Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
674/20.6T8LSB.L1-A-6
Relator: TERESA SOARES
Descritores: NULIDADE DE DESPACHO
ENTREGA DO SUPORTE DAS GRAVAÇÕES ANTES DA CONCLUSÃO DO JULGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Numa diligência processual com mais de uma sessão as gravações devem ser entregues, após cada sessão. A lei fala em acto –art.º 155.º,3 CPC. Cada sessão constitui um acto por si.
II - A gravação abrange uma função mais vasta que a reapreciação da matéria de facto. Permite-se, por força da gravação, escrutinar toda a actividade processual que se tenha desenrolado oralmente em diligências presididas pelo juiz.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª sessão do Tribunal da Relação de Lisboa:

Nos presente autos foi apresentado a 19/10/2022 o seguinte requerimento:
“MM, Ré/Reconvinte nos autos à margem referenciados e ali melhor identificada vem requerer a V. Exa cópia da gravação da sessão de 19-10-2022, nos termos do artigo 155.º, n.º 3 do CPC

Sobre o qual recaiu o seguinte despacho:
“Requerimento datado de 19.10.2022 (Ref.ª 43616475):
Considerando que o julgamento ainda não terminou, tendo apenas sido interrompido, aliado ao facto da gravação da prova ter por finalidade a instrução de recurso com vista à reapreciação dos fundamentos de facto, determina-se que a cópia das requeridas gravações sejam entregues à R., no momento em que for encerrada a audiência de julgamento, nos termos do disposto no art.º 155º, nº3 do CPC.
Notifique”
Notificado deste despacho veio a R recorrer alegando com as seguintes conclusões:
A - Conforme decorre do artigo 155º n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil a gravação deve ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias após a realização do respectivo ato e as partes devem invocar no prazo de 10 dias a falta ou deficiência da gravação, a contar da disponibilização.
B – Após cada sessão se Julgamento em que haja prova gravada, terminada e encerrada esta, deve ser disponibilizada a gravação às partes, esta é a solução que, além de ir ao encontro do sentido literal do normativo, mais vai no sentido de eventuais irregularidades da gravação que possam comprometer a desejável celeridade no andamento dos autos serem remediadas o mais cedo possível.
C – Acresce que tal solução permite ainda aos Mandatários melhor prepararem as suas alegações finais e neste sentido salientarem com maior certeza ao Tribunal os pontos da matéria de facto que julguem relevantes.
D - Impugnação da matéria de Direito, o Tribunal a quo não aplicou, ou interpretou erroneamente pelo menos os artigos seguintes: - 155.º, n.ºs 3 e 4 do CPC.
Nestes termos e nos demais de Direito e sempre com o Douto Suprimento de V. Ex.ªs, deve ser dado provimento ao presente recurso e revogado o Douto Despacho, sendo substituído por outro que entenda que a entrega da gravação deve ser feita após cada sessão/ato e não apenas no final do Julgamento, seguindo o processo a sua ulterior tramitação até final, com as legais consequências.
Se o presente recurso não subir de imediato deve subir com o primeiro que vier a subir da D. Decisão final, caso exista.
O CD com as gravações terá sido facultado à R. após o julgamento, conforme determinado no despacho.
Foi interposto recurso pela R. o qual já foi julgado, por acórdão transitado, que confirmou a decisão que resolveu o contrato de arrendamento, em que é R. a aqui recorrente.
O presente recurso, por motivo que se desconhece, não veio a subir com o recurso da decisão final, como era imperativo legal.
Nada obsta ao conhecimento do recurso.                             
É nosso entendimento que numa diligência processual com mais de uma sessão as gravações devem ser entregues, após cada sessão. A lei fala em acto –art.º 155.º,3 CPC. Cada sessão constitui um acto por si.
Para o bom funcionamento dos trabalhos, nomeadamente para se detectar deficiências de gravação, analisar requerimentos, despachos ou depoimentos, deve entender-se que cada sessão constitui “um acto” e por isso deveria a gravação ter sido entregue finda a sessão, conforme requerido.
Não assiste razão ao tribunal recorrido quando limita a função das gravações à reapreciação da matéria de facto. Que assim não é decorre do art.º 155.º cuja epígrafe é “Gravação da audiência final e documentação dos demais actos presididos pelo Juiz” esclarecendo-se no n.º 1 que são recolhidas na acta “depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respectiva resposta, despacho, decisão, alegações orais”.
Abrange assim a gravação uma função mais vasta que a reapreciação da matéria de facto. Permite-se, por força da gravação, escrutinar toda a actividade processual que se tenha desenrolado oralmente em diligências presididas pelo juiz.
Vejamos o caso dos autos.
A acção já está decidida por decisão transitada em julgado.
O CD terá sido entregue.
A recorrente limita-se a pedir que o despacho seja revogado e substituído por outro que entenda que a entrega deve ser feita após cada sessão “seguindo o processo a sua ulterior tramitação”.
O recorrente está obrigado a alegar e concluir - art.º 639.ºCPC. As alegações funcionam como uma petição inicial e as conclusões como o pedido.
Ora, o que a recorrente pretende é ver esclarecida a posição jurídica assumida nos autos pelo julgador, pretende que este tribunal se debruce sobre a questão. O que pede é que este tribunal revogue o despacho e o substitua por outro que entenda que a entrega dessa ser feita cada sessão, não retirando daí quaisquer concretas conclusões ao nível do andamento do processo.
Pretende a anulação do julgamento em 1.ª e 2.ª instância?
Não o sabemos porque a recorrente o não diz.
Ainda assim vejamos que conclusão se poderá tirar?
Entende-se que não foi observada uma formalidade legal.
Contudo a omissão de uma formalidade só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa. Assim o dispõe o art.º 195.º do CPC.
Ora, não invoca a recorrente em que medida é que essa formalidade omitida influiu, concretamente, na decisão da causa.
Limita-se a dizer que teria melhor preparado as alegações finais. Isto não é um facto, mas antes uma mera alegação subjectiva, dificilmente comprovável. Não pode tal alegação ser entendida como fundamento suficiente para se julgar o processo ferido de nulidade.
E convidado a esclarecer se tinha interesse no recurso vem alegar que:
“Continua a ser relevante e útil para a Recorrente, saber se o prazo legal foi respeitado pelo Tribunal e qual é esse prazo, porque isso tem relevância na segurança e na certeza jurídica.”
Assim revoga-se o despacho sem, contudo, daí retirar qualquer consequência jurídica, uma vez que a irregularidade cometida não constitui nulidade.

Pelo exposto acorda-se em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida.
Sem custas.

Lisboa, 8 de fevereiro de 2024
Teresa Soares
Octávia Viegas
João Manuel P. Cordeiro Brasão