Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9677/23.8T8LSB.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
INVERSÃO DO CONTENCIOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I) A ratio legis do instituto da inversão do contencioso, a que se refere o artigo 369.º do CPC, é a de evitar “que tenha de se repetir inteiramente, no âmbito da ação principal, a mesma controvérsia que acabou de ser apreciada e decidida no âmbito do procedimento cautelar – obstando aos custos e demoras decorrentes desta duplicação de procedimentos” (assim, a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, do XIX Governo Constitucional, que esteve na origem do CPC de 2013).
II) Decretada a inversão do contencioso, consolidar-se-á a tutela cautelar em decisão definitiva, quando se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Quando tiver decorrido o prazo concedido ao requerido para instaurar a ação principal (art.º 371.º, n.º 1, do CPC);
b) Na situação prevista no n.º 2 do artigo 371.º do CPC;
c) Quando, proposta a ação principal pelo requerido, transitar em julgado a decisão que a julgue improcedente.
III) Com a inversão do contencioso, a providência cautelar torna-se convertível em definitiva, mas não imediatamente definitiva, vindo tal a depender da não instauração de ação principal pelo requerido.
IV) Em caso de decretamento da inversão do contencioso, existirá uma espécie de “caducidade atributiva”, por oposição à vulgar “caducidade extintiva”, em que o decurso do prazo (para o requerido interpor a ação principal) gera, não a extinção do procedimento cautelar, mas a consolidação da providência, em decisão definitiva.
V) Nos casos de inversão de contencioso, em que teve lugar o decretamento da providência e em que o requerido não interpôs a ação principal, a decisão tomada em providência cautelar converte-se em definitiva, mas tal efeito não constitui uma causa de caducidade da providência, não ocorrendo, nessa situação, alguma das situações que determinariam a caducidade da providência e que resultam do n.º 1 do artigo 373.º do CPC.
VI) Tratando-se de uma providência na qual foi determinada a apreensão e entrega de determinado bem, mas que não se encontra efetivada, sem se verificar causa de caducidade da mesma, inexiste motivo para a extinção dos autos e promoção da sua contagem, com imposição à requerente do ónus de instaurar ação executiva para entrega do bem.
VII) Assumindo o procedimento cautelar uma componente eficiente de execução do direito, cuja tutela definitiva já foi conseguido, não se vê utilidade, nem interesse objetivo, na sua substituição pela ação executiva, pelo que, estando pendente procedimento que realiza cabalmente os fins próprios da execução, não é curial impor-se ao titular do direito, se o quiser efetivar, que tome a iniciativa de propor e iniciar outro – ação executiva para entrega de coisa certa - com a mesma finalidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

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1. Relatório:
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1. BNP PARIBAS LEASE GROUP, S.A., identificada nos autos, instaurou o presente procedimento cautelar comum, contra VERTICAL MAGNITUDE – UNIPESSOAL, LDA., também com os sinais dos autos, pedindo a apreensão e entrega de uma multifunções, marca “KYOCERA”, modelo … e com o número de série … e requerendo ainda que fosse decretada a inversão do contencioso.
Para tanto, alegou, em suma, que:
- Celebrou contrato de aluguer do referido equipamento, escolhido pela requerida, vinculando-se esta ao pagamento de 20 rendas mensais, durante 60 meses;
- A requerente adquiriu o equipamento pretendido, de que é a proprietária, e entregou-o à requerida para que o pudesse usar, no âmbito do contrato de aluguer celebrado;
- A requerida deixou de pagar as rendas, a partir da 7ª, tendo a requerente vindo a comunicar-lhe a resolução do contrato com fundamento nesse incumprimento, intimando-a a entregar o equipamento, o que a requerida jamais fez.

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2. A requerida, citada, não deduziu oposição.

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3. Em 23-05-2023 foi proferida decisão que ordenou a apreensão e entrega à requerente do equipamento acima identificado e dispensando a requerente da propositura da ação principal, decretando a inversão do contencioso.

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4. Tentada a referida apreensão e entrega, em 02-08-2023 foi junto aos autos ofício da GNR dando conta de que:
“Relativamente ao solicitado no oficio em epigrafe, informa-se V. Exa que após esta guarda se deslocar à sede da empresa que efetuava a contabilidade da mesma, foi-nos informado que esta já não se encontra a laborar, fendo efetuado dissolução e encerramento da liquidação, conforme certidão que junto se anexa.
Mais se informa que, desconhece-se o paradeiro do proprietário da mesma.”.

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5. Em 13-09-2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Encontrando-se a Requerida dissolvida, com encerramento da liquidação e encerramento da matrícula, e assim extinta, os autos prosseguem contra a generalidade dos sócios representados pelo liquidatário, no caso o gerente LS – artigos 160.º e 162.º, do Código das Sociedades Comerciais.
Notifique, sendo igualmente efectuada a notificação para efeitos do disposto no artigo 371.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”

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6. Em 14-09-2023, a requerente apresentou nos autos requerimento de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“1.
Em 13 de setembro de 2023 a Requerente foi notificada pela Oficial de Justiça do teor de um despacho, conforme notificação com referência nº 428514498, contudo o referido despacho não foi junto.
2.
Pelo que se requer a repetição da notificação com o devido despacho. Ademais,
3.
De todas as diligências realizadas até à data no âmbito dos presentes autos, conforme as informações prestadas, não foi possível apurar a localização dos bens em causa na sede da Requerida, uma vez que, a empresa encontra-se dissolvida, com encerramento da liquidação e encerramento da matrícula, e assim extinta.
4.
Neste sentido, resulta evidente que não será possível proceder à apreensão dos bens propriedade da Requerente na sede da Requerida.
5.
Ademais, não foi possível apurar outra morada da Requerida, com vista à realização da apreensão dos bens.
6.
Note-se, também, que a Requerente desconhece a localização dos bens.
7.
Em conformidade, face ao exposto, requer-se que a diligência de apreensão dos bens propriedade da Requerente seja efetuada na morada do represente legal da Requerida, visto que, o mesmo poderá ter em seu poder os bens propriedade da Requerida.
8.
Para o efeito, o Douto Tribunal deverá ordenar que a diligência de apreensão dos bens deverá seja efetuada na seguinte morada: Rua …, Nº … ,  Arouca.
9.
Sem prejuízo, não procedendo o legal representante à entrega do bem, deverá ser notificado para informar os autos da localização dos bens locados informado que incorre na prática dos crimes de desobediência qualificada e de abuso de confiança. (…)”.

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7. Em 15-11-2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Compulsados os autos resulta que a sentença proferida no âmbito dos presentes autos, com inversão de contencioso, transitou em julgado porquanto o requerido sócio gerente (que intervém nos presentes por força da requerida ter sido dissolvida, com encerramento da liquidação e encerramento da matrícula, e assim extinta.
Dispõe o artigo 371º do Código de Processo Civil que: “1 - Sem prejuízo das regras sobre a distribuição do ónus da prova, logo que transite em julgado a decisão que haja decretado a providência cautelar e invertido o contencioso, é o requerido notificado, com a advertência de que, querendo, deve intentar a acção destinada a impugnar a existência do direito acautelado nos 30 dias subsequentes à notificação, sob pena de a providência decretada se consolidar como composição definitiva do litígio.”
O requerido foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 371º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Decorrido o prazo concedido, nada tendo o requerido dito, resulta que a acção principal não se mostra intentada e, como tal, considera-se consolidada a composição definitiva do litígio.
Com a consolidação definitiva do litígio deverá a aqui requerente, caso assim o entenda, executar a decisão aqui proferida, intentado a competente acção executiva com vista à entrega de coisa certa.
Face ao exposto, indefere-se o requerido pela requerente no seu requerimento com a referência nº 36984944 e consequentemente ordena-se a oportuna remessa à conta dos presentes autos.
Notifique e proceda às d.n. (…)”.

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8. Não se conformando com o despacho de 15-11-2023, dele apela a requerente – cfr. requerimento de recurso apresentado em 29-11-2023 - pugnando pela sua revogação e sua substituição por outra que determine o prosseguimento dos autos com a realização das diligências necessárias até à efetiva apreensão do bem deles objeto, sem necessidade de intentar ação executiva para entrega de coisa certa, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. Em 13 de abril de 2023, apresentou a ora Recorrente Procedimento Cautelar Comum Não Especificado, peticionando a entrega imediata do bem de que é proprietária com base na resolução de 1 (um) contrato de aluguer operacional identificado pelo nº …, celebrado em 1 de maio de 2021, o qual veio a ser decretado em 23 de maio de 2023.
B. Na sentença datada de 23 de maio de 2023, o Tribunal a quo determinou "Dispenso a requerente da propositura da ação principal, decretando a inversão do contencioso".
C. Em 2 de agosto de 2023, por Ofício, a GNR de Cinfães informou não ter sido possível apurar a localização dos bens em causa na sede da Requerida, uma vez que, a empresa encontra-se dissolvida, com encerramento da liquidação e encerramento da matrícula, e assim extinta.
D. Não sendo possível apurar outra morada da Requerida, a Requerente solicitou ao Tribunal que fosse efetuada a diligência de apreensão na morada do representante legal da Requerida.
E. A Requerente solicitou, também, que não procedendo o legal representante à entrega do bem, deveria o mesmo ser notificado para informar os autos da localização dos bens locados.
F. Tal pedido foi indeferido pelo Tribunal a quo.
G. O Tribunal a quo decidiu: "resulta que a acção principal não se mostra intentada e, como tal, considera-se consolidada a composição definitiva do litígio. Com a consolidação definitiva do litígio deverá a aqui requerente, caso assim o entenda, executar a decisão aqui proferida, intentado a competente acção executiva com vista à entrega de coisa certa. Face ao exposto, indefere-se o requerido pela requerente no seu requerimento com a referência nº 36984944 e consequentemente ordena-se a oportuna remessa à conta dos presentes autos.".
H. Saliente-se que o bem objeto do procedimento cautelar mantém-se, até à presente data, por apreender, tendo culminado frustrada a diligência de apreensão realizada.
I. Foi com surpresa que a ora Recorrente recebeu a notificação do despacho aqui em crise indeferindo o requerido, em 15 de novembro de 2023, mormente a realização de diligências necessárias com vista ao cumprimento do presente procedimento cautelar, as quais têm por finalidade obter a apreensão do bem em causa, e que no entendimento e nas palavras do Tribunal a quo "caberão no âmbito de uma ação executiva".
J. Ora, ab initio importa ter presente que não se verifica in casu qualquer dos casos de caducidade da providência previstos no artigo 373º CPC.
K. Alias, todas as situações de caducidade previstas no preceito legal acima referido reportam-se, para o que aqui releva, ao não reconhecimento do direito acautelado pela providência.
L. Ora, no caso sub judice, tal não se verifica, porquanto o direito da ora Recorrente foi definitivo reconhecido, conforme supra demonstrado, não se tendo o mesmo, de todo, extinguido.
M. Não o tendo o bem objeto do presente procedimento, até à presente data, sido apreendido, será forçoso concluir que o mesmo não se concretizou na sua plenitude, pelo que o direito da ora Recorrente, reconhecido definitivamente no âmbito dos presentes autos, não se encontra, ainda, devidamente assegurado.
N. Com efeito, a execução imediata da providência constitui o único meio adequado para afastar o perigo e "assegurar a efetividade do direito ameaçado", conforme dispõe o artigo 362º, nº 1 CPC, assegurando, assim, o efeito/conteúdo útil do direito, objetivo máximo da tutela cautelar.
O. Assim, entende a Recorrente não ter andado corretamente o Tribunal a quo ao indeferir o requerimento apresentado, impedindo que a apreensão ordenada nos presentes autos possa ser executada no âmbito dos mesmos e sugerindo que a apreensão do bem terá de ser efetuada no âmbito de ação executiva.
P. Assim, e uma vez que não se verifica in casu qualquer dos casos de caducidade da providência previstos no artigo 373.º do CPC, nem sendo a prolação da sentença de inversão do contencioso fundamento para proceder à extinção dos presentes autos, deverá a providência requerida, salvo melhor entendimento, prosseguir os seus termos atento os fins especiais de celeridade e agilização processual, sendo que os presentes autos de procedimento cautelar só deverão findar com a efetiva apreensão e entrega do bem ao proprietário, ora Recorrente.
Q. Assim, ao indeferir as diligências de apreensão requeridas pelo suposto esgotamento da tutela cautelar, em virtude do reconhecimento definitivo do direito, sem que a providência cautelar haja sido cumprida em toda a sua extensão porque o bem dela objeto não se mostra apreendido está o Tribunal a forçar a ora Recorrente a ter de executar a referida sentença que julgou definitivamente a presente causa.
R. Tal configuraria uma situação demasiado penosa para a Recorrente que, tendo visto o seu direito já reconhecido, ver-se-ia na obrigação de instaurar uma outra ação - ação executiva para entrega de coisa certa - por forma a ver cumprido o já anteriormente ordenado.
S. Salvo o devido respeito, a solução supra enunciada não só esvazia, em absoluto, o objeto da providência cautelar decretada, como não se coaduna com a urgência na tutela do direito da Recorrente.
T. O facto de a decisão provisória tomada no âmbito dos presentes autos ter sido reconhecida definitivamente no âmbito dos presentes autos nunca poderá conduzir à conclusão de que a providência cautelar se extinguirá.
U. Deste modo, afigura-se imperioso concluir que a apreensão do bem objeto dos presentes autos, na medida em que consubstancia o termo da execução do procedimento cautelar decretado, e ainda não alcançado, justifica, obviamente, a continuação dos presentes autos e realização das diligências necessárias até efetiva apreensão do veículo em causa nos mesmos.
V. Em face do exposto, forçoso será concluir pela ilegalidade do despacho em apreço, o qual viola o disposto no artigo 373º do C.P.C, devendo o mesmo ser revogado e os presentes autos prosseguirem com a realização das diligências necessárias até à efetiva apreensão do veículo automóvel deles objeto, sem necessidade de intentar ação executiva para entrega de coisa certa.”.

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9. Dos autos não constam contra-alegações.

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10. Por despacho de 05-12-2023 foi admitido liminarmente o requerimento recursório.

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11. Remetidos os autos a este Tribunal de recurso, foram colhidos os vistos legais e inscritos os autos para julgamento.

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2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , a única questão a decidir é a de saber:
A) Se a decisão recorrida de 15-11-2023 violou o disposto no artigo 373.º do CPC e se a mesma deve ser revogada?

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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação da apelação, os elementos factuais constantes do relatório, que se têm por assentes, de acordo com a documentação constante dos autos, inexistindo factos não provados com relevo para a mesma apreciação.

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4. Fundamentação de Direito:

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A) Se a decisão recorrida de 15-11-2023 violou o disposto no artigo 373.º do CPC e se a mesma deve ser revogada?
Conforme resulta da tramitação do presente processo, verifica-se que o Tribunal recorrido, após ter determinado a citação da requerida – que não deduziu oposição - veio a decretar a providência cautelar comum pugnada pela requerente, ordenando a apreensão e entrega à requerente do equipamento em questão e - perante requerimento da requerente nesse sentido - dispensando a requerente da propositura da ação principal, decretando a inversão do contencioso.
Tentada a apreensão e entrega do equipamento, a mesma não se logrou concretizar, após o que, a requerente veio aos autos requerer novas diligências para tal finalidade, com reporte à morada do legal representante da requerida, “visto que, o mesmo poderá ter em seu poder os bens propriedade da Requerida” e “não procedendo o legal representante à entrega do bem, deverá ser notificado para informar os autos da localização dos bens locados informado que incorre na prática dos crimes de desobediência qualificada e de abuso de confiança. (…)”.
Sucede que, por despacho de 15-11-2023, o Tribunal veio a indeferir tal pretensão da requerente, entendendo que, com a consolidação definitiva do litígio – em resultado da determinação da inversão do contencioso e da não instauração de ação principal pela requerida no prazo previsto no n.º 1 do artigo 371.º do CPC – a execução da decisão de apreensão e entrega deverá ter lugar em ação executiva com vista a entrega de coisa certa, pelo que determinou a contagem (para apuramento da responsabilidade tributária) dos autos.
É contra esta decisão que a requerente se insurge.
Na sequência da alegação que desenvolve, conclui a recorrente que o Tribunal recorrido – ao proferir o despacho de 15-11-2023 – impede “que a apreensão ordenada nos presentes autos possa ser executada no âmbito dos mesmos e sugerindo que a apreensão do bem terá de ser efetuada no âmbito de ação executiva”, sendo que, “não se verifica in casu qualquer dos casos de caducidade da providência previstos no artigo 373.º do CPC, nem sendo a prolação da sentença de inversão do contencioso fundamento para proceder à extinção dos presentes autos, deverá a providência requerida, salvo melhor entendimento, prosseguir os seus termos atento os fins especiais de celeridade e agilização processual, sendo que os presentes autos de procedimento cautelar só deverão findar com a efetiva apreensão e entrega do bem ao proprietário, ora Recorrente”, pelo que, indeferindo o Tribunal recorrido as diligências de apreensão requeridas, “pelo suposto esgotamento da tutela cautelar, em virtude do reconhecimento definitivo do direito, sem que a providência cautelar haja sido cumprida em toda a sua extensão porque o bem dela objeto não se mostra apreendido está o Tribunal a forçar a ora Recorrente a ter de executar a referida sentença que julgou definitivamente a presente causa” (cfr., conclusões O. a Q.).
Vejamos:
Os procedimentos cautelares constituem os meios – de natureza urgente (cfr. artigo 363.º do CPC) - de que o titular do direito dispõe para acautelar o efeito útil da acção (cfr. art.º 2º, n.º 2, in fine, do C.P.C.), visando-se com eles “impedir que durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela” (A. Varela et al; Manual de Processo Civil, 2ª ed., p. 23).
As providências cautelares têm como pressupostos gerais a existência do direito do requerente e o perigo ou lesão desse direito, podendo a medida de proteção requerida ao Tribunal reconduzir-se ao procedimento cautelar comum, regulado nos artigos 362.º e ss. do CPC, a procedimentos cautelares especificados (regulados nos artigos 377.º a 409.º do CPC) ou a outras providências cautelares especiais previstas em leis avulsas.
Referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 458) que, “são requisitos da concessão da tutela cautelar comum a probabilidade séria da existência do direito invocado, o receio fundado (em termos objetivos) de lesão grave e irreparável ou de difícil reparação, a adequação da providência à situação de lesão iminente e a inviabilidade de encontrar essa tutela através de procedimentos cautelares especificados”.
Importa sublinhar que, em regra, o objetivo do procedimento cautelar não se confunde com o fim último da ação judicial comum. Naquele, apenas se pretende a adoção de providências adequadas a assegurar a efetividade do direito ameaçado – não a declaração definitiva e a imposição do direito lesado (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12-06-2019, P.º 3772/18.2T8FAR.E1, rel. MÁRIO BRANCO COELHO).
Isso mesmo resulta do disposto no n.º 1, do artigo 364.º do CPC (com a epígrafe “Relação entre o procedimento cautelar e a ação principal”), onde se prevê que, exceto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva”.
No caso, por decisão de 23-05-2023, a providência requerida foi decretada, determinando-se a apreensão e entrega à requerente do equipamento objeto do contrato celebrado com a requerida. Nessa mesma decisão, foi decretada a inversão do contencioso.
Vejamos, em termos necessariamente breves, em que se traduz esta figura, inovação do CPC de 2013.
Dispõe o artigo 369.º do CPC – com a epígrafe “Inversão do contencioso” - que:
“1 - Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.
2 - A dispensa prevista no número anterior pode ser requerida até ao encerramento da audiência final; tratando-se de procedimento sem contraditório prévio, pode o requerido opor-se à inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da providência decretada.
3 - Se o direito acautelado estiver sujeito a caducidade, esta interrompe-se com o pedido de inversão do contencioso, reiniciando-se a contagem do prazo a partir do trânsito em julgado da decisão que negue o pedido”.
A ratio legis deste instituto é a de evitar “que tenha de se repetir inteiramente, no âmbito da ação principal, a mesma controvérsia que acabou de ser apreciada e decidida no âmbito do procedimento cautelar – obstando aos custos e demoras decorrentes desta duplicação de procedimentos” (assim, a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, do XIX Governo Constitucional, que esteve na origem do CPC de 2013).
Conforme evidenciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 470), por intermédio da inversão do contencioso, “em lugar de obter apenas uma antecipação provisória da tutela definitiva, fica o requerente dispensado de instaurar a ação principal destinada a reconhecer ou a realizar o direito em causa. Nuns casos, essa medida pode encontrar sustentação na ausência de uma efetiva divergência entre o requerente e o requerido acerca do direito, existindo apenas uma situação de violação desse direito ou de incumprimento obrigacional (…). Noutros casos, é justificada pelo facto de a atividade desenvolvida no âmbito do procedimento tornar dispensável a sua repetição na ação principal (…). Casos haverá ainda em que o decretamento da medida cautelar qua tale satisfaz plenamente o direito do requerente (…)”.
Nestas situações, justifica-se que seja dispensado o requerente de propor uma ação principal, incumbindo tal ónus ao requerido, assim se invertendo o contencioso.
A pretensão de inversão do contencioso apenas pode ser apresentada em procedimentos cautelares preliminares – não em providências incidentais (cfr., neste sentido, o Ac. do TRP de 15-04-2013, Pº 920/12.0TVPRT.P1, rel. CARLOS QUERIDO) –e só é admissível se a providência cautelar não tiver um sentido manifestamente conservatório, mas sim, antecipatório (cfr., neste sentido, o Ac. do TRC de 12-09-2017, Pº 157/16.9T8LSA.C1, rel. FONTE RAMOS) devendo a pronúncia do julgador, sobre a inversão do contencioso, ter lugar em simultâneo com a decisão que julgue o procedimento cautelar.
Dispõe o artigo 371.º do CPC que:
“1 - Sem prejuízo das regras sobre a distribuição do ónus da prova, logo que transite em julgado a decisão que haja decretado a providência cautelar e invertido o contencioso, é o requerido notificado, com a advertência de que, querendo, deve intentar a ação destinada a impugnar a existência do direito acautelado nos 30 dias subsequentes à notificação, sob pena de a providência decretada se consolidar como composição definitiva do litígio.
2 - O efeito previsto na parte final do número anterior verifica-se igualmente quando, proposta a ação, o processo estiver parado mais de 30 dias por negligência do autor ou o réu for absolvido da instância e o autor não propuser nova ação em tempo de aproveitar os efeitos da propositura da anterior.
3 - A procedência, por decisão transitada em julgado, da ação proposta pelo requerido determina a caducidade da providência decretada”.
Assim, decretada a inversão do contencioso, consolidar-se-á a tutela cautelar em decisão definitiva, quando se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Quando tiver decorrido o prazo concedido ao requerido para instaurar a ação principal (art.º 371.º, n.º 1, do CPC);
b) Na situação prevista no n.º 2 do artigo 371.º do CPC;
c) Quando, proposta a ação principal pelo requerido, transitar em julgado a decisão que a julgue improcedente.
Como se refere, elucidativamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-12-2021 (Pº 12144/21.0T8LSB-A.L1-7, rel. DIOGO RAVARA), “a inversão do contencioso (art.ºs 369º e segs. do CPC) não converte a decisão do procedimento cautelar em decisão definitiva da causa de que aquele constituiria preliminar, antes tem por efeito dispensar o requerente do ónus de intentar tal ação declarativa, transferindo tal ónus para o requerido”.
Ou seja: Conforme salienta Rita Lynce de Faria (A Tutela Cautelar Antecipatória no Processo Civil Português – Um difícil equilíbrio entre a Urgência e a Irreversibilidade; Universidade Católica Editora, Lisboa, 2016, p. 239), “[c]om a inversão do contencioso, a providência cautelar torna-se convertível em definitiva, mas não imediatamente definitiva”, vindo a depender da não instauração de ação principal pelo requerido.
Conforme refere, a este propósito, Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 578), “[a] consolidação formal da decisão cautelar é feita à custa do impulso processual do requerido: já não é o requerente vencedor que tem o ónus de colocar a ação principal, mas invertidamente é o requerido vencido que tem o ónus de colocar a ação destinada a impugnar a existência do direito acautelado nos 30 dias subsequentes à notificação”.
O artigo 373.º do CPC regula sobre os termos de caducidade da providência, do modo seguinte:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 369.º, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca:
a) Se o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado;
b) Se, proposta a ação, o processo estiver parado mais de 30 dias, por negligência do requerente;
c) Se a ação vier a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado;
d) Se o réu for absolvido da instância e o requerente não propuser nova ação em tempo de aproveitar os efeitos da proposição da anterior;
e) Se o direito que o requerente pretende acautelar se tiver extinguido.
2 - Quando a providência cautelar tenha sido substituída por caução, fica esta sem efeito nos mesmos termos em que o ficaria a providência substituída, ordenando-se o levantamento daquela.
3 - A extinção do procedimento ou o levantamento da providência são determinados pelo juiz, com prévia audiência do requerente, logo que se mostre demonstrada nos autos a ocorrência do facto extintivo”.
Assim, a não ser que tenha sido decretada a inversão do contencioso, o requerente tem o prazo de 30 dias para instaurar a ação ou execução de que o procedimento é instrumental, sob pena de se verificar a caducidade da providência e a extinção do procedimento cautelar.
Conforme salienta Marco Carvalho Gonçalves (Providências Cautelares; 4.ª ed., Almedina, 2023, p. 411), “o regime de caducidade das providências cautelares, previsto no art.º 373º, tem, precisamente, como objetivo evitar que o requerido fique sujeito, por tempo excessivo ou indeterminado, aos efeitos danosos e nefastos de uma providência cautelar que, por assentar num juízo sumário, urgente e provisório, pode ser injusta ou ilegal”.
O regime de caducidade da providência cautelar comum decretada - a que se refere, nomeadamente, a alínea a) do n.º 1, do artigo 373.º do CPC - não ocorrerá, se tiver lugar a inversão do contencioso, caso em que, a providência decretada é considerada como adequada a realizar a composição definitiva do litígio, nos termos do n.º 1 do artigo 369.º do CPC, numa caraterística que se poderá denominar de “convertibilidade” (cfr., neste sentido, Rita Lynce de Faria; A Tutela Cautelar Antecipatória no Processo Civil Português – Um difícil equilíbrio entre a Urgência e a Irreversibilidade; Universidade Católica Editora, Lisboa, 2016, p. 234).
De todo o modo, “[m]esmo nos casos de dispensa de propositura da ação principal, a providência caduca se o direito que o requerente pretende acautelar se tiver extinguido (al. e) do n.º 1), nas mesmas circunstâncias em que se extinguiria uma medida definitiva decretada numa ação de tutela plena; assim como pode caducar, por perda do direito acautelado, na pendência da ação principal, quando a providência não se tenha consolidado” (cfr., Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro; Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2013, pp. 314-315).
Afigura-se que, deste modo, existirá, em caso de decretamento da inversão do contencioso, uma espécie de “caducidade atributiva”, por oposição à vulgar “caducidade extintiva”, em que o decurso do prazo (para o requerido interpor a ação principal) gera, não a extinção do procedimento cautelar, mas a consolidação da providência, em decisão definitiva (cfr., neste sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro; Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2013, p. 297; cfr., também, Rita Lynce de Faria; A Tutela Cautelar Antecipatória no Processo Civil Português – Um difícil equilíbrio entre a Urgência e a Irreversibilidade; Universidade Católica Editora, Lisboa, 2016, p. 244, nota 592).
Conforme referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2013, p. 297), reportando-se aos efeitos da mencionada “caducidade atributiva”: “O efeito direto desta caducidade é apenas a consolidação da providência”.
A este propósito, refere Rui Darlindo Dias de Castro Pinto; Inversão do Contencioso e Instrumentalidade dos Procedimentos Cautelares no Direito Processual Civil Português; Universidade de Vigo, 2019, pp. 362-364) que, “uma vez invertido o contencioso, podemos assistir a uma de quatro hipóteses:
a) o requerido instaura a acção principal, caso em que a providência cautelar não se consolida como composição definitiva do litígio1119. Veja-se que com a inversão do contencioso o juiz atribuiu à providência cautelar a susceptibilidade de resolver definitivamente o litígio, sendo que, com a instauração da acção principal, foi retirada essa susceptibilidade à providência cautelar e, consequentemente, a mesma recuperou os seus traços normais: a provisoriedade e o ciclo de vida limitado. Se assim for, a estabilidade da decisão cautelar será precisamente coincidente com a que acabamos de analisar a propósito dos procedimentos cautelares em que não seja invertido o contencioso1120, ou seja, a decisão cautelar, apesar de constituir caso julgado material, continuará a ser precária ou provisória.
b) o requerido não instaura a acção principal, caso em que a providência cautelar se consolida como composição definitiva do litígio (cfr. o n.º 1 do artigo 371.º do CPC de 2013).
c) o requerido instaura a acção principal, mas esta permaneceu parada por mais de 30 dias por negligência do autor/requerido, caso em que a providência cautelar se consolida como composição definitiva do litígio (cfr. o n.º 2 do artigo 371.º do CPC de 2013);
d) o requerido instaura a acção principal, mas o réu/requerente é absolvição da instância do réu/requerente, não tendo o primeiro intentado nova acção no prazo (de 30 dias) em que poderia aproveitar os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu, caso em que a providência cautelar se consolida como composição definitiva do litígio (cfr. o n.º 1 do artigo 279.º e o n.º 2 do artigo 371.º, ambos do CPC de 2013).
Nas últimas três hipóteses referidas, a providência cautelar, porque se consolida como composição definitiva do litígio, perde o seu carácter intrinsecamente provisório. Quer isto dizer que as providências cautelares deixam de ser vistas como uma medida que tem um ciclo de vida necessariamente limitado e, portanto, condenadas à caducidade e consequente extinção.
Ou seja, as providências cautelares, uma vez decretada a inversão do contencioso e não sendo instaurada a acção principal, transformam-se em definitivas e o seu ciclo de vida torna-se ilimitado, prevalecendo estas como composição definitiva do litígio. É exactamente por este motivo que podemos afirmar que as providências cautelares perderam o seu carácter intrinsecamente provisório”.
Ora, nos casos de inversão de contencioso, em que teve lugar o decretamento da providência e em que o requerido não interpôs a ação principal, a decisão tomada em providência cautelar converte-se em definitiva, mas tal efeito não constitui uma causa de caducidade da providência.
De facto, não ocorre, nessa situação, alguma das situações que determinariam a caducidade da providência e que resultam do n.º 1 do artigo 373.º do CPC.
Em particular, não se pode afirmar que, na situação dos autos, o direito da requerente se tenha extinguido, por via da conversão da tutela provisória do respetivo direito, em tutela definitiva. Pelo contrário, tal conversão determina uma maior premência e efetividade na tutela do direito – reconhecido a título definitivo - da requerente, não se podendo considerar ter-se o mesmo extinto, pelo reconhecimento de uma situação de definitividade na composição do litígio.
A nosso ver, a situação é diversa daqueles casos em que, não tenha sido determinada a inversão do contencioso e em que a providência cautelar tenha sido deferida, mas careça de confirmação em ação principal, mas que, não venha a ter lugar; ou, daqueles casos, em que, igualmente sem ter lugar a inversão e antes de a providência ser decretada, o bem venha a ser entregue ao requerente, caso em que a providência cautelar se extinguirá por inutilidade superveniente da lide, uma vez que a tutela cautelar não será mais necessária.
Ora, no presente caso, tratando-se de uma providência na qual foi determinada a apreensão e entrega de determinado bem, mas que não se encontra efetivada, sem se verificar causa de caducidade da providência ou de extinção da instância, afigura-se que, inexiste motivo para a extinção dos autos e promoção da sua contagem, com imposição à requerente do ónus de instaurar ação executiva para entrega do bem, cuja entrega já foi determinada nos presentes autos.
Ou seja: Os presentes autos deverão prosseguir termos para efetivação das mencionadas apreensão e entrega, ainda não concretizadas, mas, relativamente às quais, o correspondente direito da requerente já foi, com definitividade, reconhecido, sem necessidade de instauração de ação executiva para efetivação de tais atos.
Posicionando-se nestes moldes, onde estava em questão providência cautelar comum e a apreensão de veículo automóvel, mas cujas considerações são plenamente transponíveis para a situação dos presentes autos e que nos merecem inteira adesão, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-04-2016 (Pº 934/14.5TVLSB-A.L1-7, rel. LUÍS ESPÍRITO SANTO) o seguinte:
“Nos termos do artigo 373º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil, o que determina a caducidade do procedimento cautelar respectivo é a improcedência da acção principal e não a sua procedência.
O interesse primordial dos presentes autos cautelares – a apreensão do veículo automóvel, cujas sucessivas tentativas têm-se revelado infrutíferas – subsiste incólume e deverá ser empenhadamente prosseguido, com celeridade e eficácia, sob pena de irreversível frustração do direito substantivo gravemente em risco.
Assim, o que está aqui em causa é a efectivação do direito do requerente, que urge, sem delongas, acautelar, e que por circunstâncias que lhe são absolutamente alheias, ainda não foi assegurado pelo ordenamento jurídico ao qual se dirigiu e que acolheu inteiramente a sua pretensão.
Afigura-se-nos, por isso, incompreensível e ilógico que se obrigue a requerente (que anda há anos a pugnar denodadamente pela efectivação da diligência de apreensão do veículo automóvel) a encetar nova via sacra, dando à execução a sentença declarativa de teor essencialmente coincidente com a pretensão formulada em termos cautelares, com o inerente acréscimo de dispêndios de tempo e custos e inutilização do trabalho já realizado no plano deste procedimento.
Isto para impulsionar exactamente a mesmíssima actividade processual que estava em curso há longo tempo.
No fundo, refazer o que já estava a ser feito, inútil e cansativamente.
Conforme certeiramente se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Março de 2007 (relator Francisco Magueijo), publicado in www.dgsi.pt: “…assumindo o procedimento cautelar uma componente eficiente de execução do direito declarado na acção, não se vê utilidade, nem interesse objectivo, na sua substituição pela acção executiva. É manifesto o prejuízo que daí resultaria para o titular do direito de propriedade sobre o bem a apreender, com evidente e desnecessária desconsideração dos princípios da economia e da celeridade processuais. Estando pendente procedimento que, no caso, realiza cabalmente os fins próprios da execução e estando ele na fase fina do processamento, não é curial impor-se ao titular do direito, se o quiser efectivar, que tome a iniciativa de propor e iniciar outro”.
Neste mesmo sentido, vide:
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Abril de 2008 (relator Olindo Geraldes), publicado in www.dgsi.pt; publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16 de Agosto de 2007 (relator Eduardo Tenazinha), publicitado in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Maio de 2009 (relator Farinha Alves), publicitado in www.jusnet.pt.
Contra vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Julho de 2010 (relatora Ondina Alves), publicitado in www.jusnet.pt.
Privilegiar-se-á a solução que defende substantivamente os interesses protegidos pelo sistema jurídico, salvaguardando a sua eficácia e celeridade, em detrimento de uma retórica formal e ritualista que se esgota em si própria”.
Estas razões foram igualmente reconhecidas a respeito de outras situações de tutela cautelar, com reconhecimento de tutela definitiva do direito em discussão, como ocorreu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-04-2008 (Pº 3068/2008-7, rel. GRAÇA AMARAL), onde se considerou que:
“…a protecção efectiva do direito do proprietário do bem objecto do contrato alcançada na presente providência cautelar (especificidade que permite a disposição imediata do bem) retira a potencialidade reparadora que se encontra subjacente à acção de execução de sentença (art.º 4, n.º 3, do CPC). Nesta medida, mostra-se destituído de sentido pretender que, face à declaração definitiva do respectivo direito, se exija a substituição da pendência (na sua fase final que é necessariamente executória) de um procedimento cautelar que realiza, de forma cabal (pelo seu regime permite ao proprietário do bem a realização do seu direito de forma mais célere), o fim próprio da acção executiva.
Não ocorrendo qualquer vantagem objectiva nessa substituição (designadamente no caso do titular do direito pretender indemnização, nomeadamente por não se encontrar o bem locado, sendo que a respectiva liquidação não assume cabimento processual no âmbito da providência) e tendo presente a impossibilidade de descurar a necessária prossecução e promoção dos princípios de economia e celeridade processuais, não pode deixar de se concluir que o procedimento cautelar não perde (antes continua a manter) o interesse face à substituição da decisão provisória pela definitiva (com o trânsito em julgado da acção principal). A aceitação de outra posição radica na violação do próprio sentido económico visado com o estabelecimento do regime previsto para a acção cautelar neste âmbito.
Mantendo total interesse a pendência do procedimento cautelar, não obstante o trânsito em julgado que declarou definitivamente o direito do Requerente, não há que o fazer extinguir por inverificação de qualquer situação de caducidade”.
Assim, de acordo com o exposto, terá inteiro cabimento a intervenção do juiz para, no âmbito dos seus poderes de gestão processual e das faculdades previstas no artigo 6.º do CPC, lograr obter o resultado material – a apreensão e entrega do bem objeto - da decisão definitiva já alcançada.
Podem resumir-se as considerações expendidas, na formulação das seguintes proposições conclusivas:
- A ratio legis do instituto da inversão do contencioso, a que se refere o artigo 369.º do CPC, é a de evitar “que tenha de se repetir inteiramente, no âmbito da ação principal, a mesma controvérsia que acabou de ser apreciada e decidida no âmbito do procedimento cautelar – obstando aos custos e demoras decorrentes desta duplicação de procedimentos” (assim, a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, do XIX Governo Constitucional, que esteve na origem do CPC de 2013);
II) Decretada a inversão do contencioso, consolidar-se-á a tutela cautelar em decisão definitiva, quando se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Quando tiver decorrido o prazo concedido ao requerido para instaurar a ação principal (art.º 371.º, n.º 1, do CPC);
b) Na situação prevista no n.º 2 do artigo 371.º do CPC;
c) Quando, proposta a ação principal pelo requerido, transitar em julgado a decisão que a julgue improcedente;
- Com a inversão do contencioso, a providência cautelar torna-se convertível em definitiva, mas não imediatamente definitiva, vindo tal a depender da não instauração de ação principal pelo requerido;
- Em caso de decretamento da inversão do contencioso, existirá uma espécie de “caducidade atributiva”, por oposição à vulgar “caducidade extintiva”, em que o decurso do prazo (para o requerido interpor a ação principal) gera, não a extinção do procedimento cautelar, mas a consolidação da providência, em decisão definitiva;
- Nos casos de inversão de contencioso, em que teve lugar o decretamento da providência e em que o requerido não interpôs a ação principal, a decisão tomada em providência cautelar converte-se em definitiva, mas tal efeito não constitui uma causa de caducidade da providência, não ocorrendo, nessa situação, alguma das situações que determinariam a caducidade da providência e que resultam do n.º 1 do artigo 373.º do CPC;
- Tratando-se de uma providência na qual foi determinada a apreensão e entrega de determinado bem, mas que não se encontra efetivada, sem se verificar causa de caducidade da mesma, inexiste motivo para a extinção dos autos e promoção da sua contagem, com imposição à requerente do ónus de instaurar ação executiva para entrega do bem; e
- Assumindo o procedimento cautelar uma componente eficiente de execução do direito, cuja tutela definitiva já foi conseguido, não se vê utilidade, nem interesse objetivo, na sua substituição pela ação executiva, pelo que, estando pendente procedimento que realiza cabalmente os fins próprios da execução, não é curial impor-se ao titular do direito, se o quiser efetivar, que tome a iniciativa de propor e iniciar outro – ação executiva para entrega de coisa certa - com a mesma finalidade.
A apelação deverá, pois, proceder, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, com vista à concretização das diligências de apreensão e entrega determinadas.

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No artigo 527.º, n.º 1, do CPC estipula-se que: “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”.
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cfr. artigo 529.º, n.º 1, do CPC).
As custas assumem, grosso modo, a natureza de taxa paga pelo utilizador do aparelho judiciário, reduzindo os custos do seu funcionamento no âmbito do Orçamento Geral do Estado (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3.ª ed., p. 418).
A taxa de justiça corresponde ao montante pecuniário devido pelo impulso processual de cada interveniente – cfr. artigo 529.º, n.º 2, do CPC – representando a contrapartida do serviço judicial desenvolvido, sendo fixada, de acordo com o disposto no mencionado artigo 529.º, em função do valor e complexidade da causa, nos termos constantes do Regulamento das Custas Processuais, e paga, em regra, integralmente e de uma só vez, no início do processo, por cada parte ou sujeito processual.
As custas em sentido amplo abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte - cf. art.º 529º, n.º 1 do CPC -, sendo que a primeira corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa (cf. n.º 2 do art.º 529º), ou seja, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (RCP), conforme o disposto nos seus artigos 5.º a 7.º, 11.º,13.º a 15.º e das tabelas I e II anexas.
Daqui se retira que o impulso processual do interessado constitui o elemento que implica o pagamento da taxa de justiça e corresponde à prática do acto de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais como a acção, a execução, o incidente, o procedimento cautelar e o recurso (cfr. Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 7.ª edição, p. 15).
Nos termos do artigo 529.º, n.º 3, do CPC, os encargos são as despesas resultantes da condução do processo correspondentes às diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, cujo regime consta essencialmente dos artigos 16.º a 20.º, 23.º e 24.º do aludido Regulamento.
E, de acordo com o disposto no art.º 530.º, n.º 4 do CPC, as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária nos termos do Regulamento, cujo regime consta essencialmente dos seus artigos 25.º, 26.º e 30.º a 33.º e da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril.
A conjugação do disposto no art.º 527.º, n.ºs. 1 e 2 com o n.º 6 do art.º 607.º e no n.º 2 do artigo 663.º do CPC permite aferir que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respectivo impulso processual.
De acordo com o estatuído no n.º 2 do art.º 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. A condenação em custas rege-se pelos aludidos princípios da causalidade e da sucumbência, temperados pelo princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso e da justa medida (cfr. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, p. 359).
“Dá causa à acção, incidente ou recurso quem perde. Quanto à acção, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento (…)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre; Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., p. 419).
Assim, deve pagar as custas a parte que não tem razão, litiga sem fundamento ou exerce no processo uma atividade injustificada, pelo que interessa apurar o teor do dispositivo da decisão em confronto com a posição assumida por cada um dos litigantes.
O princípio da causalidade continua a funcionar em sede de recurso, devendo a parte neste vencida ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado, tendo presente, contudo, a especificidade acima apontada quanto à constituição da obrigação de pagamento da taxa de justiça, pelo que tal condenação envolve apenas as custas de parte e, em alguns casos, os encargos (cfr. Salvador da Costa, ob. cit., pp. 8-9).
O facto de os sucessores da requerida – atenta a extinção desta - não terem contra-alegado desonera-os do pagamento da taxa de justiça que é devida pelo impulso processual. Todavia, tendo ficado vencidos, os mesmos serão responsáveis pelo pagamento das custas, as quais incluem as custas de parte e os encargos (art.º 529º, nº1, do CPC) (cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-03-2010, Pº 2630/08.3TBVLG-A.P1, rel. HENRIQUE ANTUNES, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-03-2011, Pº 6730/09.4TVLSB.L1-7, rel. LUÍS LAMEIRAS e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-05-2017, Pº 01238/16, rel. ASCENSÃO LOPES).
Conclui-se, pois, que, atento o sentido decisório do presente acórdão, a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso deverá incidir sobre os sucessores da requerida, que aqui ficaram vencidos – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.

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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em revogar a decisão de 15-11-2023 do Tribunal recorrido, que se substitui pela presente, determinando o prosseguimento dos autos, para efetivação da apreensão/entrega determinadas.
Custas pelos sucessores da requerida.
Notifique e registe.

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Lisboa, 25 de janeiro de 2024.
Carlos Castelo Branco
Arlindo Crua
João Miguel Mourão Vaz Gomes