).
Porém, a aplicação do regime previsto no art.º 25º do RJCS depende do preenchimento de todos os requisitos legais a saber: 1) a causalidade entre o dolo e o erro; e 2) a essencialidade do erro para a celebração do contrato.
Cumpre, assim, apreciar se tais requisitos se mostram preenchidos e neste conspecto há que concluir que se a apelante demonstrou a existência de erro e dolo, já não provou a essencialidade do erro para a celebração do contrato de seguro.
Conforme se referenciou a apelante provando o erro, provou que se tivesse tido conhecimento do historial clínico de E, com a idade que o mesmo tinha à data da celebração do contrato, teria agravado a cobertura de invalidez em 50%. Não provou que nunca teria celebrado o contrato e tal torna-se facto determinante para o sucesso da posição da apelante. Conforme se decidiu em Acórdão do Supremo Tribunal de 29 de Junho de 2017, «É certo que uma omissão dolosa determinante da celebração do contrato confere à seguradora o direito de opor a anulabilidade do contrato: nº 1 do artigo 25º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro. Trata-se, no fundo, de uma particularização do regime da anulabilidade do erro causado por dolo, previsto em geral no artigo 254º do Código Civil.»[7] e não tendo demonstrado que não celebraria o contrato de seguro caso a omissão não tivesse sido produzida, não demonstrou os factos que espelhem a necessária essencialidade do erro, com vista à declaração da anulabilidade do contrato de seguro.
Há-de concluir-se, assim, não ter provado o preenchimento dos requisitos da essencialidade do erro, previsto no art.º 25º do RJCS o que basta para fazer naufragar a sua pretensão de obter a anulação do contrato de seguro, pelo que se considera o seguro válido para todos os legais efeitos.
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Considerando que a apelação não teve provimento no que aos fundamentos aventados a propósito da anulação do seguro diz respeito, e que o fundamento da deduzida ampliação do objecto do recurso apresentada se restringia à matéria da anulação do contrato de seguro, o conhecimento da ampliação fica prejudicado.
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Contabilização do acréscimo em 50% do prémio que foi cobrado:
Tratando-se de questão nova, não pode ser conhecida por via de recurso. Contudo sempre se dirá que a ré nunca peticionou esta quantia para o caso da improcedência da excepção da anulabilidade do seguro pelo que nunca o poderia fazer em sede de recurso.
Obrigação de devolução pela A. das quantias pagas pelos AA. e as que venham a suportar com empréstimos bancários, desde que cessou a moratória de que beneficiavam:
Defende a apelante que nunca poderia ser obrigada a devolver aos AA. as quantias por estes já suportadas e que venham a suportar com os empréstimos bancários, desde que cessou a moratória de que beneficiavam. Entendem que ao condenar a seguradora a pagar ao Banco o capital que se encontrava em dívida à data do óbito da pessoa segura o tribunal está a reportar a essa data os efeitos do contrato e o fim do empréstimo bancário, na medida em que com o pagamento do capital que estava em dívida em 22.1.2020 o empréstimo bancário extingue-se com efeitos à referida data pelo que, todas as quantias entretanto liquidadas pelos AA. terão de ser-lhes devolvidas pela instituição bancária porquanto foi ela quem recebeu as mesmas, sob pena de enriquecimento sem causa.
De todo o modo, alegam, que tal não corresponde ao previsto no art.º 20º das condições gerais do contrato de seguro.
Entendeu o tribunal a quo que aos AA. assistia o direito de obter da R./Recorrente o pagamento de todas as quantias que suportaram e que venham a suportar, com respeito aos empréstimos em causa, desde que cessaram a moratória de que beneficiavam.
Na verdade, desde a data do sinistro que os AA. liquidaram quantias que não foi possível apurar decorrentes do cumprimento do mútuo.
A jurisprudência tem considerado que, no caso de não ser liquidada pela Seguradora o capital que garante o cumprimento do contrato de mútuo, em conformidade com as respectivas cláusulas contratuais, o pagamento forçado suportado pelos autores fica submetido à obrigação que para a Ré emerge directamente do seguro.
Conforme se defendeu no Ac. Rel. Porto de 05/03/2015, «(…) as AA cumpriram voluntariamente as obrigações do mútuo que se venceram e essas obrigações não carecem de causa, que é o mútuo. Por outro lado, está liminarmente excluída a possibilidade do mutuante receber as prestações em duplicado, sendo que neste caso é a seguradora que tem de devolver aos herdeiros do mutuário, as prestações por estes pagas depois do sinistro.
Por isso, não se afigura correcto convocar o enriquecimento sem causa para obrigar à restituição das prestações que pagaram porque a Seguradora não assumiu o sinistro.
Assim, aceitando a posição maioritária da jurisprudência de que os dois contratos (mútuo e seguro de grupo vida) mantem autonomia funcional e de objectivos próprios, entendemos não haver fundamento legal para condenar a Apelante mutuante a devolver aos herdeiros do mutuário as prestações por estes pagas depois do falecimento do segurado/mutuário.
De resto, como refere a Apelante na sua conclusão 13ª, as AA em nada são prejudicadas porque lhe assiste o direito de receber da Seguradora as quantias que pagaram ao Banco a coberto das obrigações do mútuo, pois aquela (1ª Ré) está obrigada a responder, nos termos da apólice, pelo capital em dívida à data do sinistro e também em nada prejudica a Seguradora, porque o que a venha a pagar ao Banco somado do que pagar aos AA a título de reembolso do que estas liquidaram das prestações do mútuo durante a mora, não ultrapassará nunca, antes coincidirá exactamente, com o montante do capital em dívida à data do sinistro».
Destarte, Procede, pois, a apelação da Apelante E…, tendo a sentença recorrida na parte em que foi objecto do recurso, ou seja, na parte em que condena a Apelante a restituir às AA os valores por elas entregues em cumprimento dos contratos de mútuo, em momento posterior àquele em que a 1ª Ré deveria ter procedido à liquidação, acrescidos de juros de mora desde esse momento até efectivo e integral pagamento.
A extinção por cumprimento da obrigação que impendia sobre as AA perante o Banco por força dos contratos de mútuo, decorre da sentença e da improcedência do recurso da Seguradora.»[8](sublinhado nosso)
Destarte, bem andou a sentença recorrida quando condenou a Ré a pagar aos AA. as quantias por estes pagas desde a data do sinistro porém, a condenação nestes termos, exclui a condenação da apelante no pagamento ao Banco da quantia que se encontrava em dívida, no dia 22.01.2020, relativamente aos contratos de mútuo bancário a apurar em sede de liquidação de sentença. A manter-se ambas as condenações, chegaríamos a uma situação em que a instituição bancária receberia duas vezes: uma por parte dos AA. e outra por parte da seguradora e esta, pagaria duas vezes: uma ao Banco e outra aos AA.
Assim, procederá parcialmente a apelação mantendo-se a sentença recorrida na parte em que em que condena a Apelante a pagar aos AA. os valores por eles entregues em cumprimento dos contratos de mútuo, em momento posterior àquele em que a Ré deveria ter procedido à liquidação, ou seja, após a data do sinistro, mas altera-se o decidido sob o ponto 2, do dispositivo, apenas se condenando a Ré a pagar ao Banco T, S.A., a quantia que se encontrava em dívida, no dia 22.01.2020, relativamente aos contratos de mútuo bancário aludidos em 1., deduzida dos valores entretanto pagos pelos AA. em cumprimento dos contratos de mútuo, todos os valores a apurar em sede de liquidação de sentença.
Deste modo, a apelação procede parcialmente.
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Recurso Subordinado
Ficando vencidas ambas as parte quanto ao objecto do processo cada uma tem legitimidade para interpor recurso, o qual será apreciado e tramitado com total autonomia. Cfr. art.º 633º do CPCivil.
Remanescente do capital seguro
Os AA. peticionaram o pagamento do remanescente do capital seguro, pedido que não mereceu procedência com o fundamento de no contrato ter ficado consignado como único beneficiário o Banco. E constando das condições particulares que será a este que deverá ser pago o remanescente.
Não se conformam os AA., recorrentes subordinados com tal decisão. Vejamos se lhes assiste razão.
Argumentam que o prémio pago manteve-se constante durante a vigência do contrato porém, o capital em dívida ao credor hipotecário foi diminuindo à medida que o tomador do seguro ia pagando as prestações bancárias devidas, circunstância que não foi levada em consideração pela Ré, que nunca actualizou o valor do capital seguro nem o prémio mensal pago pelo tomador.
Trata-se, assim, do exercício abusivo do direito pois que o falecido esteve sempre a pagar o mesmo prémio embora o risco da seguradora tivesse vindo a diminuir, daí fazer sentido os herdeiros beneficiarem do valor correspondente à diferença entre o capital seguro e o capital em dívida.
Aduzem também, que tal raciocínio é lógico porquanto, ocorrendo e realizando-se o risco previsto no contrato - a morte do segurado - o capital integra-se na sucessão o que resulta de igual modo das condições gerais e especiais do contrato, designadamente, da sua cláusula 13.2.
Comecemos desde já por analisar este último argumento avançando, desde já, que o mesmo não procede.
Tem-se entendido na doutrina e na jurisprudência que, no seguro de vida, sobrevindo a morte da pessoa segura, por efeito da designação beneficiária surge directamente no património do beneficiário um direito de crédito sobre o capital seguro. 
Assim, e conforme se defende no acórdão da Relação de Guimarães de 16/02/2017 «em consequência desta configuração jurídica do contrato de seguro, nestes casos, o direito de crédito eventualmente existente sobre a Seguradora, nunca chega a integrar o património da pessoa segura (nem dos seus herdeiros).
Na verdade, no caso do art.º  81º da LCS, “… o beneficiário é o terceiro… a quem por via de estipulação contratual tenha sido atribuída a titularidade de um direito de exigir, para si próprio, a prestação do segurador, após a verificação do sinistro - tipicamente após a morte da pessoa segura num seguro de vida ou de acidentes pessoais…” [Margarida Lima Rego, in “Seguros Colectivos e de Grupo” (col. Temas de Direito dos Seguros - coord. Margarida Lima Rego), pág. 438].» [9]
Conforme se decidiu em acórdão do STJ de 3/02/2009: «I - O contrato de seguro de vida, quando coligado com o contrato de crédito ao consumo, destina-se a garantir o pagamento do empréstimo contraído pelo mutuário, junto da financiadora, intervindo a entidade seguradora como obrigada a pagar a esta o capital mutuado, no caso do mutuário segurado falecer antes de determinada data, isto é, antes do termo do contrato de crédito.
II - A prestação prometida pela seguradora (ora interveniente principal), na hipótese de morte da pessoa segura (no caso, o mutuário de quem a ora embargante é viúva), não se destina a esta, mas antes à tomadora do seguro (a financiadora, ora exequente/embargada), que é também, simultaneamente, sua beneficiária.» [10]
Assim, nos termos deste contrato de seguro vida, a ré seguradora - promitente - assumiu perante o falecido e a primeira autora – promissários - a obrigação de liquidar o crédito hipotecário em dívida junto da instituição bancária – beneficiário. Trata-se de um contrato a favor de terceiro, nos termos do disposto no art.º 443º, n.º 1 do Código Civil, sendo o único beneficiário, o Banco.
Considerando que a ré seguradora apenas se obrigou perante os tomadores do seguro de vida em apreço a pagar à dita instituição bancária o crédito hipotecário em dívida à data do sinistro, inexiste fundamento legal ou convencional para que se considere procedente a pretensão formulada  pelos autores, no sentido de lhes ser pago o remanescente do capital seguro, após pagamento ao único beneficiário.
O momento do vencimento da obrigação de pagamento, por parte da Ré, do montante do crédito hipotecário em dívida, coincide, com o do óbito do tomador marido.
O beneficiário do capital segurado não é o falecido, nem o seu cônjuge ou demais herdeiros, mas apenas a instituição bancária que concedeu o crédito a ambos os cônjuges. A seguradora, por força do contrato de seguro celebrado apenas se obrigou perante os tomadores do seguro a pagar à referenciada instituição bancária o crédito hipotecário em dívida à data do sinistro.
Esse contrato de seguro garantia o pagamento do capital devido pela aqui primeira Autora e seu falecido marido (tomadores do seguro/pessoas seguras) ao Banco credor hipotecário (beneficiário do seguro), por via da concessão de crédito (contrato de mútuo com hipoteca), estando garantidos pela Ré (Seguradora) os riscos de morte ou de invalidez total e permanente dos mutuários, isto é, a liquidação ao Banco mutuante do montante do crédito hipotecário em dívida à data do sinistro, até ao montante do capital seguro.
De facto, o art.º 198º, n.º 2, al. a) da LCS (aprovada pelo DL 72/2008 de 16/4), sob a epígrafe «Designação beneficiária» dispõe:
«1 - Salvo o disposto no artigo 81º, o tomador do seguro, ou quem este indique, designa o beneficiário, podendo a designação ser feita na apólice, em declaração escrita posterior recebida pelo segurador ou em testamento.
2 - Salvo estipulação em contrário, por falecimento da pessoa segura, o capital seguro é prestado:
a) Na falta de designação do beneficiário, aos herdeiros da pessoa segura.
(…)»
Relativamente à designação do beneficiário, explica José Vasques «[a] figura do beneficiário surge explicitamente nos contratos em que a prestação da seguradora deva ser feita a pessoa diferente do segurado. A designação beneficiária a título oneroso constitui-se a título de garantia. Dependendo das relações existentes entre o estipulante-tomador do seguro e o terceiro-beneficiário, a designação beneficiária pode configurar uma liberdade (indirecta) ou um acto oneroso, designadamente quando seja condição da obtenção de crédito ou garantia de pagamento de dívida.»[11]
Assim, no contrato de seguro celebrado os segurados não são beneficiários directos, mas meros aderentes, nos termos da apólice, pessoas sujeitas aos riscos que, nos termos acordados, são objecto do contrato.
Veja-se, aliás, que os AA. invocam a cláusula 13.2. das condições gerais do contrato de seguro não a mencionando integralmente, mas sincopadamente, interpretando-a conforme melhor serve os seus interesses.
Atente-se na sua redacção integral: «13.2. Em caso de sinistro, se o capital seguro for, à data, superior ao capital em dívida ao Credor Hipotecário, a parte excedentária reverte a favor do(s) Segurado(s)/Pessoa(s) Segura(s) em caso de Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD), Invalidez Definitiva para a Profissão ou Atividade Compatível (IDPAC 60% ou IDPAC 66%) ou Doença Grave (DG16), consoante as Coberturas Complementares subscritas e a favor dos Herdeiros do(s) Segurado(s)/Pessoa(s) Segura(s), em caso de Morte, em partes iguais, salvo se houver indicação do(s) Beneficiário(s) por parte do Tomador do Seguro, sem prejuízo do estabelecido no artigo 18.» (sublinhado nosso) -Como sobejamente se demonstrou, in casu, beneficiário único era a instituição bancária, pelo que não assistiria qualquer direito ao remanescente por parte dos herdeiros do segurado.
Recorrem os apelantes subordinados à figura do abuso de direito para justificar a sua pretensão porquanto o falecido, pessoa segura, esteve sempre a pagar o mesmo prémio de seguro e o risco coberto pela seguradora foi sempre diminuindo pelo que fará todo o sentido que os herdeiros possam beneficiar do valor correspondente à diferença entre o capital seguro e o capital em dívida.
A jurisprudência tem considerado que o contrato de seguro de vida associado a um mútuo concedido pelo Banco funciona como reforço da garantia resultante da hipoteca (imposto pelo Banco como condição para conceder o empréstimo que lhe foi solicitado), ficando o Banco mutuante a gozar de duas garantias, uma resultante da hipoteca e outra proveniente do seguro de vida, ainda que esta somente quando o sinistro previsto se concretiza.[12]
Sendo o Banco que exige a celebração do seguro de vida entre o mutuário e a Seguradora, como complemento de garantia a acrescer à hipoteca que onera o prédio adquirido com o empréstimo bancário, e se o Banco só é “parte” no contrato de seguro para ficar a ser seu beneficiário irrevogável, temos que o contrato de seguro não interfere com o contrato de mútuo a não ser na estrita medida em que, através dele, a instituição bancária, em caso de falecimento do mutuário e até ao limite do capital em dívida naquela ocasião, recebe esse capital da Seguradora, evitando as vicissitudes de um hipotético incumprimento no caso de os herdeiros do mutuário falecido não poderem honrar as obrigações decorrentes do contrato de mútuo.
Ademais, importa ter presente o que escreveu Pedro Romano Martinez, segundo o qual «a designação beneficiária distingue-se claramente do regime sucessório. Ao beneficiário não se aplicam as regras de direito sucessório, nem para a sua determinação nem para o apuramento do valor da prestação.»[13]
Neste contexto, a forma de cálculo dos prémios de seguro e de pagamento dos mesmos é acordada entre as partes intervenientes no contrato de seguro sendo que no caso do contrato de seguro celebrado entre a primeira A. e o seu marido e a Ré Seguradora, tomou forma nas cláusulas 14 e 15 das Condições Gerais, não postas em causa. De todo o modo, da factualidade provada não consta que o prémio do seguro não tenha sido reduzido proporcionalmente ao capital mutuado, como alegam os recorrentes.
Em suma, considerando que a Ré Seguradora não se obrigou contratualmente a pagar aos mutuários/tomadores do seguro de vida em apreço, ou aos seus herdeiros (em caso de morte de alguma das pessoas seguras) o remanescente do capital seguro, tendo-se apenas obrigado a pagar à instituição bancária beneficiária o crédito hipotecário em dívida à data do sinistro, concluímos, que não existe fundamento legal ou convencional para que se considere procedente a pretensão formulada pelos AA. com esse desiderato.
Por tudo o que se deixou exposto, terá de improceder o recurso interposto pelos Autores.
A obrigação da seguradora, verificando-se o risco coberto pelo seguro, consistia na entrega/liquidação da prestação pecuniária convencionada ao Banco, terceiro beneficiário.
Condenação como litigante de má fé.
Pediram os AA./recorridos a condenação da Ré/recorrente como litigante de má-fé, no pagamento de multa, bem como no reembolso aos autores de todos os custos e despesas com o presente processo, incluindo os honorários dos seus mandatários, a liquidar em momento posterior, e ainda a pagar-lhes uma indemnização por danos morais de valor não inferior a 5.000,00 € por cada um dos aqui autores.
Insurgem-se, agora, contra a absolvição da Ré relativamente ao pedido de condenação como litigante de má fé porquanto, em seu entender, ficou sobejamente demonstrado que, confrontando o registo fonográfico do questionário clínico do falecido com a transcrição feita pela seguradora, resulta claro que a mesma está eivada de falsidades.
O tribunal entendeu não condenar a Ré argumentando «pese embora tenha, efectivamente, ficado demonstrada a falta de fidedignidade parcial da alegada transcrição, a R. juntou aos autos a gravação do questionário clínico ainda que na sequência de ordem do tribunal nesse sentido, o que permitiu conferir a transcrição à luz da gravação. Julgamos, assim, não estarem preenchidos os pressupostos da litigância de má fé.»
Ora, conforme decorre até das contra-alegações apresentadas a Ré não contesta que a alegada transcrição a que alude no art.º 13º e 14º da contestação não se trata, efectivamente de qualquer transcrição integral e fidedigna da gravação áudio da entrevista telefónica mas, afinal, de uma mera versão em pdf das respostas do segurado a um questionário tipo, realizado pelo entrevistador (um enfermeiro) respostas essas introduzidas de forma não integral mas «de forma sucinta e não transcrita na íntegra». Cfr. contra-alegações ao recurso subordinado.
O que dizer.
As partes têm o dever de não formular pedidos ilegais, não articular factos contrários à verdade, nem requerer diligências meramente dilatórias. Não é, de resto, atitude ou reacção humana justificável, articular factos contrários à verdade.
Assim, dispõe o artigo 542º, nº 2, do Código de Processo Civil:
«Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
No sentido da afirmação de uma maior e mais exigente responsabilização das partes na forma de proceder processualmente, o Decreto-lei nº 320-A/95, de 12 de Dezembro, conferindo nova redacção ao nº 2 do artigo 456º do Código de Processo Civil (na versão então vigente), passou a sancionar a litigância temerária, quer a título de dolo, que na forma de negligência grave. Escreveu-se a propósito no preâmbulo do diploma: «Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos, e o dever de recíproca correcção entre o juiz e os diversos intervenientes ou sujeitos processuais, o qual implica, designadamente, como necessário reflexo desse respeito mutuamente devido, a regra da pontualidade no início dos actos e audiências realizados em juízo».
Defende Paula Costa e Silva, a propósito: «Sempre que as repercussões do acto vão além deste efeito intraprocessual não podem evitar-se tais repercussões como valoração da inadmissibilidade. Intervirão outros instrumentos, entre os quais a responsabilidade civil decorrente do comportamento ilícito e culposo. (...) olhar os actos processuais como meros actos jurídicos simples redunda num empobrecimento do seu real significado jurídico. Aí está mais um plano em que a colocação dos fins do agente releva para a aplicação de um regime particular ao acto processual, a saber, o da responsabilidade.
Mas esta responsabilidade será determinada, perante um comportamento processual, pelo tipo ilícito de litigância de má fé. Esta intervém quando a inadmissibilidade não é suficiente para esgotar os efeitos do acto processual desconforme. Inadmissibilidade e ilicitude não são valorações reciprocamente excludentes, podendo um acto ser simultaneamente inadmissível e desencadear os efeitos típicos da má fé.
(...) A má fé destina-se a sancionar comportamentos processual ilícitos, independentemente de um juízo de inadmissibilidade».[14]
A doutrina tem entendido a má fé a que alude o Art.º 542º do CPCivil, sob dois aspectos: a má fé material e a má fé instrumental. Abrange-se na primeira os casos de dedução de pedido ou de oposição que a parte sabe carecer de fundamento, e a alteração consciente da verdade dos factos ou a omissão de factos essenciais; a segunda tem a ver com o uso reprovável do processo, ou dos meios processuais para prosseguir um fim ilegal, para entorpecer a acção da justiça ou para impedir a descoberta da verdade. Cfr. Ac. do S.T.J., de 5/12/1975; B.M.J., 252-105.
Como refere Alberto dos Reis, «ao princípio da licitude do exercício dos meios processuais a mesma ordem jurídica põe uma limitação: a de que o seu exercício seja sincero, que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão. Quando falta este requisito, o acto passa a ter carácter de ilícito: Estamos, então, perante um ilícito processual, a que corresponde uma sanção meramente civil (responsabilidade pelas perdas e danos causados à parte contrária) ou uma sanção civil e uma sanção penal (multa).»[15]
Aqui chegados, cumpre então averiguar, se existe fundamento para a condenação dos recorrentes como litigantes de má fé.
E obviamente que é patente a litigância de má fé.
Na verdade, em sede de contestação, no art.º 13º, a Ré refere-se a uma transcrição, não a uma versão sucinta do questionário e respectivas respostas e, como está bem de ver, tratava-se de matéria em que a integralidade das perguntas e respostas contavam. Relevante é de igual modo o facto de apenas a instâncias do tribunal ter a Ré procedido à junção aos autos do registo fonográfico que permitiu a confirmação de que o vertido no art.º 14º da contestação não correspondia integralmente ao questionário do falecido.
Para o caso pouco importa se o Ilustre Mandatário também não tinha conhecimento de tal facto na altura da elaboração da contestação garantindo, no entanto, o sentido das respostas às perguntas pré-elaboradas. Se não tinha conhecimento, deveria tê-lo. Era a Ré e seu mandatário que estavam na posse de todos os elementos de que dependia a articulação dos factos de forma verdadeira e a quem, detectado o erro, incumbia, desde logo, corrigi-lo, o que nunca fizeram a não ser quando instados pelo tribunal.
Assim há-de concluir-se que a Ré, recorrida no recurso subordinado, faltou à verdade litigando de forma temerária articulando factos contrários à verdade.
Mesmo que fosse uma falta de audição do registo fonográfico sempre se estaria, no mínimo, diante de uma negligência que só poderia considerar-se grave ou mesmo grosseira.
Trata-se de comportamento que não pode deixar passar-se sem sanção. Não o sancionar seria compactuar com este tipo de actuação a todos os títulos reprovável. Como diz pertinentemente Menezes Cordeiro o «sistema que premeie o infrator não tem qualquer possibilidade de equilíbrio. Há que encontrar contrapesos que tornem a chicana, o processualismo, o abuso e a ilicitude não-convidativos, em termos patrimoniais».[16]
Ao deduzir uma pretensão cuja falta de fundamento não podia e muito menos devia ignorar (artigo 542.º, n.º 2, alínea a)) e ao alterar a verdade dos factos (n.º 2, b)), a Ré, actuou com «má fé material».
Assim, cumpre condená-la como litigante de má fé.
Relativamente ao valor da multa, conjugando o n.º 1 do artigo 542.º do Código de Processo Civil com o artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, de acordo com o qual, «Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC».
No contexto que se deixou evidenciado e dentro dos limites legais, entende-se que a condenação não deverá rondar o mínimo estabelecido tendo-se como ajustado e adequado o valor de 4 (quatro) unidades de conta.
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Os AA. peticionam ainda a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização nos termos dos artigos 542.º, n.º 1 e 543.º do Código de Processo Civil.
A lei prevê duas modalidades de indemnização: a indemnização simples, que abarca apenas as despesas directamente relacionadas com a conduta maliciosa do litigante, e a indemnização agravada que, a par dessas despesas, cobre ainda outros prejuízos que com a referida conduta estejam numa relação de dependência directa ou indirecta.
Ora, tendo sido peticionada a indemnização e estando assumida e firme a existência de uma conduta de litigância de má fé, essa indemnização terá de ser concedida, fixando-a o Tribunal no montante julgado «mais adequado à conduta do litigante de má fé» (cfr. n.º 2 do artigo 543.º).
Anote-se, porém, que a litigância de má fé ficou se limitou à alegação de factos que não correspondiam inteiramente à verdade, mas que, mais tarde, e por via do aporte aos autos do registo fonográfico por parte da própria Ré, a ordem do tribunal, a realidade dos factos foi reposta.
Assim, e considerando que  nos termos do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 543.º do C.P.C., o juiz «com prudente arbítrio», «opta pela indemnização que julgue mais adequada», segundo «o que parecer razoável», depois de «ouvidas as partes», o que implica que não se exija produção formal de provas como ocorre na audiência de julgamento e que na sua concretização o juiz deve ponderar a gravidade da conduta, devendo recorrer-se ao prudente arbítrio do julgador, entende-se não se tornar necessária a realização de mais diligências e fixar desde já a indemnização, em 5 (cinco) unidades de conta, ponderado o trabalho forense desenvolvido reportado ao que determinado foi pela apurada litigância de má fé. Relativamente a danos morais nada se apurou.
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5. Decisão
Na sequência do que se deixou exposto acordam os Juízes que constituem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos (subordinado/principal) e, consequentemente, decide revogar parcialmente a sentença nos seguintes termos:
a) Mantém-se a declaração de validade do contrato de seguro de vida celebrado entre E, a A. A  e a R. D Seguros, S.A., para garantia dos contratos de mútuo celebrados pelos primeiros com o Banco T, S.A., com os nºs 03XXX, 03XXXX, 03XXXX e 0003XXXX;
b) Condena-se a Ré a pagar ao Banco, S.A., a quantia que se encontrava em dívida, no dia 22.01.2020, relativamente aos contratos de mútuo bancário aludidos em a), deduzida dos valores entretanto pagos pelos AA. em cumprimento dos mesmos, valores a apurar em sede de liquidação de sentença;
c)  Condena-se a Ré a pagar aos AA. os valores por eles entregues em cumprimento dos contratos de mútuo bancário referidos em a), em momento posterior a 22.01.2020, valores a apurar em sede de liquidação de sentença;
d) Condenar a Ré como litigante de má fé na multa que se fixa em 5 Ucs e indemnização a favor da parte contrária que se fixa em 5 Ucs.
e) Absolver a R. do mais que lhe vinha pedido.
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Custas a cargo dos apelantes, na proporção de 2/3 para a apelante Ré e 1/3 para os apelantes AA..
Notifique e registe.
*
Lisboa, 25-01-2024
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Carla Cristina Figueira Matos
Octávio dos Santos Moutinho Diogo
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[1] Dec.Lei nº72/2008, de 16/04, actualizado pela Lei n.º 147/2015, de 09/09 e pela Lei n.º 75/2021, de 18/11, ora em vigor
[2] Contrato de Seguro, 1999, p. 94.
[3] Ac. STJ, proc. nº656/20.8T8PRT.L1.S1, Rel. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza,  disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[4]Ac.STJ, proc. nº 26767/18.1T8LSB.L1.S1, Rel. Juíza Conselheira Graça Amaral, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[5]Ac.STJ, proc. nº 2199/10.9TVLSB.L1.S1, Rel. Juiz Conselheiro Granja da Fonseca, disponível em http://www.dgsi.pt.
[6] Ac. STJ, proc. nº26767/18.1T8LSB.L1.S1., Rel. Juíza Conselheira Graça Amaral, disponível em http://www.dgsi.pt
[7] Ac. STJ, proc. n.º 225/14.1TBTND.C1.S1)
[8] Cfr. Ac. Rel. Porto, de 5-3-2015, Proc. nº843/13.6TVPRT.P1, Rel. Leonel Serôdio, in www.dgsi.pt
[9] Ac. Rel. Guimarães, Proc.nº 396/14.7T8PRT.G1, Rel. Pedro Damião e Cunha
[10] Ac. STJ, nº convencional:JSTJ000, Rel. Helder Roque
[11] in Contrato de Seguro – Notas para uma Teoria Geral, Coimbra Editora, 1999, pág. 174
[12] cfr. acórdão do STJ de 27/10/2009, proc. nº. 540/06, relator Garcia Calejo, in CJ. STJ, 2009 – Tomo III, pág. 106 a 110
[13] cfr. neste sentido Pedro Romano Martinez e outros, Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2ª edição, 2011, pág. 570
[14] in “A Litigância de Má Fé”, Coimbra Editora 2008, págs. 632 a 633
[15] Cfr. CPCivil, Anot., Vol.II, pág.261,
[16] Cfr. Menezes Cordeiro, Litigância de Má-Fé Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, 2.ª edição, Almedina, 2011, página 28.