Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
122/22.7T8BRR-D.L1-1
Relator: NUNO TEIXEIRA
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO OPERACIONAL
LOCAÇÃO SIMPLES
DENÚNCIA DO CONTRATO PELO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– Mediante a celebração de um contrato de locação operacional, o locador obriga-se a ceder o gozo de um bem, nomeadamente um veículo ou outro equipamento de elevada incorporação tecnológica e a prestar um conjunto de serviços mediante uma remuneração, sem que o locatário tenha, no fim do prazo, o direito de adquirir o bem.

II–Não deve ser qualificado como contrato de locação operacional, mas antes como contrato de locação simples, aquele em que para além de não estar prevista a transmissão da propriedade do objecto locado para a locatária, que permanece como propriedade exclusiva da locadora, nele ainda se impõe à locatária a obrigação da respectiva devolução, após a respectiva cessação, sob pena de a locadora proceder ao respectivo levantamento a expensas da locatária, mantendo-se a obrigação desta pagar a renda periódica conforme acordado.

III–Qualificados os contratos dos autos como simples contratos de locação, para efeitos da declaração de insolvência da locatária, o regime aplicável é o previsto no artigo 108º do CIRE, o que significa que, tendo o administrador de insolvência procedido à comunicação de denúncia dos contratos, será a massa insolvente a responsável, não apenas pelo pagamento dos alugueres vencidos como pela restituição dos bens locados.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: JTRLAcordam no Tribunal da Relação de Lisboa



1.–G, S.A., com sede na … Lisboa, intentou a presente acção com processo comum contra MASSA INSOLVENTE de R…, LDA., com os demais sinais dos autos, pedindo a condenação da Ré a: pagar-lhe a quantia total de € 61.841,23, referente aos alugueres de Novembro de 2022 a Fevereiro de 2023 e ao prémio de seguro para o ano de 2023 não pagos e aos juros vencidos até 28/12/2022, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento; e, na restituição dos bens locados, à sua legítima proprietária, para a morada indicada pela autora para restituição, sob pena de ser devida a indemnização pela mora na restituição, que corresponde ao dobro do aluguer mensal, contabilizada desde a cessação dos contratos até efectiva restituição dos bens locados.
Para tanto, alegou, no essencial, que celebrou com a insolvente quatro contratos de locação de software/equipamentos, nos termos dos quais foram entregues à insolvente os software/equipamentos objecto dos contratos, mediante o pagamento de contrapartida mensal durante o período de duração daqueles contratos; a locatária deixou de cumprir as obrigações assumidas nos contratos em data anterior à apresentação a processo especial de revitalização, mantendo-se os contratos activos à data da declaração de insolvência e constituindo os alugueres vencidos após esse momento dívidas da massa insolvente; o sr. administrador da insolvência denunciou os contratos em 19/12/2022, pelo que surgiu nesse momento a obrigação de restituição dos equipamentos alugados.

Regularmente citada, a Ré contestou, invocando serem os contratos celebrados com a autora de locação operacional e não de aluguer e que o administrador da insolvência, cessada a administração pela devedora e prosseguindo os autos para liquidação, comunicou à autora a recusa do cumprimento dos contratos em 19/12/2022 e procedeu à entrega dos bens objecto daqueles à autora, pelo que nada lhe é devido. Alegou, ainda, que caso se entendesse subsistir crédito a favor da autora, este não poderia ser considerado crédito sobre a massa insolvente, mas crédito sobre a insolvência.
Em requerimento de 04/04/2023, a Ré informou que, ao invés do alegado na contestação, apurou não terem sido entregues à autora os bens objecto dos contratos com aquela celebrados.
Foi convocada e realizada audiência prévia, para os fins previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 591.º do Código de Processo Civil, não tendo sido possível obter a conciliação das partes, tendo-lhes sido facultada a discussão de facto e de direito por se tencionar conhecer imediatamente do mérito da causa.
Por fim, foi proferido despacho saneador-sentença que julgou procedente a acção e condenou a Ré nos pedidos.

É desta sentença que vem interposto recurso, pela Ré, ora Recorrente, cujas alegações termina, formulando as seguintes conclusões, que ora se reproduzem:
1.–Por sentença veio o Tribunal a quo concluir e decidir que os Contratos celebrados entre a Autora – G, S.A. – e a Insolvente, se enquadram na figura jurídica da Locação Operacional, afastando a aplicação do regime previsto nos artigos 102º e 104º, ambos do CIRE, aplicando-se no caso em concreto, o regime especial previsto no artigo 108º do CIRE e decide que, as dívidas contraídas no âmbito dos Contratos em questão, são consideradas dívidas da massa insolvente, aqui Recorrente.
2.–A Recorrente não se conforma com a sentença proferida da mesma, pelo errado considerando o errado enquadramento dos factos às normas aplicáveis, nomeadamente, por considerar e relevar a recusa pelo administrador judicial do cumprimento dos Contrato celebrados entre as partes e aqui em questão para efeitos do disposto no artigo 108º do CIRE.
3.–A Recorrente não aceita a interpretação e enquadramento jurídico que foi dado pelo Tribunal a quo aos Contratos aqui em questão e que foram celebrados entre as partes.
4.–Considerando a recusa dos Contratos pelo administrador judicial, nos termos e para os efeitos do disposto no art
5.–Conforme prova documental junta pela Autora nos presentes autos, constata-se que os mesmos foram denominados por “Locação clássica – contrato de Locação para clientes empresariais”.
6.– Ademais, considerando a cláusula n.º 23 das Condições Gerais de Locação dos respetivos Contratos de Locação, que ora se transcreve: “Para efeitos contabilísticos, as partes acordam em classificar o presente contrato como sendo um Contrato de Locação Operacional.” (Sublinhado nosso).
7.–Ora, a verdade é que as partes têm faculdade de fixar livremente o conteúdo dos Contratos, dentro dos limites da lei, tal como consagrado no n.º 1 do artigo 405º do Código Civil (“CC”), que ora se transcreve: “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos Contratos, celebrar Contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.”.
8.–De acordo com o princípio da liberdade contratual, previsto no artigo supra identificado, e com o desenvolvimento económico e criatividade jurídico-financeira, vão surgindo novos mecanismos de fomento de circulação económica.
9.–Desta forma, foram desenvolvidas novas figuras contratuais, como o leasing, o aluguer de longa duração, o renting, o factoring, o franchising, sendo que, algumas das figuras jurídicas que se vão construindo são muito semelhantes umas das outras.
10.–Para tanto, dispõe o DL 149/95, de 26 de junho, no artigo 1.º a noção de Locação financeira, que ora se transcreve: “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados. (Sublinhado nosso).
11.–Ora, existem diferenças entre leasing e Locação Operacional, nomeadamente o facto de, na Locação Operacional em que existe uma estrutura bilateral e que a renda paga pela locatária não se destina a amortização, contrariamente ao que sucede no leasing, em que há opção de compra no final do contrato.
12.–Neste sentido, de considerar o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com o n.º 679/22.2T8TVD.L1-7, datado em 10.05.2022 (com relator Edgar Taborda Lopes).
13.–A verdade é que, no âmbito da petição inicial apresentada pela Autora, não se alcança o pretendido quando refere que: “A Insolvente podia ter adquirido os referidos equipamentos, por compra à Fornecedora, pelo pagamento do respetivo preço (…)”, Cfr. alegado nos artigos 4º. 6º, 8º e 10º da petição inicial.
14.–A Insolvente optou por celebrar com a Autora os Contratos de Locação aqui em questão, caso contrário, os mesmos não teriam sido celebrados, e verdade é ainda que, os referidos Contratos são Contratos de Locação Operacional de bens móveis, e com regime legal específico, e não Contrato de Aluguer, tal como a Autora o pretende enquadrar para os efeitos pretendidos, e dúvidas não restam que os Contratos celebrados se enquadram no âmbito dos Contratos de Locação Operacional, sem opção de compra no final dos mesmos, com regime legal específico, e não Contrato de Aluguer, de acordo com a sentença proferida: “Aqui chegados, não podemos se não concluir que os Contratos celebrados entre a Autora e a insolvente se enquadram na figura jurídica da Locação Operacional.”.
15.–Por tal qualificação jurídica e enquadramento dos efeitos da declaração de insolvência nos Contratos com esta qualificação, não existem dúvidas que, o aplicável é o que se encontra previsto nos artigos 102º e 104º do CIRE. Concretamente,
16.–A Insolvente apresentou-se a PER, tendo posteriormente sido declara insolvente no âmbito do processo principal, tendo sido determinada a administração pela Devedora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 224º do CIRE.
17.–Posteriormente, em sede de Assembleia de Credores realizada em 15.11.2022, no âmbito do presente processo de insolvência, os Credores deliberaram pela liquidação da empresa, e foi nesse mesmo âmbito – da liquidação que, o administrador judicial comunicou ao Credor, aqui Recorrida a recusa no cumprimento dos Contratos de Locação aqui em questão, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 102º e 104º, n.º 3, ambos do CIRE, tendo sido declarado pelo administrador judicial que, “(…) na qualidade de Administrador Judicial de R, S.A., informo que, nos termos do disposto nos artigos 102º e n.º 3 do artigo 104º, ambos do CIRE, não pretendemos optar pela execução dos Contratos vertidos no presente e-mail, não sendo o valor aí reclamado dívida da massa insolvente”.
18.–O Tribunal a quo considerou e fundamentou que, “ (…) Assim, atendendo a que o elemento dominante dos Contratos de Locação Operacional é, precisamente, a Locação, não visando a aquisição de um bem, havemos que concluir que aos Contratos em apreço nos autos se aplica o regime instituído no art. 108.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (no sentido que defendemos, veja-se Miguel Pestana de Vasconcelos, in “Os Efeitos da Declaração de Insolvência sobre o contrato de Locação”, no âmbito da Conferência sobre Negócios, Contratos e Direito da Insolvência – CEJ, disponível em https://educast.fccn.pt/vod/channels/iuquhmpsn?locale=pt ).” (Sublinhado nosso).
19.–O Tribunal a quo não andou bem ao decidir pelo enquadramento dos Contratos aqui em questão no regime especial previsto no artigo 108º do CIRE, uma vez que a referida comunicação se refere à recusa da continuidade dos Contratos de Locação, nos termos e para os efeitos dos artigos 102º e 104º, ambos do CIRE.
20.–A verdade é que, o regime geral previsto nos artigos 102º e 104º do CIRE, difere substancialmente do regime especial previsto no artigo 108º do CIRE.
21.–Relegando para o caso concreto, entende a aqui Recorrente que o preceituado no disposto no artigo 108º do CIRE apenas tem aplicabilidade quando estamos perante Contratos de Locação típicos, em que o interesse primordial é o valor económico do bem, sem que intervenham outro tipo de encargos suportados pela locatária, e não a locações em que o objeto contratual se funda no pagamento das prestações, sem que exista interesse no retorno do gozo do bem.
22.–E não existem dúvidas que, pela natureza do Contrato de Locação Operacional – contrato de leasing que, os Contratos em questão têm o seu enquadramento no artigo 104º do CIRE, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo.
23.–Ora, a opção por tal entendimento não frustra as legítimas expetativas das partes que têm sempre direito a serem ressarcidas dos prejuízos causados pelo incumprimento do contrato, nos termos do artigo 102º, n.º 3, alínea c) do CIRE, nomeadamente, o direito de exigirem, como crédito sobre a insolvência.
24.–Desta forma, não existindo qualquer cláusula no contrato que preveja a aquisição posterior pela locatária dos bens/equipamentos locados no termo do contrato, não se poderá aplicar o regime especial, mas sim o regime geral do artigo 102º e 104º do CIRE.
25.–Neste sentido, veja-se o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, com o n.º 4278/15.7T8CBR-F.1.C2, datado em 07.09.2021 (com a relatora Maria João Areias): “Um contrato de Locação de equipamentos que não concede a faculdade de aquisição do bem pelo locatário no termo do contrato, não fica sujeito ao regime especial previsto no artigo 108.º do CIRE para o contrato de Locação, ficando, antes, sujeito ao regime geral do artigo 102º do CIRE – suspensão automática do contrato e qualificação dos créditos do locador como créditos sobre a insolvência.” (Sublinhado nosso).
26.–Assim sendo, não obstante os Contratos de Locação celebrados entre a Insolvente a Autora, e os mesmos estando em curso à data da declaração de insolvência, por este fundamentado, o seu cumprimento fica dependente da declaração de aceitação ou recusa de cumprimento por parte do administrador judicial, o que foi feito.
27.–Desta forma, e aplicando-se o regime previsto no artigo 104º do CIRE, e considerando a recusa da execução dos Contratos e os efeitos da mesma, aplicando-se o disposto no n.º 5 do mesmo disposto legal, e por remição para o disposto no artigo 102º do CIRE, conclui-se que, a massa insolvente não é devedora de qualquer valor à aqui Recorrida.
28.–Assim, é claro e não existem dúvidas que, considerando os Contratos em questão, se afasta a aplicação do regime especial previsto no artigo 108º do CIRE, e em consequência, aplica-se o disposto no artigo 104º e 102º do mesmo diploma legal com todas as consequências legais, nomeadamente, não estar em causa qualquer tipo de dívida da massa insolvente, por efeitos da considerada denúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 108º do CIRE, não sendo este regime aplicação no caso em concreto. Por fim,
29.–Pelo já anteriormente referido, e tal como assente nos autos, os Contratos em causa foram celebrados pela Insolvente e não assinados, nem cumpridos pela massa insolvente, antes pelo contrário, ou seja, o administrador judicial aquando o conhecimento dos mesmos, e por falta de fundamento para a continuação dos mesmos, tal como demonstrador optou pela recusa dos mesmos e com efeitos imediatos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 102º e 104º, ambos do CIRE.
30.–Ora, não existe fundamento para decidir pela existência de um crédito a favor da Recorrente e que seja devido pela massa insolvente, nem no caso em concreto se verifica, nem o caso tem enquadramento para efeitos do disposto nos termos do artigo 51º do CIRE, nem a Recorrente é devedora de qualquer crédito à Autora.
31.–Ainda que assim não se entendesse, o alegado crédito nunca poderia ser qualificado como crédito da Recorrente, mas sim um crédito sobre a insolvência, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 47º e 50º, n.º 2, alínea a), ambos do CIRE, pelo mesmo ter sido constituído pela Insolvente, e não pela massa insolvente, nem o mesmo resulta da atuação do administrador judicial, antes pelo contrário.
32.–Em causa não se encontra uma dívida da massa insolvente, tal como decidido pelo Tribunal a quo, uma vez que o presente tema se enquadra e aplica no disposto nos artigos 104º e 102º do CIRE, e por isso, a sentença proferida viola os artigos 50º, 102º e 104º do mesmo diploma legal, devendo ser alterada por douto Acórdão que julgue a ação improcedente e, consequentemente, absolva a Recorrente nos pedidos formulados.

Por sua vez, a Autora apresentou as suas contra-alegações, cujas conclusões também se reproduzem:
I.–A douta sentença em crise não merece qualquer censura ou reparo, nomeadamente no que diz respeito à qualificação (diga-se regime jurídico aplicável), enquadramento do regime dos contratos e qualificação do crédito da Recorrida, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente e confirmada a decisão da sentença recorrida.
II.–Entende a Recorrente que o Tribunal recorrido fez uma errada qualificação dos contratos celebrados entre a Recorrida, G, S.A. e a insolvente, R, Lda., por os qualificar como contratos de locação operacional de bens móveis (ou leasing), com o qual a Recorrida não concorda.
III.–Os contratos celebrados entre as partes, no entendimento da Recorrida, devem qualificar-se como contratos típicos de locação de bens móveis ou aluguer, com o regime jurídico previsto nos artigos 1022.º e seguintes do Código Civil (conforme decidido pelo Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 300/21.6T8STR-D.E1).
IV.–A Recorrente pugna pela aplicação do regime jurídicos previstos nos artigos 102.º e 104.º, do CIRE, que espelha a intenção comunicada pelo Sr. Administrador da Insolvência de recusar o cumprimento dos contratos em vigor e alega que o preceituado no disposto no artigo 108.º, do CIRE apenas tem aplicabilidade perante contratos de locação atípicos em que o interesse primordial é o valor económico do bem e não a locação em que o objecto contratual se funda no pagamento das prestações, sem que exista interesse no retorno do gozo do bem.
V.–Conforme conclui o Tribunal recorrido, o regime conjugado previsto nos artigos 102.º e 104.º, do CIRE aplica-se aos contratos de locação financeira e aos contratos de locação com a cláusula de que a coisa locada se tornará propriedade do locatário depois de satisfeitas todas as rendas pactuadas, aplicando-se o regime previsto no artigo 108, do CIRE aos demais contratos, como é o caso dos autos.
VI.–Entende a Recorrente que, o crédito reclamado pela aqui Recorrida nunca poderia ser qualificado como crédito da Recorrente, mas sim crédito sob a insolvente, pelo mesmo ter sido constituído pela insolvente e não pela massa insolvente.
VII.–Tendo o Sr. Administrador da Insolvência optado pela denúncia dos contratos de locação celebrados com a insolvente, as quantias vencidas após a declaração de insolvência até à produção dos efeitos jurídicos da denúncia constituem dívida da massa insolvente e devem ser pagas, nos termos previstos nos artigos 46.º, n.º 1, 51.º, als. c) e d) e 172.º, todos do CIRE.
Foi proferido despacho a admitir o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2.–Com interesse para a decisão da causa, a 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:
1)-R, Lda., em 14/02/2022, deu início a processo especial de revitalização, que correu termos sob o n.º 369/22.6T8BRR, no Juízo do Comércio do Barreiro (Juiz 3), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que veio a ser encerrado sem a aprovação de um plano de revitalização.
2)-Em 04/10/2022, nos autos de insolvência a que estes se encontram apensos, por sentença transitada em julgado, foi a R, Lda., declarada insolvente, tendo-se atribuído a administração da massa insolvente à devedora, na sequência do compromisso de apresentação de plano de insolvência.
3)-Realizou-se em 15/11/2022 assembleia de credores para apreciação do relatório a que alude o art. 155.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no âmbito da qual o gerente da insolvente declarou desistir do plano de insolvência junto aos autos e requereu a cessação da administração pela devedora.
4)-Na referida assembleia de credores foi deliberado o encerramento da actividade do estabelecimento da devedora e determinada a cessação da administração da massa insolvente pela devedora, bem como o prosseguimento dos autos para liquidação.
5)-A autora é uma sociedade comercial que tem por objecto: aluguer de equipamento de escritório, de máquinas e de equipamento informático, incluindo software e hardware, actividades relacionadas e revenda de equipamentos usados; aquisição de equipamentos informáticos, software e outros bens para aluguer e aluguer dos mesmos, prestação de consultoria de serviços relativos a equipamentos informáticos e software, prestação de serviços de instalação, montagem, manutenção e reparação de equipamentos informáticos, software e outros bens; venda de equipamentos informáticos, software e outros bens, tanto novos como usados; aquisição e venda de imóveis.
6)-Entre a autora e R, Lda., foram celebrados quatro contratos escritos com a denominação “locação clássica – contrato de locação para clientes empresariais”: o contrato n.º 094-026678, em 01/06/2019, o contrato n.º 094-027513, em 30/08/2019, o contrato n.º 241-001537, em 26/07/2021, e o contrato n.º 241-001823, em 22/11/2021.
7)-O contrato n.º 094-026678 teve por objecto software: 4 SolidWorks Profissional Network serial #0010007334100490 e 4 SolidWorks PDM Profissional CAD Editor Network serial #0010210868701845, que a autora adquiriu pelo preço de € 64.085,46, tendo sido celebrado pelo período de 36 meses, renovável por sucessivos períodos de 6 meses, a contar da data da entrega dos bens à insolvente, ocorrida em 01/06/2019.
8)-O contrato n.º 094-027513 teve por objecto equipamentos: 1 sistema de medição C-Track e HandyProbe (Táctil) e MetraScan (Scanner), 1 VxModel Software (licença dedicada a um único computador), 1 Software Metrolog X4 e 2 Portátil MSI 156” WS63, que a autora adquiriu pelo preço de € 130.788,36, tendo sido celebrado pelo período de 36 meses, renovável por sucessivos períodos de 6 meses, a contar da data da entrega dos bens à insolvente, ocorrida em 30/08/2019, com início da contagem no mês seguinte.
9)-O contrato n.º 241-001537 teve por objecto software: 2 CREO Design Essentials, 1 CREO Advanced Assembly Extension (AAX), 1 CREO Tool Design Extensio (TDO) (MOLDES) e 1 CREO Expert Moldbase Extension (EMX), que a autora adquiriu pelo preço de € 22.140, tendo sido celebrado pelo período de 12 meses, renovável por sucessivos períodos de 6 meses, a contar da data da entrega dos bens à insolvente, ocorrida em 26/07/2021, com início da contagem no mês seguinte.
10)-Ocontrato n.º 241-001823 teve por objecto software: 1 SolidWorks Network SMS serial #001000733410049034W7TK29, que a autora adquiriu pelo preço de € 140.096,39, tendo sido celebrado pelo período de 24 meses, renovável por sucessivos períodos de 6 meses, a contar da data da entrega dos bens à insolvente, ocorrida em 22/11/2021, com início da contagem no mês seguinte.
11)-Como contrapartida, a insolvente obrigou-se a pagar mensalmente, por débito directo, os seguintes valores, acrescidos de IVA: contrato n.º 094-026678 - € 1.604,74; contrato n.º 094-027513 - € 3.410,49; contrato n.º 241-001537 - € 1.596,60; e contrato n.º 241-001823 - € 5.242,79.
12)-Os bens objecto dos aludidos contratos, entregues à ora insolvente, foram adquiridos e pagos os preços pela ora autora, com a finalidade exclusiva de serem locados à ora insolvente.

13)-Nos contratos acima descritos foram acordadas as seguintes cláusulas:
1.–SELECÇÃO DO OBJECTO LOCADO (ADIANTE APENAS OL).
O OL é previamente seleccionado pelo locador G, S.A., adiante apenas designada por GR, no interesse do locatário.
2.–INÍCIO, RENOVAÇÃO E DENÚNCIA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO
O contrato de locação inicia-se no primeiro dia do mês/trimestre civil após a recepção do OL. Se o locatário confirmar a recepção do OL antes desta data, deverá pagar pela correspondente utilização 1/30 ou 1/90, respectivamente, do valor base da renda mensal ou trimestral por dia. O contrato de locação é automaticamente prorrogado por seis meses, se não for denunciado, por escrito, com aviso prévio não inferior a três meses sobre o prazo inicial ou renovado. Durante o período de vigência inicial do contrato de locação, o contrato não poderá ser denunciado. A denúncia que se torne efectiva antes do termo inicial base tem as consequências previstas na cláusula 12. destes Termos e Condições Gerais.
3.–ENTREGA E DIREITOS DO LOCATÁRIO
No acto de entrega, o Locatário deve inspeccionar o OL e deve indicar a existência de algum defeito. O Locatário só deve confirmar a aceitação do OL se puder assegurar que a entrega está completa e o OL se encontra nas condições contratadas.
3.1.- O Locatário tem direito a utilizar o OL durante a vigência deste contrato.
4.–UTILIZAÇÃO
O Locatário deve manter o OL em boas condições de funcionamento e seguir as instruções de funcionamento e outras instruções do fabricante e da GR bem como deve imediatamente reportar quaisquer problemas com o OL à GR. O Locatário é obrigado a obter e manter, a expensas suas, as licenças oficiais e outras necessárias para utilização do OL, incluindo as actualizações de sistema recomendadas, bem como deve cumprir toda a legislação e outras normas aplicáveis.
5.–PROIBIÇÃO DE DESLOCAÇÃO, DE CESSÃO E SUBLOCAÇÃO
A menos que o Locatário obtenha autorização por escrito da GR para o efeito, não pode mover o OL para um local diferente daquele onde ele foi originalmente colocado. O Locatário não poderá ceder nem sublocar o OL a terceiros, incluindo ao fornecedor ou ao prestador de serviços, sem o acordo expresso e por escrito da GR.
6.INSPECÇÃO DO OL
A GR ou um seu representante estão autorizados a inspeccionar o OL durante o horário normal de trabalho.
7.DIREITOS E DEVERES EM CASO DE DEFEITOS DO OL. GARANTIAS
Com a celebração do contrato de locação, a GR transfere para o Locatário os direitos relativos a defeitos do bem locado, bem como outros direitos derivados de garantias. A obrigação da GR está limitada aos direitos que tenha obtido do Fornecedor/Fabricante relativamente ao bem locado e direitos derivados de garantias. Se os defeitos surgirem, o Locatário deve fazer valer esses direitos imediatamente e avisar a GR. No caso de redução de preço ou resolução do contrato de compra e venda, o Locatário pode devolver o bem locado ao fornecedor ou representante deste apenas em simultâneo com o reembolso do preço de compra à GR. O Locatário terá direito a recusar o pagamento total ou parcial das rendas, em caso de defeitos no bem locado, cuja reclamação ao fornecedor seja efectuada dentro do prazo de garantia do bem locado que é de 1 (um) ano, apenas se o mesmo intentar acção contra o Fornecedor requerendo a resolução do contrato de compra e venda, a redução do preço de compra ou ressarcimento de danos sofridos pela não reparação.
8.–RESPONSABILIDADE DO LOCADOR
Em caso de negligência leve da GR, seu representante legal ou agente, a GR só será responsável pela violação dos seus deveres principais ao abrigo do presente contrato e só por danos decorrentes desse mesmo incumprimento que sejam previsíveis, ficando neste caso a sua responsabilidade limitada a um montante igual a 25% do custo líquido do OL. Esta limitação não se aplica a danos causados pela GR à vida, integridade moral e física ou à saúde das pessoas ou em caso de existir norma legal imperativa em sentido diverso.
9.RISCO DE PERDA, ROUBO, DESTRUIÇÃO OU DETERIORAÇÃO
A partir do momento da confirmação do recebimento do OL, o Locatário assume o risco de perda acidental, roubo, destruição ou deterioração do OL ou risco equivalente. Tais eventos não libertam o Locatário do cumprimento das obrigações decorrentes do presente contrato de locação. Estes riscos são cobertos por uma apólice de seguro de propriedade.
9.1.-Em caso de danos pelos quais nenhuma das partes seja responsável, o Locatário assumirá os custos de reparação do OL.
10.–SEGURO
O Locatário é obrigado a contratar um seguro de propriedade para o período de vigência do contrato de locação a suas próprias expensas que garanta a reparação ou substituição do OL, dando suficiente cobertura aos riscos típicos do sector, em especial, incêndio, roubo e danos causados por água e em que a GR surja como beneficiária. A franquia não pode ser superior a € 150 por evento. Até o Locatário exibir perante a GR a prova de que contratou tal apólice de seguro e indicou a GR como beneficiária do mesmo, a GR tem o direito de, não sendo porém obrigada, incluir a cobertura do OL na sua própria apólice de seguro de propriedade a expensas do Locatário. Se o OL estiver coberto pela apólice de seguro de propriedade da GR, os custos da referida cobertura serão cobrados antecipadamente ao Locatário, no primeiro dia de cada ano civil. No primeiro ano de vigência do contrato de locação, os custos do seguro são cobrados proporcionalmente no momento da celebração do contrato. O Locatário mantém o direito de contratar a sua própria apólice de seguro a qualquer momento.
11.–MORA
Em caso de incumprimento das obrigações do Locatário, serão devidos juros de mora equivalentes à taxa legal para as operações comerciais, sem prejuízo do direito da GR reclamar indemnização por danos excedentes.
12.–RESOLUÇÃO
A GR tem o direito de resolver o contrato se o Locatário não pagar duas rendas consecutivas. Tendo em conta:
i)-que a GR adquiriu o OL no interesse do locatário,
ii)-o custo financeiro com a aquisição do OL e a sua perda de valor e
iii)-os custos administrativos com a celebração deste contrato, entre outros, se a GR exercer o seu direito de resolução sem aviso prévio, terá direito a exigir, a título de cláusula penal, o valor equivalente à soma de todas as rendas que fossem devidas até ao termo inicial base do contrato. O mesmo se aplica em caso de denúncia antecipada do contrato por iniciativa do Locatário. Este valor será devido no momento da recepção da notificação da resolução ou da comunicação da denúncia.
13.–PERDA DA POSSE
Após o recebimento da notificação de resolução do contrato por incumprimento, o Locatário perde o seu direito de posse do OL, devendo devolver o OL à GR. Se o Locatário não devolver o OL após a cessação do contrato de locação, deverá pagar à GR o equivalente a 1/30 ou 1/90 do valor do dobro da renda mensal ou trimestral acordada para o período inicial de locação por cada dia adicional até que o OL seja devolvido.
14.–MORTE DO LOCATÁRIO
Se o Locatário morrer, os seus herdeiros têm direito a resolver o contrato no final do trimestre civil, ficando obrigados a pagar indemnização equivalente ao valor da renda devida durante todo o período de duração inicial do contrato de locação.
15.–TERMO DA LOCAÇÃO, DEVOLUÇÃO DO OL
O Locatário deverá devolver o OL à GR no final do contrato de locação em boas condições de funcionamento. Qualquer dado do Locatário deve ser totalmente apagado. O OL deve ser devolvido a expensas e risco do Locatário para a sede da GR ou para a morada por esta indicada. Se o OL não for devolvido pelo Locatário, a GR tem o direito de proceder ao respectivo levantamento a expensas do Locatário.
15.1. Se o contrato efectivamente terminar no final do prazo da locação e o Locatário não devolver o OL à GR, o Locatário mantém o dever de pagar a renda periódica conforme acordado. As condições deste contrato são aplicáveis até ao momento da devolução do OL, mantendo o Locatário todas as obrigações previstas neste contrato.
16.–PROPRIEDADE DO OL
O Locatário não tem direito de adquirir a propriedade do OL.
17.–TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES PARA FINANCIADOR
A GR pode transferir a propriedade do equipamento, e em consequência, o presente contrato de locação, incluindo todos os seus direitos e obrigações, para uma entidade financiadora. Esta transferência não implicará qualquer desvantagem legal ou económica para o Locatário. Em caso de insolvência da GR, se a lei conceder à entidade financiadora o direito a realizar receitas com a locação do equipamento, o Locatário é obrigado, a pedido da entidade financiadora, a manter o contrato actual ou assinar um novo contrato com a entidade financiadora, ou uma sua subsidiária que venha a ser designada, nas mesmas condições e com o mesmo prazo, não podendo o Locatário ficar em pior situação jurídica ou económica do que aquela que tinha antes de ocorrer a situação de insolvência.
18.–INFORMAÇÃO FINANCEIRA
A pedido da GR ou seu sucessor legal, é dever do Locatário apresentar as suas demonstrações financeiras e relatório da administração para análise confidencial e/ou fornecer informações sobre a sua situação financeira.
19.–FACTURAS
A GR disponibiliza facturas individualizadas emitidas pelos valores devidos de acordo com o contrato. Quando a GR disponibilizar estas facturas no portal do Cliente e seja solicitado o envio por correio em formato de papel, será cobrado um valor de € 10 mais IVA por cada factura enviada nestes termos.
20.–PROTECÇÃO DE DADOS
A GR trata os dados pessoais em cumprimento do quadro legal aplicável, em particular, do Regulamento Geral sobre Protecção de Dados. A informação em matéria de tratamento de dados pessoais, incluindo a indicação dos dados tratados, responsável pelo tratamento, finalidades de tratamento e direitos do titular (direitos à informação, de acesso, de rectificação, ao apagamento, à portabilidade, de oposição e limitação do tratamento, de reclamação) está disponível em www.grenke.pt/proteccao-de-dados.
21.–ACORDOS COM TERCEIROS E ALTERAÇÕES
Não foram celebrados quaisquer acordos paralelos. Quaisquer alterações e/ou aditamentos ao contrato terão de ser acordados por escrito entre a GR e o Locatário.
22.–FORO
Em caso de litígio emergente do presente contrato, o Autor da acção pode optar por apresentá-la no Tribunal da Comarca de Lisboa, com sede em Lisboa, ou no Tribunal do domicílio do Réu, com expressa renúncia a qualquer outro.

23.–OUTROS
Para efeitos contabilísticos, as partes acordam em classificar o presente contrato como sendo um Contrato de Locação Operacional.
14)-Entregues os bens locados à ora insolvente e recebidos pela autora os documentos denominados “Confirmação de Entrega e Aceitação”, juntos à petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, foram emitidas e enviadas à insolvente diversas facturas, relativas a taxa de serviço e prémio de seguro e das rendas, que foram sendo pagos.
15)-Em 15/12/2022, a mandatária da Autora, por mensagem de correio electrónico, solicitou ao sr. administrador da insolvência, bem como à insolvente, o pagamento das rendas dos contratos acima identificados vencidas após a declaração de insolvência, designadamente as respeitantes aos meses de Novembro e Dezembro de 2022.
16)-Em resposta, o sr. administrador da insolvência, em 19/12/2022, por mensagem de correio electrónico, informou «… que, nos termos do disposto nos artigos 102.º e n. º 3 do artigo 104.º, ambos do CIRE, não pretendemos optar pela execução dos contratos vertidos no presente email, não sendo o valor aí reclamado dívida da massa insolvente. Para levantamento dos equipamentos solicito marcação de dia e hora (…)».
17)-Os bens objecto dos contratos acima identificados não foram entregues à autora pela insolvente.

3.–Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
Assim, segundo as conclusões formuladas pela Recorrente, o objecto do recurso circunscreve-se à questão dos efeitos da declaração de insolvência sobre os contratos celebrados entre as partes, que a sentença enquadrou na figura jurídica da locação operacional. Com efeito, apesar de as alegações da Recorrente darem a entender o contrário, concorda com a qualificação jurídica que o tribunal a quo deu aos contratos celebrados, a saber o de contratos de locação operacional. A Recorrente apenas discorda da sentença, por esta ter enquadrado os contratos em análise no regime especial previsto no artigo 108º do CIRE, por entender que os contratos de locação operacional devem ser disciplinados, no que respeita aos efeitos da declaração sobre os contratos em curso, pelo regime geral previsto nos artigos 102º e 104º do CIRE.
Em defesa da sua tese, sustenta que “o preceituado no disposto no artigo 108º do CIRE apenas tem aplicabilidade quando estamos perante contratos de locação típicos, em que o interesse primordial é o valor económico da locação do bem, se que intervenham  outro tipo de encargos suportados pela locatária, e não locações em que o objecto contratual se funda no pagamento de prestações, sem que exista retorno no gozo do bem” (cfr. conclusão 21ª).
Contrariamente, é entendimento da Recorrida massa insolvente que “os contratos celebrados entre as partes, (…) devem qualificar-se como contratos típicos de locação de bens móveis ou aluguer, com o regime previsto nos artigos 1022º e seguintes do Código Civil (conforme decidido pelo Tribunal da Relação de Évora, processo nº 300/21.6T8STR-D.E1)” – cfr. conclusão III das contra-alegações.
Analisemos, pois, primeiramente, a qualificação jurídica que a sentença deu aos contratos celebrados.
3.1.- Na sentença, depois de se recusar a integração dos contratos no regime da locação simples (artigos 1022º e ss. do Código Civil) e de se negar a sua qualificação como contratos de locação financeira, concluiu-se que o respectivo clausulado se enquadrava na figura jurídica denominada de locação operacional, realçando-se que “o objecto dos contratos consiste em equipamentos/software que, é consabido, se tornam rapidamente obsoletos”, que “as prestações periódicas a pagar correspondem ao gozo dos bens locados, sendo certo que estes foram adquiridos e pagos os preços pela ora autora, com a finalidade exclusiva de serem locados à ora insolvente”, e ainda que ficou “previsto um período inicial em que não é possível a denúncia, desde que cumprindo o pré-aviso estabelecido”, aspectos que, segundo a sentença, divergem do regime da locação de coisas móveis.
Porém, não nos parece líquido que assim seja.
Na verdade, o denominado contrato de renting ou de locação operacional, conforme a opção de cada um, tem sido definido pela doutrina como “um negócio através do qual  o produtor ou distribuidor de uma coisa, em regra standardizada ou de elevada incorporação técnica, proporciona a outrem o seu gozo temporário, mediante remuneração, prestando também, em princípio e de modo acessório, determinados serviços, v.s., de manutenção do bem”.[1]
Também a jurisprudência mais recente tem entendido que se trata de um “contrato atípico e misto (que não se subsume, nem a locação, nem ao leasing), que tem como finalidade económico-social a “cedência operacional” do uso de um bem móvel, como finalidade acessória o “financiamento da disponibilidade” do bem locado e como finalidade eventual a “aquisição da propriedade” findo o período contratual”, sendo normal o locador assumir “a obrigação de manutenção, reparação e substituição do bem, ficando o locatário desonerado dos riscos inerentes à sua propriedade”.[2] Ou, dito de modo mais simples, ao celebrar tal contrato “o locador obriga-se a ceder o gozo de um bem, nomeadamente um veículo ou outro equipamento de elevada incorporação tecnológica e a prestar um conjunto de serviços mediante uma remuneração, sem que o locatário tenha, no fim do prazo, o direito de adquirir o bem”.[3]
Assim, pese embora tenha a sua matriz no clássico contrato de locação e se assemelhe ao contrato de locação financeira, assume características que lhe dão autonomia, ou seja, “o bem cujo uso se cede no âmbito deste contrato, deve compreender o seu correspondente contrato de manutenção, incluído no próprio contrato de renting”.[4] Estes serviços de manutenção, que se distinguem-se dos “encargos” previstos no artigo 1030º do Código Civil, não estão incluídos no contrato simples de locação.[5] Daí que se possa concluir como HUGO FREITAS RIBEIRO, que, no contrato de renting, “o locador assume, por norma, as obrigações de manutenção, reparação do bem, ainda que seja através do recurso à subcontratação”.[6]
Se bem examinarmos o clausulado dos contratos celebrados entre as partes, integralmente reproduzido no nº 13 dos factos provados, verifica-se que em nenhuma das cláusulas ficou estipulada qualquer obrigação de manutenção por parte da locadora.
Na verdade, contrariamente ao que é norma nos contratos de renting, nos contratos juntos aos autos que as partes denominaram de “locação clássica – contrato de locação para clientes empresariais”, é o locatário quem assume a obrigação de “manter o OL[7] em boas condições de funcionamento e seguir as instruções de funcionamento e outras instruções do fabricante e da GR”, bem como “a obter e a manter, as expensas suas, as licenças oficiais e outras necessárias para utilização do OL, incluindo as actualizações de sistema recomendadas, bem como deve cumprir toda a legislação e outras normas aplicáveis” (cfr. cláusula 4.- UTILIZAÇÃO). Acresce que, não tendo o locatário o direito de adquirir a propriedade do OL (cláusula 16. PROPRIEDADE DO OL), ainda assumiu a obrigação de “devolver o OL à GR no final do contrato de locação em boas condições de funcionamento” (cláusula 15.-TERMO DA LOCAÇÃO, DEVOLUÇÃO DO OL). No que respeita à locadora, e em caso de negligência leve, apenas ficou “responsável pela violação dos seus deveres principais ao abrigo do presente contrato e só por danos decorrentes desse mesmo incumprimento que sejam previsíveis, ficando neste caso a sua responsabilidade limitada a um montante igual a 25% do custo líquido do OL.” (cláusula 8. RESPONSABILIDADE DO LOCADOR. Ou seja, dos contratados celebrados não resultou para a locadora qualquer obrigação que compreendesse a reparação e substituição do objecto locado.
Contrariamente, para além de não estar prevista a transmissão da propriedade do objecto locado para a locatária, que permanece como propriedade exclusiva da locadora, ainda se impõe à locatária a obrigação da respectiva devolução, após a cessação do contrato, sob pena de a locadora proceder ao respectivo levantamento a expensas da locatária, mantendo-se a obrigação desta pagar a renda periódica conforme acordado (cfr. cláusula 15.- TERMO DE LOCAÇÃO, DEVOLUÇÃO DO OL).
Tudo isto nos leva a concluir que os contratos celebrados entre as partes que, para efeitos contabilísticos classificaram como “contrato de locação operacional” (cfr. cláusula 23.- OUTROS)[8], devem ser qualificados como simples contratos de locação, uma vez que se verificam todos os requisitos do contrato de locação ordinária, conforme se encontram previstos no artigo 1022º do Código Civil.[9]
3.2.-Qualificados os contratos dos autos como simples contratos de locação, sem dúvida que, para efeitos da declaração de insolvência da locatária, o regime aplicável é o previsto no artigo 108º do CIRE, “o que significa que, tendo o administrador de insolvência procedido à comunicação de denúncia dos contratos, será a massa insolvente a responsável, não apenas pelo pagamento dos alugueres vencidos como pela restituição dos bens locados.”[10]
Com efeito, assumindo o insolvente a posição de locatário num contrato de locação, o artigo 108º, nº 1 estabelece que a declaração de insolvência não suspende o contrato de locação, mas o administrador da insolvência pode sempre denunciar esse contrato com um pré-aviso de 60 dias, salvo se, de acordo com a lei ou com o contrato, for suficiente um pré-aviso com prazo inferior. Acresce que, de acordo com o nº 4 do mesmo artigo, após a declaração de insolvência do locatário, o locador não pode requerer a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento das rendas ou alugueres respeitantes ao período anterior à data da declaração da insolvência, bem como na deterioração da situação financeira do locatário.
Conforme se discorre no já citado Acórdão da Relação de Évora de 29/09/2022 (proc. 300/21.6T8STR-D.E1), em que o contrato apreciado é muito semelhante aos dos presentes autos, como o legislador não teve a intenção de suspender a obrigação de pagamento dos alugueres por parte da locatária/insolvente, “o contrato de locação deverá ser cumprido pelo administrador de insolvência até à produção dos efeitos jurídicos da denúncia e a restituição dos bens locados”. Por isso, “a regra da suspensão dos contratos até ser proferida deliberação pelo administrador de insolvência não se aplica a contratos de locação em que o insolvente seja o locatário, uma vez que aquilo que o n.º 1 do artigo 108.º do CIRE estipula é que a declaração de insolvência não suspende tais contratos, sendo que o administrador de insolvência tem a faculdade de denunciá-lo com um pré-aviso de 60 dias, se nos termos da lei ou do contrato não for suficiente um pré-aviso inferior.” Consequentemente, “tendo sido decretada, in casu, a insolvência da sociedade, optando o respectivo administrador de insolvência pela denúncia dos contratos de locação, não tendo intenção de os cumprir (…), sempre os alugueres vencidos e não pagos, entre a data de declaração de insolvência e o momento em que a denúncia operou efeitos, deverão ser reclamados como créditos sobre a massa insolvente e não como créditos sobre a insolvência.”
Também no caso em apreço, resultou provado que, depois de ter sido solicitado ao administrador da insolvência o pagamento das rendas respeitantes aos meses de Novembro e Dezembro de 2022, este comunicou que não pretendia optar pela execução dos contratos. Temos, assim, de considerar que, ao actuar deste modo, optou pela denúncia dos contratos, mantendo-se consequentemente a sua obrigação de proceder ao pagamento dos alugueres vencidos até à produção dos efeitos jurídicos da denúncia. Deste modo, não subsistem quaisquer dúvidas de que as quantias vencidas desde a declaração da insolvência até à produção dos efeitos jurídicos da denúncia constituem dívidas da massa insolvente.[11]
Assim sendo, improcedem as alegações de recurso.

4.–Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente a apelação, assim confirmando integralmente a sentença.
Custas da apelação a cargo da Recorrente.



Lisboa, 25/01/2024



Nuno Teixeira - (Relator)
Fátima Reis Silva - (1ª Adjunta)
Teresa de Jesus de Sousa Henriques - (2ª Adjunta)



[1]Cfr. GRAVATO DE MORAIS, Manual de Locação Financeira, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 62, bem como TRL, Ac. de 07/06/2016 (proc. 1449/14.7TJLSB.L1-7), disponível em www.dgsi.pt/trl.
[2]Cfr. TRL, Ac. de 10/05/2022 (proc. 679/22.2.T8TVD.L1-7), disponível em www.direitoemdia.pt.
[3]Cfr. TRG, Ac. de 14/09/2023 (proc. 281/22.9T8CHV-A.G1), disponível em www.direitoemdia.pt.
[4]Cfr. HUGO FREITAS RIBEIRO, O Contrato de Renting na Ordem Jurídica Portuguesa - Da natureza jurídica e da dependência funcional entre o elemento locativo e a prestação de serviços (Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em direito, conducente ao grau de Mestre, na Área de Especialização em Ciências Jurídico Forenses), Coimbra, 2018, pág. 47.
[5]Cfr. neste sentido, HUGO FREITAS RIBEIRO, Ob. Cit., pág. 47.
[6]Cfr. HUGO FREITAS RIBEIRO, Ob. Cit., pág. 68.
[7]Objecto locado.
[8]O que se compreende, dadas as vantagens conferidas ao contrato de renting em sede de IRC e IVA, no qual as rendas são reconhecidas como gastos no período a que respeitam, bem como, em princípio, é aplicável a respetiva dedutibilidade do IVA suportado nas rendas (Cfr. JORGE PIRES e JOÃO GOMES, SNC – Sistema de Normalização Contabilística – Teoria e Prática, 5ª ed., Vida Económica, Porto, 2015, pp. 269 a 281, apud HUGO FREITAS RIBEIRO, Ob. Cit., pág. 26).
[9]Decorre do artigo 1022º do Código Civil que o contrato de locação pressupõe três elementos: proporcionar a outrem o gozo de uma coisa; de forma temporária; e, mediante retribuição.
[10]Cfr. TRE, Ac. de 29/09/2022 (proc. 300/21.6T8STR-D.E1), disponível em www.direitoemdia.pt.
[11]Cfr. neste sentido o já citado Ac. do TRE de 29/09/2022, bem como o Ac. do TRP de 28/03/2012 (proc. 1483/10.6TBBGC-H.P1), disponível em www.dgsi.pr/jtrp. Como se refere no primeiro dos mencionados acórdãos “as obrigações decorrentes do contrato de locação, nomeadamente, o dever de pagamento das rendas, restituição dos bens locados e a obrigação de pagamento da indemnização pela mora na restituição, que impendiam sobre a locatária/insolvente (cfr. artigo 1038.º do Código Civil), foram transferidas para a massa insolvente, por força do estatuído no artigo 108.º do CIRE”.