Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5474/23.9T8ALM-A.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: AUDIÇÃO DA CRIANÇA
JUSTIFICAÇÃO PARA A NÃO AUDIÇÃO DA CRIANÇA
AUTISMO
NULIDADE DA SENTENÇA
REGULAÇÃO PROVISÓRIA DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1Decorre do artº 4º nº 1, al. c) e nº 2 e do artº 5º nº 1 e artº 35º nº 3 do RGPTC, bem como de outros normativos internacionais, que o juiz está vinculado a ouvir a criança, com mais de 12 anos, sobre as questões que directamente lhe digam respeito; ou com idade inferior, desde que demonstre capacidade de compreensão do que se discute; ou se não a ouvir, deve justificar, por despacho, o motivo que torna essa audição desaconselhável por contrária ao interesse da criança.

2O que está vedado ao juiz é não ouvir a criança nem justificar porque não a ouve.

3A dupla omissão,de não audição da criançae de falta de justificação dessa não audiçãoconstituem um vício da sentença, por traduzir o proferimento de uma decisão que devia ter sido antecedida de um acto que foi indevidamente omitido, implicando, assim, a nulidade da decisão proferida por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC).

3Em face da regra da substituição ao tribunal recorrido, prevista no artº 665º nº 1 do CPC, ainda que declare nula a decisão, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.

4Resulta dos autos e da factualidade sumariamente apurada que o menor, com oito anos de idade, apresenta um quadro de Perturbação do Espectro do Autismo que, no caso, tem consequências na sua parte emocional e comportamental, com muitas oscilações, episódios de descompensação e, quando atinge níveis de saturação, diz coisas descontextualizadas, o que, no caso, desaconselha a audição da criança.

5Perante este quadro factual, apesar da nulidade da sentença, por falta de audição do menor, e por falta de justificação dessa não audição, ainda assim, essa não audição, porque não ser aconselhável, não inquina irremediavelmente o processo e a decisão.

6Da conjugação do disposto nos artºs 37º nº 3 e 21º do RGPTC, faltando um dos pais, não é obrigatório que o juiz determine o adiamento da Conferência de Pais; deverá fazê-lo se perspectivar, pelos elementos que constam do processo e pelas declarações do outro progenitor, que possa haver probabilidade de os pais chegarem a um entendimento quanto aos diversos aspectos do regime de regulação das responsabilidades parentais. Mas se o juiz perceber, face aos elementos que tem em mãos, que esse acordo não é provável, então, nada impede, antes aconselha que, desde logo, o juiz possa/deva proferir decisão provisória.

7O conceito de interesse da criança serve, além do mais, de critério para escolher, entre os dois progenitores, o que apresenta, no momento da decisão provisória e mediante os elementos já obtidos, qual deles apresenta melhores condições de assegurar a efectiva satisfação do desenvolvimento físico, emocional, segurança, bem-estar da criança.

8Apurando-se que a mãe é o progenitor de referência da criança, a guarda do menor deve ser-lhe atribuída.

9A fixação de residências alternadas é admissível desde que se faça um juízo de prognose favorável quanto ao que será a vida do menor, suportada em elementos de facto evidenciados no processo, afigurando-se-nos que, em regra, a fixação desse regime só é compatível com uma situação em que se verifica uma particular interacção entre os progenitores, um relacionamento amistoso entre ambos, bem como uma razoável proximidade entre os locais onde os progenitores habitam.

10O direito de visitas é pensado de modo a salvaguardar o superior interesse da criança, o seu desenvolvimento integral e harmonioso, psíquico e emocional, visando o estabelecimento de laços afectivos e emocionais com o progenitor não guardião e deve ser desenhado de acordo com as concretas circunstâncias do caso.

11Só excepcionalmente esse direito de visitas pode ser afastado ponderando o superior interesse da criança e considerando o interesse na manutenção do vínculo afetivo com o visitante (artº 40º nº 3 do RGPTC), designadamente quando as circunstâncias concretas do caso o desaconselhem, por existir algum tipo de risco efectivo, psicológico, emocional ou físico para a criança.

12Questões de particular importância são todas as situações com potencial para causarem impacto forte na vida da criança, analisadas sob o ponto de vista das diversas vertentes que a compõem: saúde física e psicológica, formação e socialização.

13O artº 1906º nºs 1 e 2 do CC, aplicável também às situações de cessação de progenitores que viveram em união de facto ex-vi do artº 1911º nº 2, determina que as questões de particular importância da vida do menor devem ser decididas por ambos os progenitores, mesmo nas situações de ruptura da vida em comum. Somente perante situações em que se considere que esse exercício comum é contrário ao interesse do filho se pode afastar aquela regra de exercício conjunto, por ambos os progenitores, de decisões relativas a questões de particular importância.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:



IRELATÓRIO



1FCG, apresentou requerimento, a 18/07/2023, requerendo a regulação das responsabilidades parentais relativamente ao menor SGG, contra TOG.

Alegou, pessoal e singelamente:
Requer a Vª Exª a Regulação do Poder Paternal, após apresentação de queixa por violência doméstica, NUIPC:001…./23.0PAALM” (sic)

2Por despacho de 11/09/2023, foi designado o dia 21/09/2023 para a Conferência de Pais.

3Nessa Conferência de Pais, apenas compareceu a mãe, constando da respectiva Acta que prestou as seguintes declarações:
Teve conhecimento que na segunda feira o requerido se irá apresentar na esquadra da PSP do P....., mas que ainda não foi constituído arguido.
O progenitor consome álcool.
A depoente é administrativa na contabilidade, aufere mensalmente a quantia de €913 (novecentos e treze euros).
Vive com a sua irmã.
Gasta todos os meses mais ou menos €300/€350 (trezentos a trezentos e cinquenta euros).
No domingo passado, o requerido esteve com o filho e levou ao oceanário e entregou-o no mesmo dia em C...... às 18:00 horas.
Com o filho gasta de medicação mais ou menos €20/€30 por mês.
E mais não disse.”

4–Nessa diligência, foi decidido:
Atenta as declarações da progenitora, que nos pareceu sincera, a ausência do progenitor que, regularmente notificado, entendeu não comparecer, pese embora saber que estava a ser convocado para uma conferência de pais e bem assim o que resulta dos autos relativamente à denúncia que deu origem ao inquérito crime por violência dom, o Tribunal, depois de ter ouvido o Mº Pº e a Il. Advogada da progenitora, presente, decide fixar o seguinte regime provisório:
1- A criança fica a residir com a mãe, sendo as Responsabilidades Parentais nas questões de particular importância na vida do filho exercidas em exclusivo pela progenitora, considerando a problemática de violência doméstica e o facto dos progenitores se encontrarem de relações cortadas devido a mesma problemática.
2- A título de pensão de alimentos, o pai contribuirá com a quantia de €125 (cento vinte e cinco euros) por mês, á criança, até ao dia 08 do mês a que respeita, através de depósito ou de transferência bancária para a conta da progenitora que já o informou.
3- A pensão de alimentos será actualizada anualmente em Janeiro pelos índices de inflação publicada pelo I.N.E, para o ano anterior, com efeitos a partir de Janeiro de 2024. –
4- As despesas médicas e medicamentosas na parte não comparticipada, por sistema nacional de saúde e subsistema ou seguro de saúde e bem assim as despesas escolares, serão suportadas na proporção de metade, por ambos os progenitores, a liquidar no prazo de 15 dias, mediante apresentação, no prazo de 15 dias, do respectivo comprovativo emitido em nome e NIF do menor. –
5- As despesas extracurriculares, incluindo a equitação, que o menor frequenta com a concordância do pai, desde que acordadas por ambos os progenitores, serão igualmente suportadas na proporção de metade, a liquidar no prazo de 15 dias, mediante apresentação, no prazo de 15 dias, do respectivo comprovativo, emitido em nome e NIF do menor. –
6- As visitas do menor ao pai acontecerão no CAFAP A....., em moldes a definir pelo mesmo CAFAP depois de contacto desta entidade com ambos os progenitores.
*
Uma vez que o pai está regularmente notificado e não está presente, determino que o mesmo seja notificado do regime provisório ora fixado, com a cominação de que, caso nada diga, no prazo de 10 dias, este regime provisório ora fixado passará a definitivo.

***

5–Inconformado, o pai interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I.-Salvo o devido respeito, entende-se que o conteúdo do despacho do tribunal a quo não é de todo o que melhor salvaguarda o superior interesse da criança, como abaixo evidenciaremos, da forma mais clara e concisa possível.
II.-Resulta claro e expresso dos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea c), do RGPTC, um dos princípios orientadores dos processos tutelares cíveis é a audição e participação da criança
nestes processos, sempre que tenha “capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões
que lhe digam respeito”,
III.-Por outro lado, conforme decorre evidente do artigo 5.º, n.º 1, do RGPTC, o menor tem direito a ser ouvido e a sua opinião relevada pelas autoridades judiciárias na determinação do que é melhor para o seu superior interesse.
IV.-Ainda este propósito que a evolução legislativa dos processos tutelares cíveis, mormente o compêndio normativo que aprovou o actual RGPTC, através da Lei 141/2015, de 8 de Setembro, tem sido sempre no sentido de dar voz e papel activo às crianças/jovens no rumo que querem para o seu projecto de vida, e que no actual RGPTC tem consagração expressa e obrigatória nos artigos já acima sobejamente enunciados, concedendo-lhes, inclusive, nalgumas situações, o direito imperativo a serem representados por advogado, como consta do artigo 18, n.º 2, do RGPTC.
V.- Aqui chegados e sem prejuízo do poder discricionariedade dos tribunais e, no que em particular diz respeito aos processos tutelares cíveis, terem a faculdade decidir provisoriamente em qualquer estado da causa sempre que entenda conveniente e procederem às averiguações sumárias que entendem convenientes (cfr. artigo 35.º, nºs 1 e 3, do RGPTC), o que se sindica aqui é uma obrigatoriedade legal da audição do menor que foi preterida, configurando uma omissão pronúncia sobre questões que se devia pronunciar.
VI.-No caso dos presentes autos justificava-se o adiamento da conferência ou, no mínimo, a suspensão da audiência para serem tomadas as declarações do menor SGG, em respeito por todas as normas já acima citadas sobre o direito de participação e audição do menor neste tipo de processos e, tão ou mais importante, para instruir a decisão do Tribunal a quo com a audição do menor.
VII.-Esta audição é um elemento fundamental no presente caso, para acautelar uma tomada de decisão mais previdente e avisada para salvaguarda dos superiores interesses do menor, mas o que é facto é que tal não aconteceu e, a nosso ver, sem dúvida devia ter
acontecido, porquanto, desde logo, a lei assim o obriga (vide artigo 35.º, n.º 3, do RGPTC).
VIII.-Quanto à preterição da obrigatoriedade legal da audição do menor na conferência de pais, decorrem duas nulidades do despacho do Tribunal a quo que estabeleceu o regime provisório actual.
IX.-Em primeiro lugar, a nulidade por omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC ex vi artigos 32.º, n.º 3 e 33.º do RGPTC, na medida em que sendo a audição do menor na conferência uma imposição legal que não está na disponibilidade do poder de discricionariedade do tribunal, deveria o tribunal a quo, no mínimo, pronunciar-se porque decretou o regime provisório sem a audição da criança e porque os superiores interesses do menor prevaleciam sobre essa preterição legal de audição do menor.
X.-O que é facto é que o despacho ora sindicado pura e simplesmente é omisso quando a esta situação, promovendo uma violação clara de lei sem que sobre a mesma se pronuncie ou porque optou por essa preterição.
XI.-Destarte, o despacho conferência de pais do passado dia 21/09/2023 aqui sindicado é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, nulidade essa que desde já se argui para todos os devidos efeitos legais.
XII.-Além do mais, no seguimento da nulidade acima invocada, a preterição da audição do menor SGG, consubstancia igualmente uma nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito do despacho que justificam esta preterição. Ou seja, não é especificada em termos de facto e de direito o que fundamenta estipular o regime provisório em questão sem ter em conta a audição do menor, conforme a lei obriga.
XIII.-Face a tudo o que ora vai dito, é inequívoco que o despacho aqui sindicado é nulo por não especificar os fundamentos de facto e de direito que levam: i) a passar ao lado da audição do menor, sendo, por esse motivo, o despacho nulo nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, nulidade essa que também desde já se argui para todos os devidos efeitos legais.
XIV.-O Requerido foi notificado da conferência de pais a ter lugar no dia 21/09/2023 apenas no dia 19/09/2023 (cfr. consta do aviso de recepção constante dos autos). Ou seja, somente dois dias antes da realização da conferência de pais, facto completamente alheio ao Requerente.
XV.-O Requerido não compareceu na conferência de pais por motivos médicos que o impossibilitaram de sair de casa (conforme decorre do atestado médico que ora se junta como documento 1), tendo informado e justificado essa falta ao tribunal através de comunicação de 25/09/2023 que ora se junta como documento 2.
XVI.-A doença de que o Requerido padece e que o impossibilitou de comparecer na conferência de pais de dia 19/09/2023 foram dores ciáticas extremamente dolorosas e incapacitantes resultantes de patologia na coluna, conforme atestado de doença que ora se junta como documento 3.
XVII.-Face a tão curto prazo entre a notificação e a data de realização da conferência e ao estado incapacitante do Requerido, tais circunstâncias não só o impediram de comparecer pessoalmente na conferência de pais de dia 21/09/2023, bem como o impediram objectivamente de fazer representar-se por terceira pessoa.
XVIII.-Atendendo ao estabelecido artigo 33.º, n.º 1, do RGPTC e aos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 3.º do CPC, no caso em apreço, pelos motivos já acima expostos (mormente o facto do Requerido ter sido notificado somente com 2 dias de antecedência e ter justificado a falta por motivos de saúde, justificava-se o adiamento da conferência ou, no mínimo, a suspensão da audiência para serem tomadas as declarações do Requerido, em respeito pelas normas já acima citadas sobre ao princípio do contraditório, nomeadamente respeitando o direito do Requerido ser ouvido (cfr. artigo 3.º, n.º 2, do CPC) neste tipo de processos.
XIX.-A nosso ver a audição do Requerido é um elemento fundamental no presente caso, para acautelar uma tomada de decisão mais previdente e avisada para salvaguarda dos superiores interesses do menor, mas o que é facto é que tal não aconteceu e, a nosso ver, sem dúvida devia ter acontecido.
XX.-Do que ficou sobredito quanto à preterição da audição do Requerido na conferência de pais, decorrem duas nulidades do despacho do Tribunal a quo que estabeleceu o regime provisório actual.
XXI.-Em primeiro lugar, a nulidade por omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC ex vi artigos 32.º, n.º 3 e 33.º do RGPTC, na medida em que sendo a audição do Requerido na conferência uma imposição legal que não está na disponibilidade do poder de discricionariedade do tribunal, deveria o tribunal a quo, no mínimo, pronunciar-se porque decretou o regime provisório sem a audição do Requerido e porque os superiores interesses do menor prevaleciam sobre essa preterição legal de audição do menor.
XXII.-O que é facto é que o despacho ora sindicado pura e simplesmente é omisso quando a esta situação, promovendo uma violação clara de lei sem que sobre a mesma se pronuncie ou porque optou por essa preterição.
XXIII.-Assim sendo, também por esta razão o despacho da conferência de pais do passado dia 21/09/2023 aqui sindicado é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, nulidade essa que desde já se argui para todos os devidos efeitos legais.
XXIV.-Por outro lado, o conteúdo do regime provisório das responsabilidades parentais do menor SGG também não é o que melhor defende os interesses do menor, nomeadamente quando estabelece e passamos a citar:
1-A criança fica a residir com a mãe, sendo as Responsabilidades Parentais nas questões de particular importância na vida do filho exercidas em exclusivo pela progenitora, considerando a problemática de violência doméstica e o facto dos progenitores se encontrarem de relações cortadas devido a mesma problemática.
2-A título de pensão de alimentos, o pai contribuirá com a quantia de €125 (centos e vinte e cinco euros) por mês, á criança, até ao dia 08 do mês a que respeita, através de depósito ou de transferência bancária para a conta da progenitora que já o informou.
3-A pensão de alimentos será actualizada anualmente em Janeiro pelos índices de inflação publicada pelo I.N.E, para o ano anterior, com efeitos a partir de Janeiro de 2024. –
(…)
6-As visitas do menor ao pai acontecerão no CAFAP - A....., em moldes a definir pelo mesmo CAFAP depois de contacto desta entidade com ambos os progenitores”.
XXV.-A este propósito cumpre sublinhar que o ora Recorrente sempre foi um pai presente no dia a dia e nas tarefas quotidianas relativas ao menor, nomeadamente ir buscá-lo à escola, fazer refeições, dar banho, ajudá-lo nas tarefas escolares, acompanhar o seu percurso escolar, acompanhar o menor em consultas médicas e nas suas actividades lúdicas.
XXVI.-Ao contrário do que a Requerida quis fazer transparecer, o Requerido não tem qualquer problema com o álcool, não é violento e sempre teve uma ligação bastante próxima com o filho menor SGG.
XXVII.- Ademais, está perfeitamente estável do ponto de vista emocional e psicológico, conforme acima melhor já se referiu.
XXVIII.-O ora Recorrente sempre teve um envolvimento mais amplo que a ora Recorrida nas necessidades e tarefas quotidianas do menor que a própria mãe do menor.
XXIX.-Sucede que os pontos supra citados do regime provisório eliminam por completo o Recorrente das decisões de particular importância do menor e afastam o Recorrente do frequente e normal convívio com o seu filho quando condicionam os convívios do menor com o pai através de visitas no CAFAP de A..... que nem tão pouco se sabe daqui a quantos MESES ou ANOS vai ter disponibilidade para possibilitar visitas entre pai e filho.
XXX.-Na prática este regime provisório significa cortar gravemente o vínculo próximo que sempre existiu entre pai e filho que quiçá jamais poderá vir a ser recuperado, tudo isto com base em falsidades aduzidas pela mãe do menor sobre o Recorrente nos presentes autos e que tal regime provisório mais não é que o corolário disso mesmo.
XXXI.-Como é evidente e face ao que ficou dito, este regime de afastamento brutal não é certamente o regime que defende os superiores interesses da criança que merece ter uma mãe e um pai, pai este que sempre foi interessado e presente na vida do menor e que não tem qualquer circunstância que o impeça de continuar a ter o papel de pai efectivo e presente em todos os assuntos da vida do menor SGG.
XXXII.-Assim, urge voltar a repor a situação natural e normal de juntar de forma consistente e gratificante o menor SGG com a seu pai.
XXXIII.-Por conseguinte, todo o circunstancialismo de facto e de direito, impõe que o regime provisório que restitua uma intervenção efectiva do Recorrente e de partilhada com mãe nas questões de particular importância do menor e definir um regime de convívios, no mínimo, em regime de residência alternada e, consequentemente, eliminar do regime provisório a pensão de alimentos e actualizações anuais previstas nos pontos 2 e 3 do regime provisório de responsabilidades parentais que ora se coloca em crise com o presente recurso e que urge revogar, porquanto é o regime que mais de protege os interesses do menor considerando as circunstâncias fácticas anteriores e actuais do caso dos autos.
XXXIV.-Devendo revogar-se, em conformidade, o despacho ora recorrido.
Em suma, o despacho ora recorrido, que estabeleceu o regime provisório de responsabilidades parentais nos presentes autos na sequência da conferência de pais ocorrida no passado dia 21/09/2023, enferma de nulidade por omissão de pronúncia sobre questões que devia ter apreciado, conforme prescrito nos termos
do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Nulidades que aqui se invocam, com todas as devidas consequências legais a retirar de tal circunstância, nomeadamente a revogação da decisão que agora se coloca em crise.
No entanto, admitindo-se, por mera hipótese, que não verificam tais nulidades, o que não se concede, sempre se dirá que o conteúdo do regime provisório vertido no despacho ora recorrido não é o que melhor salvaguarda o superior interesse do menor SGG, por todos os motivos fácticos e legais acima sobejamente enunciados.
Assim, deve a decisão aqui recorrida do tribunal a quo, ser revogada quanto ao conteúdo dos pontos 1, 2, 3 e 5 do regime provisório das responsabilidades parentais, definido no despacho de 21/09/2023 que ora se recorre e ser substituído por outro que estabeleça que o menor fica a residir com cada um dos progenitores em regime de semanas alternadas e que as responsabilidades parentais nas questões de particular importância na vida do filho são partilhadas e de comum acordo entre os progenitores e, consequentemente, não há lugar ao pagamento de pensão de alimentos por parte qualquer um dos progenitores.

***

6A mãe contra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1.- Alega o Recorrente a existência de uma nulidade no despacho do douto Tribunal a quo, no que concerne à falta de audição do menor SGG.
2.- Ora, salvo melhor opinião, a obrigatoriedade legal de audição do menor, estabelecida nos termos do artigo 35º do RGPTC, prende-se com o facto de a Criança dever ser ouvida sempre que a sua maturidade e idade o permitam, sendo que se poderá afirmar que a obrigatoriedade legal da sua audição será a partir, pelo menos, dos 12 anos de idade.
3.- O menor SGG, padece de uma patologia, entenda-se Autismo, o que faz com que a sua maturidade e compreensão se encontrem gravemente afetadas, o que claramente afasta o dever do Tribunal ouvir o menor, no caso em concreto.
4.- Não existindo assim qualquer nulidade no douto despacho do Tribunal a quo, que estabeleceu o regime provisório.
5.- O Recorrente encontrava-se regularmente notificado da data e hora para a realização da conferência.
6.-O Recorrente não compareceu na conferência de pais, alegando motivos médicos que o impossibilitaram de sair de casa, quando, no entanto, nesse mesmo dia 21 de setembro, pelas 10.15h, enviou uma mensagem para o telemóvel da Recorrida a dizer que ia buscar nesse dia o filho à escola!.
7.- Acresce referir que, na ausência de um ou ambos os pais, “o juiz ouve as pessoas que estejam presentes, fazendo exarar em auto as suas declarações, e manda proceder às diligências de instrução necessárias, nos termos previstos no artigo 21.º e decide” – artigo 37º do RGPTC.
8.- Pelo que, o douto Tribunal a quo, nada mais fez do que cumprir a lei, não tendo existido qualquer nulidade quando decidiu fixar o regime provisório na ausência do progenitor.
9.-Sempre foi a mãe que esteve presente, quer no percurso escolar, quer no dia a dia, nas atividades da vida corrente do menor, dar banho, dar o jantar, fazer os trabalhos de casa, nunca tendo sido o pai a prestar auxílio junto da escola quando o mesmo tem crises, conforme relatado pela Professora no relatório junto aos autos, e mesmo em casa muitas das vezes ele mandava calar o menor por o mesmo a encontrar a afazer “barulhos excessivos”.
10.-Nas situações graves de saúde do menor, foi sempre a progenitora que o acompanhou, e nas terapias que o menor realiza, nomeadamente a equitação, também sempre foi a progenitora que acompanhou o menor.
11.- Considerando o diagnóstico do menor – Autismo, e ao facto de este ter uma forte ligação e dependência da mãe, porquanto sempre foi o seu elemento de referência, não se vislumbra que o regime de guarda partilhada seja aquele que melhor salvaguarda o superior interesse do menor, porque vai causar ao menor uma instabilidade emocional que é exatamente o oposto do que os pacientes portadores desta patologia, entenda-se Autismo, necessitam no seu dia a dia.
12.- A guarda partilhada poderá ser um entendimento maioritário e que salvaguarda o superior interesse da criança, porquanto a mesma terá o direito de estar o mesmo tempo com o Pai e com a Mãe, no entanto, s.m.o, há que ver caso a caso, pois em crianças com Autismo não se afigura que essa seja a situação que melhor salvaguarda os seus interesses!
Face a todo o exposto, deverão V. Exas. negar provimento ao RECURSO apresentado, mantendo a douta decisão recorrida proferida pelo douto tribunal “a quo”.

***

IIFUNDAMENTAÇÃO

1–Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- Nulidades da Decisão:
i)- Por omissão da audição do menor e por falta de fundamentação da não audição do menor;
iii)- Por falta de audição do progenitor;
b)- A revogação da decisão no que toca aos ponto dos 1, 2, 3 e 5 do regime provisório fixado, substituindo-se por outro que estabeleça:
i)- A decisão conjunta sobre as questões de particular importância da vida do menor;
ii)- Guarda partilhada com residência alternada por períodos semanais;
iii)- Não fixacção de pensão de alimentos.

***

2Factualidade Relevante.

Para além do que acima foi mencionado no RELATÓRIO, importa ainda ter em consideração a seguinte factualidade, que resulta da consulta electrónica do processo principal:

1º-Requerente e requerido assumem que o menor foi diagnosticado com espectro de autismo e precisa de rotinas muito bem definidas (o progenitor di-lo no requerimento que apresentou por email a 04/10/2023 e, requerimento de 12/11/2023, ponto 5);

2º- No Relatório elaborado pela Professora do menor, IC, datado de 20/Julho de 2023, vem referido, além do mais:
O SGG apresenta um quadro de Perturbação do Espectro do Autismo, tendo dificuldades de atenção/concentração, falta de autonomia/hábitos e métodos de trabalho.
(…)
No que diz respeito à parte emocional/comportamental, o SGG apresenta muitas oscilações. Ora está tranquilo, ora está muito eufórico. Nem sempre é possível trabalhar com o aluno todas as competências planificadas devido à sua instabilidade comportamental.
(…)
Quando atinge um nível de saturação/cansaço, eleva o tom de voz e faz perguntas aos colegas dizendo coisas descontextualizadas em relação ao que está a ser feito na sala. Tem grande dificuldade em lidar com a frustração, reagindo com agressividade quando é contrariado.
(…)
O SGG teve alguns episódios de descompensação muito complicados de gerir. Nestas situações sempre fiz telefonemas para a mãe, a fim de perceber o porquê das mesmas, para o ajudar a superar (…) Num desses episódios, talvez o mais complicado de gerir, a mãe deslocou-se à escola para poder falar com o filho e tentar acalmá-lo para poder continuar na sala de aula…. Devo salientar que a mãe sempre esteve presente para todas as situações (reuniões, telefonemas, emails, mensagens…). Acompanha a vida escolar do SGG ao pormenor, colaborando sempre comigo, a fim de podermos dar estabilidade emocional ao menino, durante o período escolar.
Nota-se no dia a dia que a mãe é a referência para o SGG. Fala imensas vezes da mãe quando está na escola, salientando sempre que é a sua maior amiga. Fala muito pouco sobre o pai.”

3º- No Relatório Semestral, datado de 30/06/2023, pela Técnica IN, da CRI (Centro de Recursos para a Inclusão) parceria entre a CERCISA e o Agrupamento de Escolas RC....., consta, além do mais:
O SGG beneficiou de apoio semanal em Psicologia, com duração de 45 minutos por sessão, que se iniciou no final de Outubro de 2022.
(…)
O SGG é uma criança comunicativa e simpática que demonstra alguma dificuldade na relação interpessoal.
(…)
No segundo semestre, observou-se um aumento do nível de ansiedade e da agitação motora, pois não conseguia permanecer sentado por curtos períodos.
(…)
…considera-se importante que, no próximo ano lectivo, o SGG continue a beneficiar de apoio psicológico, dando seguimento ao trabalho realizado, assim como para desenvolver competências pessoais e sociais… (…) Considera-se, igualmente importante, que o SGG usufrua de uma Unidade de Ensino Estruturado, de modo a facilitar o seu processo de ensino/aprendizagem.

4º- Na Informação Semestral, elaborada pela Técnica JB, da CERCISA, datado de 05/06/3023, consta, além do mais:
No presente ano lectivo 2022/2023, o SGG usufruiu de acompanhamento em Psicomotricidade, com frequência semanal e duração de 45 minutos, com a terapeuta JB do Centro de Recursos para a inclusão (CRI) da CERCISA.
(…)
Importa salientar que o SGG tem manifestado grandes oscilações comportamentais, momentos de grande oscilação psicomotora, verbalizações descontextualizadas, resistência acentuada a realizar as actividades propostas e em seguir as indicações do adulto.”
 
5º- Com data de 19/12/2023, o CAFAP - A.....-S....., veio comunicar, em resposta ao pedido de acompanhamento do regime de visitas ao progenitor, determinado na fixação provisória do regime de regulação das responsabilidades parentais, a 21/09/2023, que:
“…o elevado número de processos em acompanhamento no Ponto de Encontro Familiar neste momento, que excede o protocolado para o acompanhamento mensal, bem como, a existência de lista de espera, não existe possibilidade de previsão de data para o início da n/intervenção.”

6º- Por requerimento de 30/11/2023, o requerido juntou aos autos uma Declaração/Atestado médico, assinado pela Dra. RT, do Hospital ..... de ....., do qual consta:
Para os devidos efeitos declaro que observei hoje, em primeira consulta de Psiquiatria o utente TOG, tendo apurado quadro afectivo em evolução. Não apurei quaisquer sinais de patologia aditiva, nomeadamente perturbação pelo uso de álcool.”

7º- A 18/12/2023 teve lugar Conferência de Pais, na qual foram tomadas declarações ao pai, constando da Acta respectiva que ele disse:
Já foi ouvido na esquadra do P....., por estar acusado de crime de violência doméstica.
Atualmente o menor está a viver com a mãe, mas não tem visto o menor.
Costumava ir buscar o menor todos os dias à escola, devido à sua disponibilidade laboral, sendo a mãe quem o levava de manhã.
Trabalha como Segurança Privada das 08:00 horas até às 16:00 horas de Segunda-Feira à Sexta-Feira, e às vezes faz part-time noutra empresa nos fins de semana, aufere mensalmente o valor de €1.000,00 (mil euros).
Quando viviam juntos, cuidava sempre do menor, até a progenitora regressar do trabalho, sendo ele quem fazia o jantar todos os dias.
A relação estava boa, foi a requerente quem saiu de casa por causa dum desentendimento que tiveram por causa de um almoço desta com um colega de trabalho.
Neste momento, vive na casa de morada de família e paga juntamente com a requerente o crédito habitação e pessoal, cujo valor a seu cargo não sabe precisar e além disso paga a prestação de carro no valor de €200 (carro que a requerente utiliza).
Paga a pensão de alimentos ao outro filho maior, estudante, no valor de €155.
Tem as despesas de casa, com água, luz e gás.
Não consome drogas.
Consome casualmente o álcool, nunca se descontrolou no consumo de álcool nem bebia álcool em casa.
Quer estar presente na vida do filho.”

8º- Com data de 18/12/2023, foi lavrado termo no processo, elaborada pela Escrivã-Adjunta, do qual consta:
Em 13-12-2023, consigno que contactei telefonicamente com a SEIVD do S..... – Processo n.º 1…/23.0PAALM no qual obtive a informação que o processo ainda se encontra em investigação - fase de inquérito.”

9º- SGG, nascido a 25/07/2015, mostra-se registado como filho de TOG e de FCG (certidão do Assento de Nascimento nº 1… do ano de 2015 da Conservatória do Registo Civil de A.....).

***

3As Questões Enunciadas.

3.1- Nulidades da Decisão:
i)- Por omissão da audição do menor e por falta de fundamentação da não audição do menor;
ii)- Por falta de audição do progenitor.
O apelante invoca estas nulidades da decisão.
Importa analisar cada uma delas

3.1.1- Nulidades por omissão da audição do menor e por falta de fundamentação da não audição.

O requerido/apelante defende que a decisão que fixou provisoriamente o regime das responsabilidades parentais relativamente ao menor SGG é nula porque proferida em violação do dever de audição do menor, nos termos do que estabelece o artº 4º nº 1, al. a) e do disposto no artº 4º nº 1, al. c) e no artº 5º nº 1 do RGPTC; e, porque a 1ª instância além de não ter ouvido o menor não fundamentou, minimamente, a razão de não audição da criança.
Vejamos então se a decisão padece da referida dupla nulidade.
Ora, como é sabido, o artº 5º nº 1 do RGPTC, estabelece:
1- A criança tem direito de ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.
Por sua vez, o artº 4º nº 1, al. c) e nº 2 do RGPTC, determina:
1- Os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes:
a)- (…);
b)- (…);
c)- Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
2- Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica.”

Por sua vez, o artº 35º nº 3 do RGPTC, estabelece, relativamente à Conferência de Pais, que:
3- A criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é ouvida pelo tribunal, nos termos previstos na alínea c) do artigo 4.º e no artigo 5.º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar.

Também o artº1878º nº 2 do CC, determina que de acordo com a maturidade dos filhos, os pais devem ter em conta a sua opinião.
O artº 1906º nº 9 do CC, em virtude da recente alteração operada pela Lei 65/2020, de 04/11, passou a determinar expressamente que:
9- O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.”
De resto, a importância da audição da criança, da sua auscultação quanto aos assuntos que lhe dizem respeito, está presente em diversos normativos internacionais.
Sem preocupação de sermos exaustivos, refira-se o artº 12º nº 1 da Convenção dos Direitos da Criança, que determina que os Estados “…garantem à criança com capacidade e discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe dizem respeito, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.”
Igualmente, a Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, determina, no artº 3º, que se a criança tem discernimento suficiente, devem ser-lhe concedidos direitos no processo perante uma autoridade judicial, além do mais, ser consultada e exprimir a sua opinião.
Do mesmo modo, esse direito é assegurado no artº 24º nº 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que determina que a criança pode exprimir livremente a sua opinião e esta ser considerada nos assuntos que lhe digam respeito em função da sua idade e maturidade.
O artº 21º do Regulamento Bruxelas II ter (Regulamento (EU) 2019/1111, publicado no Jornal Oficial (JO) L178, de 02 de Julho de 2019 e, que veio revogar o Regulamento (CE) nº 2201/2003, também conhecido como Regulamento de Bruxelas II bis, aplicável aos processos iniciados a 21 de Agosto de 2022) determina:
Artigo 21.º
“Direito de a criança expressar a sua opinião
1.- No exercício da sua competência ao abrigo da secção 2 do presente capítulo, os tribunais dos Estados-Membros devem, em conformidade com o direito e os procedimentos nacionais, dar a uma criança que seja capaz de formar as suas próprias opiniões a oportunidade real e efetiva de as expressar, diretamente ou através de um representante ou de um organismo adequado.
2.- Se o tribunal, em conformidade com o direito e os procedimentos nacionais, der à criança a oportunidade de expressar as suas opiniões nos termos do presente artigo, deve ter devidamente em conta as opiniões da criança, em função da sua idade e maturidade. que uma decisão em matéria de responsabilidade parental não será reconhecida se tiver sido proferida sem que a criança tenha tido a oportunidade de ser ouvida.”

Destes preceitos pode retirar-se que a audição da criança não constitui uma mera formalidade, mas sim uma autêntica peça chave que contribuirá para deslindar o objectivo principal: aferir o superior interesse da criança (Rossana Martingo Cruz, AAVV, Regime Geral do Processo Tutelar Cível, anotado, 2021, coord. de Cristina Araújo Dias et alii, pág. 104).
A visão que a criança tem do ambiente que a rodeia e a perspectiva das problemáticas que existem em seu torno são importantes para aferir do seu melhor interesse.
De acordo com o artº 35º nº 3 do RGPTC, acima referido, a criança com idade superior a 12 anos é ouvida pelo tribunal nos termos da alínea c) do arº 4 e artº 5º. Ou seja, quanto a uma criança de 12 anos, parece existir uma presunção de maturidade e de compreensão face aos assuntos que lhe dizem respeito.
Porém, as crianças com idade inferior aos 12 anos, podem e devem ser ouvidas em relação à questão concreta que se discute, devendo o juiz, nos termos do artº 4º nº 2 do RGPTC, aferir, casuisticamente, por despacho, da sua capacidade de compreensão dos assuntos em causa; ou seja aferir do seu discernimento em função da idade e do seu estado de saúde e desenvolvimento cognitivo e psicológico, desde que se percepcione ter capacidade de entendimento suficiente para manifestar a sua opinião e a sua vontade sobre os assuntos em discussão e que lhe dizem respeito.
Esta vinculação do tribunal decorre do princípio estabelecido no citado artigo 4.º, alínea c), e nº 2 e determina a obrigatoriedade da audição da criança com mais de 12 anos ou com capacidade de compreensão do que se discute, ou a justificação do motivo que torna essa audição desaconselhável por contrária ao interesse da criança.
Temos assim que na decisão de assuntos que digam respeito à criança, o juiz deve sempre pronunciar-se sobre a respectiva audição, quer determinando que tenha lugar, quer justificando a razão da não audição da criança. De resto, a jurisprudência tem seguido este entendimento:
-TRP, 30/04/2020 (Jorge Seabra):
I-O direito de audição da criança surge como expressão do direito à palavra e à expressão da sua vontade mas funciona igualmente como pressuposto de um efectivo direito à participação activa da criança nos processos que lhe digam respeito no âmbito de uma cultura judicial que afirme a criança como sujeito de direitos.
II-No âmbito de um processo de regulação das responsabilidades parentais ou alteração dessa regulação terá sempre de existir um despacho a reflectir a necessidade ou não da audição da criança, devidamente fundamentado em função da sua idade e da sua maturidade.
III-A falta deste despacho afecta a validade da decisão proferida com preterição daquele direito de audição da criança por corresponder à violação de princípio geral com relevância substantiva, não sendo adequado aplicar-lhe o regime das nulidades processuais.”
- TRL, de 10/11/2022 (Ana de Azeredo Coelho):
I)-Antes de tomar decisão, provisória ou final, a respeito de uma criança, o tribunal ou a ouve, ou indica porque é desaconselhável proceder a essa audição.
II)-A obrigatoriedade da audição da criança depende de a decisão lhe dizer respeito e de ter capacidade de compreensão do que nela está em causa.
III)-O princípio da audição assenta no direito de a criança ter voz no processo, emitir a sua opinião, não assenta numa eventual necessidade probatória a satisfizer pela tomada de declarações à criança.
IV).-A omissão de audição, sem despacho que a justifique, constitui violação de direito material, com repercussão na decisão proferida que, por isso, é nula.”
Pois bem, no caso dos autos, a 1ª instância nem ouviu a criança, nem justificou, por despacho, o porquê da dispensa dessa audição.
Como qualificar essa omissão de audição do menor e de omissão de justificar a não audição?
Segundo entendemos, trata-se de uma nulidade da sentença, nos termos do artº 615º nº 1, al. d) do CPC.
Na verdade, partilhamos o entendimento expresso naqueles dois acórdãos: TRP, de 30/04/2020 e do TRL, de 10/11/2022, de resto prolatado nesta 6ª Secção da Relação de Lisboa, no qual se esclarece: Trata-se assim da prolação de uma decisão com omissão de um acto que a lei estabelece como essencial seja previamente respeitado.
Em casos similares a posição que vem sendo repetidamente defendida por Miguel Teixeira de Sousa, nas suas diversas pronúncias sobre a questão, é a que o post de 8 de Setembro de 2020 condensa:
a)- O acórdão segue a orientação que sempre se defendeu neste Blog: o proferimento de uma decisão que devia ter sido antecedida de um acto que foi indevidamente omitido implica a nulidade da decisão proferida por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC). Sobre o problema, cf. Jurisprudência 2019 (242)).
Uma sentença só pode constituir uma nulidade processual nos termos do art. 195.º CPC se o que estiver em causa não for a sentença como acto, mas antes a sentença como trâmite. Se, a seguir à fase dos articulados, o juiz proferir, em processamento normal, a sentença final, este proferimento constitui uma nulidade processual, porque a sentença é proferida num momento que não é o estabelecido pela lei.
Sempre que o que esteja em causa seja o conteúdo da sentença (e em que, portanto, a sentença tenha de ser vista como acto), o que pode haver é uma nulidade da sentença, nunca uma nulidade processual.
b)- Diferente da situação analisada no acórdão - o tribunal omite um acto essencial e, ainda assim, profere uma decisão - é aquela em que existe uma decisão do tribunal que dispensa esse acto. Neste caso, trata-se de uma decisão contra legem que é impugnável nos termos gerais (mas com a limitação imposta pelo art. 630.º, n.º 2, CPC).
Em conclusão:
- a não audição da criança antes da prolação da decisão que lhe respeita tem de ser apreciada e decidida em despacho judicial, impugnável nos termos gerais.
- a omissão de audição, sem despacho que a justifique, constitui, com repercussão na decisão proferida por a tornar nula em razão de decidir de matéria sobre a qual lhe estava vedada pronúncia sem aquela audição, vício da previsão do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Temos, assim, que a sentença que fixou provisoriamente o regime de regulação das responsabilidades processuais do menor Santiago é nula, nos termos do artº 615º nº 1, al. d) do CPC.

Porém, apesar de reconhecer a nulidade daquela sentença em face da regra da substituição ao tribunal recorrido, prevista no artº 665º nº 1 do CPC, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.
Na verdade, como refere Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, pág. 289) “…ainda que a Relação confirme a arguição de algumas das referidas nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do artº 655º nº 2. (…) …deste modo, a anulação da decisão (…) não tem por efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objecto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.”
A esta luz, vejamos se os autos dispõem de todos os elementos que possibilitam a apreciação do mérito do recurso.
Deste modo e quanto à questão da audição do menor.
Vimos acima que as crianças com idade inferior aos 12 anos, podem e devem ser ouvidas em relação à questão concreta em discussão, devendo o juiz, nos termos do artº 4º nº 2 do RGPTC, aferir, casuisticamente, da sua capacidade de compreensão dos assuntos em causa; ou seja aferir do seu discernimento em função da idade e do seu estado de saúde e desenvolvimento cognitivo e psicológico, desde que se percepcione ter capacidade de entendimento suficiente para manifestar a sua opinião e a sua vontade sobre os assuntos em discussão e que lhe dizem respeito.
Pois bem, no caso dos autos, o menor nascido a 25/07/2015, tem oito anos de idade.
Em princípio, uma criança com essa idade tem já alguma capacidade de discernimento e entendimento sobre as questões que lhe dizem respeito.
Porém, no caso concreto do SGG, resulta dos autos e da factualidade acima elencada que apresenta um quadro de Perturbação do Espectro do Autismo. O Autismo é uma Condição Neurológica e de Desenvolvimento que, no que respeita ao SGG, tem consequências na parte emocional e comportamental, com muitas oscilações; tem episódios de descompensação; e, quando atinge níveis de saturação, diz coisas descontextualizadas.
É sabido que crianças com Espetro de Autismo têm dificuldades de comunicação e carecem de rotinas certas e que as mudanças de ambientes conhecidos e de confronto com situações novas e stressantes lhe provocam perturbação e, até sofrimento.
Perante este quadro – que carecerá de ser melhor aprofundado na instrução do processo – afigura-se-nos não ser aconselhável, pelo menos por ora, ouvir a criança sobre os diversos aspectos relativos à regulação das responsabilidades parentais.
A esta vista, apesar de constitui uma nulidade da sentença, por falta de fundamentação da não audição do menor SGG, ainda assim, essa não audição, por não ser aconselhável, não inquina irremediavelmente o processo e a decisão.

3.1.2Nulidade da sentença por falta de audição do progenitor.

Defende o apelante que a sentença que fixou provisoriamente o regime de regulação das responsabilidades parentais é nula, nos termos do artº 615º nº 1, al. d) do CPC, porque ele, progenitor, não foi ouvido, o que viola o princípio do contraditório e o que dispõem os artºs 32º nº 3 e 33º do RGPTC.
Será assim?
O artº 37º do RGPTC, com epígrafeAcordo ou falta de comparência de algum dos pais”, determina que:
1- Estando ambos os pais presentes ou representados, o juiz procura obter acordo que corresponda aos interesses da criança sobre o exercício das responsabilidades parentais.
2- Se conseguir obter o acordo, o juiz faz constar do auto da conferência o que for acordado e dita a sentença de homologação.
3- Se faltarem um ou ambos os pais e não se fizerem representar, o juiz ouve as pessoas que estejam presentes, fazendo exarar em auto as suas declarações, e manda proceder às diligências de instrução necessárias, nos termos previstos no artigo 21.º e decide.
4- A conferência não pode ser adiada mais de uma vez por falta dos pais ou seus representantes.
5- A conferência já iniciada pode ser suspensa, estabelecendo-se, por período e condições determinados, um regime provisório, em consideração pelos interesses da criança.”

Ora bem, do preceito decorre que o nº 4 admite o adiamento da conferência, por uma única vez, por falta dos pais ou seus representantes.
Porém, o nº 3 refere que em caso de falta de um ou ambos os pais e não se fizerem representar, o juiz ouve as pessoas que estiverem presentes, fazendo exarar em autos as suas deslocações e, manda proceder às diligências de instrução que considere necessárias, nos termos previstos no artº 21º e, decide.
Como menciona Tomé d’Almeida Ramião (Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, 3ª edição, 2018, pág. 125), “Do cotejo destas duas disposições resulta que a falta de um ou de ambos os pais pode conduzir ao adiamento da conferência, não sendo obrigatório esse adiamento, tudo dependerá da avaliação concreta feita pelo juiz (nomeadamente do graus de probabilidade dos progenitores chegarem a acordo quanto à regulação), pelo que poderá optar por ouvir os presentes e ordenar as diligências referidas.

Pois bem, da comparação dos dois preceitos decorre que na falta de um dos pais, não é obrigatório que o juiz determine o adiamento da Conferência de Pais; deverá fazê-lo se perspectivar, pelos elementos que constam do processo e pelas declarações do outro progenitor, que possa haver probabilidade de os pais chegarem a um entendimento quanto aos diversos aspectos do regime de regulação das responsabilidades parentais, em termos de alcançarem acordo que possa ser homologado nos termos do nº 2 do artº 37º.
Mas se o juiz perceber, face aos elementos que tem em mãos, que esse acordo não é provável, então, nada impede, antes aconselha, que desde logo o juiz possa proferir decisão provisória.
A esta vista, somos a entender que a circunstância de o requerido não ter comparecido na Conferência de Pais não constitui obstáculo a que o juiz decida, desde logo provisoriamente, os diversos aspectos do regime de regulação das responsabilidades parentais.
Assim sendo, entende-se que a decisão provisória do regime das responsabilidades parentais sem que o pai estivesse presente ou representado, não obstava àquela decisão provisória e, por isso, não constitui nulidade da decisão.

***

3.2- A revogação da decisão no que toca aos pontos dos 1, 2, 3 e 5 do regime provisório fixado, substituindo-se por outro que estabeleça:
i)- A decisão conjunta sobre as questões de particular importância da vida do menor;
ii)- Guarda partilhada com residência alternada por períodos semanais;
iii)- Não fixacção de pensão de alimentos.

O requerido/apelante pretende que seja revogada a decisão que fixou provisoriamente o regime de regulação das responsabilidades parentais relativamente ao menor SGG, defendendo que deve ser fixado um regime de guarda partilhada com residência alternada por períodos semanais e, em consequência, sem fixação de pensão de alimentos e com decisão conjunta das responsabilidades parentais.
Alegou, em síntese, que sempre foi um pai presente na vida do filho, ia buscá-lo diariamente à escola, preparava o jantar e dava-lhe banho, acompanhava o percurso escolar e ia com ele a consultas médicas e às actividades lúdicas. Nega ter problemas de álcool.

Vejamos então cada um destas pretendidas alterações ao regime provisoriamente fixado.

3.2.1-A guarda partilhada com residência alternada.

Como é sabido, as decisões relativas à fixação, provisória ou definitiva das responsabilidades parentais, são tomadas tendo por referência o superior interesse da criança.

Na verdade, o artº 40º do RGPTC, determina que:
1- Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela.”
2- É estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, podendo o tribunal, no interesse desta e sempre que se justifique, determinar que tais contactos sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal. (bolds nossos)

Por sua vez, também o artº 1906º do CC (na redacção dada pela Lei 65/2020, de 04/01) com epígrafeExercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamentodetermina, no que ao caso interessa:
1 – (…)
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)
5- O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6- Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.
7- (…)
8- O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
9- (…)” (bolds nossos).
Decorre dos preceitos citados que as decisões do tribunal relativas à regulação das responsabilidades parentais são tomadas na estrita observância dos interesses das crianças.
Efectivamente, emerge dos Princípios Orientadores dos processos tutelares cíveis (artº 4º do RGPTC) por remissão para a Lei 147/99, de 01/09 (LPCJP), mormente artº 4º da LPCJP, que as decisões relativas aos menores obedecem, em primeira linha, ao Princípio do Interesse Superior da Criança.
Trata-se, de conceito jurídico indeterminado que tem uma dupla funcionalidade: critério de controlo e critério de decisão.
Como critério de controlo, o superior interesse da criança permite vigiar o exercício das responsabilidades parentais, estabelecendo parâmetros de mínima intervenção do Estado em relação à família, legitimando a intervenção apenas em casos de perigo para a saúde física e psíquica da criança como decorre, desde logo, dos artºs 36º nºs 5 e 6 e 69º nº 1 da CRP.
Como critério de decisão, delimita a análise objectiva que orienta o juiz sobre qual a solução que, em cada caso e em cada momento, mais convém ao menor.
Na determinação do que seja o superior interesse do menor pensa-se no seu desenvolvimento equilibrado a nível físico, psíquico e emocional, procurando-se alcançar a solução que, no caso concreto, dê melhores garantias de assegurar e valorizar o seu bem-estar, segurança e formação da sua personalidade de modo integral e harmonioso.
Assim, em caso de separação dos pais, o conceito de interesse da criança serve, além do mais, de critério para escolher, entre os dois progenitores, o que apresenta, no momento da decisão provisória e mediante os elementos já obtidos, qual deles apresenta melhores condições de assegurar a efectiva satisfação do desenvolvimento físico, emocional, segurança, bem-estar da criança.
O tema da determinação do progenitor com quem o filho residirá habitualmente é muito sensível e requer cuidado especial na sua fixação, devendo pautar-se pela consideração do Superior Interesse da Criança que funcionará como critério basilar de orientação do juiz na ponderação e decisão do caso concreto.
Há que ter em vista que cumpre aos pais proteger os filhos, educá-los, prepará-los para a vida, para que venham a ser adultos autónomos e responsáveis.
O interesse da criança é um conceito jurídico indeterminado, insusceptível de definição abstracta que valha para todos os casos e que só adquire eficácia prática perante cada situação concreta.
Funcionando como critério de decisão, impõe que o juiz aprecie a situação de modo objectivo, aferindo qual dos progenitores tem maior relação de proximidade com o filho, o progenitor de referência, ou seja, aquele que tem uma relação mais próxima com o filho, que cuida dele diariamente, que mais colabora na sua educação. (Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 4ª edição, 2013, AAFDL, pág.311) . No fundo, aquele progenitor que “…numa base de continuidade no dia-a-dia, através de interacção, companhia, acção reciproca e mútua, preenche a necessidades física e psicológica de a criança ter um progenitor…(Maria Clara Sottomayor, Exercício do Poder Paternal, Universidade Católica, 2003, pág. 78, nota 59).
Perante uma situação de igual capacidade de ambos os progenitores para cuidar do filho, para determinar qual dos pais é a pessoa de referência da criança, o juiz deve averiguar qual dos progenitores desempenha, predominantemente, as tarefas relacionadas com o cuidado e responsabilização diária pela criança.
A atribuição da guarda dos filhos à pessoa primária de referência contribui para a solução que vai ao encontro da realização plena do interesse da criança pois permite promover, em regra, a continuidade do ambiente e da relação afectiva principal da criança e coincide, também, na grande parte dos casos com a preferência desta. (Joana Salazar Gomes, O Superior Interesse da Criança e as Novas Formas de Guarda, Universidade Católica Editora, 2017, pág. 64).
No caso dos autos, conforme resulta da informação prestada pela Professora do SGG (relatório datado de 20/06/2023 e mencionado no ponto 2º da factualidade apurada por esta Relação), que “Nota-se no dia a dia que a mãe é a referência para o GG. Fala imensas vezes da mãe quando está na escola, salientando sempre que é a sua maior amiga. Fala muito pouco sobre o pai.”
Portanto, segundo indiciam os autos, a mãe é o progenitor de referência
Em face do que se disse e perante esta constatação, temos de concluir que a guarda do SGG deve ser, como foi, atribuída à mãe.
Nesta perspectiva, não há que alterar o regime provisório relativo à guarda do menor.
Em consequência, também não se altera o regime provisório que fixou a pensão de alimentos a suportar pelo pai.

Quanto à residência alternada.
Segundo o acórdão do TRC, de 10/08/2019 (Jaime Carlos Ferreira), relativo à aplicação da solução de residência alternada, na decisão provisória de regulação das responsabilidades parentais:
VII- A fixação da guarda conjunta (de exercício das responsabilidades parentais) com residências alternadas é admissível desde que se faça um juízo de prognose favorável quanto ao que será a vida do menor, suportada em elementos de facto evidenciados no processo, afigurando-se-nos que, em regra, a fixação desse regime só é compatível com uma situação em que se verifica uma particular interacção entre os progenitores, um relacionamento amistoso entre ambos, bem como uma razoável proximidade entre os locais onde os progenitores habitam.
IX- O regime de residência alternada não é, normalmente, o mais adequado no caso de conflito acentuado entre os progenitores e em que estejam em causa crianças muito pequenas.
X- Aceita-se que a residência alternada possa em alguns casos funcionar bem, garantindo um contacto equivalente entre o menor e cada um dos progenitores, mas pressupondo que exista um relacionamento civilizado entre estes e tratando-se de adolescentes ou jovens que já têm alguma autonomia e capazes de se organizar em função de hábitos já adquiridos.”

Pois bem, concorda-se com este acórdão e, transportando os respectivos fundamentos para o caso dos autos, afigura-se-nos que, não existem elementos que possibilitem afirmar que a residência alternada corresponda ao superior interesse da criança: desde logo, dada a condição de saúde do SGG, que carece de rotinas certas e que as mudanças de ambientes conhecidos e de confronto com situações novas e stressantes lhe provocam perturbação e, até sofrimento. Andar, de semana em semana, a mudar de casa para estar, ora com um, ora com outro progenitor, seria contrário ao interesse do menor e, por isso, não se pode aplicar o regime de residência alternada.

Quanto ao regime de visitas.

A 1ª instância determinou, provisoriamente, em 21/09/2023, que “As visitas do menor ao pai acontecerão no CAFAP - A....., em moldes a definir pelo mesmo CAFAP depois de contacto desta entidade com ambos os progenitores”.
O CAFAP informou, em 19/12/2023 (portanto, três meses após a fixação do regime de visitas) que existe lista de espera e não tem possibilidade de previsão da data de início das visitas.
Entendemos que deve ser agilizado um regime que permita que o pai mantenha contactos regulares com o menor.
O artº 40º do RGPTC, determina que:
1- Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela.
2- É estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, podendo o tribunal, no interesse desta e sempre que se justifique, determinar que tais contactos sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal.
3- Excecionalmente, ponderando o superior interesse da criança e considerando o interesse na manutenção do vínculo afetivo com o visitante, pode o tribunal, pelo período de tempo que se revele estritamente necessário, ordenar a suspensão do regime de visitas.
(…)”
A norma do nº 2 , relativa ao regime de visitas e contactos com o progenitor não residente, insere-se na linha do que é determinado nos Princípios Fundamentais estabelecidos na Constituição da República Portuguesa que, no seu artº 30º nºs 5 e 6 estabelece que os pais têm o direito e o dever de educar e manter os filhos, não podendo estes deles ser separados, excepto quando os pais não cumprirem os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
Iguais princípios decorrem de outros diplomas internacionais como, por exemplo, o artº 23º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e do artº 9º nº 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança.
Do mesmo modo, o artº 1906º nº 7 do CC determina, relativamente ao exercício das responsabilidades parentais, determina:
O tribunal decidirá de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles
Portanto, é incontroverso que todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses
Para manter uma relação de grande proximidade, assegurando o superior interesse da criança, impõe-se que ocorram contactos regulares e frequentes do progenitor com o filho, facultando que possa partilhar o seu espaço, passando com eles fins-de-semana, datas festivas, aniversários, períodos de férias (Cf. Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 4ª edição, pág. 313).
Quando a norma se refere à relação de grande proximidade da criança com ambos os pais, está a fornecer ao juiz uma indicação que funciona como factor, entre outros, para determinar o interesse da criança. (Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 7ª edição, 2021, pág. 95).

E prosseguindo com a Lição desta Ilustre autora:
O direito de visitas consiste no direito de pessoas unidas entre si, por laços familiares ou afectivos estabeleceram relações pessoais. Num contexto de divórcio, o direito de visitas significa a possibilidade de o progenitor sem guarda e a criança se relacionarem e conviverem entre si, uma vez que tais relações não podem desenvolver-se, no dia a dia, em virtude da falta de coabitação.  O direito de visitas tem uma forte componente humana e subjazem-lhe realidades afectivas que o direito não pode ignorar.” (Clara Sottomayor, Regulação do Exercício…cit., pág. 128).
O objecto do direito de visitas abrange, assim, um conjunto de relações, desde contactos esporádicos por algumas horas, os quais consistem na expressão mínima do referido direito a estadias por várias semanas e ainda qualquer forma de comunicação (correspondência por escrito, telefone, electrónica, etc.).”
O exercício do direito de visitas por parte do progenitor não guardião funciona como um meio de este manifestar a sua afectividade pela criança, de ambos se conhecerem reciprocamente e partilharem os seus sentimentos de amizade, as suas emoções, ideias, esperanças e valores mais íntimos. Alguns autores referem-se, sugestivamente à visita como um “acto de puro amor puramente gratuito” que constitui “a essência dos direitos parentais para o progenitor não guardião”. Se é importante que na ordem familiar e humana que a criança não veja a sua vida amputada de carinho, contacto, relação e comunicação, o mesmo acontece no plano jurídico. O direito não pode ficar indiferente a esta profunda realidade humana, simultaneamente biológica e psíquica”. (A e ob. cit., pág. 128 e seg.).
O aspecto mais importante desta figura e o seu fundamento reside na relação afectiva que une a criança ao progenitor, a qual merece tutela jurídica por consistir numa manifestação da personalidade da criança e do seu direito ao livre desenvolvimento.(A e ob. cit., pág. 130).
Portanto, o direito de visitas é pensado de modo a salvaguarda do superior interesse da criança, o seu desenvolvimento integral e harmonioso, psíquico e emocional, visando o estabelecimento de laços afectivos e emocionais com o progenitor não guardião e deve ser desenhado de acordo com as concretas circunstâncias do caso, nomeadamente da existência, ou não, de anteriores contactos e convivência, a idade da criança e até o posicionamento dos pais em relação aos filhos e contactos com o outro progenitor.
Só excepcionalmente esse direito de visitas pode ser afastado ponderando o superior interesse da criança e considerando o interesse na manutenção do vínculo afetivo com o visitante (artº 40º nº 3 do RGPTC), designadamente quando as circunstâncias concretas do caso o desaconselhem, por existir algum tipo de risco efectivo, psicológico, emocional ou físico para a criança.
No caso dos autos, não existem elementos que desaconselhem afastar o direito de visitas do requerido ao seu filho. E embora a 1ª instância tenha admitido a possibilidade do direito de visitas, condicionou-o à disponibilidade do CAFAP para supervisionar a realização dessas visitas. E a verdade é que, passados que são quatro meses sobre a fixação do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, a criança ainda não esteve com o pai, nem se perspectiva, face à informação do CAFAP, quando poderão essas visitas/convívios vir a acontecer. Na prática, aquela decisão da 1ª instância, inviabilizou, pelo menos até ao momento, o exercício do direito de visitas ao progenitor não guardião.
Urge dar uma solução prática à situação que permita a efectiva realização de visitas ao progenitor.
Mas, por outro lado, importa não esquecer que se mostra pendente um inquérito por alegada violência doméstica do progenitor sobre a progenitora e, por isso, é necessário ter um especial cuidado em matéria de contactos entre os progenitores. Na verdade, o artº 24º-A do RGPTC refere-se à inadmissibilidade de recurso à audição técnica especializada e à mediação quando: a)- for decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contactos entre progenitores; ou b)- Estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica ou de outras forma de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças.
No caso dos autos, segundo a informação constante do termo lavrado no processo, a 13/12/2023, pela Escrivã-Adjunta, “Em 13-12-2023, consigno que contactei telefonicamente com a SEIVD do S..... – Processo n.º 1…/23.0PAALM no qual obtive a informação que o processo ainda se encontra em investigação - fase de inquérito.” Ou seja, não terá sido aplicada medida de coação – e muito menos pena acessória - de proibição de contactos entre os progenitores.
De resto, parece resultar das declarações da mãe, prestadas na Conferência de Pais, que teve lugar a 21/09/2023, que terão existido contactos entre os progenitores ou, pelo menos, contactos através de outra pessoa (que se desconhece quem seja), dado que a mãe disse “No domingo passado, o requerido esteve com o filho e levou-o ao Oceanário e entregou-o no mesmo dia em C..... às 18:00 horas.”
Por isso, acha-se adequado estabelecer um regime de visitas que salvaguarde eventuais situações de conflito, verbal ou físico entre os progenitores. O que poderá passar pelas entregas do S... em frente (não no interior) de uma das Esquadras de Polícia do Concelho de A....., onde residem ambos os pais, concretamente em frente à Esquadra da PSP do P..... ou em frente à Esquadra da PSP do L...... Ou, mediante a entrega a pessoa de confiança da progenitora, o que poderá ser acordado entre os progenitores. Se nada acordarem, as entregas far-se-ão, como foi referido, em primeiro lugar: em frente a uma das duas mencionadas Esquadras da PSP.

Quanto à periodicidade das visitas.

O progenitor referiu que, dada a sua disponibilidade de horários (saída às 16:00 horas) ia buscar o SGG, todos os dias, à Escola.
Afigura-se-nos que poderá ir buscar o SGG à Escola, duas vezes por semana, às terças-feiras e às quintas-feiras, após o horário lectivo, levando-o consigo até às 18:30 horas, entregando-o à mãe, ou a pessoa que esta indicar, frente à Esquadra da PSP do L....., dada a maior proximidade com a Escola que o SGG frequenta.
De igual modo, o progenitor poderá ter consigo o menor, semanalmente, ao Sábado, entre as 12:00 horas e as 18:30 horas, indo buscá-lo em frente à Esquadra da PSP do P....., levando-o a mãe ou outra pessoa que ela indicar, ou a local que a progenitora indicar com 48:00 horas de antecedência e, entregando-o no mesmo local.
Como é evidente se, entretanto, for aplicada medida de coação de proibição de contactos entre progenitores, o Ministério Público deverá actuar conforme determina o artº 44º-A do RGPTC.

3.2.2-A decisão conjunta sobre as questões de particular importância da vida do menor.

O pai pretende que seja alterado o regime provisório fixado que determinou que as decisões sobre as questões de particular importância na vida do SGG fossem, exclusivamente, decididas pela mãe.
Vejamos
Como é sabido, a Lei 61/2008, de 31/10, introduziu alterações ao regime das responsabilidades parentais, estabelecendo, além do mais, como regra, a partilha por ambos os progenitores dos poderes decisórios relativos às questões cruciais da vida da criança tidas como de particular importância. Porém, não foi definido qualquer conceito do que sejam questões de particular importância nem indicados casos que permitam fazer luz sobre quais sejam essas questões de particular importância. Aliás, na Exposição de Motivos do Projecto de Lei 509/X, que esteve na base da Lei 61/2008, é dito que o exercício conjunto “…refere-se apenas aos actos de particular importância, a responsabilidade pelos actos da vida quotidiana cabe exclusivamente ao progenitor com quem o filho se encontra. Caberá à jurisprudência e à doutrina definir este âmbito…”.
Trata-se, pois, de conceito indeterminado.
A doutrina tem vindo a avançar com critérios delimitadores do que sejam questões de particular importância.
Assim, Helena Melo et alii (Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, Quid Juris, 2009, pág. 136 e segs) referem que, as questões de particular importância correspondem ao “…conjunto dos actos de fundo que constituem traves mestras da vida da criança ou do adolescente e que compõem o núcleo essencial dos seus direitos…”.
Tomé Ramião (Divórcio e Questões Conexas, Quid Juris, 2009, pág. 147 e seg.) defende que as questões de particular importância deverão “…relacionar-se com questões existenciais graves, centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde e formação da criança, todos os actos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das circunstâncias….”. E aponta alguns exemplos.
Helena Bolieiro/Paulo Guerra (A Criança e a Família – Uma Questão de Direito(s); Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e das Crianças e Jovens, Coimbra Editora, pág. 175 e seg.) mencionam, igualmente, como exemplo de questão de particular importância, a “…saída do filho para o estrangeiro, não em turismo mas em mudança de residência, com algum carácter duradouro…”.
Pensamos – aliás o legislador não o fez – que não é fácil dar uma definição de questões de particular importância”. Parafraseando Erasmo (Adagiorum Chiliades) Omnis definitio in iure periculosa est (Em direito, toda a definição é perigosa).
O que seja uma questão de particular importância deve ser decidido atendendo ao caso concreto ponderando as necessidades particulares, características próprias, meio em que se insere, vivência e socialização por que tem passado a criança ou adolescente. No fundo, questões de particular importância são todas as situações com potencial para causarem impacto forte na vida da criança analisada sob o ponto de vista das diversas vertentes que a compõem: saúde física e psicológica, formação e socialização. Por exemplo, realizações de intervenções médico-cirúrgicas, a educação religiosa, a alteração de residência que revista carácter relevante, por exemplo para o estrangeiro ou para localidade que, na prática inviabilize o regime de convívios estabelecido.
Pois bem, de acordo com o artº 1906º nºs 1 e 2, aplicável também às situações de cessação de progenitores que viveram em união de facto ex-vi do artº 1911º nº 2, com epígrafe “Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamentovem estabelecido que:
1- As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2- Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.”
O nº 1 estabelece o regime regra relativo ao exercício conjunto das responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância, determinando que devem ser exercidas por ambos os progenitores, mesmo nas situações de ruptura da vida em comum.
Somente perante situações em que se considere que esse exercício comum é contrário ao interesse do filho se pode afastar aquela regra de exercício conjunto, por ambos os progenitores, de decisões relativas a questões de particular importância.
No caso dos autos, a 1ª instância decidiu que as questões de particular importância na vida do SGG fossem exercidas apenas pela progenitora, fundamentando, singelamente, “…considerando a problemática de violência doméstica e o facto de os progenitores se encontrarem de relações cortadas devido à mesma problemática.”
Pois bem, salvo o devido respeito, não nos parece que a circunstância de ter existido uma queixa crime por violência doméstica, ainda em fase de inquérito e sem a aplicação de medidas de coação, seja circunstância suficiente para afastar a regra de decisão conjunta estabelecida no artº 1906º nº 1, aplicável às situações de cessação de união de facto por força do artº 1911º nº 2.
Na verdade, é a própria lei que prevê, no artº 1906º-A, remédio para as situações de decretamento de medida de coação ou aplicação de pena acessória de proibição de contactos entre progenitores, ou para situações em que estiverem em grave risco os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica. Nestes casos, como se referiu acima, o Ministério Público deve requerer, no prazo máximo de 48 horas, a alteração do regime fixado para o exercício das responsabilidades parentais, nos termos do que dispõe o artº 44º-A do RGPTC.
Assim, inexistindo aplicação de medida de coação ou aplicação de pena acessória de proibição de contactos entre progenitores, nem resultando dos autos indícios que permitam antever situação de grave risco para os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica, entendemos que deve ser aplicada a regra do artº 1906º nº 1 do CC: exercício conjunto das responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância da vida do menor S... .

Do que se expôs resulta que o recurso procede parcialmente, devendo ser alterado, em parte, o regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor S..., que passará a ser o seguinte:
1- A criança fica a residir com a mãe, sendo as Responsabilidades Parentais nas questões de particular importância na vida do filho exercidas em conjunto por ambos os progenitores.
2- A título de pensão de alimentos, o pai contribuirá com a quantia de €125 (cento e vinte e cinco euros) por mês, á criança, até ao dia 08 do mês a que respeita, através de depósito ou de transferência bancária para a conta da progenitora que já o informou.
3- A pensão de alimentos será actualizada anualmente em Janeiro pelos índices de inflação publicada pelo I.N.E, para o ano anterior, com efeitos a partir de Janeiro de 2024. –
4-As despesas médicas e medicamentosas na parte não comparticipada, por sistema nacional de saúde e subsistema ou seguro de saúde e bem assim as despesas escolares, serão suportadas na proporção de metade, por ambos os progenitores, a liquidar no prazo de 15 dias, mediante apresentação, no prazo de 15 dias, do respectivo comprovativo emitido em nome e NIF do menor. –
5- As despesas extracurriculares, incluindo a equitação, que o menor frequenta com a concordância do pai, desde que acordadas por ambos os progenitores, serão igualmente suportadas na proporção de metade, a liquidar no prazo de 15 dias, mediante apresentação, no prazo de 15 dias, do respectivo comprovativo, emitido em nome e NIF do menor. –
6- Quanto ao regime de visitas, o pai poderá ir buscar o SGG à Escola, duas vezes por semana, às terças-feiras e às quintas-feiras, após o horário lectivo, levando-o consigo até às 18:30 horas, entregando-o à mãe, ou a pessoa que esta indicar, frente à Esquadra da PSP do L....., dada a maior proximidade com a Escola que o SGG frequenta.
De igual modo, o progenitor poderá ter consigo o menor, semanalmente, ao Sábado, entre as 12:00 horas e as 18:30 horas, indo buscá-lo em frente à Esquadra da PSP do P....., levando-o, para o efeito, a mãe ou outra pessoa que ela indicar, entregando-o no mesmo local; ou, caso acordem, poderá o pai ir buscá-lo a local que a progenitora indicar, com 48:00 horas de antecedência e, entregando-o o pai nesse mesmo local.

***

IIIDECISÃO.

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em, apesar de declararem nula a decisão sob recurso nos termos do artº 615º nº 1, al. d), usando o mecanismo do artº 665º nº 1 do CPC, substituindo-se à 1ª instância, conhecem do objecto da apelação julgando-a parcialmente procedente e, por consequência, fixam o seguinte regime provisório de regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor SGG:           
1- A criança fica a residir com a mãe, sendo as Responsabilidades Parentais nas questões de particular importância na vida do filho exercidas em conjunto por ambos os progenitores.
2- A título de pensão de alimentos, o pai contribuirá com a quantia de €125 (cento e vinte e cinco euros) por mês, á criança, até ao dia 08 do mês a que respeita, através de depósito ou de transferência bancária para a conta da progenitora que já o informou.
3- A pensão de alimentos será actualizada, anualmente, em Janeiro, pelos índices de inflação publicada pelo I.N.E, para o ano anterior, com efeitos a partir de Janeiro de 2024. –
4- As despesas médicas e medicamentosas na parte não comparticipada, por sistema nacional de saúde e subsistema ou seguro de saúde e bem assim as despesas escolares, serão suportadas na proporção de metade, por ambos os progenitores, a liquidar no prazo de 15 dias, mediante apresentação, no prazo de 15 dias, do respectivo comprovativo emitido em nome e NIF do menor. –
5- As despesas extracurriculares, incluindo a equitação, que o menor frequenta com a concordância do pai, desde que acordadas por ambos os progenitores, serão igualmente suportadas na proporção de metade, a liquidar no prazo de 15 dias, mediante apresentação, no prazo de 15 dias, do respectivo comprovativo, emitido em nome e NIF do menor. –
6- Quanto ao regime de visitas, o pai poderá ir buscar o SGG à Escola, duas vezes por semana, às terças-feiras e às quintas-feiras, após o horário lectivo, levando-o consigo até às 18:30 horas, entregando-o à mãe, ou a pessoa que esta indicar, frente à Esquadra da PSP do L....., dada a maior proximidade com a Escola que o SGG frequenta.
De igual modo, o progenitor poderá ter consigo o menor, semanalmente, ao Sábado, entre as 12:00 horas e as 18:30 horas, indo buscá-lo em frente à Esquadra da PSP do P....., levando-o, para o efeito, a mãe ou outra pessoa que ela indicar, entregando-o no mesmo local; ou, caso acordem, poderá o pai ir buscá-lo a local que a progenitora indicar, com 48:00 horas de antecedência e, entregando-o o pai nesse mesmo local.

Custas seriam a suportar por ambos, levando-se em consideração que litigam com benefício de apoio judiciário.



Lisboa, 25/01/2024



(Adeodato Brotas)
(Teresa Soares)
(Octávia Viegas)