Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1526/11.6TXLSB-C.L1-9
Relator: PAULA CRISTINA BIZARRO
Descritores: REGISTO CRIMINAL
CANCELAMENTO PROVISÓRIO
INDEMNIZAÇÃO
IMPOSSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.Para deferimento do cancelamento provisório do registo criminal, é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos de facto:
- que as penas em que o requerente haja sido condenado tenham sido extintas;
- que o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado;
- que o interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.

2. A prova da impossibilidade do cumprimento da obrigação de indemnizar o ofendido compete ao interessado que requeira o cancelamento provisório, em harmonia com a presunção de culpa que recai sobre o devedor quanto ao incumprimento de obrigações pecuniárias estabelecida no art. 799º do Código Civil.

3.Tal prova terá de reportar-se à situação económica em que o requerente se encontrava à data do trânsito em julgado da decisão condenatória, e ao período imediatamente a ela subsequente, e não à sua situação económica actual.

4.A improcedência do pedido de Cancelamento Provisório do Registo Criminal não viola o princípio da igualdade, nem o princípio da proporcionalidade, nem o direito ao trabalho, consagrados nos art.s 13.° n.º 2, 18.° n.°2 e 58.° nº 1 da Constituição da República Portuguesa: o respeito pelo princípio da igualdade mostra-se assegurado pelo direito que assiste ao requerente de demonstrar a impossibilidade do cumprimento da obrigação de indemnizar por razões económicas e financeiras; se é desejável a reabilitação dos condenados mediante o cancelamento provisório do registo criminal, imprescindível é de igual modo que o interessado nesse cancelamento cumpra os requisitos cumulativos de que o mesmo depende; se o interessado não reúne as condições objectivas de que depende o deferimento do cancelamento provisório do registo criminal por motivos a ele presumivelmente imputáveis, a ele são igualmente imputáveis eventuais obstáculos à obtenção de um determinado emprego ou actividade laboral que exija a ausência de antecedentes criminais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes da 9ª secção criminal deste Tribunal da Relação


I.RELATÓRIO


Inconformado com a sentença de 9-09-2022 proferida nestes autos de processo especial para Cancelamento Provisório do Registo Criminal com o n.º 1526/11.6TXLSB-C, veio o requerente A, nascido a 29-04-1968, natural de S..... ..... (Portalegre), nacional de Portugal, filho de ... e de ..., com o CC n° 0......., residente na Rua ... L_____, interpor recurso de tal decisão, na qual foi decidido o seguinte (transcrição): julgo improcedente o pedido de cancelamento formulado nestes autos.
*

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da motivação do recurso, apresentadas na sequência de despacho de convite ao seu aperfeiçoamento, que em seguida se transcrevem:
A.–Vem o presente recurso interposto da sentença pela qual o douto Tribunal a quo julgou improcedente o pedido de cancelamento provisório do registo criminal formulado pelo Requerente, justificando que in casu "não estão reunidos os pressupostos a que alude o art. 229.° n. °1 do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade - Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, no que tange às penas aplicadas ao arguido";
B.–Não pode o Recorrente concordar com todo o teor da sentença objeto do presente recurso, porquanto, com todo o devido respeito, entende que no caso concreto, se verifica quanto à matéria de fato - erro notório na apreciação da prova e quanto à matéria de direito, verificam-se preenchidos todos os requisitos legais necessários para a admissão do pedido de cancelamento provisório do registo criminal;
C.–Relativamente à matéria de fato, o Tribunal a quo considerou incorretamente como provados, os seguintes fatos:
"Ponto 3.-A indemnização civil não foi integralmente paga.
Ponto 4.-Notificado para comprovar o cumprimento daquelas obrigações de indemnizar, o requerente não o fez, alegando não ter condições económicas para o efeito, devido a actual situação de reforma por incapacidade com pensão de baixo valor.
Ponto 7.-O requerente, como decorre do relatório social, trabalhava como funcionário público, situação que cessou por reforma antecipada, em 2017, após 3 anos de baixa médica devido a problemas psiquiátricos, pelo que importa concluir que o incumprimento da obrigação de indemnizar foi deliberado e não devido a impossibilidade financeira";
D.–No caso concreto, entende o Recorrente que resulta concretamente dos documentos de prova a folhas 145, 146, 147, 169, 188, 269, 270, 271, 276 e 296, dos autos, que os fatos transcritos nos pontos 3, 4 e 7 da sentença, não deveriam ter sido dados como provados;
E.–Dos documentos de folhas 145,146, 147, resulta que o Recorrente foi condenado por Acórdão transitado em julgado a 11 de Março de 2008, proferido no âmbito do processo-crime n.º 326/07.2JDLSB, que correu termos na 3.ª Vara Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 3 (três) anos, suspensa na execução por igual período, e a pagar uma indemnização ao ofendido B, a título de danos morais e patrimoniais, no montante de 2.628,00€ (dois mil seiscentos e vinte e oito euros), acrescido de juros legais até integral pagamento;
F.–Do documento de folhas 276, requerimento entregue a 4 (quatro) de Novembro de 2021, pelo lesado B resulta que o Recorrente pagou 2690,91€ (dois mil seiscentos e noventa euros e noventa e um cêntimos), pelo que, quando o lesado refere não ter sido totalmente ressarcido, presume-se que apenas carece o pagamento integral dos juros de mora, cujo valor em falta, se desconhece por não constar no respetivo requerimento;
G.–Do documento de folhas 188, Despacho proferido pelo Instituto de Segurança Social, que Deferiu o Pedido de Apoio Judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento de compensação de Patrono, conclui-se claramente pela insuficiência de meios económicos do Recorrente, ao abrigo do disposto nos arts. 1.° n.°1, e 8.° -A, da Lei de 34/2004 de 29 de Julho;
H.–Dos documentos de folhas 269, 270 e 271, resulta que o Recorrente por requerimento entregue no dia 27 de Julho de 2021, não só alegou dificuldades financeiras pelo não cumprimento do pagamento integral dos juros, como comprovou o mesmo, juntando em anexo, a Demonstração de Liquidação de IRS, referente ao período de 01.01.2020 a 31.12.2020, onde consta como rendimento global a quantia de 6.523,14€ (seis mil quinhentos e vinte e três euros e catorze cêntimos), bem como o recibo emitido pela Caixa Geral de Aposentações, onde se estabelece que em Julho de 2021, o Recorrente auferia a pensão no valor de 665,00€ (seiscentos e sessenta e cinco euros) - Documentos esses, que não foram mencionados na sentença objeto do presente Recurso:
I.–Do Relatório Social, documento de folhas 169, elaborado a 16 de Setembro de 2020, resulta que o Recorrente "possui uma situação social, económica e financeira frágil, sendo a sua reforma no valor de 430€ a única fonte de rendimentos (...) Face ao exposto, ainda que com algumas reservas consideramos que A poderá beneficiar de uma reabilitação judicial, na medida em que lhe possibilita melhorias das suas condições económicas, permitindo investir no seu projeto de vida, promovendo a sua inserção socioprofissional, e consolidar o seu processo de integração social",
J.–Na atual conjuntura, atendendo ao custo médio de vida, o Recorrente ao ter como único rendimento, uma pensão a título de reforma, inicialmente no valor de 430,00€ (quatrocentos e trinta euros), e que há data de Julho de 2021, seria no valor de 665,00€ (Seiscentos e sessenta e cinco euros), tem claramente sérias dificuldades financeiras, motivo esse que justifica o não cumprimento do pagamento integral dos juros legais pelo que se verifica, no caso concreto, erro na apreciação da prova documental:
K.–Contrariamente ao que sucedeu, deve assim ser considerado provado nos Pontos 3, 4 e 7 da sentença objeto do Recurso, que a indemnização civil foi integralmente paga, e relativamente aos juros legais não pagos na totalidade, como decorre do Relatório Social, datado de 16 de Setembro de 2020, o Recorrente aufere uma pensão no valor de 665,00€ (Seiscentos e sessenta e cinco euros), sendo essa a sua única fonte de rendimentos, pelo que importa concluir que o respetivo incumprimento, foi devido às suas sérias dificuldades financeiras;
L.–Verificando-se assim a sanação da matéria de fato impugnada, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra, dando-se provimento ao pedido de cancelamento provisório do registo criminal do Recorrente, por verificados todos os requisitos previstos no nas alíneas a), b), c) do art. 12.° da Lei n.º 37/2015 de 5 de Maio - lei de Identificação Criminal, em complemento ao disposto no art. 229.° do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade - Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro.
M.–Relativamente à matéria de direito, o Tribunal a quo, ao não conceder na sentença objeto do presente recurso, o pedido de cancelamento provisório do registo criminal do Recorrente, violou várias normas jurídicas, nomeadamente, o art. 40.° n. °1 do Código Penal, art. 229.° n.º 1 do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade- Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro art. 12.° alienas a), b), c) da Lei de Identificação Criminal - Lei n.º 37/2015 de 5 de Maio, arts. 13.°, n. °2, 18.°, n.º 2, e 58.°, n.°1, da Lei Fundamental - Constituição da República Portuguesa;
N.–O Recorrente entende que o disposto no art. 229.° n.º l da Lei n.º 115/2009 de 12 de outubro, atual Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, verifica-se preenchido, e tal resulta do documento de folhas 2 junto nos autos, que transcreve o pedido apresentado pelo Recorrente para cancelamento provisório de decisões que devessem constar de certificados de registo criminal, para fins de emprego;
O.–De igual modo, entende o Recorrente que se verificam preenchidos todos os requisitos que permitem a admissão do cancelamento provisório do registo criminal, expressamente delineados no art. 12.° da Lei 37/2015 de 5 de Maio - Lei da Identificação Criminal, onde se prevê que pode o tribunal de execução das penas determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, desde que: já tenham sido extintas as penas aplicadas (alínea a), o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado (alínea b), e haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legai ou provado a impossibilidade do seu cumprimento (alínea c);
P.–Atendendo ao teor do Certificado de Registo Criminal do Requerente - documento de folhas 296 junto aos autos, todas as penas aplicadas ao Recorrente foram extintas, o que preenche o requisito transposto na alínea a) do art. 12.° da Lei 37/2015 de 5 de Maio - Lei da Identificação Criminal;
Q.–Do documento de folhas 169 -Relatório Social, datado de 16 de setembro de 2020, junto aos autos, favoravelmente se concluiu que "o Recorrente tem-se comportado de forma razoável e se supõe readaptado";
R.–Pelo que, em observância ao que resulta das conclusões favoráveis do Relatório Social, verifica-se preenchido o requisito de que o Recorrente se comportou de forma razoável e se supõe readaptado, transposto na alínea b) do art. 12.° da Lei 37/2015 de 5 de Maio - Lei da Identificação Criminal;
S.–Relativamente ao preenchimento do requisito previsto na alínea c) do art. 12.° da Lei 37/2015 de 5 de Maio - Lei da Identificação Criminal, resulta claro do Requerimento do Lesado B, datado de 04 de Novembro de 2021, que o Recorrente pagou a indemnização civil por danos não patrimoniais e patrimoniais, no total de 2628,00€ (dois mil seiscentos e vinte e oito euros), a que foi condenado, no acórdão transitado em julgado a 11 de Março de 2008, proferido pela 3.a Vara Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, no âmbito do processo n.º 326/07.2JDLSB, pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, cuja pena se extinguiu em 15 de Setembro de 2011;
T.–O não cumprimento do pagamento integral dos juros legais, resulta da insuficiência de meios económicos do Recorrente, o que se comprova do teor dos documentos de folhas 145, 146, 147, 169, 188, 269, 270, 271, 276 e 296;
U.–A insuficiência de meios económicos é comprovada no documento de folhas 169 - Relatório Social de 16 de Setembro de 2020, ao concluir que “A possui uma situação social, económica e financeira frágil, sendo a sua reforma no valor de 430€ a única fonte de rendimentos”;
V.–Do Despacho proferido pelo Instituto de Segurança Social, que Deferiu o Pedido de APOIO Judiciário ao Recorrente, nas modalidades de "dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento de compensação de Patrono", decorre a verificação da carência económica, em cumprimento do disposto nos arts. 1.° n.º 1, e 8.° -A, da Lei de 34/2004 de 29 de Julho;
W.–Como também se averigua no teor dos documentos de folhas 270 e 271 -Demonstração de Liquidação de IRS e recibo emitido pela Caixa Geral de Aposentações, que no período de 01.01.2020 a 31.12.2020, o Recorrente apresentou um rendimento global na quantia de 6.523,14€ (seis mil quinhentos e vinte e três euros e catorze cêntimos) e que em Julho de 2021, o mesmo auferia a pensão de reforma mensal, no valor de 665,00€ (seiscentos e sessenta e cinco euros);
X.–Processualmente, resulta que o Recorrente não tem outros bens que permitam pagar os juros de mora, atendendo que o processo executivo n.º 326/07.2JDLSB-A, foi extinto por falta de bens penhoráveis, o que processualmente apenas sucede, depois do agente de execução concretizar todas as diligências úteis à identificação ou localização de bens penhoráveis, ao abrigo do disposto nos arts. 738.° n.º l e n.º 3; 749.° n.º l e 751.° n.º 2 do Código de Processo Civil;
Y.–É fato que o Tribunal a quo, tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções, que qualquer cidadão que tenha como único rendimento uma pensão quer no valor de 430,00€ (quatrocentos e trinta euros), quer no valor de 665,00€ (seiscentos e sessenta e cinco euros), atendendo ao custo médio de vida, tem uma capacidade financeira bastante frágil;
Z.–Apesar dos fatos notórios serem descritos no Código de Processo Civil "o julgador penal deve considerar os fatos notórios, ainda que não alegados" - Ac. Do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º 1803/08.3TBVIS.Cl, datado de 22.06.2010, e AC. Do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 045009, datado de 30.03.1995, disponíveis para consulta em http://www.dosi.Dt/:
AA.–A sentença objeto de Recurso, feriu assim, o Principio da Igualdade, previsto no art. 13.° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que explicitamente consagra que ninguém pode ser prejudicado, privado de qualquer direito em razão da sua condição económica;
BB.–O Tribunal a quo, ao julgar improcedente o cancelamento provisório do registo criminal, com base no extenso registo criminal que o requerente apresenta, que impedem a formulação de um juízo favorável sobre a adaptação/capacidade do requerente para o exercício das profissões que pretende, fere o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, transposto no art. 18.° n.°2 da Constituição da República Portuguesa, que explicitamente prevê que não podem as decisões judiciais, adotar medidas excessivas, desproporcionais para alcançar os fins pretendidos;
CC.–O direito penal tem como finalidades principais a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e concretamente, o processo de cancelamento provisório do registo criminal visa reabilitar o cidadão que foi condenado pela prática de crime e é uma medida político- criminal destinada a restaurar a dignidade pessoal e facilitar a reintegração do condenado na comunidade - Ac. Do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n.º 2390/19.2TXLSB-A.L1-9, datado de 17.12.2020, disponível para consulta em www.dsai.ot:
DD.–Ao ser indeferido o pedido de cancelamento provisório do registo criminal, é ferido o direito do Recorrente ao trabalho, impedindo assim a sua reintegração na sociedade, o que viola o disposto nos arts. 58.° nº 1 da Constituição da República Portuguesa e art. 40° n.°1 do Código Penal;
EE.–De todo o exposto resulta que o Tribunal a quo, deveria no caso concreto, ter considerado por verificados os requisitos previstos nas alíneas a), b) e c) do art. 12.° da Lei n.º 37/2015 de 5 de Maio, em complemento ao disposto no art. 229.° do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade - Lei n.º 115/2009 de 12 de Outubro;
FF.–E em consequência, deverá a sentença objeto de análise, ser revogada e substituída por outra, que por sua vez, proceda à sanação da matéria de fato impugnada, e que determine que, em matéria de direito, se consideram como verificados todos os requisitos legais que por sua vez admitem o deferimento do pedido de cancelamento provisório do registo criminal do Recorrente.
Pelo Exposto supra, e no que doutamente vier a ser suprido, requer-se que seja concedido provimento ao presente recurso, e em consequência, ser a douta sentença revogada e substituída por outra, dando-se provimento ao pedido de cancelamento provisório do registo criminal do Recorrente.
Fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!
(fim de transcrição)
*

O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
A decisão de 09-09-2022, julgou improcedente o pedido de cancelamento provisório do registo criminal formulado pelo ora recorrente, por ter considerado que, não demonstrou ter envidado esforços, na medida das suas possibilidades financeiras, para proceder ao pagamento do pedido de indemnização cível em que foi condenado. A tal acresce o extenso registo criminal e problemas de saúde mental do requerente o que inviabiliza a formulação de um juízo favorável sobre a capacidade para o exercício da actividade pretendida.
Tal decisão não violou qualquer preceito legal.
Efectivamente, atenta a data do trânsito em julgado da condenação em causa cabia ao requerente fazer prova de que, à data da mesma, não possuía rendimentos que lhe permitissem efectuar o pagamento integral do pedido de indemnização cível em que foi condenado.
Apesar de devidamente notificado o recorrente apenas comprovou a sua situação económica actual.
Pelo que, no caso em apreço, os pressupostos formais para o cancelamento provisório do registo criminal não se encontram preenchidos.
Contudo V. Ex.as., decidindo, farão, como sempre
JUSTIÇA
(fim de transcrição)
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O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. (despacho de 18-11-2022 com a ref.ª 9604546)
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Neste Tribunal da Relação, pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, foi emitido parecer nos termos seguintes (transcrição):
(…) 2–Compulsada a matéria em análise entendemos que ao arguido/recorrente não assiste qualquer razão.
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3– O Ministério Público na 1ª instância respondeu ao recurso, equacionando de forma bem estruturada e completa a matéria a resolver nesta lide, defendendo a manutenção da decisão recorrida, em termos de facto e de direito que, pelo rigor e propriedade, suscitam a mais completa adesão.
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4–Assim, acompanhando os fundamentos da resposta do Ministério Público, emite-se parecer consonante, no sentido de que o recurso em apreço deve ser julgado improcedente, sendo de manter o decidido na douta sentença recorrida.
(fim de transcrição) 
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta.
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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
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II.FUNDAMENTAÇÃO

1.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
Daí o entendimento pacífico de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo que apenas as questões aí resumidas deverão ser apreciadas pelo tribunal de recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente os vícios previstos no n.º 2 do art. 410º do mesmo Código.
Em conformidade, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir no presente recurso é a seguinte:
-erro notório na apreciação da prova relativamente aos pontos de facto nºs. 3., 4. e 7. da sentença recorrida;
-verificação dos pressupostos do pretendido cancelamento provisório do registo criminal.
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II.DA SENTENÇA RECORRIDA
2.1.-É o seguinte o teor da decisão recorrida (transcrição):

I.–RELATÓRIO
Nos presentes autos de Processo de Cancelamento Provisório do Registo Criminal veio A (nome rectificado por despacho de 9-11-2022, com a ref.ª 9587552), requerer o cancelamento provisório das decisões constantes do seu registo criminal, para efeitos profissionais, mais, concretamente, para exercício de funções como motorista de TVDE, segurança privada ou fiscalização EMEL.
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O Ministério Público, em douto PARECER prolatado nos termos e para efeitos de ART° 231° CEPMPL, pronunciou-se desfavoravelmente ao cancelamento provisório no registo criminal das condenações sofrida pelo requerente, pelos fundamentos aí expostos e dado por integralmente reproduzidos.
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II.–Saneamento
O tribunal é competente.
O processo é o próprio.
Não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III.–Os factos e o direito
Finda a instrução consideram-se provados os seguintes factos:
Factos Provados:
1.–O requerente foi condenado, para além de outros, no processo n.º 326/07.2JDLSB, por sentença transitada em julgado em 11-03-2008, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos e a pagar indemnização civil ao ofendido, na quantia de €2.628.00, acrescida de juros legais até integral pagamento.
2.–Do registo criminal consta a extinção da pena referenciada em 1. em 15-09-2011.
3.–A indemnização civil não foi integralmente paga.
4.–Notificado para comprovar o cumprimento daquelas obrigações de indemnizar, o requerente não o fez, alegando não ter condições económicas para o efeito, devido a actual situação de reforma por incapacidade com pensão de baixo valor.
5.–À data do trânsito em julgado da sentença condenatória referenciada em 1. (11-03-2008) o requerente trabalhava como funcionário público, situação que cessou por reforma antecipada, em 2017, após 3 anos de baixa médica devido a problemas psiquiátricos.
6.–O registo criminal do requerente apresenta crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, ofensa à integridade física, desobediência, furto qualificado e ameaças.
7.–O requerente, como decorre do relatório social, trabalhava como funcionário público, situação que cessou por reforma antecipada, em 2017, após 3 anos de baixa médica devido a problemas psiquiátricos, pelo que importa concluir que o incumprimento da obrigação de indemnizar foi deliberado e não devido a impossibilidade financeira.
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Do Direito
Nos termos do disposto no artigo 12° da Lei n.º 37/2015 pode o Tribunal de Execução de Penas determinar o cancelamento provisório, total ou parcial, das decisões inscritas no certificado se já tiverem sido extintas as penas aplicadas, o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado e o interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido (ou comprove a impossibilidade de proceder ao pagamento) - cfr. ainda ao art 229° do Cód. de Execução de Penas.
No caso em apreciação, como nota o Ministério Público no seu Douto Parecer, a pena aplicada ao requerente no âmbito do processo n.º 326/07.2JDLSB, cuja sentença transitou em julgado em 11-03-2008, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos e a pagar indemnização civil ao ofendido, na quantia de €2.628.00, acrescida de juros legais.
Não estão assim reunidos “in casu os pressupostos para o cancelamento provisório do registo a que alude o art° 229 n° 1 do CEPMPL.
Não obstante, o pedido ter sido formulado por quem tinha legitimidade para o fazer, o qual especificou a finalidade a que se destina, obedecendo às imposições do n.º 2, do art. 229.° do CEPMPL, o que é facto é que a Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, no seu artigo 12.° exige três requisitos, a verificarem-se cumulativamente, para que seja concedido o cancelamento das decisões que devem constar do CRC.
O primeiro, referido na sua alínea a), exige que a pena ou penas aplicadas tenham sido extintas, o segundo, constante da sua alínea b), tem a ver com o bom comportamento do requerente e com a sua adaptação à vida social e o terceiro, constante da sua alínea b) tem a ver com o cumprimento da obrigação de indemnizar o ofendido, sendo este requisito só exigível quando contemplado na decisão condenatória. Tal obrigação não foi totalmente paga, não resultando dos autos que o não pagamento seja devido à alegada situação económica precária do recorrente, pelo que importa concluir que o incumprimento da obrigação de indemnizar foi deliberado e não devido a impossibilidade financeira.
Mais, há que atender ao extenso registo criminal que o requerente apresenta, por crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, ofensa à integridade física, desobediência, furto qualificado e ameaça, o que associado aos problemas de saúde mental determinantes da reforma antecipada, impedem a formulação de um juízo favorável sobre a adaptação/capacidade do requerente para o exercício das profissões que pretende, as quais exigem equilíbrio emocional.
Ainda, encontrando-se reformado está o seu sustento assegurado pela pensão que aufere, complementada por apoios sociais inerentes à sua profissão.
Não estão assim reunidos “in casu” os pressupostos para o cancelamento provisório do registo a que alude o art° 229 n° 1 do CEPMPL, no que tange às penas aplicadas ao arguido.
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IV.- Decisão
Pelo exposto, julgo improcedente o pedido de cancelamento formulado nestes autos por. Custas pelo requerente, fixadas pelo mínimo.
Notifique e arquive.
(fim de transcrição)
*

III.APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO

3.1.-Erro notório na apreciação da prova

Embora não o refira expressamente, o recorrente reporta-se ao vício previsto no art. 410º/2-c) do Código de Processo Penal.
Preceitua tal normativo legal que:
1- Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2- Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a)-A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b)-A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c)-Erro notório na apreciação da prova.
3- O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

Os vícios previstos no art. 410º/2, do Código Penal, como vícios da decisão, mostram-se directamente conexionados com os requisitos da sentença previstos no art. 374º/2 do mesmo Código, designadamente com a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, e a exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal (v. Ac. STJ de 9-02-2012, proferido no processo nº 233/08.1PBGDM.P3.S1, disponível em www.dgsi.pt, assim como os demais acórdãos que se citarão infra).
Por outro lado, como resulta expressamente de tal preceito legal, os vícios da matéria de facto fixada na sentença, a que se refere o citado art. 410º/2, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos externos à sentença, ainda que constem do processo.
No que respeita ao erro notório na apreciação da prova, este ocorre quando se julgam provados factos que, face às regras da experiência comum, às regras da lógica, e à normalidade da vida, não se poderiam ter verificado, em face dos concretos meios probatórios produzidos ou, ao invés, quando se julgam não provados factos que, face aos meios probatórios e àquelas regras da experiência, necessariamente terão de ser tidos como verdadeiros.
Trata-se de um vício atinente ao raciocínio na apreciação das provas, exigindo-se, como referido, que tal vício seja evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, que se trate de um erro evidente: as provas enunciadas na decisão apontam para um sentido e a decisão conclui de forma manifestamente contrária.
Existe erro notório na apreciação da prova quando ocorre “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou (…). Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis”. (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, no citado “Recursos em Processo Penal, pág. 77).

Relativamente ao erro notório na apreciação da prova que invoca, argumenta o recorrente, em síntese, que:
No que concerne ao Ponto 3 da matéria de fato dada como provada, importa atender que a indemnização civil arbitrada ao lesado, no âmbito do processo n.º 326/07.2JDLSB, foi integralmente paga, apenas carecendo o pagamento integral dos juros de mora legais;
Relativamente ao Ponto 4 e 7 da matéria de fato dada como provada, mal esteve o Tribunal de Execução de Penas, ao concluir que o incumprimento da obrigação de indemnizar foi deliberado;
No caso concreto, não pode o Recorrente concordar com a decisão do Tribunal a quo, porquanto entende que os fatos foram julgados incorretamente, face à prova documental junta no processo;
Se atendermos à prova junta aos autos, documentos de folhas 145, 146, 147, 169, 188, 269, 270, 271, 276 e 296, resulta notoriamente que o Recorrente não cumpriu o pagamento integral dos juros de mora legais, porque estava impossibilitado de o fazer, por sofrer dificuldades financeiras;
Pelo que se verifica no caso concreto, erro na apreciação da prova documental.

Conclui o recorrente que deve ser considerado provado nos Pontos 3, 4 e 7 da sentença objeto do Recurso, que a indemnização civil foi integralmente paga, e relativamente aos juros legais não pagos na totalidade, como decorre do Relatório Social, datado de 16 de Setembro de 2020, o Recorrente aufere uma pensão no valor de 665,00€ (Seiscentos e sessenta e cinco euros), sendo essa a sua única fonte de rendimentos, pelo que importa concluir que o respetivo incumprimento, foi devido às suas sérias dificuldades financeiras.
Ora, basta atentar em tal argumentação para concluir que o recorrente confunde o erro notório na apreciação da prova com a incorrecta valoração da prova, sendo esta subsumível já a um erro de julgamento da matéria de facto, por errónea valoração dos meios probatórios indicados, no caso, de natureza documental.
Por outro lado, o texto da decisão recorrida não evidencia de forma notória, facilmente perceptível ao cidadão comum, que ocorreu um erro ostensivo na valoração da prova, ou seja, que os meios de prova produzidos apontam necessariamente em sentido contrário àquele que foi a decisão.
Com efeito, será necessário o recurso a elementos externos à decisão recorrida, ou seja, ao conteúdo dos documentos mencionados pelo recorrente, para se aferir se existe erro ou não, o que desde logo afasta a verificação do vício decisório invocado, o qual, como se referiu, tem de ser ostensivo face ao próprio texto da decisão.
Assim, inexiste o erro notório na apreciação da prova invocado pelo recorrente.
Contudo, reconduzindo-se a argumentação do recorrente à invocação de erro de julgamento do tribunal a quo na apreciação da prova documental junta aos autos, cumpre apreciar a sua pretensão com esse fundamento.
Há erro de julgamento quando o tribunal julgue como provado determinado facto que, face às provas produzidas, deveria ter sido julgado como não provado, ou quando, inversamente, julgue como não provado um certo facto, o qual, de harmonia com os meios probatórios produzidos, deveria ser julgado como provado.

Assim, no Ac. do STJ de 19-05-2010, proferido no processo nº 696/05.7TAVCD.S1, se explicitou que: O uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.

Ou seja, as provas indicadas pelo recorrente quanto aos pontos da matéria de facto impugnados terão necessariamente de impor decisão diferente da proferida, não bastando que sugiram ou permitam diversa convicção, na medida em que, como se salienta no Ac. do STJ por último citado: A utilização do verbo impor, com o sentido de «obrigar a», não é anódina. Por aí, se limita, ainda, o recurso em matéria de facto aos casos de valoração de provas proibidas ou de valoração das provas admissíveis em patente desconformidade com as regras impostas para a sua valoração.

Como resulta do atrás exposto, o recorrente insurge-se contra os pontos 3. 4. e 7. da matéria de facto provada, aduzindo que:
No que concerne ao Ponto 3 da matéria de fato dada como provada, importa atender que a indemnização civil arbitrada ao lesado, no âmbito do processo n.º 326/07.2JDLSB, foi integralmente paga, apenas carecendo o pagamento integral dos juros de mora legais;
- Relativamente ao Ponto 4 e 7 da matéria de fato dada como provada, mal esteve o Tribunal de Execução de Penas, ao concluir que o incumprimento da obrigação de indemnizar foi deliberado;
O recorrente conclui que deve ser considerado provado nos Pontos 3, 4 e 7 da sentença objeto do Recurso, que a indemnização civil foi integralmente paga, e relativamente aos juros legais não pagos na totalidade (…), importa concluir que o respetivo incumprimento, foi devido às suas sérias dificuldades financeiras.

Assim, os pontos da matéria de facto provada constantes da sentença recorrida questionados são, efectivamente e apenas, os em seguida destacados:
3.- A indemnização civil não foi integralmente paga.
4.-Notificado para comprovar o cumprimento daquelas obrigações de indemnizar, o requerente não o fez, alegando não ter condições económicas para o efeito, devido a actual situação de reforma por incapacidade com pensão de baixo valor.
7.-O requerente, como decorre do relatório social, trabalhava como funcionário público, situação que cessou por reforma antecipada, em 2017, após 3 anos de baixa médica devido a problemas psiquiátricos, pelo que importa concluir que o incumprimento da obrigação de indemnizar foi deliberado e não devido a impossibilidade financeira.

No que respeita ao ponto 3. da matéria de facto provada é manifesto que ao recorrente não assiste qualquer razão.
É que o próprio recorrente reconhece na sua motivação e nas conclusões de recurso que a indemnização não se encontra integralmente paga, quando afirma que se encontra em falta o pagamento integral dos juros de mora legais.
Por outro lado, do ofício junto aos autos em 13-05-2022 (ref.ª citius 1713593) relativo à Execução nº 326/07.2JDLSB-A, instaurada em 10-11-2008, em que é exequente o ofendido naqueles autos em que o aqui requerente foi condenado e executado o aqui requerente, na sua nota discriminativa consta como VALOR AINDA EM FALTA A SER PAGO PELO EXECUTADO o montante  global de 2.049,52€ (dos quais: 1.231,59€ de custas de parte, 897,52€ de juros civis, e 1.213,58€ de juros compensatórios).
Dessa nota discriminativa extraída da mesma execução consta ainda que o valor a entregar ao exequente é de 2.690,91€, valor esse que corresponde exactamente ao valor declarado como recebido pelo ofendido através do seu requerimento de 4-11-2021 (ref.ª 1650525), tendo ainda o exequente a receber na execução o valor global de 2.058,79€, entre os quais 544,81€ a título de adiantamento de custas de parte, sendo o restante devido a título de juros civis, juros compensatórios e quantia exequenda.
Resulta ainda daquele mesmo ofício que tal execução foi extinta por decisão de 24-09-2020, por não terem sido indicados bens à penhora.
Assim, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, o ponto 3. da matéria de facto provada não merece reparo, devendo ser mantido.
Improcede assim nessa parte o recurso.
No que respeita ao ponto 4  da matéria de facto provada na parte em que dele consta “o requerente não o fez”, não assiste de igual modo razão ao recorrente, porquanto, como concluímos já, encontra-se demonstrado que a indemnização, juros incluídos, não se encontra integralmente paga, de onde decorre inevitavelmente como facto assente que o requerente não comprovou o cumprimento daquelas obrigações de indemnizar, sendo de igual modo indubitável que, para o efeito, alegou não ter condições económicas para o efeito, devido a actual situação de reforma por incapacidade com pensão de baixo valor, como consta do mesmo ponto 4. da matéria de facto provada.
Aliás, isso mesmo vem reconhecido na motivação de recurso, no seu ponto 23, quando o recorrente afirma que: Do documento de folhas 269, que por sua vez, consiste no requerimento entregue pelo Recorrente no dia 27 de Julho de 2021, para cancelamento provisório do registo criminal, este alegou dificuldades financeiras pelo não cumprimento do pagamento integral da indemnização (…).
E é essa conclusão, com efeito, que se retira de tal requerimento apresentado pelo requerente (ref.ª 1622539), com o qual juntou igualmente recibo da sua pensão de aposentação e demonstração da liquidação de IRS do ano 2020.
Improcede, consequentemente, a impugnação quanto ao ponto 4. da matéria de facto provada.
Relativamente ao ponto 7. da matéria de facto provada, na parte em que se mostra impugnada, importará assinalar que o seu segmento pelo que importa concluir que o incumprimento da obrigação de indemnizar foi deliberado e não devido a impossibilidade financeira não corresponde a matéria factual, mas sim traduz uma simples conclusão, aliás, repetida em sede de fundamentação de direito na sentença recorrida na parte em que dela consta: “Tal obrigação não foi totalmente paga, não resultando dos autos que o não pagamento seja devido à alegada situação económica precária do recorrente, pelo que importa concluir que o incumprimento da obrigação de indemnizar foi deliberado e não devido a impossibilidade financeira
Por fundamento diverso do invocado pelo recorrente, tal excerto, pois, de ser eliminado do ponto 7. dos factos provados.
Resta decidir, face à prova documental junta, como pretende o recorrente, sobre se deverá ser julgado como provado que relativamente aos juros legais não pagos na totalidade, como decorre do Relatório Social, datado de 16 de Setembro de 2020, o Recorrente aufere uma pensão no valor de 665,00€ (Seiscentos e sessenta e cinco euros), sendo essa a sua única fonte de rendimentos, pelo que importa concluir que o respetivo incumprimento, foi devido às suas sérias dificuldades financeiras
Como supra se referiu, argumenta o recorrente que: Se atendermos à prova junta aos autos, documentos de folhas 145, 146, 147, 169, 188, 269, 270, 271, 276 e 296, resulta notoriamente que o Recorrente não cumpriu o pagamento integral dos juros de mora legais, porque estava impossibilitado de o fazer, por sofrer dificuldades financeiras.
Contudo, analisados os documentos juntos pelo requerente, todos eles são recentes: o recibo da pensão de aposentação da CGA é referente ao mês de Julho de 2021, e a liquidação de IRS reporta-se ao ano de 2020.
Além disso, o relatório social da DGRS foi elaborado em 16-09-2020.
A execução para obtenção coerciva da quantia em causa foi instaurada em 10-11-2008 e apenas foi extinta por decisão de 24-09-2020.
Invoca o recorrente que não fez prova do pagamento integral dos juros de mora a que foi condenado, mas juntou prova suficiente de que estava impossibilitado de o fazer.
Manifestamente sem razão: a prova reporta-se à situação económica actual do recorrente, não à situação económica em que o recorrente se encontrava à data do trânsito em julgado da decisão condenatória, nem tão pouco aos primeiros anos a ela subsequentes.
Como consta sob o ponto 5 da sentença recorrida, não impugnado pelo recorrente: À data do trânsito em julgado da sentença condenatória referenciada em 1. (11-03-2008) o requerente trabalhava como funcionário público, situação que cessou por reforma antecipada, em 2017, após 3 anos de baixa médica devido a problemas psiquiátricos.
Consequentemente, inexistem provas de que o requerente, em 11-03-2008 ou no período temporal que imediatamente se lhe seguiu, se encontrava impossibilitado de cumprir a obrigação determinada na decisão condenatória e seus juros de mora.
O requerente não comprovou que à data do trânsito em julgado da decisão condenatória em causa se encontrava impossibilitado, por dificuldades financeiras, de satisfazer a indemnização em cujo pagamento foi condenado.
Em conformidade, improcede a impugnação da matéria de facto por erro de julgamento, pelo que se consideram definitivamente fixados os factos julgados provados na sentença recorrida.
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3.2.Verificação dos pressupostos do cancelamento provisório do registo criminal
Preceitua o art. 229º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade que:
Finalidade do cancelamento e legitimidade
1-Para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou actividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos, pode ser requerido o cancelamento, total ou parcial, de decisões que devessem constar de certificados de registo criminal emitidos para aqueles fins.
2-O cancelamento pode ser pedido pelo interessado, pelo representante legal, pelo cônjuge ou por pessoa, de outro ou do mesmo sexo, com quem o condenado mantenha uma relação análoga à dos cônjuges, ou por familiar em requerimento fundamentado, que especifique a finalidade a que se destina o cancelamento, instruído com documento comprovativo do pagamento das indemnizações em que tenha sido condenado.
3- Na impossibilidade de juntar o documento a que se refere o número anterior, pode ser feita por qualquer outro meio a prova do cumprimento das obrigações de indemnizar, da sua extinção por qualquer meio legal ou da impossibilidade do seu cumprimento.
4- Com o requerimento podem ser oferecidas testemunhas, até ao máximo de cinco, bem como outros meios de prova da verificação dos pressupostos do cancelamento provisório, previstos na Lei de Identificação Criminal.
Por outro lado, dispõe o art. 12º da Lei de Identificação Criminal (Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio), que:
Cancelamento provisório
Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º pode o tribunal de execução das penas determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, desde que:
a)- Já tenham sido extintas as penas aplicadas;
b)- O interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e
c)- O interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.

Da análise conjugada de tais normativos legais, resulta que para deferimento do cancelamento provisório do registo criminal, é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos de facto:
- que as penas em que o requerente haja sido condenado tenham sido extintas;
- que o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado;
- que o interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.
Além disso, resulta ainda inequívoco de tais normativos que a prova da impossibilidade do cumprimento da obrigação de indemnizar o ofendido compete ao interessado que requeira o cancelamento provisório, em harmonia com a presunção de culpa que recai sobre o devedor quanto ao incumprimento de obrigações pecuniárias estabelecida no art. 799º do Código Civil.
No caso concreto, encontra-se provado que o requerente foi condenado, para além de outros, no processo n.º 326/07.2JDLSB, por sentença transitada em julgado em 11-03-2008, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos e a pagar indemnização civil ao ofendido, na quantia de €2.628.00, acrescida de juros legais até integral pagamento.
Contudo, como resulta do atrás exposto e da factualidade provada, não demonstrou o requerente a impossibilidade de proceder ao pagamento da indemnização em que foi condenado.
O requerente não veio alegar nos autos os motivos pelos quais não pagou voluntariamente tal quantia ao ofendido após o trânsito em julgado da sentença condenatória, obrigando este à instauração do processo de execução com vista a obter o seu pagamento coercivo cerca de oito meses após esse trânsito em julgado.
Resulta ainda da informação extraída do processo executivo atrás mencionado que foi nomeado à penhora 1/3 do seu vencimento como funcionário público, penhora essa que se concretizou, como o requerente reconhece no seu já referido requerimento de 27-07-2021, o que permitiu o ressarcimento parcial ao ofendido/exequente naquele processo executivo.
Perante o incumprimento da obrigação de indemnizar, a decisão recorrida não merece qualquer censura, na medida em que não se encontra demonstrado um dos pressupostos do art. 12º da Lei n.º 37/2015 de 5 de Maio, conjugado com o art. 229º do Código de Execução das Penas.
Acrescenta-se que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, a mesma não viola qualquer preceito legal, nomeadamente os invocados pelo requerente na sua motivação de recurso.
Designadamente, não viola o princípio da igualdade, nem o princípio da proporcionalidade, nem o direito ao trabalho.
O respeito pelo princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição da República mostra-se assegurado pelo direito que assiste ao requerente de demonstrar a impossibilidade do cumprimento da obrigação de indemnizar por razões económicas e financeiras, o que o requerente em concreto não demonstrou.
A violação do princípio da proporcionalidade e do disposto no art. 40º do Código Penal invocadas, carece em concreto de qualquer sustentação, porquanto se é desejável a reabilitação dos condenados mediante o cancelamento provisório do registo criminal, imprescindível é de igual modo que o interessado nesse cancelamento cumpra os requisitos cumulativos de que o mesmo depende.
Igual consideração nos merece a invocada violação do direito ao trabalho consagrado no art. 58º da Constituição da República: o tribunal só poderá deferir o cancelamento provisório quando se encontrem reunidos os requisitos legais de que o mesmo depende, os quais são cumulativos, bastando, pois, que um deles não se encontre verificado para que improceda o cancelamento pretendido.
Ora, se o interessado não reúne as condições objectivas de que depende o deferimento do cancelamento provisório do registo criminal por motivos a ele presumivelmente imputáveis, a ele são igualmente imputáveis eventuais obstáculos à obtenção de um determinado emprego ou actividade laboral que exija a ausência de antecedentes criminais.
Carece assim de qualquer fundamento a invocada violação do direito ao trabalho.
Não se verificando aquele pressuposto do cumprimento da obrigação de  indemnizar o ofendido, nem a impossibilidade do seu cumprimento à data da condenação, prejudicado fica, por inútil, o conhecimento dos demais pressupostos.
Nestes termos, improcede necessariamente o presente recurso.
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IV.DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em:
- eliminar do ponto 7. dos Factos Provados o excerto pelo que importa concluir que o incumprimento da obrigação de indemnizar foi deliberado e não devido a impossibilidade financeira”;
- confirmar no mais a sentença recorrida.
Sem custas, atento o vencimento parcial (art. 513º/1 do Código de Processo Penal).
Notifique.


Lisboa,23 de Março de 2023


(anterior ortografia, salvo as transcrições ou citações, em que é respeitado o original)

Elaborado e integralmente revisto pela relatora (art.º 94.º n.º2 do C. P. Penal)

Assinado digitalmente pela relatora e pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos


                                                                         
Paula Cristina Bizarro
Antero Luís
João Abrunhosa