Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5040/21.3T8FNC-A.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CAUSA DE PEDIR
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
I. Havendo causas de pedir subsidiárias, inexiste nulidade se o Tribunal julgar procedente a pretensão fundado na primeira das causas de pedir, sem apreciar as demais.
II. Na litigância por má-fé está em causa o confronto doloso ou temerário, expresso em conduta ativa ou omissiva, intencional ou com negligência grave da parte, quer em termos substanciais, quer do ponto de vista processual.
III. Além do mais, o artigo 858.º do CPCivil exige que o exequente use descuidadamente a ação executiva e daí decorram danos para o executado, fundando-se o direito indemnizatório deste na ocorrência dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, conforme artigo 483.º do CCivil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.
RELATÓRIO.
Fundado em escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, em 25.10.2021 a Exequente, CAIXA (…), SA., deduziu execução para pagamento de quantia certa, com processo sumário, contra os Executados, AA e BB, liquidando em €252.967,15 a quantia exequenda.
Efetuada a penhora, em 17.12.2021 os Executados apresentaram oposição à execução, na qual, alegaram que a execução padece de «vários vícios»: (i) «a existência de causa prejudicial decorrente de acção judicial prévia e ainda em curso, proposta contra a Exequente, onde se impugna a resolução contratual do mútuo que o integra», (ii) «a absoluta falta de fundamento da dita resolução, e, bem assim, a por mera hipótese e sem conceder admiti-la, do seu carácter manifestamente abusivo», (iii) «a inexistência de qualquer incumprimento», (iv) «o absoluto incumprimento do PERSI» e (v)  a ocorrência de «litigância de má fé [por parte da Exequente], designadamente omitindo factualidade da maior relevância, falseando documentação e fazendo um uso manifestamente reprovável do processo».
Nestes termos, concluiu pedindo «a Suspensão da Execução, na pendência da (…) Oposição mediante Embargos de Executado», devendo tal oposição «ser, a final, julgada integralmente procedente, por provada, bem como julgado integralmente procedente, por provado, o Incidente de Litigância de Má Fé deduzido contra a Exequente, e, como tal, sendo esta condenada em multa e em indemnização, a liquidar em sede de execução de Sentença».
Os embargos à execução foram liminarmente admitidos.
Notificada, em 31.01.2022 a Exequente apresentou contestação à oposição à execução na qual refutou toda a argumentação deduzida na oposição e concluiu pela improcedência dos embargos, bem como pelo prosseguimento da execução até final.
Em 13.06.2022 o Juízo de Execução da Madeira proferiu despacho com o seguinte teor:
“(…)
Compulsados os documentos n.ºs 7 e 36 da petição inicial de embargos, verifica-se que corre termos no Juízo Central Cível do Funchal, sob o n.º (…) acção declarativa proposta pelo embargante AA contra a embargada, na qual foi formulado o seguinte pedido: «Deve a presente acção ser declarada procedente, por provada, e em consequência ser para todos os efeitos declarada a invalidade da resolução, operada por cartas da Ré de 07/07/2021, dos mútuos contratados pela mesma com o Autor e aos quais correspondem os nºs. 040.24.100015-3 e nº. 040.27.100640-1.»
Cotejando os articulados desta acção declarativa e a escritura pública dada como título executivo, conclui-se que a resolução do contrato de mútuo subjacente à execução está a ser discutida na sobredita acção declarativa, acção essa que, por ter sido intentada em 21/07/2021, é anterior à presente execução, que foi deduzida apenas em 25/10/2021.
O direito de crédito invocado pelo exequente tem na génese o acto resolutivo impugnado na acção declarativa (cf. artigo 9.º do requerimento executivo), pelo que, caso o pedido formulado na acção declarativa seja procedente, a presente execução, não poderá subsistir.
Estamos, pois, diante de uma verdadeira questão prejudical, já que a decisão dos embargos de executado está dependente do julgamento de acção declarativa proposta anteriormente (cf. artigo 272.º n.º 1 do CPC).
Nada havendo nos autos que indique (ou faça suspeitar) ter sido a acção declarativa intentada com o intuito de obter a suspensão da execução, e não estando os embargos de executado em fase adiantada (cf. artigo 272.º n.º 2 do CPC), impõe-se decretar a suspensão.
Entendemos ser de declarar a suspensão não apenas dos embargos de executado (prejudicialidade tout court), mas também da execução, com base na admissão de prejudicialidade interna perante os embargos de executado. Observe-se que o prosseguimento da execução depende umbilicalmente da validade do acto resolutivo, que está a ser discutida na acção declarativa.
*
Pelo exposto, nos termos do artigo 272.º n.º 1 do CPC, declaro a suspensão dos embargos de executado e da execução até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no processo declarativo n.º 3412/21.2T8FNC, que corre termos no Juízo Central Cível do Funchal.
(…)».
Conforme certidão da sentença proferida na referida ação declarativa n.º (…), com nota de trânsito, junta aos presentes autos em 29.05.2023, a aqui Exequente, ali Ré, apresentou contestação e procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença em que se decidiu julgar: 
«a ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, declarar a ineficácia da resolução operada por cartas da ré de 07.07.2021, dos mútuos contratados pela mesma com o autor, aos quais correspondem os nºs. 040.24.100015-3 e (…) 040.27.100640-1.
Custas pela ré».
Em articulado de 03.07.2023, os Embargantes peticionaram a condenação da Embargada nas sanções previstas no artigo 858.º do CPCivil, alegando que «a actuação da Exequente» lhes «vem causando» «graves danos».
No âmbito da presente oposição à execução, em 15.09.2023 o Juízo de Execução do Funchal proferiu sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
«Pelo exposto, julgo procedente a oposição à execução, mediante embargos de executado e consequentemente declaro extinta a execução.
Mais indefiro o pedido de condenação da exequente nas sanções previstas no artigo 858.º do CPC e ainda como litigante de má-fé.
(…)».
Inconformados com aquela decisão, os Embargantes interpuseram dela recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«1º No âmbito da respectiva decisão ora recorrida, o Tribunal a quo fundamentou-se em que “a procedência dos embargos de executado se deve unicamente à decisão proferida na acção declarativa, na qual não foi aplicado este instituto. (Note-se estar em causa questão de conhecimento oficioso.)”, mas o certo é que não pode deixar de ser autonomamente apreciada a questão da litigância de má fé num e noutro desses dois processos:
- a acção declarativa de impugnação da resolução não foi da iniciativa do Exequente, e, por isso mesmo, natural que aí lhe seja concedido, com toda a amplitude, o devido direito de defesa;
- já a execução é da iniciativa da Exequente, foi promovida posteriormente à acção em que já sabia estar em causa a respectiva resolução contratual, e além disso, integra, entre outros aspectos, a omissão de factos relevantes, a tentativa de cobrança de valores indevidos e a adulteração de documentação.
2º Também não se pode concordar com o argumento considerado pelo Tribunal a quo no sentido de que nenhum mal advém da apresentação da execução, não obstante a pendência da acção de impugnação da resolução, porquanto a lei acautela tal situação – como efectivamente veio a acautelar no presente processo – por meio do instituto da causa prejudicial.
3º Quem em primeiríssimo lugar devia ter ajuizado dessa objectiva prejudicialidade era a própria Exequente, mas esta quis desconsiderá-la e omitiu-a, para avançar com a execução, com o fito de penhorar e depois vender os bens dos Executados.
4º A questão da prejudicialidade só foi conhecida do Tribunal e por este como tal apreciada, porque expressamente invocada pelos Executados nos respectivos Embargos.
5º A instâncias da Exequente, a execução não só deu lugar à efectiva realização de penhora, como ainda chegou a ser promovida a venda do imóvel penhorado.
6º Claro que, quando o Tribunal a quo veio a decidir a suspensão de todas as diligências executivas (por Despacho de 21/04/2022), nada mais a Exequente podia fazer – mas assim é apenas por força da própria autoridade da dita Decisão do Tribunal a quo.
7º Não deixando qualquer margem para dúvidas quanto ao desvalor da actuação processual da Exequente, verifica-se que: a penhora não representa qualquer garantia suplementar para a Exequente, porquanto a mesma já detinha sobre o imóvel em causa hipoteca de 1º grau; a Exequente, em face da invocação pelos Executados da dita questão prejudicial, opôs-se expressamente à suspensão da Execução.
8º Assim, ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, toda essa actuação da Exequente, nesta própria execução, é grave e verdadeiramente passível de censura - e só não teve efeitos ainda mais negativos, porquanto justamente o Tribunal a quo veio a pôr um travão nessa mesma actuação e na presente execução, ordenando a respectiva suspensão.
9º Tanto mais acertada e bem fundada a decisão do Tribunal a quo em suspender a execução, quanto censurável foi a descrita actuação da Exequente em procurar, a todo o custo, promovê-la – sendo que a lei censura de modo particular esse tipo de actuação, como resulta do disposto no art.º 858º do CPC, com plena aplicabilidade ao caso vertente.
10º Claro que tudo depende da consideração efectiva dos factos em causa, o que não sucedeu no caso vertente por parte do Tribunal a quo: este, em termos de factualidade, apenas veio a considerar a decisão de procedência da acção de impugnação da resolução, seguramente suficiente para a procedência dos Embargos, mas não para a apreciação da litigância de má fé por parte da Exequente.
11º O Tribunal a quo, a despeito de os Executados haverem especificamente deduzido o respectivo pedido de condenação da Exequente como litigante de má fé, pagando a taxa do respectivo incidente, acabou na realidade por não lhe dar a devida sequência: tomou em rigor uma posição de princípio, sem antes atender aos concretos factos alegados pelos Executados, sujeitá-los ao crivo da prova em audiência contraditória e dá-los como provados ou não.
12º Tal omissão integra nulidade processual, a qual expressamente se invoca para todos os efeitos (art.º 195º do CPC): na verdade, só mediante o efectivo apuramento da matéria de facto oportunamente alegada pelos Executados se poderá ajuizar se, como estes defendem, a Exequente deduziu pretensão manifestamente infundada, adulterou elementos probatórios, omitiu factualidade da máxima relevância – desde logo a pré-existência da mencionada acção –, fazendo do processo um uso manifestamente reprovável e, em suma, litigou de má fé.
13º Assim se pugna pela efectiva procedência do presente recurso, revogando-se a absolvição do pedido de condenação da Exequente nas sanções previstas no art.º 858º do CPC e como litigante de má fé, de modo a se fazer Justiça».
Notificada do recurso, a Embargada nada disse.
O Tribunal recorrido pronunciou-se quanto à nulidade suscitada pelos Recorrentes, concluindo pela sua ausência.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.

II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pelos Recorrentes, não havendo questões de conhecimento oficioso a apreciar, está em causa apreciar e decidir:
. Da nulidade suscitada pelos Embargantes/Recorrentes;
. Da litigância de má-fé da Embargada/Recorrida e
. Da sanção daquela, conforme artigo 858.º do CPCivil.
Assim.
III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade a considerar na presente decisão é a que consta do relatório deste acórdão, integrada pela dada como provada na decisão recorrida, a saber:
A. Em 25/10/2021, Caixa (…), S.A. interpôs ação executiva contra AA (1.º Executado) e BB (2.º Executado), para pagamento da quantia de 252.967,15€, dando como título uma escritura pública de «MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA», outorgada em 03.02.2015 (contrato identificável pelo n.º interno bancário 040.27.100640-1);
B. Nesta escritura pública e no respetivo «Anexo I», a Exequente declarou conceder ao 1.º executado um empréstimo de 310.000,00€;
C. Por seu turno, o 1.º Executado declarou ser devedor desta quantia, obrigando-se a reembolsar a mesma em 480 prestações mensais e sucessivas de capital e juros;
D. Em 21.07.2021, o 1.º Executado deduziu ação declarativa contra a exequente, a qual correu termos no Juízo Central Cível do Funchal (J1), sob o n.º (…), peticionando a declaração da invalidade da resolução do contrato titulado pela escritura pública acima referida.
E. Em 22.03.2023, foi proferida, nessa ação declarativa, sentença (transitada em julgado) com o seguinte dispositivo: «Por todo o exposto decide-se julgar a presente ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, declarar a ineficácia da resolução operada por cartas da ré de 07.07.2021, dos mútuos contratados pela mesma com o autor, aos quais correspondem os nºs. 040.24.100015-3 e nº. 040.27.100640-1.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Com o recurso os Embargantes/Recorrentes pretendem que, sob pena de cometimento de nulidade, os autos prossigam seus termos para apreciação da condenação da Embargada/Recorrida como litigante de má-fé e nas sanções prescritas no artigo 858.º do CPCivil.
Vejamos.
1. Da nulidade suscitada pelos Embargantes/Recorrentes.
(Conclusões 10.º a 13.º das alegações de recurso).
Nesta sede entendem os Recorrentes que o Tribunal recorrido desconsiderou factos por si alegados, não lhes dando «a devida sequência», não os sujeitando «ao crivo da prova em audiência contraditória», por forma a «dá-los como provados ou não» e assim devidamente apreciar e decidir da condenação da Exequente/Recorrida como litigante de má-fé e nas sanções prescritas no artigo 858.º do CPCivil.
Vejamos.
A execução fundou-se num contrato de mútuo hipotecário, com fiança, bem como na resolução daquele contrato.
Como os Executados/Recorrentes bem referem na sua petição de embargos, está, pois, «em causa um título executivo complexo».
Ora, naquela petição de embargos, os Executados/Embargantes começaram por sustentar a prejudicialidade da referida ação declarativa n.º (…) no que respeita à execução/embargos e, «subsidiariamente», conforme artigo 17.º da sua petição de embargos, sustentaram a (1.) «a absoluta falta de fundamento da dita resolução», (2.) «a inexistência de qualquer incumprimento» e (3.) «o absoluto incumprimento do PERSI»
Em razão da pendência da referida ação declarativa n.º (…), os embargos de executado e a respetiva ação executiva foram suspensos precisamente por se considerar que tal ação constituía causa prejudicial relativamente à execução e respetivos embargos.
Entretanto, aquela ação declarativa foi julgada procedente, declarando-se «a ineficácia da resolução» contratual em causa e, em consequência, o Tribunal recorrido julgou procedentes os embargos de executado e extinta a execução.
Neste devir processual, configura-se esgotada a matéria alegada nos embargos de executado, quer no que respeita à validade da resolução, quer quanto ao demais, não havendo, pois, necessidade de fazer prosseguir os embargos.
Por um lado, a validade da resolução contratual foi apreciada e decidida na referida ação declarativa, com trânsito em julgado, pelo que a matéria configura-se revestida da natureza de caso julgado material, conforme artigo 619.º, n.º 1, do CPCivil.
Por outro lado, julgada ineficaz a resolução contratual em causa e, por isso, extinta a execução, carece de sentido discutir da «inexistência de qualquer incumprimento» e do «incumprimento do PERSI» nos termos colocados pelos Embargantes/Recorrentes na sua petição de embargos, itens que os mesmos aí suscitam a título subsidiário.
Apurar tais matérias seria partir do pressuposto que a referida resolução contratual não tinha sido judicialmente considerada ineficaz, bem como postergar a natureza subsidiária das restantes causas de pedir da petição de embargos, num exercício académico que de todo em todo não compete aos Tribunais exercê-lo.
Como bem refere o despacho de 24.11.2023 do Tribunal recorrido, proferido nos termos do artigo 641.º, n.º 1, do CPCivil, quanto à nulidade ora em causa, «se a resolução foi declarada ineficaz, não podia o tribunal ficcionar o inverso – ou seja: a eficácia da resolução e a extinção do contrato – para, de seguida, apreciar as relações contratuais, a valia dos extractos/procedimentos bancários e o valor peticionado».
Em suma, diversamente do que entendem os Recorrentes, a decisão recorrida não padece de nulidade, a qual de todo o modo não seria enquadrada no artigo 195.º do CPCivil como pretendem os Recorrentes, mas antes no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPCivil, enquanto excesso de pronúncia do Tribunal recorrido. 
Improcede, assim, nesta parte o recurso.

2. Da litigância de má-fé da Embargada/Recorrida.
(Conclusões 1.º a 8.º e 13.º das alegações de recurso).
Os Recorrentes entendem que a Recorrida deve ser condenada como litigante de má-fé, sem, contudo, invocarem a alínea ou alíneas do n.º 2 do artigo 542.º do CPCivil que têm por compreendida no caso.
Apreciemos, sendo que levando em conta o exposto em IV.1., em causa está, no essencial, saber se a dedução da execução já na pendência da referida ação declarativa n.º (…) e sem qualquer referência a esta, assim como a dedução de oposição à suspensão da execução e dos embargos em razão da pendência da mesma ação, constituem, em si mesmas ou na sua interligação, expressão ou expressões de litigância de má-fé nos termos legalmente prescritos.
Ora, segundo o disposto no artigo 542.º, n.º 2, do CPCivil,
«Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
Está em causa o confronto doloso ou temerário, expresso em conduta ativa ou omissiva, intencional ou com negligência grave da parte, quer em termos substanciais, quer do ponto de vista processual.
Como referem João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, volume I, edição de 2022, página 104, «[a] litigância de má fé pressupõe que a parte actua com dolo ou negligência grave, de forma diferente que é devida e esperada, violando, nomeadamente, os deveres de lealdade e de probidade». 
No mesmo sentido referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Lima, Código de Processo Civil Anotado, volume I, edição de 2020, páginas 615 a 617, «(…) o recurso legítimo aos tribunais não pode restringir-se àqueles que inequivocamente tenham a razão do seu lado. Ao invés, a lei confere uma vasta amplitude ao direito de ação ou de defesa, de maneira que, para além da repercussão no campo das custas judiciais, não retira do decaimento qualquer outra consequência, a não ser que alguma das partes aja violando as regras e princípios básicos por que devem pautar a sua atuação processual (…).»
«Através da litigância de má-fé, a lei sanciona a instrumentalização do direito processual em diversas vertentes, quer ela se apresente como uma forma de conseguir um objetivo considerado ilegítimo pelo direito substantivo, quer como um meio de impedir a descoberta da verdade, quer ainda como forma de emperrar ainda mais a máquina judiciária, com a colocação de obstáculos ou com a promoção de expedientes meramente dilatórios. Abarca ainda os casos em que se pretende impedir o trânsito em julgado da decisão e, deste modo, prejudicar a contraparte na tutela ou na realização do direito substantivo que através da decisão lhe seja reconhecido».
No que respeita ao juízo de censurabilidade, como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.10.2023, processo n.º 349/20.8T8LRS-C.L1.S1, «a lei não exige o dolo, bastando-se com a negligência grosseira. Não se torna, pois, necessário a prova da consciência da ilicitude do comportamento do litigante e da intenção de conseguir um objetivo ilegítimo, bastando tão só que, à luz dos concretos factos apurados, seja possível formular um juízo intenso de censurabilidade pela sua atuação».
«O Código de Processo Civil, no artigo 542.º, passou a adotar o aforismo tradicional que equipara a culpa lata ao dolo com o intuito de atingir uma maior responsabilização das partes».
No caso vertente.
A dedução da execução na pendência da referida ação declarativa n.º 3412/21.2T8FNC e sem qualquer referência a esta não integram uma litigância de má-fé por parte da Embargada/Recorrente, tal como não a integra a contestação da suspensão da instância executiva em razão da pendência daquela ação, apresentada nos embargos de executado.
É certo que a Embargante/Executada podia ter esperado o desfecho daquela ação para interpor a execução ou, tendo interposto esta, nela aludir a tal ação logo no requerimento inicial ou na contestação dos embargos ter pugnado pela suspensão da execução/embargos em razão da pendência da mesma ação.
Contudo, no cotejo dos autos, estamos convictos que a Exequente/Embargada agiu convencida de que tal ação declarativa não tinha intercorrências na execução e nos embargos, conforme contestação dos embargos, pugnando por tal, sem que daí se possa concluir no sentido de uma postura substancial ou processualmente dolosa ou temerária em termos operantes na litigância de má-fé.  
Concluindo, carece de fundamento a condenação da Embargada/Recorrida como litigante de má-fé, termos em que também nesta sede improcede o recurso.
3. Da sanção da Embargada/Recorrida, conforme artigo 858.º do CPCivil.
(Conclusões 9.º e 13.º das alegações de recurso).
No recurso os Embargantes/Recorrentes reclamam a condenação do Embargado/Recorrido nas sanções previstas no artigo 858.º do CPCivil, matéria que foi por eles introduzida em juízo no seu requerimento de 03.07.2023, no qual alegaram que «a actuação da Exequente» lhes «vem causando» «graves danos», sem, em concreto, explicitar estes.
Vejamos.
Segundo o disposto no artigo 858.º do CPCivil, «[s]e a oposição à execução vier a proceder, o exequente, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal, responde pelos danos culposamente causados ao executado, se não tiver atuado com a prudência normal, e incorre em multa correspondente a 10 % do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objeto de oposição, mas não inferior a 10 UC, nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça».
Além do mais, tal preceito legal exige que o exequente use descuidadamente a ação executiva e daí decorram danos para o executado, fundando-se o direito indemnizatório deste na ocorrência dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, conforme artigo 483.º do CCivil.
Como refere Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, edição de 2023, página 577, «[n]este contexto, para que se verifique a responsabilidade civil do exequente, torna-se necessário o preenchimento dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, isto é, a verificação de um facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (…). Assim, se o exequente recorrer ilicitamente à ação executiva e se, com esta sua atuação, causar danos ao executado, deverá suportar esses mesmos danos».
No mesmo sentido referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Lima, Código de Processo Civil Anotado, volume II, edição de 2020, página 289, «[a] obrigação de indemnizar depende a verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual (artigo 483º do CC), com recorte específico quanto à culpa (falta de prudência normal), visando cobrir as hipóteses de litigância temerária que não são sancionadas pelo regime da má fé processual».
In casu.
Conforme decorre do exposto, os Embargantes/Recorrentes limitaram-se a alegar a ocorrência de «graves danos», sem os indicar em concreto, pelo que, desde logo, por não ter sido alegado e muito menos provado, a concreto natureza danosa da atuação da Embargada/Recorrida, cumpre desde já, sem necessidade de mais considerações, julgar improcedente a pretensão dos Recorrentes nesta sede.
Em suma, improcede o recurso, mantendo-se, pois, integralmente a decisão recorrida
*
* *
Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede a pretensão dos Recorrentes.
Na relação jurídico-processual recursiva os Recorrentes configuram-se como parte vencida, pois a improcedência do recurso é-lhes desfavorável.
Nestes termos, as custas do recurso devem ser suportadas pelos Recorrentes.
V. DECISÃO  
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se, pois, a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 08 de fevereiro de 2024
Paulo Fernandes da Silva (relator)
Orlando Nascimento (1.º Adjunto)
José Manuel Correia (2.º Adjunto)