Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2429/20.9T8VFX-A.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Responsabilidade do Relator:
I- O art.º 36/3 da Constituição da República Portuguesa dispõe que os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos, o n.º 4 estatui que os filhos nascidos fora do casamento não podem por esse motivos ser objecto de qualquer discriminação, estabelecendo o n.º 5 o poder-dever dos pais na educação e manutenção dos filhos e o n.º 6 ainda que os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial. O dever de educação e de manutenção dos filhos do n.º 5, do art.º 36, além de um dever ético-social, é um dever jurídico nos termos estabelecidos na lei civil (art.ºs 1877 e ss do CCiv) e em convenção internacionais (cfr Protocolo n.º 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), sendo que por força da conjugação com o já referido n.º 3, o direito e o dever de educação e manutenção dos cônjuges pertencem igualmente a ambos os cônjuges e por identidade de razões a ambos os progenitores não casados desde que coabitem. Por último a garantia de não privação dos filhos do n.º 6 é também um direito subjectivo a favor dos pais e as restrições a esse direito estão sob reserva de lei a ela competindo estabelecer os casos em que os filhos podem ser separados dos pais quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais e sob reserva de decisão judicial, quando se trate de separação forçada contra a vontade dos pais como são os casos de inibição do poder paternal do art.º 1915 e de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação dos filhos do art.º 1918 .
II- Demonstrando-se que a criança que nasceu em 25/7/2019, na sequência da separação dos pais, desde Maio de 2020, reside, alternadamente, com ambos progenitores, em períodos semanais de sexta a sexta-feira,  residindo os pais a cerca de 300 metros um do outro, foi sempre uma criança bem cuidada e acarinhada pela mãe e pelo pai, ambos os progenitores são cuidadosos com o bem-estar físico e emocional do filho, sendo que ambos são afectuosos com ele, no equipamento de infância que frequenta apresenta-se como uma criança alegre, assídua, bem cuidada, e isto quer nas semanas em que permanece com a mãe, quer nas semanas em que permanece com o pai, mostrando-se equilibrado, alegre, tanto na companhia de um como outro progenitor, estando ambos os progenitores presentes e respondendo às solicitações do equipamento de infância, mantendo uma relação cooperante e cordial com o dito equipamento, comprovando-se, ainda que quer os avós maternos, quer os avós paternos residem na mesma zona que os progenitores, participando ambos na vida do menor, e que apesar de conviver com regularidade com os avós paternos, que apoiam o requerente na rotina diária do menor, este tem uma relação de grande proximidade com o pai, a circunstância de os progenitores não manterem qualquer tipo de relacionamento, comunicando sobre as necessidades médicas e educativas do menor bem como sobre despesas, e a de, após a separação e durante a pendência dos presentes autos, terem ocorrido algumas altercações entre os progenitores e respectivas famílias, a propósito das visitas e contactos com os progenitores, nomeadamente, quanto às entregas, não são determinantes para afastar o regime da residência e guarda alternada que o legislador privilegia.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
APELANTE/REQUERIDA na FIXAÇÃO das RESPONSABILIDADES PARENTAIS e MÃE das CRIANÇAS: AS
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APELADO/REQUERENTE na FIXAÇÃO das RESPONSABILIDADES PARENTAIS e PAI das CRIANÇAS: FR
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CRIANÇA: SR nascido a 25/7/2019 e registado como sendo filho do requerente e da requerida.

Com os sinais dos autos.
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I.1. O requerente supra identificado instaurou o presente processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, requerendo a regulação de tais responsabilidades relativamente ao menor seu filho e da requerida, peticionando que, a final, fosse estabelecido o regime de guarda partilhada, com residência alternada.  Para tal, alega, em síntese, que se separou da requerida, com quem manteve uma relação análoga à dos cônjuges, até Abril de 2020, altura em que se separaram, sendo que, uns tempos após a separação, por acordo, o menor ficou a residir uma semana com cada um dos progenitores, sendo que é um pai presente e activo na vida do filho.
I.2. Foi realizada a conferência de pais, sendo que não foi possível obter o acordo dos progenitores quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais. Não tendo sido obtido acordo, foi a conferência suspensa, sendo determinada a realização de audição técnica especializada. Não tendo os progenitores chegado a um consenso em sede de ATE, foi realizada a continuação da conferência de pais, tendo sido durante a mesma, fixado um regime provisório.
I.3. Notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39º, n.º 4, do RGPTC, vieram os progenitores apresentar alegações e juntar prova. A requerida apresentou alegações em que, em síntese, e no que é relevante, se opõe ao peticionado regime de residência alternada, invocando, por um lado, a tenra idade do menor (2 anos à data) e a personalidade e forma de estar do requerente progenitor, alegando que o mesmo tem problemas de personalidade e que dificulta o seu contacto com o menor na semana em que este está com ele. Mais alega que quem trata do menor são os pais do requerente. Com o seu requerimento, apresentou prova. O requerente apresentou alegações, em que, em síntese, e para o que releva, invoca o acordo a que chegou com a progenitora em Maio de 2020 e a necessidade de o menor manter contactos com ambos os pais. Com o seu requerimento apresentou prova.
I.4. Procedeu-se ao julgamento com observância de forma legal.
I.5. Inconformada com a decisão proferida a 1/8/2022 que, regulando as responsabilidades parentais, fixou o regime de residência alternada, dela apelou a requerida mãe, em cujas alegações conclui em suma:
a) É do superior interesse do menor ser estabelecido um regime que privilegie a sua estabilidade e uma orientação uniforme nas decisões correntes da sua vida, o que jamais é possível com o regime estabelecido pelo douto Tribunal a quo quando o SR está na semana do pai, aqui recorrido, o mesmo pernoita, sempre, na casa dos avós, sendo estes últimos em conjunto com os bisavós paternos, quem prestam os cuidados necessários ao menor, conforme foi referido pela sua avó paterna na audiência de discussão e julgamento, que são os próprios avós e bisavós do SR que cuidam dele, questiona-se como pode ter sido dado como provado, o facto de ser o progenitor quem presta alegados cuidados ao seu filho, quando o menor reside, praticamente, na casa dos seus avós paternos, uma vez que o mesmo pernoita, toma refeições, faz a sua rotina de higiene e brinca em casa dos seus avós paternos, ficou mais que provado e demonstrado, que quem cuida e zela pelo superior interesse do menor, nos dias em que o mesmo deve estar aos cuidados do aqui recorrido, são outros familiares seus, o que não se pode deixar de alegar para os devidos e legais efeitos dúvidas não existem que são os demais familiares que se substituem ao recorrido, por vontade deste no exercício das responsabilidades parentais do menor, muito se estranha o facto de o recorrido ter uma casa, onde até tem um quarto só para o seu filho SR, mas prefere pernoitar em casa dos seus pais, onde partilha quarto com o menor, sabendo que prejudica o seu correcto desenvolvimento e autonomia, uma vez que já regrediu os seus comportamentos quanto à conciliação do sono, tal como foi dado como provado no ponto 23 da Sentença ora recorrida.(Conclusões I a X)
b) Ademais, o recorrido continua com a postura de “eu quero, eu posso, eu mando”, uma vez que, proíbe a recorrente de falar com o seu filho através de chamada telefónica ou videochamada, nos dias em que o SR se encontra consigo, quando até há um horário estipulado para o efeito, jamais poderia ter sido fixada a residência alternada pelos motivos supra expostos, para além de não ter sido ponderada face à idade de 3 anos, de forma a estabilizar horários e rotinas face à dependência que o mesmo ainda tem junto da sua mãe, a sentença ora recorrida, faz referência aos critérios orientadores para fixação da residência alternada, mas que a própria não os seguiu, ora vejamos quanto à capacidade de diálogo entre os progenitores, ficou provado que a mesma é mínima e limitada a e-mails,  quanto ao entendimento e cooperação por parte dos progenitores, é notório que inexiste, uma vez que o recorrido opta por decidir tudo sozinho sem qualquer consulta ou consentimento da aqui Recorrente, quanto à existência de um modelo educativo comum ou consenso quanto às suas linhas fundamentais, o mesmo também não existe, sendo um dos exemplos mais evidentes a rotina de sono, como já foi referido, em relação à proximidade geográfica, a mesma existe, mas não é um critério preponderante a facilitar a convivência e entendimento entre ambos os progenitores relativamente ao SR, quanto à opinião e a idade da criança, as mesmas jamais foram tidas em conta pelo tribunal a quo, o que não se pode deixar de alegar para os devidos e legais efeitos; quanto à ligação afectiva com ambos os progenitores, verifica-se que a mesma em relação ao recorrido, encontra-se afectada dado que quem cuida e quem passa mais tempo com o menor, são os seus avós e bisavós paternos no período que corresponde ao pai, quanto a disponibilidade dos pais para manterem o contacto directo com a criança durante o período de residência que a cada um cabe, ficou mais que provado que o menor SR nunca priva com o aqui recorrido, estando ambos sempre na companhia dos verdadeiros cuidadores do menor, os avós paternos, quanto às condições habitacionais e económicas de cada um deles, ambos os progenitores têm as aludidas condições, sendo certo que o aqui recorrido não as proporciona ao seu filho, afectando não só a relação entre pai e filho, bem como o correcto desenvolvimento do menor. Deste modo, e conforme resulta do Douto Acordo do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, “Nesta perspetiva realça-se, porém, os inconvenientes que esta solução também pode implicar, como seja instabilidade na vida das crianças e riscos de desequilíbrios desencadeados por um relacionamento conflituoso entre os progenitores e por diferentes perspetivas educacionais daqueles. Neste aspeto, poderá encontrar-se uma atitude mais cautelosa por parte de alguma jurisprudência, que afasta a residência alternada, nomeadamente, quando exista um clima de conflitualidade entre os progenitores (negrito nosso) (v.g., acórdão da Relação do Porto, de 07.5.2019, processo 1655/18.5T8AVR-A.P1; acórdão da Relação de Coimbra, de 10.7.2019, processo 958/17.0T8VIS-A.C1, acima citado; Relação de Coimbra, 12.6.2018, processo 261/17.6T8VIS-A.C1; Relação de Guimarães, 02.11.2017, processo 996/16.0T8BCL-C.G; Relação do Porto, 24.10.2019, processo 3852/18.4T8VFR-A.P1) (…)”razão pela qual, a Sentença ora recorrida deve ser revogada em conformidade com o que tudo supra vai exposto, devendo ser substituída por outra que fixe a residência do menor SR junto da aqui Recorrente, por ser a única forma, face à sua tenra idade, de acautelar o seu superior interesse, fazendo assim, V/Exas. a costumada Justiça. (Conclusões XI a XVII)
I.6 Em contra-alegações, o requerido pai conclui em suma:
1- O SR nasceu em 25 de Julho de 2019, tem 3 anos e 3 meses de idade, mas, desde os 2 (dois) anos que reside, com o pai ou com a mãe, alternadamente, em períodos semanais, de sexta a sexta feira, razão por que bem andou o tribunal a quo ao fixar o que já era praticado limitando-se a ratificar em sentença, a razoável proximidade das habitações dos progenitores, dos avós maternos e dos avós paternos, além da proximidade da creche, é favorável quanto ao que será a vida do menor, e é relevante o apoio familiar alargado, para o bem-estar e estabilidade do SR, o regime de exercício das responsabilidades parentais estabelecido pelo tribunal a quo é ponderando e revela a relação equilibrada que o menor tem mantido e deve manter com os progenitores, sem olvidar o relevante suporte emocional que os avós paternos e maternos têm dispensado e proporcionado ao SR.(Conclusões a) a f)
b) O n.º 6, do Código Civil, aditado pela Lei n.º 65/2020, de 04/11, embora lenta e timidamente vai trilhando caminho e o tribunal ad quem tem o poder de afastar os obstáculos e evitar que se fomentem mais órfãos de pais vivos, bem na senda do que o regime legal já prevê, quanto às responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do menor, que sejam exercidas em comum por ambos os progenitores - artigo 1906.º, n.º 1, e artigo 1912.º, n.º 1 do CCiv, e que o artigo 1906.º, n.º 8, do CCiv estabelece como trave mestra do regime de exercício das responsabilidades parentais, ou seja, a preservação e a consolidação da proximidade do filho com os progenitores, não pode deixar de significar uma participação tendencialmente igualitária e/ou equivalente nas rotinas, acompanhamento e nos tempos dos filhos.(conclusões g) a i)
Termos em que se requer ao tribunal ad quem, ponderando a estabilidade emocional, a proximidade e o acompanhamento do SR, pelos progenitores, confirme a sentença proferida pelo tribunal a quo, por se revelar a que melhor acautela o desenvolvimento harmonioso, equilibrado e o seu superior interesse.
I.8. Recebida a apelação, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do mesmo.
I.13. Questões a resolver: saber se o caso concreto não corresponde ao superior interesse do SR a fixação do regime de residência alternada.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.1 Deu o Tribunal recorrido como provados os seguintes factos que não vêm impugnados nos termos da lei de processo:
1- O menor SR nasceu em 25 de Julho de 2019, na freguesia e concelho de Vila Franca de Xira.
2- É filho de FR e de AS.
3- Requerente e requerida viveram em condições análogas às dos cônjuges até 12 de Abril de 2020.
4- Nos dias subsequentes à separação dos progenitores, o requerente decidiu que o menor ficava consigo, por entender que a progenitora não estava em condições emocionais para cuidar do menor.
5- No dia 12 de Abril de 2020, a requerida foi atendida nos serviços de urgência psiquiátrica do Hospital de Vila Franca de Xira e transferida para o Hospital de S. José, por toma excessiva de medicação.
6- Teve alta no mesmo dia sem qualquer indicação que não fosse a continuação do acompanhamento que vinha tendo.
7- Desde Maio de 2020, que o SR reside alternadamente com ambos progenitores, em períodos semanais de sexta a sexta a feira.
8- Os progenitores não mantêm qualquer tipo de relacionamento, mas comunicam sobre as necessidades médicas e educativas do menor bem como sobre despesas.
9- O SR sempre foi uma criança bem cuidada e acarinhada pela mãe e pelo pai.
10- Ambos os progenitores são cuidadosos com o bem-estar físico e emocional do filho, sendo que ambos são afectuosos com ele.
11- No equipamento de infância que frequenta, o SR apresenta-se como uma criança alegre, assídua, bem cuidada, e isto quer nas semanas em permanece com a mãe, quer nas semanas em que permanece com o pai.
12-O SR mostra-se equilibrado, alegre, tanto na companhia de um como outro progenitor.
13- Ambos os progenitores são presentes e respondem às solicitações do equipamento de infância, mantendo uma relação cooperante e cordial com o dito equipamento.
14- Os progenitores moram a uma distância de cerca de 300 metros.
15- Quer os avós maternos, quer os avós paternos residem na mesma zona que os progenitores, participando ambos na vida do menor.
16- Apesar de conviver com regularidade com os avós paternos, que apoiam o requerente na rotina diária do menor, este tem uma relação de grande proximidade com o pai.
17- O pai vive num apartamento onde tem um quarto para o SR.
18- A mãe vive num apartamento com um filho mais velho, de outra relação, com 7 anos, nele existindo, igualmente, um quarto para o SR dividir com o seu irmão.
19- Ainda quando os progenitores viviam juntos, era frequente o SR pernoitar em casa dos avós paternos, para que os pais pudessem descansar.
20- Quando está com o pai, são os bisavós paternos que vão buscar o SR ao infantário, com o fim de o menor não estar até muito tarde naquele local.
21- Mesmo quando o SR e o pai pernoitam em casa dos avós paternos, é o progenitor quem presta os cuidados ao menor.
22- Após a separação e durante a pendência dos presentes autos, ocorreram algumas altercações entre os progenitores e respectivas famílias, a propósito das visitas e contactos com os progenitores, nomeadamente, quanto às entregas.
23- A mãe do SR relata episódios de regressão comportamental, nomeadamente quanto à conciliação do sono e em termos de birras, após o início da residência alternada.
24- Os avós maternos também costumam ir buscar o SR ao infantário nas semanas em que este se encontra com a mãe.
25- A requerida é gestora de negócios e o requerente electromecânico.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608/2, 5, 635/4 e 639 (anteriores 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3), do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3. Saber se o caso concreto não corresponde ao superior interesse do SR a fixação do regime de residência alternada.
III.3.1. Entendeu-se na decisão recorrida em suma que:
. No caso concreto, se é certo que os progenitores mantêm uma relação de afastamento, fazendo a progenitora questão de rejeitar qualquer diálogo, para além do escrito com o progenitor, não menos certo é que resulta que ambos os progenitores reconhecem capacidades parentais ao outro, comunicando entre si, ainda que sempre por escrito, relativamente a questões essenciais como a saúde, educação e despesas.
. Por outro lado, resulta claro da prova produzida – tanto dos relatórios juntos pelo equipamento de infância que o menor frequenta como dos depoimentos ouvidos em audiência – mesmo as testemunhas arroladas pela progenitora afirmaram que o SR é uma criança feliz, emocionalmente estável, com desenvolvimento adequado à sua idade. Assim, não colhe o argumento de que o menor é muito pequeno para viver alternadamente com ambos os progenitores, já que há cerca de dois anos se encontra nesse regime.
. O facto de o SR estar doente em alguma das semanas não obsta a que se mantenha o regime de residência alternada, atenta a proximidade das residências dos progenitores
. Os documentos pessoais da criança, designadamente o cartão do cidadão, boletim de vacinas, cartão de saúde (seguro ou subsistema de saúde), cartão escolar, etc., deverão estar na posse do progenitor que tiver a residência do SR nessa semana, devendo acompanhar o menor sempre que altera a semana
. Ambos os progenitores podem contactar diariamente e directamente a criança, por videochamada, devendo o progenitor que tem a residência nessa semana assegurar a concretização de tal contacto enquanto a criança não tiver autonomia suficiente para receber e efectuar tais contactos directamente, o que acontecerá, todos os dias, entre as 20 horas e as 20 horas e 30 minutos.
. As comunicações entre os pais, necessárias nos termos deste regime e bem assim para a documentação de acordos entre os pais, devem se efectuadas para os actuais endereços de email dos progenitores ou, caso assim o entendam, através dos respectivos números de telefone.
III.3.2. Discordando a mãe, como sempre discordou, diz em suma que:
. Quando o SR está na semana do pai, aqui recorrido, o mesmo, pernoita sempre, na casa dos avós, sendo estes últimos em conjunto com os bisavós paternos, quem prestam os cuidados necessários ao menor, conforme foi referido pela sua avó paterna na audiência de discussão e julgamento, que são os próprios avós e bisavós do SR que cuidam dele.
. Muito se estranha o facto de o recorrido ter uma casa, onde até tem um quarto só para o seu filho SR, mas prefere pernoitar em casa dos seus pais, onde partilha quarto com o menor.
. O recorrido continua com a postura de “eu quero, eu posso, eu mando”, uma vez que, proíbe a Recorrente de falar com o seu filho através de chamada telefónica ou videochamada, nos dias em que o SR se encontra consigo.
. Quanto à capacidade de diálogo entre os progenitores, ficou provado que a mesma é mínima e limitada a e-mails, quanto ao entendimento e cooperação por parte dos progenitores, é notório que inexiste, uma vez que o Recorrido opta por decidir tudo sozinho sem qualquer consulta ou consentimento da aqui Recorrente.
. Quanto à existência de um modelo educativo comum ou consenso quanto às suas linhas fundamentais, o mesmo também não existe, sendo um dos exemplos mais evidentes a rotina de sono, como já foi referido.
. Em relação à proximidade geográfica, a mesma existe, mas não é um critério preponderante a facilitar a convivência e entendimento entre ambos os progenitores relativamente ao SR.
. Quanto à opinião e a idade da criança, as mesmas jamais foram tidas em conta pelo Tribunal a quo, o que não se pode deixar de alegar para os devidos e legais efeitos, quanto à ligação afectiva com ambos os progenitores, verifica-se que a mesma em relação ao Recorrido, encontra-se afectada dado que quem cuida e quem passa mais tempo com o menor, são os seus avós e bisavós paternos no período que corresponde ao pai.
. Quanto a disponibilidade dos pais para manterem o contacto directo com a criança durante o período de residência que a cada um cabe, ficou mais que provado que o menor SR nunca priva com o aqui recorrido, estando ambos sempre na companhia dos verdadeiros cuidadores do menor, os avós paternos, quanto às condições habitacionais e económicas de cada um deles, ambos os progenitores têm as aludidas condições.
III.3.2. O que vem provado em relação à criança, no que aqui releva, seja seu desenvolvimento e relação com os progenitores é o seguinte (com sublinhado nosso):
7- Desde Maio de 2020, que o SR reside alternadamente com ambos progenitores, em períodos semanais de sexta a sexta a feira.
8- Os progenitores não mantêm qualquer tipo de relacionamento, mas comunicam sobre as necessidades médicas e educativas do menor bem como sobre despesas.
9- O SR sempre foi uma criança bem cuidada e acarinhada pela mãe e pelo pai.
10- Ambos os progenitores são cuidadosos com o bem-estar físico e emocional do filho, sendo que ambos são afectuosos com ele.
11- No equipamento de infância que frequenta, o SR apresenta-se como uma criança alegre, assídua, bem cuidada, e isto quer nas semanas em permanece com a mãe, quer nas semanas em que permanece com o pai.
12- O SR mostra-se equilibrado, alegre, tanto na companhia de um como outro progenitor.
13- Ambos os progenitores são presentes e respondem às solicitações do equipamento de infância, mantendo uma relação cooperante e cordial com o dito equipamento.
14- Os progenitores moram a uma distância de cerca de 300 metros.
15- Quer os avós maternos, quer os avós paternos residem na mesma zona que os progenitores, participando ambos na vida do menor.
16- Apesar de conviver com regularidade com os avós paternos, que apoiam o requerente na rotina diária do menor, este tem uma relação de grande proximidade com o pai.
17- O pai vive num apartamento onde tem um quarto para o SR.
18- A mãe vive num apartamento com um filho mais velho, de outra relação, com 7 anos, nele existindo, igualmente, um quarto para o SR dividir com o seu irmão.
19- Ainda quando os progenitores viviam juntos, era frequente o SR pernoitar em casa dos avós paternos, para que os pais pudessem descansar.
20- Quando está com o pai, são os bisavós paternos que vão buscar o SR ao infantário, com o fim de o menor não estar até muito tarde naquele local.
21- Mesmo quando o SR e o pai pernoitam em casa dos avós paternos, é o progenitor quem presta os cuidados ao menor.
22- Após a separação e durante a pendência dos presentes autos, ocorreram algumas altercações entre os progenitores e respectivas famílias, a propósito das visitas e contactos com os progenitores, nomeadamente, quanto às entregas.
23- A mãe do SR relata episódios de regressão comportamental, nomeadamente quanto à conciliação do sono e em termos de birras, após o início da residência alternada.
24- Os avós maternos também costumam ir buscar o SR ao infantário nas semanas em que este se encontra com a mãe.
III.3.3. Desde Maio de 2020, que o SR reside alternadamente com ambos progenitores, em períodos semanais de sexta a sexta a feira. Foi de resto este o regime provisório fixado na sequência da continuação a conferência de pais em 13/7/2021 que transitou e com o seguinte teor: “Face das informações que constam nos presentes autos, nomeadamente, da informação prestada pela creche, a fim de assegurar os interesses do menor SR, decide-se fixar um regime provisório ao abrigo do art.º 28º, nº 1 do RGPTC, nos seguintes termos:
1. Fixa-se a residência do menor SR alternadamente com a mãe e com o pai, sendo que decorrerá de sexta-feira a sexta-feira, sendo a recolha na escola.
2. Quando o menor está na semana do pai ou da mãe, ambos os progenitores podem ligar todos os dias para falarem com o menor das 20:00 horas às 20:30 horas;
3. A palavra-chave das finanças do menor é a seguinte: SR2019;
4. Nas férias de verão de 2021 o menor passará com os progenitores os seguintes períodos: - Pai - 29-07-2021; 30-07-2021 e 31-07-2021;
- Mãe – 01-08-2021 até 15-08-2021;
- Pai – 16-08-2021 e 17-08-2021;
- Mãe 18-08-2021 e 19-08-2021;
- Pai – 20-08-2021 até 03-09-2021.”
III.3.4. Não há nenhuma evidência de que este regime seja penoso para a criança, pelo contrário, atenta a proximidade geográfica das residências dos pais que cuidam e acarinham o filho em cuja companhia o SR se mostra equilibrado, alegre e dos próprios avós paternos e maternos os quais, ao que tudo indica, têm tido um papel importante no desenvolvimento harmonioso desta criança, o regime tem-se evidenciado adequado, não obstante os pais não manterem qualquer tipo de relacionamento, comunicando sobre as necessidades médicas e educativas do menor bem como sobre despesas. O ideal é que os pais mantivessem um relacionamento entre si que fosse cordial, tal não acontece por razões que se desconhecem e a verdade é que não é possível obrigar os pais a alterar o seu comportamento, muito embora, para bem do salutar desenvolvimento do filho, devessem fazer um sério esforço nesse sentido, mas tal não obsta ao regime da residência alternada em razão dos factos dados como provados como se dirá.
III.3.5. No processo de jurisdição voluntária, o tribunal investiga livremente os factos, colige as provas, ordena os inquéritos, recolhe as informações convenientes, só admitindo as provas que o juiz considere necessárias (art.º 986/2). No julgamento segundo critérios de equidade, como é o que subjaz aos processos de jurisdição voluntária, “o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente, tem a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa.”[2]
III.3.6. Esta liberdade de subtracção ao enquadramento legal rígido, não dispensa a fundamentação da decisão, a justificação pela qual o julgador decidiu em certo sentido e não noutro, as provas são contraditadas em julgamento e finda a produção da prova segue-se, com as necessárias adaptações o art.º 607, seja a discriminação dos factos provados, declaração dos factos provados e não provados, análise crítica das provas, nos termos do n.º 4 do art.º 607, indicação interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. No caso concreto temos uma decisão deviamente fundamentada de facto e de direito, sendo que a decisão e facto não vem posta em causa apesar de a requerente por em causa o facto dado como provado segundo o qual é o progenitor quem presta alegados cuidados ao seu filho, quando o menor reside praticamente na casa dos seus avós paternos, uma vez que o mesmo pernoita, toma refeições, faz a sua rotina de higiene e brinca em casa dos seus avós paternos, transcrevendo parcialmente o depoimento de RO. Ora da transcrição do depoimento no corpo das alegações não resulta aquilo que implicitamente a recorrente pretende que se dê como não provado sob 21Mesmo quando o SR e o pai pernoitam em casa dos avós paternos, é o progenitor quem presta os cuidados ao menor.”  Daquela transcrição não resulta que o pai não preste os cuidados ao menor. Na fundamentação da decisão de facto consta “.... Quanto às rotinas do SR quando está quer com o pai, quer com a mãe, o tribunal atendeu ao depoimento das testemunhas apresentadas por ambos os progenitores, mais especificamente os avós paternos e o avô materno, sendo que todos depuseram de forma séria e objectiva, tendo, por isso merecido a credibilidade do tribunal. Aliás, o avô materno, JS, referiu-se ao menor como sendo uma criança feliz e que está bem...” A recorrente pretende passar a ideia de que não é o pai que cuida do filho na semana em que está consigo antes o sendo os avós e bisavós paternos, mas tal não resulta demonstrado.
III.3.7. O art.º 36/3, da Constituição da República Portuguesa, dispõe que os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos, o n.º 4 estatui que os filhos nascidos fora do casamento não podem por esse motivos ser objecto de qualquer discriminação, estabelecendo o n.º 5 o poder-dever dos pais na educação e manutenção dos filhos e o n.º 6 ainda que os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial. O dever de educação e de manutenção dos filhos do n.º 5 do art.º 36, além de um dever ético-social, é um dever jurídico nos termos estabelecidos na lei civil (art.ºs 1877 e ss do CCiv) e em convenção internacionais (cfr Protocolo n.º 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), sendo que por força da conjugação com o já referido n.º 3, o direito e o dever de educação e manutenção dos cônjuges pertencem igualmente a ambos os cônjuges e por identidade de razões a ambos os progenitores não casados desde que coabitem. Por último a garantia de não privação dos filhos do n.º 6 é também um direito subjectivo a favor dos pais e as restrições a esse direito estão sob reserva de lei a ela competindo estabelecer os casos em que os filhos podem ser separados dos pais quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais e sob reserva de decisão judicial, quando se trate de separação forçada contra a vontade dos pais como são os casos de inibição do poder paternal do art.º 1915 e de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação dos filhos do art.º 1918 (perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação dos filhos);
É do seguinte teor o art.º 1906 do CCiv, aplicável à união de facto por força do n.º 2 do art.º 1911 do CCiv redação vigente introduzida pela L65/2020 de 4/11.

Artigo 1906.º
Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento
1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 - Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.
7 - Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais, assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
8 - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
9 - O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.


III.3.8. Em relação às questões de particular importância para a vida do filho as responsabilidades parentais são exercidas em comum (art.º 1906/1 ex vi do art.º 1909 do CCiv), a residência do filho e os direitos de vista são determinados pelo tribunal de acordo com o interesse deste tendo em atenção o acordo dos pais, a disponibilidade manifestadas por cada um dele para promover relações habituais do filho com o outro, assistindo ao progenitor não guardião o direito de ser informado sobre o modo do exercício das responsabilidades parentais, designadamente sobre a educação e condições de vida do filho, promovendo o tribunal e aceitando o tribunal acordos ou tonando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidade entre eles de harmonia com o interesse do menor (n.ºs 4 a 7 do art.º 1906 ex vi do art.º 1909 do CCiv).
III.3.9. Daqui decorre que os cônjuges, em caso de separação de facto, podem ver mitigado o princípio da igualdade a que se referem n.ºs 3 e 5, do art.º 36, da Constituição, quando ocorra uma separação de facto dos cônjuges e um ou os dois recorram ao tribunal para regular as responsabilidades parentais sobre o/os filho/os em razão do superior interesse do filho/filhos ou quando ocorram outras circunstâncias como aquelas previstas nos art.ºs 1915 e 1918 do CCiv.
III.3.10. O art.º 4/1, do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível), estatui que os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC se regem pelos princípios orientadores da intervenção estabelecidos na lei de protecção de crianças e jovens em perigo, ou seja com a Lei 147/99 de 1/9, com as alterações introduzidas pela Lei 142/2015 de 8/9, desde logo a saber o superior interesse da criança a que o art.º 3/1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, manda atender nas decisões judiciais a elas relativas, enquanto interesse primacial. Trata-se de um conceito vago e genérico utilizado pelo legislador por forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade, bom senso e alguma criatividade e cujo conteúdo deve ser apurado em cada caso concreto (cfr Maria Clara SottoMayor in Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio” l, 2.ª edição, págs. 36/37) que não pode nunca deixar de ponderar o grau de desenvolvimento sócio psicológico do menor já que o processo de desenvolvimento é uma sucessão de estádios com características e necessidade própria como refere Almiro Rodrigues in Interesse do menor, contributo para uma definição” Revista Infância e Juventude, 1, 1985, 18-19.[3]  Para compreensão deste conceito, critério orientador e norma impositiva importa atender às Directrizes do Comité de Ministros do Conselho de Europa sobre a justiça adaptada às crianças adoptadas pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa de 17/11/2016 que pese embora não densifique o conceito elenca como linhas mestras na avaliação desse interesse a necessidade de ter em conta os pontos de vista e opiniões da criança, o seu direito à dignidade, à liberdade e à igualdade de tratamento, a necessidade de adoptar uma abordagem abrangente que tenha em devida conta o conjunto de interesses em causa, incluindo o bem-estar psicológico e físico da criança e os seus interesses jurídicos sociais e económicos. Outros princípios relevantes nos processos tutelares cíveis são, por remissão do art.º 4, do RGPTC, para a lei de promoção e protecção, entre outros ,a intervenção precoce atempada e célere com eficácia, proporcional e actual, ou seja com intervenção na vida da criança e da sua família na medida do estrictamente necessário, com primado da continuidade das relações psicológicas profundas, ou seja com respeito do direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes de grande significado para o seu saudável e harmónico desenvolvimento devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante. O Tribunal decidiu não um exercício conjunto mitigado como a doutrina lhe chama, mas um exercício conjunto pleno com guarda e residência alternadas que, adiantamos já, assegura o princípio da igualdade dos progenitores a que o n.º 5 do art.º 36 da CRP e está conforme à directriz do n.º 6 do art.º 1906 do CCiv.[4]
III.3.11. Volvendo aos art.ºs 1906 e 1906-a do CCiv. O art.º 1906-a do CCiv “interpreta”, digamos assim, a expressão do n.º 2, do art.º 1906, do CCiv, “contrário aos interesses deste” (filho) explicitando quando é que o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância se deve considerar contrário aos interesses ou como se diz agora superior interesse do filho. Pareceria assim em termos de interpretação sistemática que o legislador só afasta o exercício em comum das responsabilidades parentais no que toca às questões de particular importância (e não também às responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente (n.º 3 do art.º 1906 do CCiv), quando ocorram aquelas situações do art.º 1906-a do CCiv.
III.3.12. Dos trabalhos preparatórios da Lei designadamente dos debates na generalidade dos 4 projectos de lei, do BE, PAN, PS e PCP, nenhum subsídio se colhe para a interpretação daquela norma, tanto quanto nos foi dado aperceber da leitura dos mesmos no site da A.R.. Dos pareceres obrigatórios, com interesse a seguinte passagem do parecer do CSMP:
“…. Como fonte normativa de referência à consagração da ideia é invocado o disposto no artigo 31.º da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011, ratificada por Portugal em 21 de janeiro de 2013.
Norma na qual se reafirma a necessidade de se adotar medidas legislativas adequadas e necessárias assegurar que os incidentes de violência sejam tidos em conta na tomada de decisões relativas à guarda das crianças e sobre o direito de visitas das mesmas. E que esse exercício não prejudique os direitos de segurança da vítima ou das crianças. (4) …. Parece-nos seguro afirmar que o projeto em discussão não é inovador quanto à vontade de se alterar o regime legalmente vigente e, também não o é quanto à direção do caminho adotado.
…primeira, de julho de 2014, através do projeto-lei n.º 633/XII/3.ª (PS), a nosso ver verdadeiramente fraturante, pretendia reunir no Tribunal criminal uma dupla competência de atuação no que concerne também à definição provisória da regulação do exercício das responsabilidades parentais. Ou seja, atribuía ao Ministério Público na jurisdição penal e, por sua vez, ao Juiz de instrução, competências próprias para contemporaneamente à aplicação de medidas de coação em sede de inquérito pela prática de crime de violência doméstica (e outros relacionados com o fenómeno) definir tudo aquilo que dissesse respeito à dimensão familiar social subjacente à realidade criminal. A solução adotada previa ainda a possibilidade do incidente da regulação poder prosseguir por apenso ao processo criminal ou ser remetido ao Tribunal de Família e Menores.
O projeto acabou por ser rejeitado em janeiro de 2015. (5) segunda, de dezembro de 2014, com o projeto-lei n.º 745/XII/4.ª (BE), contemplava alterações ao Código Civil, à Lei n.º 112/2009 e à então vigente Organização Tutelar de Menores, era claro no seu propósito de criar no ordenamento jurídico uma exceção legal ao exercício comum de responsabilidades parentais, determinando que os direitos de visita não se aplicam quando estiverem em causa os direitos e a segurança de vítimas de violência
doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, nomeadamente, maus tratos e abuso sexual de menores.
O projeto foi rejeitado em junho de 2015. (6)
§2.2 Código Civil: a (des)necessidade de promover alterações Para justificar as alterações a todos os blocos legais diz-nos a “exposição de motivos”, (…) almejando construir o quadro legal necessário para a regulação urgente das responsabilidades parentais e a atribuição de alimentos, designadamente em situações de violência doméstica e de aplicação de medidas de coação ou de pena acessória que impliquem afastamento entre progenitores.
E, em particular para o Código Civil, (…) adita-se o artigo 1912.º-A, explicitando situações em que o exercício em comum das responsabilidades parentais pode ser julgado contrário aos interesses do filho por uma decisão judicial, nomeadamente, em processos que seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores no âmbito de crimes contra a integridade física ou contra a liberdade e autodeterminação sexual.
(7)
A proposta é:
«Artigo 1912.º-A
Exercício das responsabilidades parentais no âmbito de crimes contra a integridade física ou contra a liberdade e autodeterminação sexual
Sempre que seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores no âmbito de crimes contra a integridade física ou contra a liberdade e autodeterminação sexual e o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado (contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.»
Como é bom de ver, a proposta atual é muito diferente da que constava do projeto-lei n.º 745/XII e, acima de tudo, é sistematicamente enquadrada em local distinto.
Antes prefigurava-se na norma que regula o instituto das responsabilidades parentais entre o filho e o progenitor não residente (artigo 1906.º) e agora constituirá uma nova regra, uma subespécie a justificar autonomização.
E parece-nos meritória essa opção. Isto, porque o artigo 1906.º não tem como escopo os direitos especiais das vítimas de violência doméstica e a sua proteção, os quais são objeto de legislação própria e específica.
Mas a questão fundamental subsiste. Há necessidade de se criar uma regra especial para este fim, para esta concreta previsão?
A esse respeito permitimo-nos transcrever o segmento do parecer do CSMP, de 28 de janeiro de 2015, sobre este particular domínio e referente ao projeto-lei n.º 745/XII: (…)
Parece-nos claro que a possibilidade de afastamento ou preterição da regra do exercício conjunto das responsabilidades parentais está prevista no n.º 2 do artigo 1906.º, que consente ao tribunal o afastamento do regime regra, sempre que este seja considerado contrário aos interesses do filho. Se o Tribunal podia já afastar a regra da guarda conjunta, fá-lo-á hoje com maior sustentação ainda, interpretando aquela norma à luz das disposições do artigo 31.º da Convenção de Istambul. E sendo recente a vigência da Convenção de Istambul no ordenamento nacional, afigurar-se-nos-ia mais adequado dar algum tempo ao labor da jurisprudência, antes da adoção de iniciativa de interpretação no ordenamento legislativo, com incidência num diploma estruturante, como o Código Civil.
E concluímos nos exatos termos ali aventados, isto é, se assim não for entendido, com uma concreta sugestão de redação à norma:
Para os efeitos do n.º 2 do artigo 1906.º, considera-se que o exercício em comum das responsabilidades parentais pode ser julgado contrário aos interesses do filho nomeadamente se for decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores ou se estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças
…. É que o crime de violência doméstica apenas de modo reflexo ou indireto tutela o bem jurídico da integridade física. É de uma realidade bem mais complexa que tratamos, dirige-se antes à tutela do direito fundamental da integridade pessoal, do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (artigos 25.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa), ambos emanações diretas do princípio da dignidade da pessoa humana.
E assim, tal como surge no projeto, claramente, situações relacionadas com violência doméstica na vertente de continuadas agressões psicológicas poderão não ter previsão nesta solução…
Além de que, face à moldura penal abstrata, a prática de crime de ofensa à integridade física simples nem sequer permite aplicação da medida de coação de proibição de contactos (cf. artigo 200.º do Código de Processo Penal) e, por maioria de razão, a aplicação da pena acessória...”
III.3.13. Não há prova de qualquer queixa crime ou de aplicação de qualquer medida de coacção ou pena acessória de proibição de contacto entre os progenitores. O que se desmontra é “22- Após a separação e durante a pendência dos presentes autos, ocorreram algumas altercações entre os progenitores e respectivas famílias, a propósito das visitas e contactos com os progenitores, nomeadamente, quanto às entregas. 23- A mãe do SR relata episódios de regressão comportamental, nomeadamente quanto à conciliação do sono e em termos de birras, após o início da residência alternada.” As altercações aquando das entregas, seria preferível que não ocorressem e não ocorreriam se os pais mantivessem uma postura cordial e responsável que deveriam privilegiar. O relato da mãe não se mostra minimamente demonstrado.
III.3.14. O direito ao desenvolvimento da personalidade não pode ser encarado apenas como mais uma liberdade ou direito geral, na qualidade de expressão geral fundamental do indivíduo garante-lhe um direito à formação livre da personalidade ou liberdade de acção como sujeito autónomo dotado de autodeterminação decisória e um direito de personalidade garantidor da sua esfera jurídico-pessoal da integridade desta. O direito ao desenvolvimento da personalidade recolhe assim a dimensão da formação livre da personalidade, sem planificação ou imposição estatal de modelos de personalidade, protecção da liberdade de acção de acordo com o projecto de vida e vocação pessoais próprias e a protecção da integridade da pessoa, para além da protecção do art.º 25, tendo em vista a garantia da esfera jurídico-pessoal no processo de desenvolvimento. Da articulação dos preceitos deduz-se que o sentido do direito ao desenvolvimento da personalidade não se reduz a um momento estático da protecção da integridade da pessoa, comporta a dimensão dinâmica que aponta para a pessoa em devir de enriquecer a sua dignidade em termos de capacidade de prestação no plano pessoal social e cultural, a segunda dimensão seja a protecção da liberdade de exteriorização da personalidade abrange um diversificado conjunto de factores desde a escolha do modo de vida, liberdade de profissão, passando pela liberdade de orientação sexual, liberdade de estar só.[5]
III.3.14. Sabemos que o desenvolvimento normal da criança se processa sob a forma de identificação aos modelos parentais com quem é suposto ter relações objectais privilegiadas nos primeiros anos de vida, “segue-se o processo de interiorização de representações parciais, depois totais, positivas enriquecedoras ou distorcidas e patológicas, identificações primárias na dependência da mãe e secundárias de ambos os pais depois e substitutas dos mesmos, a boa ausência ou retirada progressiva da presença materna organiza a capacidade de perda, de separação, luto da mãe, através do trabalho de deslocamentos sucessivos e transformações significativas de novas aquisições conducentes a uma abertura para o mundo, para o sonho para o fantasma do pensamento a curiosidade do diferente, o objecto pai é o “diferente” mais próximo reconhecido primeiro como duplo materno, deverá ter uma interferência activa como separador da unidade dual; mais tarde será representado como objecto total equivalente a segurança, protecção, poder, conhecimento justiça, o justiceiro que introduz e aplica a lei, a regra, a ordem e define os limites, para o rapaz é o modelo a “ser como” que se segue à inevitável rivalidade face à posse da mãe como objecto de desejo, para a rapariga será objecto de amor, de sedução na rivalidade com a mãe edipiana”.[6]
III.3.15. Conhecidas as etapas de desenvolvimento da criança/filho, mormente esta fase dos 3 para os 4 anos desta criança, a circunstância de o filho poder residir durante uma semana com o pai que nesse período terá também a guarda e a responsabilidade parental, e durante a outra com a mãe, tende a facilitar a interiorização daquele modelo.

IV- DECISÃO
Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação, em consonância mantêm o regime fixado.
Regime da Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade da recorrente que decai e porque decai (art.º 527/1 e 2).

Lisboa, 8 de fevereiro de 2024
Vaz Gomes
Rute Sobral
Higina Castelo
_______________________________________________________
[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013, de 26/6, atentas as circunstâncias de a acção de alteração de regulação ser de 18/1/2018 e a decisão recorrida ter sido proferida em 21/3/2018 e o disposto nos art.ºs 5/1 da Lei 41/2013 de 26/7 que estatui que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no passado dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente a todas as acções, sendo que quanto ao efeito de recurso se aplica o art.º 32 do RGPTC em que o efeito regra é o devolutivo salvo se o tribunal lhe fixar outro efeito (n.º4) que no caso não ocorreu, não sendo colocado no recurso a questão de efeito diferente; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26/6, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2] A. Reis, Processos Especiais, vol. II, pág. 40
[3] Anotação ao art.º 4 do RGPTC por Tomé de Almeida Ramião, Quid Iuris, 2016, pá. 21
[4] DUARTE PINHEIRO, Jorge, in “O Direito da Família Contemporâneo”, Coimbra Almedina, 5.ª edição, pág. 249 que acrescenta as vantagens do contributo para a criação de uma cultura autêntica de partilha de responsabilidades entre os pais, uma tentativa autêntica de dar à criança dois pais em vez de um só ou de um e meio; nesse sentido também CORTE-REAL, C Pamplona/PEREIRA, José Silva Direito da Família pp 26-27, 203-206, SILVA, Joaquim Manuel da, “Da Residência Exclusiva à Residência Alterada um percurso jurisprudencial em Portugal” Revista IBDFAM Famílias e Sucessões, n.º 9 2015, pp 179-201; contra SOTTOMAYOR, Maria Clara “entre idealismos e realidade: a dupla residência das crinas após o divórcio” Temas do Direito das Crianças, pp 74-76
[5] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Coimbra Editora, 2007, anotação art.ºs 25/26, pág. 464
[6] Teresa Ferreira “Em defesa da Criança- Teoria e Prática Psicanalítica da Criança” Assírio e Alvim, 2002, pág.111