Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1/21.5ICLSB-A.L1-9
Relator: FERNANDA SINTRA AMARAL
Descritores: LEI DO CIBERCRIME
DADOS INFORMÁTICOS
BUSCAS
CÓPIA CEGA
CRIME CONTINUADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
I. O legislador da Lei do Cibercrime, com a menção feita no seu art. 15.°, n.°1, à obtenção de dados informáticos específicos e determinados, não pretendeu certamente abarcar uma exigência legal de pré-identificação exacta e rigorosa dos dados informáticos a pesquisar, no decurso de buscas, mas tão-só pretendeu que houvesse uma interligação entre os dados informáticos pesquisados e a sua relevância probatória para a descoberta da verdade material.
II. O procedimento que tem vindo a ser genericamente denominado de “cópia cega”, não é, só por si e de forma imediata, reprovável ou inadmissível, podendo encontrar-se justificada a necessidade de se proceder à pesquisa dos dados informáticos (art. 15º da LCC), em local externo, relativamente ao local buscado, por recurso, excepcional, à “cópia cega” de tais ficheiros.
III. É que, a “cópia cega” a que apenas se lançou mão na sequência da grande extensão dos ficheiros a pesquisar, não constitui uma apreensão, em sentido estrito, mas, antes, uma diligência prévia necessária, uma actuação meramente “facilitadora”, com vista a permitir um extenso trabalho posterior: a efectivação da pesquisa devida e autorizada pelo JIC - a qual, pela circunstância excepcional referida, deverá ter lugar num local externo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
I.1 No âmbito dos autos de inquérito n.º 1/21.5ICLSB do Ministério Público da Comarca de Lisboa – Departamento Central de Investigação e Acção Penal Secção Única e a correrem termos (actos jurisdicionais) no Tribunal Central Instrução Criminal de Lisboa - TCIC - Juiz 6, a 23 de Agosto de 2023 foi proferido o seguinte despacho pelo Mmº JIC [transcrição na parte que releva para o presente recurso]:
“(…)
Fls. 1006 a 1014 (requerimento da AA) e fls. 1749 a 1760 (resposta do M.P.):
Acompanhando e seguindo de perto as várias questões jurídicas suscitadas pelo requerente, a fim de proferir decisão:
1) Da ausência de delimitação do objeto das diligências de busca e apreensão:
Dispõe o art. 174º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P.:
“1. Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer (…), coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova é ordenada revista.
2. Quando houver indícios de que os (…), as coisas ou os objetos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca”.
Para que seja determinada uma busca a lei adjetiva exige, assim, somente que uma pessoa ou entidade possa ter na sua posse coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, obviamente, no contexto dos factos objeto da investigação.
A promoção do M.P. (fls. 893 a 907) e o despacho judicial que autorizou as buscas (fls. 909 a 911 v.), factualmente, desenvolvem e delimitam muito mais do que o exigível legalmente, a necessidade e pertinência da realização daquele meio de obtenção de prova.
Por isso, ao contrário do sustentado, não foi emitido nenhum “cheque em branco”.
E, diferentemente do veiculado pelo requerente, na promoção, despacho e mandados, não tinha que ser concretizado o termo inicial nem o final dos factos sob investigação (sendo certo que o termo inicial consta da promoção do M.P. – v. fls. 893 (“desde o ano de 2015”)), nem os concretos contratos de representação que estarão em causa.
A indiciação, como bem refere o requerente, é a constante do ponto 3º, als. (i), (ii) e (iii).
A sua densificação (ou não) será revelada pelos concretos elementos apreendidos no decurso das buscas.
Por isso e para esse efeito é que elas foram determinadas, ou seja, com o objetivo de recolher material probatório do período da indiciação criminal e específicos contratos de representação que poderão eventualmente consubstanciar essa indiciação.
“Mutatis mutandis” o que se deixa exposto é inteiramente válido para alegada, mas não demonstrada irregularidade, a que o requerente alude nos pontos 8º a 11º do seu requerimento.
Acresce que, não obstante o M.P. ter ordenado a apreensão resumida no ponto 8º do requerimento em apreço, condicionou-a à autorização Juiz de Instrução Criminal.
Autorização que foi expressamente concedida, como se antevê do respetivo despacho judicial no ponto 3º a fls. 911 (“Das buscas não domiciliárias determinadas pelo M.P. e da sua competência”) no que concerne à:
a) Apreensão de correspondência física em papel;
b) Pesquisa informática nos sistemas informáticos;
c) Apreensão por cópia dos dados relativos a caixas de correio eletrónico, bem como de mensagens de chat e comunicações eletrónicas semelhantes;
*
2) Apreensão ilegal do conteúdo dos sistemas informáticos:
Declara o requerente – e bem -, que com “exceção dos computadores dos colaboradores da requerente, BB, CC e DD” – relativamente aos quais foi feita uma pesquisa in loco dos respetivos sistemas informáticos, com consentimento e colaboração dos próprios visados -, quanto aos demais, “copiaram-se integralmente os dados informáticos de colaboradores, administradores e, inclusivamente, ex-administradores da requerente, incluindo as correspondentes caixas de correio eletrónico, para posterior efetiva pesquisa”.
No mais invocado – pontos 14º a 26º -, salvo o devido e elevado respeito por outra opinião, a posição que o requerente sustenta é “surrealista” e “inviável”.
Inviável porque, face à quantidade de dados existentes nos referidos suportes informáticos, a mesma pressuporia que o OPC, M.P. e JIC estivessem durante meses a pesquisar todos e cada um dos ficheiros constantes dos suportes informáticos.
Por sua vez, diga-se, se tivesse cabimento a tese apresentada, a mesma implicaria que o Juiz de Instrução estivesse sentado nas instalações do requerente durante meses/anos a ler e a selecionar cada uma das mensagens de correio eletrónico, de chat ou comunicações eletrónicas semelhantes para selecionar as potencialmente relevantes para a investigação.
Com as consequências perniciosas e nefastas que daí resultariam para o próprio requerente, o AA, na medida em que durante todo esse período de tempo os seus colaboradores estariam impedidos de aceder aos seus locais e computadores de trabalho, pois só assim se asseguraria a fidedignidade da prova e que a mesma se manteria em toda a sua extensão.
O “uso de termos de pesquisa para identificar mensagens concretas com relevância para o objeto do processo”, embora possa ser utilizado é, a meu ver, uma técnica manifestamente errada de investigação.
Por um lado, porque pelos “termos da pesquisa” pode deixar de fora elementos relevantes para a investigação e, por outro, igualmente, pode excluir elementos relevantes para a própria defesa dos suspeitos e potencialmente futuros arguidos.
Acresce que, como bem refere o M.P., a requerente “confunde o momento da apreensão com o momento da revelação”.
Ora, legal e constitucionalmente, nada impede ou obsta a que num contexto de milhares/milhões de documentos informáticos, se apreenda todo o acervo para, posteriormente, dele se extraia os que possam revelar-se como importantes para a investigação.
Até porque, diga-se, o procedimento adotado nas buscas realizadas seguiu escrupulosamente o regime legal.
É que, em conformidade com o disposto no art. 16º, n.ºs 1 e 7 da Lei 109/2009, de 15.9., a apreensão dos dados informáticos, pode revestir várias formas:
a) A apreensão do suporte onde está instalado o sistema ou apreensão do suporte onde estão armazenados os dados informáticos (…);
b) Realização de uma cópia dos dados, em suporte autónomo, que será junto ao processo;
c) (…);
d) (…);
Precisamente pela circunstância de se tratar de uma sociedade (AA) em que os suportes informáticos, ou seja, computadores e discos rígidos, eram vitais para que a mesma prosseguisse a sua atividade, em termos de adequação e proporcionalidade – como, aliás, determina a lei -, é que se procedeu à realização de cópia dos dados, em suporte autónomo.

No que concerne à atribuição de código hash aos elementos digitais apreendidos (ponto 27º do requerimento), dir-se-á que essa atribuição já foi realizada, aliás, como resulta de fls. 1003 a 1005, onde expressamente consta (fls. 1005) que “no final da diligência foi entregue ao buscado um CD com a listagem de todos os ficheiros copiados assim como com a sua assinatura de HASH (SHAI1)”.
*
3) Da salvaguarda dos segredos de negócio da buscada:
O requerente parece olvidar o teor e alcance do despacho judicial que esteve subjacente às buscas determinadas.
Logo nele, se impõe:
1) O conhecimento em “primeira mão” da correspondência física apreendida, a fim de se aferir da sua pertinência/relevância para a prova ou determinar a sua restituição a quem de direito;
2) Quanto aos dados informáticos, a sua inserção em suporte digital autónomo, de forma encriptada e sem análise prévia, e o seu conhecimento em “primeira mão” pelo JIC, a fim de aferir da sua pertinência/relevância para a prova ou determinar a sua restituição a quem de direito, ou, ainda, aferir se revelam dados pessoais ou íntimo que possam colocar em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiro, com vista a ponderar a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto no contexto dos crimes investigados.
Por sua vez, os segredos profissionais dos advogados serão devidamente acautelados, aquando da seleção dos ficheiros relevantes para a prova em conformidade com o disposto nos arts. 188º, n.º 6, al. b) e 189º, n.º 1, ambos do C.P.P..
Excluir-se-á desse regime somente os ficheiros que possam constituir objeto ou elemento de um crime.
Por fim, no tocante à salvaguarda dos segredos de negócio da buscada:
Em meu entender, a exclusão da publicidade a que alude o art. 86º, n.º 7 do C.P.P., mesmo após o fim do segredo de justiça (interno e externo), não abrange o segredo de negócio, uma vez que estes não contendem com a “reserva da vida privada que não constituam meios de prova”.
A posição do requerente parece assentar no pressuposto de que a sede das pessoas coletivas (domicílios profissionais) integrarão o conceito de domicílio para efeito das buscas domiciliárias (art. 177º, n.º 1 do C.P.P.).
Embora seja uma questão bastante debatida na doutrina portuguesa, sufrago a posição de diversos autores que excluem essa tuteta por referência à sede das pessoas coletivas (neste sentido, v. Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª ed., vol. I, 2007, págs. 540 e 541; Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, 3.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2007, pág. 126).
Independentemente da posição que defendemos, o que é facto é que no momento da revelação do manancial probatório apreendido, serão selecionados, apreendidos e juntos aos autos os elementos relevantes para efeitos probatórios, elementos esses que serão necessariamente públicos, findo que esteja o regime do segredo de justiça.
Aliás, se porventura houver acusação e julgamento, não vislumbro como uma audiência pública seria compatível com uma exclusão da publicidade da documentação.
Até porque, na seleção e junção aos autos daquela documentação, o que releva já não será qualquer segredo de negócio, outrossim, “objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova” (art. 174º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P.).
Nada obstará, no entanto, que no tocante a todo o restante acervo probatório apreendido (não relevante para a prova), o mesmo continue a figurar somente no suporte digital autónomo, encriptado, e obviamente só acessível aos sujeitos processuais, podendo o mesmo até ser devolvido à requerente, após a devida triagem para efeitos probatórios.
*
4) Da necessidade de assegurar o exercício efetivo de direitos processuais legalmente consagrados:
É certo que o art. 15º, n.º 6 da LCC remete para o art. 176º do C.P.P..
Mas, da conjugação destes dois preceitos resulta (apenas) que o buscado pode assistir à diligência de busca, o que foi integralmente cumprido.
Deles já não resulta, como pretende o requerente, qualquer direito de o buscado/visado acompanhar a diligência (posterior e ainda a realizar) que execute a pesquisa dos dados informáticos (momento da revelação dos dados).
Até porque, “prima facie”, no tocante à apreensão de correspondência física em papel ou apreensão por cópia dos dados relativos a caixas de correio eletrónico, bem como mensagens de chat e comunicações eletrónicas semelhantes que se encontrem em qualquer sistema informático utilizado ou guardadas em suporte digital, estamos perante uma competência exclusiva e reservada ao Juiz de Instrução (arts. 179º, n.ºs 1, als. a) a c) e 3) do C.P.P., e art. 16º, n.ºs 1 e 7, als. a) a c) e 8 e art. 17º, ambos da Lei n.º 109/2009, de 15.9.) que necessariamente deve ter conhecimento desses elementos em “primeira mão” e, se necessário ou o julgar como pertinente, proceder à respetiva seleção e determinar a sua junção aos autos.
Não se olvida que os elementos referidos não esgotam o manancial documental e informático apreendido.
Porém, nesta parte restante, é da competência exclusiva do M.P. e OPC coadjuvante proceder à seleção e junção aos autos dos elementos probatórios relevantes.
Sendo certo que nessa seleção a lei em nada impõe a presença do buscado ou de um terceiro por ele designado, porque é da competência exclusiva do M.P., só a este – e não ao Juiz de Instrução – caberá decidir se a referida seleção será realizada com a presença ou na ausência do buscado.
Pelo exposto e razões aduzidas, decido:
1) Indeferir, na íntegra, o requerido pelo AA, no seu requerimento que constitui fls. 1006 a 1014 dos autos;
*
Fls. 1312 a 1315 (requerimento da AA no que concerne às buscas realizadas nas instalações da empresa ….) e fls. 1758 a 1760 (resposta do M.P.):
As razões e fundamentos invocados neste novo requerimento, coincidem na sua quase totalidade como requerimento apresentado a fls. 1006 a 1014, pela mesma ... e que já foi objeto de apreciação e decisão “supra”.
Assim sendo, por questões de economia processual, “mutatis mutandis”, renovo e remeto para a fundamentação aduzida supra.
Pelo exposto, decido:
1) Indeferir, na íntegra, o requerido pelo AA, no seu requerimento que constitui fls. 1312 a 1315 dos autos;
(…)”
»
I.2 Inconformada com tal despacho, dele interpôs recurso AA, para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“(…)
CONCLUSÕES
A. O presente recurso vem interposto do Despacho do Mm.° Juiz de Instrução Criminal, de ........2023, nos termos do qual foram julgadas improcedentes as invalidades arguidas pela Recorrente no decurso das diligências de busca e apreensão, realizadas no dia ........2023, nas instalações da Recorrente, e nas instalações da empresa ..., onde tem arquivo, tendo ainda indeferido o requerido pela Buscada quanto (i) à respetiva notificação para acompanhar a diligência de pesquisa sobre os dados informáticos apreendidos, nos termos do disposto no artigo 176.°, n.° 1, do C.P.P. ex vi do artigo 15.°, n.° 6, da LCC, e (ii) à salvaguarda da informação de natureza sigilosa ou protegida, através da respetiva selagem e exclusão de publicidade, nos termos do artigo 86.°, n.° 7, do C.P.P..
QUANTO AO EFEITO, MODO E MOMENTO DE SUBIDA DO RECURSO,
B. O presente recurso deve subir imediatamente, em separado, e com efeito suspensivo do processo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 406.°, n.° 2, 407.°, n.° 1, e 408.°, n.° 3, do C.P.P., o que se requer.
C. A subida imediata do recurso funda-se no facto de, nos termos do artigo 407.°, n.° 1, do C.P.P., a respetiva retenção o tornar absolutamente inútil, já que o respetivo objeto se prende, não só com i) o indeferimento das invalidades arguidas no contexto das buscas, mas, também e, para os presentes efeitos, principalmente, com ii) o indeferimento da notificação da Buscada para estar presente na diligência de pesquisa de dados informáticos apreendidos nas suas instalações; e iii) com a recusa da selagem e exclusão de publicidade da informação de natureza sigilosa ou protegida apreendida.
D. Num caso em que o presente recurso fosse conhecido apenas a final, poderia até ser possível proceder-se à anulação do processado, relativamente às invalidades arguidas, já finalizada a fase de julgamento e com efeitos até à fase de inquérito - o que sempre constituiria a mais flagrante violação dos princípios da economia e da celeridade processuais, bem como no princípio da limitação de atos (cfr. artigo 6.°, 547.° e 130.° do CPC), com fortes prejuízos para a administração da justiça não só a nível económico como a nível de prestígio -, mas sempre seria absolutamente impossível repetir o momento da pesquisa de dados informáticos (enquanto primeiro contacto dos autos com os dados apreendidos), bem como voltar a fazer sigilosa informação entretanto tornada pública, por não ter sido devidamente protegida, tornando-se o presente recurso um ato processual absolutamente inútil, caso apenas seja conhecido no momento em que eventualmente venha a ser interposto recurso da decisão final.
E. Da subida imediata com fundamento na absoluta inutilidade do recurso (cfr. artigo 407.°, n.° 1, do C.P.P.), decorre, nos termos da lei, a respetiva subida em separado (cfr. artigo 406.°, n.° 2, do C.P.P.) e com efeito suspensivo da decisão (cfr. artigo 408.°, n.° 3, do C.P.P.).
QUANTO À INVOCADA AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DO OBJETO DAS DILIGÊNCIAS DE BUSCA E APREENSÃO,
E Nos requerimentos de arguição de invalidades apresentados no decurso das diligências, a Recorrente arguiu a ilegalidade (pelo menos, na forma de irregularidade e para efeitos do disposto nos artigos 174.°, n.° 3, e 123.° do C.P.P.) do despacho do Ministério Público que subjaz às buscas e que ordenou a apreensão de documentos, a pesquisa de dados informáticos e a apreensão de dados informáticos e de correio eletrónico nos sistemas informáticos, por não delimitar o objeto das diligências de busca e apreensão (designadamente, por falta de indicação do seu termo final, de quais os contratos de representação visados pelas buscas e dos dados informáticos alvo da diligência), com as consequências previstas no artigo 126.°, n.° 3, do C.P.P..
G. No entendimento do Tribunal a quo, "a promoção do M.P. (fls. 893 a 907) e o despacho judicial que autorizou as buscas (fls. 909 a 911 v.), factualmente, desenvolvem e delimitam muito mais do que o exigível legalmente, a necessidade e pertinência da realização daquele meio de obtenção de prova" e "não tinha que ser concretizado o termo inicial nem o final dos factos sob investigação (...), nem os concretos contratos de representação que estarão em causa".
H. A realização de uma busca depende, desde logo, de uma dupla indiciação: de indícios de um crime com o qual devem as coisas ou os objetos subjacentes à busca estejam relacionados ou em relação ao qual possam servir de prova; e de indícios de que coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontram no lugar a buscar (cfr. artigos 174.°, n.'s 1 e 2, do C.P.P.). Essa dupla indiciação, que deverá corresponder a uma descrição de factos (quem, quando, como, onde), deve ainda estar refletida em despacho que a autorize ou ordene (cfr. artigo 174.°, n.° 3, do C.P.P.) e que deverá ser entregue a quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se realiza (cfr. artigo 176.°, n.° 1, do C.P.P.).
I. In casu, não foi disponibilizado à Buscada despacho fundamentado de facto que permita identificar esta dupla indiciação - não sendo efetivamente identificado qual o termo final do período sob investigação, quais os contratos desportivos que se entendem terem constituído negócios simulados, as partes contratantes, os jogadores em causa, ou quem teria atuado no âmbito da respetiva celebração, o que impede a Buscada de sindicar materialmente a apreensão, em violação das exigências legais vertidas nos artigos 97.°, n.° 1, alínea b), e n.° 5, 174.°, n.os 1, 2 e 3, todos do C.P.P..
J. Ao contrário do que defende o Tribunal a quo, não pode uma diligência de busca ser usada para recolher elementos "que poderão eventualmente consubstanciar" uma suposta "indiciação": "indiciação" essa que, conforme descrita pelo Tribunal a quo, com base na Promoção do Ministério Público, corresponde à listagem do tipo de contratos desportivos que, em abstrato, se pretendem apreender, e não a uma verdadeira descrição de factos, sob pena da (aqui concretizada) violação dos mesmos preceitos legais, estabelecidos nos artigos 97.°, n.° 1, alínea b), e n.° 5, 174.°, n.os 1, 2 e 3, todos do C.P.P..
K. Acresce que, também numa perspetiva de delimitação do âmbito da diligência (per se intrusiva), é ainda exigido que uma pesquisa de dados informáticos tenha alvo "dados informáticos específicos e determinados", (cfr. artigo 15.°, n.° 1, da LCC), bem como que a apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante se limite a correspondência que é enviada ou recebida por suspeito (cfr. artigos 179.°, n.° 1, alínea a), do C.P.P., e 15.°, n.° 6 da LCC), nada se vislumbrando nos documentos entregues no momento das buscas, de onde resulte a verificação de tais exigências, em violação do disposto nos artigos 97.°, n.° 1, alínea b), e n.° 5, 174.°, n.os 1, 2 e 3, e 179.°, n.° 1, alínea a), todos do C.P.P., e do artigo 15.°, n.° 1, da LCC.
L. Em face do exposto, requer-se a V. Ex.as. que revoguem o despacho Recorrido e que declarem a invalidade do despacho do Ministério Público subjacente às buscas, bem como das próprias diligências realizadas em violação das exigências legais vertidas nos artigo 97.°, n.° 1, alínea b), e n.° 5, 174.°, nos 1, 2 e 3, e 179.°, n.° 1, alínea a), todos do C.P.P., e do artigo 15.°, n.° 1, da LCC, nos termos dos artigos 118.° a 123.° do C.P.P., com a consequente nulidade de toda a prova apreendida, nos termos e para os efeitos do artigo 126.°, n.° 3, do C.P.P., não podendo a mesma ser utilizada no processo e devendo ser ordenado o seu imediato desentranhamento dos autos.
M. É inconstitucional, por violação dos artigos 2.°, 18.°, 20.°, 26.°, 32.°, n.° 1, 34.° e 62.° da CRP, do Estado de Direito Democrático, da proporcionalidade e da proibição do excesso, do direito a um processo equitativo, do direito ao recurso, da reserva da vida privada, do direito à inviolabilidade do domicílio e da propriedade privada, a norma contida nos artigos 174.°, n.os 1, 2 e 3, e 176.°, n.° 1, do C.P.P., interpretada no sentido de que são válidas e regulares as diligências de busca e apreensão realizadas com base em despacho que, na versão entregue ao visado pelas buscas, não contenha a indiciação dos crimes sob investigação e a indiciação de que no local buscado se encontram coisas ou os objetos relacionados com o mesmo ou que possam servir de prova.
QUANTO À APREENSÃO ILEGAL DO CONTEÚDO DOS SISTEMAS INFORMÁTICOS,
N. No requerimento de arguição de invalidades apresentado no decurso da diligência conduzida nas suas instalações, a Recorrente arguiu a invalidade da apreensão de sistemas informático, por - com exceção dos sistemas utilizados de três colaboradores da Buscada - se ter procedido à cópia (como modalidade de apreensão) integral do conteúdo de computadores e caixas de correio eletrónico encontradas no decurso da presente diligência, em violação do disposto nos artigos 15.°, 16.° e 17.° da LCC, 179.° do C.P.P. e 18.°, n.os 2 e 3, 32.°, n.° 1, 34.° e 45.°, da CRP, com as consequências previstas nos artigos 126.°, n.° 3, do C.P.P. e 32.°, n.° 8, da CRP.
O. É entendimento da Recorrente que - à semelhança do que se fez, a título excecional, com três dos seus colaboradores - a aplicação de palavras-chave e de uma delimitação temporal, conjugadas com a colaboração dos visados, teria permitido que, em poucos dias, fosse feita uma apreensão legal dos dados informáticos contidos nos sistemas informáticos, devidamente precedida da pesquisa informática que prevê o artigo 15.°, n.° 1, da LCC, tendo manifestado absoluta disponibilidade para acompanhar a diligência durante o tempo que fosse necessário.
P. Entendeu, no entanto, o Tribunal Recorrido que a posição da Buscada é "surrealista" e "inviável", porquanto "face à quantidade de dados existentes nos referidos suportes informáticos" a mesma levaria meses/anos a executar, que "o uso de termos de pesquisa para identificar mensagens concretas com relevância para o objeto do processo, embora possa ser utilizado, é (...) uma técnica manifestamente errada de investigação" e que "legal e constitucionalmente, nada impede ou obsta a que num contexto de milhares/milhões de documentos informáticos se apreenda todo o acervo para, posteriormente, dele se extraia os que possam revelar-se como importantes para a investigação".
Q. Numa diligência de busca e apreensão standard e conduzida em conformidade com a lei, é procedimento comum as autoridades recorrerem ao uso de termos de pesquisa através da aplicação de palavras-chave e filtros temporais para balizar a informação exfiltrada dos sistemas informáticos.
R. É desnecessária a apreensão integral do sistema informático quando a cópia in loco dos dados seja suficiente para acautelar os interesses da investigação - e assim terá sido reconhecido pelo Tribunal a quo, pelo menos, em relação a três dos colaboradores da Buscada, em relação aos quais a apreensão foi realizada nesses termos.
S. Primeiro, pesquisa-se por dados informáticos específicos e determinados (artigo 15.°, n.° 1, da LCC); depois, apreende-se os dados ou documentos informáticos necessários à produção de prova (cfr. artigo 16.°, n.° 1 da LCC) e mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante" que "se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova" (cfr. artigo 17.°, n.° 1, da LCC).
T. No caso dos autos, e em violação de tais normativos, a ordem lógica e normativa, foi subvertida e só à posteriori poderá a efetiva pesquisa de dados informáticos ter lugar.
U. O posicionamento do Tribunal Recorrido revela ainda um absoluto desrespeito, pelo controlo imperativo de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, i.e., pelas delimitações constitucionais à compressão de direitos, liberdades e garantias, consagradas no artigo 18.°, n.° 2, da CRP, desde logo, para efeitos daqueles que se encontram consagrados nos artigos 26.° (direito à intimidade da vida privada dos Colaboradores e da Buscada, na vertente do segredo comercial e do sigilo profissional), 34.°, n.° 4 (sigilo da correspondência), 35.°, n.°s 1 e 4 (dados pessoais no âmbito da utilização da informática), todos da CRP.
V. Deve assim concluir-se pela nulidade da apreensão integral do conteúdo de suportes informáticos, nos termos do disposto nos artigos 18.°, n.os 1 e 2, 32.°, n.° 1, 34.° e 35.° CRP, sendo ainda contrária ao disposto nos artigos 15.°, n.° 1, 16.°, n.° 1, 17.°, n.° 1, da LCC e 179.° do C.P.P., o que se requer a V. Ex.as. que seja declarado, com a consequente proibição da prova apreendida ao abrigo do artigo 126.°, n.° 3, do C.P.P. e do artigo 32.°, n.° 8, da CRP.
W. É inconstitucional, por violação dos artigos 18.°, n.° 2, 20.°, 26.°, 34.°, n.° 4, 35.°, 61.° e 62.° da CRP, da proporcionalidade e da proibição do excesso, da tutela jurisdicional efetiva, da reserva da intimidade da vida privada, do sigilo da correspondência e da proteção dos dados pessoais no âmbito da utilização da informática, a norma contida nos artigos 15.°, n.° 1, 16.°, n.° 1 e 17.°, n.° 1, da LCC, em conjugação com no sentido de que é válida e regular a apreensão do conteúdo integral de dados ou sistemas informáticos, sem prévia pesquisa de dados informáticos.
DA SALVAGUARDA DOS SEGREDOS DE NEGÓCIO DA BUSCADA,
X. Em ambos os requerimentos de arguição de invalidades apresentados, foi requerida a selagem da informação sigilosa ou protegida (máxime segredos de negócios, segredos profissionais de advogados e dados pessoais, sensíveis ou não), bem como que fosse excluída a respetiva publicidade, nos termos do disposto no artigo 86.°, n.° 7, do C.P.P., e em respeito pelo disposto nos artigos 12.°, n.° 2, 18.°, n.os 1 e 2 e 61.°, n.° 1, da CRP.
Y. Para o efeito, requereu a Buscada concretamente que (i) a informação respeitante a segredos de negócio fosse selada até ao momento em que (com a sua colaboração) fosse determinada a sua relevância para a investigação e efetiva junção aos autos; e que, nessa sequência, (ii) a informação com interesse para a descoberta da verdade e boa decisão da causa fosse integrada por apenso confidencial aos autos, restringindo-se a publicidade e acesso por terceiros que não sujeitos processuais; (iii) procedendo-se ao desentranhamento, destruição ou devolução dos elementos sem relevância para a investigação.
Z. Entendeu o Tribunal a quo que "a exclusão da publicidade a que alude o art. 86.°, n.° 7 do C.P.P., mesmo após o fim do segredo de justiça (interno e externo), não abrange o segredo de negócio, uma vez que estes não contendem com a "reserva da vida privada que não constituam meios de prova", que "a sede das pessoas coletivas" não é tutelada nos termos do "domicílio" e que os elementos que venham a ser juntos aos autos serão "necessariamente públicos, findo que esteja o regime do segredo de justiça", não se vislumbrando "como uma audiência pública seria compatível com uma exclusão da publicidade da documentação".
AA. Tal entendimento, além de violar o disposto nos artigos 12.°, n.° 2, 18.°, nos 1 e 2 e 61.°, n.° 1, da CRP, contraria frontalmente o disposto no artigo 86.°, n.° 7, do C.P.P., na medida em que o Tribunal a quo interpreta tal preceito, por um lado, (i) como não tutelando o segredo de negócio (que tutela, por integrar o conceito de "dados relativos à reserva da vida privada" que, nos termos do mesmo preceito, não são abrangidos pela publicidade do processo quando não constituam meios de prova); e, por outro lado, (ii) como não excluindo a publicidade de tais dados, "findo que esteja o regime do segredo de justiça" (quando exclui).
BB. A doutrina e jurisprudência do Tribunal Constitucional são claras quanto ao facto de que as pessoas coletivas têm direito a uma esfera de sigilo, de reserva da intimidade da vida privada que compreende o segredo comercial, as particularidades da organização, de funcionamento e de know-how.
CC. E assim é porque a tutela do segredo comercial, através da proteção da privacidade da empresa e do seu direito de propriedade, surge como tutela da própria subsistência da empresa, consistindo num plus titulado por cada empresa em relação às suas concorrentes, que ganha especial relevância num mercado tão competitivo (e mediático) como é o do futebol.
DD. Na mesma linha, também a inviolabilidade do domicílio é um direito suscetível de ser titulado por pessoas coletivas, ainda que, pela natureza das coisas, e à semelhança do que sucede com a tutela da vida privada, a proteção constitucional tenha de ser encarada do específico prisma do organismo, nos termos do disposto no artigo 12.°, n.° 2, da CRP.
EE. Ao ser determinado no artigo 86.°, n.° 7, do C.P.P., que a "publicidade não abrange os dados relativos à reserva da vida privada que não constituam meios de prova" exclui-se da publicidade do processo os elementos que contenham dados pessoais e relativos à vida privada de pessoas singulares, mas também segredos de negócio, subjacentes à reserva da vida privada das empresas, o que se requer a V. Ex.as que seja reconhecido.
FF. Ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal a quo, a ratio do artigo 86.°, n.° 7, do C.P.P. é manter determinados elementos protegidos por segredo de justiça, mesmo quando o processo decorra sem exclusão da publicidade (e findo que esteja o regime do segredo de justiça), assim, desde logo, o Parecer da Procuradoria-Geral da República n.° 25/2009, de 08.10.2009.
GG. Em articulação com o artigo 26.° da CRP, decorre ainda do disposto no artigo 86.°, n.° 7, do C.P.P. que ficam excluídos da publicidade do processo os dados da vida privada (onde se inclui os que se encontrem protegidos por segredo profissional), mesmo quando possam integrar meios de prova.
HH. Em sede de audiência de julgamento, e além do preceito contido no artigo 86.°, n.° 7, do C.P.P., vários são os mecanismos criados pelo legislador para permitir que uma audiência pública seja compatível com a exclusão da publicidade da documentação, designadamente os que se encontram vertidos nos artigos 87.° e 88.°, a conjugar com o artigo 321.°, todos do C.P.P., o que a Decisão Recorrida ignorou.
II. O que pretende a Recorrente, ao solicitar que a informação confidencial seja relevada, é acautelar a tutela dos elementos de natureza sigilosa ou protegida apreendidos - seja por respeitarem a segredo profissional ou a dados pessoais, seja por contenderem com segredo de negócio da Recorrente, o qual, já por diversas vezes e em diferentes processos-crime, foi violado, precisamente, por não lhe ter sido conferida a devida proteção, com graves prejuízos para a sua atividade, seja em termos financeiros ou estratégicos e competitivos,
O que se requer a V. Ex.as, através da revogação da Decisão Recorrida e substituição por outra que, relevando a informação sigilosa ou protegida, quer a que foi apreendida em suporte físico, quer a que foi apreendida em suporte digital, determine a respetiva selagem imediata, bem como a exclusão da respetiva publicidade, incluindo daquela que possa constituir meio de prova, através da sua integração nos autos por apenso confidencial restrito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 86.°, n.° 7, do C.P.P., conjugado com o artigo 26.° da CRP.
DA NECESSIDADE DE ASSEGURAR O EXERCÍCIO EFETIVO DE DIREITOS PROCESSUAIS LEGALMENTE CONSAGRADOS,
KK. Por fim, e à cautela, requereu a Recorrente, no requerimento apresentado no decurso das buscas conduzidas nas suas instalações, que, a posteriori, fosse notificada para comparecer, em data e local a designar, a fim de lhe ser permitido exercer o seu direito de acompanhar a pesquisa de dados informáticos, nos termos do disposto no artigo 176.°, n.° 1, do C.P.P., aplicável ex vi do artigo 15.°, n.° 6, da LCC.
LL. Da conjugação dos referidos preceitos resulta que ao visado de uma pesquisa de dados informáticos são assegurados os direitos de acompanhar a realização dessa mesma pesquisa e de "fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga", independentemente de as autoridades optarem por seguir a ordem lógica, legal e processualmente estruturada para diligências desta natureza, i.e., pesquisa de dados in loco, seguida de apreensão, no local buscado e na presença da Buscada; ou optarem por subverter a ordem legal, determinando que a pesquisa de dados informáticos seja precedida de uma apreensão integral de dados informáticos, ocorrendo a primeira apenas a posteriori (conforme foi determinado nos autos).
MM. Entendeu o Tribunal a quo que da conjugação dos mesmos preceitos (15.°, n.° 6, da LCC e 176.° do C.P.P.) resulta apenas que "o buscado pode assistir à diligência de busca" e "não qualquer direito de o buscado/visado acompanhar a diligência (posterior e ainda a realizar) que execute a pesquisa dos dados informáticos (momento da revelação dos dados)", o que constitui uma violação atroz da remissão operada pelo legislador, no artigo 15.°, n.° 6, da LCC, para as regras de execução das buscas previstas no Código de Processo Penal, que incluem o direito de assistência pelo visado da busca.
NN. Se o legislador prevê o direito do buscado acompanhar a diligência em situações de busca strictu sensu, nos termos do artigo 176.°, n.° 1, do C.P.P., não faria sentido que, no caso de buscas que incluam pesquisas informáticas, este direito mínimo do visado, ficasse dependente do momento e local onde fosse realizada a pesquisa, sendo apenas assegurado em pesquisas on-site, mesmo que uma pesquisa off-site, como a que ocorrerá nos autos, seja reconhecidamente mais lesiva dos direitos fundamentais do visado (desde logo, por não ter limites de tempo).
00. A interpretação do Tribunal a quo da remissão do artigo 15.°, n.° 6, da LCC, além de não ter qualquer suporte na letra da lei ou na sua teleologia, atenta gravemente contra os princípios fundamentais de um Estado de Direito, mormente o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.° da CRP, requerendo-se a V. Ex.as que o Despacho Recorrido seja revogado e substituído por outro que determine a notificação da Recorrente para estar presente na(s) diligência(s) de pesquisa de dados informáticos, ao abrigo do disposto no artigo 176.°, n.°1, do C.P.P., ex vi do artigo 15.°, n.° 6, da LCC.
PP. É inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 13.°, 26.°, 34,0, mos 1 e 4, e 62.° da CRP, a norma que resulta do disposto nos artigos 176.°, n.° 1, do C.P.P., ex vi do artigo 15.°, n.° 6, da LCC, interpretada no sentido de que pode ser negado ao visado da pesquisa de dados informáticos o acompanhamento dessa pesquisa ou de fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado integralmente procedente, revogando-se, em consequência, a Decisão Recorrida, declarando-se:
(i) a invalidade do Despacho do Ministério Público subjacente às Buscas, bem como das próprias diligências realizadas, em violação das exigências legais vertidas nos artigo 97.°, n.° 1, alínea b), e n.° 5, 174.°, n.os 1 e 2, 176.°, n.° 1, e 179.°, n.° 1, alínea a), todos do C.P.P., bem como do artigo 15.°, n.° 1, da LCC, nos termos dos artigos 118.° a 123.° do C.P.P.;
(ii) a nulidade da apreensão (integral) do conteúdo de suportes informáticos de Colaboradores, Administradores e Ex-Administradores, nos termos do disposto nos artigos 18.°, n.os 1 e 2, 32.°, n.° 1, 34.° e 35.° da CRP;
(iii) a nulidade de toda a prova apreendida, nos termos e para os efeitos do artigo 126.°, n.° 3, do C.P.P., e 32.°, n.° 8, da CRP; e, bem assim,
(iv) a selagem e exclusão de publicidade da informação e documentos apreendidos de natureza sigilosa ou protegida (máxime segredos de negócios, segredos profissionais de advogados e dados pessoais), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 86.°, n.° 7, do C.P.P., em conjugação com o artigo 26.° da CRP;
(v) a notificação da Recorrente para estar presente na(s) diligência(s) de pesquisa de dados informáticos que venham a ser realizadas, ao abrigo do disposto no artigo 176.°, n.° 1, do C.P.P., ex vi do artigo 15.°, n.° 6, da LCC.
Mais requer a V. Ex.as se dignem apreciar e decidir as inconstitucionalidades arguidas no presente recurso.
(…)”
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I.3 Resposta ao recurso
Efectuada a legal notificação, o Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto, pugnando pela sua improcedência apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
“ (…)
E) Conclusões
1. O despacho do MP que determinou as buscas na sede da AA, de fls. 893 a 907, e o despacho judicial que autorizou as buscas em escritório/arquivo de advogados ali também localizado, de fls. 909 a 911 v.°, delimitaram a factualidade sob investigação, justificativa da necessidade de realização de tal diligência.
2. Ainda que assim não se entenda (sem porém, conceder), o despacho que ordena a busca apenas tem de verificar e apreciar a existência de elementos nos termos a que se refere o artigo 174.°, n.°s 1 e 2, do C.P.P., bastando-se a decisão de busca com aquela apreciação pela positiva.
3. Não é ao buscado que cabe sindicar da necessidade de realização de buscas e da sua extensão, mas apenas ao juiz de instrução quando determina ou não a sua realização.
4. Foi considerada a existência de indícios de que os elementos probatórios relevantes, relacionados com a prática dos factos (e dos crimes) objeto da investigação, se encontravam em local reservado e não livremente acessível ao público.
5. No caso particular da AA, por se tratar de pessoa coletiva, foi considerado como local a buscar, quer a morada correspondente à da respetiva sede, bem como (e naturalmente) o local onde a mesma faz arquivo da respetiva documentação relacionada com o exercício da respetiva atividade.
6. Idêntico raciocínio leva a que se conclua que a lei não exige a pré-identificação dos dados informáticos específicos e determinados como condição para a realização da respetiva pesquisa no decurso de buscas.
7. A menção legal feita no artigo 15.°, n.°1, da Lei do Cibercrime à obtenção de dados informáticos específicos e determinados reporta-se ao nexo necessário entre os dados informáticos pesquisados e a sua relevância probatória para a descoberta da verdade material. E não ao conteúdo ou menções concretas que supostamente deveriam constar do despacho do MP que autorizou tais pesquisas informáticas.
8. A realização de pesquisas nos sistemas informáticos existentes na sede da AA, foi determinada ao abrigo do disposto no artigo 15.°, da Lei do Cibercrime, por despacho do MP, quanto às buscas não domiciliárias (cfr. fls. 905 e 906).
9. O Mmo. JIC autorizou a pesquisa e apreensão de dados informáticos, e de correio eletrónico, bem como comunicações eletrónicas de natureza semelhante ali encontrados, conforme fls. 910 (no escritório/arquivo de advogado ali existente) e ponto 3.° de fls. 911 (quanto às buscas não domiciliárias).
10. No decurso das buscas constatou-se a existência de milhares de documentos, não sendo exigível que em apenas algumas horas, fosse filtrada a informação respeitante ao objeto do processo, e que somente essa poderia ser apreendida.
11. A particular natureza dos dados informáticos exige igualmente uma condicente interpretação do conceito da sua apreensão, pois apenas com a revelação de tais dados em momento posterior ao da apreensão realizadas no decurso das buscas se pode considerar a compressão do direito à reserva da vida privada, constitucionalmente protegido, na modalidade da inviolabilidade da correspondência.
12. Esse direito, pelo menos até à presente data, encontra-se salvaguardado, porquanto tais dados aguardam o conhecimento em primeira mão pela Mma. Juíza de Instrução Criminal.
13. A pretendida exclusão de publicidade da documentação apreendida, quer para os sujeitos processuais, quer para terceiros, resulta do regime do segredo de justiça aplicado aos presentes autos.
14. Os segredos profissionais dos advogados encontram-se acautelados no momento da seleção dos ficheiros relevantes para a prova, cfr. dispõem os artigos 188.°, n.°6, al. b), e 189.°, n.°1, ambos do C.P.P., exceto se forem encontrados ficheiros que possam constituir objeto ou elemento de um crime.
15. O segredo de negócio não contende com a reserva da vida privada nos casos em que não constitua meio de prova, uma vez que o art.° 86.°, n.°7, do C.P.P. prevê a exclusão da publicidade quanto aos dados relativos à reserva da vida privada que não constituam meios de prova.
16. Os direitos fundamentais dos buscados não constituem direitos absolutos, inflexíveis e intocáveis, porquanto a Constituição da República Portuguesa que prevê a possibilidade de aqueles direitos serem alvo de compressão, devendo as restrições limitar-se o necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, conforme artigo 18.°, n.°2.
17. Ao visado de uma pesquisa de dados informáticos não assiste o direito de acompanhar a realização dessa pesquisa e de fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga, por alegadamente, tal decorrer do disposto no artigo 176.°, n.°1, do C.P.P., aplicável ex vi artigo 15.°, n.°6, da Lei do Cibercrime.
18. O campo de aplicação de tal norma não excede porém o momento da execução das buscas.
19. A lei processual penal não exige, e nem sequer refere, a exigência da comparência do arguido, quer na diligência de abertura de correspondência (correio eletrónico) apreendida, quer aquando da realização das pesquisas dos demais dados informáticos também apreendidos.
20. A participação da recorrente em diligências de abertura de correio eletrónico permitiria, sem que com isso fosse obtido qualquer benefício para a investigação, tomar conhecimento não só dos concretos factos em investigação, mas de toda a estratégia do Ministério Público.
21. Não existe fundamento para que os visados nas buscas, titulares da documentação apreendido no âmbito de processo em segredo de justiça assistam, participem e opinem na junção de elementos relevantes para a prova dos factos, sob pena de obstrução do direito ao acesso à justiça administrado pelo Ministério Público em nome do Povo.
Pelo exposto,
A douta decisão de fls. 1775 a 1778 v.°, proferida pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal do T.C.I.C., que julgou improcedentes as invalidades arguidas pela recorrente AA, não é merecedora de qualquer censura ou reparo, pelo que deverá ser mantida, julgando-se totalmente improcedente o recurso interposto.
Termos em que, negando provimento ao recurso, Vossas Excelências farão JUSTIÇA!
(…)”
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I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição do Digno Magistrado do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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I.5 Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao dito parecer.
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I.6 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ1], e da doutrina2, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal3, relativas a vícios que devem resultar directamente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do C.P.P.).
II.2- Apreciação do recurso
Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir serão as seguintes:
- da invalidade do despacho do Ministério Público subjacente às buscas, bem como das próprias diligências realizadas, por não delimitar o objecto das diligências de busca e apreensão, e, em consequência, da nulidade de toda a prova apreendida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 126.°, do C.P.P., por violação do disposto nos artigos 97.°, n.°1, alínea b), e n.°5, 174.°, n.°s 1 a 3, 179.°, n.°1, alínea a), todos do C.P.P., e do artigo 15.°, n.°1, da LCC, e por violação dos artigos 2.°,18.°, 20.°, 26.°, 32.°, n.°1, e 34.° e 62.° da CRP;
- da nulidade da apreensão integral do conteúdo de suportes informáticos (com excepção dos sistemas utilizados por três colaboradores da buscada), e, em consequência, da proibição da prova apreendida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 126.°, n.°3 do C.P.P., e no artigo 32.°, n.°8, da CRP, por violação do disposto nos artigos 15.°, 16.°, e 17.°, da LCC, 179.° do C.P.P. e nos artigos 18.°, n.°s 2 e 3, 20.°, 26.°, 34.°, n°4, 35.°, 61.° e 62.°, da CRP;
- da selagem e exclusão da publicidade da informação e documentos apreendidos de natureza sigilosa (segredos de negócios, segredos profissionais de advogados e dados pessoais), sob pena de violação do disposto no artigo 86.°, n.°7, do C.P.P., e nos artigos 12.°, n.°2, 18.°, n.°s 1 e 2, 61.°, n.°1, da CRP (ponto IV, de fls. 90, da motivação de recurso);
- da notificação da Recorrente para estar presente na(s) diligência(s) de pesquisa de dados informáticos, sob pena de violação do disposto nos artigos 13.°, 26.°, 34.°, n. °s 1 e 4, e 62.° da CRP, e no artigo 176.°, n.°1, do C.P.P., ex vi do artigo 15.°, n.°6, da LCC (ponto V, de fls 91, da motivação de recurso).
Vejamos se assiste razão à recorrente.
Veio a recorrente, AA, interpor recurso do despacho do Exmº Juiz de Instrução Criminal (doravante com a abreviatura JIC), proferido a .../.../2023, que julgou improcedentes as invalidades arguidas no decurso das diligências de busca realizadas no dia .../.../2023, e que tiveram lugar nas instalações da recorrente e nas instalações da empresa ..., onde aquela tem arquivo, tendo ainda indeferido o requerido pela Buscada quanto à salvaguarda da informação de natureza sigilosa ou protegida, através da respectiva selagem e exclusão de publicidade, nos termos do artigo 86.°, n.° 7, do C.P.P. e à respectiva notificação para acompanhar a diligência de pesquisa sobre os dados informáticos apreendidos, nos termos do disposto no artigo 176.°, n.° 1, do C.P.P. ex vi do artigo 15.°, n.° 6, da LCC.
Na sua peça recursiva, a recorrente invoca, assim, diversas questões, que acima compactámos em quatro vectores e que, de seguida, apreciaremos.
1) Da ausência de delimitação do objecto das diligências de busca e apreensão:
Nos requerimentos de arguição de invalidades apresentados no decurso das diligências de busca em causa, a recorrente arguiu a ilegalidade, ou, pelo menos, a irregularidade, para efeitos do disposto nos artigos 174.°, n.° 3, e 123.° do C.P.P., do despacho do Ministério Público que subjaz às buscas e que ordenou a apreensão de documentos, a pesquisa de dados informáticos e a apreensão de dados informáticos e de correio electrónico nos sistemas informáticos, por não delimitar o objecto das diligências de busca e apreensão (designadamente, por falta de indicação do seu termo final, de quais os contratos de representação visados pelas buscas e dos dados informáticos alvo da diligência), com as consequências previstas no artigo 126.°, n.° 3, do C.P.P.).
Argumenta a recorrente que não lhe foi, enquanto Buscada, disponibilizado despacho fundamentado de facto que permita identificar qual o termo final do período sob investigação, quais os contratos desportivos que se entendem terem constituído negócios simulados, as partes contratantes, os jogadores em causa, ou quem teria actuado no âmbito da respectiva celebração, em violação das exigências legais vertidas nos arts. 97.°, n.° 1, al. b), e n.° 5, 174.°, nºs 1, 2 e 3, todos do C.P.P..
Pede, assim, a recorrente que o despacho recorrido seja revogado, sendo declarada a invalidade do despacho do Ministério Público subjacente às buscas, bem como das próprias diligências realizadas em violação das exigências legais vertidas nos arts.97.°, n.° 1, al. b), e n.° 5, 174.°, nos 1, 2 e 3, e 179.°, n.° 1, al. a), todos do C.P.P., e do art. 15.°, n.° 1, da LCC, nos termos dos artigos 118.° a 123.° do C.P.P., com a consequente nulidade de toda a prova apreendida, nos termos e para os efeitos do artigo 126.°, n.° 3, do C.P.P., não podendo a mesma ser utilizada no processo e devendo ser ordenado o seu imediato desentranhamento dos autos.
Vejamos se assiste razão à recorrente.
No despacho recorrido, entendeu o Tribunal a quo, como supra transcrevemos, que, quer na promoção do Ministério Público, quer no despacho judicial que autorizou as buscas, procedeu-se à delimitação do objecto das diligências de busca e apreensão até “muito mais do que o exigível legalmente”, aludindo-se à necessidade e pertinência da realização daquele meio de obtenção de prova, e que “não tinha que ser concretizado o termo inicial nem o final dos factos sob investigação (sendo certo que o termo inicial consta da promoção do M.P. – v. fls. 893 (“desde o ano de 2015”), nem os concretos contratos de representação que estarão em causa.”
Mais se refere, no despacho recorrido, que “A indiciação, como bem refere o requerente, é a constante do ponto 3º, als. (i), (ii) e (iii)” e que “A sua densificação (ou não) será revelada pelos concretos elementos apreendidos no decurso das buscas. Por isso e para esse efeito é que elas foram determinadas, ou seja, com o objetivo de recolher material probatório do período da indiciação criminal e específicos contratos de representação que poderão eventualmente consubstanciar essa indiciação.”
E, ainda, que “Mutatis mutandis” o que se deixa exposto é inteiramente válido para alegada, mas não demonstrada irregularidade, a que o requerente alude nos pontos 8º a 11º do seu requerimento.
Acresce que, não obstante o M.P. ter ordenado a apreensão resumida no ponto 8º do requerimento em apreço, condicionou-a à autorização Juiz de Instrução Criminal.
Autorização que foi expressamente concedida, como se antevê do respetivo despacho judicial no ponto 3º a fls. 911 (“Das buscas não domiciliárias determinadas pelo M.P. e da sua competência”) no que concerne à:
a) Apreensão de correspondência física em papel;
b) Pesquisa informática nos sistemas informáticos;
c) Apreensão por cópia dos dados relativos a caixas de correio eletrónico, bem como de mensagens de chat e comunicações eletrónicas semelhantes (…)”
Com relevo para a apreciação deste recurso, também importa atentar ao teor dos despachos em causa: a promoção do Ministério Público que subjaz às buscas, datada de .../.../2023 e o despacho judicial que autorizou as buscas, datado de .../.../2023 [transcrição dos segmentos relevantes]:
Promoção do Ministério Público:
“(…)
I - Da emissão de mandados de Buscas Domiciliárias e Outras
I. a) Dos Factos
No presente inquérito investiga-se a atuação da AA, desde o ano de …, e a celebração de contratos desportivos que constituíram negócios simulados.
Especificamente, naqueles negócios intervieram como intermediárias e prestadoras de serviços à AA, sociedades que, na realidade eram, à data, agentes dos jogadores de futebol profissional, pelo que o pagamento das comissões pela ... àquelas sociedades constituíram rendimentos de trabalho dependente dos jogadores.
Concretamente, os contratos desportivos assumiram a seguinte natureza:
- (i) Contratos de representação em que a AA confere, supostamente, poderes ao agente/representante/empresário/intermediário para, em seu nome e representação, promover e desenvolver as negociações e diligências conducentes à celebração ou renovação de um Contrato de Trabalho Desportivo com determinado jogador;
- (ii) Contratos de representação em que a AA contrata o agente/representante/empresário/intermediário, para, supostamente, prestar serviços de assistência com vista a assegurar a compra do passe de determinado jogador, tais serviços incluem: contactar o clube vendedor, o jogador, se necessário, coordenar as negociações e preparar todos os papéis no que diz respeito à referida compra em todos os seus aspetos relevantes, a fim de encontrar uma adequada solução para a AA; e ainda,
- (iii) Contratos em que a AA contrata o agente/representante/empresário/intermediário, para que, supostamente, promova determinado jogador (atleta pertencente aos seus quadros) junto de outros clubes, usando a sua rede de contactos, com vista à alienação, temporária ou definitiva, dos direitos federativos e/ou à alienação dos direitos económicos relativos ao atleta.
Os aludidos contratos e as faturas emitidas na sua sequência constituem documentos fiscalmente relevantes, que terão sido registados nos elementos contabilísticos das sociedades intervenientes em causa, e suportado a informação constante das declarações fiscais da ... que, desse modo, deduziu indevidamente despesas e custos em sede de IVA e de IRC.
Todos os intervenientes nos negócios - ..., intermediários, e jogadores - estavam cientes de que os contratos em que intervieram eram negócios simulados, e agiram com o propósito concretizado de obter avultadas vantagens patrimoniais, quer em sede de IRS e encargos com a Segurança Social (jogadores e ...), quer em sede de IRC e IVA (...).
**
Os factos supra descritos são suscetíveis de integrar, por ora, a prática dos crimes de frade fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.°, n.°1, alínea b), e n.°2, 104.°, n.°2, alíneas a) e b), e n.°3, do R.G.I.T. (Lei n.° 15/2001, de 05.06.), fraude contra a segurança social, p. e p. pelo art.° 106.°, do R.G.I.T., e de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368.°-A, n.°s 1 e 2, do Código Penal.
(…)
I. b) Da necessidade da realização de buscas e da sua promoção
Atendendo ao tipo de crimes em causa, bem como à circunstância de, com elevada probabilidade, os locais cuja busca a Unidade dos Grandes Contribuintes requereu, poderão conter elementos fundamentais e imprescindíveis para a prova dos factos objeto do presente inquérito, cuja custódia importa assegurar com a máxima celeridade, sob pena de ficar prejudicado o interesse da investigação e, a final, o da realização da justiça.
No presente estádio da investigação, é essencial a recolha de informação adicional que se encontra na esfera e disponibilidade dos suspeitos, designadamente, emails, comunicações através de aplicações, agendas, manuscritos, contactos, provas de pagamento e recebimentos, entre outros documentos relevantes para a descoberta da verdade.
Considerando o supra exposto, e mostrando-se reunidos os respetivos pressupostos legais, ao abrigo do disposto nos artigos 269.°, n.°1, alínea c), 174.°, n.°s 2, 3 e 4, e 177.°, do Código de Processo Penal, e com observância das formalidades previstas nos artigos 176.°, e 177.°, daquele Código, promove-se:
A emissão de mandados de busca (domiciliária), ao abrigo do disposto nos ao abrigo do disposto nos artigos 174.°, n.° 2, e 3, 176.°, 177.°, n.° 1 e 2, e 269.°, n.° 1, alíneas c) e f), todos do C.P.P., a cumprir pela Unidade dos Grandes Contribuintes, nas moradas abaixo identificadas.
As buscas deverão ser extensíveis aos respetivos anexos e dependências, garagens, parqueamentos e arrecadações, e ainda às caixas de correio das residências indicadas e viaturas automóveis que pertençam, se encontrem a ser utilizadas ou na disponibilidade de cada um dos visados com a busca com recurso.
Se necessário, com recurso ao escalamento ou ao arrombamento de portas, bem como autorização para desativação de sistemas de vigilância eletrónicos, caso se venham a colocar dificuldades e resistências, por ação deliberada dos visados pelas buscas, ou por quaisquer outros indivíduos, no acesso e introdução nos mesmos, tendo em vista a apreensão dos elementos supra indicados.
Instalações que deverão ser objeto das buscas e apreensões:
Local a Buscar:
(…)
1. c) Outras Buscas - Escritório/Arquivo de Advogados
No âmbito das diligências realizadas, apurou-se que na porta do edifício que constitui a sede da sociedade ..., com o NIF/NIPC ..., sita na ..., …., que intervém na prática dos factos na qualidade de Agente, encontra-se afixada uma placa com o dizer Lawyers, cfr. fls. 857 a 859.
Existe, pois a probabilidade de a identificada morada corresponder ao domicílio profissional de advogado, ou local onde faça arquivo.
Nos termos conjugados do disposto nos artigos 177.°, n.°s 1 e 5, e 180.°, do Código de Processo Penal, a realização de busca em escritório de advogado depende de autorização do Juiz de Instrução Criminal, que deverá presidir à diligência.
E, de acordo com o artigo 75.°, n.°1, do Estatuto da Ordem dos Advogados atualmente em vigor (Lei n.° 145/2015, de 09.09):
(...) as buscas e diligências equivalentes no escritório ou sociedade de advogados ou em qualquer outro local onde faça arquivo (...) só podem ser decretados e presididos pelo juiz competente.
Tal significa que a busca a realizar em qualquer outro local onde o Advogado faça arquivo encontra-se sujeita às referidas formalidades: autorização pelo JIC, que presidirá à diligência.
Atenta a existência nos locais acima referidos de instalações afetas ao exercício da advocacia e/ou de prestação de serviços jurídicos por advogados, que ali fazem o seu arquivo, e por isso, sujeitas a sigilo profissional, as buscas deverão ser presididas por um Juiz de Instrução Criminal.
Para o efeito deverá estar presente um representante da Ordem dos Advogados, ao abrigo do disposto nos artigos 268.°, n.°1, alínea c), e 180.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Penal, e artigo 75.°, n.°1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, e com observância das formalidades previstas nos artigos 176.°, e 177.°, n.°5, ex vi do art.° 180.°, n.°3, daquele Código.
Pelo que, ao abrigo das referidas disposições legais, e com os fundamentos mencionados, promove-se a realização de buscas aos seguintes locais:
(…)
I. d) Pedido de autorização judicial para Pesquisa e Apreensão de Correspondência Eletrónica/Outras Comunicações de natureza semelhante e Quebra de Sigilos
Ao abrigo do disposto no artigo 17.°, da Lei n.° 109/2009, de 15.09, e artigos 179.° n.°3, 187.°, 188.°, 189.°, e 268.°, n.°1, alínea c), todos do Código de Processo Penal, promove-se, quer relativamente às buscas domiciliárias, quer às buscas não domiciliárias, a autorização para pesquisa eletrónica e apreensão dos ficheiros com correspondência eletrónica e comunicações de natureza semelhante que venham a ser eventualmente detetados em qualquer tipo de suporte informático, no decurso das mencionadas diligências, a fim de que neles possam valer como prova.
O conhecimento e acesso à correspondência eletrónica deverá ser reservado ao Mm.° Juiz de Instrução, em primeira mão e em exclusivo, para eventual junção aos autos, salvaguardando-se o direito à privacidade e inviolabilidade da correspondência e das telecomunicações, nos termos dos artigos 9.°, alínea b), 34.° e 35.° da Constituição da República Portuguesa.
Mais se promove a quebra dos sigilos, sem prejuízo do regime consagrado no artigo 182.°, do Código de Processo Penal, no que tange ao sigilo profissional, de funcionário e de Estado, com vista ao oportuno acesso a todos os dados e documentos relevantes para a investigação, seja qual for o seu suporte, ressalvados os de cariz íntimo e pessoal, assim como as mensagens de correspondência eletrónica e os registos de comunicações de natureza semelhante, cujo acesso e escrutínio deverá ser feito em exclusivo e em primeira mão pelo Mm.° JIC.
*
1. e) Data de Cumprimento
O presente Inquérito encontra-se relacionado, embora sem conexão processual, com outros que correm termos neste DCIAP que têm por objeto o mesmo tipo de atividade criminosa embora com sujeitos diferentes.
Tal como referido na informação de fls. 803 a 824, considerando o calendário de competições desportivas em que se encontram envolvidas algumas das ...'s objeto dos autos, que acarretam deslocações ao estrangeiro de alguns dos alvos das diversas diligências de Busca, e compaginando essa circunstância com a necessidade de reunir um efetivo policial superior a 150 elementos, concluiu-se que de um ponto de vista técnico e tático as diligências deverão ter lugar em data próxima, que oportunamente será transmitida.
II - Da emissão de mandados de Buscas Não Domiciliárias
Atendendo ao tipo de crimes em causa, bem como à circunstância de, com elevada probabilidade, os locais cuja busca o OPC requereu, poderão conter elementos fundamentais e imprescindíveis para a prova dos factos objeto do presente inquérito, cuja custódia importa assegurar com a máxima celeridade, sob pena de ficar prejudicado o interesse da investigação e, a final, o da realização da justiça.
Considerando o supra exposto, e mostrando-se reunidos os respetivos pressupostos legais, determina-se a Emissão de Mandados de Busca Não Domiciliária, ao abrigo do disposto nos artigos 174.°, n.°s 1, 2, 3 e 4, 176.°, e 178.°, n.°s 1 e 2, todos do Código de Processo Penal.
A busca é extensível a todos os espaços fechados, anexos e dependências do local buscado, incluindo garagens, arrecadações, parqueamentos, caixas de correio, cofres e veículos aí estacionados, bem como a outros locais encontrados no espaço a buscar, nos quais seja previsível alojar-se a prova relevante para os autos, desde que não se tratem de espaços reservados a habitação, para cuja busca é exclusivamente competente o Mm.° Juiz de Instrução Criminal, circunstancialismo a confirmar no local.
Em caso de necessidade, e como contributo para o sucesso da investigação, autoriza-se a neutralização de animais através da administração de substâncias tranquilizantes cuja utilização deverá ser feita de forma adequada a não prejudicar a sua saúde e a não colocar em risco a sua vida; a desativação, por qualquer meio, de sistemas de vigilância eletrónica eventualmente em funcionamento nos locais a buscar; o recurso ao escalamento e/ou arrombamento de portas e janelas; e o uso da força contra quem quer que se oponha à realização das diligências ora ordenadas, sempre com o respeito pelos princípios da adequação e da responsabilidade e da proporcionalidade e pelos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.
*
Ao abrigo do disposto no artigo 175.°, do Código de Processo Penal, autoriza-se ainda a realização de revista a toda e qualquer pessoa encontrada no local a buscar ou nas suas proximidades, desde que se suspeite, fundadamente, poder encontra-se na posse de documentos e/ou material, sempre com referência ao objeto da investigação em curso.
*
No caso de ser encontrada correspondência, deverá o respetivo conteúdo ser devidamente selado para conhecimento exclusivo do JIC, em primeira mão, conforme dispõe o artigo 179.°, n.°3, do Código de Processo Penal.
Locais a Buscar:
(…)
II. a) Autorização para Pesquisa Eletrônica e Apreensão de Dados Informáticos
Nos termos do disposto nos artigos 11.°, n.° 1, alínea c), 15.° e 16.°, da Lei n.° 109/2009, de 15 de setembro, no âmbito das buscas domiciliárias e não domiciliárias a realizar nos presentes autos, autoriza-se a realização de pesquisa eletrônica em qualquer tipo de suporte informático, incluindo, entre outros, telemóveis, computadores, discos rígidos, pen-drives, servidores, cópias de segurança, quaisquer outros dispositivos eletrônicos e informáticos armazenadores de dados e/ou documentos, com extensão a outros sistemas informáticos ou partes diferentes do sistema informático pesquisado, desde que acessíveis a partir do sistema inicial.
Mais se autoriza a apreensão, por qualquer das modalidades previstas no art.° 16.°, n.° 7, da Lei n.° 109/2009, de 15 de setembro, com respeito pelo disposto no seu art.° 8.°, dos elementos pesquisados que se afigurem relevantes para o objeto da presente investigação, a fim de que possam valer como prova nos autos.
Apreensão a efetuar com respeito pelos limites e procedimentos impostos no artigo 16.°, n.°3, do citado diploma legal, no tocante aos dados ou documentos informáticos com conteúdo passível de revelar dados pessoais ou íntimos dos buscados ou de terceiro, cujo conhecimento e acesso deverá ser reservado ao JIC, em primeira mão, eventual ordem de junção, à semelhança do que e legalmente exigido quanto as mensagens de correio eletrónico e outras comunicações de natureza semelhante, nos termos conjugados dos artigos 17.°, da Lei n.° 109/2009, de 15 de setembro, e art.° 179.°, n.° 3, do Código de Processo Penal.
Tudo em salvaguarda dos direitos fundamentais, entre os quais o direito a privacidade e inviolabilidade da correspondência e das telecomunicações, conforme estipulado nos arts. 9.°, alínea b), 34.° e 35.°, da C.R.P., em conformidade com o que promoveremos seguidamente ao Juiz de Instrução em complemento da presente determinação, visando a sua integral execução.
(…)
Por todo o exposto, remeta os autos ao Mm.° Juiz de Instrução Criminal junto do Tribunal Central de Instrução Criminal, a quem se promove:
1. Seja ordenada a emissão de mandados de busca - domiciliárias e outras: pontos 1. b) e I. d) - para as moradas supra indicadas, nos termos supra expostos;
2. Seja autorizada a pesquisa informática nos sistemas informáticos que forem localizados ou noutros legitimamente acessíveis a partir desse sistema inicial nas moradas objeto da busca domiciliária (art.° 15°, n.° 1, 2 e 5, da Lei n° 109/2009, de 15/09);
3. Seja autorizada a pesquisa e apreensão das mensagens de correio eletrónico que se encontrem guardadas em suporte digital, e que se mostrem relacionadas com a prática dos crimes em investigação ou que possam servir a prova dos mesmos, encontradas no decurso das buscas (domiciliárias, outras, e não domiciliárias), quer associadas aos suspeitos/arguidos identificados nos autos, quer a qualquer outro interveniente cujo envolvimento na matéria em investigação se revele no decurso das buscas, e que serão inseridas em suporte digital autónomo a fim de lhe serem presentes (artigos 17.°, da Lei n° 109/2009, de 15.09, e 179.°, n° 1, a), b) e c), e n.° 3, do Código de Processo Penal).
(…)”
Despacho do Juiz a quo (JIC), que versou sobre a anterior promoção:
“(…)
1) Das promovidas buscas domicilárias:
No presente inquérito investiga-se a ocorrência de factos suscetíveis de configurarem a prática dos seguintes crimes:
- fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, n.º 1, al. b), e n.º 2, 104º, n.º 2, als. a) e b) e n.º 3 do R.G.I.T (Lei n.º 15/2001, de 5.6.);
- fraude contra a segurança social, p. e p. pelo art. 106º do mesmo diploma;
- branqueamento, p. e p. pelo art. 368º, n.ºs 1 e 2 do C.P.;
Procedi a uma leitura atenta do acervo probatório constituído pelo presente inquérito.
Em muito breve síntese, investiga-se a atuação da AA, desde o ano 2015, e a celebração de contratos desportivos que constituirão negócios simulados nos quais intervieram como intermediárias e prestadoras de serviços àquela ... várias outras sociedades, na realidade, agentes dos jogadores de futebol profissional.
Ainda resumidamente, como bem refere o M.P., existem indícios que os “contratos e as faturas emitidas na sequência dos contratos constituem documentos fiscalmente relevantes, que terão sido registados nos elementos contabilísticos das sociedades intervenientes (...), e suportado a informação constante das declarações fiscais da ... que, desse modo” (terá) deduzido “indevidamente despesas e custas em sede de IVA e IRC”.
Dos elementos probatórios constantes dos autos é de crer que nos locais encontrados possam vir a ser encontrados documentos e evidência de comunicações que permitam esclarecer a ilicitude objeto de investigação nos presentes autos, ou seja, “relacionados com um crime ou que possam servir de prova” (art. 174°, n.°s 1 e 2 do C.P.P.).
Assim sendo, com o objetivo de apreensão de documentos e/ou comunicações escritas (mail´s, mensagens, sms, etc. por via eletrónica e/ou informática), por estarem reunidos os pressupostos legais (arts. 174º, n.ºs 1 a 4, 175º, 176º, 177º, n.º 1 e 269º, n.º 1, al. c) e d), todos do C.P.P., autorizo a realização das buscas domiciliárias requeridas, entre as 7:00 H e as 21:00 H, as quais terão lugar nos domicílios/moradas indicados a fls. 896 a 898 (pontos 1º a 13º), incluindo todas as dependências anexos, logradouros, garagens, arrecadações e caixas de correio, se necessário, com arrombamento de portas ou de espaços/objetos fechados e não livremente acessíveis.
No âmbito destas buscas autorizo expressamente:
a) A apreensão de correspondência física em papel, da qual devo ter conhecimento em “primeira mão” a fim de aferir da sua pertinência/relevância para a prova ou determinar a sua restituição a quem de direito (art. 179º, n.ºs 1, als. a) a c) e 3) do C.P.P.);
b) A pesquisa informática nos sistemas informáticos que forem localizados ou noutros livremente acessíveis a partir do sistema inicial (arts. 11º, n.º 1, al. c) e 15º, n.ºs 1, 2 e 5 da Lei n.º 109/2009, de 15.9.);
c) A apreensão por cópia dos dados relativos a caixas de correio eletrónico, bem como de mensagens de chat e comunicações eletrónicas semelhantes (Messenger, WhatsApp, app mensagens, etc.) que se encontrem em qualquer sistema informático utilizado ou guardadas em suporte digital e que se mostrem relacionadas com a prática dos crimes em investigação ou que possam servir de prova dos mesmos, as quais devem ser inseridas em suporte digital autónomo, de forma encriptada e sem análise prévia (art. 16º, n.ºs 1 e 7, als. a) a c) e 8 da Lei n.º 109/2009, de 15.9.), suportes dos quais devo ter conhecimento em “primeira mão” a fim de aferir da sua pertinência/relevância para a prova ou determinar a sua restituição a quem de direito (art. 17º da mesma Lei e art. 179º, n.ºs 1, als. a) a c) e 3) do C.P.P.) ou, ainda, aferir se revelam dados pessoais ou íntimos que possam colocar em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiro com vista a ponderar da sua junção aos autos tendo em contra os interesses do caso concreto no contexto dos crimes investigados (art. 16º, n.º 3 da identificada Lei);
*
2) Outra busca – Escritório/Arquivo de Advogados:
Pelas razões aduzidas, com o objetivo de apreensão de documentos e/ou comunicações escritas (mail´s, mensagens, sms, etc. por via eletrónica e/ou informática), por estarem reunidos os pressupostos legais (arts. 174º, n.ºs 1 a 4, 176º, 177º, n.ºs 1 e 5, 178º, 179º, n.º 3, 180º, n.ºs 1 a 3 e 269º, n.º 1, al. c) e d), todos do C.P.P., autorizo a realização das buscas requeridas, entre as 7:00 H e as 21:00 H, as quais terão lugar no departamento jurídico (fls. 900, ponto 1º) e escritório/arquivo de advogado (fls. 900, ponto 2º) incluindo todas as dependências anexos, logradouros, garagens, arrecadações e caixas de correio, se necessário, com arrombamento de portas ou de espaços/objetos fechados e não livremente acessíveis:
No âmbito destas buscas autorizo expressamente:
a) A pesquisa informática nos sistemas informáticos que forem localizados ou noutros livremente acessíveis a partir do sistema inicial (arts. 11º, n.º 1, al. c) e 15º, n.ºs 1, 2 e 5 da Lei n.º 109/2009, de 15.9.);
b) A apreensão por cópia dos dados relativos a caixas de correio eletrónico, bem como de mensagens de chat e comunicações eletrónicas semelhantes (Messenger, WhatsApp, app mensagens, etc.) que se encontrem em qualquer sistema informático utilizado ou guardadas em suporte digital e que se mostrem relacionadas com a prática dos crimes em investigação ou que possam servir de prova dos mesmos, as quais devem ser inseridas em suporte digital autónomo, de forma encriptada e sem análise prévia (art. 16º, n.ºs 1 e 7, als. a) a c) e 8 da Lei n.º 109/2009, de 15.9.), suportes dos quais devo ter conhecimento em “primeira mão” a fim de aferir da sua pertinência/relevância para a prova ou determinar a sua restituição a quem de direito (art. 17º da mesma Lei e art. 179º, n.ºs 1, als. a) a c) e 3) do C.P.P.) ou, ainda, aferir se revelam dados pessoais ou íntimos que possam colocar em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiro com vista a ponderar da sua junção aos autos tendo em contra os interesses do caso concreto no contexto dos crimes investigados (art. 16º, n.º 3 da identificada Lei);
c) Relativamente à busca e apreensão ao escritório de advocacia será dado cumprimento ao disposto no art. 180º, n.º 2 do C.P.P. e, em todo o caso, será sempre o signatário a “primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo” dos documentos, objetos, dados informáticos, correspondência ou mensagens escritas (de qualquer tipo) ou de voz (de qualquer tipo) apreendidas, tudo para aferir e determinar a sua junção aos autos (se relevante para a prova) ou a sua restituição (se não revestir interesse) – art. 179°, n.° 3 “ex vi” art. 180°, n.° 3, ambos do C.P.P.;
*
Passe os competentes mandados, os quais deverão ser acompanhados de cópia deste despacho e de fls. 896, último parágrafo, a 898, e 900 (identificação das moradas), na parte pertinente por referência às pessoas visadas nas buscas, truncando-se as partes restantes.
A realização das buscas domiciliárias e departamento jurídico ficará a cargo da Unidade dos Grandes Contribuintes
Consigno que não presidirei às buscas domiciliárias.
*
Sem prejuízo de o M.P. indicar outros dados relevantes, também não presidirei à busca às instalações do departamento jurídico.
Este, em princípio, é constituído por funcionários da ..., ainda que possam ter a licenciatura em direito e inscrição na O.A..
Se no início da busca ao departamento jurídico houver algum elemento que permita concluir em sentido contrário, a mesma deverá ser suspensa, pessoalmente deverei ser informado, a fim de poder deslocar-me ao local onde ocorrerá e presidir à mesma.
*
Presidirei pessoalmente à busca e apreensão ao que se supõe ser escritório/arquivo de advogado (art. 177º, n.º 5 do C.P.P.).
Proceda-se a aviso prévio e, com urgência, ao Exm.º Sr.º Presidente do Conselho Local da Ordem dos Advogados, em ordem a que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente na busca ao escritório (sem revelar nome do visado e morada, sendo certo que o local de “encontro” será no Tribunal nos termos que serão definidos oportunamente) – art. 177º, n.º 5 do C.P.P..
(…)
Prazo máximo para a realização das buscas: 30 (trinta) dias.
*
3) Das buscas não domiciliárias determinadas pelo M.P. e da sua competência (fls. 903 a 905, pontos 1º a 13º):
Pelas mesmas razões de facto e de direito já expostas, como requerido, autoriza-se:
a) A apreensão de correspondência física em papel, da qual devo ter conhecimento em “primeira mão” a fim de aferir da sua pertinência/relevância para a prova ou determinar a sua restituição a quem de direito (art. 179º, n.ºs 1, als. a) a c) e 3) do C.P.P.);
b) A pesquisa informática nos sistemas informáticos que forem localizados ou noutros livremente acessíveis a partir do sistema inicial (arts. 11º, n.º 1, al. c) e 15º, n.ºs 1, 2 e 5 da Lei n.º 109/2009, de 15.9.);
c) A apreensão por cópia dos dados relativos a caixas de correio eletrónico, bem como de mensagens de chat e comunicações eletrónicas semelhantes (Messenger, WhatsApp, app mensagens, etc.) que se encontrem em qualquer sistema informático utilizado ou guardadas em suporte digital e que se mostrem relacionadas com a prática dos crimes em investigação ou que possam servir de prova dos mesmos, as quais devem ser inseridas em suporte digital autónomo, de forma encriptada e sem análise prévia (art. 16º, n.ºs 1 e 7, als. a) a c) e 8 da Lei n.º 109/2009, de 15.9.), suportes dos quais devo ter conhecimento em “primeira mão” a fim de aferir da sua pertinência/relevância para a prova ou determinar a sua restituição a quem de direito (art. 17º da mesma Lei e art. 179º, n.ºs 1, als. a) a c) e 3) do C.P.P.) ou, ainda, aferir se revelam dados pessoais ou íntimos que possam colocar em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiro com vista a ponderar da sua junção aos autos tendo em contra os interesses do caso concreto no contexto dos crimes investigados (art. 16º, n.º 3 da identificada Lei);
(…)”
Recordada, assim, a decisão recorrida e, para enquadramento da mesma, os despachos acima também transcritos, cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do art. 174.º, nº 2, do C.P.P., «quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior [objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova], ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca».
É certo que o art. 174.º do C.P.P. não impõe a verificação de suspeita da prática de crime incidente sobre o visado pela medida, aludindo apenas à existência de indícios de que objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontrem em determinado domicílio.
Porém, o facto de a lei habilitante não fazer menção a requisitos específicos para o deferimento de uma medida processual penal restritiva de direitos das pessoas (designadamente nas buscas, art. 174º e ss. C.P.P.), não permite concluir pela desnecessidade de fundamentação para o seu deferimento.
Indispensável será reter que uma busca domiciliária constitui uma medida restritiva de direitos fundamentais e, como tal, sujeita a reserva de lei e de juiz para a respectiva autorização.
Tal como referido no Ac. TC n.º 114/95 «a intervenção do juiz é exigida pela preocupação de controlar a legalidade e, bem assim, garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, no caso, a inviolabilidade do domicílio», qualificando-se a autorização judicial como uma intervenção garantística. A finalidade da intervenção judicial é assegurar a garantia de um controlo preventivo através de uma instância independente e neutral que leve também em adequada consideração os interesses do titular do direito fundamental restringido pela medida. O juiz deve fazer uma apreciação própria da medida solicitada, em ordem a conter a restrição do direito fundamental dentro dos limites do razoável, assegurando-se de que se encontram reunidos os pressupostos constitucionais e legais para a sua realização.
Tal exigência não se compadece, pois, com um mero exercício de controlo formal, antes pressupondo uma ponderação de interesses isenta e equidistante, que se aproxima da apreciação jurisdicional. Na verdade, de acordo com os princípios inscritos na Constituição em matéria de direitos fundamentais, a autorização de uma medida restritiva de direitos está necessariamente sujeita aos limites impostos pela necessidade, adequação e proporcionalidade (cfr. arts. 18.º e 34.º da CRP). E o princípio da proporcionalidade exige que a limitação dos direitos fundamentais de cada um se cinja ao indispensável para a protecção do interesse público.
Uma diligência de busca tem de se encontrar numa relação de adequação com a gravidade do crime e a força da respectiva indiciação nos autos e deve surgir como uma diligência promissora de sucesso relativamente aos objectivos delineados na investigação. A avaliação da oportunidade ou utilidade das medidas de investigação é indiscutivelmente competência dos investigadores, mas o recurso a uma medida fortemente lesiva ou restritiva dos direitos fundamentais pressupõe a avaliação da possibilidade de empreendimento de outras medidas menos lesivas. E esta é avaliação que cabe a um juiz.
Cumpre, ora, transpor estes ensinamentos para a situação in casu.
Da análise dos presentes autos de inquérito resulta que o Ministério Público levou à apreciação do competente JIC, no âmbito do despacho cuja invalidade foi suscitada pela recorrente, a necessidade de realização de buscas, porquanto, no decurso da investigação, surgiu a referência relativa à existência de indícios de que os elementos probatórios relevantes, relacionados com a prática dos factos (e dos crimes) objecto da investigação, se encontravam em local reservado e não livremente acessível ao público.
No referido despacho/promoção, o Ministério Público explanou que a investigação versa sobre suspeitas que pendem mormente sobre a recorrente, AA, da prática de crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.°, n.°1, alínea b), e n.°2, 104.°, n.°2, alíneas a) e b), e n.°3, do R.G.I.T. (Lei n.° 15/2001, de 05.06.), fraude contra a segurança social, p. e p. pelo art.° 106.°, do R.G.I.T., e de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368.°-A, n.°s 1 e 2, do Código Penal.
E especificou, o Ministério Público, que a investigação versa sobre a actuação da recorrente, AA, desde o ano de 2015, relativamente à celebração de contratos desportivos que, indiciariamente, constituíram negócios simulados, indicando que, em tais negócios, intervieram como intermediárias e prestadoras de serviços à AA, sociedades que, na realidade eram, à data, agentes dos jogadores de futebol profissional, pelo que o pagamento das comissões pela ... àquelas sociedades constituíram rendimentos de trabalho dependente dos jogadores.
E indicou, o Ministério Público, concretamente, as diferentes naturezas que tais contratos desportivos terão assumido, descrevendo-os especificamente sob os pontos (i), (ii) e (iii), que acima transcrevemos e para onde aqui nos permitimos remeter, para evitar repetições, acrescentando que os aludidos contratos, e as facturas emitidas na sua sequência, constituem documentos fiscalmente relevantes, que terão sido registados nos elementos contabilísticos das sociedades intervenientes em causa e suportado a informação constante das declarações fiscais da ... que, desse modo, deduziu indevidamente despesas e custos em sede de IVA e de IRC.
Mais acrescentou que as suspeitas em investigação são as de que todos os intervenientes nos negócios - ..., intermediários, e jogadores - estavam cientes de que os contratos em que intervieram eram negócios simulados, e agiram com o propósito concretizado de obter avultadas vantagens patrimoniais, quer em sede de IRS e encargos com a Segurança Social (jogadores e ...), quer em sede de IRC e IVA (...).
Sendo sabido que não cabe ao juiz definir a estratégia da investigação, não é menos certo que é a ele que cabe a avaliação da possibilidade de empreendimento de outras medidas menos lesivas diante do pedido que lhe é apresentado de realização de uma medida de investigação fortemente restritiva de direitos fundamentais. Só desta forma a decisão judicial respeitará o sub-princípio da necessidade ínsito no princípio da proporcionalidade.
É, assim, dever dos próprios investigadores fundamentarem o seu pedido, indicando os factos ou circunstâncias que permitam sustentar a proporcionalidade da medida solicitada em todos os seus parâmetros.
No caso dos autos, é inequívoco que o Ministério Público identificou, com a precisão e clareza necessários e possíveis, neste estádio da investigação, os suspeitos dos crimes investigados, assim como o objecto de investigação, consubstanciado nos negócios que descreveu especificamente, sendo sobre os mesmos que incidiriam as buscas e apreensões solicitados.
Justificou, o Ministério Público, no despacho colocado em crise pela recorrente, perante o cenário investigatório a decorrer, a necessidade da realização de buscas e apreensão. Ou seja, invocou que, atendendo ao tipo de crimes em investigação, com elevada probabilidade, os locais cuja busca a Unidade dos Grandes Contribuintes requereu, poderão conter elementos fundamentais e imprescindíveis para a prova dos factos objecto do inquérito, cuja custódia importa, assim, assegurar com a máxima celeridade, sob pena de ficar prejudicado o interesse da investigação e, a final, o da realização da justiça.
Acrescentou revelar-se essencial, na fase investigatória em que os autos se encontram, a recolha de informação adicional que se encontra na esfera e disponibilidade dos suspeitos, designadamente, emails, comunicações através de aplicações, agendas, manuscritos, contactos, provas de pagamento e recebimentos, entre outros documentos relevantes para a descoberta da verdade.
Foi, assim, neste contexto, que veio o Ministério Público requerer ao JIC, ao abrigo do disposto nos artigos 269.°, n.°1, alínea c), 174.°, n.°s 2, 3 e 4, e 177.°, do Código de Processo Penal, e com observância das formalidades previstas nos artigos 176.°, e 177.°, daquele Código, a emissão de mandados de busca - domiciliárias e outras, para as moradas que indicou.
Impõe-se, pois, concluir que o Ministério Público, no despacho em análise, de forma sobejante, cumpriu a exigência legal prevista no nº 2 do art. 174º do C.P.P., que, em bom rigor, diga-se, nem exige tanto, bastando-se com a verificação e apreciação da existência de indícios de que os objectos referidos no nº 1 (relacionados com um crime ou que possam servir de prova), se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.
Por sua vez, da leitura do despacho que deferiu as buscas [acima transcrito], resulta manifesto que o Mmº JIC procedeu a uma apreciação atenta da medida solicitada pelo Ministério Público, indo muito além de um mero exercício de controlo formal, deixando patente que procedeu a uma ponderação de interesses isenta e equidistante.
Ora, é ao JIC e não ao buscado, neste caso recorrente, que cabe sindicar da necessidade de realização de buscas e apreensões e respectiva extensão.
E certo é que, após análise do acervo probatório até então constituído no presente inquérito, acabou o Mmº JIC por concordar com o Ministério Público, quanto à efectiva existência de indícios de que os “contratos e as faturas emitidas na sequência dos contratos constituem documentos fiscalmente relevantes, que terão sido registados nos elementos contabilísticos das sociedades intervenientes (...), e suportado a informação constante das declarações fiscais da ... que, desse modo” terá deduzido “indevidamente despesas e custas em sede de IVA e IRC”.
E concluiu, após análise dos elementos probatórios constantes dos autos, que seria de crer que nos locais indicados poderiam vir a ser encontrados documentos e evidência de comunicações que permitissem esclarecer a ilicitude objecto de investigação nos presentes autos, ou seja, “relacionados com um crime ou que possam servir de prova” (art. 174°, n.°s 1 e 2 do C.P.P.).
Na sequência de tal análise e, com ela, da efectiva constatação da verificação dos apontados indícios, acabou o Mmº JIC por autorizar a realização das buscas domiciliárias requeridas, com o objectivo preciso “de apreensão de documentos e/ou comunicações escritas (mail´s, mensagens, sms, etc. por via eletrónica e/ou informática), por estarem reunidos os pressupostos legais (arts. 174º, n.ºs 1 a 4, 175º, 176º, 177º, n.º 1 e 269º, n.º 1, al. c) e d), todos do C.P.P., , entre as 7:00 H e as 21:00 H, as quais terão lugar nos domicílios/moradas indicados a fls. 896 a 898 (pontos 1º a 13º), incluindo todas as dependências anexos, logradouros, garagens, arrecadações e caixas de correio, se necessário, com arrombamento de portas ou de espaços/objetos fechados e não livremente acessíveis.”
E por se tratar a recorrente, AA, de uma pessoa colectiva, foi considerado como local a buscar, quer a morada correspondente à da respectiva sede, bem como o local que a mesma usa como arquivo da respectiva documentação, relacionada com o exercício da sua actividade.
Entendemos, pois, que, ao contrário do alegado pela recorrente, encontra-se perfeitamente delimitada a factualidade sob investigação e, com ela, o objecto das diligências de busca e apreensão, requeridas pelo Ministério Público e ordenadas pelo Mmº JIC.
A invocada falta de indicação do termo final do objecto das buscas e apreensões não pode colher, porquanto será, certamente, a investigação, designadamente através das buscas e apreensões solicitadas, entre outros meios de prova, que irá dar resposta a tal questão.
Tal como não pode também colher a invocada falta de indicação de quais os concretos contratos desportivos que se entendem terem constituído negócios simulados, as partes contratantes, os jogadores em causa, ou quem teria actuado no âmbito da respectiva celebração e dos concretos dados informáticos alvo da diligência, porquanto tal precisão, naturalmente, também só poderá, oportuna e eventualmente, ser possível, após a obtenção do correspondente meio de prova, sendo para isso que serve a actividade investigatória.
A recorrente invoca um rigor, uma precisão delimitativa do objecto das diligências de busca e apreensão, que se revela totalmente irrealista.
O legislador da Lei do Cibercrime, com a menção feita no seu art. 15.°, n.°1, à obtenção de dados informáticos específicos e determinados, não pretendeu certamente abarcar uma exigência legal de pré-identificação exacta e rigorosa dos dados informáticos a pesquisar, no decurso de buscas, mas tão-só pretendeu que houvesse uma interligação entre os dados informáticos pesquisados e a sua relevância probatória para a descoberta da verdade material.
E não se diga que a investigação pretendeu avançar para as buscas e apreensões, com “um cheque em branco”, porquanto, como supra se expendeu, resulta perfeitamente claro o alcance visado com tais diligências, face aos crimes em suspeição, os suspeitos e os tipos de contratos em investigação.
Não se verifica, portanto, qualquer invalidade do despacho do Ministério Público subjacente às buscas, bem como das próprias diligências de busca e apreensão realizadas, por não delimitarem o objecto das mesmas, não se verificando, assim e em consequência, a invocada nulidade de toda a prova apreendida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 126.°, do C.P.P., por violação do disposto nos artigos 97.°, n.°1, alínea b), e n.°5, 174.°, n.°s 1 a 3, 179.°, n.°1, alínea a), todos do C.P.P., e do artigo 15.°, n.°1, da LCC, e por violação dos artigos 2.°,18.°, 20.°, 26.°, 32.°, n.°1, e 34.° e 62.° da CRP.
Improcede, assim, o recurso, neste segmento.
*
2) Da nulidade da apreensão integral do conteúdo de suportes informáticos:
Vem também a recorrente argumentar que, numa perspectiva de delimitação do âmbito da diligência, é exigido que uma pesquisa de dados informáticos tenha como alvo "dados informáticos específicos e determinados", (cfr. artigo 15.°, n.° 1, da LCC), bem como que a apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante se limite a correspondência que é enviada ou recebida por suspeito (cfr. arts. 179.°, n.° 1, al. a), do C.P.P., e 15.°, n.° 6 da LCC), considerando a recorrente que, nos documentos entregues no momento das buscas, não se vislumbra de onde resulte a verificação de tais exigências, violando-se, assim, o disposto nos arts. 97.°, n.° 1, al. b), e n.° 5, 174.°, n.ºs 1, 2 e 3, e 179.°, n.° 1, al. a), todos do C.P.P., e do art. 15.°, n.° 1, da LCC.
Argumenta a recorrente que, com excepção dos computadores dos seus colaboradores, os advogados Dr.º AA, Dr.º BB e Dra. CC – em relação aos quais foi feita uma pesquisa in loco dos respectivos sistemas informáticos, com consentimento e colaboração dos próprios visados -, já quanto aos demais, “copiaram-se integralmente os dados informáticos de colaboradores, administradores e, inclusivamente, ex-administradores da requerente, incluindo as correspondentes caixas de correio eletrónico, para posterior efetiva pesquisa”.
Vejamos.
Como vimos, o Mmº JIC, no despacho (datado de .../.../2023) que autorizou as buscas solicitadas pelo Ministério Público, igualmente autorizou, expressamente, a pesquisa informática nos sistemas informáticos e a apreensão, por cópia, dos dados relativos a caixas de correio electrónico, bem como de mensagens de chat e comunicações eletrónicas semelhantes (Messenger, WhatsApp, app mensagens, etc.) que se encontrem em qualquer sistema informático utilizado ou guardadas em suporte digital e que se mostrem relacionadas com a prática dos crimes em investigação ou que possam servir de prova dos mesmos. Ali igualmente determinou o Mmº JIC que estas deveriam ser “ (…) inseridas em suporte digital autónomo, de forma encriptada e sem análise prévia (art. 16º, n.ºs 1 e 7, als. a) a c) e 8 da Lei n.º 109/2009, de 15.9.), suportes dos quais devo ter conhecimento em “primeira mão” a fim de aferir da sua pertinência/relevância para a prova ou determinar a sua restituição a quem de direito (art. 17º da mesma Lei e art. 179º, n.ºs 1, als. a) a c) e 3) do C.P.P.) ou, ainda, aferir se revelam dados pessoais ou íntimos que possam colocar em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiro com vista a ponderar da sua junção aos autos tendo em contra os interesses do caso concreto no contexto dos crimes investigados (art. 16º, n.º 3 da identificada Lei)(…)”
A questão ora em análise, levantada pela recorrente, prende-se com a circunstância de, nas buscas ocorridas no dia ... de ... de 2023, em cumprimento do solicitado pelo Ministério Público e autorizado pelo Mmº JIC, no que à apreensão de material informático concerne, e como decorre do correspondente auto (vd. certidão de instrução do presente apenso de recurso), ter-se procedido “à realização de uma cópia "cega" dos ficheiros existentes” nos postos de trabalho ali identificados.
Com efeito e como resulta do correspondente auto, ao contrário do procedimento seguido relativamente à busca no gabinete jurídico [presidida pelo Mmº JIC], aos postos de trabalho dos advogados ali mencionados, em que “ (…) face à exiguidade da informação, foi efetuada uma pesquisa pasta a pasta e ficheiro a ficheiro, tendo-se selecionado os ficheiros que podem revelar interesse para a investigação (…)”, já assim não aconteceu quanto aos postos de trabalho ali referidos, não jurídicos. Quanto a estes últimos, menciona-se no respectivo auto que “ (…) considerando a extensão dos ficheiros contidos nos postos de trabalho das pessoas abaixo identificadas que não permitia uma seleção ficheiro a ficheiro, procedeu-se à realização de uma cópia "cega" dos ficheiros existentes nos mesmos postos de trabalho (…).
Invoca, como vimos, a recorrente, a nulidade da apreensão integral do conteúdo destes suportes informáticos.
Vejamos se assiste razão à recorrente.
À matéria ora em apreciação é aplicável a Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro - Lei do Cibercrime (doravante LCC).
A referida Lei transpôs para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa] segundo os quais:
«Artigo 1.º - Objecto
A presente lei estabelece as disposições penais materiais e processuais, bem como as disposições relativas à cooperação internacional em matéria penal, relativas ao domínio do cibercrime e da recolha de prova em suporte electrónico, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adaptando o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa
«Artigo 11.º - Âmbito de aplicação das disposições processuais
1 - Com excepção do disposto nos artigos 18.º e 19.º, as disposições processuais previstas no presente capítulo aplicam-se a processos relativos a crimes:
a) Previstos na presente lei;
b) Cometidos por meio de um sistema informático; ou
c) Em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte electrónico
Com interesse para a presente análise, vejamos o teor dos arts. 15º, 16º e 17º da referida LCC.
O art. 15º, sob a epígrafe “Pesquisa de Dados Informáticos”, na parte que ora interessa, dispõe o seguinte:
«1 - Quando no decurso do processo se tornar necessário à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, obter dados informáticos específicos e determinados, armazenados num determinado sistema informático, a autoridade judiciária competente autoriza ou ordena por despacho que se proceda a uma pesquisa nesse sistema informático, devendo, sempre que possível, presidir à diligência
Por sua vez, o art. 16º da mesma LCC, sob a epígrafe “Apreensão de dados informáticos”, na parte que ora interessa, dispõe o seguinte:
«1 – Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados dados ou documentos informáticos necessários à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, a autoridade judiciária competente autoriza ou ordena por despacho a apreensão dos mesmos.»
E o art. 17º da mesma Lei, sob a epígrafe “Apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante”, dispõe o seguinte:
« Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal
Esta legislação especial veio estabelecer disposições penais materiais e processuais relativas ao domínio do cibercrime e da recolha de prova em suporte electrónico – secundarizando o Código de Processo Penal, nomeadamente o regime processual das comunicações telefónicas, previsto nos artigos 187º a 190º do CPP, que deixou de ser aplicável, por extensão, às «telecomunicações electrónicas», «crimes informáticos» e «recolha de prova electrónica/informática» e só sendo aplicável a estas matérias o regime geral do Código Penal e do Código de Processo Penal se não contrariar este mesmo regime especial contido na Lei do Cibercrime.
Na LCC co-existem dois regimes processuais:
- o regime dos artigos 11º a 17º (regime processual «geral» do cibercrime e da prova electrónica/prova em suporte electrónico – através da pesquisa e recolha, para prova, de dados já produzidos, mas preservados/armazenados); e
- o regime dos artigos 18º e 19º (regime processual de autorização e regulação probatória – sendo aquele primeiro no tocante à intercepção de comunicações electrónicas, em tempo real, de dados de tráfego e de conteúdo associados a comunicações específicas transmitidas através de um sistema informático e só a esse são aplicáveis, por remissão expressa, os artigos 187º, 188º e 190º do CPP.).
Em suma – e fazendo nossas a doutas palavras do Exmº Juiz Conselheiro Paulo Dá Mesquita – « o Capítulo III da Lei do Cibercrime (…), relativo às disposições processuais [contendo os arts. 11º até 19º inclusive] deve ser encarado como um “escondido” Capítulo V («Da prova electrónica»), do Título III («Meios de obtenção de prova») do Livro III («Da prova») do Código de Processo Penal».
E este regime especial contido na LCC é um dos casos ressalvados na parte inicial do nº 3 do art. 126º do CPP, segundo o qual: « Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem consentimento do respectivo titular».
Ora, conforme refere o Exmº Juiz Conselheiro Santos Cabral 4: “O núcleo de direitos fundamentais/constitucionais descritos neste nº 3 do art. 126º do CPP – salvaguarda da vida privada, do domicílio, da correspondência ou das telecomunicações – admite compressão, porquanto tal é razoável e admissível, numa lógica de proporcionalidade, e é exigido pelo próprio interesse do Estado no funcionamento da justiça penal enquanto alicerce fundamental de um Estado de Direito.” (negrito e sublinhado nossos)
Aliás, a nossa Constituição da República Portuguesa, apesar de conter o respectivo programa constitucional de protecção de direitos pessoais, nomeadamente através dos seus arts. 26º, nº 1, 32º, nº 8, e 34º , ressalva, expressamente, no nº 4 deste seu art. 34º, a possibilidade de haver ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, nos casos previstos na lei em matéria de processo criminal.
Sendo um desses casos, precisamente, a Lei do Cibercrime que, conforme já vimos, veio transpor para a nossa ordem jurídica interna a Decisão Quadro nº 2005/222/JAI do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistema de informação e veio adaptar o nosso direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa.
Também recorrendo aos preciosos ensinamentos, quer doutrinais quer jurisprudenciais, expostos pelo Exmº Procurador e docente do CEJ, Dr. Rui Cardoso (em “Apreensão de mensagens de correio electrónico e de natureza semelhante” contido em Jurisdição Penal do Centro de Estudos Judiciários – Direito Probatório, Substantivo e Processual Penal - 2019, págs. 61-122): “ O regime especial contido na LCC relativo à pesquisa e recolha de dados já produzidos, mas preservados/armazenados em suporte electrónico, para poderem vir a servir de meios de prova [quer para crimes especiais ou cibercrimes previstos nos seus arts. 3º a 8º, quer para crimes cometidos por meio de um sistema informático, quer para quaisquer crimes em relação aos quais seja necessária a recolha de prova em suporte electrónico] justifica a compressão de direitos constitucionais, na medida do estritamente necessário para tal.” (negrito e sublinhado nossos)
Ficando reservado ao Juiz de instrução o estritamente necessário à garantia de direitos dos visados, conjugando-o com as especificidades técnicas das comunicações electrónicas (muito diferentes da correspondência corpórea) e conjugando-o com a estrutura acusatória do processo penal.
No que respeita à apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante, o legislador da LCC prescreveu ser de aplicar, correspondentemente, o regime de apreensão de correspondência previsto no CPP. Mas esta remissão contida na parte final do art. 17º da LCC (para o regime da apreensão da correspondência previsto no CPP “...aplicando-se correspondentemente…”) não é uma aplicação integral e acrítica deste.
Como se pode ler, a este propósito, no Ac. do Colendo STJ, de fixação de jurisprudência, datado de 11/10/2023, a que aludiremos novamente, infra: “Não poderá ser nunca a aplicação integral, só devendo ser efetuada naquilo que não contrariar o estatuído na Lei do Cibercrime, isto é, a remissão para o C.P.P. não pode, como é evidente, sobrepor-se ao regime especial de prova eletrónica prevista naquela lei.(…)
Como é sabido, o correio eletrónico é muito diferente do correio tradicional ou corpóreo, não só por ser dotado de uma maior rapidez e riqueza de conteúdo (…), mas também por aquele ter uma natureza muito mais dinâmica, razão pela qual os regimes terão de ser diversos.
Sublinha-se que, quanto ao conteúdo em suporte electrónico, a operação de “desencapsulamento” feita pelo JIC não é minimamente equiparável à abertura de correspondência corpórea, pois dados informáticos “encapsulados” que se supõe serem mensagens de correio electrónico ou semelhantes armazenadas no sistema informático não são o equivalente a correspondência fechada, porque: antes de mais, aquelas mensagens ou comunicações nunca estiveram fechadas; para além disso, tal não visa (nem consegue) assegurar a integridade do invólucro; finalmente, porque, por si não significa tomar conhecimento do respectivo conteúdo das mensagens.
No CPP, o âmbito objectivo é o de correspondência em trânsito ou ainda não aberta; na LCC, são todas as mensagens de correio electrónico ou semelhantes armazenadas num sistema informático, não havendo regime aberto-lido e fechado-não lido.
Muito recentemente, o já atrás citado Ac. do Colendo STJ, datado de 11/10/2023, P. nº 184/12.5TELSB-R.L1-A.S1, veio fixar a seguinte jurisprudência:
«Na fase de inquérito, compete ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova, nos termos do art. 17.º, da Lei n.º 109/2009, de 15/09 (Lei do Cibercrime)».
No CPP, a apreensão de correspondência só é meio de obtenção de prova admissível para crimes puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos; na LCC, não há catálogo – por força do expressamente previsto no artigo 11.º, aplica-se a processos relativos a crimes (a) previstos nessa lei, (b) cometidos por meio de um sistema informático ou (c) em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte electrónico, ou seja, em abstracto, a todos os tipos de crime.
No CPP, a correspondência tem de ser expedida pelo suspeito/arguido ou lhe ser dirigida, mesmo que sob nome diverso ou através de pessoa diversa; na LCC, pode respeitar a qualquer pessoa (mais uma vez, o artigo 11.º não faz qualquer restrição de âmbito subjectivo).
Cumpre, ora, descer à situação “in casu”.
Como vimos, foi em cumprimento do determinado pelo Mmº JIC, no âmbito do referido despacho datado de .../.../2023, que se procedeu à busca e apreensão de material informático que foi documentada no respectivo auto, datado de .../.../2023.
Naquele mencionado despacho, determinou-se a pesquisa informática nos sistemas informáticos que fossem localizados, ou noutros livremente acessíveis a partir do sistema inicial, nos termos dos arts. 11º, n.º 1, al. c) e 15º, n.ºs 1, 2 e 5 da LCC; e mais se determinou a apreensão, por cópia, dos dados relativos a caixas de correio eletrónico, bem como de mensagens de chat e comunicações eletrónicas semelhantes (Messenger, WhatsApp, app mensagens, etc.) que se encontrassem em qualquer sistema informático utilizado, ou guardadas em suporte digital e que se mostrassem relacionadas com a prática dos crimes em investigação ou que pudessem servir de prova dos mesmos, nos termos dos arts. 16º, n.ºs 1 e 7, als. a) a c) e 8 da mesma Lei.
Mais ali se ordenou que a apreensão, por cópia, respeitante a correio electrónico, ou equiparado, deveria constar de suporte digital autónomo, de forma encriptada e sem análise prévia (art. 16º, n.ºs 1 e 7, als. a) a c) e 8 da Lei n.º 109/2009, de 15.9.), e levada ao conhecimento do JIC em “primeira mão”, a fim de aferir da sua pertinência/relevância para a prova ou determinar a sua restituição a quem de direito, nos termos do art. 17º da LCC ou, ainda, aferir se revelam dados pessoais ou íntimos que possam colocar em causa a privacidade do respectivo titular ou de terceiro, com vista a ponderar da sua junção aos autos tendo em contra os interesses do caso concreto no contexto dos crimes investigados (art. 16º, n.º 3 da identificada Lei).
Ora, até aqui, é inquestionável a legalidade do procedimento adoptado, maxime, face à necessária e prévia autorização da pesquisa e apreensão dos dados informáticos pelo Mmº JIC, em se tratando de correio electrónico – em obediência ao disposto no art. 17º da LCC.
A questão surge, assim, apenas quanto à apreensão de material informático, que veio a ter lugar, decorrente da correspondente busca, conforme resulta do teor do respectivo auto, mediante a realização de uma “cópia cega” dos ficheiros existentes” nos postos de trabalho ali identificados.
Isto porque, relembrando, como resulta do correspondente auto, ao contrário do procedimento seguido relativamente à busca no gabinete jurídico [presidida pelo Mmº JIC], aos postos de trabalho dos advogados ali mencionados, em que “ (…) face à exiguidade da informação, foi efetuada uma pesquisa pasta a pasta e ficheiro a ficheiro, tendo-se selecionado os ficheiros que podem revelar interesse para a investigação (…)”, já assim não aconteceu quanto aos postos de trabalho ali referidos, não jurídicos. Quanto a estes últimos, menciona-se no respectivo auto que “ (…) considerando a extensão dos ficheiros contidos nos postos de trabalho das pessoas abaixo identificadas que não permitia uma seleção ficheiro a ficheiro, procedeu-se à realização de uma cópia "cega" dos ficheiros existentes nos mesmos postos de trabalho (…).
Ora, este procedimento, que tem vindo a ser genericamente denominado de “cópia cega”, não é, só por si e de forma imediata, reprovável ou inadmissível, como o pretende a recorrente.
Tem, assim que se ver, caso a caso, da sua justificação e, em consequência, admissibilidade.
Isto porque, em regra, a pesquisa informática a que se refere a norma ínsita no art. 15º, n.º 1, da Lei do Cibercrime constitui o início da execução do meio de recolha de prova em suporte electrónico, sendo efectuada uma pesquisa sumária ao equipamento electrónico suspeito e, caso se conclua que no equipamento existem dados armazenados que interessem à prova, o equipamento é apreendido.
Ocorre, porém, que casos há em que a complexidade e sofisticação do sistema de armazenamento dos dados informáticos, leva a que surja um incontornável hiato de tempo entre aqueles momentos.
In casu, não houve necessidade de recorrer à denominada “cópia cega” na parte da busca executada no gabinete jurídico da recorrente, “face à exiguidade da informação” ali existente, que permitiu, assim, uma pesquisa pasta a pasta e ficheiro a ficheiro, tendo-se selecionado os ficheiros que podem revelar interesse para a investigação.
Lançou-se, assim, mão do referido procedimento apenas em relação a postos de trabalho não jurídicos (identificados no auto), onde se constatou a existência de uma tal extensão de ficheiros, que não permitia uma pesquisa pasta a pasta e ficheiro a ficheiro, com vista a selecionar-se os ficheiros que poderiam revelar interesse para a investigação, acabando por se proceder, por causa disso, à realização de uma cópia "cega" dos ficheiros existentes nestes postos de trabalho.
Encontra-se, assim, “in casu” justificada e legitimada a utilização de tal procedimento.
É que, a “cópia cega”, a que apenas se lançou mão na sequência da grande extensão dos ficheiros a pesquisar, não constitui uma apreensão, em sentido estrito, mas, antes, uma diligência prévia necessária, uma actuação meramente “facilitadora”, com vista a permitir um extenso trabalho posterior: a efectivação da pesquisa devida e autorizada pelo JIC - a qual, pela circunstância excepcional referida, deverá ter lugar num local externo, relativamente às instalações da recorrente.
Esta “cópia cega” não corresponde à apreensão por cópia de dados, referida no art. 16º da LCC. Isto porque esta última corresponde a uma corporização de algo que foi já previamente pesquisado, analisado, de forma a concluir-se do seu relevo para a investigação, enquanto que a “cópia cega”, como supra expendemos, encontra-se a montante desta apreensão, aliás, da própria pesquisa prevista no art. 15º da LCC, constituindo uma diligência prévia e necessária, com vista a possibilitar uma pesquisa que se perspectiva longa e trabalhosa, de difícil execução no local buscado.
Transpondo o exposto ao caso concreto, face à grande extensão de ficheiros/dados informáticos a pesquisar, à natureza dos crimes em investigação [fraude fiscal qualificada, fraude contra a segurança social e branqueamento], e ao início do período do objecto de investigação [a investigação versa sobre a actuação da recorrente, AA, desde o ano de 2015, relativamente à celebração de contratos desportivos que, indiciariamente, constituíram negócios simulados], parece-nos francamente justificada a necessidade de se proceder à pesquisa dos dados informáticos (art. 15º da LCC), em local externo à recorrente, por recurso, excepcional, à denominada “cópia cega” de tais ficheiros.
E isto em benefício da própria visada – a recorrente – que, a não ser assim, veria a sua actividade suspensa de forma prolongada (muito provavelmente vários meses), enquanto estivessem a ser efectuadas as necessárias pesquisas, que se perspectivam bastante demoradas, o que certamente não se compagina com o exercício normal da actividade da recorrente.
E não se diga que tal procedimento ofende, de forma inaceitável ou intolerável, os direitos, liberdades e garantias da recorrente, ou sequer que, com ele, resultem desrespeitados os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, porquanto, como analisámos supra, citando o Exmº Juiz Conselheiro Santos Cabral, “ O núcleo de direitos fundamentais/constitucionais descritos neste nº 3 do art. 126º do CPP – salvaguarda da vida privada, do domicílio, da correspondência ou das telecomunicações – admite compressão, porquanto tal é razoável e admissível, numa lógica de proporcionalidade, e é exigido pelo próprio interesse do Estado no funcionamento da justiça penal enquanto alicerce fundamental de um Estado de Direito.”
Portanto, em suma, a “cópia cega”, legitimada “in casu” nos termos sobreditos, maxime, dado o enorme volume dos dados a pesquisar, consubstancia uma actuação a montante da pesquisa prevista no art. 15º da LCC, justificando-se precisamente porque resulta necessária à efectivação desta.
Por todo o supra exposto, não se verifica a invocada nulidade da “apreensão integral do conteúdo de suportes informáticos”, não se verificando, pois, também e em consequência, a proibição da prova apreendida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 126.°, n.°3 do C.P.P., e no artigo 32.°, n.°8, da CRP, por violação do disposto nos artigos 15.°, 16.°, e 17.°, da LCC, 179.° do C.P.P. e nos artigos 18.°, n.°s 2 e 3, 20.°, 26.°, 34.°, n°4, 35.°, 61.° e 62.°, da CRP.
Por outro lado, como vimos, veio também a recorrente argumentar que a apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante deve limitar-se a correspondência que é enviada ou recebida por suspeito, nos termos do disposto nos arts. 179.°, n.° 1, al. a), do C.P.P. e 15.°, n.° 6 da LCC, o que não se vislumbra “nos documentos entregues no momento das buscas”, em violação das normas citadas.
Ora, também aqui não assiste razão à recorrente.
Com efeito, como expendemos supra, se é certo que em matéria de apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante, o legislador da LCC prescreveu ser de aplicar, correspondentemente, o regime de apreensão de correspondência previsto no CPP [vd. parte final do art. 17º da LCC], também não é menos certo que uma tal aplicação não é integral ou ilimitada.
Remetemo-nos, assim e para evitar repetições de argumentação, para o que acima se expôs, quanto a esta aplicação meramente residual, do CPP, em matéria de apreensão de correio electrónico – cujo âmbito de aplicação se encontra contido, em regra, na LCC.
Concluindo-se, portanto, que, enquanto no CPP, a correspondência tem de ser expedida pelo suspeito/arguido ou lhe ser dirigida, mesmo que sob nome diverso ou através de pessoa diversa [art. 179º, nº 1, al. a) do CPP], já na LCC, aplicável, em primeira mão, à apreensão de correio electrónico, este pode respeitar a qualquer pessoa, porquanto o seu artigo 11.º [que define o âmbito de aplicação das disposições processuais da LCC] não faz qualquer restrição de âmbito subjectivo.
Improcede, portanto, também nestes segmentos, o recurso.
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3) Da selagem e exclusão da publicidade da informação e documentos apreendidos de natureza sigilosa (segredos de negócios, segredos profissionais de advogados e dados pessoais), sob pena de violação do disposto no artigo 86.°, n.°7, do C.P.P., e nos artigos 12.°, n.°2, 18.°, n.°s 1 e 2, 61.°, n.°1, da CRP (ponto IV, de fls. 90, da motivação de recurso).
Insurge-se, ainda, a recorrente contra o despacho recorrido, na parte em que lhe indeferiu o pedido de salvaguarda da informação de natureza sigilosa ou protegida, através da respectiva selagem e exclusão de publicidade, nos termos do artigo 86.°, n.° 7, do C.P.P..
Ora, compulsados os despachos proferidos pelo Mmº JIC, o recorrido e o datado de .../.../2023 - que versou sobre o pedido do Ministério Público, de realização de buscas -, logo resulta manifesto que não assiste razão à recorrente.
É que, como acima já se transcreveu, foi expressamente determinado neste último despacho, subjacente às buscas, que se autorizava a “ (…) apreensão por cópia dos dados relativos a caixas de correio eletrónico, bem como de mensagens de chat e comunicações eletrónicas semelhantes (Messenger, WhatsApp, app mensagens, etc.) que se encontrem em qualquer sistema informático utilizado ou guardadas em suporte digital e que se mostrem relacionadas com a prática dos crimes em investigação ou que possam servir de prova dos mesmos, as quais devem ser inseridas em suporte digital autónomo, de forma encriptada e sem análise prévia (art. 16º, n.ºs 1 e 7, als. a) a c) e 8 da Lei n.º 109/2009, de 15.9.), suportes dos quais devo ter conhecimento em “primeira mão” a fim de aferir da sua pertinência/relevância para a prova ou determinar a sua restituição a quem de direito (art. 17º da mesma Lei e art. 179º, n.ºs 1, als. a) a c) e 3) do C.P.P.) ou, ainda, aferir se revelam dados pessoais ou íntimos que possam colocar em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiro com vista a ponderar da sua junção aos autos tendo em contra os interesses do caso concreto no contexto dos crimes investigados (art. 16º, n.º 3 da identificada Lei). (negrito e sublinhado nossos)
Daqui resulta, portanto, que o Mmº JIC determinou expressamente, no âmbito do despacho que autorizou as buscas e apreensões, quer o conhecimento em “primeira mão” da correspondência física apreendida, a fim de se aferir da sua pertinência/relevância para a prova ou determinar a sua restituição a quem de direito; quer, no que aos dados informáticos respeita, a sua inserção em suporte digital autónomo, de forma encriptada e sem análise prévia, e o seu conhecimento em “primeira mão” pelo JIC, a fim de aferir da sua pertinência/relevância para a prova ou determinar a sua restituição a quem de direito, ou, ainda, aferir se revelam dados pessoais ou íntimo que possam colocar em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiro, com vista a ponderar a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto no contexto dos crimes investigados.
Por sua vez, quanto aos segredos profissionais dos advogados, determinou o Mmº JIC, no despacho recorrido, que os mesmos seriam sempre devidamente acautelados, aquando da selecção dos ficheiros relevantes para a prova, sendo que apenas se excluiria desse regime os ficheiros que pudessem constituir objecto ou elemento de um crime, tudo ao abrigo do disposto nos arts. 188.°, n.° 6, al. b), e 189.°, n.°1, ambos do C.P.P..
Por fim, no que respeita à invocada salvaguarda dos segredos de negócio da recorrente, tal como bem entendeu o Juiz a quo, a exclusão da publicidade a que alude o art. 86º, n.º 7 do C.P.P., apenas abrange “os dados relativos à reserva da vida privada que não constituam meios de prova” e não também, como o pretende a recorrente, os segredos de negócio da mesma.
Com efeito, o segredo de negócio não contende com a reserva da vida privada nos casos em que não constitua meio de prova, uma vez que o art. 86.°, n.°7, do C.P.P. prevê a exclusão da publicidade apenas quanto aos dados relativos à reserva da vida privada que não constituam meios de prova.
Sublinha-se que os direitos fundamentais dos buscados não consubstanciam direitos absolutos, inflexíveis e intocáveis, sendo certo que a própria Constituição da República Portuguesa prevê a possibilidade de tais direitos serem alvo de compressão, devendo, naturalmente, as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, conforme artigo 18.°, n.°2, como seja o interesse público na realização da Justiça.
De todo o modo, sempre se diga que a pretendida exclusão de publicidade da documentação apreendida, resulta garantida enquanto vigorar o segredo de justiça aplicado aos presentes autos, sendo que após o fim de tal segredo, depois de devidamente selecionados, apreendidos e juntos aos autos os elementos considerados relevantes para efeitos probatórios, estes – e só estes - serão necessariamente tornados públicos.
Nem poderia ser de outra forma. Repare-se que, se a investigação vier a culminar em acusação e julgamento, resulta totalmente incompatível a publicidade da audiência de julgamento, com a exclusão da publicidade da documentação que serviria de prova da acusação, pois esta passaria a consubstanciar os “objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova” a que faz referência o art. 174º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P..
Naturalmente, e também como devida e expressamente determinado pelo Juiz a quo, no despacho recorrido, os segredos de negócios da recorrente que não se encontrem em documentação que venha ser considerada relevante para a investigação e, assim, que não se encontrem integrados no acervo probatório apreendido, terá que ser respeitado e não publicitado, devendo continuar a figurar apenas no suporte digital autónomo, encriptado, e até ser devolvido à requerente, após a devida triagem para efeitos probatórios.
Improcede, pois, também aqui, o recurso.
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4) Da notificação da recorrente para estar presente na(s) diligência(s) de pesquisa de dados informáticos, sob pena de violação do disposto nos artigos 13.°, 26.°, 34.°, n. °s 1 e 4, e 62.° da CRP, e no artigo 176.°, n.°1, do C.P.P., ex vi do artigo 15.°, n.°6, da LCC.
Insurge-se, por fim, também, a recorrente contra o despacho recorrido, na parte em que lhe indeferiu o pedido de notificação para acompanhar a diligência de pesquisa sobre os dados informáticos apreendidos, nos termos do disposto no artigo 176.°, n.° 1, do C.P.P. ex vi do artigo 15.°, n.° 6, da LCC.
Como já expendemos supra, é certo que o art. 15º, n.º 6 da LCC remete para o art. 176º do C.P.P., mas tal remissão não é integral, havendo diversas diferenças de regime, já acima analisadas e para onde, uma vez mais, aqui nos permitimos remeter, para evitar repetições.
Ora, no que à concreta questão em análise concerne, da conjugação dos dois normativos citados resulta tão-só que a buscada pode assistir à diligência de busca - o que foi integralmente cumprido -, e não também que pode estar presente na específica diligência de pesquisa de dados informáticos, que, como vimos, até terá lugar em local externo ao local buscado.
O campo de aplicação do disposto no citado art. 176º, nº 1, do C.P.P., em matéria de apreensão de correio electrónico, esgota-se no direito do buscado a estar presente no momento da execução das buscas.
Ademais, não se olvide que, em matéria de correio electrónico, bem como mensagens de chat e comunicações eletrónicas semelhantes, que se encontre em qualquer sistema informático utilizado ou guardado em suporte digital, estamos perante uma competência exclusiva e reservada ao JIC (art. 17º, da LCC) que necessariamente deve ter conhecimento desses elementos em “primeira mão” e, se necessário ou o julgar como pertinente, proceder à respectiva seleção e determinar a sua junção aos autos.
Carece, assim, de fundamento legal, o pretendido pela recorrente, sendo insustentável a pretensão defendida por esta no sentido de estar presente na(s) diligência(s) de pesquisa de dados informáticos, que poderia, com um elevado grau de probabilidade, conduzir a alguma obstacularização ou obstrução do direito ao acesso à justiça administrado pelo Ministério Público em nome do Povo.
Improcede, pois, também neste último segmento, o recurso.
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Por tudo quanto se disse, bem andou o Mmº JIC ao julgar improcedentes, no despacho recorrido, as invalidades arguidas pela recorrente, no decurso das diligências de busca realizadas no dia .../.../2023, as quais tiveram lugar nas instalações daquela e nas instalações da empresa ..., onde tem arquivo.
Razão por que deverá ser negado provimento ao recurso e mantido, nos seus precisos termos, o despacho recorrido, que integralmente se confirma.
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III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 9.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente AA, mantendo-se o despacho recorrido nos seus precisos termos.
Custas a cargo da recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS [artigo 515º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].
Notifique nos termos legais.
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Lisboa, 25 de Janeiro de 2024
(O presente acórdão foi processado em computador pela relatora, sua primeira signatária, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)
Os Juízes Desembargadores,
Fernanda Sintra Amaral
Antero Luís
Nuno Matos
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1. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
3. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.
4. (no “Código de Processo Penal Comentado”, 3ª edição revista da Almedina, págs. 387-418)