Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | JOÃO BÁRTOLO | ||
| Descritores: | DESPACHO DE PRONÚNCIA TRÂNSITO EM JULGADO NEXO DE CAUSALIDADE MEDIDA DA PENA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/03/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | I - Tendo sido requerida a abertura da instrução e proferido despacho de pronúncia é esta decisão judicial, transitada em julgado, o título pelo qual o arguido vai a julgamento. II - Em direito penal, o critério que fixa o nexo de causalidade relevante é o que consta do disposto no art. 10.º, n.º1, do Código Penal, de onde resulta que se verifica uma causalidade tipicamente relevante sempre que existe uma ligação adequada entre uma acção e um resultado descrito numa incriminação. III - É absurda a ideia do recorrente de que os veículos mais vulneráveis têm mais responsabilidade nos acidentes estradais atenta a sua vulnerabilidade, quando é certo que tal característica, a verificar-se, apenas impõe uma maior dever de cuidado aos demais utilizadores da via pública, em aplicação do disposto no art. 24.º da Código da Estrada. IV - Em sede determinação da medida das penas, a actividade de ponderação dos tribunais de recurso constitui uma fiscalização da proporcionalidade efectuada pelos tribunais recorridos e da correcção dos critérios utilizados, não sendo uma repetição de tal actividade, como se a mesma fosse feita de modo inovador. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório No âmbito dos autos n.º 55/21.4PTOER do Juízo Local Criminal de Oeiras – Juiz 1, após julgamento, foi proferida Sentença que decidiu: “[…] b) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelo Art. 148.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao Art. 144.º, al. b), do Código Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de 06,00 € (seis euros), perfazendo o montante total de 960,00€ (novecentos e sessenta euros) - à luz dos Arts. 13.º, 15.º, n.º al. b), 26.º, n.º 1, 40.º, 47.º, n.º 1, 70.º, e 71.º do Código Penal; c) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no Art. 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, por referência aos Arts. 148.º, n.ºs 1 e 3, 144.º, al. b), do Código Penal, e 24.º, n.º 1, do Código da Estrada, pelo período de 6 (seis) meses; […]”. Inconformado com esta decisão interpôs recurso o arguido, tendo formulado, após a motivação, as seguintes conclusões: “1ª - Dos autos não consta nenhuma acusação deduzida pelo Ministério Público; pelo contrário existe, sim, um despacho de arquivamento, proferido ao abrigo do disposto no art.º 277º do Código de Processo Penal; 2ª - Não se está perante um crime de natureza particular, que se satisfaz com a constituição como assistente por parte do ofendido e com a dedução de uma mera acusação particular; 3ª – Face aos teores dos Despachos de Pronúncia e do que recebeu esta, os factos a indagar em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, convolando, nos precisos termos ali referidos, em libelo, o douto requerimento de abertura da instrução, extravasariam largamente os limites das normas dos artigos 24º do Código da Estrada (excesso de velocidade) e dos art.ºs 148º, n.ºs 1 e 3 por referência aos art.ºs 144º, a) e b) e 69º, 1, a) do Código Penal, o que nos parece inadmissível; 4ª – Porquanto incluem a ali pedida imputação ao arguido do crime p. e p. pelo art.º 291º, n.º 1, b) do Código Penal, cuja punição ascende à pena de prisão até três anos; 5ª - Em condições normais, do acidente 'sub judice', nas circunstâncias concretas em que aconteceu – embate com a parte lateral da viatura conduzida pelo arguido na frente da viatura dirigida pelo assistente, a reduzida velocidade de ambas, não resultariam para o assistente, nem de longe, lesões com a gravidade daquelas que este infelizmente veio a sofrer; 6ª - É o que emana insofismável das regras da experiência comum; 7ª – A gravidade das lesões sofridas pelo assistente foi, além do mais, consequência do facto de este conduzir uma viatura portadora de especial vulnerabilidade, por não dispor de uma configuração que proteja adequadamente o seu habitáculo; 8ª – Ora, 'ubi commoda, ibi incommoda'; 9ª - Os veiculos que, pelas suas características, são portadores de perigos especiais, obrigam a determinados cuidados ou prevenções por banda de quem os possui ou utiliza, pelo que quem concretamente retira benefícios e colhe os correspondentes proveitos, terá também de suportar os inerentes incómodos, advenientes do perigo de circulação da própria viatura – v. art. º 503º, n.º 1 do Código Civil; 10ª - Qualquer pequeno embate é idóneo a provocar graves lesões a quem conduz tal tipo de viatura; 11ª - O que tem como consequência a quebra do nexo de causalidade adequada entre o despiste e as lesões sofridas pelo assistente; 12ª - É pacífico o entendimento de que um facto só pode ser qualificado como causa jurídica de um determinado dano quando seja de tal natureza que, nas condições normais da vida, ele seja idóneo, apto e adequado à produção daquele tipo de consequências danosas; 13ª - A teoria da causalidade adequada, vai acolhida no artigo 563º do Código Civil: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” - art.º 563º do Código Civil; 14ª - Não existe causalidade adequada quando o dano se verifica apenas em virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto; 15ª - “Não basta que o evento tenha produzido certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado ele; é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, isto é, adequada desse efeito” - Ac. STJ, .../.../2002: CJ/STJ, 2002, 1.º-36. 16ª – A “afectação de maneira grave, da capacidade de trabalho, das capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou da possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem”, não seriam nunca, à luz das regras da causalidade adequada, consequência idónea do despiste em análise, atentas as exactas circunstâncias do mesmo; 17ª - Ao estabelecer que “se do facto resultar ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias” artº 148º, n.º 3, do Código Penal, o Legislador não prescindiu do pressuposto da relação causal qualificada – queremos dizer, adequada, entre o facto e o resultado; 18ª – Donde, nunca haveria lugar à agravação prevista no citado preceito; 19ª - A extrema dureza da pena aplicada ao arguido – que nos parece, até, de apreensão intuitiva – prende-se, nos termos da douta Sentença em crise, precisamente, com a invocação de que “a gravidade das consequências não patrimoniais mostra-se elevadíssima, atendendo aos danos sofridos pelo assistente, assim aumentando a sua ilicitude: o embate determinou que o assistente sofresse dores permanentes, estivesse imobilizado numa cama por mais de um mês, necessitando do auxílio da sua companheira à data para satisfazer as suas necessidades fisiológicas, encontrando-se impossibilitado de se alimentar e de dormir devidamente durante quatro meses, bem como de realizar tarefas do dia-a-dia, e a pegar na sua filha recém-nascida ao colo e de cuidar da mesma, desenvolvendo um quadro depressivo”; 20ª – Esta questão, que se alcandora a fulcral, da verificação, ou não, de nexo de causalidade adequada entre o despiste e o dano sofrido pelo assistente, não foi sequer objecto de qualquer indagação expressa, na douta Sentença em análise; 21ª – Como sempre deveria, sendo que nos parece que há quebra, manifesta, desse nexo causal; 22ª – Reza o facto provado 7. que “o assistente apenas se apercebeu da aproximação do veículo conduzido pelo arguido quando este se encontrava em despiste, em direção ao veículo conduzido pelo assistente”; 23ª - Necessariamente, tal percepção pelo assistente terá ocorrido, pelo menos, aquando da transposição, pelo arguido, da linha longitudinal separadora dos sentidos de trânsito, até pelo estrondo deste primeiro embate; 24ª - Atenta a circunstância de o assistente circular “na via de trânsito da direita”, tal ciência terá ocorrido quando as viaturas se encontravam distanciadas entre si, não menos de 20 metros; já que, 25ª - Aquando de tal transposição, sendo o posicionamento recíproco oblíquo em ângulo bastante amplo (não menos de 160 graus), e que, a distância, medida em linha recta, entre o traçado longitudinal e a via de trânsito da direita, no sentido ... será de cerca de 6 metros; 26ª – As fotografias constantes do Relatório Fotográfico n.º 22823, mormente as que dele constam a fls. 2, 3, 6, 7, 9 e 10, não permitem que subsistam quaisquer dúvidas da largura desta via de trânsito; 27ª - Donde resulta que o assistente terá avistado a viatura conduzida pelo arguido a uma distância não inferior a 20,88 metros (correspondente à medida da hipotenusa de um rectângulo com 6m x 20 m), logo, segundo Pitágoras, à distância a que se encontraria a viatura conduzida pelo arguido quanto o assistente se terá apercebido do despiste; 28ª - Tendo em vista que o próprio assistente sempre alegou que não chegou a travar, isso conduz-nos a conclusão inequívoca de que, ele sim, circulava desatento, pois teve seguramente tempo para o fazer (travar); 29ª – Face ao que acabamos de expor, somos levados a concluir que, não fora a desatenção do assistente – que não chegou a esboçar qualquer travagem (como também o inculca a circunstância de não haver qualquer alusão, pelas autoridades, ao respectivo necessário rasto), o veículo conduzido pelo assistente sequer teria sido embatido; 30ª – Ocorreria, sim, o despiste da viatura do arguido, mas não o embate no ...; 31ª - O Tribunal recorrido dá como facto provado (19.) que “ao adotar o comportamento acima descrito, o arguido não agiu com o cuidado que as circunstâncias e especiais deveres do exercício da condução lhe impunham, de que era capaz e a que estava obrigado”; 32ª – Da motivação da decisão de facto, não se alcança onde o Tribunal 'a quo' encontra base factual para concluir que o arguido circularia a uma velocidade excessiva e não teria atuado com o cuidado devido, de que era capaz e a que estava obrigado; 33ª – Mais ainda, quando se constata que o Tribunal dá como provado - facto 20. que “o arguido não chegou sequer a representar a possibilidade de realização do embate”; 34ª – Ao declarar que “inexistem elementos que suportem a existência de óleo, sujidade ou qualquer anomalia no pavimento do local onde se deu o embate entre os veículos em causa”, considerando que “tal não resulta das fotografias juntas aos autos, ou de qualquer prova documental elaboradas pelas entidades que se dirigiram ao local nesse dia”, o Tribunal olvida que nenhuma investigação foi direccionada no sentido de apurar a existência de tais vestígios, não cabendo ao arguido, até porque desprovido dos meios a tal necessários, demonstrar a mesma; 35ª - Relevando também que o Tribunal alude à inexistência de óleos e sujidades no local onde se deu o embate entre os veículos em causa e não no local do despiste, sito na via de trânsito oposta e distante daquele, como vimos e é patente, cerca de 20 metros; 36ª - Nem nos parece razoável, salvo o muito respeito devido, a asserção contida na douta Sentença, de que “os bombeiros e a PSP teriam reportado vestígios de relevo que se encontrassem na estrada”; 37ª - Quando é facto notório que a existência de óleos ou outros produtos num piso molhado está longe de integrar o conceito de “vestígio de relevo”, antes será totalmente insusceptível de apreensão à vista desarmada; 38ª – Sem olvido da circunstância de ambas aquelas entidades bem saberam que se deslocaria necessariamente ao local uma equipa da empresa “...”, cuja função e vocação era, precisa e exclusivamente, a de buscar vestígios de óleos, sujidades, etc., e proceder à limpeza da via; 39ª - É, precisamente, na sequência desta afirmação (de não se verificarem “quaisquer óleos, sujidades ou anomalias no pavimento da via em causa” – o que seria sempre de estranhar, naquela avenida marginal sempre muitíssimo movimentada e, mormente, por ocasião das primeiras chuvas do ano...- que o Tribunal, invocando os princípios da normalidade e as regras da ciência e da física, vai fundamentar a sua convicção de que “o arguido se encontrava a circular em velocidade superior à adequada face ao estado do piso que se encontrava molhado”; 40ª - Logo acrescentando: “assim se entende, pois, atendendo aos significativos danos provocados no veículo do assistente (na frente, traseira e em ambas as laterais do veículo, que foi empurrado contra um passeio de betão), verifica-se, face às regras da ciência, da física e da causalidade, que o veículo do arguido atingiu uma velocidade significativa em despiste, uma vez que apenas tal velocidade seria susceptível de provocar danos como a dimensão descrita, no local em apreço (tendo já em consideração o reduzido tamanho e peso do veículo do assistente, quando comparado com o veículo do arguido, para efeitos da produção de danos)”; 41ª – À luz da Lei do Momento Linear, de Newton, “para toda a partícula em movimento, o momento linear (p) é igual ao produto da massa (m) pela velocidade (v) dessa partícula”, tendo em vista a massa de cada uma das viaturas acidentadas, bem como o posicionamento do condutor no interior das mesmas, atendendo a que são, não uma, mas duas partículas que colidem (quase frontalmente) a velocidades que, somadas, no momento do embate, rondarão os 70 km/h... 42ª – É-se levado a concluir que os danos sofridos pelo ... e pelo seu condutor, são, sim, consequência necessária do raro circunstancialismo que rodeou a ocorrência, e não de um suposto excesso de velocidade por parte do arguido; 43ª - 'Sibi imputet' ao assistente, se circulava ao volante de tão frágil viatura, cuja proteção ao condutor só é comparável à de um motociclo; 44ª - Defrontando-se as versões, quanto ao estado do tempo, de que “chovia” ou “a chuva já havia cessado no momento do embate”, aquela veiculada pelo arguido, esta, pelo assistente, o Tribunal olvidou, à revelia de elementares regras da experiência comum, que, naquele momento, o assistente, senão inconsciente, pelo menos muito combalido (sem dúvida, incapaz de se aperceber do estado do tempo, de nele atentar, ou por ele se interessar); 45ª - Ao passo que, tendo o arguido saído ileso da sua viatura, logo após o embate donde, este, e não aquele, estava em condições de se aperceber dessa condição climatérica; 46ª - Não se compreende nem aceita o entendimento, vertido na douta Sentença de que “no que respeita ao momento em que a chuva cessou, a descrição do arguido mostra-se vaga, relatando que estava a chover e que a chuva cessou uns minutos depois do embate, enquanto que o assistente explicou detalhadamente o seu raciocínio, recordando-se que havia chovido momentos antes, e situando a sua memória no tempo e no espaço com o abandono da sua residência, sita na ..., mostrando-se a sua versão credível e consentânea com as regras da experiência comum”; 47ª – Por não se compaginar esta “coerência”, “memória” e “lucidez” de raciocínio do assistente, reportada, precisamente, ao momento do acidente, com a grave afetação das suas capacidades, acolhida na douta Sentença conforme descrito em 9., 10., 11., 12. e 14. dos Factos Provados; 48ª – A douta Sentença faz alusão, no sentido de inculcar a versão de que não chovia, às fotografias obtidas quando “os bombeiros ainda se encontravam no local” donde se colheria “uma boa visibilidade no local”; 49ª - Este fundamento perde toda a sua força, se recordarmos que o arguido sempre afirmou que a chuva parou pouco após o acidente; e que o simples cessar da chuva é – como resulta das regras da experiência comum, causa idónea da imediata melhoria substancial das condições de visibilidade; 50ª - Também se entende como possa o Tribunal 'a quo' extrapolar do suposto facto de “não chover no momento, tendo chovido momentos antes” e do “estado do piso molhado”, acoplados à produção do evento e suas consequências, que “o arguido circulava a uma velocidade excessiva”; 51ª - Reza ainda a douta Sentença pág. 6, parágrafo quinto, que “quanto à visibilidade no local, importa referir que inexiste qualquer prova nos autos que suporte a reduzida visibilidade alegada pelo arguido e, em sentido contrário, observando as fotografias que constam do relatório fotográfico n.º 2282, que foram confirmadas pelo arguido, verifica-se uma boa visibilidade no local”; 52ª - Constitui facto notório e como tal, inquestionável, que a visibilidade em qualquer local é instantaneamente afectada (diametralmente alterada) no preciso momento em que comece ou deixe de chover (com alguma intensidade, como terá sido o caso); 53ª - É aceite por arguido e assistente que, alguns minutos após o acidente, já não chovia no local; 54ª - As fotografias que integram o relatório n.º 22823 foram tiradas pela autoridade, concordantemente com ambas as versões, algum tempo após o evento – seguramente, mais de 15 minutos; 55ª - Nessa ocasião já não chovia, portanto, instantaneamente as condições de visibilidade haviam melhorado significativamente; 56ª – Logo, não podia o Tribunal 'a quo' de tais fotografias ter colhido a ilação de que, por as mesmas evidenciarem boa visibilidade no local, no momento do despiste essa mesma boa visibilidade ocorria; 57ª - Reza a douta Sentença: “atenta a velocidade excessiva, o arguido não atuou com o cuidado que as circunstâncias e especiais deveres do exercício da condução lhe impunham, de que era capaz e a que estava obrigado, não chegando sequer a representar a possibilidade se realização do embate, quando estas circunstâncias lhe impunham que o representasse e que adotasse um comportamento de modo a evitar a colisão. Pelo exposto conclui-se que o arguido estava obrigado a conduzir com especiais deveres de cuidado, pela chuva que se fazia sentir e pela qualidade de condutor, que deve respeitar as normas de circulação, assim evitando a criação de risco de possíveis colisões” sublinhado nosso; 58ª - Esta asserção contém – na parte sublinhada - notória contradição com o antes vertido (ponto 4. dos Factos Provados), de que na ocasião do embate não chovia; 59ª - Ali, diz-se expressamente que “o local encontrava-se com o piso molhado por força da chuva que havia ocorrido momentos antes (...)”; 60ª – Aqui afirma-se que “a chuva se fazia sentir” aquando do despiste, há que subentender-se; 61ª - A verificação de contradição insanável da fundamentação encontra-se prevista no art.º 410º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal; 62ª - Uma contradição é insanável quando se mostra irredutível, não pode ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e com recurso às regras da experiência; 63ª - É manifestamente o caso com que nos defrontamos: ou chovia ou não chovia, no momento e no local do embate; 64ª – Poderá assim esse Venerando Tribunal determinar o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou à questão de saber se chovia, ou não chovia, aquando do despiste e se o arguido conduzia a sua viatura em excesso de velocidade; 65ª - Conforme rege o n.º 1 do art.º 426º, do Código de Processo Penal; 66ª - A atividade da condução automóvel contém sempre associado um certo risco – não sendo pois correcto supor a necessária existência de um culpado relativamente a todo e qualquer acidente automobilístico; 67ª – Não nos parece condicente, à luz da factualidade dos autos, a circunstância de, estando perante um caso que, a vingar a tese acusatória, se restringe a uma acção qualificável como negligente inconsciente, seja qualificada essa acção como demonstrativa de uma “ilicitude elevada” e reveladora de “elevado grau de culpa”; 68ª - Tais adjectivações prender-se-ão com o duplo entendimento, que não sufragamos, de que existe nexo de causalidade adequada entre o despiste e as lesões sofridas pelo assistente e de que o arguido conduzia em excesso de velocidade; 69ª - É de apreensão intuitiva, suposta a bondade da decisão condenatória, que a pena aplicada ao arguido se mostra desproporcional, por excessiva; 70ª - Note-se que a douta Sentença dá como provado que o arguido “está socialmente inserido, exercendo a profissão de supervisor numa fábrica em ... e prestando trabalho em Portugal, de forma alternada, demonstrando estabilidade profissional”; 71ª - O arguido, para efeito das frequentes deslocações entre ... e Portugal, carecerá da utilização do seu automóvel; 72ª – Sob pena de graves prejuízos, avultadas despesas e muitos incómodos; 73ª - Não entendemos que o Tribunal, para a determinação concreta da medida da pena e respectiva sanção acessória, tenha supesado “o facto de o arguido não ter reparado o dano provocado pela sua conduta”; 74ª – Quando é certo que tal dever não recaía sobre o arguido, por o haver transferido para uma companhia de seguros; 75ª – Perante este quadro, que subjaz à factualidade dada como provada, a punição, ainda que legal fosse, do arguido com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de seis meses, afigura-se-nos muito desproporcionada; 76ª – Se fosse caso de aplicação da referida sanção acessória, bem doseada seria por um período de dois meses; 77ª – Também desproporcionada, por muito excessiva, nos pareceria, se legal fosse, a pena de 160 dias de multa, no quadro da suposta prática de um crime punível com pena de multa entre os 10 e os 240 dias – art.ºs 47º, n.º 1 e 148º, n.º 3 do Código Penal; 78ª – Até porque, à data dos factos, o arguido não contava quaisquer antecedentes criminais; 79ª – Caso, como não entendemos, venha esse Venerando Tribunal a proferir Acórdão ou a ordenar a prolação de uma decisão condenatória, ousamos dá-lo de barato, tal como o Mº Juiz 'a quo', optará pela pena de multa; 80ª – Nesse caso, a multa deveria ser fixada por um número de dias sensivelmente abaixo do ponto médio da respectiva moldura – 90 dias, à taxa diária de € 6,00 (seis euros); 81ª – E não, como decidiu o Tribunal sob sindicância, bastante acima desse ponto médio; 82ª - Foram violadas as normas dos art.ºs 32º da Constituição da República Portuguesa; 148.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal; art.º 410º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal; 503º, nº 1 e 563º, do Código Civil, e ainda o Princípio “in dubio pro reo”. + Excelentíssimos Senhores Juízes-Desembargadores: Face ao exposto, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, em bem mais elevado critério, somos a opinar, humildemente, pela absolvição do Recorrente, por não ter resultado provado que o mesmo conduzia a sua viatura em excesso de velocidade, nem tendo por qualquer forma contribuído para a produção do acidente com culpa, a simples negligência inconsciente. Caso assim não seja entendido, constatada a invocada contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, deverá o processo ser reinviado para novo julgamento. Contudo que Vossas Excelências, com a proverbial proficiência, decidireis como fôr de JUSTIÇA!”. O Ministério Público em 1.ª instância respondeu a este recurso, com a apresentação das seguintes conclusões: “1. A questão fulcral que importa considerar é que o Tribunal a quo entendeu que havia a necessidade, por do arguido, de adaptar a condução às circunstâncias da via, cujo piso se encontrava molhado, reduzindo a velocidade, o que o arguido não fez. E, para chegar a esta conclusão o Tribunal considerou todos os elementos de prova juntos aos autos, chegando a uma conclusão resultante das regras de experiência de comum, conforme impõe o artigo 127.º do CPP. 2. Não há qualquer contradição entre a conclusão exarada na sentença, de que o arguido estava obrigado a conduzir com especiais deveres de cuidado, pela chuva que se fazia sentir (aquando do despiste), quando dá como provado que não chovia no momento em que o acidente ocorreu. Porquanto, deu como provado o Tribunal que o piso estava molhado, devido à chuva (ponto 4.), e, perante tal circunstância entendeu que cabia ao arguido ter adaptado a condução a esta circunstância. 3. A distinção entre ofensa à integridade física negligente e ofensa à integridade física grave negligente, tem em conta as lesões produzidas no ofendido. Demonstrado que está o disposto no artigo 144.º, b) do CP, a condenação tem de ser por ofensa à integridade física grave negligente. 4. A pena aplicada é adequada à gravidade do caso concreto. Do exposto resulta que a sentença não enferma de qualquer vício, não merecendo censura, pois não se verificou a violação dos preceitos legais invocados ou de qualquer outro. V. Exas porém, e como sempre, farão justiça”. Também o assistente BB respondeu a este recurso, com a apresentação das seguintes conclusões: “A. Da prova carreada para os autos resultam de forma inequívoca as circunstâncias de tempo, modo e de lugar que compõem os elementos do crime de ofensa à integridade física grave por negligência pelo qual o arguido foi condenado. B. O despacho judicial que ao abrigo do disposto no artigo 311º do C.P.P. recebeu a decisão instrutória proferida nos termos do disposto no artigo 307º n.º 1 e 308º do C.P.P. por remissão para o requerimento de abertura de instrução e para a referida decisão instrutória, não violou qualquer preceito legal. C. O arguido violou um dos mais elementares Princípios aplicáveis à condução, consagrado no artigo 24º n.º 1 do Código da Estrada, que estipula o seguinte: “O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.” D. Ao arguido impunham-se especiais deveres de cuidado atentas as condições climatéricas e as condições da via em que circulava, bem como, que tivesse adequado a velocidade de circulação imprimida ao seu veículo às condições da via naquele preciso momento, o que não fez, circulando a uma velocidade excessiva face àquela que lhe impunha o dever de uma condução prudente e diligente, considerando que o piso se encontrava molhado e conduzia um veículo com tração traseira. E. Não se concede na alegada ausência de demonstração do preenchimento do crime de ofensa à integridade física na forma agravada atentas as lesões sofridas pelo assistente e o disposto no artigo 148 n.ºs 1 e 3 por referência ao disposto no artigo 144º alínea b), ambos do Código Penal, na medida em que por força do comportamento do arguido, aquele sofreu uma fratura na coluna vertebral – L5, esteve de baixa médica no período compreendido entre ... de ... de 2020 e ... de ... de 2021, ou seja mais de um ano, e acabou com uma incapacidade permanente para o trabalho de 62%. F. Não existe qualquer contradição entre a decisão da matéria de facto julgada provada, designadamente no seu ponto “4”, e, a fundamentação da decisão de Direito, quando na página 16 parágrafo terceiro é referido “Pelo exposto, conclui-se que o arguido estava obrigado a conduzir com especiais deveres de cuidado, pela chuva que se fazia sentir e pela sua qualidade de condutor, que deve respeitar as normas de circulação, assim evitando a criação de risco de possíveis colisões“. G. Considerando a fundamentação da douta decisão recorrida no seu todo, forçoso é concluir pela não verificação de qualquer contradição nos seus segmentos decisórios, resultando à saciedade ter o Mmo Juiz do Tribunal a quo formado a sua convicção no sentido de o piso se encontrar molhado e não que estava a chover. H. O que o Tribunal pretendeu salientar, em sede de fundamentação da matéria de Direito, designadamente quanto ao preenchimento dos elementos subjetivos do tipo de crime, foi a total desconsideração do arguido pelas condições climatéricas que se faziam sentir no dia do acidente, violando assim os especiais deveres de cuidado a que estava obrigado e do que é capaz, circulando com uma velocidade excessiva. I. Atentas as condições climatéricas existentes no dia e hora do despiste, sobejamente provadas nos autos, designadamente no ponto 4 da matéria de fato julgada provada com referência à documentação que a alicerçou descrita no segmento C - Motivação da decisão de facto da douta sentença recorrida, a saber e no que respeita aos factos “1.” a “5.” Julgados provados: no Auto de denúncia, na Participação do acidente, no Relatório de ocorrência da AMEPC, no Formulário de registo de recuperação de líquidos e/ou resíduos sólidos, no Relatório fotográfico n.º 22823, e, declarações do assistente, cabia ao arguido representar os riscos associados a uma condução com o piso molhado, e conformar o seu comportamento de forma a evitar o seu despiste e o consequente embate em outros veículos, o que este não fez. J. O arguido não se conformou com a apreciação da prova produzida e convicção formada pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo nos termos do disposto no artigo 127º do CPP, de forma objetiva e devidamente fundamentada, socorrendo-se de regras da experiência comum e juízo quanto ao comportamento do homem médio com os conhecimentos, características e capacidades pessoais daquele, que culminou na prolação do douto aresto que pretende colocar em crise, sem que este mereça qualquer reparo. Nestes termos e nos demais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve o recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida e assim se fazendo Justiça!”. Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da manutenção da posição assumida em 1.ª instância, pelo que não foi necessário o cumprimento do disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos remetidos à conferência - cfr. art 419.º n.º 3, c), do Código de Processo Penal. II. Fundamentação. A Decisão Recorrida. Na sentença recorrida o tribunal considerou os seguintes factos provados: ” 1. No dia ...-...-2020, cerca das 11:00 horas, na ..., o arguido conduzia o veículo de matrícula V....HF no sentido ..., na via de trânsito da esquerda. 2. Nestas circunstâncias de modo, tempo e lugar, o assistente conduzia a viatura de matrícula ..-..-RD na mesma artéria, no sentido ..., na via de trânsito da direita. 3. A referida artéria é uma reta com uma inclinação descendente média, no sentido da marcha do assistente, com dois sentidos de trânsito e duas vias em cada, sem separador central físico e sem dispositivos de segurança laterais, com marcas separadoras de sentidos de trânsito e de vias visíveis. 4. O local encontrava-se com o piso molhado por força da chuva que havia ocorrido momentos antes, e com afluência de trânsito média. 5. A determinada altura, o arguido perdeu o controlo do veículo de matrícula V7092HF, entrando em marcha desordenada, despistando-se para o lado esquerdo da faixa de rodagem, transpondo a linha longitudinal continua dupla que separa os sentidos de trânsito e embatendo com a parte lateral direita daquela viatura, na parte frontal do veículo de matrícula ..-..-RD, conduzido pelo assistente. 6. De seguida, deu-se um segundo embate entre os veículos, tendo o veículo de matrícula ..-..-RD, conduzido pelo assistente, sido projetado para cima do perfil em betão existente no lado direito da via, que tem cerca de 30 cm de altura. 7. O assistente apenas se apercebeu da aproximação do veículo conduzido pelo arguido quando este se encontrava em despiste, em direção ao veículo conduzido pelo assistente. 8. Após o embate, o assistente ficou deitado no solo até à chegada de auxílio médico, foi assistido no local pelos Bombeiros Voluntários do ... e foi transportado para o Hospital de ..., onde recebeu assistência e tratamento, tendo ficado internado pelo período de 5 (cinco dias), com diagnóstico de fratura na coluna vertebral — L5. 9. Como consequência, o assistente esteve de baixa médica no período compreendido entre ...-...-2020 e ...-...-2021. 10. Como consequência do embate, até ao dia ...-...-2020, o assistente permaneceu imobilizado, numa cama, da qual apenas saía com a ajuda da sua companheira à data, para satisfação das suas necessidades fisiológicas básicas. 11. Nesta sequência, o assistente sofreu dores permanentes, teve o apoio de colete lombar durante cerca de três meses, e não conseguiu dormir ou alimentar-se regularmente durante quatro meses. 12. Neste período, o assistente encontrava-se impossibilitado de realizar necessidades básicas do seu dia-a-dia, de pegar a sua filha recém-nascida ao colo (que nasceu em ...-...-2020), de cuidar da mesma, e de auxiliar a sua companheira à data, com a execução de tarefas. 13. No momento do embate, o assistente encontrava-se a caminho de Lisboa, para comparecer numa reunião profissional, sobre a celebração de um contrato de trabalho, que não se veio a concretizar pela ocorrência do evento em apreço. 14. Desde o referido embate, o assistente ficou incapaz de exercer as suas funções a nível profissional, tendo retomado as mesmas em ... de 2022 de forma limitada, por ter perdido a força e a energia que o caracterizavam, enquanto barman de profissão. 15. Como consequência deste embate, o assistente, que possui atualmente de 44 (quarenta e quatro) anos de idade, desenvolveu um quadro depressivo que afeta a sua capacidade de trabalho, e padece de uma incapacidade permanente para o trabalho de 62% (sessenta e dois porcento), desde ...-...-2023. 16. O assistente teve acompanhamento médico posterior ao evento descrito, nas especialidades de ortopedia, onde foi aconselhado a restringir esforços físicos e a evitar pegar em pesos, e na especialidade de psicologia clínica. 17. Como consequência dos factos supra descritos, o veículo conduzido pelo assistente ficou inutilizado. 18. No momento do embate em causa, o arguido circulava a uma velocidade excessiva para as condições climatéricas existentes naquele dia e hora, que impunham o dever de uma condução prudente e diligente, atento o piso se encontrar molhado. 19. Ao adotar o comportamento acima descrito, o arguido não agiu com o cuidado que as circunstâncias e especiais deveres do exercício da condução lhe impunham, de que era capaz e a que estava obrigado. 20. O arguido não chegou sequer a representar a possibilidade de realização do embate, sendo certo que as circunstâncias impunham que assim o representasse, previsse e conformasse o seu comportamento, de modo a evitar tal colisão. *** MAIS SE PROVOU QUE: 21. Em ... de 2020, o arguido possuía 32 (trinta e dois) anos de idade. 22. O arguido reside alternadamente entre Portugal e ... desde o ano de 2014, por motivos profissionais, exercendo a profissão de supervisor numa fábrica de plásticos em ..., e prestando trabalho para a empresa “...” em Portugal, pelo qual auferiu a retribuição de 522,50€ (quinhentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos), em ... de 2025. 23. O arguido possui os seguintes antecedentes criminais registados: a. O arguido foi condenado por decisão proferida em 26-04-2023, transitada em julgado a 15-112023, pela prática, em 2022, de 1 (um) crime violência doméstica contra cônjuge ou análogos, p. e p. pelo Art. 152.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 (três) anos, sujeita a um regime de prova e ao cumprimento de deveres e regras de conduta, e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima, pelo período de 2 (dois) anos - Proc. n.º 295/22.9PBCLD, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – C. Rainha - JL Criminal – Juiz 2”. Foi a seguinte a fundamentação apresentada na sentença recorrido quanto aos factos provados: “A motivação da decisão de facto do Tribunal assentou na análise crítica da prova produzida nestes autos, através das regras da experiência comum e da livre convicção do julgador, como previsto pelo Art. 127.º, do Código de Processo Penal. Para a apreciação dos factos considerados provados, o Tribunal teve em conta a seguinte prova documental, junta aos autos e examinada em sede de audiência, conforme disposto nos Arts. 355.º, n.ºs 1 e 2, e 362.º, n.º 1, d), do Código de Processo Penal: − Auto de Denúncia de 16-02-2021, ref. Citius 18475988; − Participação de acidente de ...-...-2020, ref. Citius 18475988; − Relatório de ocorrência da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) de ...-...-2020 (ref. Citius 153491080); − Formulário de registo da intervenção de recuperação de líquidos e/ou resíduos sólidos e relatório fotográfico n.º 22823 de 17-09-2023 (ref. Citius 153491103); − Documentação clínica referente ao assistente, junta com o seu requerimento de abertura de instrução (docs. 1 a 10), de 11-09-2023 (ref. Citius 24010505); − Cópia de cartão de cidadão, junta com o requerimento de abertura de instrução (doc. 11), de 11-09-2023 (ref. Citius 24010505); − Fotografia do veículo do assistente, junta com o requerimento de abertura de instrução (doc. 12), de 11-09-2023 (ref. Citius 24010505); − Informação clínica referente ao assistente, de 28-02-2024 (ref. Citius 25172957); − Informação de pessoa singular na Segurança Social de 14-04-2025, referente ao arguido (ref. Citius 27727742); − Certificado do Registo Criminal do arguido, de 02-05-2025 (ref. Citius 157333068). Assim, no que concerne aos documentos autênticos juntos, consideram-se provados os factos que referem como praticados pela autoridade respetiva e os factos que neles são atestados com base nas perceções desta entidade, pois não foram fundadamente postos em causa, ao abrigo do Art. 169.º, do Código de Processo Penal. Foram igualmente relevantes as declarações prestadas pelo assistente BB, ofendido nestes autos, que se encontrava a conduzir o veículo no qual embateu o veículo conduzido pelo arguido no dia em apreço, de acordo com os Arts. 128.º e 138.º, ex vi 145.º, n.ºs 1 a 4, do Código de Processo Penal. Foi também tomado em conta o depoimento da testemunha CC, agente da PSP que acorreu ao local do sinistro logo após a ocorrência do mesmo e que procedeu à recolha de elementos probatórios constantes dos autos, confirmando o seu teor. Depôs com objetividade e clareza, logrando convencer o tribunal. Da prova carreada para os presentes autos resultaram, de forma suficientemente precisa, as circunstâncias de tempo, modo e de lugar que compõem os factos imputados pela pronúncia. Assim, cumpre explicitar, sucintamente, que elementos probatórios sustentam cada facto considerado provado, à luz do disposto no Art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. No que respeita aos factos provados 1. a 5., referentes à dinâmica do acidente de viação, a sua credibilidade resulta da conjugação dos seguintes elementos, que apresentam uma versão consentânea: - Auto de Denúncia, onde é possível observar que, no dia 16-02-2021, o assistente deslocou-se à esquadra da polícia de Oeiras, pelas 18:00h, e relatou os factos em causa nestes autos perante as autoridades policiais. - Participação de acidente, que comprova que, no dia e hora em causa nestes factos, as autoridades policiais deslocaram-se à ... e visualizaram que tinha ocorrido uma colisão entre os veículos conduzidos pelo arguido e pelo assistente, e elaboraram o respetivo croqui atendendo à posição final dos mesmos e às versões apresentadas por estes, em sentido consentâneo com o que consta da factualidade aqui descrita, com a correspondente identificação das viaturas e das pessoas envolvidas, bem como das características da estrada em questão. - Relatório de ocorrência da ANEPC, que demonstra que, na data descrita nestes factos, e em hora aproximada à constante dos mesmos, dois veículos do corpo de bombeiros deslocaram-se à ..., na sequência de um acidente de viação entre um veículo da marca “...” (correspondendo ao veículo do assistente) e outro veículo ligeiro. - Formulário de registo da recuperação de líquidos e/ou resíduos sólidos, onde é possível constatar que, no dia em questão, perto das 11:30h, um veículo deslocou-se à ..., com vista a proceder à remoção de detritos sólidos decorrentes de um acidente envolvendo os veículos de matrícula igual à descrita nestes factos, assim contribuindo para a sua prova. - Relatório fotográfico n.º 22823, onde é possível observar fotografias da posição final dos dois veículos em questão após o referido embate, que foram confirmadas pelo arguido e que comprovam os dados e a dinâmica descrita nestes factos. - Declarações do assistente e do arguido que, quanto à dinâmica do acidente e às características da via, mostraram-se consentâneas (determinando assim a prova dos factos 1. a 3. e 5.), discordando apenas quanto às condições meteorológicas se faziam sentir nessa manhã. Nesta sede, o arguido relatou que se encontrava a chover naquele momento, e que se verificava reduzida visibilidade no local. Por sua vez, o assistente alegou que o local possuía boa visibilidade, e narrou que havia chovido nessa manhã, que se recordava de estar a chover quando saiu da sua residência, sita na ... (portanto perto do local do embate, na ..), porém que a chuva já havia cessado no momento do embate. Quanto à visibilidade no local, importa referir que inexiste qualquer prova nos autos que suporte a reduzida visibilidade alegada pelo arguido e, em sentido contrário, observando as fotografias que constam do relatório fotográfico n.º 2282, que foram confirmadas pelo arguido, verifica-se uma boa visibilidade no local. Para além disso, as referidas fotografias foram capturadas pouco tempo após o embate, pois quando estas foram tiradas, os bombeiros ainda se encontravam no local, constando da prova documental que, às 11:55 horas, os mesmos já haviam abandonado (cfr. relatório de ocorrência n.º 167532). Por tais razões, o Tribunal formou a convicção de que se verificava uma boa visibilidade no local do embate entre os veículos. No que respeita ao momento em que a chuva cessou, a descrição do arguido mostrou-se vaga, relatando que estava a chover e que a chuva cessou uns minutos depois do embate, enquanto o assistente explicou detalhadamente o seu raciocínio, recordando-se que havia chovido momentos antes, e situando a sua memória no tempo e no espaço, com o abandono da sua residência, sita na ..., mostrando-se a sua versão credível e consentânea com as regras da experiência comum. Face a tal, e atendendo à razão de ciência do assistente, à sua postura corporal calma e ao seu discurso pormenorizado, convicto, consistente e genuíno, o Tribunal considerou que os factos ocorreram como descrito por este, motivando a prova do facto 4.. Em relação aos factos provados 6. a 8., a sua convicção assenta no conteúdo das declarações do assistente, prestadas de forma credível pelos motivos acima referidos, e na conjugação da seguinte prova documental: - Participação de acidente, de onde se retira que, nas circunstâncias de modo, tempo e lugar descritas nestes factos, as autoridades policiais observaram a existência de danos provocados pelo embate entre os veículos, verificando-se ferimentos na pessoa do assistente. - Relatório de ocorrência da ANEPC, que demonstra que o condutor do veículo de marca “...”, descrição correspondente ao assistente, havia sido transportado para a .... - Relatório fotográfico n.º 22823, onde é possível observar fotografias da posição final dos veículos após o embate, encontrando-se a viatura do assistente, de marca “...”, parado em cima de um perfil de betão. - Docs. 2. e 3. juntos com o requerimento de abertura de instrução, que comprovam a fratura aguda do corpo vertebral da L5 sofrida pelo assistente em ...-...-2020, na sequência de um acidente de viação que teve lugar nesse mesmo dia, e que determinou o seu internamento de cinco dias no ..., onde foi inicialmente assistido. A prova do facto 9. assenta no teor do doc. 5 junto com o requerimento de abertura de instrução, referente a um atestado médico do assistente, que comprova que este se encontrou de incapacitado para o trabalho desde ...-...-2020 até ...-...-2021. A convicção dos factos provados 10. a 14. resulta das declarações prestadas pelo assistente, que suportam os factos aqui descritos e que se mostraram credíveis pelos motivos já evidenciados, e que são corroboradas pelos seguintes documentos: doc. 3 junto com o requerimento de abertura de instrução, que demonstra que o assistente estava dependente de terceiros para satisfazer as suas necessidades básicas e possuía sono comprometido após o acidente; doc. 4, que atesta que o assistente tinha recebido uma proposta de celebração de um contrato de trabalho com início a ...-...-2020; doc. 5, que comprova que, em ... de 2022, o assistente mantinha dificuldades em levantar pesos, em permanecer várias horas de pé, em fazer movimentos de flexão de tronco, e encontrava-se limitado na realização da sua atividade; e doc. 11, que demonstra que a filha do assistente nasceu dias após o embate ocorrido. Em relação aos factos provados 15. e 16., a sua credibilidade advém do conteúdo das declarações do assistente, que se mostraram credíveis pelos motivos acima referidos, e que são corroboradas pelo teor dos seguintes documentos: doc. 1 junto com o requerimento de abertura de instrução, que atesta que o assistente possui um grau de incapacidade permanente global de 62%, desde ...-...-2023; doc. 3, onde se constata que foi proposto, ao assistente, o tratamento aqui descrito; e docs. 6. a 10., e informação clínica de 28-02-2024, que demonstram que o assistente frequentou várias consultas de acompanhamento em ortopedia e em psicologia clínica, onde foi diagnosticado com perturbação de ansiedade e sintomatologia depressiva (estabelecendo-se um nexo causal entre o quadro depressivo e este acidente com base nas declarações do assistente neste sentido). Para a prova do facto 17. contribuiu a seguinte prova documental: participação de acidente, de onde se retira que, no momento em apreço, as autoridades policiais verificaram danos no veículo do assistente, na parte frontal, posterior, lateral esquerda e lateral direita do mesmo; doc. 12 junto com o requerimento de abertura de instrução, que consiste numa fotografia, e que demonstra o estado do veículo do assistente após o embate em causa; e relatório fotográfico n.º 22823, onde é possível observar várias fotografias que constatam danos estruturais muito significativos nesta viatura que, de acordo com as regras da ciência e da experiência comum, são passiveis de impossibilitar a sua utilização. A convicção do facto provado 18. assenta no teor dos factos provados 1. a 5., 7. e 17, e na conjugação dos demais elementos probatórios carreados para os autos. Nas suas declarações, o arguido relatou que, no momento do embate entre os veículos, circulava a uma velocidade reduzida, que não conseguia precisar, mas por volta dos 50 km/h; que possui experiência na condução de veículos com as mesmas características do carro que conduzia; que perdeu o controlo da sua viatura subitamente, tendo tentado travar e controlar a direção da mesma, sem sucesso; e que considerava que tal despiste sucedeu por existir sujidade, óleo ou qualquer anomalia no pavimento, porém, não se apercebeu de tais elementos, por o piso se encontrar molhado. Por sua vez, nas suas declarações, o assistente esclareceu que considerava que o embate havia ocorrido por o veículo do arguido circular em velocidade superior à adequada, atendendo ao local e às condições meteorológicas que se faziam sentir, por ser de conhecimento geral que o cuidado na condução deve ser redobrado quando chove, em particular na altura das primeiras chuvas após o verão. Atenta a prova produzida, constata-se que inexistem elementos que suportem a existência de óleo, sujidade ou qualquer anomalia no pavimento do local onde se deu o embate entre os veículos em causa. Tal não resulta das fotografias juntas aos autos, ou de qualquer prova documental elaboradas pelas entidades que se dirigiram ao local nesse dia. No mesmo sentido, os documentos carreados para o processo demonstram que a equipa de limpeza de resíduos apenas chegou ao local por volta das 11:30 horas, já ali se encontrando os bombeiros e a PSP, o que leva a concluir que estas entidades teriam reportado vestígios de relevo que se encontrassem na estrada, antes que os mesmos pudessem ser eliminados por força da limpeza do local (conforme consta da participação de acidente, do relatório de ocorrência da ANEPC e do formulário de registo da recuperação de líquidos e/ou resíduos sólidos). Por tais motivos, não se verificando quaisquer óleos, sujidades ou anomalias no pavimento da via em causa, e considerando as condições do piso – que se encontrava molhado -, as características da via onde circulava o arguido – em sentido ascendente – e o danos provados no veículo onde a viatura do arguido embateu – que ficou inutilizável – constata-se, face aos princípios de normalidade, e às regras da ciência e da física, que o arguido se encontrava a circular em velocidade superior à adequada face ao estado do piso, que se encontrava molhado. Assim se entende, pois, atendendo aos significativos danos provocados no veículo do assistente (na frente, traseira e em ambas as laterais do veículo, que foi empurrado contra um passeio de betão), verifica-se, face às regras da ciência, da física e da causalidade, que o veículo do arguido atingiu uma velocidade significativa em despiste, uma vez que apenas tal velocidade seria suscetível de provocar danos com a dimensão descrita, no local em apreço (tendo já em consideração o reduzido tamanho e peso do veículo do assistente, quando comparado com o veículo do arguido, para efeitos de produção de danos). Há ainda que ter em consideração que o veículo do arguido se encontrava a subir a inclinação da via onde ocorreu o despiste (cfr. facto provado 3.), como referido pelo próprio nas suas declarações, pelo que não possuía qualquer movimento acrescido, decorrente da gravidade. Como tal, independentemente de o veículo do arguido se encontrar a circular, ou não, em velocidade acima do limite máximo legal permitido para o local (o que não se apurou), é de concluir que a velocidade do mesmo naquele momento era excessiva para as condições da via em apreço, cujo piso se encontrava molhado, porque a sua aceleração mostrou-se intensa o suficiente para, quando conjugada com a água presente no pavimento do local, despoletar um despiste que impulsionou o referido veículo em velocidade significativa, na direção do veículo do assistente, causando os danos mencionados. Ademais, atendendo às declarações do arguido e do assistente, constata-se que havia trânsito de média afluência naquela artéria e que, naquele local, apenas se despistou o veículo do arguido. Não se verificando quaisquer fatores externos ou anomalias do veículo que tivessem contribuído para tal despiste, as regras da experiência comum indicam que os demais condutores adotaram uma velocidade adequada às condições climatéricas e do piso, o que o arguido não logrou fazer, assim causando o descontrolo do seu veículo. Atendendo à perspetiva do homem médio, colocado na posição e nas circunstâncias do arguido, verifica-se que lhe era exigível que adequasse a aceleração do seu veículo e a velocidade do mesmo à presença de água no pavimento da via onde circulava, velocidade que se mostrará diversa consoante as características do veículo e da estrada em causa. Por tudo o exposto, conclui-se que o arguido não adotou tal conduta, determinando a prova deste facto. No que respeita à prova dos factos 19. e 20., atinentes ao elemento subjetivo, a sua convicção infere-se da prova dos factos 1. a 16., e da conjugação dos demais elementos probatórios. Verificando-se que o arguido circulava a uma velocidade excessiva para as condições climatéricas, e da via, existentes naquelas circunstâncias de modo, tempo e lugar, é igualmente de concluir que o mesmo não atuou com o cuidado devido, de que era capaz e a que estava obrigado, considerando os especiais deveres de exercício que a condução lhe impunha (por consistir numa atividade com riscos inerentes): tais deveres exigiam, na perspetiva do homem medianamente diligente, que o arguido adequasse a sua velocidade de circulação às condições da via naquele momento, o que este não fez. Considerando a conduta do arguido e o teor das suas declarações, entende-se que o arguido não representou a possibilidade de realização do embate, demonstrando-se confiante na sua experiência a conduzir o seu veículo e subestimando os riscos inerentes a tais condições climatéricas, o que foi possível de constatar, uma vez que o próprio relatou que o seu despiste (e consequente colisão) foi súbito e inesperado, e que apenas poderia ter resultado de óleo, sujidades ou anomalias na estrada, não equacionando uma necessidade de uma conduta diversa da sua parte. Por tais razões, aliadas aos especiais deveres de cuidado que são exigidos ao arguido na condução, por ser uma atividade que acarreta perigo para a segurança rodoviária e, consequentemente, para a integridade física e a vida das pessoas, era-lhe exigível que representasse os riscos associados a uma condução com o piso molhado e conformasse o seu comportamento de forma a evitar o seu despiste e o consequente embate em outros veículos, assim determinando a prova destes factos. A prova dos factos 21. e 22., relativos às condições pessoais do arguido, resulta das declarações prestadas pelo próprio em sede de audiência de julgamento, que se mostraram sinceras e convictas quanto a tais factos, e do teor da informação da Segurança Social junta aos autos, determinando assim a sua credibilidade. No que respeita ao facto provado 23., a sua convicção assenta no teor do Certificado do Registo Criminal do arguido, prova documental emitida por entidade fidedigna e que se mostra atualizada”. * Objecto do recurso. Conforme dispõe o art. 412.º nº1 do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na respetiva motivação, nas quais o mesmo sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido por si formulado, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente se verifiquem, designadamente as referidas no disposto no art. 410.º, n.º2,º do Código de Processo Penal. De acordo com o disposto no art. 412.º, n.º2, do Código de Processo Penal, versando matéria de direito, “as conclusões indicam ainda: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada”. E, por obediência ao estipulado no n.º 3 do mesmo art. 412.º do Código de Processo Penal, pretendendo o recorrente impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, “o recorrente deve especificar, nas conclusões: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”. Para este efeito obriga do n.º 4 do mesmo artigo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. Note-se, portanto, que o recorrente que queira ver reapreciados determinados pontos da matéria de facto tem que dar cumprimento a um duplo ónus, a saber: - Indicar, dos pontos de facto, os que considera incorrectamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência ou mera referência a diversos números da sentença, onde constam diversos acontecimentos e aspectos de facto; - Indicar, das provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação – o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Caso o meio de prova tenha sido gravado, a norma exige a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal). Com este enquadramento, o arguido pretendeu ver apreciadas as seguintes questões: i. Da ausência de acusação; ii. Impugnação da matéria de facto; iii. Contradição insanável entre a fundamentação e os factos provados; iv. Verificação de nexo de causalidade entre a conduta do arguido e os danos verificados; v. Desproporcionalidade da medida da pena de multa e da sanção acessória. i. Da ausência de acusação O recorrente inicia a sua pretensão de recurso com invocação de que nos presentes autos não foi proferida nenhuma acusação pelo Ministério Público, mas antes um despacho de arquivamento, e direcciona críticas ao despacho de pronúncia, bem como ao despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 311.º do Código de Processo Penal. Neste âmbito não é perceptível se era pretendida a invocação de algum vício, nomeadamente processual. De todo o modo, no processo penal português, desde o início da vigência do actual Código de Processo Penal, discordando da decisão do Ministério Público de arquivar os autos pode o assistente requerer a abertura da instrução, em ordem a comprovar tal decisão, nos termos previstos no arts. 286.º, n.º1 e 287.º, n.º1, b), do Código de Processo Penal. Aliás, o assistente apenas pode requerer a abertura da instrução nos casos em que o procedimento não depende de acusação particular, como resulta claro do normativo invocado. E nesses casos, o título pelo qual os autos podem ir a julgamento, como acabou por ocorrer neste processo, é a decisão instrutória de pronúncia proferida nos termos do disposto no art. 307.º, n.º1 e 308.º do Código de Processo Penal. Tendo sido proferido despacho de pronúncia do arguido, há que destacar a sua natureza de decisão judicial, tal como o despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 311.º do Código de Processo Penal, tendo-se verificado o respectivo trânsito em julgado, não podendo ser reapreciado o que ali foi decidido. Por conseguinte, nada se verifica qualquer vício decorrente desta questão. ii. Impugnação da matéria de facto Conforme foi já exposto, o recurso alargado quanto à matéria de facto, nos termos previstos no art. 412.º, n.º3 e n.º4, do Código de Processo Penal, exige a especificação nas conclusões de cada um dos excertos factuais cuja impugnação é pretendida, acompanhado das referências probatórias que, quanto a cada ponto, imponham especificamente posição diversa da assumida pelo tribunal recorrido, fazendo a ligação e justificação entre eles, por forma a que este Tribunal da Relação possa dirigir a sua apreciação de forma criteriosa. O arguido recorrente, nas suas conclusões (as quais, insiste-se, definem o objecto do recurso), não faz tal delimitação, como não o faz também em todo o recurso, reconduzindo a sua crítica, de forma conclusiva, a elementos probatórios instrumentais e à incoerência do juízo probatório efectuado pelo tribunal recorrido. Pelo que a sua impugnação alargada da matéria de facto – supondo que era, de algum modo, pretendida – é de rejeitar. De todo o modo, considerando ainda uma apreciação da coerência da fundamentação apresentada de acordo com o critério da livre apreciação da prova previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal, deve-se notar que: - entre as conclusões 22 e 30 do seu recurso, o arguido faz apreciações totalmente conclusivas sobre a distância da via onde ocorreu o acidente e a sua derivação sobre o momento em que o assistente se terá apercebido do despiste do arguido; tal não se traduz na impugnação de nenhum facto provado ou de um facto não provado, muito menos inclui a exigida especificação dos meios de prova que impõem tal realidade, especificamente quanto à vislumbrada altura em que o assistente deve ter visto o despiste do arguido; - entre as conclusões 31 e 43 do recurso, o arguido pretende não perceber a razoabilidade da fundamentação quanto aos factos provados 19 e 20, mas nada indica que efectue a sua racionalidade; o tribunal recorrido explicou que não existiam vestígios de óleo na via e que isso sempre seria de destacar nos correspondentes autos; sendo a conclusão quanto à desatenção do arguido decorrente precisamente da inexistência de outra explicação minimamente razoável em relação ao sucedido; - entre as conclusões 44 e 56 do recurso, o arguido suscita aprioristicamente realidades não aceites na sentença e invoca apenas a sua versão dos factos – sem qualquer enquadramento nos termos processualmente registados – por forma a concluir pela indevida conclusão do tribunal, quando é certo que se encontra devidamente explicado na sentença o motivo da aceitação da versão do assistente (em prejuízo da do arguido), de que tinha chovido, mas, aquando do embate, já esta tinha cessado, o que é apresentado de forma clara e razoável (“No que respeita ao momento em que a chuva cessou, a descrição do arguido mostrou-se vaga, relatando que estava a chover e que a chuva cessou uns minutos depois do embate, enquanto o assistente explicou detalhadamente o seu raciocínio, recordando-se que havia chovido momentos antes, e situando a sua memória no tempo e no espaço, com o abandono da sua residência, sita na ..., mostrando-se a sua versão credível e consentânea com as regras da experiência comum. Face a tal, e atendendo à razão de ciência do assistente, à sua postura corporal calma e ao seu discurso pormenorizado, convicto, consistente e genuíno, o Tribunal considerou que os factos ocorreram como descrito por este, motivando a prova do facto 4.”). iii. Contradição insanável entre a fundamentação e os factos provados Seguindo a impugnação factual apresentada no recurso, pretende o arguido que se verifica uma contradição da fundamentação da sentença, nos termos previstos no art. 410.º, n.º2, b), do Código de Processo Penal, na medida em que, após a referida fundamentação quanto ao facto provado 4.º, a propósito da verificação do elemento subjectivo do tipo, foi referido que “Pelo exposto conclui-se que o arguido estava obrigado a conduzir com especiais deveres de cuidado, pela chuva que se fazia sentir e pela qualidade de condutor, que deve respeitar as normas de circulação, assim evitando a criação de risco de possíveis colisões”. Ora, é evidente que a pretendida contradição mais não é do que uma má interpretação do texto da sentença. O tribunal recorrido é muito explícito quanto ao facto provado 4.º e ao detalhe do momento em que cessou de chover, não resultando dúvida alguma desse juízo probatório (apesar da parca relevância desse aspecto isolado). Na apreciação jurídica de tal factualidade a frase extractada pelo recorrente não tem outro sentido senão o de que o arguido tinha um particular dever de cuidado atento o tempo de chuva que se fazia sentir, já que tinha acabado de chover e estava o piso molhado. Em qualquer caso, o carácter insolúvel da suposta contradição – como exigido pelo disposto no art. 410.º, n.º2, b), do Código de Processo Penal, não poderia aceitar-se perante a clareza e especificidade da fundamentação de facto. Concluindo, a factualidade e a sua fundamentação, nos termos que constam da decisão recorrida, devem manter-se atenta a sua integridade, não sendo de aplicar, em nenhum ponto da argumentação, o princípio do in dubio pro reo e o disposto no art. 32.º da Constituição da República Portuguesa. iv. Verificação de nexo de causalidade entre a conduta do arguido e os danos verificados O recorrente propõe-se discutir da verificação de um nexo de causalidade entre a sua conduta prova e os danos e lesões verificados. Para o efeito, não indica qualquer norma penal, mas apenas que entende que são aplicáveis ao caso concreto o disposto nos arts. 503.º e 563.º do Código Civil. Não é compreensível o sentido desta invocação porque estamos perante uma causa penal, com regras próprias sobre a culpabilidade penal, sem qualquer questão cível conexa. O disposto no art. 503.º, n.º1, do Código Civil, de todo o modo, apenas estabelece que aquele que tiver a direcção efectiva de um veículo – como era o caso do arguido – responde pelos danos decorrentes da sua circulação – o que decorre dos factos provados. Quanto ao disposto no art. 563.º do Código Civil, essa norma também não é a norma aplicável em processo penal para definição da causalidade entre a conduta das pessoas e os resultados verificados em decorrência das mesmas. Em direito penal, o critério relevante é o que consta do disposto no art. 10.º, n.º1, do Código Penal, de onde resulta que se verifica uma causalidade tipicamente relevante sempre que existe uma ligação adequada entre uma acção e um resultado descrito numa incriminação. Ora, as lesões provadas na pessoa do assistente resultaram directa e adequadamente da conduta provada do arguido, sendo inócua a pretensão de direccionar o presente procedimento criminal para as regras do Código Civil. Em detalhe, é absurda a ideia do recorrente de que os veículos mais vulneráveis têm mais responsabilidade pela sua vulnerabilidade, quando é certo que tal característica, a verificar-se (dos factos provados nada resulta nesse sentido), apenas impunha uma maior dever de cuidado ao arguido, em aplicação do disposto no art. 24.º da Código da Estrada, como bem destaca o assistente1. Facilmente se constata que, de acordo com os factos provados, foi a conduta do arguido que causou os danos provados do assistente, aliás, criteriosamente ponderados na sentença. Pelo que improcede este ponto do recurso. v. Desproporcionalidade da medida da pena de multa e da sanção acessória Atenta a integração da conduta do arguido na incriminação prevista no art. 148.º, n.º1 e n.º3, do Código Penal, o último ponto do recurso, dirige-se à excessividade da medida concreta da pena de multa e da sanção acessória de proibição para o exercício da condução de veículos. Neste âmbito, deve ser atentar-se que a actividade de ponderação dos tribunais de recurso constitui uma fiscalização da proporcionalidade efectuada pelos tribunais recorridos e da correcção dos critérios utilizados, não sendo uma repetição de tal actividade, como se a mesma fosse feita de modo inovador. Apesar da invocação apenas do disposto no art. 47.º do Código Penal, cumpre perceber a fundamentação da sentença em relação à determinação da medida as sanções: “i. DETERMINAÇÃO DA MOLDURA ABSTRATA DA PENA O crime de ofensa à integridade física grave por negligência, praticado pelo arguido, em autoria material e na forma consumada, é punido com pena de prisão de 1 (um) mês a 2 (dois) anos ou com pena de multa de 10 (dez) a 240 (duzentos e quarenta) dias, em conformidade com o disposto nos Arts. 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, e 148.º, n.ºs 1 e 3, ex vi 144.º, al. b), do Código Penal. Verificando-se que o crime praticado pelo arguido consubstancia uma ofensa à integridade física grave, não é aplicável a dispensa de pena, atendendo ao disposto no Art. 148.º, n.º 2 a contrario sensu, e n.º 3, do Código Penal. Pelo exposto, determina-se a aplicação, ao arguido, da moldura legal abstrata de 1 (um) mês a 2 (dois) anos de prisão, ou de 10 (dez) a 240 (duzentos e quarenta) dias de multa. * ii. ESCOLHA DA NATUREZA DA PENA Considerando a alternatividade da moldura abstrata da pena aplicável ao arguido, que foi anteriormente determinada, cumpre decidir se lhe deve ser aplicada uma pena privativa ou não privativa da liberdade. Nos termos do Art. 70.º, do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. As referidas finalidades encontram-se consagradas no Art. 40.º, n.º 1, do diploma, que estatui que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. A subsidiariedade da pena privativa da liberdade visa salvaguardar o direito à liberdade, constitucionalmente protegido no Art. 27.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e reconhecido a nível comunitário, conforme dispõe o Art. 6.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, apenas se justificando a aplicação de uma pena privativa da liberdade e a consequente restrição do direito à liberdade quando tal limitação se mostre necessária à salvaguarda das finalidades da punição, tendo em conta o critério da proporcionalidade previsto pelo Art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. No caso concreto, as exigências de prevenção geral, que se identificam com a tutela do bem jurídico violado, apresentam-se como elevadas. O crime de ofensa à integridade física tutela um bem jurídico pessoal, que consiste num valor fundamental numa sociedade democrática, traduzindo-se num direito constitucionalmente consagrado (cfr. Art. 25.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e que se encontra intimamente ligado à dignidade da pessoa humana. Como tal, demonstra-se fulcral para a convivência social que a integridade física seja tutelada, com vista à dissuasão de comportamentos futuros que a comprometam. Acresce ainda que a ofensa à integridade física em causa ocorreu em contexto rodoviário, tornando ainda mais intensas as necessidades de prevenção geral, pela frequência com que se verificam este tipo de situações, atentas as elevadas taxas de sinistralidade rodoviária em Portugal. No que respeita às exigências de prevenção especial, que se traduzem na necessidade de reintegração do arguido na sociedade, estas mostram-se reduzidas: No momento da prática dos factos, o arguido não registava qualquer antecedente criminal, o que depõe a seu favor, considerando que possuía 32 (trinta e dois) anos de idade e que, durante todo esse período da sua vida, atuou em conformidade com o Direito (cfr. factos 21. e 22.). Acresce ainda que o arguido está socialmente inserido, exercendo a profissão de supervisor numa fábrica em ... e prestando trabalho em Portugal, de forma alternada, demonstrando estabilidade profissional (cfr. facto provado 22.). Atendendo às reduzidas exigências de prevenção especial do arguido, conclui-se que a aplicação de uma pena privativa da liberdade teria efeitos negativos para a sua reintegração e reinserção social, sendo possível a este Tribunal fazer um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do mesmo, com a aplicação de uma pena de multa, no sentido de que não voltará a incorrer na prática de mais crimes. Considerando a inserção social do arguido e a ausência de antecedentes criminais registados à data da prática dos factos, entende-se que a simples ameaça de prisão e a censura do facto por meio desta multa mostram-se suficientes para que este interiorize o desvalor da sua conduta, assegurando as finalidades da punição. Pelo exposto, determina-se a aplicação, ao arguido, de uma pena não privativa da liberdade. * iii. DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA Determinado que deve ser aplicada, ao arguido, uma pena não privativa da liberdade, a moldura abstrata da pena de multa aplicável corresponde, no seu limite mínimo, a 10 (dez) dias e, no seu limite máximo, a 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, de acordo com os Arts. 47.º, n.º 1, e 148.º, n.ºs 1 e 3, ex vi 144.º, al. b), do Código Penal. Pelo exposto, cumpre decidir a medida concreta da mesma. A aplicação desta pena não privativa da liberdade possui como finalidades a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, como dispõe o Art. 40.º, n.º 1, do Código Penal. Assim, há que proceder à determinação da medida da pena nos termos deste normativo, em conjugação com os Arts. 40.º n.º 2, e 71.º, n.º 1, do Código Penal, devendo tal determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que «(...) a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível» , isto é, a prevenção especial. Aquando da determinação concreta da pena, devem ser tidas em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o agente que não integrem o tipo de crime, segundo o Art. 71.º, n.º 2, do Código Penal, nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências; o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Estes fundamentos da medida da pena devem constar expressamente da sentença, como disposto nos Arts. 71.º, n.º 3, do mesmo diploma e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Neste sentido, de acordo com as circunstâncias do caso em concreto, a conduta do arguido demonstra uma ilicitude elevada: - No que respeita à natureza da conduta e às consequências patrimoniais da mesma, constata-se que esta foi bastante intensa, porquanto o veículo do arguido embateu duas vezes no veículo do assistente, projetando-o para cima de um perfil em betão com cerca de 30 centímetros de altura, e deixando esta viatura inutilizada (cfr. factos 1. a 6., e 17.). - No mesmo sentido, a conduta do arguido causou um prejuízo económico para o ofendido, que deixou de celebrar um contrato de trabalho pela ocorrência da colisão entre os veículos e que ficou impossibilitado de retomar a sua atividade profissional até ... de 2022, cerca de dois anos depois, o que aumenta esta ilicitude (cfr. factos provados 13. e 14.). - Por outro lado, a gravidade das consequências não patrimoniais da conduta do arguido mostra-se elevadíssima, atendendo aos danos sofridos pelo assistente, assim aumentando a sua ilicitude: o embate determinou que o assistente sofresse dores permanentes, estivesse imobilizado numa cama por mais de um mês, necessitando do auxílio da sua companheira à data para satisfazer as suas necessidades fisiológicas, encontrando-se impossibilitado de se alimentar e de dormir devidamente durante quatro meses, bem como de realizar tarefas do dia-a-dia, e de pegar na sua filha recém-nascida ao colo e de cuidar da mesma, desenvolvendo um quadro depressivo (cfr. factos provados 10. a 12., 14. e 15.). No que respeita ao comportamento posterior do arguido, em sede de audiência de julgamento, o arguido apresentou uma versão dos factos onde subestimou o risco inerente à condução de veículo a motor em piso molhado, e não equacionou a possibilidade de uma conduta diversa da sua parte, tentando diminuir a sua responsabilidade. No mesmo sentido, não confessou a prática dos factos e não demonstrou arrependimento, o que depõe contra si. Acresce ainda um elevado grau de culpa do arguido pela intensidade da negligência com que atuou, na modalidade de negligência inconsciente, tendo o arguido atuado com tal descuido que não representou sequer a possibilidade de ocorrência de um embate quando, pela sua qualidade de condutor, lhe era imposto que a representasse (conforme Art. 15.º, al. b), do Código Penal e factos provados 18. a 20.). Quanto às necessidades de prevenção geral, as mesmas apresentam-se como elevadas, e as exigências de prevenção especial mostram-se reduzidas, como se afirmou anteriormente quanto à determinação da natureza da pena, considerações para as quais se remete. Assim, em consonância com o elevado grau de culpa do arguido, a elevada ilicitude do facto, as elevadas necessidades de prevenção geral e as reduzidas necessidades de prevenção especial, a medida da pena que se mostra adequada à circunstância do arguido deve ser fixada em: • 160 (cento e sessenta) dias de multa pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelo Art. 148.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao Art. 144.º, al. b), do Código Penal. * iv. DETERMINAÇÃO DA TAXA DIÁRIA DA PENA DE MULTA Ao abrigo do n.º 2 do Art. 47.º do Código Penal, a cada dia de multa corresponde uma quantia entre 5,00€ (cinco euros) e 500,00€ (quinhentos euros), que o Tribunal fixa de acordo com a situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais. Atendendo às condições pessoais do arguido, constata-se que o mesmo auferiu, no mês de ... de 2025, a retribuição de 522,50€ (quinhentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos), pelo que será de atribuir o valor de 06,00€ (seis euros) a cada dia de multa (cfr. facto 22.). Pelo exposto, determina-se a condenação do arguido na pena de multa de 160 (cento e sessenta) dias, à taxa diária de 06,00€ (seis euros), no montante de 960,00€ (novecentos e sessenta euros). * C. APLICAÇÃO DE PENAS DE SUBSTITUIÇÃO Nos termos do Art. 60.º, n.ºs 1 e 4, do Código Penal, se tiver sido aplicada uma pena de multa não superior a 240 dias ao arguido, o Tribunal pode limitar-se a proferir uma admoestação, isto é, uma solene censura oral feita ao arguido, em audiência. No entanto, acrescenta o n.º 2 deste normativo que a admoestação só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o Tribunal concluir que esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art. 40.º, n.º 1, do mesmo diploma). No caso concreto, entende-se que não será de aplicar a pena de admoestação por não se encontrarem preenchidos os requisitos dispostos no Art. 60.º, n.º 2, do Código Penal para o efeito, uma vez que esta censura não acautela, de forma suficiente, as finalidades da punição, atendendo às elevadas necessidades de prevenção geral que se fazem sentir, e ao facto de o arguido não ter reparado o dano provocado pela sua conduta. * Inexistem outras penas de substituição aplicáveis à situação do arguido. * D. APLICAÇÃO DE PENAS ACESSÓRIAS Nos presentes autos, cumpre apreciar ainda a aplicação, ao arguido, da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no Art. 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal. Nos termos deste normativo, é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 (três) meses e 3 (três) anos quem for punido, entre outros, por crimes de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo com motor, com violação das regras de trânsito rodoviário. A pena acessória de proibição de condução de veículos com motor tem em vista uma censura adicional do facto ilícito praticado e a sua aplicação não é automática, porém não carece de quaisquer outros requisitos, para além da condenação pelo crime anteriormente referido. A proibição prevista pela aludida pena acessória produz efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão que a aplica, e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria, ou a pilotagem de quaisquer aeronaves, consoante o caso concreto (conforme disposto no Art. 69.º, n.º 2, do Código Penal). A determinação da medida concreta da pena acessória a aplicar rege-se igualmente pelos critérios consagrados no Art. 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, em conjugação com o Art. 40.º, n.ºs 1 e 2, do diploma, no mesmo sentido que a determinação da moldura concreta da pena principal, devendo existir uma tendencial proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal, e a medida concreta da pena acessória aplicada. Baixando ao caso concreto, é de concluir que a conduta do arguido preenche o disposto no Art. 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, uma vez que este é punido, nestes autos, pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave por negligência cometida no exercício da condução de veículo com motor, com violação da regra prevista no Art. 24.º, n.º 1, do Código da Estrada (cfr. Art. 148.º, n.ºs 1 e 3, ex vi 144.º, al. b), do Código Penal). Assim, em consonância com o elevado grau de culpa do arguido, a elevada ilicitude do facto, as elevadas necessidades de prevenção geral e as reduzidas exigências de prevenção especial (melhor apreciadas em sede de determinação da natureza e da moldura da pena principal aplicada, para as quais, desde já, se remete), a medida da pena acessória que se mostra adequada ao caso concreto do arguido deve ser fixada em: • 6 (seis) meses de proibição de condução de veículos com motor, nos termos do Art. 69.º, n.º 1, al. a), ex vi Arts. 148.º, n.ºs 1 e 3, 144.º, al. b), do Código Penal e 24.º, n.º 1, do Código da Estrada.” Do teor do texto, é evidente que se encontra devidamente fundamentada a determinação da medida concreta da pena de multa e da sanção acessória, com ponderação de todos os elementos relevantes para este efeito, com destaque para a situação pessoal e profissional do arguido, o seu grau de culpa elevado e as consequências da sua conduta. Em rigor o único aspecto que suscita dúvidas é o montante diário de multa, que se encontra definido nos 6 euros, como se o arguido fosse um indigente. Ainda que este Tribunal da Relação não esteja aqui limitado pela proibição da reformatio in pejus (art. 409.º, n.º2, do Código de Processo Penal), há que reconhecer que a sentença não desenvolve muito a situação patrimonial do arguido (apenas se dá como provado o montante que o arguido terá recebido em certo mês de 2025, de onde não se poderá retirar a normalidade do seu rendimento, incompatível com a sua profissão – de supervisor numa fábrica em ... – e mesmo com o salário mínimo em ... ou em Portugal). Em vista da argumentação exposta no recurso, a sentença explicita que o elevado grau da ilicitude é ponderado no quadro da negligente inconsciente demonstrada, nada havendo de incoerente nesse sentido. Finalmente, é absurda a pretensão do recorrente de ver reduzida a sanção acessória que lhe foi aplicada ao abrigo do disposto no art. 69.º, n.º1, a), do Código Penal, para dois meses, em quantum inferior ao mínimo da moldura penal, que é de 3 meses. A sua discordância quanto a tal fixação, mesmo que sem invocação da violação daquela norma, é compreensível pela desconsideração de que a referida moldura abstracta teria de variar entre 3 meses e 3 anos. Nada havendo a censurar na determinação concreta dessa sanção acessória em 6 meses no quadro exposto na sentença. Também aqui o recurso improcede. * Decisão Face ao exposto acordam os Juízes Desembargadores da 3ª. Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em considerar não provido o recurso apresentado pelo arguido, mantendo integralmente a decisão recorrida. Custas pelo arguido, que se fixam em 5 UC, atenta a improcedência total do seu recurso e o disposto no art. 514.º do Código de Processo Penal. Notifique também o parecer do Ministério Público. Lisboa, 03 de Dezembro de 2025, (elaborado pelo 1.º signatário e revisto) João Bártolo Ana Rita Loja Lara Martins _______________________________________________________ 1. Essa disposição legal estabelece que “o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo (…) possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”. |