Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2020/08.8TAVFX.L1-3
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: I-A responsabilidade civil decorrente da prática de crime tributário é regulada pela lei civil, em sede de responsabilidade por factos ilícitos - artigos 483° e 498° do Código Civil e 129º do Código Penal-, respondendo pelos danos causados os agentes do crime.
II-A indemnização peticionada em processo penal não se destina a liquidar uma obrigação tributária, sendo antes fixada segundo critérios da lei civil, apesar de os factos geradores da obrigação tributária poderem ser parcialmente coincidentes, não podem naturalmente ser confundidos os seus fins e regimes.

III-Por conseguinte, sobre a indemnização a apurar incidem juros moratórios, nos termos gerais (artigo 806º, 1 e 2 do Código Civil) – e não, conforme peticionado, de acordo com o artigo 3.°, n.° 1 do DL 73/99 de 16.3. -, não havendo ainda lugar à aplicação dos encargos adicionais próprios dos incumprimentos tributários, por serem inaplicáveis às indemnizações fixadas de acordo com a lei civil.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa
 nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo com o NUIPC 2020/08.8TAVFX.L1, do 2ª Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de  Vila Franca de Xira, em que figuram como recorrentes:
a) JP...;
b) O Instituto da Segurança Social, I.P.;

I - RELATÓRIO
1. Nos presentes autos foi proferida uma sentença, que termina com o dispositivo a seguir reproduzido[i]:
«a) Condeno a sociedade arguida "L.. & ..., Lda.", pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p.p. art.s 30.°, n.° 2 do Cód. Penal e 107.°, n.° 1 e 2, 105.°, e 7.° do RGIT na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 1200,00 (mil e duzentos euros);
b) Condeno o arguido J..., pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p.p. art.s , p.p. art.s 30.°, n.° 2 do Cód. Penal e 107.°, n.° 1 e 2, 105.° do RGIT na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 12,00 (doze euros), o que perfaz a quantia de € 2160,00 (dois mil cento e sessenta euros):
c) Condeno o arguido JP..., pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. p. art.s 30.°, n.° 2 do Cód. Penal e 107.°, n.° 1 e 2, 105.° do RGIT na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 12,00 (doze euros), o que perfaz a quantia de € 2160.00 (dois mil cento e sessenta euros):
d) Condeno os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3 UC's, a procuradoria em 1/2 da taxa de justiça, bem como no pagamento de 1% da taxa de justiça aplicável a favor do IGFPJ, nos termos do disposto no artigo 13.°, n.° 3 do Dec. Lei n. 423/91, de 30 de Outubro, com a alteração introduzida pelo art. 133.° n.°2 da Lei 53-A/2006 de 29.12.
Quanto ao pedido de indemnização civil deduzido por Instituto de Segurança Social, I.P. contra os arguidos/demandados, julgo o mesmo totalmente improcedente por provado[ii] e, em consequência, decido:
a) Absolver os demandados da instância do pedido de indemnização cível formulado pelo Instituto de Segurança Social, IP
b) As custas do pedido cível ficam a cargo do demandado, fixando a taxa de justiça no mínimo legal.»

2. Inconformados com a decisão, tanto o arguido JP..., como o Instituto de Segurança Social, I.P. interpuseram recurso da mesma, formulando, em suma, as seguintes conclusões:

2.1.Conclusões da motivação do recurso do arguido JP...

(...)

2.2.Conclusões da motivação do recurso do Instituto da Segurança Social, I.P.:
O objecto do recurso prende-se com a seguinte questão: O Tribunal" a quo " ter absolvido os demandados L... & L..., Lda, J.... e JP..., do pedido de indemnização civil deduzido pelo ora recorrente, fundamentando a sua posição no facto de entender que o demandante não tem interesse em agir, dado que, existindo titulo executivo, este verá satisfeitos os seus créditos com maior segurança e eficácia do que na sequência de uma decisão proferida no âmbito dos presentes autos, atenta as especificidades da execução fiscal.
Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pela decisão recorrida, entendemos que o Tribunal recorrido fez uma errada interpretação da lei substantiva e processual aplicável ao caso em apreço.
No que respeita ao pedido cível, preceitua o Artigo 71° do Código de Processo Penal que: " O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei
Trata-se do chamado princípio da adesão obrigatória da acção cível de indemnização à acção penal.
O pedido de indemnização pode até ser deduzido conjuntamente com a acção penal contra pessoas com responsabilidade meramente civil, como prevê o artigo 73.° do CPP.
Ora, as partes civis são as entidades particulares que a lei permite que intervenham no processo para se fazerem pagar dos danos emergentes do facto punível.
Como intervêm no processo penal, nada repugna que, formalmente, sejam vistas como sujeitos processuais penais, sem esquecer que, materialmente (natureza dos interesses em presença), a sua postura seja a de sujeitos de uma acção cível colada ao expediente penal, por efeito do citado mecanismo de adesão.
Ao contrário do que foi decidido pelo tribunal recorrido, na base do presente processo não há uma relação tributária. Assim, atento até o princípio da adesão, a conclusão tem que ser precisamente a contrária: o tribunal criminal é competente para julgar o pedido civil deduzido nos autos pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.
O pedido de indemnização cível é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu os danos ocasionados pelo crime ( cfr. artigo 74.° do CPP ).
Do disposto no artigo 3ºdo RGIT ( Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho ) e artigos 8º e 129° do Código Penal, resulta que em Processo Penal, a responsabilidade civil decorrente da prática de crime tributário é regulada pela lei civil, em sede de responsabilidade por factos ilícitos - artigos 483° e 498° do Código Civil.
Ora, nem o RGIT nem a LGT afastam a regra geral constante dos Artigos 483° e 498° do Código Civil, aplicáveis por remissão do Artigo 129° do Código Penal.
Mais se dirá que, que não se devem confundir duas realidades juridicamente diversas: assim, deve sublinhar-se que as acções que têm por objecto os actos tributários de liquidação e execução de tributos e as acções de indemnização resultante da prática de crimes fiscais têm causas de pedir e pedidos diferentes.
Ao contrário do que parece subjacente à tese da decisão recorrida, da prática do crime, para além das consequências de natureza estritamente criminal, podem emergir outros efeitos para além da manutenção da dívida correspondente ao tributo cuja não entrega consubstanciou a acção típica penalmente desvaliosa.
A unidade e coerência do sistema impõem que se distinga a responsabilidade pelo pagamento do imposto ( responsabilidade tributária ), sendo então aplicável a legislação tributária, nomeadamente a Lei Geral Tributária e a responsabilidade emergente do crime, consequência civil resultante da prática do ilícito criminal causador de dano à administração tributária ou à administração da segurança social. - Germano Marques da Silva in Responsabilidade ... cit., pág. 455.
A divida tributária existe e mantém-se independentemente da prática do crime tributário, mas se o crime causar danos, os seus agentes são responsáveis pela indemnização dos danos dele emergentes nos termos gerais.
Do exposto, decorre que pelos danos causados pelos crimes tributários respondem os agentes do crime e respondem não nos termos da Lei Geral Tributária, mas nos termos da Lei Civil.
A responsabilidade civil dos arguidos pelo incumprimento das contribuições devidas à Segurança Social constitui uma responsabilidade por facto ilícito (art° 483°, n° 1 do CC) que no caso vertente se concretizou na não entrada dos fundos contributivos devidos pela arguida, nos cofres da Segurança Social. A indemnização pelo dano sofrido com o não pagamento consiste, precisamente, na reposição das contribuições desviadas acrescida de juros mora respectivos.
O objecto do pedido cível deduzido não é a dívida tributária da sociedade arguida mas sim os prejuízos, geradores de responsabilidade civil, provocados por todos os demandados e emergentes da prática de crime de abuso de confiança fiscal que praticaram e pelo qual são penalmente condenados e, quanto a tal responsabilidade, é a mesma determinada e regulada de acordo com as regras do C. Civil para o qual remete quer o artigo 129° do CP, quer o artigo 3º do RGIT.
Deste modo, o administrador/gerente da empresa que seja também agente do crime, não responderá subsidiariamente, mas solidariamente, como solidariamente respondem todos os demais agentes, nos termos e para os efeitos do disposto no Artigo 497° do Código Civil.
É em função da Lei Civil e não da Lei Administrativa ou Tributária ou outra, que importa apreciar o pedido de indemnização civil deduzido nos autos pelo ora recorrente.
A responsabilidade do gerente da sociedade é, quanto às obrigações tributárias, de natureza subsidiária ( Artigos 22° n.° 3 e 24° da Lei Geral Tributária ) ao passo que a responsabilidade dos arguidos condenados pela prática de um crime tem natureza solidária ( Artigo 3º do RGIT, Artigos 8o e 129° do Código Penal e Artigo 497° do Código Civil).
No caso dos autos não tem lugar a figura de reversão, própria do processo executivo e que tem por objectivo chamar à acção executiva quem à luz do título executivo não é parte (cfr. artigos 55.°, n.° 1, do CPC e 153.°, n.° s 1 e 2 do CPPT), situação completamente diversa da presente em que os arguidos foram demandados ab initio, numa acção com estrutura declarativa, sendo contra eles invocada uma concreta causa de pedir e formulado um pedido concreto, o qual puderam contestar nos termos gerais consentidos em processo penal.
Ao optar pelo exercício da acção conjunta o recorrente pretendeu obter decisão condenatória que, transitada em julgado, assume o papel de título executivo, com a configuração própria do artigo 467.° do Código de Processo Penal.
Aqui o devedor é demandado a título principal, tendo por base a autoria de um crime de que emerge uma conexa responsabilidade civil delitual - artigo 6.° do RGIT, sendo o pedido baseado na obrigação de indemnizar pelos danos causados pela prática de facto ilícito e culposo - artigo 483.° do Código Civil.
Mais do que uma presunção legal de culpa (artigo 23.°, n.° 4, da LGT), invocável em sede de responsabilidade tributária, aqui o pedido de indemnização baseou-se na prática de um facto que à data constituía crime doloso, pois o crime em questão é apenas previsto na forma dolosa (não estando expressamente prevista a punição por negligência, os factos integradores de crime só podem ser punidos se praticados com dolo - artigo 13.° do Código Penal), sendo o pedido substanciado numa causa de pedir de matriz diversa - não em responsabilidade tributária, mas responsabilidade criminal e responsabilidade civil decorrente da prática de um crime, uma responsabilidade extra-contratual, delitual ou aquiliana.
Os crimes tributários, e é disso que se trata, são julgados nos tribunais criminais, e não nos tribunais administrativos e fiscais.
Sendo diversos os sujeitos numa e noutra demanda - pelo menos, os originários - e a causa de pedir (a pretensão deduzida nas execuções fiscais e a pretensão formulada no presente processo não procedem do mesmo facto jurídico - cfr. artigo 498.°, n.° 4, do CPC, bem como o pedido, pois a indemnização aqui impetrada não se destina a liquidar uma obrigação tributária para com a segurança social, nem se poderia colocar a questão de configuração da excepção dilatória da litispendência.
A competência do tribunal criminal para conhecer da acção penal e da conexa acção cível enxertada não se confunde com a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal em processo de execução.
A causa de pedir, como decorre da definição legal constante do artigo 498.° n.° 4 do CPC, é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, isto é, o facto ou conjunto de factos concretos articulados pelo autor, e dos quais dimana o efeito ou efeitos jurídicos que através do pedido formulado, pretende ver juridicamente reconhecidos.
O recorrente foi lesado com a conduta criminosa dos arguidos ( e continua lesado uma vez que não foi ressarcido dos prejuízos que aquela conduta lhe causou ) - e o pedido cível que o recorrente deduziu teve por finalidade a reparação dos mencionados prejuízos derivados da prática de um crime.
A causa de pedir do pedido de indemnização cível formulado nos autos em crise é constituída pelos mesmos factos que preenchem os pressupostos da responsabilidade criminal dos arguidos.
A Segurança Social tem interesse em agir porque ainda não viu satisfeito o seu crédito em sede de execução fiscal. Há apenas uma mera expectativa jurídica de a Segurança Social se fazer ressarcir unicamente pelo património do devedor originário L...& L..., Lda.
No caso vertente, não estamos perante nenhuma responsabilidade tributária, não é esse o âmbito do pedido e da causa de pedir do pedido civil oportunamente deduzido pela Segurança Social, e isto ao contrário do sustentado no douto acórdão recorrido, o Instituto da Segurança Social, IP, não pretende accionar pela via do seu pedido de indemnização civil qualquer responsabilidade tributária contra os arguidos.
Do atrás exposto, resulta que a lei concede ao demandante a possibilidade de deduzir um pedido de indemnização civil emergente de crime tributário, pelo que não se pode ter este como inútil.
De facto, tal como o Instituto da Segurança Social, I.P., tem tido a oportunidade de salientar junto do Tribunal da Relação de Lisboa, a indemnização destes autos não se destina a liquidar uma obrigação tributária para com a segurança social, sendo antes fixada segundo critérios da lei civil, apesar de os factos geradores da obrigação tributária poderem ser parcialmente coincidentes, não podem naturalmente ser confundidos os seus fins e regimes.
E mesmo a existência de título executivo não obstaria a que o credor pudesse obter a condenação do devedor por meio do pedido cível, sendo que, tal questão, já como se tem afirmado em diversa jurisprudência, designadamente no Acórdão do STJ, processo n.° 231/05-5 - Relator Conselheiro Rodrigues da Costa citado no Acórdão do STJ, datado de 11/12/2008, Processo n.° 08P3850 - Relator Conselheiro Simas Santos, disponível in www.dgsi.pt.
Incorreu, pois, o Tribunal recorrido em erro notório, ao considerar que a quantia peticionada pelo recorrente, mais não é do que as próprias contribuições que deixaram de ser entregues, com uma natureza diferente de uma indemnização por danos resultantes da prática de um crime.
O pedido de indemnização civil deduzido pelo Recorrente decorre da prática de facto ilícito tipificado na lei como crime de abuso de confiança contra a segurança social, pelo que deveria o douto acórdão recorrido ter conhecido do respectivo mérito.
O ora recorrente não só teve interesse em agir contra os arguidos, bem como, é parte legítima na pretensão contra estes deduzida.
Encontram-se violados na douta sentença recorrida proferida pelo Tribunal "a quo" os seguintes preceitos legais: Artigos 3º e 6º do RGIT ( Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho ); Artigos 71°, 73° n.° 1 e 74° do Código de Processo Penal; Artigos 8º e 129° do Código Penal; Artigos 483°, 497° e 498° do Código Civil e Artigo 498° n.° 4 do Código de Processo Civil.
Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência, serem os arguidos L...& L.., Lda, J.... e JP..., condenados no pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, acrescida dos respectivos juros de mora, assim se fazendo por Vossas Excelências, serena, sã e objectiva Justiça.

3.Notificado da motivação dos recursos, o Ministério Público[iii] apenas apresentou           contra-alegações em relação à motivação do recurso do arguido, com o teor seguidamente reproduzido:
(...)
3.Notificado da motivação do recurso do demandante, o arguido JP... apresentou contra-alegações em relação à motivação do recurso do Instituto de Segurança Social, I.P., nas quais formulou as conclusões a seguir reproduzidas:
Nas suas alegações o Recorrente entende não existir identidade de pedido e de causa de pedir entre acções.
Isto porque: " da douta sentença não resulta se o demandante dispõe de título executivo em relação a todos os demandados, sendo que a respectiva responsabilidade, porque subsidiária, (...) só se efectiva por reversão do processo de execução fiscal, sujeita aos condicionalismos previstos na lei (...). Assim, para obter título executivo contra todos os arguidos, sempre o ora recorrente teria que formular o pedido cível dos autos, como o fez".
No entanto, a verdade é que já se encontram pendentes na secção de processo Executivo de Lisboa processos de execução fiscal relativamente à sociedade L...& L..., Lda., no que diz respeito a valores descritos já, anteriormente, na acusação do Ministério Público;
Deste modo, a administração fiscal já procurou executar os montantes constantes na acusação pelo Ministério Público pelas competentes vias que estão ao seu alcance, não fazendo sentido que, a coberto do pedido de indemnização cível em processo- crime, procure cobrar duas vezes o mesmo montante.
A responsabilidade emergente da prática de crimes pelas pessoas colectivas, bem como a responsabilidade dos membros dos corpos sociais é, também, meramente subsidiária e dependente, ou por reversão ou por alegação e prova dos factos nos respectivos processos, da condição de demonstração da sua culpa na insuficiência dos bens da pessoa colectiva - nos termos do art.° 7°-A, n.° 1 do RGIFNA e art.° 8o, n.° 1 do RGIT.
O pedido de pagamento dos impostos devidos não deve ser feito pelo pedido de indemnização cível em processo conexão com o processo-crime, mas através da execução fiscal, eventualmente por via da reversão da mesma contra os administradores do responsável inicial.
Aliás, o Recorrido já foi confrontado com os processos de executivos fiscais números 1101200201032445 e 1101200602288354, conforme é referido na sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Assim, a administração fiscal já procurou executar esses montantes pelas competentes vias, não fazendo sentido que, a coberto do pedido de indemnização cível em processo - crime, procure cobrar duas vezes o mesmo montante!
O prosseguimento dos autos para apreciação do pedido formulado e, eventualmente, com a condenação do Recorrido no seu pagamento, implicaria a criação de um novo título executivo em relação a valores que já se mostram devidamente titulados nos processo de execução fiscal supra referidos.
Onde, conforme o Tribunal a quo refere, e bem, que " o demandante verá satisfeitos os seus créditos com maior segurança e eficácia do que na sequência de uma decisão proferida nestes autos, atenta as especificidades da execução fiscal."
Nos autos em apreço, tendo ocorrido a aludida reversão em relação ao Recorrido, ocorrendo contra o mesmo processos de execução fiscal quando aquele não constava do título executivo inicial, resulta que não existe interesse em prosseguir com o Recorrido relativamente à mesma.
O interesse de agir não é mais que uma inter-relação de necessidade e de adequação; de necessidade porque, para a solução do conflito deve ser indispensável a actuação jurisdicional, e adequação porque o caminho escolhido deve ser apto a corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configurou.
"Porque se exige um real interesse do Autor e porque os Tribunais devem julgar questões concretas de relevante interesse, exige-se como requisito de tais acções, que o demandante demonstre a necessidade de usar o meio que a acção exprime, pois que, de outro modo, os Tribunais seriam enxameados de pleitos para se obterem decisões a que poderiam corresponder meros caprichos, ou propósitos de solução de questões puramente académicas, transformando os Tribunais em órgãos de consulta", segundo o Acórdão n° 08A2210, do Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Setembro de 2008, disponível no site www.dgsi.pt.
Termos em que, e nos mais que vossas excelências, venerandos desembargadores doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso, com o que uma vez mais se fará a costumada Justiça.

3. Nesta instância, o Ministério Público [iv] emitiu o seguinte parecer:
O arguido tem a pretensão de impugnar a matéria de facto.
No entanto, desconhece, a nosso ver, quais são os poderes da Relação no tocante a esta matéria, seus limites e condicionalismos. Este poder não é equivalente ao poder original atribuído ao juiz do julgamento, não podendo ser arbitrariamente alterado porque um dos intervenientes processuais expressa o seu desacordo relativamente à convicção formada pelo julgador.
Com efeito, é a este, e não àqueles, que está cometida a tarefa de julgar a matéria de facto, segundo as regras previstas no art° 127° do CP, não se considerando relevante a convicção pessoal de cada um dos intervenientes processuais, de molde a sobrepor-se à convicção do Tribunal, relevando, sim, que, quem entenda que ocorreu um erro de julgamento, por deficiente apreciação de prova, fundadamente o invoque em sede de recurso, para que este possa ser apreciado em 2a instância.
Mas para que assim seja, necessário se torna conhecer os limites desta reapreciação, uma vez que não estamos perante novo julgamento, em que há reapreciação integral da prova, cumprindo, sim, verificar se os erros concretos apontados pelo recorrente ocorrem e, na afirmativa, corrigi-los.
Assim sendo, caberá aqui verificar se o tribunal recorrido fez um bom uso do princípio da livre apreciação da prova, com base na motivação elaborada, na fundamentação da sua escolha, isto é, no cumprimento do n° 2 do art° 374° do CPP. Mas, ainda assim, desde que os elementos probatórios imponham uma decisão diversa, pois, de outro modo, toda a prova seria abalada, sobretudo em situações como a dos autos, em que as versões dos arguidos João António e João Pedro são, quanto à questão da gerência efectiva da sociedade, totalmente contraditórias - devendo prevalecer a decisão que, em sede de Ia instância, seja proferida, ainda que seja uma das soluções possíveis face às regras da experiência comum e em consonância com as imposições legais, verbi gratia, os comandos dos artigos 127° e 374°, n° 2 já citados.
Ora, aqui chegados, cumpre referir que, no essencial, a razão da discordância do arguido prende-se com o relevo que pretende atribuir ao seu próprio depoimento, procurando descredibilizar o do co-arguido.
Mas como bem refere a decisão sob recurso, pese embora fosse o arguido João António quem, no período de Dezembro de 2001 a Setembro de 2006, estava diariamente na empresa e quem assumia, no quotidiano, a sua gestão - sendo a presença do gerente João Pedro, ora recorrente, esporádica - este estava, porém, ao corrente das decisões que eram tomadas - verbi gratia no tocante à matéria que ora nos ocupa, a relativa à área contabilística, e respectivas dívidas, mormente as relativas à Segurança Social.
Fundando-se, assim, a pretensão do arguido, tão só, na alteração fáctica decorrente duma análise puramente construída na sua convicção, a mesma tem de soçobrar, não podendo, a nosso ver, este TRL concluir de forma diferente do Tribunal " a quo".
Assim sendo, andou bem, a nosso ver, o Tribunal "a quo" ao chegar à conclusão a que chegou, isto é, ao condenar o arguido pela prática dos factos que lhe vinham imputados.
Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

4. O arguido recorrente respondeu, renovando o pedido de absolvição deduzido em sede de recurso, reiterando o entendimento de que resultou da globalidade da prova produzida – e não só das suas próprias declarações – de que não se provou, de facto, o exercício das suas funções de gerência, o que deverá conduzir à sua absolvição.
5. Seguiu-se o exame preliminar e, não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questões a decidir

Do thema decidendum dos recursos:

Para definir o âmbito do recurso, a doutrina[v] e a jurisprudência[vi] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que os recorrentes extraíram da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.

Das questões a decidir neste recurso:

Atento o teor do relatório atrás produzido, importará decidir as questões substanciais a seguir concretizadas, que sintetizam as conclusões dos recorrentes, constituindo, assim, o thema decidendum:
a) Do erro de julgamento - revista alargada e impugnação ampla da matéria de facto;
O arguido JP... pretende que seja alterada a decisão da matéria de facto, na medida em que pretende ver reconhecido que da prova produzida resultou provado que o mesmo não exerceu  a gerência efetiva da sociedade L... & L..., Lda., no período da prática do crime;
Reconhecendo-se isso, tal deverá conduzir à revogação da sua condenação penal.
b) Do erro em matéria de direito:
O demandante motivou o seu recurso na admissibilidade do seu pedido de indemnização civil - mediante reconhecimento do seu interesse processual, por entender que a existência de título executivo não obsta a que o credor possa obter a condenação do devedor por meio do pedido cível, dada a diferente natureza da causa de pedir de um e de outro -  devendo os demandados serem condenados no pedido.

            Para decidir tais questões, importará, primeiramente, concretizar os factos jurídico-processuais relevantes.


II – FUNDAMENTAÇÃO EM MATÉRIA DE FACTO

Tendo em conta o objeto do recurso, definido no relatório que antecede, torna-se essencial analisar a decisão recorrida.

Neste contexto, importará concretizar, somente, a decisão da matéria de facto - incluindo a explicitação da respetiva formação da convicção do tribunal - e, ainda, a fundamentação em matéria de direito, quanto ao enxerto cível.
« II - Fundamentação:
1.Factos Provados: 
Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:
A arguida L... & L... é uma sociedade por quotas que tem por objecto as actividades de metalomecânica, serralharia mecânica e civil.
Os arguidos J... e JP.... foram sócios-gerentes da sociedade arguida, respectivamente, desde 11-10-1996 e 20-06-1996, tendo renunciado ao cargo em 30 de Março de 2007.
Durante o período compreendido entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006 os arguidos foram responsáveis pelas decisões de gestão da empresa;
Ao arguido J... cabia-lhe receber e gerir dinheiros, celebrar contratos, realizar encomendas, pagar remunerações e dívidas;
Ambos os arguidos tinham perfeito conhecimento de todas as operações de natureza contabilística da sociedade;
Tanto aos trabalhadores que a sociedade arguida teve ao seu serviço, como ao seu administrador, o aqui arguido J..., os salários foram sendo pagos.
O pagamento das remunerações aos trabalhadores era realizado mensalmente, em regra, no final de cada mês. Por vezes, os salários eram pagos com atraso.
Ao longo de toda a sua actividade, a sociedade arguida efectuou sempre, mensalmente, as deduções para a Segurança Social das remunerações pagas aos seus trabalhadores e sócios-gerentes, através da respectiva retenção na fonte, mediante a aplicação, ao valor das remunerações, das taxas de 11% relativas ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem e de 10% quanto aos gerentes.
No que respeita às contribuições referentes aos períodos de Dezembro de 2001 a Setembro de 2006, a sociedade arguida deixou de entregar à segurança social, até ao dia 15 do mês seguinte a que eram devidas, as contribuições que deduzia e retinha, conforme a isso estava e está obrigada;
Assim, no que se reporta ao referido período, a sociedade arguida, por determinação dos arguidos J... e JP... deduziram das remunerações pagas aos trabalhadores e sócio-gerente, as quantias que vão discriminadas no quadro de fls. 69 a 71 dos autos, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, no montante global de € 105.896,82 (cento e cinco mil oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos).
Tais contribuições, embora deduzidas às remunerações pela sociedade arguida, não foram por esta entregues à Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte a que respeitavam, como também não o foram no período de 90 dias, contados do termo daquele prazo.
Foram ainda efectuadas notificações aos arguidos para entrega dos montantes devidos no prazo de 30 dias, não o tendo feito.
Assim, a sociedade arguida mantém em dívida as referidas cotizações dos meses de Dezembro de 2001 a Setembro de 2006.
A sociedade arguida, sempre por determinação dos seus sócios-gerentes - os aqui arguidos J... e JP... -, reteve, não entregando à Segurança Social, nos prazos legais e nos períodos referidos, contribuições que deduziu das remunerações cujo pagamento efectuou.
Vislumbrando a possibilidade de beneficiar a situação económica da empresa, os arguidos J... e JP..., decidiram utilizar os montantes deduzidos das remunerações referidas, em pagamentos da empresa a fornecedores ou para cumprimento de outras dívidas.
Sabiam, no entanto, terem o dever de cumprir com as suas obrigações perante a Segurança Social e que não o fazendo prejudicam este credor.
Sabiam ainda que, ao não entregarem os aludidos valores, obteriam um benefício económico ilegítimo, o que quiseram.
Até à presente data, os arguidos não entregaram à Segurança Social nenhuma das prestações supra mencionadas, as quais continuam em dívida.
Os arguidos J... e JP... agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sociedade estava obrigada a entregar mensalmente à Segurança Social as contribuições que, para o efeito, eram deduzidas das remunerações pagas, e, ainda assim, decidiram utilizar os montantes assim retidos para cumprir outras obrigações sociais da empresa, não entregando os respectivos valores à Segurança Social dentro dos prazos legais.
Formaram, executaram e mantiveram o seu desígnio, de forma idêntica e permanente, durante o período a que já se fez referência.
Os arguidos J... e JP... sabiam que tal conduta era proibida e punida por lei e, conformando-se, decidiram ainda assim prossegui-la.
Do Pedido Cível
Apesar do débito para com a Segurança Social a sociedade arguida continuou a proceder a pagamentos de salários a trabalhadores ao longo de todo o período da dívida;
Das Contestações
A Arguida "L... & L..., Lda" era uma sociedade com uma estrutura societária familiar;
Os Arguidos JP... e J..., são primos e descendem de ramos diferentes da família L...;
Em 1996 a gerência da sociedade era exercida por J.M..., irmão do arguido JP... e primo do ora arguido J....
Nesta altura a sociedade ora arguida estava numa situação económica e financeira difícil, devido sobretudo à má gestão do referido gerente, tendo sido solicitada uma auditoria às contas da sociedade aqui Arguida, tendo sido detectadas diversas irregularidades;
Numa tentativa de salvar a sociedade ora arguida da situação económica em que se encontrava, o arguido J... aceitou, em detrimento de uma situação profissional estável que detinha à data, assumir a gerência da sociedade ora Arguida;
Fê-lo única e exclusivamente para proteger e salvaguardar o bom-nome da sociedade ora Arguida, salvar os postos de trabalho que se encontravam em risco e ainda para defender o património constituído pelo seu pai ao longo de muitos anos;
Desde 1996 até 2000 foi possível regularizar as contas da sociedade, nomeadamente, pagar as rendas das instalações da sociedade ora Arguida; foi possível recuperar os salários dos trabalhadores que se encontravam em atraso, assegurados os postos de trabalho existentes, foram renegociados os passivos bancários, foi celebrado o Plano Mateus, tendo este sido cumprido.
A partir de 2000 começou a verificar-se uma diminuição no volume de encomendas, diminuição essa que foi sendo gradual e que acompanhou a crise que se instalou na construção civil e nas obras públicas e que levou à quase paralisação da actividade de construção civil quer particular quer em termos de contratos públicos;
Com a redução da actividade não foi possível à sociedade arguida fazer face aos pagamentos dos acordos bancários celebrados e com muitas dificuldades procedeu-se ao pagamento dos salários dos trabalhadores;
A falta de pagamento das contribuições devidas à Segurança Social ocorreu num contexto de dificuldades económicas da sociedade arguida, procurando a mesma evitar o seu encerramento e o despedimento dos trabalhadores;
A sociedade arguida tentou proceder ao pagamento dos salários dos trabalhadores, com muitas dificuldades e atrasos, sendo que ainda existem trabalhadores com salários em dívida;
Os salários do arguido J... foram parcialmente pagos, sendo que ainda mantém créditos laborais para com a sociedade;
Os valores das retribuições a entregar à Segurança Social foram utilizados para fazer face às despesas de funcionamento da sociedade arguida por forma a evitar o seu encerramento;
O Arguido J... procedeu a empréstimos à sociedade ora arguida para pagamento nomeadamente de salários a trabalhadores;
O arguido J... utilizava o seu cartão de crédito pessoal para fazer face às despesas de tesouraria da sociedade ora arguida;
Da Contestação do arguido JP...
Em 1996, por a arguida "L... & L..., Lda" estar a atravessar uma situação económica e financeira difícil, devida sobretudo à ausência de gestão efectiva, foi solicitado o auxílio do Arguido JP..., que entretanto vinha desenvolvendo no mercado empresarial a sua carreira profissional no domínio da gestão.
O Arguido, em acordo com os seus irmãos, herdeiros de JJL..., e para evitar que a situação da sociedade se degradasse ainda mais com consequências penalizantes para toda a sua família, assumiu, via cessão, as quotas da Arguida "L... & L..., Lda.", pertencentes aos referidos herdeiros (seus irmãos) em Dezembro de 1996;
Tal atitude do Arguido teve uma justificação: proteger o património imobiliário deixado pelo seu Pai que, à altura, estava extremamente ameaçado pela situação económica e financeira da sociedade.
Foi então decidido pelo Arguido JP e pelos seus irmãos que aquele iria intervir na gestão da Arguida "L... & L..., Lda.", procurando evitar a insolvência da mesma.
Em 2000, o arguido JP... vendeu as suas quotas aos representantes do outro lado da família L..., representada pelo sócio gerente J...;
J.., através das Cessões de Quota fica assim a deter 50% da Sociedade, ficando o seu pai JA... com os restantes 50%.
Em 2000, o Arguido JP... deixou de ser remunerado pela sociedade arguida;
Em virtude do facto do Gerente JA... (nomeado em 2000), pai do Arguido J..., estar com a sua saúde debilitada, foi solicitado ao arguido JP... pelo referido Arguido J..., que aquele se mantivesse como Gerente, por forma a responder às exigências do pacto social, continuando a assinar tudo o que fosse necessário para obrigar a Sociedade.
Solicitação essa que acabou por ser aceite pelo arguido JP..., não só pelo motivo aduzido pelo seu primo, mas sobretudo pelo facto deste não haver cumprido as obrigações que decorriam do Contrato de Cessão de Quotas e das vendas de propriedades perante os Cedentes e de forma a poder acautelar os montantes que lhe eram devidos e que não foram pagos;
O arguido JP... passa então a assinar lotes de cheques, impressos de letras e outra documentação de acordo com as solicitações do Arguido J....
Após a cessão de quotas é contratada para a sociedade uma contabilista, Dra. CR..., que assegura todo o acompanhamento aos processamentos contabilísticos e fiscais dos anos de 2000 e 2001.
Aquando da apresentação das Contas e Declarações fiscais do exercício de 2001, o Arguido J... confronta o arguido JP... com o facto da referida contabilista se ter recusado a assinar as contas e solicita-lhe o favor de assinar as contas e declarações fiscais elaboradas por esta.
Para não bloquear a sociedade, o Arguido JP... assina tais contas e as respectivas declarações fiscais;
Em 2002, o Arguido J... solicita ao Arguido JP... que passe a assegurar os serviços de acompanhamento contabilístico à Sociedade, o que este aceita, passando a assegurar esse serviço através da sua empresa de consultadoria;
Em Setembro de 2000, o arguido JP... constitui a Sociedade de Consultoria J. Borges Lourenço - Consultores Técnicos Associados, Lda. da qual assume a Gerência de Direito e de Facto e pela qual passa a ser remunerado;
Provou-se ainda que:
Foram instaurados processos executivos fiscais n.°s 1101200201032445 (e apenso 1101200201032640) e 1101200602288354 (e apensos 1101200602288362, 1101200602307170, 1101200602307189, 1101200701041339 e 1101200701041347) contra a sociedade "L... & L..., Lda por dívidas cuja proveniência resulta da falta de pagamento das contribuições e cotizações, incluindo-se aqui as dívidas respeitantes ao período compreendido entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006;
Foi a dívida, incluindo aquela que diz respeito ao período compreendido entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006, objecto de reversão contra os arguidos J... e JP...;
Após dedução da acusação pelo Ministério Público foram emitidas novas declarações de remunerações respeitantes a contribuições e referentes ao período compreendido entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006, pelo que actualmente o valor em dívida é de € 111.781,79 (cento e onze mil, setecentos e oitenta e um euros e setenta e nove cêntimos)
Mais se provou que:
O arguido J... vive em condições análogas à dos cônjuges;
A sua companheira é médica, auferindo um vencimento mensal no valor de € 4.000,00;
Tem 2 filhos, de 24 e 27 anos de idade;
Reside em casa própria, suportando uma prestação mensal no valor de € 500,00 pela amortização de empréstimo bancário contraído para aquisição da mesma;
O arguido J... é licenciado;
O arguido JP... aufere um vencimento mensal no valor de € 1000,00;
E docente universitário, auferindo ainda cerca de € 1300,00 mensais durante o semestre em que lecciona;
A sua esposa aufere cerca de € 1200,00 mensais;
Tem 2 filhos, de 18 e 5 anos de idade, respectivamente, sendo o primeiro fruto de uma anterior relação, suportando uma pensão de alimentos no valor de € 300,00.
Reside em casa pertencente à sua esposa, que suporta uma prestação mensal de valor não concretamente apurado pela amortização de empréstimo bancário;
O arguido é licenciado;
Os arguidos não têm antecedentes criminais
A sociedade L... & L..., Lda encontra-se inactiva;
2.Factos não provados:
Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar não provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:
Em Setembro de 2000, o arguido JP.. cessou todas as funções que na sociedade vinha a exercer;
O Arguido JP..., numa primeira instância afastou-se completamente da vida da sociedade, deixando de exercer as funções de Gerente de facto e de saber o que se passava na "L... & L...., Lda";
O arguido JP... volta a intervir na sociedade, apenas a título de Técnico Oficial de Contas, não exercendo quaisquer funções executivas e não definindo o rumo societário da Arguida "L... & L..., Lda.";
Que o arguido JP assinava em branco todos os documentos referidos em 47;
O arguido J.. chegava a enviar pelo correio para Leiria os documentos em branco para o arguido JP... assinar;
Apenas em 2006, logo antes de formalizar a sua intenção de demissão da Gerência, JP... tomou efectivamente consciência dos incumprimentos continuados da sociedade perante terceiros e perante o Estado,
O arguido JP... exerceu a gerência apenas até à data em que vendeu as suas quotas aos representantes do outro lado da família L..., representada pelo sócio gerente J...,
A partir dessa data, o arguido J... assumiu sozinho a gestão da sociedade, assumindo a sua gerência de facto e de direito;
        3.Motivação da matéria de facto:
          “(...).
O tribunal valorou ainda o acervo documental junto aos autos, designadamente os que constam de fls.67 a 78, 94 a 105, 122 a 205, 208 a 328, 335 a 363, 399 a 417, 441 a 449, 453 a 492, 496 a 501, 505 a 510, contrato promessa cessão de quota de fls. 657 a 663, documentos de fls. 664 a 674, declaração da Segurança Social de fls. 767 a 768, documentos de fls. 1170 a 1176, fls. 1211 a 1217, actas de fls. 1219 a 1241, recibos de fls. 1242 a 1272, documentos de fls. 1273 a 1296, e-mails de fls. 1297 a 1303, documentos de fls. 1304 a 1312, e-mails de fls. 1315 a 1327, documentos de fls. 1328 a 1340, actas de fls. 1371 a 1388, documentos de fls. 1389 a 1415, documentos de fls. 1431 a 1445, 1464 a 1468, documentos juntos pela secção de processo executivo de Lisboa a fls. 1501 a 1520, documentos de fls. 1533 a 1544, 1571 a 1578 e 1598 a 1600 e informação e certidão da dívida junta a fls. 1608 a 1612.
Ora, tendo em consideração a prova produzida em audiência de julgamento, designadamente a conjugação das declarações dos arguidos com o depoimento das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento e ainda com os documentos juntos ao processo, o tribunal criou a convicção de que os factos ocorreram conforme descritos na factualidade dada como provada.
Desde logo importa salientar que nenhum dos arguidos colocou em causa o circunstancialismo fáctico descrito na acusação relativamente à não entrega das contribuições devidas à Segurança Social, que aliás está documentalmente comprovada, justificando o arguido J... esta actuação com as dificuldades financeiras da empresa, dificuldades essas que eram resultado da conjugação de diversos factores, conforme já supra referenciado.
A questão fulcral que se colocou durante a audiência de julgamento foi a de saber quem exercia, à data dos factos imputados na acusação, a gerência efectiva da sociedade. A este propósito, surgiram duas versões: a do arguido J..., de acordo com a qual o arguido JP... era, juntamente com ele, responsável pela gestão da empresa e pelas decisões que eram tomadas na mesma; e a do arguido JP... que defendeu que na data em causa nos autos já havia cedido as suas quotas na sociedade e apenas mantinha a qualidade de gerente por isso lhe ter sido pedido pelo arguido J... e também por ter interesse em manter contacto com o que se passava na empresa de forma a obter o cumprimento das condições que tinham sido estabelecidas para a cessão da quota, sendo que tal intervenção era meramente jurídica, na medida em que não intervinha na gestão de facto da sociedade, nem tão pouco tomava decisões acerca do destino da empresa, limitando-se a assinar documentos, muitos deles em branco, como era o caso dos cheques e dos impressos de letras.
Ora, nesta matéria, e conforme resulta da factualidade dada como provada, o tribunal criou a convicção de que no período compreendido na acusação, ou seja, entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006 era o arguido J... quem estava diariamente na empresa e quem tomava as decisões referentes à gestão do quotidiano da mesma, pois era ele quem recebia e geria dinheiros, quem celebrava contratos, quem realizava encomendas e quem pagava as remunerações dos trabalhadores, bem como as dívidas. De facto, resultou evidente da prova produzida que nesse período o arguido JP... já havia cedido as suas quotas na empresa, continuando apenas como gerente da mesma e que a sua presença na sociedade era esporádica e estava essencialmente relacionada com a necessidade de proceder à assinatura de documentos, entre os quais cheques e impressos de letras de forma a possibilitar a realização de pagamentos.
Todavia, e não obstante a sua presença na sociedade arguida ser pontual e apenas quando a solicitavam, a verdade é que o arguido JP..., até pela sua formação académica, estava ao corrente das decisões que eram tomadas, especialmente no que respeitava aos pagamentos efectuados, às dívidas existentes e a todas as operações de natureza contabilística da empresa, tanto mais que o arguido JP... para alem de ter assinado as contas referentes ao ano de 2001, a partir dessa data passou a realizar o tratamento contabilístico da sociedade arguida por intermédio da empresa de consultoria que entretanto constituiu em Leiria.
De facto, e pese embora o arguido JP... tenha tentado passar a ideia de que se limitava a assinar documentos, a maior parte deles em branco e que estava completamente afastado da gestão efectiva da sociedade e das decisões que eram tomadas, tal versão foi contrariada pela prova produzida em audiência de julgamento, designadamente pelo arguido J... que afirmou que ambos falavam com regularidade, por telefone ou e-mail, e que participavam em reuniões, sendo que o arguido JP... estava a par da falta de pagamento de dívidas ao Estado, designadamente à Segurança Social, tanto mais que a pessoa que contactaram naquela instituição para tentarem resolver a situação era um contacto fornecido por aquele, factualidade que foi confirmada pelo arguido JP... que admitiu ter conhecimento das dívidas à Segurança Social.
Com efeito, e não obstante o arguido JP... não ser titular de quota na sociedade arguida, nem ser remunerado directamente por aquela, a verdade é que tinha conhecimento das decisões que eram tomadas na empresa e da sua situação financeira, conhecendo as obrigações e correspondentes responsabilidades a que estava sujeito por continuar a assumir a qualidade de gerente da mesma. Aliás, saliente-se a este propósito, os conhecimentos especiais que o mesmo possui, atendendo à sua formação académica.
Ora, estando o arguido a par das decisões que eram tomadas, nomeadamente que não estavam a ser cumpridos os pagamentos devidos à Segurança Social e ao não praticar qualquer acto no sentido de se afastar dessas decisões, resulta evidente que o arguido JP... se conformou com as mesmas. Refira-se neste tocante que o arguido, conhecendo as consequências da falta de tal pagamento e da implicação que necessariamente teria por assumir a qualidade de gerente, poderia sempre renunciar à gerência, demarcando-se desse modo da estratégia que estava a ser definida para a sociedade. Contudo, não foi esse o caminho seguido pelo arguido JP..., mas antes a manutenção do seu vínculo à empresa como gerente da mesma. É certo que o arguido JP... veio justificar essa situação com a circunstância de pretender continuar a par do que se passava na sociedade arguida, assim como manter o relacionamento com o seu primo para dessa forma lograr obter o cumprimento das condições que tinham sido estabelecidas para a cessão da quota que pertencia à sua família, o que de outra forma estaria, na sua perspectiva, comprometido.
Cremos, no entanto, que a pretensão do arguido não é sustentável, ou seja, não se nos afigura possível que, por um lado, o arguido JP... pretenda a sua desresponsabilização em relação aquilo que são as decisões tomadas na sociedade arguida durante o período em que assumiu a qualidade de gerente da mesma e, ao mesmo tempo, pretenda manter um vínculo a tal sociedade para desse modo tentar estar a par da sua situação patrimonial e lograr conseguir que as condições que foram acordadas para a cessão de quota sejam cumpridas. Em suma, o arguido pretende "o melhor de dois mundos", na medida em que, por um lado, pretende manter o contacto com a sociedade arguida e acompanhar a actividade desta para salvaguardar os seus interesses e os da sua família e, por outro, deseja desresponsabilizar-se de tudo o que nela ocorra, designadamente das decisões que foram tomadas e que possam ter implicações na sua vida. 
De facto, decorre da prova produzida em audiência de julgamento que o arguido JP..., no período compreendido na acusação, realizou a contabilidade da empresa (através da empresa de consultadoria que entretanto constituiu), continuou a assinar a respectiva documentação (da qual teria necessariamente conhecimento) e continuou a deslocar-se à sociedade onde reunia com o outro gerente, o arguido J..., com quem discutia o estado da empresa.
Assim, considerando o conhecimento profundo que o arguido JP... tinha da situação económico-fínanceira da empresa - não só porque a contabilidade da mesma era realizada na sua empresa de consultadoria, mas também pelos conhecimentos especiais que possui - e ainda o relacionamento próximo que mantinha com o outro gerente, permite ao Tribunal concluir que o mesmo não só não era alheio aos actos de gestão da empresa, como aceitou a prática de tais actos de gestão e aderiu à politica de gestão que estava a ser seguida na empresa.
Com efeito, a prova produzida conjugada com as regras de experiencia comum permitiu criar a convicção no tribunal de que o arguido JP... não estava alheado das decisões tomadas acerca das questões fiscais - tanto mais que continuava a ter acesso a diversa documentação referente à contabilidade daquela, continuava a efectuar deslocações à empresa, mantinha um contacto regular com o co-arguido JP... e, por força dos conhecimentos especiais que possui, tinha um conhecimento esclarecido acerca da situação socioeconómica da sociedade -, mas que, pelo contrário, estava ao corrente das mesmas e nenhuma objecção colocou à sua concretização.
Deste modo, entendemos que foi produzida prova concludente no sentido de que quer o arguido J...., quer o arguido JP... eram responsáveis pelas decisões de gestão da empresa (cfr. ponto 3 da factualidade provada), devendo ambos ser responsabilizados pela sua actuação.
Assim, e face ao ora exposto, o tribunal criou a convicção de que os factos ocorreram conforme descritos nos pontos 1 a 21, razão por que os mesmos foram dados como provados. De notar que a documentação junta aos autos, designadamente aquela que foi junta pelos arguidos em nada contraria a convicção formada pelo Tribunal, antes contribui para a consolidação da mesma, importando neste tocante salientar os e-mails que eram trocados, assim como as actas juntas ao processo das quais resulta a presença de ambos os arguidos, acrescendo ainda cartas que eram remetidas pela sociedade e assinadas por ambos os arguidos na qualidade de gerentes (a título exemplificativo vide fls. 1598).
Os factos constantes dos pontos 22 a 52 resultaram provados em face da prova produzida em audiência, designadamente pela conjugação das declarações dos arguidos com o depoimento das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento e também com o acervo documental junto ao processo.
No que concerne à factualidade constante dos pontos 53 a 55, o tribunal valorou o teor dos documentos juntos a fls.1501 a 1520 e 1608 a 1612.
Os factos não provados resultaram desse modo por não ter sido feita prova da sua realidade, conforme decorre, aliás, das considerações que efectuámos atrás, importando notar que o arguido JP... não logrou convencer o Tribunal de que todos os cheques e letras que assinava estavam em branco, nem sequer que o seu primo lhe enviava documentação para Leiria sem estar previamente preenchida, desde logo porque tal factualidade foi contrariada pelo próprio arguido J..., assim como pela testemunha MF. Aliás, refira-se que o facto da testemunha CC... corroborar a versão do arguido neste tocante não foi suficiente para criar a convicção de que os factos ocorriam conforme descrito, na medida em que, para além de se tratar de esposa do arguido e por essa razão ter comprometida a sua objectividade e isenção, foi por esta testemunha referido que muitas vezes acompanhava o arguido à sociedade e assistia a esta situação, factualidade que não foi confirmada por qualquer testemunha inquirida em audiência de julgamento. Além disso, também não se pode olvidar os conhecimentos e a preparação técnica que o arguido JP... possui, não se afigurando crível que o mesmo assinasse toda a documentação que lhe era facultada "em branco", ou seja, sem que a mesma estivesse previamente preenchida.
As condições socioeconómicas dos arguidos resultaram demonstradas face às suas declarações e no que respeita à matéria atinente à ausência de antecedentes criminais o tribunal valorou o teor do certificado de registo criminal.
(…)
4.2. Do Pedido Cível:
O Instituto de Segurança Social deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando o pagamento da quantia € 105.896,82 (cento e cinco mil oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos) acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, calculados de acordo com a legislação especial de que beneficia a Segurança Social, constante do artigo 3.°, n.° 1 do DL 73/99 de 16.03. até integral e efectivo pagamento.
De acordo com o art. 129° do Código Penal a responsabilidade civil emergente de crime é regulada pela lei civil, o que vale por dizer que, neste âmbito, quem pratica um crime está obrigado a indemnizar os lesados pelos danos resultantes do facto ilícito e culposo que haja praticado (art. 483° do Código Civil).
De harmonia com o disposto no art. 483° do Cód. Civil "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Ora, a este propósito, constatamos que se encontram pendentes na Secção de Processo Executivo de Lisboa processos de execução fiscal relativamente à sociedade arguida, versando sobre os valores descritos na acusação pública, nomeadamente, os processos executivos fiscais n.°s 1101200201032445 (e apenso 1101200201032640) e 1101200602288354 (e apensos 1101200602288362, 1101200602307170, 1101200602307189, 1101200701041339 e 1101200701041347) onde foi efectuada a reversão da divida da sociedade arguida para os responsáveis subsidiários da mesma (igualmente arguidos nos presentes autos) J... e JP... - cfr. fls. 1501.
Do exposto decorre que o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido formulado e, eventualmente, com a condenação dos arguidos no seu pagamento, implicaria a criação de um novo título executivo em relação a valores que já se mostram devidamente titulados nos processos de execução fiscal supra referidos, onde, além do mais, o demandante verá satisfeitos os seus créditos com maior segurança e eficácia do que na sequência de uma decisão proferida nestes autos, atenta as especificidades da execução fiscal.
Efectivamente, já ocorreu inclusivamente a reversão das dívidas da sociedade para a pessoa dos seus gerentes à data dos factos imputados (os arguido J... e JP...).
Para melhor percepção do âmbito da responsabilidade subsidiária e do instituto da reversão, vejamos as disposições atinentes constantes da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 398/98, de 17-12, republicado em anexo à Lei n.° 15/2001 (sendo o artigo 24.°, n.° 1, alínea a), na redacção dada pela Lei n.° 30-G/2000, de 29-12).
No art. 18.°, sob a epígrafe - Sujeitos, dispõe:
(...) 3 - O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.
No art. 20.° , sob a epígrafe - Substituição tributária:
1 - A substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte. 2 - A substituição tributária é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido.
No seu art. 22.°, sob a epígrafe - Responsabilidade tributária:
(...) 2 - Para além dos sujeitos passivos originários, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas. 3 - A responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária.
No art. 23.°, sob a epígrafe - Responsabilidade tributária subsidiária:
1 - A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal. 2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão. 4 - A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.
Por último, o artigo 24.°, sob a epígrafe - Responsabilidade dos membros dos corpos sociais e responsáveis técnicos:
1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício de seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (...)
Por seu turno, a natureza judicial do processo de execução fiscal é afirmada pelo artigo 103.°, n.° l, da LGT.
Sobre a extensão da legitimidade passiva na execução fiscal, mais concretamente sobre o chamamento á execução dos responsáveis subsidiários, rege o n.° 2 do artigo 153.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433/99, de 26-10, republicado em anexo ao Decreto-Lei n.° 15/2001.
Tal chamamento depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores, ou fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
E de acordo com o artigo 159.° do mesmo CPPT, reproduzindo textualmente o que constava do artigo 245.° do anterior CPT, no caso de substituição tributária e na falta ou insuficiência de bens do devedor, a execução reverterá contra os responsáveis subsidiários. 
Com a reversão o que ocorre é uma modificação subjectiva da instância, uma ampliação do âmbito subjectivo da instância executiva, através da intervenção de um terceiro (à luz do título executivo extrajudicial donde promana a execução fiscal - certidão extraída do título de cobrança - artigo 162.°, alínea a), do CPPT), mas que também é sujeito passivo da relação tributária, como "responsável" (artigo 18.°, n.° 3, in fine, da LGT), vinculado ao cumprimento da prestação tributária, nos termos do n.° 2 do artigo 23.° da LGT e artigo 153.°, n.° 2, do CPPT, ou seja, no caso de não haver bens penhoráveis do devedor e seus sucessores ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários.
A execução reverte assim contra pessoa distinta da que figura no título executivo como devedor, ocorrendo quanto a ela, não os pressupostos do facto tributário, mas da responsabilidade, operando-se a extensão da obrigação de cumprimento da prestação tributária a pessoa diversa do contribuinte directo .
No caso em apreço, a reversão, figura própria do processo executivo, que tem por objectivo chamar à acção executiva quem à luz do título executivo não é parte (cfr. artigos 55.°, n.° 1, do CPC e 153.°, n.° s 1 e 2 do CPPT),
Na execução fiscal o devedor substituto não figura no título de cobrança do tributo. Ao optar pelo exercício da acção conjunta o demandante pretende obter decisão condenatória que, transitada em julgado, assume o papel de título executivo, com a configuração própria do artigo 467.° do Código de Processo Penal.
No entanto, no caso em apreço, tendo ocorrido a aludida reversão em relação aos arguidos, correndo contra os mesmos processos de execução fiscal quando aqueles não constavam do título executivo inicial (certidão de divida), resulta que não existe interesse em prosseguir com os demandados relativamente à mesma (nem em relação à sociedade arguida, porque em relação a esta já existe título executivo), pretendendo-se a obtenção de titulo executivo contra os mesmos no âmbito de uma acção declarativa (ainda que enxertada no processo penal), encontrando-se superado já um obstáculo da respectiva responsabilização, uma vez que já foi accionado o mecanismo próprio do processo executivo fiscal que permite responsabilizar o devedor substituto (fundamento da presente demanda).
Em bom rigor, não podemos classificar a não apreciação do pedido formulado como inutilidade superveniente da lide (cfr. art. 287° e 288°, ambos do Código de Processo Civil), uma vez que não se mostra comprovado que o demandante já obteve a satisfação da pretensão formulada nesta sede. Por seu turno, também não consideramos que se verifique, em bom rigor, a excepção de litispendência (cfr. art. 498° do mesmo diploma legal) de acordo com o entendimento que já expressámos supra, nomeadamente, pela ausência de identidade de sujeitos e causa de pedir.
No entanto, não podemos deixar de afirmar que não subsiste interesse em agir por parte do demandante, falecendo assim a verificação de um pressuposto processual (inominado) que obsta ao conhecimento do mérito da causa.
Deste modo, entende-se absolver os demandados da instância do pedido de indemnização cível formulado pelo Instituto de Segurança Social, IP por falta de um pressuposto processual.

            Nestes termos, ficou completa a descrição do acervo factual/processual relevante para a decisão do recurso in iudicium.


III – FUNDAMENTAÇÃO EM MATÉRIA DE DIREITO


Importa, ora, apreciar e decidir as questões que integram o thema decidendum deste recurso, tendo presente a realidade processual documentada nos autos e que se mostra relatada, no essencial, neste acórdão.

Conforme já enunciado, o arguido recorrente motiva o seu recurso com base nas questões a seguir reproduzidas:
a) Do erro de julgamento - revista alargada e impugnação ampla da matéria de facto;
O arguido JP... pretende que seja alterada a decisão da matéria de facto, na medida em que pretende ver reconhecido que da prova produzida resultou provado que o mesmo não exerceu  a gerência efetiva da sociedade L... & L..., Lda., no período da prática do crime;
Reconhecendo-se isso, tal deverá conduzir à revogação da sua condenação penal.
b) Erro em matéria de direito:[vii]
O demandante motivou o seu recurso na admissibilidade do seu pedido de indemnização civil - mediante reconhecimento do seu interesse processual, por entender que a existência de título executivo não obsta a que o credor possa obter a condenação do devedor por meio do pedido cível, dada a diferente natureza da causa de pedir de um e de outro -  devendo os demandados serem condenados no pedido.

Nos termos do disposto no artigo 428° do Código de Processo Penal (C.P.P.), as Relações conhecem de facto e de direito.


Impõe-se, por conseguinte, apreciar e decidir as questões acima enunciadas.

A – Do alegado erro de julgamento da matéria de facto:

Para aferir os argumentos apresentados pelo arguido recorrente, importa, primeiramente, recordar os critérios legais de apreciação da prova e as regras que condicionam a impugnação das decisões em matéria de facto, tendo por base um alegado erro de julgamento.
A valoração da prova produzida em julgamento é realizada de acordo com a regra geral prevista no art. 127º do C.P.P., segundo a qual o tribunal forma livremente a sua convicção, estando apenas vinculado às regras da experiência comum e aos princípios estruturantes do processo penal - nomeadamente ao princípio da legalidade da prova e ao princípio “in dubio pro reo” -.

Esta regra concede ao julgador uma margem de liberdade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional. Essa liberdade não é, pois – de todo - absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência. A formação dessa convicção não se resume, pois, a uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, exigindo uma atividade intelectual de análise crítica da prova baseada nos critérios legais, beneficiando da imediação com a prova e tendo sempre presente que a dúvida inultrapassável fará operar o princípio in dubio pro reo. [viii]

A livre apreciação da prova – ou, melhor, do livre convencimento motivado - não pode ser confundida com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação subjetiva e arbitrária da prova: a lei exige um convencimento lógico e motivado, assente numa avaliação das provas com sentido de responsabilidade e bom senso.

Como corolário lógico dessas regras, este Tribunal só poderá revogar a decisão da matéria de facto recorrida, quando a convicção do Tribunal a quo não tiver sido formada em consonância com as regras da lógica e da experiência comum na análise dos meios concretos de prova produzidos e analisados em julgamento, o que poderá ser aferido com base na análise da fundamentação da decisão e verificação da sua conformação, ou não, com a prova produzida em julgamento [ix].
A fundamentação da convicção do Tribunal a quo, plasmada na decisão recorrida e transcrita neste acórdão, retrata uma análise crítica e objetiva dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, conjugando o teor das declarações dos arguidos com os depoimentos das testemunhas e a prova pericial e documental junta aos autos.

Por seu turno, o que o recorrente pretende, nos termos em que formula a sua impugnação, é ver a convicção formada pelo tribunal substituída pela sua convicção pessoal expressa na motivação do recurso. No entanto, enquanto a decisão recorrida consiste numa avaliação séria, objetiva e fundamentada da prova, procedendo a uma análise crítica da plêiade de meios concretos de prova produzidos em julgamento, o recorrente limita-se a expressar a sua valoração pessoal dos mesmos e da credibilidade que devam merecer, sem que as suas conclusões tenham suporte probatório consistente que imponha decisão diversa.

Tais referências são, sobretudo, notoriamente inconsistentes para contrariar a forma objetiva, isenta e crítica como o Tribunal recorrido valorou a prova, a qual não evidencia qualquer violação das regras da experiência comum.

Fora dos casos de renovação da prova em segunda instância[x] -, o que não é o caso - o recurso relativo à matéria de facto apenas visa apreciar e, porventura, suprir, eventuais vícios da análise da prova produzida pelo Tribunal recorrido: não visa alcançar a formação de uma nova convicção, mas apenas e tão-só verificar se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso.

Nestes termos, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, per se, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação.[xi] Para poder ter êxito na impugnação da decisão da matéria de facto, a lei exige ao recorrente a indicação de provas que imponham decisão diversa (artigo 412º, nº 3, b), do C.P.P.).

À luz do exposto – e para se perceber, verdadeiramente, a debilidade da motivação do recurso – importa, ora, proceder a uma análise pormenorizada, embora sumária, dos argumentos do recorrente:
«(…) entende o Recorrente que deverá resultar provado, de forma inequívoca, que este cessou, de forma efectiva, as suas funções de Gerente da sociedade em Setembro de 2000;
E, relativamente a este facto, existem fortíssimos indícios que o demonstram, a saber:
Deslocalização para Marinha Grande em 2000, onde recomeçou a sua vida pessoal e profissional;
(…)
Tal deverá ser dado como provado, não só por declarações dos Arguidos e da testemunha CS..., como por documento emitido por autoridade competente, junto aos presentes autos com a Contestação do Arguido JP....
(…)
Toda a sua intervenção na L... & L... até 2000 e a ausência da mesma a partir de 2000;
Todas as testemunhas reconhecem que, até ao ano 2000, a presença do Arguido JP... na L... & L... ocorria a tempo inteiro, sendo o Gerente que tratava das questões económicas, financeiras e contabilísticas, controlava a tesouraria, bem como os pagamentos a efectuar e os recebimentos a obter.
Ora, também todas as testemunhas reconhecem que o Arguido JP... deixou de estar presente nos moldes em que estava.
Ora, desta forma, seria impossível continuar a exercer as funções que exercia nos mesmos termos.
A este propósito, as testemunhas que desempenhavam cargos na empresa reconhecem que, no que concerne à gestão corrente e diária da empresa, ao seu giro económico e financeiro, a quem se pagava, ou a quem se cobrava, o que se comprava e se vendia, apenas o Gerente J... decidia.
A este propósito, vejam-se os depoimentos da testemunha HP..., FM... (que disse que era ao Arguido J... a quem os trabalhadores recorriam quando precisavam de dinheiro, de indicações e instruções, sendo este Gerente que decidia a quem é que se pagava), P....
O facto de ter constituído uma nova empresa;
Provado, por documento junto aos autos, que o início da actividade da empresa de consultoria fundada pelo arguido JP... iniciou a sua actividade em 2000.
O Dever de Exclusividade para com os novos sócios;
Provado que o Acordo de Exclusividade existia, mediante testemunho do Dr. AR..., que depôs de modo isento e explicou, de forma clara, o porquê de existir a exclusividade (recordar que de todos os sócios, apenas o arguido JP... começou por trabalhar nesta empresa, já que os restantes sócios tinham outras actividades profissionais).
Ter deixado de ter gabinete na L... & L...;
Como referiu a testemunha HP..., o arguido JP... deixou de ter gabinete e instrumentos de trabalho na L... & L..., a partir do ano 2000.
Não ser visto pelos trabalhadores, não dar ordens, não contribuir para as decisões estratégicas da empresa;
A prova testemunhal vai neste sentido, complementadas pelas declarações do Arguido J..., que reconheceu que era o responsável comercial e estratégico da L... & L...
Facto de ter sido contratada uma funcionária para a realização das funções que exercia;
Provado que foi contratada a Dra. CR... para o exercício das funções de contabilista na sociedade, conforme foi declarado pelo Arguido J... e pelas testemunhas HP... e FM....
Ausência de estratégia de pagamento da L... & L..., que comprova que ( i) havia a assinatura de cheques em branco e (ii) quem decidia, no momento, a quem pagava, era o "chefe" que estava presente;
Do depoimento da D. FM... e do Senhor VS..., resultou claro que, a partir de determinada altura, a L... & L... começou a atravessar dificuldades graves, que a impediam de cumprir, com a regularidade necessária os seus compromissos.
(…)
Refere a testemunha FM... que só havia pagamentos quando havia recebimentos.
Ou seja, face à situação financeira da empresa, nem sequer havia um plano de pagamento de dívidas, sempre necessário para uma regular laboração.
Dos depoimentos referidos, resultou igualmente expresso que, sendo os pagamentos efectuados quando entravam recebimentos, a ordem para tais pagamentos era dada pelo Gerente J..., que era quem estava presente e que era o efectivo responsável pelo giro económico e financeiro da sociedade.
Assinatura de documentos em branco;
Face ao referido, é claro e lógico que os lotes de cheques e letras (ou outros documentos de pagamento) assinados pelo Arguido JP... quando ia à sociedade teriam de ser efectuados em branco.
Com efeito, não havendo uma estratégia de pagamentos previamente definida e sendo os documentos assinados, os mesmos teriam de ser assinados em branco, uma vez que não havia ideia a quem é que se destinariam e quando.
Reuniões com o Gerente J... em que participava na qualidade de TOC e onde era debatido o incumprimento à Segurança Social, havendo da sua parte a convicção de não poder proceder ao pagamento uma vez que a empresa não era sua;
As testemunhas FM... e VS... referem que o arguido JP... iria, amiúde, à empresa, tendo a testemunha CS... assistido a reuniões entre os Arguidos, nas quais o Recorrido JP... inquiria o Arguido J... quando é que seriam pagas as dívidas à Segurança Social. Este respondia, invariavelmente, que pagaria, que a actividade da empresa iria melhorar, proporcionando a possibilidade de pagamento das dívidas. Aliás, decorre do testemunho de CS..., das declarações do Recorrido JP... e da própria natureza das coisas que o Recorrido JP... (e a sua equipa na sua empresa de consultoria) apenas conhecia a dívida à Segurança Social a posteriori, quando recebia os documentos contabilísticos. Com efeito, sendo o Arguido J... que, no dia a dia, decidia o que era pago (uma vez que não havia estratégia prévia de pagamentos), é ilógico não incluir a Segurança Social nestes pagamentos. Pelo que, como é óbvio, o arguido João Pedro só conhecia as dívidas quando as mesmas já estavam contraídas.
Assunto Eng....
Este assunto é relevante, não na óptica que foi entendida pelo Tribunal (relativamente a eventuais ilícitos fiscais), mas num prisma completamente diferente.
A Eng... foi constituída pelo Eng.° J..., que era o seu Administrador único. Foi reconhecido pelo Arguido J... que o Recorrido JP... nada tem a ver com esta sociedade. Mas da documentação junta, retira-se que todo o activo da L... & L... (inclusive a marca C...) foi transferido para a Eng..., sociedade que pertencia ao Eng.° J....
Ora, como é óbvio, o arguido J... transferiu activos de uma sociedade que era sua e na qual mandava isoladamente (a L... & L...), para outra que, confessadamente, era sua também.
O Recorrido JP... estava completamente fora deste circuito.
Aliás, saliente-se que para fazer face às dificuldades, o Arguido J... continuou a entregar dinheiro seu (pessoal) à Sociedade, o que não foi feito pelo Arguido JP..., uma vez que este estava completamente afastado do centro de decisões.
Face aos factos elencados e devidamente documentados, facilmente se conclui que o Recorrente JP... não era, a partir do ano 2000, responsável pelo giro económico- financeiro da empresa L...& L... e nem sequer estava ligado ao mesmo.
Pergunta-se, então, o motivo de ter permanecido na condição de Gerente, se tal facto lhe trouxe ou lhe trazia, à altura, alguma espécie de vantagem.
Conforme já foi referido, o Recorrente manteve uma ligação à L...& L... porque, ao mesmo tempo, mantinha uma ligação ao seu primo J....
Uma vez que representava a Família (e, designadamente, a sua Mãe) teve receio que, caso se demitisse da L... & L... (indo contra as solicitações do seu primo), este cortasse os laços que tinha consigo, dificultando o pagamento das dívidas ao lado da família do arguido JP....
Tal foi deixado perfeitamente claro pela sua irmã AI... e pela testemunha CS....
Com efeito, não se vislumbra qualquer outra vantagem: não recebia salário; não era sócio, pelo que não recebia lucros; não mantinha e não mantém (como aliás se vê agora) uma relação de amizade com o seu primo.
Aliás, como foi visível no decurso da própria audiência, não existe qualquer relação entre os dois ramos da família, existe uma desconfiança mútua e até uma inimizade expressa, como se viu por determinados momentos da defesa do Arguido J..., que mais pretendeu arrastar o Arguido JP... para esta situação, ao invés de se defender.
Ou seja, não havia qualquer outro motivo pata manter uma ligação à sociedade, que não este aventado.
Obviamente que também tinha interesse que a sociedade recuperasse, por forma a que o seu primo conseguisse ter dinheiro para pagar as dívidas ao seu lado da família.
E é certo que ia sabendo das dívidas à Segurança Social, devido à suas funções de TOC.
Nunca se demitiu, confiando no que o seu primo dizia, acerca da recuperação da sociedade, que levaria ao pagamento de tais dívidas (as da Segurança Social e as suas).
Mas analisando as vantagens que para o mesmo adviriam, facilmente se conclui que nenhuma.»

No entanto, toda a argumentação do recorrente esbarra na fundamentação exemplar da convicção do Tribunal a quo, que realizou uma análise crítica clara, séria e objetiva de todos os meios concretos de prova produzidos em julgamento.

Nestes termos, a sentença procedeu a uma análise cuidadosa das leituras possíveis (v.g. as duas teses teoricamente formuláveis em relação aos resultados da prova produzida - entre as quais aquela que foi reiterada na motivação do recurso em apreço -) que poderiam resultar da conjugação dos meios concretos de prova produzidos em julgamento, tendo expressado, com especial interesse para a apreciação do mérito do recurso em causa, o seguinte:
«A questão fulcral que se colocou durante a audiência de julgamento foi a de saber quem exercia, à data dos factos imputados na acusação, a gerência efectiva da sociedade. A este propósito, surgiram duas versões: a do arguido J..., de acordo com a qual o arguido JP... era, juntamente com ele, responsável pela gestão da empresa e pelas decisões que eram tomadas na mesma; e a do arguido JP... que defendeu que na data em causa nos autos já havia cedido as suas quotas na sociedade e apenas mantinha a qualidade de gerente por isso lhe ter sido pedido pelo arguido J... e também por ter interesse em manter contacto com o que se passava na empresa de forma a obter o cumprimento das condições que tinham sido estabelecidas para a cessão da quota, sendo que tal intervenção era meramente jurídica, na medida em que não intervinha na gestão de facto da sociedade, nem tão pouco tomava decisões acerca do destino da empresa, limitando-se a assinar documentos, muitos deles em branco, como era o caso dos cheques e dos impressos de letras.
Ora, nesta matéria, e conforme resulta da factualidade dada como provada, o tribunal criou a convicção de que no período compreendido na acusação, ou seja, entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006 era o arguido J... quem estava diariamente na empresa e quem tomava as decisões referentes à gestão do quotidiano da mesma, pois era ele quem recebia e geria dinheiros, quem celebrava contratos, quem realizava encomendas e quem pagava as remunerações dos trabalhadores, bem como as dívidas. De facto, resultou evidente da prova produzida que nesse período o arguido JP... já havia cedido as suas quotas na empresa, continuando apenas como gerente da mesma e que a sua presença na sociedade era esporádica e estava essencialmente relacionada com a necessidade de proceder à assinatura de documentos, entre os quais cheques e impressos de letras de forma a possibilitar a realização de pagamentos.
Todavia, e não obstante a sua presença na sociedade arguida ser pontual e apenas quando a solicitavam, a verdade é que o arguido JP..., até pela sua formação académica, estava ao corrente das decisões que eram tomadas, especialmente no que respeitava aos pagamentos efectuados, às dívidas existentes e a todas as operações de natureza contabilística da empresa, tanto mais que o arguido JP... para além de ter assinado as contas referentes ao ano de 2001, a partir dessa data passou a realizar o tratamento contabilístico da sociedade arguida por intermédio da empresa de consultoria que entretanto constituiu em Leiria.
De facto, e pese embora o arguido JP... tenha tentado passar a ideia de que se limitava a assinar documentos, a maior parte deles em branco e que estava completamente afastado da gestão efectiva da sociedade e das decisões que eram tomadas, tal versão foi contrariada pela prova produzida em audiência de julgamento, designadamente pelo arguido J... que afirmou que ambos falavam com regularidade, por telefone ou e-mail, e que participavam em reuniões, sendo que o arguido JP... estava a par da falta de pagamento de dívidas ao Estado, designadamente à Segurança Social, tanto mais que a pessoa que contactaram naquela instituição para tentarem resolver a situação era um contacto fornecido por aquele, factualidade que foi confirmada pelo arguido JP... que admitiu ter conhecimento das dívidas à Segurança Social.
Com efeito, e não obstante o arguido JP... não ser titular de quota na sociedade arguida, nem ser remunerado directamente por aquela, a verdade é que tinha conhecimento das decisões que eram tomadas na empresa e da sua situação financeira, conhecendo as obrigações e correspondentes responsabilidades a que estava sujeito por continuar a assumir a qualidade de gerente da mesma. Aliás, saliente-se a este propósito, os conhecimentos especiais que o mesmo possui, atendendo à sua formação académica.
Ora, estando o arguido a par das decisões que eram tomadas, nomeadamente que não estavam a ser cumpridos os pagamentos devidos à Segurança Social e ao não praticar qualquer acto no sentido de se afastar dessas decisões, resulta evidente que o arguido JP... se conformou com as mesmas. Refira-se neste tocante que o arguido, conhecendo as consequências da falta de tal pagamento e da implicação que necessariamente teria por assumir a qualidade de gerente, poderia sempre renunciar à gerência, demarcando-se desse modo da estratégia que estava a ser definida para a sociedade. Contudo, não foi esse o caminho seguido pelo arguido JP..., mas antes a manutenção do seu vínculo à empresa como gerente da mesma. É certo que o arguido JP... veio justificar essa situação com a circunstância de pretender continuar a par do que se passava na sociedade arguida, assim como manter o relacionamento com o seu primo para dessa forma lograr obter o cumprimento das condições que tinham sido estabelecidas para a cessão da quota que pertencia à sua família, o que de outra forma estaria, na sua perspectiva, comprometido.
Cremos, no entanto, que a pretensão do arguido não é sustentável, ou seja, não se nos afigura possível que, por um lado, o arguido JP... pretenda a sua desresponsabilização em relação aquilo que são as decisões tomadas na sociedade arguida durante o período em que assumiu a qualidade de gerente da mesma e, ao mesmo tempo, pretenda manter um vínculo a tal sociedade para desse modo tentar estar a par da sua situação patrimonial e lograr conseguir que as condições que foram acordadas para a cessão de quota sejam cumpridas. Em suma, o arguido pretende "o melhor de dois mundos", na medida em que, por um lado, pretende manter o contacto com a sociedade arguida e acompanhar a actividade desta para salvaguardar os seus interesses e os da sua família e, por outro, deseja desresponsabilizar-se de tudo o que nela ocorra, designadamente das decisões que foram tomadas e que possam ter implicações na sua vida.
De facto, decorre da prova produzida em audiência de julgamento que o arguido JP..., no período compreendido na acusação, realizou a contabilidade da empresa (através da empresa de consultadoria que entretanto constituiu), continuou a assinar a respectiva documentação (da qual teria necessariamente conhecimento) e continuou a deslocar-se à sociedade onde reunia com o outro gerente, o arguido J..., com quem discutia o estado da empresa.
Assim, considerando o conhecimento profundo que o arguido JP... tinha da situação económico-fínanceira da empresa - não só porque a contabilidade da mesma era realizada na sua empresa de consultadoria, mas também pelos conhecimentos especiais que possui - e ainda o relacionamento próximo que mantinha com o outro gerente, permite ao Tribunal concluir que o mesmo não só não era alheio aos actos de gestão da empresa, como aceitou a prática de tais actos de gestão e aderiu à politica de gestão que estava a ser seguida na empresa.
Com efeito, a prova produzida conjugada com as regras de experiencia comum permitiu criar a convicção no tribunal de que o arguido JP... não estava alheado das decisões tomadas acerca das questões fiscais - tanto mais que continuava a ter acesso a diversa documentação referente à contabilidade daquela, continuava a efectuar deslocações à empresa, mantinha um contacto regular com o co-arguido J... e, por força dos conhecimentos especiais que possui, tinha um conhecimento esclarecido acerca da situação socioeconómica da sociedade -, mas que, pelo contrário, estava ao corrente das mesmas e nenhuma objecção colocou à sua concretização.
Deste modo, entendemos que foi produzida prova concludente no sentido de que quer o arguido J..., quer o arguido JP... eram responsáveis pelas decisões de gestão da empresa (cfr. ponto 3 da factualidade provada), devendo ambos ser responsabilizados pela sua actuação.
Assim, e face ao ora exposto, o tribunal criou a convicção de que os factos ocorreram conforme descritos nos pontos 1 a 21, razão por que os mesmos foram dados como provados. De notar que a documentação junta aos autos, designadamente aquela que foi junta pelos arguidos em nada contraria a convicção formada pelo Tribunal, antes contribui para a consolidação da mesma, importando neste tocante salientar os e-mails que eram trocados, assim como as actas juntas ao processo das quais resulta a presença de ambos os arguidos, acrescendo ainda cartas que eram remetidas pela sociedade e assinadas por ambos os arguidos na qualidade de gerentes (a título exemplificativo vide fls. 1598).
Os factos constantes dos pontos 22 a 52 resultaram provados em face da prova produzida em audiência, designadamente pela conjugação das declarações dos arguidos com o depoimento das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento e também com o acervo documental junto ao processo”.

De acordo com o acima transcrito, o Tribunal a quo ponderou, de forma objetiva, todos os meios concretos de prova produzidos em julgamento, nomeadamente aqueles que serviram de suporte à motivação do recurso do arguido.

Tendo-se analisado, em sede de recurso, os meios concretos de prova referidos na fundamentação da convicção do Tribunal e na motivação do recurso, designadamente, mediante a leitura dos documentos valorados e a audição das declarações e dos depoimentos gravados, conclui-se que a fundamentação da convicção do Tribunal a quo espelhou de forma clara o modo isento, crítico, objetivo e inteligente como valorou as provas produzidas em julgamento, o qual não foi contrariado pelo arguido recorrente, de forma consistente[xii], não tendo sido referidos, pelo mesmo, quaisquer meios concretos de prova que impusessem decisão diversa.

Finalmente, contrariamente ao referido pelo arguido recorrente, não chega a operar, in casu, o princípio da presunção da inocência, uma vez que o tribunal apurou os factos determinantes da responsabilidade penal do recorrente com base numa correta valoração da prova, segundo os padrões exigidos, também, pelos tribunais superiores: «(…) a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano. Jamais este pode basear-se na absoluta certeza. O sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade, que permita afastar a situação de dúvida razoável (…). [xiii] [xiv]

Em conclusão, improcede o recurso do arguido.

B – Do alegado erro em matéria de direito:

O Instituto de Segurança Social, I.P., deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, peticionando o pagamento da quantia de € 105.896,82 (cento e cinco mil oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados de acordo com a legislação especial de que beneficia a Segurança Social, constante do artigo 3.°, n.° 1 do DL 73/99 de 16.03. até integral e efetivo pagamento.

Como resultou evidente da leitura da sentença do Tribunal a quo, datada de 8 de Março de 2012, os demandados foram absolvidos do pedido de indemnização civil.

Para fundamentar essa absolvição do pedido, o Tribunal a quo teve em consideração a circunstância de se encontrarem pendentes processos de execução fiscal relativamente à sociedade arguida, versando sobre os valores descritos na acusação pública, nomeadamente, os processos executivos fiscais n.°s 1101200201032445 (e apenso 1101200201032640) e 1101200602288354 (e apensos 1101200602288362, 1101200602307170, 1101200602307189, 1101200701041339 e 1101200701041347), onde foi, inclusivamente, concretizada a reversão da divida da sociedade arguida para os responsáveis subsidiários da mesma (os igualmente arguidos nos presentes autos) J... e JP....

Em termos jurídicos, concluiu, pois, que o prosseguimento dos autos para a apreciação do pedido formulado e, eventualmente, com a condenação dos arguidos no seu pagamento, implicaria a criação de um novo título executivo em relação a valores que já se mostram devidamente titulados nos processos de execução fiscal supra referidos, onde, além do mais, o demandante verá satisfeitos os seus créditos com maior segurança e eficácia do que na sequência de uma decisão proferida nestes autos, atenta as especificidades da execução fiscal.

O demandante recorreu desta decisão, com base, essencialmente, nos argumentos a seguir sintetizados:
a) o pedido de indemnização civil deduzido pelo Recorrente decorre da prática de facto ilícito tipificado na lei como crime de abuso de confiança contra a segurança social, pelo que deveria o douto acórdão recorrido ter conhecido do respectivo mérito – a natureza da causa de pedir é diversa, quando comparada com a natureza da quantia exequenda nos processos de execução fiscal;
b)   o ora recorrente tem interesse em agir contra os arguidos, tendo legitimidade ativa para os demandar;

Apenas o recorrido JP... apresentou resposta aos fundamentos do recurso em apreço, defendendo, nesse âmbito, que o demandante não tem interesse em agir e, por conseguinte, a decisão recorrida deve ser mantida quanto ao enxerto cível.


Cumpre apreciar e decidir.

*


Conforme referido, a sentença recorrida é datada de 8 de Março de 2012.

Em 7 de Janeiro de 2013 foi publicado no Diário da República, I-Série, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2013, datado de 15 de Novembro de 2012, que firmou o seguinte entendimento:
«Em processo penal decorrente de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. no artº 107º nº 1, do R.G.I.T., é admissível, de harmonia com o artº 71.º, do C.P.P., a dedução de pedido de indemnização civil tendo por objecto o montante das contribuições legalmente devidas por trabalhadores e membros dos órgãos sociais das entidades empregadoras, que por estas tenha sido deduzido do valor das remunerações, e não tenha sido entregue, total ou parcialmente, às instituições de segurança social.»

Embora deste dispositivo não resulte, claramente, solucionadas todas as matérias envolvidas na questão subjacente à motivação do recurso (v.g. interesse processual do demandante), recolhe-se da sua fundamentação algo mais, que ajuda a solucionar o recurso in iudicium:
«Sendo certo que o ISS, pode instaurar processo de execução fiscal possuindo para tal título executivo, podendo ainda nessa sede requerer a reversão, reunidos que sejam os necessários requisitos, nada impede que faça uso da faculdade conferida em processo penal do princípio da adesão.
A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo. (…).
Assim, o tribunal criminal tem competência em razão da matéria para julgar a acção cível interposta pelo IGFSS, não havendo lugar neste tipo de processos à figura da reversão, nem se mostrando violados os arts. 212.º da CRP, e 1.º, n.º 1, do ETAF.»
E, para chegar àquela conclusão:
«A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo. Os crimes tributários são julgados nos tribunais criminais, e não nos tribunais administrativos e fiscais. Sendo diversos os sujeitos numa e noutra demanda –
pelo menos, os originários – e a causa de pedir (a pretensão deduzida nas execuções fiscais e a pretensão formulada no presente processo não procedem do mesmo facto jurídico – cf. art. 498.º, n.º 4, do CPC), bem como o pedido, pois a indemnização aqui impetrada não se destina a liquidar uma obrigação tributária para com a segurança social, nem se poderá colocar a questão de configuração da excepção dilatória da litispendência. (…)
A competência do tribunal criminal para conhecer da acção penal e da conexa acção cível enxertada não se confunde com a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal em processo de execução. (…)
Nestes casos não está em causa apurar da responsabilidade do demandado perante os credores sociais, quando pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção desses credores, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos – n.º 1 do art. 78.º do CSC –, mas de apurar a sua responsabilidade civil pela prática de ilícito de natureza criminal mesmo que não seja objecto de condenação, que não exige o preenchimento dos pressupostos referidos.»
Finalmente, quanto ao interesse em agir:
«Ainda que esteja a correr termos uma execução (…) o I.S.S., I.P. mantém o interesse em agir em sede de pedido de indemnização civil num processo por crime de abuso de confiança.
A causa de pedir subjacente ao titulo no processo executivo é o incumprimento da obrigação legal de entregar as prestações devidas à segurança social, enquanto que a causa de pedir subjacente ao pedido de indemnização civil é a responsabilidade civil emergente da prática do crime de abuso de confiança em relação à segurança social.
Não se pode dizer que o demandante ISS, IP pretende usar o processo declarativo para definir um direito que já se encontrava estabelecido em termos idênticos num título com manifesta força executiva, como o que está presente nas execuções (…).
Como se sustenta nos Acórdãos do STJ de 11/12/2008 e de 29/10/2009 a indemnização pedida nos processos crime por abuso de confiança contra a segurança social não se destina a liquidar uma obrigação tributária para com a segurança social, sendo antes fixada segundo critérios da lei civil, apesar de os factos geradores da obrigação de indemnizar e da obrigação tributária poderem ser parcialmente coincidentes, não podendo naturalmente ser confundidos os seus fins e regimes.»

Tendo em conta o entendimento jurídico plasmado no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2013 – e não ocorrendo, no caso concreto, especificidades que justifiquem o seu afastamento -, conclui-se pela procedência do recurso interposto da sentença pelo Instituto de Segurança Social, I.P., devendo, por conseguinte, revogar-se a decisão do Tribunal a quo quanto ao enxerto cível e decidir do mérito do pedido de indemnização civil, em função dos factos provados.


*

Conforme já enunciado, o pedido de indemnização civil contra os arguidos visa a condenação destes no pagamento da quantia de € 105.896,82 (cento e cinco mil oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados de acordo com a legislação especial de que beneficia a Segurança Social, constante do artigo 3.°, n.° 1 do DL 73/99 de 16.03. até integral e efetivo pagamento.

Os factos provados, considerados assentes nos autos, com interesse para a apreciação do pedido de indemnização civil, são os seguintes:
A arguida L... & L... é uma sociedade por quotas que tem por objecto as actividades de metalomecânica, serralharia mecânica e civil.
Os arguidos J... e JP... foram sócios-gerentes da sociedade arguida, respectivamente, desde 11-10-1996 e 20-06-1996, tendo renunciado ao cargo em 30 de Março de 2007.
Durante o período compreendido entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006 os arguidos foram responsáveis pelas decisões de gestão da empresa;
Ao arguido J... cabia-lhe receber e gerir dinheiros, celebrar contratos, realizar encomendas, pagar remunerações e dívidas;
Ambos os arguidos tinham perfeito conhecimento de todas as operações de natureza contabilística da sociedade;
Tanto aos trabalhadores que a sociedade arguida teve ao seu serviço, como ao seu administrador, o aqui arguido J..., os salários foram sendo pagos.
O pagamento das remunerações aos trabalhadores era realizado mensalmente, em regra, no final de cada mês. Por vezes, os salários eram pagos com atraso.
Ao longo de toda a sua actividade, a sociedade arguida efectuou sempre, mensalmente, as deduções para a Segurança Social das remunerações pagas aos seus trabalhadores e sócios-gerentes, através da respectiva retenção na fonte, mediante a aplicação, ao valor das remunerações, das taxas de 11% relativas ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem e de 10% quanto aos gerentes.
No que respeita às contribuições referentes aos períodos de Dezembro de 2001 a Setembro de 2006, a sociedade arguida deixou de entregar à segurança social, até ao dia 15 do mês seguinte a que eram devidas, as contribuições que deduzia e retinha, conforme a isso estava e está obrigada;
Assim, no que se reporta ao referido período, a sociedade arguida, por determinação dos arguidos J... e JP... deduziram das remunerações pagas aos trabalhadores e sócio-gerente, as quantias que vão discriminadas no quadro de fls. 69 a 71 dos autos, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, no montante global de € 105.896,82 (cento e cinco mil oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos).
Tais contribuições, embora deduzidas às remunerações pela sociedade arguida, não foram por esta entregues à Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte a que respeitavam, como também não o foram no período de 90 dias, contados do termo daquele prazo.
Foram ainda efectuadas notificações aos arguidos para entrega dos montantes devidos no prazo de 30 dias, não o tendo feito.
Assim, a sociedade arguida mantém em dívida as referidas cotizações dos meses de Dezembro de 2001 a Setembro de 2006.
A sociedade arguida, sempre por determinação dos seus sócios-gerentes - os aqui arguidos J... e JP... -, reteve, não entregando à Segurança Social, nos prazos legais e nos períodos referidos, contribuições que deduziu das remunerações cujo pagamento efectuou.
Vislumbrando a possibilidade de beneficiar a situação económica da empresa, os arguidos J... e JP..., decidiram utilizar os montantes deduzidos das remunerações referidas, em pagamentos da empresa a fornecedores ou para cumprimento de outras dívidas.
Sabiam, no entanto, terem o dever de cumprir com as suas obrigações perante a Segurança Social e que não o fazendo prejudicam este credor.
Sabiam ainda que, ao não entregarem os aludidos valores, obteriam um benefício económico ilegítimo, o que quiseram.
Até à presente data, os arguidos não entregaram à Segurança Social nenhuma das prestações supra mencionadas, as quais continuam em dívida.
Os arguidos J... e JP... agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sociedade estava obrigada a entregar mensalmente à Segurança Social as contribuições que, para o efeito, eram deduzidas das remunerações pagas, e, ainda assim, decidiram utilizar os montantes assim retidos para cumprir outras obrigações sociais da empresa, não entregando os respectivos valores à Segurança Social dentro dos prazos legais.
Formaram, executaram e mantiveram o seu desígnio, de forma idêntica e permanente, durante o período a que já se fez referência.
Os arguidos J... e JP... sabiam que tal conduta era proibida e punida por lei e, conformando-se, decidiram  ainda assim prossegui-la.
Do Pedido Cível
Apesar do débito para com a Segurança Social a sociedade arguida continuou a proceder a pagamentos de salários a trabalhadores ao longo de todo o período da dívida;
Das Contestações
(…)
A partir de 2000 começou a verificar-se uma diminuição no volume de encomendas, diminuição essa que foi sendo gradual e que acompanhou a crise que se instalou na construção civil e nas obras públicas e que levou à quase paralisação da actividade de construção civil quer particular quer em termos de contratos públicos;
Com a redução da actividade não foi possível à sociedade arguida fazer face aos pagamentos dos acordos bancários celebrados e com muitas dificuldades procedeu-se ao pagamento dos salários dos trabalhadores;
A falta de pagamento das contribuições devidas à Segurança Social ocorreu num contexto de dificuldades económicas da sociedade arguida, procurando a mesma evitar o seu encerramento e o despedimento dos trabalhadores;
A sociedade arguida tentou proceder ao pagamento dos salários dos trabalhadores, com muitas dificuldades e atrasos, sendo que ainda existem trabalhadores com salários em dívida;
Os salários do arguido J... foram parcialmente pagos, sendo que ainda mantém créditos laborais para com a sociedade;
Os valores das retribuições a entregar à Segurança Social foram utilizados para fazer face às despesas de funcionamento da sociedade arguida por forma a evitar o seu encerramento;
O Arguido J... procedeu a empréstimos à sociedade ora arguida para pagamento nomeadamente de salários a trabalhadores;
O arguido J... utilizava o seu cartão de crédito pessoal para fazer face às despesas de tesouraria da sociedade ora arguida;
(…)
Foram instaurados processos executivos fiscais n.°s 1101200201032445 (e apenso 1101200201032640) e 1101200602288354 (e apensos 1101200602288362, 1101200602307170, 1101200602307189, 1101200701041339 e 1101200701041347) contra a sociedade "L...& L, Lda por dívidas cuja proveniência resulta da falta de pagamento das contribuições e cotizações, incluindo-se aqui as dívidas respeitantes ao período compreendido entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006;
Foi a dívida, incluindo aquela que diz respeito ao período compreendido entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006, objecto de reversão contra os arguidos J... e JP...;
Após dedução da acusação pelo Ministério Público foram emitidas novas declarações de remunerações respeitantes a contribuições e referentes ao período compreendido entre Dezembro de 2001 e Setembro de 2006, pelo que actualmente o valor em dívida é de € 111.781,79 (cento e onze mil, setecentos e oitenta e um euros e setenta e nove cêntimos)
(…)

De jure:

a)Responsabilidade civil ou responsabilidade tributária?

A responsabilidade civil que decorre da causa petendi do enxerto cível decorre da prática de factos ilícitos tipificados na lei como crime.

Nestes termos, conforme sublinhado na fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2013, o que está em causa nestes autos é apenas uma indemnização decorrente de responsabilidade civil por factos ilícitos [xv] – e não, por incumprimentos de deveres tributários stricto sensu -.

Como resulta do disposto no artigo 129º do Código Penal, o pagamento a que o demandado cível pode ser condenado em processo penal é sempre uma indemnização, que se funda na prática de um facto ilícito. [xvi]

Dito isto, compreender-se-á que a indemnização peticionada nos presentes autos não se destina a liquidar uma obrigação tributária para a Segurança Social (para a qual a lei estabelece mecanismos próprios), devendo, antes, ser fixada segundo os critérios da lei civil.[xvii]

Por conseguinte, sobre a indemnização a apurar incidem juros moratórios, nos termos gerais (artigo 806º, 1 e 2 do Código Civil)  – e não, conforme peticionado, de acordo com o artigo 3.°, n.° 1 do DL 73/99 de 16.3. -, não havendo ainda lugar à aplicação dos encargos adicionais próprios dos incumprimentos tributários, por serem inaplicáveis às indemnizações fixadas de acordo com a lei civil -.

b)Da responsabilidade civil

Nos termos do disposto no art. 129º do Código Penal, “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.”

Por isso, importa começar por identificar a norma jurídica basilar aplicável à situação «sub judice», sendo todos os preceitos indicados sem menção da sua proveniência referentes ao Código Civil:

Art. 483º
"1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação."

Nos termos do artigo 563º do Código Civil, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido, se não fosse a lesão.

Para que se verifique a responsabilidade extracontratual, exige‑se, pois, a verificação dos seguintes requisitos [xviii]:
1º  Um facto ilícito;
2º  A culpa do agente;
3º  A existência de prejuízo;
4º Um nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa e o prejuízo.

Quis o legislador, consagrar, no art. 483º, 1, do Código Civil a chamada teoria da causalidade adequada, nos termos de cuja formulação negativa (a ensinada por Ennecerus-Lehmann e que Antunes Varela considera a mais criteriosa [xix]: «o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto».

Sendo a ilicitude, na sua essência, negação pelo homem, de valores, interesses ou bens jurídicos (isto é, tutelados pelo direito) e tendo os demandados violado os bens jurídicos protegidos pela incriminação da sua conduta – , os demandados incorreram na prática de atos ilícitos, por se terem apropriado de importâncias que foram por si descontadas para serem entregues ao demandante, nos termos da Lei.

No tocante à culpa, esta é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, «ex vi» do art. 487º, 2 do Código Civil.

Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito: o lesante pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação devia ter agido de outro modo.

É claro que a culpa do autor material de um facto ilícito pressupõe a sua imputabilidade, isto é, que ele seja uma pessoa dotada de discernimento ou capacidade natural para prever os efeitos ou consequências dos seus atos e para avaliar ou valorar estes, bem como da liberdade de se autodeterminar em função das valorações feitas.

Dito isto, resulta clara a culpa dos demandados na prática dos abusos de confiança praticados em relação à Segurança Social -, que impende, sobre todos os demandados ao terem decidido e consumado a apropriação ilícita dos dinheiros destinados ao demandante, destinando-os ao pagamento de outras despesas da sociedade arguida e visando, com isso, evitar o seu encerramento.

À data dos factos, os demandados possuíam em grau bastante as necessárias capacidades de entender e querer (com as especificidades próprias da atuação das sociedades comerciais, quanto à sociedade arguida) e, por conseguinte, nesses momentos relevantes eram civilmente imputáveis.

Reconhece-se, ainda, a estreita conexão entre os factos praticados pelos  mesmos demandados e os danos (leia-se prejuízos do demandante) -  tão estreita que aqueles foram causa adequada destes e estes consequência também adequada daqueles-.  [xx]

Os prejuízos patrimoniais (diretamente emergentes do ilícito cometido de forma culposa), para o demandante, atingiram o montante global de € 105.896,82 (cento e cinco mil oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos).

Dos juros de mora

Os juros moratórios são devidos, a partir da data de cada uma das omissões de pagamento que integram a prática criminosa (factos ilícitos) subjacente, por força do disposto nos artigos 805º, 2, c) e 806º, 1 e 2, ambos do Código Civil, tendo os juros de mora natureza civil.

            Das custas processuais:

Em relação ao enxerto cível, as custas serão suportadas pelo demandante e pelos demandados, na proporção do respetivo decaimento (artigo 523º do Código de Processo Penal).

Sendo o recurso interposto pelo arguido JP... julgado integralmente improcedente, este deverá ser condenado no pagamento das custas [artigos 513º, nº 1, do C.P.P. e 6º, nº 2 e 8º, nº 5, estes do Regulamento das Custas Processuais, tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (cinco unidades de conta), tendo em consideração o grau de complexidade mediano da causa.

Tendo o mesmo ainda ficado vencido no recurso do demandante (por ter deduzido oposição ao mesmo, apresentando contra-alegações) o recorrido JP... suportará o pagamento da taxa de justiça devida por tal decaimento, fixando-se a taxa de justiça respetiva em 4 (quatro) unidades de conta [artigos 513º, nº 1, in fine, do C.P.P. e 6º, nº 2 e 8º, nº 5, estes do Regulamento das Custas Processuais, tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal].

O recorrente demandante não suportará quaisquer custas no recurso, uma vez que este foi julgado provido.


IV – DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

a. Em julgarem não provido o recurso interposto pelo arguido JP...

b. Em julgarem provido o recurso interposto pelo demandante Instituto de Segurança Social, I.P. e, em consequência:

i. Revogarem o decidido na sentença recorrida quanto ao enxerto cível; e

ii. Condenarem os demandados no pagamento da importância global de € 105.896,82 (cento e cinco mil oitocentos e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora civis calculados a partir da data de cada uma das omissões de pagamento que integram a prática criminosa, por força do disposto nos artigos 805º, 2, c) e 806º, 1 e 2, ambos do Código Civil, sendo os juros de mora natureza civil.

i. Absolverem os demandados do pagamento de importância superior a título de juros de mora, do que aquela que foi fixada em ii[xxi].

ii. Condenarem o demandante e os demandados no pagamento das custas, quanto ao enxerto cível, na proporção da respetiva sucumbência;

c. Em condenar o arguido recorrente JP... no pagamento das custas respeitantes ao seu recurso, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta.

d. Em condenar o mesmo arguido, agora na qualidade de recorrido, no pagamento das custas referentes ao seu decaimento no recurso interposto pelo demandante, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

           Tribunal da Relação de Lisboa, em 17 de Abril de 2013.

                                                                           O relator,

                                                           Jorge M. Langweg

                                                                            O adjunto,

                                                   Nuno M. P. Ribeiro Coelho


[i] Os segmentos do dispositivo referentes aos recorrentes foram destacados a negrito, apenas, neste acórdão.
[ii] Trata-se de um manifesto lapso de escrita no dispositivo da sentença recorrida, devendo considerar-se não escrita a expressão "por provado", uma vez que tal evidencia uma contradição notória entre os segmentos do silogismo subjacente - nenhum pedido de indemnização civil é julgado improcedente "por provado" -.
[iii] Procurador-Adjunto Dr. Francisco Duarte.
[iv] Procurador-Geral Adjunto Dr. Carlos Manuel Carapeto Morgadinho Gago.
[v] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[vi] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado, pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.
[vii] Questão suscitada pelo recorrente demandante Instituto de Segurança Social, I.P..
[viii]  Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional, de 24 de Março de 2003, publicado no Diário da República, II-Série, nº 129, de 2 de Junho de 2004 e Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, pág. 205.

[ix] Segundo Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, 2ª edição, págs.126-127, «Os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja, quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art.374º, nº2, do Código de Processo Penal».
[x] Modalidade de recurso prevista, designadamente, no artigo 430º do C.P.P.

[xi] A este propósito, Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, C.E.J., pág. 253, «(…) Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração (…)».
[xii] Recorda-se, a propósito, a doutrina expressa na fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional nº198/2004, de 24 de Março de 2004, in Diário da República, II-Série, de 2 de Junho de 2004, segundo a qual «(…) a censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão (…)».
Tendo em conta a motivação do recurso, constata-se que o recorrente não baseou a sua motivação na inexistência dos dados objetivos que suportaram, efetivamente, a decisão da matéria de facto, nem numa violação dos princípios que regem a aquisição desses dados objetivos ou, muito menos, na ausência de liberdade do julgador na formação da sua convicção.          
[xiii] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Janeiro de 2011, relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins no processo nº 316/07.5GBSTS.G2.S1 - 5.ª Secção (acessível através do aplicativo de pesquisa referido na nota 6).
[xiv]  Recorda-se, com interesse, o entendimento particularmente claro, porque sintético e objetivo, da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Julho de 2012, relatado pelo Conselheiro Neto de Moura no processo nº 704/10.0GCMTJ.L1-5 (acessível, mediante a utilização do aplicativo já referido), segundo a qual «(…) O princípio do “in dubio pro reo” não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável. (…)»
[xv] Como é sabido, existem várias «fontes» de obrigações. O Código Civil trata de algumas delas no Cap. II do Livro II (contratos, negócios unilaterais, gestão de negócios enriquecimento sem causa e responsabilidade civil). Também existem outras fontes de obrigações, bem distintas, como é o caso das relações tributárias.
[xvi] Citando o teor da fundamentação do Assento 7/99 do STJ (in Diário da República, Iª Série-A, de 3 de Agosto de 1999), o art. 129º do Código Penal “remete para o art. 483º do Cod. Civil tratando da regulação da indemnização de perdas e danos emergentes do crime”. “A indemnização civil por perdas e danos que interessa ao direito penal só pode consistir na indemnização de perdas e danos emergentes do crime, excluindo-se portanto e claramente, a indemnização que resulte da responsabilidade contratual”.
Daqui resultam excluídas outras fontes das obrigações, como é o caso, por exemplo, das relações tributárias.
[xvii] Os factos geradores da obrigação da indemnizar e da obrigação tributária podem ser parcialmente coincidentes, mas não podem ser confundidos os seus fins e regimes.

[xviii] Ao nível da doutrina, veja‑se, entre outros, o Professor Antunes Varela, «in» Das Obrigações em Geral, 2ª edição, a págs. 350 e seguintes e o Professor Mota Pinto, «in» Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, a páginas 115.
[xix] Ibidem, a págs. 756.
[xx] Ibidem, a págs. 410.

[xxi] Correspondente ao valor da diferença entre o valor dos juros de mora tributários calculados à luz do disposto no artigo 3.°, n.° 1 do DL 73/99 de 16.3. e o montante dos juros civis que foram fixados neste acórdão, segundo o estatuído nos artigos 805º, 2, c) e 806º, 1 e 2, ambos do Código Civil.