Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8575/21.4T8LSB.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
AMBIGUIDADE
OBSCURIDADE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
LOCAÇÃO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
PRAZO
PRÉ-AVISO
DATA
EFEITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) Não se preenche o vício da nulidade por ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, nos termos da segunda parte da al. c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, se a construção “é lógica e perceptível e o sentido final é coerente com todo o argumentário usado e tendente ao resultado decretado”.
II) Não resultando, nem das conclusões, nem da motivação da apelação, quais os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo, que imporiam decisão diversa da recorrida, nem, igualmente, a decisão alternativa que, em concreto e factualmente, devesse ser proferida, deve ser rejeitado o recurso referente à impugnação da matéria de facto, por inobservância dos ónus de impugnação contidos nas alínea a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
III) A comunicação efetuada pelo locador de estabelecimento cuja exploração foi cedida ao locatário, com a observância do prazo de pré-aviso ou de antecedência contratualmente previsto, visando opor-se à renovação automática do contrato, impedindo tal renovação, mas, para data anterior àquela em que o contrato automaticamente se renovaria, tem como singela consequência, a manutenção do vínculo contratual até à data em que a oposição à renovação deva produzir efeitos.
IV) A comunicação de oposição à renovação automática do contrato efetuada nestes termos, não determina, em si mesma, uma situação de incumprimento contratual, que possibilite ao locatário a resolução do contrato com tal fundamento e por facto imputável ao locador.

(Sumário elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

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1. Relatório:

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1. A, identificada nos autos, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra B, CENTRO DE EDUCAÇÃO FÍSICA (…), LDA., também com os sinais dos autos, pedindo o seguinte:
“a) Ser decretada a resolução do Contrato Promessa de Exploração de Estabelecimento Comercial de Duração Limitada com justa causa por factos imputáveis exclusivamente à Ré, e consequentemente;
b) Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia global de €50.050,00 (cinquenta mil e cinquenta euros) a título de indemnização pelo incumprimento do contrato objeto da presente petição”.
Alegou, para tanto e em suma, que:
- A sociedade GRUPO DRAMÁTICO (…) foi titular do direito de usufruto e de superfície, por cedência da Câmara Municipal de Cascais, sobre o prédio urbano sito na Estrada (…), designado por Pavilhão (…), freguesia e concelho de Cascais, desde pelo menos 2014 e proprietária do estabelecimento comercial denominado “SNACK BAR”, sito no primeiro andar, do lado sul do Pavilhão Gimnodesportivo, destinado a snack bar de apoio às atividades do Pavilhão e dos ginásios da Academia e Piscina;
- No dia 01-09-2014, por contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial de duração limitada, a sociedade GRUPO DRAMÁTICO (…) cessou a exploração do estabelecimento comercial denominado “SNACK BAR” à Autora pelo prazo de 7 anos, com renovação automática no fim do prazo por períodos sucessivos de 3 anos, se não for denunciada por qualquer das partes e, como contrapartida, a autora ficou obriga de pagar o montante mensal de €650,00;
- Desde setembro de 2014 até janeiro de 2019, a Autora exerceu a sua atividade nas melhores condições, aumentando a sua clientela e mantendo um bom relacionamento com a administração e direção do ginásio;
- No dia 01-09-2018, a sociedade GRUPO DRAMÁTICO (…), cedeu a sua posição contratual que detinha no “Contrato Promessa de Exploração de Estabelecimento Comercial de Duração Limitada” à ré, conforme comunicação enviada à Autora no dia 06-03-2019;
- A Ré adotou uma conduta contrária aos bons costumes e à boa-fé para com a Autora que tem vindo a prejudicar a sua atividade desenvolvida;
- A Autora dedica-se à venda de bebidas e snackes ao público, no estabelecimento comercial referido.
- No mês de Maio de 2019, para surpresa da Autora foram colocadas 2 máquinas de vending com bebidas (quentes e frias) e com snackes, a 20 m. de distância do balcão onde a Autora exerce a sua atividade;
- Além das máquinas possuírem produtos iguais aos comercializados pela Autora, os preços dos mesmos são muito mais baixos, o que contribuiu para a deslocação de parte da clientela da Autora, prejudicando o seu negócio.
- Descontente com a decisão tomada, a Autora tentou entrar em contacto com a Ré diversas vezes, enviando emails com o intuito de chegarem a um acordo, porém, apesar das insistências nunca chegou a obter qualquer resposta nem por parte da Direção em por parte da Administração da Ré;
- No dia 18-03-2020 foi decretado o estado de emergência em Portugal, através do Decreto Presidencial nº14-A/2020, devido à situação excecional que se estava a viver no momento e à proliferação de casos registados de contágio de COVID-19;
- Nos termos do artigo 7º do D.L. n.º 2-A/2020, de 20 de Março, os pavilhões polidesportivos e os ginásios ficaram encerrados desde o dia 22 de Março de 2020 e só voltaram a reabrir no dia 1 de Junho de 2020, por resolução do Conselho de Ministros nº40 – A/2020;
- No dia 29-05-2020, a ré procedeu à denúncia do contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial, com efeitos pretendidos para o dia 29-11-2020, conforme comunicação, tendo a autora em resposta – de 08-06-2020 – comunicado que a denúncia não era eficaz na data pretendida, sendo o contrato válido até 31-08-2021;
- No dia 01-06-2020, o Pavilhão (…) não abriu portas ao público, por decisão da Ré, que invocou a sua intenção de fazer obras no local, o que teve impacto negativo no negócio da Autora, uma vez que, com o ginásio fechado a clientela não se desloca ao local, tendo a Ré apenas disponibilizado uma janelinha nas traseiras do estabelecimento para a venda dos produtos comercializados pela Autora;
- Não obstante o alegado propósito de fazer obras, não se verificou qualquer andamento das mesmas até à presente data.
- No dia 01-11-2020, a Autora enviou um email esclarecendo que a Ré se encontrava a incumprir o contrato outorgado, motivo pelo qual, nos termos da cláusula 10ª do contrato deveria indemnizar a Autora;
- Não obstante e não obtendo resposta, nem após várias insistências e não conseguindo dirimir o litígio de forma extrajudicial, a Autora vê a necessidade de recorrer à ação judicial para exercer o seu direito, uma vez que, não consegue exercer a sua atividade em conformidade o que influencia a sua vida extralaboral, uma vez que não consegue fazer face às suas despesas, nem pedir o subsídio de desemprego, para as aliviar.
- Com o encerramento do espaço da academia já há mais de um ano, e sem que se desenrole e defina a situação do bar, sem trabalho e sem capital a Autora viu a necessidade de vir viver com a sua mãe, facto que a aflige, uma vez que os seus rendimentos não são suficientes para as suportar; e
- Nos termos do artigo 10º, nº2 do Contrato de Cessão da Exploração “em caso de incumprimento do presente contrato por parte do Primeiro Contraente, fica este obrigado a devolver ao Segundo Contraente todas as quantias que dele tenha recebido acrescida dos juros de mora legais contados desde a data da realização dos respetivos pagamentos”, pelo que a ré deve à autora a título de indemnização pelo incumprimento contratual a quantia de €50.050,00 (€650,00 x 77 meses).

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2. Citada, a ré contestou por exceção e por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.
Alegou, em suma:
- Ter procedido à “denúncia” do contrato por carta registada enviada à Autora em 29-05-2020, com efeitos produzidos em 29-11-2020, pelo que o contrato ficou validamente cessado nesta última data, com a observância do tempo de pré-aviso estipulado pelas partes (antecedência de 180 dias ou seis meses);
- Existiu, na realidade, um contrato definitivo de cessão de exploração de estabelecimento comercial, que vigorou desde 2014 até 29-11-2020, e em nenhuma cláusula da suposta “promessa” está prevista a posterior assinatura de acordo definitivo, nem sequer o típico recurso à execução específica, habitual nos “contratos-promessa”: a posse foi entregue à Autora com a assinatura, as rendas começaram logo a ser pagas, esta passou a responsabilizar-se pelo estabelecimento e as partes deram seguimento contínuo à relação contratual estabelecida;
- Em todo o caso, a cláusula penal firmada no contrato padece de nulidade, por desproporcional e abusiva, ou, no mínimo, deverá ser reduzida; e
- A autora calculou a renda paga com base em 77 meses, quando as rendas foram suportadas apenas durante 72 meses (ou seis anos), de setembro de 2014 até setembro de 2020, perfazendo €46.800,00.

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3. Na sequência, a autora respondeu às exceções, concluindo pela sua improcedência.

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4. Foi dispensada audiência prévia e proferido despacho saneador, fixando o valor da causa, relegando para final o conhecimento das exceções perentórias invocadas (cessação do contrato por denúncia tempestiva da Ré; existência de contrato definitivo de cessão de exploração; nulidade da cláusula décima; redução equitativa da cláusula penal), identificando o objeto do litígio e enunciando os temas da prova, bem como, foram apreciados os requerimentos probatórios.

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5. Em 05-11-2022 teve lugar audiência de discussão e julgamento com produção probatória.

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6. Após, em 12-01-2023, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a ré dos pedidos deduzidos pela autora.

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7. Não se conformando com esta decisão, dela apela a autora, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que condene a ré, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso de apelação interposto da sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a Ré dos pedidos deduzidos pela Autora.
2. Facto com o qual a Recorrente não pode conformar-se.
3. O tribunal a quo limitou-se a aferir pela existência de um incumprimento contratual por parte da Ré, quando deveria ter também considerado a “(..) conduta contrária aos bons costumes e à boa-fé para com a Autora que tem vindo a prejudicar a sua actividade desenvolvida”.
4. O cumprimento contratual não se cinge apenas à letra do contrato mas também ao espírito desse contrato.
5. A Ré assumiu a posição de cedente no contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial que já vigora, à data, com a Autora.
6. Assumiu, assim, a obrigação de agir de acordo com o ali estipulado - com o espírito de tal contrato.
7. A Ré agiu, consoante plano por si articulado, com o intuito de causar à Autora um prejuízo patrimonial que a levasse a resolver o contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial em causa - o que ficou provado em sede de julgamento. 
8. A testemunha C (…) esclareceu o tribunal que “A “dona D (…)” (…, diretora do centro, testemunha prescindida pela Ré) chamou-os à direção/gabinete e informou que passavam a existir as máquinas de vending, não querendo que se deslocassem ao bar da Autora. A Ré até “deu senhas” para que alguns dos funcionários do ginásio fossem às máquinas, e não ao bar da Autora” (vide página 11 da sentença).
9. O tribunal a quo desvalorizou o depoimento desta testemunha, em detrimento das testemunhas arroladas pela Ré.
10. Da prova testemunhal resulta, claramente, que a Ré teceu um plano com o intuito de minar financeiramente a Autora, ao ponto de que esta se visse forçada a resolver o contrato.
11. Aliás, conclui-se que “Ademais, está realmente patenteado que, no dia 1 de Junho de 2020, o ginásio e a piscina do Pavilhão (…) não abriram portas ao público, por decisão da Ré, que invocou a sua intenção de fazer obras no local; facto que teve um novo impacto negativo no negócio da Autora, uma vez que a respectiva clientela (dos ginásio e piscina) não se deslocava ao local. Apesar do alegado propósito da Ré em fazer obras, não se verificou qualquer andamento das mesmas até à presente data.” - vide página 38 da sentença.
12. Mas conclui, a finale, que tais decisões não consubstanciam um incumprimento contratual.
13. Salvo o devido respeito - que é muito - tais decisões constituem um abuso de direito.
14. Dispõe o artigo 334.º do Código Civil que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. ”
15. O incumprimento contratual não se limita à letra do contrato, tem de ser enquadrado nos princípios fundadores da boa fé.
16. Resulta da prova coligida que a Ré tudo fez no sentido de levar à quebra dos lucros da Autora, instruindo os seus funcionários a não consumirem bens junto do estabelecimento da Autora.
17. Não resulta da letra do contrato que a Ré não pode instalar máquinas de vending, nem que não pode encerrar os estabelecimentos desportivos para efectuar obras no espaço - mas é óbvio que a Ré alterou dolosamente as circunstâncias em que o contrato foi firmado.
18. A Ré passou a fazer concorrência directa à Autora, através das máquinas de vending.
19. E encerrou o pavilhão desportivo, pondo fim à clientela da Autora.
20. A Ré conhecia tais consequências, conformou-se com elas, e agiu com a intenção expressa de as causar.
21. A Ré agiu, assim, em abuso de direito, incumprindo o contrato a que se obrigara.
22. Pelo que não pode a Autora conformar-se com a decisão proferida pelo tribunal a quo.
23. A sentença recorrida cai em ambiguidade e obscuridade - é, assim, nula, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
24. Sendo a acção improcedente, cai o pedido de resolução do contrato por incumprimento contratual da Ré;
25. Mas, por outro lado, é “improcedente a excepção de cessação do contrato por “denúncia” tempestiva”.
26. O que nos faz concluir que o contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial nunca terá sido resolvido e que manterá os seus efeitos - o que a sentença recorrida não esclarece sendo, por isso mesmo, obscura e ambígua”.

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8. A ré contra-alegou, concluindo pela rejeição do recurso ou, assim não se entendendo, pela sua improcedência.

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9. O requerimento recursório foi admitido por despacho de 11-09-2023.

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10. Remetidos os autos a este Tribunal de recurso e inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais.

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2. Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
Em face do exposto, identificam-se as seguintes questões a decidir:

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I) Da invocada nulidade da sentença:
A) Se a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, por ambiguidade ou obscuridade?
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II) Impugnação da decisão de facto:
B) Se o recurso atinente à impugnação da matéria de facto deve ser rejeitado, por inobservância do disposto no artigo 640.º do CPC?
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III) Impugnação da decisão de direito:
C) Se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por decisão que condene a ré nos pedidos?

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3. Fundamentação de facto:

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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
Com relevo para a decisão da causa, os factos que o Tribunal considera como provados são os seguintes:
1. O “Grupo Dramático (…)”, pessoa coletiva de utilidade pública, contribuinte fiscal n.º (…), com sede na estrada (…), foi titular do direito de usufruto e de superfície, por cedência da Câmara Municipal de Cascais, sobre o prédio urbano sito na estrada (…), designado por Pavilhão (…), na freguesia e concelho de Cascais, pelo menos desde o ano de 2014;
2. A pessoa coletiva referida no ponto anterior foi proprietária do estabelecimento comercial denominado “SNACK-BAR”, sito no primeiro andar do lado sul do pavilhão gimnodesportivo acima identificado, junto à receção da academia, composto por balcão e sala com área total aproximada de 50 metros quadrados, destinado a snack-bar de apoio às atividades do pavilhão e dos ginásios da academia e piscina;
3. No dia 1 de setembro de 2014, mediante acordo de cessão de exploração do estabelecimento comercial de duração limitada, o “Grupo Dramático (…)” cedeu a exploração do estabelecimento comercial denominado “SNACK-BAR” à Autora pelo prazo de 7 (sete) anos, com renovação automática no final do prazo por períodos sucessivos de 3 (três) anos, se não fosse denunciada por qualquer uma das partes, tudo conforme contrato que se juntou como documento n.º 1 da petição inicial (intitulado de “Contrato Promessa de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial de Duração Limitada”, inserto de fls. 6 a 8v e aqui dado como integrado);
4. Como contrapartida da cessão, a Autora ficou obrigada a pagar o montante mensal de € 650,00, nos termos da cláusula quinta (n.º 1) do contrato em apreço;
5. Desde setembro de 2014 até janeiro de 2019, a Autora exerceu a sua atividade nos termos acordados, aumentando a sua clientela e mantendo um bom relacionamento com a administração e direção do ginásio;
6. No dia 1 de setembro de 2018, a mencionada pessoa coletiva cedeu a posição contratual que detinha no dito “Contrato Promessa de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial de Duração Limitada” à sociedade aqui Ré (também conhecida no mercado e designada de “E…”), conforme resulta de comunicação recebida pela Autora no dia 6 de março de 2019 (cfr. documento de fls. 9);
7. A Autora dedica-se à venda de bebidas e snacks ao público, no estabelecimento comercial objeto da presente ação (acima identificado), ao abrigo da Licença de Utilização para o Serviço de Restauração e Bebidas n.º LU-(…), emitida pela Câmara Municipal de Cascais em 29 de outubro de 2007;
8. No início do mês de maio de 2019, para surpresa da Autora, foram colocadas duas máquinas de vending com bebidas (quentes e frias) e com snacks, a cerca de 20 metros de distância do balcão onde a aquela exercia a sua atividade;
9. Além das duas máquinas possuírem produtos iguais aos comercializados pela Autora, os preços dos mesmos eram mais baixos/reduzidos, o que contribuiu para a deslocação de parte da clientela da Autora;
10. No dia 18 de março de 2020, foi decretado o estado de emergência em Portugal, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, devido à situação excecional que se estava a viver no momento e à proliferação de casos registados de contágio da doença Covid-19;
11. Desta forma, em face da entrada em vigor do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, e nos termos do seu artigo 7.º, os pavilhões polidesportivos e os ginásios ficaram encerrados desde o dia 22 de março de 2020 e apenas puderam reabrir no dia 1 de junho de 2020, por força da Resolução do Conselho de Ministros n.º 40-A/2020, de 29 de maio;
12. No dia 29 de maio de 2020, a Ré procedeu à “denúncia” do aludido contrato vigorante com a Autora, com efeitos/cessação pretendidos para o dia 29 de novembro de 2020, com a invocação da sua cláusula quarta (n.º 3), manifestando a sua vontade de "(...) não proceder à renovação do mesmo” (cfr. documento de fls. 9v, aqui dado como integrado);
13. No dia 8 de junho de 2020, a Autora, em resposta escrita, comunicou à Ré que a “denúncia” não era eficaz na data pretendida, uma vez que o contrato fora celebrado no dia 1 de setembro de 2014 por um prazo de 7 (sete) anos, sendo o mesmo válido até ao dia 31 de agosto de 2021 (cfr. documento de fls. 10, aqui dado como integrado);
14. No dia 1 de junho de 2020, o ginásio e a piscina do Pavilhão (…) não abriram portas ao público, por decisão da Ré, que invocou a sua intenção de fazer obras no local - facto que teve um novo impacto negativo no negócio da Autora, uma vez que a respetiva clientela (dos ginásio e piscina) não se deslocava ao local;
15. Apesar do alegado propósito da Ré em fazer obras, não se verificou qualquer andamento das mesmas até à presente data;
16. A Autora, no dia 3 de setembro de 2020, enviou uma missiva de agendamento de uma reunião com a Ré, com a finalidade de chegar a um acordo extrajudicial (cfr. documento de fls. 10v e 11, aqui dado como integrado);
17. No dia 1 de novembro de 2020, a Autora enviou um e-mail afirmando que a Ré se encontrava a "incumprir" o contrato outorgado, atendendo a todos os factos expostos, motivo pelo qual, nos termos da cláusula décima do contrato em apreço, a Ré deveria indemnizar a Autora (cfr. documento de fls. 11v, aqui dado como integrado);
18. Perante a falta de resposta da Ré, a Autora enviou novo e-mail de insistência, datado de 24 de novembro de 2020 (cfr. documento de fls. 12, aqui dado como integrado);
19. Em relação ao estipulado na cláusula décima do aludido contrato (epigrafada de "Incumprimento"), pode ler-se o seguinte:
"1. Em caso de incumprimento pelo SEGUNDO CONTRATANTE do presente contrato, este perderá a favor do PRIMEIRO CONTRATANTE todas as importâncias que tenha entregue a este último e responsabiliza-se pelo pagamento dos montantes correspondentes às contrapartidas mensais da presente cessão até ao termo do contrato ou prorrogação de prazo que estiver a decorrer à data do incumprimento.
2. Em caso de incumprimento do presente contrato por parte do PRIMEIRO CONTRATANTE, fica este obrigado a devolver ao SEGUNDO CONTRATANTE todas as quantias que dele tenha recebido acrescidas dos juros de mora legais contados desde a data da realização dos respectivos pagamentos” (cfr. documento de fls. 6 a 8v);
20. Sob a epígrafe “Duração", a sua cláusula quarta dispõe o seguinte:
“1. O presente contrato terá a duração efectiva e limitada de 7 (sete) anos, a contar da presente data.
2. O contrato renovar-se-á, automaticamente, no fim do prazo ou de qualquer uma das suas renovações, por períodos sucessivos de 3 (três) anos, quando não seja denunciado por qualquer das partes, nos termos do número seguinte.
3. O contrato cessará mediante denúncia a efectuar pelo CEDENTE ou pelo CESSIONÁRIO, através de carta registada com aviso de recepção, a efectuar com a antecedência de 180 (cento e oitenta) dias, relativamente à data em que pretende fazer operar os seus efeitos” (cfr. documento de fls. 6 a 8v);
21. Após a identificação das partes contraentes, consta da primeira página do mesmo contrato a expressão: “É CELEBRADO O PRESENTE CONTRATO DE LOCAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL, DE DURAÇÃO LIMITADA, QUE SE REGE PELAS CLÁUSULAS QUE SE SEGUEM:” (cfr. documento de fls. 6 a 8v);
22. (...) Na sua cláusula segunda (n.º 3) é possível ler-se que “3. O estabelecimento cedido é entregue na data da assinatura do presente contrato e o SEGUNDO CONTRATANTE, declara conhecer e considerar o identificado espaço adequado ao fim que se destina”;
23. (...) Na sua cláusula quinta (n.º 3) também é possível ler-se que “3. Nesta data é entregue pelo SEGUNDO ao PRIMEIRO CONTRATANTE o valor de € 650 (seiscentos e cinquenta euros) referentes ao mês de Setembro de 2014”; rendas essas que se venceram, sucessiva e ininterruptamente, a partir de 1 de setembro de 2014;
24. (...) E na sua cláusula sétima (proémio) consta que, “A partir da data da assinatura do presente contrato, o SEGUNDO CONTRATANTE será responsável, em juízo e fora dele, por tudo quanto ao estabelecimento disser respeito (...)”;
25. Em nenhuma das suas cláusulas está prevista a posterior assinatura de um contrato definitivo, nem o recurso à execução específica;
26. A colocação das máquinas de vending não foi impedida pelas partes no contrato estipulado entre si, correspondendo, antes, a procedimento geral e comum em ginásios, piscinas e polidesportivos;
27. No último ano (por referência à entrada da contestação a 31 de maio de 2021), os ginásios estiveram encerrados, por imposição legal, durante cerca de cinco meses;
28. Mesmo as reaberturas dos ginásios tiveram condicionantes, tais como: lotação dos espaços; medidas de higiene e segurança; horários mais reduzidos; proibição de aulas de grupo; entre outras;
29. A missiva datada de 3 de setembro de 2020 (cfr. ponto 16) não chegou ao conhecimento da Ré, tendo sido devolvida pelos serviços dos CTT (cfr. documento de fls. 28 e 28v);
30. O ginásio tinha um horário de funcionamento de segunda-feira a sexta-feira, das 07h00 às 22h00, aos sábados, das 09h00 às 20h00, e aos domingos, das 09h00 às 13h00;
31. Por sua vez, o estabelecimento em apreço tinha um horário de funcionamento de segunda-feira a sexta-feira, das 08h00 às 15h00 e das 17h00 às 20h00, aos sábados, das 09h00 às 13h00, com encerramento ao domingo;
32. Contratualmente, a exploração do SNACK-BAR deveria ocorrer, diariamente, das 08h00 às 21h00 (cfr. cláusula segunda, n.º 1, segmento final);
33. A colocação das máquinas de vending visou salvaguardar, em especial, o período em que o ginásio estava em funcionamento sem que o SNACK-BAR o estivesse respondendo a solicitações e necessidades dos seus utilizadores;
34. A Autora foi informada dos motivos da instalação das máquinas, conforme consta da carta de 10 de maio de 2019, que a Ré lhe dirigiu e que foi recebida pela Autora no dia 13 seguinte (cfr. documento de fls. 29 e 29v, aqui dado como integrado);
35. (...) E na qual se alerta, igualmente, para o “incumprimento” do horário de funcionamento e para a “recusa indevida” de venda de produtos a clientes do SNACK-BAR;
36. As rendas foram pagas durante 72 meses (seis anos), isto é, desde setembro de 2014 até setembro de 2020, perfazendo o montante global pago pela Autora € 46 800,00.

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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
I. Na sequência do referido no ponto 9, a Autora tentou entrar em contacto com a Ré por diversas vezes, enviando e-mails com o intuito de chegarem a um acordo;
II. (...) Porém, apesar das insistências, nunca chegou a obter qualquer resposta por parte da direção ou da administração da Ré;
III. No dia 1 de junho de 2020, o Pavilhão (…) não abriu portas ao público, por decisão da Ré, tendo esta apenas disponibilizado uma pequena janela nas traseiras do estabelecimento para a venda dos produtos comercializados pela Autora;
IV. A atitude apresentada pela Ré junto da Autora, desde o ano de 2019, prendia-se com o objetivo de cessar todos os efeitos do contrato outorgado com a Autora;
V. Não obstante o esforço de esta encontrar uma solução de consenso, a Ré não se interessou nem colaborou com a Autora;
VI. A Autora depositava as rendas respeitantes ao estabelecimento "SNACK-BAR" na Caixa Geral de Depósitos, visto que não lhe foram dados meios alternativos e ninguém lhe respondia às interpelações e e-mails enviados;
VII. Sem trabalho e desprovida de capital, a Autora viu-se na necessidade de ir viver com a sua mãe, circunstância que a aflige, uma vez que os seus rendimentos são insuficientes para suportar as despesas, não podendo exercer a sua atividade nem solicitar o subsídio de desemprego;
VIII. Os contraentes pretenderam celebrar um contrato-promessa;
IX. O contrato em apreço nos autos vigorou até ao dia 29 de novembro de 2020;
X. Em relação às obras no Pavilhão (…), as mesmas só não foram concluídas por ausência de licença camarária.
Consignou-se, ainda, na decisão recorrida que: “A matéria alegada que não se mostra selecionada no elenco dos factos provados e não provados constitui matéria conclusiva, repetida, irrelevante ou de direito e, por isso, foi desconsiderada, tendo em conta o sentido e alcance dos temas da prova enunciados (cfr. artigo 410.º, segmento inicial, do Código de Processo Civil)”.

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4. Fundamentação de Direito:

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I) Da invocada nulidade da sentença:

*
A) Se a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, por ambiguidade ou obscuridade?
Considera a recorrente que existe nulidade da decisão recorrida, por ambiguidade ou obscuridade.
Para tanto, a apelação expendeu as seguintes conclusões recursórias:
“(…) 11. Aliás, conclui-se que “Ademais, está realmente patenteado que, no dia 1 de Junho de 2020, o ginásio e a piscina do Pavilhão (…) não abriram portas ao público, por decisão da Ré, que invocou a sua intenção de fazer obras no local; facto que teve um novo impacto negativo no negócio da Autora, uma vez que a respectiva clientela (dos ginásio e piscina) não se deslocava ao local. Apesar do alegado propósito da Ré em fazer obras, não se verificou qualquer andamento das mesmas até à presente data.” - vide página 38 da sentença.
12. Mas conclui, a finale, que tais decisões não consubstanciam um incumprimento contratual.
13. Salvo o devido respeito - que é muito - tais decisões constituem um abuso de direito.
14. Dispõe o artigo 334.º do Código Civil que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
15. O incumprimento contratual não se limita à letra do contrato, tem de ser enquadrado nos princípios fundadores da boa fé.
16. Resulta da prova coligida que a Ré tudo fez no sentido de levar à quebra dos lucros da Autora, instruindo os seus funcionários a não consumirem bens junto do estabelecimento da Autora.
17. Não resulta da letra do contrato que a Ré não pode instalar máquinas de vending, nem que não pode encerrar os estabelecimentos desportivos para efectuar obras no espaço - mas é óbvio que a Ré alterou dolosamente as circunstâncias em que o contrato foi firmado.
18. A Ré passou a fazer concorrência directa à Autora, através das máquinas de vending.
19. E encerrou o pavilhão desportivo, pondo fim à clientela da Autora.
20. A Ré conhecia tais consequências, conformou-se com elas, e agiu com a intenção expressa de as causar.
21. A Ré agiu, assim, em abuso de direito, incumprindo o contrato a que se obrigara.
22. Pelo que não pode a Autora conformar-se com a decisão proferida pelo tribunal a quo.
23. A sentença recorrida cai em ambiguidade e obscuridade - é, assim, nula, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
24. Sendo a acção improcedente, cai o pedido de resolução do contrato por incumprimento contratual da Ré;
25. Mas, por outro lado, é “improcedente a excepção de cessação do contrato por “denúncia” tempestiva”.
26. O que nos faz concluir que o contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial nunca terá sido resolvido e que manterá os seus efeitos - o que a sentença recorrida não esclarece sendo, por isso mesmo, obscura e ambígua”.
Vejamos:
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, a mesma é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
“A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º 1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2.ª parte [da alínea c)] do n.º 1, do art.º 615.º do C. P. Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03-11-2016, Processo 1774/13.4TBLLE.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO).
Ou seja: Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-94, rel. CARDOSO ALBUQUERQUE, in BMJ nº 433, p. 633, o Acórdão do STJ de 13-02-97, rel. NASCIMENTO COSTA, in BMJ nº 464, p. 524 e o Acórdão do STJ de 22-06-99, rel. FERREIRA RAMOS, in CJ 1999, t. II, p. 160).
Trata-se de um erro lógico-discursivo na medida em que, ocorrendo tal vício, a decisão segue uma determinada fundamentação e linha de raciocínio, mas vem, a final, a decidir em conflito com tal fundamentação.
Esta nulidade verificar-se-á, assim, quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, constituindo um vício de natureza processual.
Relativamente ao segmento atinente à ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, tem entendido a doutrina que “a sentença é obscura quando contém um passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos” (cfr. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª ed., 2013, Almedina, p. 400).
“Diz-se que a sentença padece de obscuridade quando algum dos seus passos enferma de ambiguidade, equivocidade ou de falta de inteligibilidade: de ambiguidade quando algumas das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão; de equivocidade quando o seu sentido decisório se perfile como duvidoso para um qualquer destinatário normal. Mas só ocorre esta causa de nulidade constante do 2º segmento da al. c) do nº. 1 do art.º 615º, se tais vícios tornarem a “decisão ininteligível” ou incompreensível” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371).
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, verificamos que, na sentença proferida, o Tribunal de 1.ª instância assinalou que lhe cabia decidir “se deve ser decretada a resolução do contrato celebrado entre as partes por factos imputáveis à Ré, e se é devida à Autora a indemnização pedida”. E, depois de efetuar a seleção factual – enunciando os factos provados e os não provados – a que procedeu, o Tribunal recorrido procedeu à subsunção jurídica do direito aos factos apurados (passando em revista, desde logo, os principais factos provados – n.ºs. 1 a 6), analisando, em geral, as noções de estabelecimento comercial, de trespasse, de cessão de exploração e do contrato de locação de estabelecimento comercial, tecendo, nomeadamente, as seguintes considerações, acerca da natureza do negócio celebrado entre as partes dos presentes autos:
“(…) Descendo à situação concreta.
Não nos merece dúvidas a qualificação jurídica do contrato sob análise: trata-se, efetivamente, de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, de duração limitada, também designado de "Locação de Estabelecimento Comercial, de Duração Limitada”, através do qual o então titular do estabelecimento ("Grupo Dramático (…)”) cedeu a outrem (Autora), a título oneroso e na data de 1 de setembro de 2014, a fruição temporária dele (estabelecimento comercial), juntamente com a cedência da fruição do imóvel onde o mesmo se inseria. Corporiza um acordo escrito inominado, celebrado de harmonia com o princípio da liberdade negocial, a regular pelas estipulações nele vertidas pelas partes outorgantes e, subsidiariamente, pelas disposições dos contratos típicos de maior afinidade e, depois, pelas regras gerais das obrigações e dos contratos.
Com efeito, logo após a identificação das partes contraentes, consta da primeira página do mesmo contrato a expressão: "É CELEBRADO O PRESENTE CONTRATO DE LOCAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL, DE DURAÇÃO LIMITADA, QUE SE REGE PELAS CLÁUSULAS QUE SE SEGUEM:” (cfr. documento de fls. 6 a 8v).
Na sua cláusula segunda (n.º 3) é possível ler-se que “3. O estabelecimento cedido é entregue na data da assinatura do presente contrato e o SEGUNDO CONTRATANTE, declara conhecer e considerar o identificado espaço adequado ao fim que se destina”.
Na sua cláusula quinta (n.º 3) também é possível ler-se que “3. Nesta data é entregue pelo SEGUNDO ao PRIMEIRO CONTRATANTE o valor de € 650 (seiscentos e cinquenta euros) referentes ao mês de Setembro de 2014”; rendas essas que se venceram, sucessiva e ininterruptamente, a partir de 1 de setembro de 2014.
E na sua cláusula sétima (proémio) consta que, “A partir da data da assinatura do presente contrato, o SEGUNDO CONTRATANTE será responsável, em juízo e fora dele, por tudo quanto ao estabelecimento disser respeito (...)”. Em nenhuma das suas cláusulas está prevista a posterior assinatura de um contrato definitivo, nem o recurso à execução específica, a que se reporta o disposto no artigo 830.º do Código Civil.
Não se extrai do contido no texto contratual que ambos os contraentes, em algum momento, tivessem pretendido celebrar um verdadeiro “contrato-promessa” de cessão de exploração: o certo é que identificaram o acordo escrito como “promessa de cessão”, mas também como “locação de estabelecimento”, sendo que o contrato foi celebrado e vigorou, ou vigora, durante vários anos consecutivos, com a traditio do estabelecimento comercial entregue à Autora aquando da sua assinatura, ou seja, logo no mês de setembro de 2014; as prestações mensais começaram a ser pagas com a outorga do contrato, e daí em diante, passando a aqui demandante a responsabilizar-se imediatamente pelo estabelecimento; como se disse, o contrato não faz qualquer alusão explícita à celebração do negócio definitivo nem a nenhuma execução específica, cláusula típica da promessa contratual, sendo que os contraentes deram seguimento contínuo ao vínculo contratual estabelecido, (de resto, com uma aparência externa de definitividade junto da sua clientela).
Note-se que os únicos laivos de “contrato-promessa” se cingem ao cabeçalho (ou epígrafe) do texto contratual, o que não passa de mera exteriorização formal, e, bem assim, ao conteúdo da sua cláusula décima, algo semelhante com o regime legal do sinal (cfr. artigo 440.º, 441.º e 442.º, n.º 2, todos do Código Civil).
Por tudo quanto se deixa escrito, na peugada do defendido pela Ré, consideramos que o contrato em apreço se traduz, efetivamente, num contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, de duração limitada - o que, aliás, a Autora não descartou absolutamente no teor da sua petição inicial (com enfoque para os seus artigos 3.º e 15.º).
Em suma, neste particular (qualificação jurídica do contrato), a razão está do lado da defesa - o contrato subjacente à lide é, por si só, definitivo no seu sentido e alcance, porquanto o que releva para os autos é a natureza efetiva do negócio celebrado, em detrimento da simples aparência decorrente do “rótulo” que possa constar do seu intróito.
Percorrendo todo o texto contratual, e se abstrairmos do seu título e da citada cláusula décima (cláusula penal para as situações de incumprimento vindas de uma parte ou de outra - cfr. artigo 810.º do Código Civil), estamos diante de um negócio definitivo.”.
E, prosseguindo na análise da questão de saber se deve ser decretada a resolução contratual e se é devida a indemnização peticionada pela autora, o Tribunal recorrido conclui que “a cláusula quarta (n.º 3) não foi observada pela Ré, que mal a interpretou, o que significa que o contrato em presença não cessou a sua vigência no dia 29 de novembro de 2020, ao invés do argumentado pela defesa, assim permanecendo em vigor no ordenamento jurídico, pelo menos, até 31 de agosto de 2021”.
Depois de tal apreciação, o Tribunal recorrido indagou em aferir se os factos apurados na lide permitiam configurar uma situação de incumprimento contratual da ré, motivadora da resolução do contrato por factos imputáveis à ré e do consequente pagamento da indemnização pedida pela autora, tendo sido tecidas as seguintes considerações:
“(…) Relativamente ao direito de resolução do contrato, enquanto destruição da relação contratual, quando não convencionado pelas partes, dependerá da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de direito potestativo vinculado (cfr. artigo 432.º do Código Civil).
Ao lado da resolução legal, tal como, por exemplo, nos casos de não cumprimento da obrigação, impossibilidade do cumprimento ou alteração das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar (cfr. artigos 801.º, n.º 2, 802.º, 808.º e 437.º do Código Civil), em que o direito é conferido por lei a uma das partes, admite o citado artigo 432.º que, por convenção (cfr. n.º 1), se atribua a uma das partes ou a ambas elas o direito de resolver o contrato. Esta convenção pode coincidir com o próprio contrato, sendo, em termos de normalidade, uma determinada cláusula nele incorporada. Mas nada obsta a que se materialize num acordo posterior.
Contudo, a parte que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não se encontrar em condições de restituir o que houver recebido, não tem o direito de resolver o contrato (assim o acrescenta o n.º 2). A restrição em apreço é aplicável tanto à resolução legal, como à resolução contratual. É importante notar que a restrição não opera se a impossibilidade de restituição for imputável à parte contrária, como deflui do mesmo número. Mas funciona, ainda que a parte interessada na resolução invoque para o efeito o não cumprimento do contrato por causa imputável ao outro contraente.
Enquanto, relativamente à exceção material de não cumprimento do contrato, a lei a restringe expressamente aos contratos bilaterais (cfr. artigo 428.º do Código Civil), nada se diz a esse respeito quanto à resolução do contrato. Além de haver casos de resolução legal relativos a contratos unilaterais, nada impede, com efeito, que no domínio desses contratos (bilaterais) as partes convencionem a resolução.
Na ausência de disposição especial, por regra, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, e tem eficácia retroativa, salvo se a retroatividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução em si (cfr. artigos 433.º e 434.º, n.º 1, do Código Civil).
Fica, porém, a parte que invoca o direito à resolução obrigada a alegar e a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual. O fundamento de resolução é, conforme admitido nos preceitos 801.º, n.º 2, e 802.º, n.º 1, do Código Civil, a impossibilidade de cumprimento da prestação, geradora de incumprimento definitivo.
A perda do interesse do credor é apreciada objetivamente, o que significa que o valor da prestação deve ser aferido pelo Tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor, tendo em conta, a justificá-lo, "um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas” e a sua correspondência à "realidade das coisas”, nos termos do disposto no artigo 808.º, n.º 2, do Código Civil (cfr. Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, p.20, nota 3; Galvão Telles, Obrigações, 4.ª edição, p.235; e Ac. STJ de 21.05.1998, B.M.J. 477.º, p.468).
Quando tal não ocorra, deve entender-se que o contrato continua a ter interesse para as partes - o interesse do credor mantém-se -, apesar da mora, e esta só pode converter-se em incumprimento definitivo se a prestação não vier a ser realizada em "prazo que razoavelmente for fixado pelo credor”, sob a cominação estabelecida no preceito legal - interpelação admonitória (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 10.a edição, págs. 351 e segs.). Ademais, deve referir-se que, como dos aludidos artigos 801.º, n.º 2, e 802.º, n.º 1, deflui, apenas o contraente fiel - aquele que cumpriu ou se oferece para cumprir - goza de legitimidade para resolver o contrato, ficando vedado ao contraente faltoso invocar o seu próprio incumprimento como fundamento resolutivo.
Avançando, ainda, no quadro jurídico a poder ter em conta na apreciação da concreta situação ajuizada, haverá que ter presente o princípio da boa fé que a lei impõe no cumprimento das obrigações e no exercício dos direitos inerentes e decorrentes dele - boa fé que faz recair sobre as partes alguns deveres acessórios de conduta, de sorte que nem sempre o cumprimento da obrigação se basta com a realização formal da prestação.
É necessário algo mais em prol daquele princípio.
Ora, pode ensaiar-se a definição de declaração de vontade negocial como aquela que traduz um comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência externa de um certo conteúdo da vontade negociai, caracterizando depois essa vontade como a intenção de realizar determinados efeitos práticos, com o objetivo de que os mesmos sejam juridicamente tutelados e vinculantes: o comportamento externo em que se traduz a declaração manifesta, normalmente, uma vontade, formada sem anomalias e coincidente com o sentido exteriormente captado daquele comportamento (cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.a edição, Coimbra Editora, pág. 416; Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II, pág. 122; Heinrich Ewald Horster, A Parte Geral do Código Civil Português /Teoria Geral do Direito Civil, 1992, págs. 417 a 422).
A declaração negocial tem, assim, como função primordial, a de exteriorizar a vontade psicológica do declarante, visando, dessa forma e sob a égide do princípio da autonomia privada, realizar a vontade particular através da produção intencional de um efeito e/ou de uma regulamentação jurídico-privada (cfr., em sentido confluente, Ac. STJ de 17.01.2017, relatado por Ana Paula Boularot e com texto disponível em www.dgsi.pt).
Daqui não decorre que cada um possa regulamentar as suas relações jurídicas como entender, mas significa que, dentro dos limites estatuídos pela ordem jurídica, cada um poderá conformar a sua atuação - veja-se o disposto no n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil - “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir as cláusulas que lhes aprouver" -, preceito que consagra o princípio da liberdade contratual.
Contudo, o negócio jurídico só poderá operar de pleno, enquanto manifestação de duas (ou mais) vontades livres e esclarecidas, se as mesmas tiverem sido obtidas dessa forma, sem quaisquer deformações provindas de influências exógenas. Se a formação da vontade foi abalada por algum vício que a toldou, a expressão da mesma ficou inquinada em definitivo.
No âmbito do quadro normativo acima exposto, o negócio jurídico, como ato de autonomia privada e gerador de direitos que é, supõe e exige da parte dos seus autores a liberdade e o discernimento suficientes para se compreender o que se está a fazer, bem como a liberdade suficiente para se optar entre celebrar, ou não, o negócio. Bem se vê que o negócio jurídico apenas trará uma verdadeira modificação no ordenamento onde se inscreve se nenhuma das vontades se encontrar deformada por influências exteriores.
Ora, com vista a sustentar o suposto incumprimento contratual da sociedade Ré, bem como o consequente acionamento da cláusula penal ressarcitória, a Autora alinhou os motivos essenciais seguintes:
(i) A circunstância de a Ré ter colocado (à revelia da vontade da Autora) duas máquinas de vending com bebidas (quentes e frias) e com snacks, a 20 metros de distância do balcão onde a Autora exercia a sua atividade, prejudicando o negócio desta com a deslocação de parte da clientela;
(ii) Ter decidido (a Ré) não abrir as portas ao público do Pavilhão (…), no dia 1 de junho de 2020, com intenção de fazer obras no local e com novo impacto negativo no negócio da Autora, pois, com o ginásio fechado, não há clientela possível;
(iii) Eventualmente, a “denúncia” operada para data anterior a 31 de agosto de 2021, ao arrepio do estipulado na cláusula quarta (n.º 3) do referido contrato de cessão, com clara inobservância do aí acordado pelas partes contratantes.
Como já se analisou, este último argumento desmerece provimento, visto que uma “denúncia” indevidamente operada para data anterior tem como consequência natural, simplesmente, a manutenção do contrato em vigor até à data prevista, sem mais efeitos. O desenlace não deverá consistir num desencadeamento da cláusula penal convencionada.
Em relação à circunstância de a Ré ter colocado (à revelia da vontade da Autora) duas máquinas de vending com bebidas (quentes e frias) e com snacks, a 20 metros de distância do balcão onde a Autora exercia a sua atividade, prejudicando o negócio desta com a deslocação de parte da clientela, provou-se nos presentes autos, por iniciativa da defesa e como agora se reitera, que a colocação das máquinas de vending não foi impedida pelas partes no contrato estipulado entre si, correspondendo, antes, a procedimento geral e comum em ginásios, piscinas e polidesportivos.
Ademais, o ginásio tinha horário de funcionamento de segunda-feira a sexta-feira, das 07h00 às 22h00, aos sábados, das 09h00 às 20h00, e aos domingos, das 09h00 às 13h00. Por sua vez, o estabelecimento em causa tinha um horário de funcionamento de segunda-feira a sexta-feira, das 08h00 às 15h00 e das 17h00 às 20h00, aos sábados, das 09h00 às 13h00, com encerramento ao domingo. Contratualmente, a exploração do SNACK-BAR deveria ocorrer, diariamente, das 08h00 às 21h00 (cfr. cláusula segunda, n.º 1, parte final).
A colocação das máquinas de vending visou salvaguardar, em especial, o período em que o ginásio estava em funcionamento sem que o SNACK-BAR o estivesse respondendo a solicitações e necessidades dos seus utilizadores. Aliás, a Autora foi informada dos motivos da instalação das máquinas, conforme consta da carta de 10 de maio de 2019, que a Ré lhe dirigiu e que foi recebida pela Autora no dia 13 seguinte, e na qual se alerta, igualmente, para o “incumprimento” do horário de funcionamento e para a “recusa indevida” de venda de produtos a clientes do SNACK-BAR. Na mesma pode ler-se:
“Tendo em conta os comportamentos tomados por V.Exa., com a recusa de prestação dos serviços de «Snack-Bar» a uma colaboradora nossa, entre outras atitudes que põem em causa o normal funcionamento da operação da Academia, alegando a colocação de máquinas de vending no interior do espaço da Academia, relembramos o seguinte:
• O Contrato Promessa de Exploração de Estabelecimento Comercial de Exploração Limitada, celebrado com V.Exa., prevê na Cláusula Segunda, Ponto 1, o horário de funcionamento diário das 8h às 21h.
Este horário tem por finalidade garantir a prestação dos serviços aos nossos sócios, durante o horário de funcionamento da Academia.
Perante o facto de o «Snack Bar» não cumprir o horário de funcionamento contratualizado, pondo em causa o serviço aos nossos sócios, vimo-nos forçados a garantir o mesmo, colocando as referidas máquinas de Vending. (...)” (cfr. documento de fls. 29 e 29v).
Face ao referido quadro factual, não se divisa qualquer tipo de inadimplemento por parte da Ré, nos termos que foram delineados pela demandante, antes de deslindando o surgimento de razões que levaram à colocação das duas máquinas em presença, com justificação para a conduta da Ré (pelo menos, na ótica desta ou na sua mundividência estrita dos factos em presença). Seja como for, enfatizamos que a colocação de ambas as máquinas de vending jamais foi impedida no contrato em si, correspondendo, isso sim, a um procedimento geral e comum em ginásios, piscinas e polidesportivos.
Por fim, acerca da pretensa decisão da Ré em não abrir as portas ao público do Pavilhão (…), no dia 1 de junho de 2020, com a intenção de fazer obras no local e com novo impacto negativo no negócio da Autora, pois, com o ginásio fechado, não haveria clientela possível; também tal não consubstancia fundamento bastante para a aludida resolução contratual e subsequente acionamento da cláusula penal prevista.
Com efeito, como se provou, no último ano (por referência à data da entrada em juízo da contestação, em 31 de maio de 2021), os ginásios estiveram encerrados, por imposição legal, durante cerca de cinco meses. Mesmo as reaberturas dos ginásios tiveram condicionantes, tais como: lotação dos espaços; medidas de higiene e segurança; horários mais reduzidos; proibição de aulas de grupo; entre outras.
Por outro lado, resultou indemonstrado na lide (e com clareza) que, no dia 1 de junho de 2020, o Pavilhão (…) não abriu portas ao público, por decisão da Ré, tendo esta só disponibilizado uma pequena janela nas traseiras do estabelecimento para a venda dos produtos comercializados pela Autora; que atitude apresentada pela Ré junto da Autora, desde o ano de 2019, prendia-se com o objetivo de cessar todos os efeitos do contrato outorgado com a Autora; e que, não obstante o esforço de esta encontrar uma solução de consenso, a Ré não se interessou nem colaborou com a Autora (não provado).
De igual sorte, não se provou que, em relação às obras no Pavilhão (…), as mesmas só não foram concluídas por ausência de licença camarária.
Ademais, está realmente patenteado que, no dia 1 de junho de 2020, o ginásio e a piscina do Pavilhão (…) não abriram portas ao público, por decisão da Ré, que invocou a sua intenção de fazer obras no local; facto que teve um novo impacto negativo no negócio da Autora, uma vez que a respetiva clientela (dos ginásio e piscina) não se deslocava ao local. Apesar do alegado propósito da Ré em fazer obras, não se verificou qualquer andamento das mesmas até à presente data.
Contudo, tal não configura um qualquer incumprimento contratual da Ré, posto que a exploração do estabelecimento se destinava, de forma mais ampla, ao apoio às atividades do pavilhão (na sua totalidade) e dos ginásios da academia e piscina. A circunstância de a Ré não ter encetado a realização de obras no local não pode redundar na conclusão - algo simplista - de que incorreu em responsabilidade civil contratual em relação à Autora, cuja atividade comercial se não cingia ao amparo das atividades promovidas pela Ré dentro do aludido pavilhão gimnodesportivo (pavilhão munido de outras valências, para além das promovidas pela sociedade aqui demandada).
A verdade é que a Ré não se obrigou contratualmente a ter de empreender obras em virtude da atividade do estabelecimento cedido à Autora, ou a pensar nessa atividade, não podendo estabelecer-se uma relação entre a omissão dessas reparações, fosse qual fosse o motivo, e o cumprimento (ou não) do contrato de cessão subjacente ao petitório.
Por todo o acima exposto, concluindo-se - além do mais - que não existiu qualquer responsabilidade contratual da lavra da Ré, nos termos já descritos, tal circunstancialismo determina a improcedência da presente ação e a consequente absolvição dos pedidos da empresa demandada.
E, evidentemente, prejudica a apreciação da eventual relevância da nulidade da cláusula penal, ou a da sua redução equitativa (cfr. artigo 812.º do Código Civil), somente equacionadas para a hipótese de responsabilização civil da Ré; isto é, o seu conhecimento de mérito apenas faria sentido se alguma responsabilização impendesse sobre esta parte, ou se a resolução do contrato em apreço viesse a ser decretada, com justa causa, por factos atribuíveis à Ré - o que não se verifica em concreto (cfr. artigo 608.º, n.º 2, segunda parte, do Código de Processo Civil).”.
Em consonância com esta exposição, constante da fundamentação jurídica da decisão recorrida, o Tribunal recorrido veio, no dispositivo decisório da sentença recorrida a concluir, nos seguintes termos:
“IV. Decisão
Atento o circunstancialismo factual assente e a fundamentação jurídica invocada, o Tribunal julga improcedente a ação, por não provada na sua essencialidade; procedente a exceção de existência de contrato definitivo de cessão de exploração (de estabelecimento comercial); e improcedente a exceção de cessação do contrato por "denúncia" tempestiva; e, em consequência, absolve a Ré dos pedidos deduzidos pela Autora (…)”.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2021 (Pº 4258/18.0T8SNT.L1.S1, rel. RICARDO COSTA), não se preenche o vício da nulidade por ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, nos termos da segunda parte da al. c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, se a construção “é lógica e perceptível e o sentido final é coerente com todo o argumentário usado e tendente ao resultado decretado”.
Ora, lidas as considerações constantes da fundamentação de direito da sentença, enquadradas com a matéria de facto apurada, não se vislumbra existir na sentença recorrida alguma ambiguidade ou obscuridade que a inquinem, sendo percetível e lógico o sentido decisório, perfeitamente congruente com as considerações de fundamentação expendidas na decisão recorrida.
De facto, como resulta do acima exposto, para além da pretensão indemnizatória que formulou, a autora pediu que fosse “decretada a resolução do Contrato Promessa de Exploração de Estabelecimento Comercial de Duração Limitada com justa causa por factos imputáveis exclusivamente à Ré” e os fundamentos em que tal imputabilidade – ou ilicitude – no comportamento da ré, como fundamentadores de incumprimento contratual por banda desta, nos termos invocados pela autora, não lograram obter procedência, o que, de forma congruente, unívoca e com clareza, resulta das considerações em que assenta a decisão.
A discordância da apelante relativamente a essa fundamentação e à decisão alcançada, não conduz à existência da nulidade da sentença.
Assim, conclui-se não se vislumbrar qualquer obscuridade ou ambiguidade na sentença recorrida.
A nulidade arguida improcede.

*
II) Impugnação da decisão de facto:

*
B) Se o recurso atinente à impugnação da matéria de facto deve ser rejeitado, por inobservância do disposto no artigo 640.º do CPC?
Conclui, ainda, a apelante, na apelação deduzida, que:
“(…) 7. A Ré agiu, consoante plano por si articulado, com o intuito de causar à Autora um prejuízo patrimonial que a levasse a resolver o contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial em causa - o que ficou provado em sede de julgamento.
8. A testemunha C (…) esclareceu o tribunal que “A “dona D” (…, diretora do centro, testemunha prescindida pela Ré) chamou-os à direção/gabinete e informou que passavam a existir as máquinas de vending, não querendo que se deslocassem ao bar da Autora. A Ré até “deu senhas” para que alguns dos funcionários do ginásio fossem às máquinas, e não ao bar da Autora” (vide página 11 da sentença).
9. O tribunal a quo desvalorizou o depoimento desta testemunha, em detrimento das testemunhas arroladas pela Ré.
10. Da prova testemunhal resulta, claramente, que a Ré teceu um plano com o intuito de minar financeiramente a Autora, ao ponto de que esta se visse forçada a resolver o contrato.
11. Aliás, conclui-se que “Ademais, está realmente patenteado que, no dia 1 de Junho de 2020, o ginásio e a piscina do Pavilhão (…) não abriram portas ao público, por decisão da Ré, que invocou a sua intenção de fazer obras no local; facto que teve um novo impacto negativo no negócio da Autora, uma vez que a respectiva clientela (dos ginásio e piscina) não se deslocava ao local. Apesar do alegado propósito da Ré em fazer obras, não se verificou qualquer andamento das mesmas até à presente data.” - vide página 38 da sentença.
(…)
16. Resulta da prova coligida que a Ré tudo fez no sentido de levar à quebra dos lucros da Autora, instruindo os seus funcionários a não consumirem bens junto do estabelecimento da Autora (…)”.
Com tal invocação, a recorrente visa colocar em crise a decisão de facto tomada pelo Tribunal recorrido, visando que este Tribunal de recurso a reaprecie.
Sucede que, para que a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal de recurso ocorra, deve, previamente, o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir os ónus de impugnação a seu cargo, plasmados no artigo 640.º do CPC, o qual dispõe que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efetivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois, só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO).
Os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o Acórdão do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no artigo 639.º, n.º 3 do CPC (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, relator MANUEL BARGADO).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do artigo 640.º do CPC (de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exata das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO).
O ónus atinente à indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exatidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob ---pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art.º 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, relator GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, relator MÁRIO BELO MORGADO).
Como resulta do n.º 1 do já citado artigo 640.º do CPC, no caso de impugnação sobre a decisão de facto, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, bem como, os concretos meios de prova que impunham diversa decisão, indicando a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre tais questões de facto.
Contudo, na linha do que se vem referindo, firmou-se uniforme jurisprudência no sentido de que “nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa” (assim, o Acórdão do STJ n.º 12/2023, D.R, 1.ª Série, n.º 220, p. 44 e ss.).
De acordo com o previsto no n.º 2 do mesmo artigo, quando os meios de prova invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, cabe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso na parte respetiva, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso (sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes).
Quanto ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, Processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Do mesmo modo, se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-04-2018 (processo 1716/15.2T8BGC.G1, relatora MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO) escrevendo-se o seguinte:
“1. O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
2. Ao impor tal artigo um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, com fundamento na reapreciação da prova gravada, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância.
3. Ao cumprimento do ónus da indicação dos concretos meios probatórios não bastará somente identificar os intervenientes, efectuar uma apreciação do que possam ter dito ou impugnar de forma meramente genérica os factos em causa, devendo antes precisar-se, em primeiro lugar, detalhadamente cada um dos pontos da matéria de facto constante da decisão proferida colocados em crise, indicando-se depois, relativamente a cada um deles, as passagens concretas e determinadas dos depoimentos em que se funda a impugnação que impõem decisão diversa (e não que meramente a possibilitariam) e procurando-se localizar, ao menos de forma aproximada, o início e termo de tais passagens por referência aos suportes técnicos, conforme o preceituado no referido n.º4.
4. Se o recorrente não cumpre tais deveres, não é exigível ao Tribunal que aprecia o recurso que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique concretos erros de julgamento da peça recorrida que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”.
Refira-se, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-06-2018 (Processo 123/11.0TBCBT.G1, rel. JORGE TEIXEIRA) concluindo que: “Tendo o recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal “a quo”. Nestas situações, não podendo o Tribunal da Relação retirar as consequências que a impugnação da matéria de facto, deve entender-se que essa omissão impõe a rejeição da impugnação do pertinente recurso, por não cumprimento dos ónus estabelecidos no art.º 640º do CPC e consequente inviabilização do cumprimento do princípio do contraditório por parte do recorrido, quando a esses pontos da matéria de facto não concretizados”.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-09-2012 (processo 245/09.8 GBACB.C1, relator BRÍZIDA MARTINS): “O recorrente que queira impugnar a matéria de facto tem que (…) indicar, dos pontos de facto, os que considera incorretamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência”.
Assim, pode concluir-se que, “como decorre do art.º 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2018, Pº 2611/12.2TBSTS.L1.S1, rel. SOUSA LAMEIRA).
De todo o modo, de harmonia com o princípio da prevalência da substância pela forma a que se refere o artigo 6.º do vigente CPC (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2018, p. 32, nota 5), tem-se admitido que, se da conjugação da motivação e das conclusões é viável a percepção de quais os pontos da matéria de facto impugnados, não deverá ter lugar a rejeição da impugnação: “Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal. Tendo a recorrente identificado, no corpo das alegações e nas conclusões, os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, identificando e transcrevendo parcialmente os depoimentos das testemunhas, em conjugação com a prova documental, que, no seu entender, impõem decisão diversa e retirando-se da leitura das alegações e conclusões, qual a decisão que deve ser proferida a esse propósito, mostra-se cumprido, à luz da orientação atrás referida, o ónus de impugnação previsto no artigo 640º do CPC” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2020, Pº 274/17.8T8AVR.P1.S1, rel. ILÍDIO SACARRÃO MARTINS, na linha do Acórdão do mesmo Tribunal de 12-07-2018, Pº 167/11.2TTTVD.L1.S1, rel. FERREIRA PINTO).
Sobre a indicação concreta de meios de prova que se pretendem utilizar, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-09-2018 (Processo 15787/15.8T8PRT.P1.S2, rel. GONÇALVES ROCHA) decidiu que: “A alínea b), do nº 1, do art.º 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”.
E, conforme se concluiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015 (Processo 405/09.1TMCBR.C1.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA), não observa o ónus legalmente exigido, “o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado”.
Quanto ao ónus previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a jurisprudência tem entendido uniformemente, o seguinte:
- “Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1 do artigo 640º, do CPC” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-01-2019, Pº 126528/16.6YIPRT.P1, rel. CARLOS PORTELA); e
- “Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1, do artigo 640º, do CPC” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-06-2018, Pº 1474/16.3T8CLD.C1.S1, rel. FERREIRA PINTO).
Finalmente – refira-se – que, conforme se deu nota no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-06-2018 (Pº 552/13.5TTVIS.C1.S1, rel. PINTO HESPANHOL): “A rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto prevista no n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil não está dependente da observância prévia do princípio do contraditório. Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorretamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre tais pontos de facto”.
No caso, a recorrida, em contra-alegações, veio invocar que o recurso deve ser rejeitado, porque “as alegações da Recorrente violam o art.º 640.º do CPC” (cfr. conclusão A.), mais tendo concluído o seguinte:
“(…) B. Tomando por base as conclusões (como é devido ao abrigo do art.º 637.º n.º 2 do CPC) a Recorrente impugna, alegadamente, entre os pontos 1 a 22 das conclusões, a matéria de facto, contudo, para justificar tal impugnação a Recorrente limita-se a transcrever pontos genéricos da sentença (na motivação da matéria de facto), sem clarificar que ponto específico da matéria de facto pretende impugnar,
C. E, mais do que isso, tratando-se, como faz a Recorrente, de prova produzida em audiência de julgamento, sem sequer indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, conforme lhe seria manifestamente exigível nos termos da lei, muito em particular o n.º 2 do art.º 640.º do CPC.
D. Para além de que, notou-se, tal facto, compromete a própria defesa que a Recorrida possa agora fazer, na medida em que desconhece (a Recorrida) que concreta prova (provado e/ou não provada) está a Recorrente a querer impugnar.
E. Pois que, sublinhou-se, a Recorrente limitou-se a transcrever a sentença na parte relativa à sua motivação, o que, é manifesto (!), não se coaduna com o que seria exigível nos termos da lei.
F. Desconhece-se, assim, que concreta prova testemunhal a Recorrente entende não ter sido devidamente avaliada e ponderada, que concretos pontos de facto considera incorretamente julgados,
G. Ou que concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada impunham decisão diversa,
H. Ou, ainda, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto alegadamente impugnadas.
I. Termos em que, devem ser rejeitadas as alegações de recurso da Recorrente na parte da - pretensa - impugnação de facto, por violarem de forma clara todo o disposto no artigo 640.º do CPC, nos termos sobreditos (…)”.
Ora, no caso, a impugnante – na motivação das alegações do recurso que apresentou – enunciou determinada factualidade que entendeu que foi erradamente apreciada pelo Tribunal recorrido.
Contudo, a impugnação em questão, embora significando uma declaração de vontade da apelante no sentido da impugnação da matéria de facto aquilatada pelo Tribunal recorrido, por não observar os ónus de impugnação consignados nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, não passa de “mera manifestação de inconsequente inconformismo”, sobre o resultado probatório alcançado pelo Tribunal.
Conforme refere Abrantes Geraldes, (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pp. 199-200) impõe-se a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto”, designadamente quando se verifique “(…) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; (…) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação (…)”, concluindo que, a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
De facto, não resultando, nem das conclusões, nem da motivação da apelação, quais os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo, que imporiam decisão diversa da recorrida, nem, igualmente, a decisão alternativa que, em concreto e factualmente, devesse ser proferida, deve ser rejeitado o recurso referente à impugnação da matéria de facto, por inobservância dos ónus de impugnação contidos nas alínea a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
O supra exposto conduz, inelutavelmente, a que deva ser rejeitado o recurso, nos segmentos em que visou colocar em crise a matéria de facto aquilatada pelo Tribunal recorrido, circunscrevendo-se o objeto do recurso à apreciação da impugnação da matéria de direito deduzida na decisão recorrida.

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III) Impugnação da decisão de direito:

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C) Se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por decisão que condene a ré nos pedidos?
Segundo a recorrente, o Tribunal recorrido deveria ter condenado a ré nos pedidos formulados – decretando a resolução contratual, por factos imputáveis exclusivamente à ré e condenando-a a pagar a quantia de €50.050,00, a título de indemnização pelo incumprimento contratual -  não tendo o Tribunal de 1.ª instância verificado que “o incumprimento contratual não se limita à letra do contrato, tem de ser enquadrado nos princípios fundadores da boa fé”, resultando – de acordo com a recorrente - “da prova coligida que a Ré tudo fez no sentido de levar à quebra dos lucros da Autora, instruindo os seus funcionários a não consumirem bens junto do estabelecimento da Autora”, agindo “em abuso de direito”.
Vejamos:
A decisão recorrida qualificou a relação jurídica entre as partes como “um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, de duração limitada, também designado de “Locação de Estabelecimento Comercial, de Duração Limitada”, através do qual o então titular do estabelecimento (“Grupo Dramático (…)”) cedeu a outrem (Autora), a título oneroso e na data de 1 de setembro de 2014, a fruição temporária dele (estabelecimento comercial), juntamente com a cedência da fruição do imóvel onde o mesmo se inseria. Corporiza um acordo escrito inominado, celebrado de harmonia com o princípio da liberdade negocial, a regular pelas estipulações nele vertidas pelas partes outorgantes e, subsidiariamente, pelas disposições dos contratos típicos de maior afinidade e, depois, pelas regras gerais das obrigações e dos contratos”.
A qualificação da contratação entabulada entre a cedente da ré – cuja posição contratual foi transmitida para a ora ré - e a autora – como contrato de locação de estabelecimento (ou cessão de exploração) - “contrato através do qual se transmite, temporariamente, a exploração - o gozo e fruição - de um estabelecimento comercial, mediante determinada contraprestação” (cfr., Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-10-2013, Pº 202/11.4TBESP.P1, rel. M. PINTO DOS SANTOS), ou seja, em que há “a cedência temporária, como unidade jurídico-económica, do estabelecimento, distinguindo-se das figuras do trespasse, do arrendamento para comércio ou indústria e da gestão do estabelecimento” (cfr., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-06-2008, Pº 4140/05.1TBLRA.C1, rel. JORGE ARCANJO) -, não merece contestação, afigurando-se enquadrada juridicamente, de forma correta, a respetiva factualidade apurada.
Depois, o Tribunal recorrido apreciou a questão de saber se à autora assiste o direito a resolver o contrato firmado, com justa causa, por incumprimento contratual da ré.
A resolução do contrato é um meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral e encontra-se condicionada por um motivo previsto na lei ou dependente e convenção das partes (cfr. artigo 432.º, n.º 1, do CC).
Assim, o poder de dissolução do contrato tanto pode resultar da lei (resolução legal) ou de um acordo das partes (resolução convencional).
“Em qualquer dos casos, estamos perante um verdadeiro direito potestativo extintivo que só é reconhecido quando, depois da celebração do contrato, se verifica algum dos factos legal ou convencionalmente consagrados como fundamento de resolução” (assim, Daniela Farto Batista em anotação ao artigo 432.º do CC, no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral; Universidade Católica Editora, 2018, p. 134).
Assim, uma vez constituído, o direito de resolução poderá, ou não, ser exercido pelo seu titular, mas, todavia, tal direito não pode ser antecipadamente renunciado, vigorando aqui o princípio da irrenunciabilidade antecipada aos direitos do credor, especialmente consagrado no artigo 809.º do CC.
O fundamento resolutivo mais comum é o incumprimento da outra parte.
São exemplos de situações de inadimplência em que o direito de resolução é conferido por lei a uma das partes, os casos de: impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor, se o credor não tiver, justificadamente interesse no cumprimento parcial da obrigação (cfr. artigo 793.º, n.º 2, do CC); impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor (cfr. artigo 801.º, n.º 2, do CC); impossibilidade parcial definitiva imputável ao devedor, se o não cumprimento parcial, atendendo ao interesse do credor, não for de escassa importância (cfr. artigo 802.º do CC) e a situação de mora, sempre que se venha a converter em incumprimento definitivo (cfr. artigo 808.º, n.º 1, do CC).
Deve estar, assim, presente na apreciação da situação resolutiva um “juízo de inadimplemento”, o qual permite aferir se existe, ou não, um incumprimento. Tal juízo deve ser orientado pelo critério da conformidade ou desconformidade entre a execução e o conteúdo do contrato. “Apurando-se a existência de um desvio entre os dois, estaremos perante um incumprimento. Esse incumprimento só poderá ser fundamento de resolução se (…) tiver suficiente importância e gravidade para desencadear tal efeito e é o interesse do credor que deve servir como ponto de referência para essa apreciação e valoração (cfr. os artigos 792.º, n.º 2, 793.º, n.º 2, e 808.º, n.º 1)” (assim, Daniela Farto Batista em anotação ao artigo 432.º do CC, no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral; Universidade Católica Editora, 2018, p. 136).
A gravidade do incumprimento que é fundamento de resolução “deverá ser aferida atendendo à extensão (total ou parcial) da violação, à possível culpa do inadimplente, à natureza do dever violado (principal, acessório, etc.) e à forma como se manifesta” (assim, Daniela Farto Batista em anotação ao artigo 432.º do CC, no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral; Universidade Católica Editora, 2018, p. 136) ou seja, exige-se que haja uma adequação entre a gravidade do incumprimento e a pretensão de extinção do vinculo, devendo ser ponderada tal adequação em função das regras da boa fé (cfr. artigo 762.º, n.º 2, do CC).
E, por seu turno, o “interesse do credor” que é relevante para este efeito, deve ser determinado objetivamente e corresponder a um interesse digno de tutela.
Quanto à resolução convencional, importa referir que, por acordo das partes podem ajustar-se as cláusulas de cessação do vínculo contratual, o que constituirá, desse modo, o fundamento para a resolução.
“A resolução contratual assenta na liberdade contratual, podendo apresentar-se com distintos conteúdos, sendo também os respectivos pressupostos livremente conformáveis pela vontade das partes. Em suma, as cláusulas de resolução baseiam-se no princípio da autonomia privada, tanto quanto à inclusão da cláusula como à determinação do respectivo conteúdo, razão pela qual as partes poderão estabelecer diferentes acordos de resolução, com pressupostos e efeitos diversos” (assim, Pedro Romano Martinez; Da Cessação do Contrato; Almedina, 2005, pp. 79-80).
Tendo em conta a autonomia privada, as causas de resolução convencional poderão ser várias em função dos interesses em presença, sendo que, com frequência, a cláusula resolutiva permite que uma das partes resolva o contrato sem demonstração da gravidade do incumprimento e independentemente da atuação culposa do inadimplente.
No caso, consta do n.º 2 da cláusula décima do contrato dos autos (epigrafada de "Incumprimento") que:
“Em caso de incumprimento do presente contrato por parte do PRIMEIRO CONTRATANTE [em cuja posição figura, atualmente, a ora ré], fica este obrigado a devolver ao SEGUNDO CONTRATANTE [a ora autora] todas as quantias que dele tenha recebido acrescidas dos juros de mora legais contados desde a data da realização dos respectivos pagamentos”.
Ora, conforme resulta desta estipulação, a mesma limita-se a consignar as consequências advenientes do incumprimento do contrato que seja imputável à ré, mas não regula, em si mesma, em que circunstâncias se poderá considerar que ocorreu incumprimento contratual imputável à ré.
Vejamos:
A justificação comum para o exercício do direito de resolução encontra-se no incumprimento culposo de prestações contratuais; o incumprimento é um ato ilícito, baseado num comportamento culposo (artigos. 483.º, n.º 2 e 798.º do CC), que determina a responsabilidade pelo prejuízo causado.
No caso de resolução fundada em incumprimento devem ter-se em conta requisitos específicos. Assim, em regra, “só o incumprimento definitivo e o cumprimento defeituoso atribuem à contraparte o direito de resolver o contrato, não ocorrendo o mesmo com a mora, em que se torna necessário recorrer à previsão do art.º 808.º do CC para se preencher o pressuposto do artigo 801.º do CC; isto é, só depois de a mora se transformar em incumprimento definitivo poderá o contrato ser resolvido” (cfr., Pedro Romano Martinez; Da Cessação do Contrato; Almedina, 2005, p. 128)
O incumprimento definitivo, na previsão do artigo 808.º do CC, verifica-se quando o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considerando-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação. No dizer de Menezes Leitão (Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, p. 251), “[v]erifica-se o incumprimento definitivo da obrigação quando o devedor não a realiza no tempo devido por facto que lhe é imputável, mas já não lhe é permitida a sua realização posterior, em virtude de o credor ter perdido o interesse na prestação ou ter fixado, após a mora, um prazo suplementar de cumprimento que o devedor desrespeitou (art.º 808)”.
Frequentemente, acrescenta-se uma terceira causa, que traduz uma situação de incumprimento definitivo: A declaração expressa do devedor em não querer cumprir. Tal situação ocorre quando, “o devedor emite declaração "certa, séria e segura" de não querer ou não poder cumprir; ou seja, desde que se exprima em termos não equívocos, categóricos e definitivos, não deixando dúvidas sobre esse seu propósito” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-05-2013, Pº 1434/10.8TBGDM.P1, rel. PINTO DE ALMEIDA).
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2022 (Pº 3025/20.6T8FAR.E1.S1, rel. MANUEL CAPELO), “[a] declaração antecipada de não cumprir - que a doutrina italiana apoda de “riffuto di adimpiere” - é o incumprimento mais evidente ancorado na declaração inequívoca e definitiva que manifeste um absoluto propósito de repudiar o contrato - cfr. ac. STJ de 28-6-2011 no proc. 7580/05. 2TBVNG.P1.S1 in dgsi.pt e Brandão Proença, “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral”, 1987, 91. O incumpridor terá de emitir uma declaração, séria e categórica, em termos de não permitir qualquer dúvida, de ser seu propósito não outorgar o contrato prometido.”.
Pela sua clareza a respeito desta matéria, transcreve-se o referido no já citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-05-2013 (Pº 1434/10.8TBGDM.P1, rel. PINTO DE ALMEIDA):
“O fundamento legal de resolução de um contrato é, nos termos do art.º 801º, a impossibilidade de cumprimento decorrente de incumprimento definitivo.
O incumprimento definitivo de um contrato pode ocorrer em qualquer destas situações:
- Inobservância de prazo fixo essencial para a prestação;
- Comportamento do devedor que exprima inequivocamente a vontade de não querer cumprir o contrato;
- Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação;
- Se o devedor, caído em mora, não realizar a prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor.
Analisemos cada uma destas situações.
Existem casos em que, pela própria natureza da prestação, o cumprimento desta fora do prazo implica o imediato desaparecimento da sua utilidade para o credor. Trata-se, em tais casos, de um termo essencial objectivo: com o vencimento deste termo a prestação torna-se impossível.
Todavia, a essencialidade do termo pode ser-lhe conferida por convenção expressa ou tácita dos contraentes; “é, pois, o acordo que liga ao termo do vencimento a presunção absoluta do desaparecimento do interesse do credor, se não houver rigorosa pontualidade no cumprimento". Trata-se aqui de um termo essencial subjectivo.
Por outro lado, esta essencialidade subjectiva pode ter dois graus: é absoluta (termo subjectivo absoluto), se o termo fixado constitui o prazo-limite, improrrogável, para o adimplemento, findo o qual há incumprimento definitivo da obrigação, fundamento imediato da resolução; é relativa (termo subjectivo relativo), se o desrespeito do termo constitui apenas fundamento do direito de resolução para o credor, o qual pode recusar a prestação, mas pode também optar por exigir o cumprimento retardado[Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, Vol. I, 188 e 189; Calvão da Silva, Ob. Cit., 144 (…)].
(…)
A segunda situação apontada ocorre quando o devedor emite declaração "certa, séria e segura" de não querer ou não poder cumprir; ou seja, desde que se exprima em termos não equívocos, categóricos e definitivos, não deixando dúvidas sobre esse seu propósito de não outorgar o contrato definitivo. Tal declaração configura um incumprimento e, como sublinha Calvão da Silva, é pressuposto suficiente de consequências jurídicas imediatas, como a exigibilidade do cumprimento ou a resolução do contrato, sem passar pelo art.º 808º (Ob. Cit., 142. Cfr. também Brandão Proença, Lições (…), 256 e segs, e os Acórdãos do STJ de 22.01.2008 (P. 07A4060), de 02.12.2008 (08A2653), de 13.01.2009 (08A3649), de 10.01.2012 (25/09) e de 22.11.2012 (98/11)).
As demais situações – perda de interesse na prestação e interpelação admonitória – são expressamente prevista nesse art.º 808º, constituindo meios de conversão da mora em incumprimento definitivo.
Aí se dispõe:
1. Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
2. A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente.
Se o credor perder o interesse na prestação, afirma Romano Martinez[Da Cessação do Contrato, 138], não se justifica que o solvens a pretenda realizar, na medida em que, sendo a satisfação do interesse do accipiens o fim para o qual a obrigação foi constituída, se este fim não se pode obter por culpa do devedor, estar-se-á perante um caso de incumprimento definitivo.
A perda de interesse, que resulta muitas vezes da própria natureza da obrigação assumida, é apreciada objectivamente (art.º 808º nº 2), incumbido a prova ao credor (art.º 342º nº 2).
Precisando esse critério, salienta Baptista Machado que a objectividade "não significa de forma alguma que não se atenda ao interesse subjectivo do credor, e designadamente a fins visados pelo credor que, não tendo sido integrados no conteúdo do contrato, representam simples motivos em princípio irrelevantes. O que essa objectividade quer significar é, antes, que a importância do interesse afectado pelo incumprimento, aferida embora em função do sujeito, há-se ser apreciada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz) e não segundo o juízo valorativo arbitrário do próprio credor"[Ob. Cit., 137].
A perda de interesse não pode resultar de um simples capricho do credor: a superveniente falta de utilidade da prestação terá que resultar objectivamente das condições e das expectativas concretas que estiveram na origem da celebração do negócio, bem como das que, posteriormente, venham a condicionar a sua execução. Impõe-se uma perda subjectiva do interesse com justificação objectiva, isto é, justificada segundo o critério de razoabilidade, próprio do comum das pessoas (…).
Saliente-se que se exige uma efectiva e completa perda do interesse do credor e não uma simples diminuição (citando-se como exemplo frequente o desaparecimento da necessidade que a prestação se destinaria a satisfazer).
Por outro lado, como se prevê expressamente na norma – em consequência da mora – a perda de interesse tem de resultar da mora no cumprimento e não de qualquer outra circunstância (Antunes Varela, RLJ 118º, 55 e 56; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª ed., 1054).
(…), será útil ainda uma referência à outra via de conversão da mora em incumprimento definitivo, prevista no art.º 808º.
Com efeito, fora dos casos em que a mora tem por consequência a perda de interesse na prestação por parte do credor, este tem à disposição o mecanismo seguro da intimação ou interpelação admonitória.
Trata-se, como refere Baptista Machado [Ob. Cit., 164], de um remédio concedido por lei ao credor para os casos em que não tenha sido estipulada uma cláusula resolutiva ou um termo essencial, nem ele possa alegar, de modo objectivamente fundado, perda de interesse na prestação por efeito da mora.
Acrescenta o mesmo Autor que a interpelação admonitória é uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo determinado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo.
Deve ainda referir-se, com Januário Gomes[Em Tema de Contrato-Promessa, 13 e 14], que esta segunda via de conversão da mora do devedor em incumprimento não tem como pressuposto a perda de interesse do credor na prestação: se perda de interesse houvera, o credor, em vez da intimação admonitória destinada a “gerar” o incumprimento podia, desde logo, exercitar os mecanismos do nº 2 do art.º 801º, os quais já têm tal incumprimento por pressuposto”.
No caso, conforme se lê na decisão recorrida e resulta da configuração da relação jurídica encetada pela autora, esta, “com vista a sustentar o suposto incumprimento contratual da sociedade Ré, bem como o consequente acionamento da cláusula penal ressarcitória, (…) alinhou os motivos essenciais seguintes:
(i) A circunstância de a Ré ter colocado (à revelia da vontade da Autora) duas máquinas de vending com bebidas (quentes e frias) e com snacks, a 20 metros de distância do balcão onde a Autora exercia a sua atividade, prejudicando o negócio desta com a deslocação de parte da clientela;
(ii) Ter decidido (a Ré) não abrir as portas ao público do Pavilhão (…), no dia 1 de junho de 2020, com intenção de fazer obras no local e com novo impacto negativo no negócio da Autora, pois, com o ginásio fechado, não há clientela possível;
(iii) Eventualmente, a “denúncia” operada para data anterior a 31 de agosto de 2021, ao arrepio do estipulado na cláusula quarta (n.º 3) do referido contrato de cessão, com clara inobservância do aí acordado pelas partes contratantes”.
O Tribunal recorrido concluiu que nenhuma dessas motivações justificava a conclusão de que a ré incumpriu o contrato, dando azo à respetiva resolução.
E, de facto, perante os factos apurados, não se verifica circunstância que permita concluir que o Tribunal de 1.ª instância tenha procedido a uma incorreta aplicação do direito aos factos.
Assim, relativamente à alínea (i), a decisão recorrida enuncia que, nenhuma das partes impediu, nos termos do contrato celebrado, a colocação das máquinas de vending, correspondendo, tal prática, “antes, a procedimento geral e comum em ginásios, piscinas e polidesportivos”, mais se aludindo a que, enquanto o ginásio tinha horário de funcionamento de segunda-feira a sexta-feira, das 07h00 às 22h00, aos sábados, das 09h00 às 20h00, e aos domingos, das 09h00 às 13h00, o estabelecimento referente ao contrato celebrado, tinha um horário de funcionamento de segunda-feira a sexta-feira, das 08h00 às 15h00 e das 17h00 às 20h00, aos sábados, das 09h00 às 13h00, com encerramento ao domingo. Contratualmente, a exploração do SNACK-BAR deveria ocorrer, diariamente, das 08h00 às 21h00 (cfr. cláusula segunda, n.º 1, parte final), visando a colocação das máquinas de vending “salvaguardar, em especial, o período em que o ginásio estava em funcionamento sem que o SNACK-BAR o estivesse, respondendo a solicitações e necessidades dos seus utilizadores”, o que foi informado à autora, pela carta de 10-05-2019, que a ré lhe dirigiu e que foi recebida pela Autora no dia 13 seguinte, onde se lê, nomeadamente, que:
“Tendo em conta os comportamentos tomados por V.Exa., com a recusa de prestação dos serviços de «Snack-Bar» a uma colaboradora nossa, entre outras atitudes que põem em causa o normal funcionamento da operação da Academia, alegando a colocação de máquinas de vending no interior do espaço da Academia, relembramos o seguinte:
• O Contrato Promessa de Exploração de Estabelecimento Comercial de Exploração Limitada, celebrado com V.Exa, prevê na Cláusula Segunda, Ponto 1, o horário de funcionamento diário das 8h às 21h.
Este horário tem por finalidade garantir a prestação dos serviços aos nossos sócios, durante o horário de funcionamento da Academia.
Perante o facto de o «Snack Bar» não cumprir o horário de funcionamento contratualizado, pondo em causa o serviço aos nossos sócios, vimo-nos forçados a garantir o mesmo, colocando as referidas máquinas de Vending. (...)” (cfr. documentos juntos à contestação).
Não merece algum reparo, em face do exposto, que o Tribunal recorrido tenha concluído que, face a tal quadro factual (cfr., em particular, os factos provados n.ºs. 33, 35 e 35), não tenha aferido existir “inadimplemento por parte da Ré, nos termos que foram delineados pela demandante, antes de deslindando o surgimento de razões que levaram à colocação das duas máquinas em presença, com justificação para a conduta da Ré (pelo menos, na ótica desta ou na sua mundividência estrita dos factos em presença). Seja como for, enfatizamos que a colocação de ambas as máquinas de vending jamais foi impedida no contrato em si, correspondendo, isso sim, a um procedimento geral e comum em ginásios, piscinas e polidesportivos.” (cfr. facto provado n.º 26).
Não se afere, de facto, perante o contexto em que tal sucedeu - tendo a autora sido aliás informada de tal colocação - que a colocação das máquinas de vending - destinada a suprir a venda de produtos alimentares aos frequentadores do ginásio no horário em que o snack-bar estivesse encerrado (não se apurando que, a atitude da ré se prendesse com qualquer objetivo de cessar os efeitos do contrato outorgado com a autora - cfr. facto não provado n.º IV) – demonstre alguma conduta da ré (designadamente, exercida num patamar manifestamente ilegítimo de direito que lhe assistisse – cfr. artigo 334.º do CC) no sentido de incumprir o contrato celebrado com a autora. O referido argumento da recorrente não tem, pois, validade.
Quanto à alínea (ii), resulta dos factos provados n.ºs. 14 e 15, que no dia 01-06-2020, o ginásio e a piscina do Pavilhão (…) não abriram portas ao público, o que sucedeu por decisão da ré, invocando a intenção de fazer obras no local, o que teve impacto negativo no negócio da autora, uma vez que a clientela (do ginásio e da piscina) não se deslocava ao local, sendo que, até à data, não se verificou qualquer andamento das obras.
Sucede que, conforme se lê na decisão recorrida, da circunstância de a ré não ter iniciado as obras, não pode concluir-se, na falta de outra demonstração (que não teve lugar) que tenha a ré  incorrido em responsabilidade civil contratual face à autora, não existindo nexo entre tal não início de obras e o cumprimento do contrato de cessão celebrado com a autora.
Ou seja: Do impacto negativo gerado para a atividade da autora, em razão do fecho ao público ocorrido no dia 01-06-2020 não se segue que a ré tenha incumprido o contrato, tanto mais que, por um lado, não se provou que tenha procurado a ré “cercear” ou “comprimir” a atividade da autora, com tal decisão (cfr. facto não provado III. – ou seja, que, em razão de tal fecho, a ré tenha apenas disponibilizado à autora uma pequena janela nas traseiras do estabelecimento para venda dos produtos comercializados por esta), e, por outro, que, tal sucedeu num contexto de pandemia Covid-19, em que, “no último ano” – por referência à data da entrada em juízo da contestação, em 31 de maio de 2021) - os ginásios estiveram encerrados, por imposição legal, durante cerca de cinco meses, sendo que, as reaberturas de ginásios tiveram condicionantes (entre outras, na lotação dos espaços; medidas de higiene e segurança; horários mais reduzidos; proibição de aulas de grupo).
A intermitência de atividade dos ginásios que assim se registou não pode fundar algum incumprimento contratual assacável à ré (tanto mais que, a exploração do estabelecimento se destinava, de forma mais ampla, ao apoio às atividades do pavilhão (na sua totalidade) e dos ginásios da academia e piscina).
Finalmente, quanto à alínea (iii) referiu-se na decisão recorrida que, tal argumento “desmerece provimento, visto que uma “denúncia” indevidamente operada para data anterior tem como consequência natural, simplesmente, a manutenção do contrato em vigor até à data prevista, sem mais efeitos. O desenlace não deverá consistir num desencadeamento da cláusula penal convencionada”.
Ao contrato de locação de estabelecimento são aplicáveis, primariamente, as estipulações das partes e, subsidiariamente, as regras constantes dos artigos 1108.º a 1113.º do CC (cfr. n.º 1 do artigo 1109.º do CC) – “o contrato de locação de estabelecimento está sujeito ao princípio da liberdade contratual, regendo-se pelas cláusulas estipuladas pelas partes e, subsidiariamente, pelas normas do contrato de arrendamento para fins não habitacionais” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-09-2020, Pº 1159/18.6T8LLE.E1, rel. MÁRIO COELHO).
De acordo com o previsto no artigo 1110.º, n.ºs. 1 e 4 do CC, as regras referentes à denúncia e oposição à renovação são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto nos artigos 1110.º e 1111.º do CC, sendo que, nos cinco primeiros anos após o início do contrato, o senhorio não pode opor-se à renovação.
No caso, a ré comunicou à autora a pretensão de se opor à renovação – cf. carta datada de 29-05-2020 – mencionando pretender cessar a vigência do contrato para a data de 29-11-2020, quando o contrato dos autos – celebrado e com efeitos a 01-09-2014 e com a duração de 7 anos (cfr. cláusulas 4.ª, n.º 1 e 14.ª do contrato) – apenas cessaria em 01-09-2021.
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2022 (Pº 7855/20.0T8LRS.L1-7, rel. MICAELA SOUSA), cujas considerações são inteiramente válidas para a situação dos autos:
“Com efeito, respeitado o período de pré-aviso legal, perante uma declaração com um conteúdo claro e inequívoco, quando à vontade de se opor à renovação, pondo fim ao contrato, perceptível para qualquer declaratário normal, colocado na posição do arrendatário, a eventual controvérsia quanto à data do término do prazo em curso relevaria apenas para a concretização da produção de efeitos da cessação, situação em que se tem entendido que a indicação incorrecta dessa data não é suficiente para afastar tais efeitos, tal como se verificou no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-09-2020, processo n.º 25874/18.5T8LSB.L1-2 (com voto de vencido) e no acórdão da mesma Relação de 8-02-2022, processo n.º 966/21.7YLPRT.L1-7, acima mencionado, onde se refere:
“Como se explica no citado aresto de 10.9.2020: “(…) A declaração de oposição à renovação do contrato constitui uma declaração unilateral recetícia, um negócio jurídico unilateral (art.º 295.º do CC), que tem por finalidade fazer cessar um vínculo contratual. Nesta modalidade de cessação do contrato, que alguma doutrina qualifica de denúncia indireta (Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3.ª edição, 2017, Almedina, pp. 118 e 122), a declaração de vontade corresponde ao exercício de um direito potestativo, que implica a caducidade do contrato. É um meio mediato ou indireto de extinção do contrato, por caducidade (neste sentido, Pedro Romano Martinez, obra e locais citados). Com efeito, por força dessa declaração, o contrato, decorrido o prazo inicial ou o da sua renovação, extingue-se, não operando a sua renovação automática. Assim sendo, o essencial, para a eficácia da declaração emitida pelo senhorio, é que seja dada a conhecer ao inquilino a vontade de não renovação do contrato, e que essa declaração seja emitida com a antecedência legalmente exigida face à data em que a extinção ocorrerá. (…)”.
Face a uma declaração destas ficaria bem patente, perante qualquer declaratário normal, colocado na posição da arrendatária, o propósito de se pôr fim ao contrato, mediante a sua não renovação no termo do prazo então em curso (art.º 236.º n.º 1 do CC).
Assente este propósito e o respetivo efeito, eventual controvérsia quanto à data em que terminava o prazo em curso apenas relevaria (cumprido que fosse o prazo legal de pré-aviso) para a concretização do momento da produção de efeitos da cessação, com a consequente fixação das prestações devidas.
Cremos, pois, que tendo a senhoria manifestado a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, e terminando o prazo então em curso no dia 30 de setembro de 2019, nessa data o contrato cessaria, independentemente de a senhoria ter indicado como data da cessação o dia 30 de setembro de 2018. (…).”
Acrescentamos nós que, em bom rigor, a declaração de oposição à renovação do contrato pelo senhorio não pode deixar de ser entendida pelo inquilino como o propósito daquele pôr fim ao contrato no termo do prazo corrido em conformidade com a devida antecedência da comunicação (art.º 236, nº 1, do C.C.), independentemente da data expressamente indicada. Ou seja, cremos que não será exatamente o período da renovação em curso a referência, mas antes aquele definido pela antecedência da comunicação. Pegando nas palavras utilizadas no Acórdão citado “o essencial, para a eficácia da declaração emitida pelo senhorio, é que seja dada a conhecer ao inquilino a vontade de não renovação do contrato, e que essa declaração seja emitida com a antecedência legalmente exigida face à data em que a extinção ocorrerá.” (…).
Assim, a comunicação efetuada pelo locador de estabelecimento cuja exploração foi cedida ao locatário, com a observância do prazo de pré-aviso ou de antecedência contratualmente previsto, visando opor-se à renovação automática do contrato, impedindo tal renovação, mas para data anterior àquela em que o contrato automaticamente se renovaria, tem como singela consequência, a manutenção do vínculo contratual até à data em que a oposição à renovação deva produzir efeitos.
A comunicação de oposição à renovação automática do contrato efetuada nestes termos, não determina, em si mesma, uma situação de incumprimento contratual, que possibilite ao locatário a resolução do contrato com tal fundamento e por facto imputável ao locador.
Em consequência, as pretensões resolutiva e indemnizatória da autora não procedem, pelo que, se mostra correta e de manter a decisão recorrida que absolveu a ré dos pedidos formulados pela autora, sendo que, não tendo sido deduzida reconvenção, apenas nesse âmbito (no da apreciação dos pedidos formulados pela autora), se compreende o dispositivo decisório constante da sentença recorrida.

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De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
“Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária incidirá, in totum, sobre a apelante, que decaiu integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.

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5. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção Cível, em:
- Indeferir a nulidade arguida;
- Rejeitar a impugnação da matéria de facto, por inobservância pela apelante, do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC); e
- Julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique e registe.

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Lisboa, 8 de fevereiro de 2024.
Carlos Castelo Branco – Relator
António Moreira - 1.º Adjunto
Rute Sobral - 2.º Adjunto