Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17649/21.0T8SNT.L1-4
Relator: PAULA POTT
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
SERVIÇOS DE VIGILÂNCIA E SEGURANÇA
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Sumário: Impugnação do despedimento ilícito – Alteração da decisão de facto – Inexistência de transmissão de empresa – Contrato público – Actividade terciária de serviços de vigilância – Artigos 285.º, 381.º e 389.º a 391.º do Código do Trabalho – Directiva 2001/23/CE
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Sentença recorrida

1.Por sentença de 24.4.2023 (referência citius 142152451), o 2.º Juízo do Trabalho de Sintra, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), proferiu a seguinte decisão:

“Assim, julga-se a acção parcialmente procedente e, por isso, decide-se:
- Absolver a R. Prosegur – Companhia de Segurança, Lda., do pedido.
- Reconhecer que foi transmitida para a R. Noite e Dia-Vigilância, Lda., com efeitos a partir de 1 de Novembro de 2020, a posição de entidade empregadora no contrato individual de trabalho do A., o senhor AA, celebrado com a R. Prosegur – Companhia de Segurança, Lda.
- Declarar ilícito o despedimento de que foi alvo o A. pela R. Noite e Dia, com efeitos a 1 de Novembro de 2020;
- Condenar a R. Noite e Dia a pagar ao A.:
1. A título de indemnização em substituição da reintegração, de uma indemnização fixada em 25 dias de retribuição-base (de 796,19€) por cada ano completo ou fracção de antiguidade, até ao trânsito em julgado da sentença, não podendo, contudo, ser inferior ao valor correspondente a três meses de retribuição, tendo a quantia de capital por limite os pedidos 10.500€, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano (ou outra que vier a vigorar como taxa supletiva legal) desde esta data até efectivo e integral pagamento;
2. A quantia de 2.246,06€, acrescida de juros de mora vencidos sobre o montante de capital, desde a data do respectivo vencimento até integral e efectivo pagamento, à referida taxa supletiva legal de 4%.
- Absolver a R. Noite e Dia do mais peticionado.
- Não se condena o A. por litigância de má-fé.
As custas da acção são repartidas entre o A. e a Noite e Dia na proporção do seu decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedido ao primeiro.
Pelo que se disse sobre a tramitação do procedimento de transmissão, extraia e remeta certidão desta sentença à ACT, sem aguardar pelo trânsito da decisão.”

Alegações da recorrente/segunda ré/segunda empresa

2. Inconformada com a sentença mencionada no parágrafo anterior, a segunda ré dela veio interpor o presente recurso (cf. referência citius 23618522 de 22.6.2023), pedindo que seja revogada a sentença recorrida e substituída “por outra que declare a acção totalmente improcedente quanto aos pedidos formulados contra a Recorrente”.

3. Nas suas alegações, vertidas nas conclusões, a recorrente,segunda empresa, impugna a decisão de facto e de direito, com base em argumentos que o Tribunal sintetiza e agrupa como se segue, para facilitar a sua análise:

Impugnação da decisão de facto

i. O facto provado 15 deve ser alterado e passar a ter a seguinte redacção:
15. A sua prestação assentava numa operativa composta de 41 a 50 vigilantes (distribuídos por 11 postos de trabalho em regimes de turnos rotativos), e nos seguintes equipamentos (da propriedade do cliente): a) uma central de controlo existente no edifício do Hospital e respectivo sistema de videovigilância (dito CCTV), composto por, aproximadamente, 40 câmaras; b) uma portaria no Serviço de Urgência básica de Mem Martins, onde se encontra instalado o sistema de CCTV; c) central de detecção de incêndio e respectivos capacetes e equipamento de primeiros-socorros; d) utilização de um telemóvel, com extensão interna e ligação directa, da pertença do cliente”.

Com base nos seguintes meios de prova:
. Caderno de encargos junto à contestação da recorrente/segunda ré, como documento 3 (páginas 17 e 18);
. Depoimentos das testemunhas CC, DD e EE.

ii. O facto provado 31 deve ser alterado, passando a ter a seguinte redacção:

“31.     A Noite e Dia reuniu com o representante do H BB, Dr. FF no dia 1.10.2020, tendo em vista a apresentação da empresa ao Hospital, sendo que no âmbito daquela reunião foi questionada pelo Hospital sobre se teria disponibilidade para contratar o efectivo que prestava serviço de vigilância, tendo a Noite e Dia concluído que não.
31A. Realizou-se uma reunião na sala de imagiologia com os vigilantes da Prosegur sobre a cessação do contrato de prestação de serviços da Prosegur, em que esteve presente um trabalhador da Noite e Dia.
31.B A Noite e Dia sempre teve intenção de constituir uma equipa nova.”

Com base nos seguintes meios de prova:
. Depoimentos das testemunhas GG, FF;
. Declarações de parte de HH.

iii. O facto provado 36 deve ser alterado, passando a ter a seguinte redacção:

“36. A Noite e Dia iniciou a prestação de serviços com o equipamento já ali existente e propriedade do H BB e forneceu e instalou as 15 câmaras de videovigilância (a somar às 40 anteriores que permaneceram no local a ser operadas pelos seus vigilantes e com as características já existentes) referidas no caderno de encargos, bem como do ecrã LED, que acresceu ao já existente, todos ligados à Central de Segurança pré-existente, não tendo recebido por parte da Prosegur qualquer equipamento e ou documento de suporte da actividade, qualquer relatório, regulamento interno e/ou documento de suporte ao manuseamento de equipamentos do H BB.”

Com base nos seguintes meios de prova:
. Depoimentos das testemunhas GG, FF, DD, II.

iv. O facto provado 37 deve ser eliminado do elenco dos factos provados.

Com base nos seguintes meios de prova e regras de direito probatório:
. Contrariamente à fundamentação constante da sentença recorrida a esse propósito, no artigo 42.º da contestação a segunda ré não admite por acordo esse facto mas está, diversamente, a referir-se aos equipamentos constantes do facto provado 41;
. Caderno de encargos junto à contestação da recorrente/segunda ré, como documento 3;
. Depoimentos das testemunhas JJ, CC e FF;
. Erro na apreciação da prova à luz das regras gerais da experiência.

v. O facto provado 18 deve passar para o elenco dos factos não provados, com base nos meios de prova a seguir indicados no ponto vi.

vi.O facto provado 39 deve passar a ter a seguinte redacção:

“39. Em cumprimento do caderno de encargos afectou em exclusivo ao cliente um Coordenador/supervisor, com as funções descritas no respectivo caderno de encargos.”

Com base nos seguintes meios de prova:
. Caderno de encargos junto à contestação da recorrente/segunda ré, como documento 3;
. Depoimentos das testemunhas JJ, GG.

vii. O facto provado 51 deve ser alterado, passando a ter a seguinte redacção:

“No entanto, também após essa data, houve várias conversas entre o A. (e outros quatro colegas da anterior operativa do H BB) e a Noite e Dia, na sua sede.”

Com base nos seguintes meios de prova:
. Depoimento da testemunha KK;
. Declarações de parte de HH.

viii. Os factos não provados N) e O) devem ser inseridos no acervo dos factos provados, aos quais devem ser acrescentados outros factos com interesse para a decisão de mérito, que resultaram da prova produzida, com a seguinte redacção:

“38A. A Prosegur não transmitiu quaisquer bens ou equipamentos à Noite e Dia e, nos dias que antecederam a alteração de serviços de segurança, a Noite e Dia não só não recebeu quaisquer indicações ou instruções da Prosegur, como pelo contrário, recebeu um bloqueio sobre quaisquer questões colocadas.
38B. Esta situação foi reportada ao Director de Segurança do Hospital pelo GG, HH e II.
38C. O II e o GG foram informados que os trabalhadores da Prosegur tinham instruções para não passarem nada.
38D. A Prosegur não prestou qualquer informação e/ ou documento à Noite e Dia sobre a prestação de serviços de Segurança no H BB que, em consequência, enfrentou muitas dificuldades, quer com o chaveiro do H BB, quer quanto às normas internas vigentes, designadamente quanto à entrada e estacionamento dos delegados de informação médica.”

Com base nos seguintes meios de prova**:
. Depoimentos das testemunhas CC, GG, FF, II, JJ, DD;
. Declarações de parte de HH.
** Na conclusão II da motivação de recurso a recorrente/segunda ré, menciona “os factos referidos na alínea S”; segundo o Tribunal julga perceber, resulta do contexto em que se encontram escritas as conclusões HH e II conjugadas com o ponto I intitulado “Âmbito do recurso”, da motivação de recurso, que a referência à alínea S constitui um erro de escrita (cf. artigo 249.º do Código Civil), uma vez que a sentença recorrida não contém nenhum facto enunciado sob a alínea S e ao indicar o âmbito do recurso, a recorrente não se refere a essa alínea mas antes às alíneas N) e O), o que o Tribunal leva em conta.
           
Impugnação da decisão de direito


. Erro na interpretação e aplicação do regime previsto nos artigos 285.º e 286.º do Código do Trabalho (CT), à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia mencionada nas alegações de recurso; violação do disposto nos artigos 47.º e 61.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), devido à incorrecta qualificação jurídica dos factos como transmissão de empresa, quando, por um lado, não foi cumprido o procedimento previsto no artigo 286.º do CT e, por outro lado, assentando o sector da vigilância essencialmente na mão de obra, não houve transmissão de trabalhadores, nem de equipamento, da primeira para a segunda ré.

. Subsidiariamente:  violação do regime previsto no artigo 286.º A do CT uma vez que, tendo o autor manifestado oposição à transmissão da posição de empregador no seu contrato de trabalho, aquele preceito devia ter sido aplicado; erro de direito por falta de aplicação do regime da denúncia tácita do contrato de trabalho pelo trabalhador (cf. artigo 400.º do CT), uma vez que o autor não compareceu no seu local de trabalho durante 36 dias; erro na aplicação do artigo 391.º do CT uma vez que, a existir despedimento, o grau de ilicitude com que actuou a recorrente/segunda ré, foi pequeno, devendo fixar-se a indemnização no valor mínimo correspondente a 15 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade.



Contra-alegações da recorrida/primeira ré/primeira empresa e ampliação do âmbito do recurso

4. A recorrida (primeira empresa), contra-alegou (cf. referência citius 24038933 de 14.9.2023), pugnando pela improcedência do recurso e defendendo argumentos que o Tribunal sintetiza e agrupa como se segue, para facilitar a sua análise:

Impugnação da matéria de facto

. A impugnação da decisão de facto pela recorrente deve improceder pois as alterações pretendidas não assentam nos meios de prova produzidos, nomeadamente na prova oral transcrita nas contra-alegações que, além dos depoimentos e declarações de parte invocados pela recorrente, já acima especificados no parágrafo 3, inclui também o depoimento da testemunha LL;
. A título subsidiário, caso procedam as questões suscitadas pela recorrente/segunda empresa, a recorrida/primeira empresa amplia o recurso mediante impugnação da decisão de facto, pedindo a eliminação do facto provado 34 da matéria de facto, com base nos seguintes meios de prova, dos quais não resulta o facto provado 34: depoimentos das testemunhas FF, JJ, KK, EE, GG, II; declarações de parte de HH (cf. artigo 259 das contra alegações);
Transmissão de empresa
. Contrariamente ao que pretende a recorrente/segunda ré, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e de parte da jurisprudência nacional mencionada nas contra-alegações, existiu transmissão de empresa (unidade económica de serviços de vigilância do hospital/cliente), porque os bens corpóreos pertencentes ao cliente devem ser considerados necessários e indispensáveis à organização da actividade de vigilância do hospital, neste caso concreto;
. Tais bens corpóreos eram usados pela primeira empresa, foram transmitidos à segunda empresa pelo cliente, não obstando à transmissão, a circunstância de esses bens corpóreos pertencerem ao hospital/cliente e não primeira empresa, de não ter havido transmissão de bens corpóreos ou conhecimentos de uma empresa para a outra e de a segunda empresa não ter querido contratar nenhum dos trabalhadores da primeira empresa (cf. parágrafos 177 a 186 das contra-alegações);
. A segunda empresa não quis assumir a mão de obra da primeira empresa, pelo facto de esses trabalhadores se terem recusado a prescindir da sua antiguidade e a celebrar novos contratos de trabalho, o que, seria contrário às finalidades da Directiva 2001/23/CE;
. A primeira empresa, apesar dos prazos curtos que teve para o fazer, cumpriu o procedimento de informação previsto no artigo 286.º do CT mas, ainda que o não tivesse feito, isso não acarretaria a invalidade da transmissão de empresa;
. No caso de o Tribunal julgar que não houve transmissão de empresa, há que levar em conta que o autor resolveu o contrato de trabalho com a primeira ré por carta de 11.1.2020 e que o grau de ilicitude do despedimento é pequeno, o que limita o valor da indemnização por despedimento ilícito se a primeira ré vier a ser condenada no seu pagamento;

Oposição do trabalhador
. A oposição à transmissão da posição contratual do empregador, manifestada pelo autor (trabalhador), não procede porque o autor não concretizou o fundamento invocado como exige o artigo 286.º A do CT;
Reenvio prejudicial
. No caso de o Tribunal da Relação ter dúvidas na interpretação do regime legal aplicável à transmissão de empresa, uma vez que decide em última instância por força do disposto no artigo 629.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), deve suscitar o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, colocando as seguintes questões prejudiciais:

“1. Ao abrigo do nº 1 do art.º 1º da Diretiva 2001/23/CE na atividade de prestação de serviços de vigilância a identidade da entidade económica mantem-se – e há transmissão – quando o novo prestador de serviços, apesar de não retomar, ou de não querer retomar, o essencial dos efetivos, em termos de número e de competências, se verifique no caso a transmissão para a nova prestadora de bens corpóreos necessários e imprescindíveis para a continuidade desses serviços?

2. Para que tais bens corpóreos/equipamentos para a continuidade desses serviços sejam relevantes para caracterização de uma unidade económica, para além de necessários, tem de se verificar uma transmissão direta dos mesmos entre as empresas prestadoras do serviço, ou o que o releva é a sua necessidade ou imprescindibilidade para a organização e prestação dos serviços, independentemente dos provirem do anterior prestador do serviço ou do próprio cliente (que os disponibiliza e mantem para o exercício da atividade)?

5. O recorrido/autor, não contra-alegou.

6. A recorrente/segunda empresa, não respondeu à matéria da ampliação do âmbito do recurso.

Parecer do Ministério Público

7. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer (cf. referência citius 20677447 de 2.10.2023), ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), pugnado, em síntese, pela improcedência do recurso.

8. Foi observado o contraditório previsto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, tendo a recorrente/segunda empresa e a recorrida/primeira empresa, respondido ao parecer mencionado no parágrafo anterior, reiterando, em síntese, o que já tinham defendido respectivamente, nas alegações e contra-alegações (cf. referências citius 659856 de 13.11.2023 e 660296 de 15.11.2023).

9. O autor/recorrido não respondeu ao parecer do digno magistrado do Ministério Público.

Delimitação do âmbito do recurso

10. Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões, vertidas nas conclusões:

Suscitada pela recorrente/primeira empresa e pela recorrida/segunda empresa

A. Impugnação da decisão de facto

Suscitadas pela recorrente/segunda empresa

B. Inexistência de transmissão da empresa

C. Responsabilidade pelo despedimento ilícito

D. Direito de oposição do trabalhador

Suscitada pela recorrida/primeira empresa

E. Reenvio prejudicial

Factos
11. Nota prévia: os factos provados e não provados serão a seguir agrupados, respectivamente, em dois parágrafos, mantendo-se a seguir a cada um deles a indicação da numeração/alínea pela qual foram designados na sentença recorrida. As alterações resultantes do presente acórdão serão assinaladas infra.

12. Factos provados:
1. O A. exerce as funções de vigilante.
2. A Prosegur dedica-se à actividade de vigilância privada por conta e à ordem de terceiros.
3. A Noite e Dia dedica-se: à vigilância de bens móveis e imóveis e o controlo de entradas, presença e saída de pessoas, bem como a prevenção de entrada de armas, substâncias e artigos de uso e porte proibidos ou susceptíveis de provocar actos de violência no interior de edifícios ou em outros locais, públicos ou privados, de acesso vedado ao público, entre outras actividades.
4. É associada da Associação Nacional das Empresas de Segurança – AESIRF.
5. Tem a sua sede na Avenida …, em Oeiras, o que sucede pelo menos desde 12.01.2021.
6. Por escrito datado de 10.11.2000, designado como «contrato de trabalho», cujo conteúdo se dá aqui por inteiro reproduzido, o A., como 2º outorgante, e a Prosegur, como 1º outorgante, declararam entre si: «1. O 1º outorgante admite o 2º outorgante ao seu serviço para o desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Vigilante. 2. O 2º outorgante prestará o seu trabalho sob as ordens, direcção e fiscalização do 1º outorgante ou de quem legitimamente o represente, em qualquer uma das instalações onde a Prosegur preste serviço aos seus clientes (…). 7. O 2º outorgante deverá cumprir um horário, que poderá ser por turnos rotativos, e de duração máxima de 140h mensais, pelo qual o 1º outorgante pagará a retribuição mensal de 100.000$00 [498,80€]. 8. O presente contrato é celebrado sem prazo, produzindo todos os seus efeitos a partir de 11.10.2000».
7. O A. a partir de Janeiro de 2020 passou a receber da Prosegur a quantia de 765,57€ de salário-base.
8. Nesse mês de Janeiro de 2020, o A. recebeu da Prosegur a título de subsídio de férias a quantia de 847,13€.
9. Nesse ano de 2020, o A. gozou os seguintes períodos de férias, recebendo da Prosegur o apontado salário-base por inteiro: 24 a 28 de Fevereiro; 2 a 6 de Março, 6 a 9 de Março e 7 a 10 de Julho - 15 dias.
10. O gozo dos restantes 7 dias de férias estava marcado, por acordo entre o A. e a Prosegur, para depois de 01.11.2020.
11. A partir de Julho de 2020 e até Outubro desse ano, o A. passou a receber da Prosegur a quantia de 796,19€ de salário-base.
12. O A. recebia ainda da Prosegur enquanto subsídio de refeição por cada dia trabalhado a quantia de 6,06€.
13. O A. prestava por último o seu serviço nas instalações do Hospital BB (adiante, H BB).
14. A Prosegur manteve e executou, desde 01.01.2004, no âmbito de contrato de prestação de serviços de segurança privada (designadamente vigilância humana) nas instalações do cliente Hospital BB EPE (adiante, H BB) que integrava os seguintes estabelecimentos: Hospital, sito na Amadora; Serviço Psiquiatria de Massamá, sito na Rua …, e Serviço de Urgência Básica de Mem Martins sito na Rua ….
15. A sua prestação assentava numa operativa composta de 41 a 50 vigilantes (distribuídos por 11 postos de trabalho em regimes de turnos rotativos), e nos seguintes equipamentos (da propriedade do cliente): a) uma central de controlo existente no edifício do Hospital e respectivo sistema de videovigilância (dito CCTV), composto por, aproximadamente, 40 câmaras, operado e monitorizado pelos vigilantes que assegurava a videovigilância todo o edifício principal do Hospital; b) uma portaria no Serviço de Urgência básica de Mem Martins, onde se encontra instalado o sistema de CCTV, monitorizado pelos vigilantes, que assegurava a videovigilância daquele serviço de urgência básica; c) central de detecção de incêndio e respectivos capacetes e equipamento de primeiros-socorros; d) gestão e tratamento por parte de pessoal vigilante do sistema de alarmes, sistema de intrusão e roubo, ligados à central de controlo da unidade principal, através da qual os vigilantes no terreno se deslocavam[-se] ao local de modo a verificar e garantir que não existia nenhum acesso indevido; e) utilização de um telemóvel, com extensão interna e ligação directa, da pertença do cliente.
16. Incumbia-lhe também: a) controlo de acessos às áreas restritas do Hospital, cujas saídas eram monitorizadas pela Central de Controlo operada pelos vigilantes; b) abertura/encerramento das instalações, encaminhamento dos utentes para os diversos serviços existentes, realização de rondas pelas instalações.
17. Daqueles vigilantes que prestavam serviço no local, 4 deles cumulavam ainda as funções de Chefe de Grupo, a quem cabia, 24h/dia, entre outras funções, substituir o Coordenador quando este estivesse impossibilitado, abrir e encerrar as suas instalações, assegurar constantemente o apoio aos vigilantes e respectivos postos de trabalho, registar anomalias, e, no fundo, estabelecer a ponte de contacto entre o pessoal vigilante e o Coordenador.
18. Alocou, ainda, em exclusivo para o Cliente, um Coordenador/Supervisor, que desempenhava as funções exclusivas de assegurar a supervisão, no terreno, do pessoal de vigilância, de estabelecer a ligação entre o cliente e os chefes de grupo e vigilantes no que respeita a orientações por aquele transmitidas, elaborar as escalas de serviço em função das instruções recebidas directamente do cliente, garantindo a sua aplicação no terreno; proceder à marcação de férias de toda a equipa, gerir os absentismos e trocas de serviço entre os colegas e demais vigilantes, utilizando, para tais fins, um computador e impressora da propriedade do cliente.
19. O H BB promoveu o Concurso Público com publicação no Jornal Oficial da União Europeia nº 11555/CPI/2020 para a prestação dos serviços de vigilância e segurança das suas instalações.
20. Do respectivo caderno de encargos constava, entre outras passagens: - «Cada uma das partes obriga-se a nomear um representante responsável pelo acompanhamento da execução do contrato e que desempenhe o papel de interlocutor com a parte contrária para todos os fins associados à execução do contrato»; - O serviço objecto do presente contrato é prestado nas instalações da Entidade Adjudicante, sitas no Hospital BB, no Serviço de Urgência Básico de Mem Martins e no Serviço Psiquiatria de Massamá»; - «Para a vigilância e segurança do Hospital BB pretendem-se contratar 11 postos de vigilância», incluindo um coordenador todos os dias úteis (Posto 1), das 9h às 18h, e um chefe de grupo (Posto 2) todos os dias do ano, 24h; - «É da responsabilidade do adjudicatário o fornecimento e utilização dos instrumentos de execução do serviço como relógios de ronda, selos, lanternas, emissores/receptores, etc. É da responsabilidade do adjudicatário o fornecimento de: a) (…) 15 câmaras de vigilância (…); b) instalação e fornecimento de ecrã LED UHD com no mínimo 55’ para visualização de imagens e ligação a central de gravação. Os equipamentos de gravação e imagem revertem para o H BB no final do contrato».
21. A adjudicação dos serviços à Noite e Dia ocorreu em 14.09.2020.
22. A Prosegur foi notificada da habilitação final do concorrente adjudicatário, a Noite e Dia, em 24.09.2020.
23. A Prosegur, entretanto, ponderou a decisão de impugnar judicialmente, ou não, a decisão do H BB.
24. Em Outubro desse ano, o senhor EE, Director da área comercial da Prosegur, comunicou ao Departamento de Operações a situação, e este por sua vez, na pessoa do senhor DD, comunicou as listagens do respectivo pessoal à senhora MM do Departamento de Recursos Humanos da Prosegur, para efeito de instrução das comunicações relativas ao que entendiam ser a transmissão do estabelecimento aos trabalhadores e à Noite e Dia.
25. Sendo que, no que respeita aos trabalhadores, face à sua quantidade, foram remetidas por correio registado via serviço e carta dos CTT no dia 16.10.20, e só começaram a ser distribuídas pelos CTT no dia 19.10.2020, sendo entregues aos trabalhadores depois dessa data.
26. A Prosegur enviou à ACT em 17.10.2020 um e-mail com o seguinte teor: «em conformidade com o previsto no artigo 285º do Código do Trabalho, somos a enviar em anexo ofício sobre a transmissão de estabelecimento do cliente Hospital BB EPE, com efeitos a 1 de Novembro de 2020, e a identificação dos vigilantes que passam para a nova empresa», ofício e listagem esses cujos conteúdos se dão por reproduzidos em razão da sua extensão.
27. A Prosegur enviou ao STAD em 17.10.2020 um e-mail com o seguinte teor: «enviamos em anexo ofício sobre a transmissão do estabelecimento do cliente Hospital BB EPE para a empresa Noite e Dia – Vigilância Lda., com efeitos a 1 de Novembro de 2020, e a identificação dos vigilantes que passam para a nova empresa», ofício e listagem esses cujos conteúdos se dão por reproduzidos em razão da sua extensão.
28. A Prosegur enviou à Noite e Dia em 17.10.2020 um e-mail com o seguinte teor: «o serviço por nós prestado ao cliente Hospital BB EPE nos respectivos estabelecimentos sitos em Hospital BB (…), Serviço de Urgência Básica (…) Algueirão-Mem Martins e Serviço de Psiquiatria de Massamá (…), na sequência da adjudicação que vos foi feita por parte do mesmo cliente, com efeito a partir de 1 de Novembro de 2020, passa a ser prestado pela vossa empresa.  Face à proximidade da data em que ocorrerá a transmissão do estabelecimento, enviamos em anexo cópia do ofício e demais documentação que seguirá, igualmente, via CTT», ofício e listagem esses cujos conteúdos se dão por reproduzidos em razão da sua extensão.
29. Respondeu a Noite e Dia à Prosegur também por e-mail em 22.10.2020, sob assunto «oposição à passagem de estabelecimento administrativo», cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido em razão da sua extensão, de onde se salientam as seguintes passagens: «A Noite e Dia – Vigilância, Lda., é associada da (…) AESIRF (…). Esta CCT não é aplicável às empresas associadas na AESIRF, pelo que apenas funciona entre empresas associadas na AES. A CTT da AESIRF não prevê qualquer disposição especial para a situação de mudança da empresa prestadora de serviços, pelo que às empresas suas associadas se aplica o Código do Trabalho, nesta matéria (…). Pelo que se conclui que a mera sucessão de actividade no sector da vigilância não configura uma transmissão da unidade económica, não se transmitindo para o adquirente do serviço a posição do empregador nos contratos de trabalho (…)».
30. Missiva esta que mereceu resposta da Prosegur, por e-mail de 26.10.2020, cujo conteúdo também se dá aqui por reproduzido, mantendo a sua posição.
31. A Noite e Dia reuniu com o representante do H BB, Dr. FF no dia 1.10.2020 manifestando disponibilidade para contratar o efectivo que prestava serviço de vigilância, transmitindo posteriormente aos vigilantes, em reunião no anfiteatro do Hospital em meados desse mês, que apenas poderiam entrar ao seu serviço se assinassem contrato de trabalho novo, abdicando assim da sua antiguidade.
32. A Prosegur convocou os seus vigilantes que prestavam serviço no H BB para duas reuniões nas instalações do cliente, que se realizaram nos dias 22 e 29 de Outubro de 2020, de modo a explicar os seus direitos e os efeitos daquilo que entendia ser a transmissão do estabelecimento para a Noite e Dia.
33. Os trabalhadores que prestavam serviço no H BB, inclusive o A, tinha à data de 31.10.2020 a respectiva formação profissional e o correspectivo cartão profissional de Vigilante em dia e em vigor.

34. Alterado por via de ampliação do âmbito do recurso, passando a ter a seguinte redacção:***

A empresa Noite e Dia Vigilância Lda. colocou o grupo de vigilantes que iria integrar a sua equipa na execução do contrato de prestação de serviços de vigilância no Hospital BB, EPE, nas instalações desse hospital, para os seus trabalhadores poderem aprender as características dos postos de vigilância.

***(Redacção anterior, constante da sentença de primeira instância: Foi a Noite e Dia quem deu essa formação aos seus trabalhadores, de acordo com o saber-fazer e a organização que aplica na sua estrutura, mas alocando um grupo de 15 vigilantes seus (e que iriam integrar a sua equipa ali após 01.11.2020) cerca de uma semana antes dessa data nas instalações do H BB, de modo a poderem apreender as características dos postos de vigilância).

35. A Noite e Dia iniciou a sua prestação nas instalações do cliente no dia 01.11.2020, logo após o término da vigência do contrato e da prestação dos mesmos por parte da Prosegur (31.10.2020).
36. A Noite e Dia recebeu o equipamento já ali existente e propriedade do H BB e forneceu e instalou as 15 câmaras de videovigilância (a somar às 40 anteriores que permaneceram no local a ser operadas pelos seus vigilantes e com as características já existentes) referidas no caderno de encargos, bem como do ecrã LED, que acresceu ao já existente, todos ligados à Central de Segurança pré-existente.

37. Alterado por via do presente recurso, passando a ter a seguinte redacção: ****
As instalações e respectiva dimensão, do H BB (Hospital BB, EPE) são as seguintes: terreno com uma área aproximada de 17,6Ha, tendo o edifício principal, a área de construção de 67.400m2, o edifício industrial, a área de construção de 4.180m2, o SUB (Serviço de Urgência Básico) de Mem-Martins, a área útil de 622,7m2 e Unidade de Psiquiatria de Massamá, a área 376,52m2.

****(Redacção anterior, constante da sentença de primeira instância: Sem a estrutura de equipamentos da propriedade do cliente não é possível assegurar a globalidade do serviço de segurança a prestar pelo pessoal vigilante no terreno, atenta a dimensão das instalações do H BB (terreno com uma área aproximada de 17,6Ha, com áreas de construção do edifício principal de 67.400m2 e as do edifício industrial de 4.180m2; o SUB de Mem-Martins tem uma área útil de 622,7m2; as instalações de Massamá, 376,52m2) e o número de vigilantes alocado em cada momento.

38. Quando iniciou a prestação de serviços no Cliente H BB, a Noite Dia tinha trabalhadores por si contratados, não recebendo qualquer vigilante que até ali prestara serviço nas instalações sob a farda da Prosegur.
39. Em cumprimento do caderno de encargos, afectou em exclusivo ao cliente um Coordenador/supervisor com as mesmas funções do anterior, isto é, por exemplo, coordenar todo o trabalho dos vigilantes (os horários de trabalho dos vigilantes, dias de descanso, escalas de serviço, turnos, mapas de férias e outras questões relativas à organização de trabalho e ser o intermediário entre o H BB e a sua equipa).
40. Do mesmo modo, alocou 1 Posto de vigilante chefe de grupo todos os dias o ano, por 24h.
41. A Noite e Dia entregou aos seus vigilantes os respectivos uniformes, rádios e demais equipamentos de trabalho de sua propriedade, designadamente: 6 Lanternas (bateria e pilhas) 4 para Amadora 1 para Massamá 1 para Mem-Martins; d) 12 Rádios; e) 1 Viatura – Amadora; f) 1 Bastão de ronda; g) 1 Leitor de pontos de ronda; h) 50 Pontos de Ronda Amadora; i) Telemóveis; Selos de segurança; k) Fardamento; l) Impresso de passagem de serviço (Amadora, Massamá e Mem-Martins); m) Livros de Relatório A4 (Amadora, Massamá e Mem-Martins); n) Livros de Relatório A5 (Amadora, Massamá e Mem-Martins); o) Dossier Técnico (Amadora, Massamá e Mem-Martins); p) Escalas ACT (Amadora, Massamá e Mem-Martins); q) Livros de Ponto (Amadora, Massamá e Mem-Martins); r) Livro de Composição de Turnos (Amadora, Massamá e Mem-Martins); s) Livro de Registo de horas de Trabalho Suplementar (Amadora, Massamá e Mem-Martins); t) Dossier 5 Unidades (Amadora, Massamá e Mem-Martins); u) Canetas (Preta ,Azul, Vermelha) (Amadora, Massamá e Mem-Martins); v) Agrafadores(Agrafos) (Amadora, Massamá e Mem-Martins); w) Furadores (Amadora, Massamá e Mem-Martins); x) Marcadores (Amadora, Massamá e Mem-Martins); y) Capas (Amadora, Massamá e Mem-Martins).
42. A sua manutenção, reposição e reparação cabe apenas à Noite e Dia.
43. A 22.10.2020, o A. recepcionou uma missiva da Prosegur, datada de 16 de Outubro do mesmo ano, já referida em 25, sob assunto «informação sobre a transmissão do estabelecimento correspondente ao cliente Hospital BB EPE e nova entidade empregadora – artigo 286º, nº 2, do CT», com o seguinte texto: «somos por esta via, e para além do abordado verbalmente, a informar que o serviço por nós prestado ao cliente (…) e ao qual estava afecto e a prestar trabalho, foi adjudicado a outra empresa de segurança privada, a Noite e Dia – Vigilância, Lda. (…), com efeito a partir de 1 de Novembro de 2020. Na sequência de tal perda do serviço de vigilância (…) constata-se que se mantém e transmite aquele enquanto unidade económica para um novo operador, o qual deve herdar e manter os postos de trabalho e respectivos contratos de trabalho do pessoal vigilante que presta funções no local, ao abrigo do regime da transmissão do estabelecimento previsto no artigo 285º do CT. Assim sendo, e sem prejuízo da consulta de que será objecto, decorridos que sejam 10 dias úteis a contar da presente, nos termos e ao abrigo do nº 1 do artigo 286º do CT, e que desde já se agenda para o dia 3/11/ 2020, entre as 10h-13h e as 14h-17h (…), somos a informar que da referida transmissão (…), e consequente assunção da posição empregadora de V.ª Ex.ª no contrato de trabalho celebrado (…) em 11.11.2020 não resultam quaisquer consequências de maior ou substanciais em termos jurídicos ou económicos porquanto se mantém tal contrato de trabalho vigente (…). Para o efeito também informamos tal transmissão e sucessão contratual aos serviços com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral nos termos do artigo 285º, nº 8, do CT, bem como foi por nós comunicada à Noite e Dia – Vigilância, Lda.».
44. Por missiva datada de 30.10.2020, sob o assunto «oposição à transmissão do estabelecimento correspondente ao cliente (…), recebida pela Prosegur, o A. respondeu-lhe nestes termos: «venho por esta via responder à vossa carta datada de 16.10.2020, recebida no dia 22.10.2020, sobre a transmissão do estabelecimento (…). Sendo eu funcionário da Prosegur desde 11.11.2000, oponho-me à mudança de entidade patronal porque a política de organização do trabalho da adquirente não me merece confiança. Mais informo que V.ª Ex.ªs não deram cumprimento ao artigo 286º, nº 2, do CT relativamente ao prazo de 10 dias. Nunca houve uma abordagem comigo, seja por que meio fosse, sobre este assunto antes do dia 22.10.2020, data da recepção da carta (…)».
45. Na sequência da missiva de 16.10.2020 que remetera aos seus vigilantes, e ao A. em particular, a Prosegur promoveu em 03.11.2020, na sua sede, a consulta daqueles, via telefone, exarando-se dela uma «acta de reunião» cujo conteúdo se dá também aqui por reproduzido.
46. Por carta de 04.11.2020 sob assunto «informação sobre a transmissão do estabelecimento correspondente ao cliente Hospital BB EPE e nova entidade empregadora – artigo 286º, nº 2, do CT», a Prosegur deu a saber ao A. «do termo da consulta efectuada e a que se refere o artigo 286º, nº 4, do Código do Trabalho».
47. A Prosegur, após a recepção da carta de 30.10.20, respondeu ao A. através de uma outra, datada de 09.11.2020, dizendo: «(…) O facto invocado, da forma e no momento em que o foi, parece-nos inócuos para o efeito. E isto porque é de relembrar que os motivos para a oposição exemplificativamente prevista no nº 1 do artigo 268-A do CT, funcionam como meras clausulas gerais, que carecem da alegação de factos que sustentem tais conclusões, sob pena de não procederem (…). Aliás, não queríamos deixar de salientar que tal transmissão é também, de facto e na prática, a forma de salvaguardar o posto e o contrato do trabalhador, porquanto a perca de um cliente desta dimensão (ocupa cerca de 50 vigilantes) numa empresa em manifesta e consabida recessão de serviços e clientela no sector específico da vigilância, leva a que não haja alternativa útil e efectiva de ocupação, com as consequências económicas e laborais óbvias dai resultantes em termos contratuais para os excedentários. Perante este cenário, que também a Prosegur muito custa e lamenta (…), para reafirmar e esclarecer a nossa posição (…)».
48. O A. enviou à Prosegur, que a recebeu, missiva datada de 11.12.2020, sob o assunto «resolução do contrato de trabalho», dizendo: «(…) vem nos termos do Código do Trabalho apresentar a sua demissão (…). Prestava até 31.10.2020 serviço nas instalações do Hospital BB. Em 1 de Novembro do corrente ano, deixaram V. Ex.as de prestar esse serviço, passando o mesmo a ser prestado por uma outra empresa. Manifestei oposição a ser integrado na nova empresa. Tenho até à presente data esperado de V. Exas a reintegração noutro serviço em outras instalações. O que não aconteceu! Pelo que e fundamentando-se na oposição (…) que não aceitava ser transmitido para a nova empresa, sendo que esta também se opôs à transmissão do estabelecimento (…) vem apresentar a sua demissão, requerendo que lhe sejam pagos todos os seus créditos laborais, inclusive os de antiguidade, pelo que têm V. Ex.as o prazo de 8 dias a contar da recepção da presente, prazo findo o qual irá intentar a competente acção judicial».
49. A Prosegur declarou finda a relação laboral do A. junto da Segurança Social, comunicada como «por iniciativa do trabalhador», uma vez que o respectivo formulário electrónico tipo não permitia informaticamente a comunicação com base na transmissão do estabelecimento.
50. Desde 01.11.2020, pela posição que assumira a propósito da possibilidade de transmissão dos contratos de trabalho da anterior operativa (de recusa), a Noite e Dia nunca aceitou o A. como seu trabalhador e não lhe designou qualquer posto ou local de trabalho, o que era conhecido do A., nem este se apresentou espontaneamente ao serviço nas instalações do H BB após essa data.
51. No entanto, também após essa data, houve várias conversas entre o A. (e outros quatro colegas da anterior operativa do H BB) e a Noite e Dia, na sua sede, mostrando esta abertura em ficar com ele(s) ao seu serviço, mas em condições ainda a definir e sem antiguidade.
52. Gorado qualquer entendimento entre si, o A. enviou à Noite e Dia a carta de 05.01.2021 (para a Rua …, Caldas da Rainha), cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.
53. Tal carta foi devolvida ao remetente a 19.01.2021 (por não levantada).
54. De Dezembro de 2020 a Maio de 2022 foram declarados em nome do A. rendimentos do trabalho por conta de outrem cujo conteúdo, com os autos, se dá aqui por inteiro reproduzido.
55. A acção deu entrada em 24.11.2021.
56. O A. requereu a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo em 18.11.2021.

13. Factos não provados:

A. O horário de trabalho convencionado foi de segunda a sexta-feira e, no período compreendido entre as 10h e as 19h, incluindo o período de refeição das 13h às 15h, e mais 5h ao sábado, no período entre as 9h30 e as 16h30, num total de 40h semanais.
B. O A., ao longo de 20 anos, trabalhou entre oito e doze horas por dia, e até seis dias por semana.
C. No ano de 2015 o A. trabalhou 40h fora dos horários de trabalho estabelecidos e não consideradas pela Prosegur nos seus recibos de vencimento.
D. Em 2016 o A. trabalhou 112h fora dos horários de trabalho estabelecidos e 11 dias que seriam de folga, não consideradas pela Prosegur nos seus recibos de vencimento.
E. No ano de 2017 o A. trabalhou 27h fora dos horários de trabalho estabelecidos e 1 dia que seria de folga, não consideradas pela Prosegur nos seus recibos de vencimento.
F. Em 2018 o A. trabalhou 116h fora dos horários de trabalho estabelecidos e 10 dias que seriam de folga, não consideradas pela Prosegur nos seus recibos de vencimento.
G. Em 2019, o A. trabalhou 86h fora dos horários de trabalho estabelecidos e 8 dias que seriam de folga, não consideradas pela Prosegur nos seus recibos de vencimento.
H. Em 2020 o A. trabalhou 172h fora dos horários de trabalho estabelecidos e 14 dias que seriam de folga, não consideradas pela Prosegur nos seus recibos de vencimento.
I. A Noite e Dia sempre se recusou a receber as missivas do A, designadamente a de 05.01.2021.
J. O A. em todos os contactos após 01.11.2020 com a Noite e Dia manifestou sempre a sua oposição e discordância à possibilidade da transmissão.
K. O A. sofreu uma grande depressão, e passou sérias dificuldades económicas uma vez que viveu sem vencimento durante mais de seis meses.
L. O A. viu-se obrigado a recorrer a ajudas familiares para as suas despesas, inclusive renda de casa, bens alimentícios e medicamentosos.
M. A Prosegur, à data, nem sequer tinha qualquer outro posto alternativo onde afectar de forma útil a força de trabalho do A.
N. Nos dias que antecederam a alteração de serviços de segurança, a Noite e Dia não só não recebeu quaisquer indicações ou instruções da Prosegur, como pelo contrário, recebeu um total bloqueio sobre quaisquer questões colocadas.
O. Quer sobre as chaves de uma porta, quer sobre qualquer elemento organizativo, os funcionários da Prosegur sempre informaram que tinham instruções desta para não passar qualquer informação.

Quadro legal relevante
14. Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:
Constituição da República Portuguesa ou CRP

Artigo 53.º
(Segurança no emprego)
É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou

Directiva 2001/23/CE ou Directiva 2001/23

Artigo 1.º
1. 
a) A presente directiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.
b) Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.
c) A presente directiva é aplicável a todas as empresas, públicas ou privadas, que exercem uma actividade económica, com ou sem fins lucrativas. A reorganização administrativa de instituições oficiais ou a transferência de funções administrativas entre instituições oficiais não constituem uma transferência na acepção da presente directiva.
2.  A presente directiva é aplicável se e na medida em que a empresa, o estabelecimento ou a parte de empresa ou de estabelecimento a transferir esteja abrangido pelo âmbito de aplicação territorial do Tratado.
3.  A presente diretiva é aplicável às transferências de navios de mar que façam parte da transferência de uma empresa, um estabelecimento, ou parte de uma empresa ou estabelecimento na aceção dos n.ºs 1 e 2, desde que o cessionário, ou a empresa, o estabelecimento, ou a parte da empresa ou do estabelecimento transferido estejam abrangidos pelo âmbito de aplicação territorial do Tratado.
A presente diretiva não se aplica caso o objeto da transferência consista exclusivamente em um ou mais navios de mar.

Artigo 2.º
1.  Na acepção da presente directiva, entende-se por:
a) «Cedente»: qualquer pessoa singular ou colectiva que, em consequência de uma transferência, prevista no n.º 1 do artigo 1.º, perca a qualidade de entidade patronal em relação à empresa ou estabelecimento ou à parte de empresa ou de estabelecimento;
b) «Cessionário»: qualquer pessoa singular ou colectiva que, em consequência de uma transferência, prevista no n.º 1 do artigo 1.º, adquira a qualidade de entidade patronal em relação à empresa ou estabelecimento ou à parte de empresa ou de estabelecimento;
c) «Representantes dos trabalhadores» e expressões afins: os representantes dos trabalhadores previstos nas legislações ou práticas dos Estados-Membros;
d) «Trabalhador»: qualquer pessoa que, no Estado-Membro respectivo, esteja protegida como trabalhador pela legislação laboral nacional.
2.  A presente directiva não afecta o direito nacional no que se refere à definição de contrato de trabalho ou de relação de trabalho.
Todavia, os Estados-Membros não excluirão do âmbito de aplicação da presente directiva contratos de trabalho ou relações de trabalho exclusivamente por motivo:
a) Do número de horas de trabalho prestadas ou a prestar;
b) De se tratar de relações de trabalho reguladas por um contrato de trabalho a prazo na acepção da Directiva 91/383/CEE do Conselho, de 25 de Junho de 1991, que completa a aplicação de medidas tendentes a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores que têm uma relação de trabalho a termo ou uma relação de trabalho tempoário ( 6 ), ou
c) Se se tratar de relações de trabalho temporárias na acepção da Directiva 91/383/CEE e a empresa ou estabelecimento, ou parte de empresa ou estabelecimento, constitua ou faça parte de uma empresa de trabalho temporário que actue como entidade patronal.

Código do Trabalho ou CT

Artigo 106.º
Dever de informação
1 - O empregador deve informar o trabalhador sobre aspectos relevantes do contrato de trabalho.
2 - O trabalhador deve informar o empregador sobre aspectos relevantes para a prestação da actividade laboral.
3 - O empregador deve prestar ao trabalhador, pelo menos, as seguintes informações:
a) A respectiva identificação, nomeadamente, sendo sociedade, a existência de uma relação de coligação societária, de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como a sede ou domicílio;
b) O local de trabalho ou, não havendo um fixo ou predominante, a indicação de que o trabalho é prestado em várias localizações;
c) A categoria do trabalhador ou a descrição sumária das funções correspondentes;
d) A data de celebração do contrato e a do início dos seus efeitos;
e) Termo estipulado ou a duração previsível do contrato, quando se trate, respetivamente, de contrato a termo certo ou incerto;
f) A duração das férias ou o critério para a sua determinação;
g) Os prazos de aviso prévio e os requisitos formais a observar pelo empregador e pelo trabalhador para a cessação do contrato, ou o critério para a sua determinação;
h) O valor, a periodicidade e o método de pagamento da retribuição, incluindo a discriminação dos seus elementos constitutivos;
i) O período normal de trabalho diário e semanal, especificando os casos em que é definido em termos médios, bem como o regime aplicável em caso de trabalho suplementar e de organização por turnos;
j) O número da apólice de seguro de acidentes de trabalho e a identificação da entidade seguradora;
l) O instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável, se houver, e a designação das respetivas entidades celebrantes;
m) A identificação do Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho (FGCT), previsto em legislação específica;
n) No caso de trabalhador temporário, a identificação do utilizador;
o) A duração e as condições do período experimental, se aplicável;
p) O direito individual a formação contínua;
q) No caso de trabalho intermitente, a informação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 158.º, nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 159.º e no n.º 2 do artigo 160.º;
r) Os regimes de proteção social, incluindo os benefícios complementares ou substitutivos dos assegurados pelo regime geral de segurança social;
s) Os parâmetros, os critérios, as regras e as instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisões sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como as condições de trabalho, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da atividade profissional.
4 - A informação sobre os elementos referidos nas alíneas f) a i), o), p) e r) do número anterior pode ser substituída pela referência às disposições pertinentes da lei, do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável ou do regulamento interno de empresa.
5 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto em qualquer alínea do n.º 3.

Artigo 109.º
Actualização da informação
1 - O empregador deve informar o trabalhador sobre a alteração relativa a qualquer elemento referido no n.º 3 do artigo 106.º ou no n.º 1 do artigo anterior, por escrito e, no máximo, até à data em que a mesma começa a produzir efeitos.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável quando a alteração resulte de lei, de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou de regulamento interno de empresa.
3 - O trabalhador deve prestar ao empregador informação sobre todas as alterações relevantes para a prestação da actividade laboral, no prazo previsto no n.º 1.
4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.

Artigo 285.º
Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3 - Com a transmissão constante dos n.ºs 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, excepto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta.
7 - A transmissão só pode ter lugar decorridos sete dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, referido no n.º 6 do artigo seguinte, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo.
8 - O transmitente deve informar o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral:
a) Do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações;
b) Havendo transmissão de uma unidade económica, de todos os elementos que a constituam, nos termos do n.º 5.
9 - O disposto no número anterior aplica-se no caso de média ou grande empresa e, a pedido do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, no caso de micro ou pequena empresa.
10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.
11 - Constitui contraordenação muito grave:
a) A conduta do empregador com base em alegada transmissão da sua posição nos contratos de trabalho com fundamento em transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou em transmissão, cessão ou reversão da sua exploração, quando a mesma não tenha ocorrido;
b) A conduta do transmitente ou do adquirente que não reconheça ter havido transmissão da posição daquele nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores quando se verifique a transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou a transmissão, cessão ou reversão da sua exploração.
12 - A decisão condenatória pela prática de contraordenação referida na alínea a) ou na alínea b) do número anterior deve declarar, respetivamente, que a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores não se transmitiu, ou que a mesma se transmitiu.
13 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 1, 2, 3, 7, 8 ou 9.
14 - Aos trabalhadores das empresas ou estabelecimentos transmitidos ao abrigo do presente artigo aplica-se o disposto na alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º e no artigo 498.º

Artigo 357.º
Decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador
1 - Recebidos os pareceres referidos no n.º 5 do artigo anterior ou decorrido o prazo para o efeito, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
2 - Quando não exista comissão de trabalhadores e o trabalhador não seja representante sindical, o prazo referido no número anterior conta-se a partir da data da conclusão da última diligência de instrução.
3 - (Revogado.)
4 - Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
5 - A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito.
6 - A decisão é comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador, à comissão de trabalhadores, ou à associação sindical respectiva, caso aquele seja representante sindical ou na situação a que se refere o n.º 6 do artigo anterior.
7 - A decisão determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida ou, ainda, quando só por culpa do trabalhador não foi por ele oportunamente recebida.
8 - Constitui contraordenação grave, ou muito grave no caso de representante sindical, o despedimento de trabalhador com violação do disposto nos n.ºs 1, 2 e 5 a 7.

Artigo 381.º
Fundamentos gerais de ilicitude de despedimento
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respectivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

Artigo 389.º
Efeitos da ilicitude de despedimento
1 - Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º
2 - No caso de mera irregularidade fundada em deficiência de procedimento por omissão das diligências probatórias referidas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 356.º, se forem declarados procedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, o trabalhador tem apenas direito a indemnização correspondente a metade do valor que resultaria da aplicação do n.º 1 do artigo 391.º
3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.

Artigo 390.º
Compensação em caso de despedimento ilícito
1 - Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
2 - Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se:
a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;
c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.

Artigo 391.º
Indemnização em substituição de reintegração a pedido do trabalhador
1 - Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º
2 - Para efeitos do número anterior, o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
3 - A indemnização prevista no n.º 1 não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.

Artigo 394.º
Justa causa de resolução
1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.
3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A.
4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.
5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.

Código Civil ou CC

Artigo 224.º
(Eficácia da declaração negocial)
1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.

Artigo 334.º
(Abuso do direito)
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Artigo 342.º
(Ónus da prova)
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.



Doutrina e jurisprudência que o Tribunal leva em conta

15. O Tribunal leva em conta os seguintes elementos que serão mencionados infra na fundamentação:

Doutrina

. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21ª Edição, Almedina.
. Commission Services Working Document, Memorandum on rights of workers in cases of transfer of undertakings [https://ec.europa.eu].
. Guy Isaac, Marc Blanquet, Droit général de l´Union européenne, 9e édition, Sirey Université.
. Hélder Quintas, Comentários ao Código de Processo do Trabalho, Almedina.
. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, parte II, 9.ª edição, Almedina.
. Salvador da Costa, As Custas Processuais, 9.ª Edição, Almedina.
Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia [curia.europa.eu]
. C-24/85; C-13/95; C-399/96; C-172/99; C-340/01; C-200/16; C-472/16; C-550/19; C-561/19; C-675/21.

Apreciação do recurso

A. Impugnação da matéria de facto

Nota preliminar
16. O Tribunal apreciará a seguir a impugnação da matéria de facto feita pela recorrente (a segunda empresa) por via de recurso e a feita pela recorrida (a primeira empresa) por via da ampliação do âmbito recurso. Isto porque, como resultará da análise da questão B, procede a questão suscitada pela recorrente sobre a inexistência de transmissão de empresa, à luz do disposto no artigo 285.º do CT. Pelo que, por razões de clareza do processado, o tribunal aprecia desde já quer a impugnação da matéria de facto feita por via de recurso, quer a impugnação da matéria de facto feita por via da ampliação do âmbito do recurso a que haverá lugar, uma vez que se verificam os pressupostos previstos no artigo 636.º n.º 2 do CPC e, em ambos os casos, a impugnação da matéria de facto envolve, essencialmente, a reponderação dos mesmos meios de prova.

Impugnação da matéria de facto por via de recurso

17. Tal como já acima foi mencionado no parágrafo 3, a recorrente, segunda empresa, impugna a decisão de facto que incide sobre os factos provados 15, 18, 31, 36, 37, 39, 51 e sobre os factos não provados N e O. Em suma, pede: a alteração da redacção dada aos factos provados 15,31, 36, 39 e 51; a eliminação do facto provado 37; a eliminação do facto provado 18 do acervo dos factos provados e a sua inclusão no acervo dos factos não provados; a eliminação dos factos não provados O) e N) e a sua inclusão no acervo dos factos provados; o aditamento de factos complementares à matéria de facto provada.

18. A este propósito, importa levar em conta que, com base no disposto no artigo 62.º do CT o Tribunal a quo dispensou a audiência prévia e absteve-se de proferir o despacho a que alude o artigo 596.º do CPC, ex vi artigo 49.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT) (cf. despacho saneador com referência citius 137443619 de 9.6.2022). Pelo que, não houve lugar à selecção dos temas de prova. Nesse contexto, não tendo sido enunciados temas de prova, a instrução dos presentes autos tem por objecto os factos necessitados de prova, como prevê o artigo 410.º do CPC, ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT (cf. Hélder Quintas, Comentários ao Código de Processo do Trabalho, Almedina, página 466).

19. Convém também sublinhar que, após ter reapreciado o conjunto da prova documental e oral constante  dos autos, o Tribunal julga que têm relevo para a decisão das questões de facto impugnadas, essencialmente: os depoimentos das testemunhas KK (vigilante da primeira empresa),  CC (director de operações de segurança da primeira empresa), DD (gestor de operações nacionais da primeira empresa), EE (director comercial  da primeira empresa), GG (director de operações da segunda empresa), FF (director do serviço de instalações e equipamentos do hospital/cliente), JJ (supervisor da primeira empresa), II (coordenador da equipa de vigilantes da segunda empresa), GG (director de operações da segunda mpresa) e LL (subdirector de operações da primeira empresa); as declarações de parte do legal representante da segunda empresa, HH e do legal representante da primeira empresa, NN; o documento 3 junto à contestação da recorrente com a referência citius 20298404 (caderno de encargos).

20. Feita esta clarificação, o Tribunal da Relação, reponderou o conjunto da prova oral gravada e da prova documental junta aos autos, analisando, em particular, os meios de prova enunciados no parágrafo anterior, invocados pelas partes, respectivamente, nas alegações e contra-alegações de recurso, por serem os que incidem directamente sobre os temas em litígio. O Tribunal levou em conta as relações profissionais, de amizade ou mero conhecimento, de cada um dos depoentes (testemunhas e partes), assim como o interesse no desfecho da causa que dai resulta, consoante os casos, não tendo dado relevo à parte em que tais depoimentos/declarações foram conclusivos. Da análise dessa prova oral resultou que, no essencial, tais depoimentos foram espontâneos e não foram discordantes quanto aos factos provados, com as alterações constantes do presente acórdão. De tais meios de prova não resulta a realidade dos factos não provados objecto de impugnação.

21. Assim, tendo em conta as regras de direito material probatório aplicáveis, a seguir enunciadas, o juízo autónomo de valoração feito pelo Tribunal da Relação é o seguinte.
22. No que respeita ao facto 15, a recorrente pretende que seja eliminado dos factos provados o seguinte trecho: gestão e tratamento por parte de pessoal vigilante do sistema de alarmes, sistema de intrusão e roubo, ligados à central de controlo da unidade principal, através da qual os vigilantes no terreno se deslocavam ao local de modo a verificar e garantir que não existia nenhum acesso indevido.

23. O Tribunal recorrido fundamenta como se segue a sua convicção sobre o facto 15:

“Os factos provados em 14 a 18 resultaram, em primeiro lugar, da posição assumida pelas Partes nos seus articulados, certo que inexiste controvérsia quanto à prestação do serviço vigilância no H BB pela Prosegur até 31.10.2020, conjugada com os depoimentos, em particular, do senhor KK, já conhecido, e dos senhores CC, Director de Operações de Vigilância da Prosegur desde Dezembro de 2019, LL, Subdirector de Operações de Vigilância da Prosegur, DD, gestor nacional de Operações da mesma R. desde Nov. de 2019, EE, Director Comercial da Prosegur desde 2020, mas trabalhando na sua estrutura desde 2006, JJ, que trabalhou para si durante 25 anos, sendo que os últimos 10 anos o foi no H BB, tendo as funções de Coordenador/Supervisor, e FF, Director do Serviço de Instalação e Equipamento do H BB desde Fevereiro de 2017, de onde se concluiu, pela razão de ciência invocada e conhecimento pessoal que sobre tal revelaram, do tempo de duração do vínculo e modo como o serviço de vigilância era prestado pela Prosegur (aliás, semelhante ao que veio a ser a prestação da Noite e Dia, mas já la vamos).”

24. Para prova da questão de facto impugnada, o Tribunal a quo baseou-se nos meios de prova testemunhal indicados no parágrafo que antecede. Por seu lado, a recorrente, para fundamentar a sua discordância, requer a reapreciação dos depoimentos das testemunhas CC, DD e EE e do caderno de encargos (documento 3, com a referência citius 20298404, junto à contestação da recorrente). A este propósito, a prova testemunhal está sujeita à livre apreciação do Tribunal – cf. artigo 396.º do Código Civil (CC); quanto ao caderno de encargos, junto pela própria recorrente, o mesmo não foi impugnado, pelo que faz prova plena das declarações nele constantes – cf. artigo 376.º do CC. Acresce que, as declarações de parte que o Tribunal da Relação também ouviu e menciona no parágrafo seguinte, estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal, na parte não confessória – cf. artigo 466.º n.º 3 do CPC.

25. Reponderado o documento (caderno de encargos) mencionado no parágrafo anterior e a prova oral gravada, o Tribunal da Relação ficou convicto da realidade do facto provado 15 tal como se encontra redigido. Com efeito, a gestão e tratamento dos sistemas de videovigilância, alarmes de incêndio, botões de intrusão e roubo encontravam-se ligados  a uma central de controlo, à qual o supervisor da equipa de vigilantes da primeira empresa tinha acesso no seu gabinete, nas instalações da unidade central do hospital/cliente e a monitorização era replicada na entrada principal/portaria, para que o chefe de grupo ou vigilante que aí se encontrasse no período nocturno, pudesse ter acesso a essa informação na execução das suas tarefas. É o que  resulta, em particular, da audição dos depoimentos das testemunhas KK (vigilante da primeira empresa),  CC (director de operações de segurança da primeira empresa), DD (gestor de operações nacionais da primeira empresa), EE (director comercial  da primeira empresa), GG (director de operações da segunda empresa), FF (director do serviço de instalações e equipamentos do hospital/cliente), JJ (supervisor da primeira empresa), II (coordenador da equipa de vigilantes da segunda empresa), GG (director de operações da segunda mpresa) e LL (subdirector de operações da primeira empresa), conjugados com as declarações de parte do legal representante da segunda empresa, HH e do legal representante da primeira empresa, NN. Pelo que, improcede nesta parte a pretensão da recorrente.

26. No que respeita ao facto 18, a recorrente pede que o mesmo seja considerado não provado. A fundamentação da convicção do Tribunal a quo, no que toca a essa questão de facto, assenta na prova testemunhal, tal como resulta da transcrição da sentença recorrida feita supra no parágrafo 23. A recorrente fundamenta a sua discordância nos depoimentos das testemunhas JJ, GG e no caderno de encargos junto à contestação da segunda ré como documento 3, junto aos autos com a referência indicada no parágrafo 24. Valem aqui as mesmas regras de direito probatório material, assim como os mesmos meios de prova acima indicados nos parágrafos 24 e 25, reapreciados pelo Tribunal da Relação, dos quais resulta a realidade deste facto. Com efeito, o supervisor designado pela primeira empresa para o cliente/hospital era a testemunha JJ, como explicou essa testemunha e foi corroborado pelos declarações e depoimentos mencionados no parágrafo 25. Em particular, a testemunha FF (que trabalha para o cliente/hospital), disse que lhe cabia assegurar a coordenação entre o hospital e a primeira empresa, no contexto do contrato de prestação do serviço de vigilância e a testemunha DD (que trabalha para a primeira empresa como gestor nacional de operações), explicou que tinha a seu cargo o cliente/hospital, aqui em causa e esclareceu o modo como funcionava a organização e coordenação do serviço de vigilância. Pelo que, improcede nesta parte a pretensão da recorrente.

27. No que respeita ao facto 31, no essencial, a recorrente discorda da prova de que, em reunião no Hospital, em meados de outubro de 2021, comunicou aos vigilantes da primeira ré que apenas poderiam entrar ao seu serviço se assinassem um contrato de trabalho novo, abdicando assim da sua antiguidade. A recorrente pretende que a redacção do facto 31 seja substituída por outra da qual conste apenas que houve uma reunião entre um seu trabalhador e os vigilantes da primeira empresa, mas que a intenção da recorrente foi sempre constituir uma equipa nova. Sendo esta a síntese do motivo de discordância, a redacção exacta proposta pela recorrente é a que foi acima transcrita no parágrafo 3 ii., que aqui se dá por reproduzida.

28. O Tribunal recorrido fundamenta como se segue a sua convicção sobre o facto 31:

“O facto provado em 31 resultou, em primeiro lugar, das declarações de parte da Noite e Dia, na pessoa do senhor HH, de onde se concluiu pela realização de reunião. Porém, mais do que o pedido do senhor FF para ficarem com alguns vigilantes que ainda ali prestavam serviço sob a farda da Prosegur (o confessado pelo senhor HH), ficámos convictos que a proposta daquele pelo H BB seria pela globalidade da operativa, se possível. De facto, apesar de não recordar em concreto da reunião, o senhor FF, referiu «houve várias reuniões comigo e com o meu do conselho de administração em que foi solicitada à ND até se possível ficar com parte ou com a totalidade dos vigilantes da PS, tal não aconteceu, a ND falou connosco, pensou também vamos de facto ficar com parte, vamos ficar com todos, mas acabou por não acontecer por decisão da ND. Acabou por não ficar com nenhum» (e que sintetiza o seu depoimento: m.3:56-4:22). Note-se que não houve razão séria para duvidar do seu depoimento, atenta a equidistância que manteve das Partes. E, de facto, era a melhor perspectiva para o H BB (manter a operativa, mas por menos dinheiro por força do concurso).  Também o senhor EE, já conhecido, lembrou, na recta final do seu depoimento, que o senhor FF lhe transmitiu que a Noite e Dia iria ficar com os vigilantes (m.22). Quanto à reunião da Noite e Dia com os vigilantes que ainda envergavam a farda da Prosegur, interessou novamente o depoimento do senhor FF, que o referiu exemplarmente do m.40 ao m42:55 (maxime, parte final), inclusive a questão da antiguidade, sem prejuízo das naturais dúvidas dos trabalhadores sobre o pagamento do subsídio de Natal, também afloradas pelo senhor KK (e a necessidade de celebração de novos contratos de trabalho), não se aceitando assim a versão simplista dada pelo legal representante da Noite e Dia, se bem o compreendemos, que os vigilantes não queriam sair da Prosegur (e ponto, por não conhecerem a empresa e aguardarem informações da Prosegur).

29. A recorrente fundamenta a sua discordância quanto à redacção do facto 31 nos seguintes elementos de prova:  depoimentos das testemunhas GG e FF; e declarações de parte de HH, legal representante da segunda ré.

30. Ora, da reapreciação do conjunto dos depoimentos e declarações de parte acima enunciados no parágrafo 25 e, em particular, no parágrafo 29, à luz das regras de direito probatório já acima indicadas, resulta que a realidade do facto provado 31 é confirmada tanto pelo legal representante da segunda empresa, HH, que explicou que, para satisfazer as expectativas do cliente/hospital manifestadas em reunião que teve com o cliente, se mostrou disposto a assumir a equipa de vigilantes da primeira empresa que já trabalhava para o cliente mediante celebração de contratos novos, por entender que não cabia à segunda empresa suportar os custos com o pagamento integral  do subsídio de Natal, mas apenas com 2/12 desse subsídio; o facto 31 resulta igualmente das declarações  do legal representante da primeira empresa, NN e dos depoimentos das testemunhas KK, DD e FF. Pelo que, nesta parte improcede a pretensão da recorrente.

31. No que respeita ao facto 36, a recorrente pretende que a sua redacção seja alterada e que seja acrescentado que não recebeu qualquer equipamento ou documento de suporte relativo à actividade de vigilância no cliente/hospital. Baseia a sua discordância nos depoimentos das testemunhas GG, FF, DD e II.

32. A fundamentação do Tribunal a quo quanto a esse facto é a seguinte:

“O facto provado em 36 resultou, desde logo, das regras de experiência comum e do normal suceder, pois tal obrigação constava do caderno de encargos. “

33. Analisados os meios de prova enunciados nos parágrafos 25 e 31 afigura-se que a redacção do facto provado 36 resulta de tais meios de prova. A alteração da redacção do facto provado 36 e a inclusão do facto negativo (cf. parágrafos 3 iii. e 31), como pretende a recorrente, são irrelevantes para a decisão de mérito. Em particular porque, atendendo ao modo como o autor configurou a acção na petição inicial (cf. referência citius 19945609 de 24.11.2021), o que importa apurar são os factos constitutivos do direito do autor contra a primeira empresa e subsidiariamente, contra a segunda empresa, em caso de transmissão de empresa ou os factos impeditivos dessa transmissão; porém, tais factos constitutivos ou impeditivos não são factos negativos. Com efeito, o que está em causa no facto 36, é saber se houve transmissão de bens corpóreos ou incorpóreos para a segunda empresa, se essa transmissão foi feita pela primeira empresa ou pelo cliente e se a segunda empresa instalou outros bens corpóreos. Trata-se, assim, de factos positivos. Nesse contexto, não se tendo apurado a transmissão de bens corpóreos de uma empresa para a outra – indício da transmissão de empresa à luz das soluções plausíveis de direito – afigura-se irrelevante para a decisão de mérito, dar como provado o facto negativo como pretende a recorrente, ou alterar a redacção inicial do facto 36 (cf. artigos 342.º do CC e 410.º do CPC). Pelo que, nesta parte improcede a pretensão da recorrente.

34. Relativamente ao facto provado 37, a recorrente pede a sua eliminação do elenco dos factos provados com base em erro do Tribunal quando julgou que a recorrente reconheceu tal facto no artigo 42.º da sua contestação; invoca, adicionalmente, os depoimentos das testemunhas JJ, CC e FF.

35. É a seguinte a fundamentação da convicção do Tribunal a quo sobre o facto 37:

“O facto provado em 37 resultou da posição assumida pelas Partes, em especial a das RR, pois lidas as suas contestações concluiu-se que, para ambas, os equipamentos são essenciais para a prestação dos serviços de segurança contratados pelo H BB (cf., em especial, o artigo 42º da contestação da Noite e Dia, por maioria de razão; 25º da contestação da Prosegur). Em qualquer caso, atento o reforço condicionado pelo caderno de encargos (e que menciona a área dos edifícios) e ao modo como a eles se referiram, por exemplo, os senhores CC, LL e DD, todos já conhecidos, não houve também qualquer dúvida a seu respeito.”

36. Atendendo ao teor dos artigos 41.º e 42.º da contestação da recorrente (cf. referência citius 20298304 de 24.1.2022), afigura-se que a recorrente tem razão quando defende que não reconheceu que “sem a estrutura de equipamentos da propriedade do cliente não é possível assegurar a globalidade do serviço de segurança a prestar pelo pessoal vigilante no terreno”. Com efeito, no artigo 42.º da contestação a recorrente reconhece os factos que alega no artigo 41.º da contestação, que são diversos dos constantes do facto provado 37. Pelo que, contrariamente ao que resulta da sentença recorrida, à luz do disposto no artigo 574.º n.ºs 1 e 2 do CPC não é possível considerar assente a primeira parte da matéria constante do facto provado 37. Acresce que, na parte a seguir citada neste parágrafo, a matéria constante do facto provado 37 é conclusiva. Na verdade, uma coisa é a prova de factos sobre a concreta organização dos factores de produção corpóreos e incorpóreos, no sector de actividade em causa, outra coisa é a conclusão que o Tribunal pode tirar desses factos. Pelo que, também por esse motivo, merece provimento parcial a impugnação deste facto pela recorrente, devendo ser eliminado, por conclusivo, o seguinte segmento do facto provado 37 “sem a estrutura de equipamentos da propriedade do cliente não é possível assegurar a globalidade do serviço de segurança a prestar pelo pessoal vigilante no terreno”.

37. Na restante parte, em que o facto provado 37 se refere à área do hospital a vigiar, em particular ao edificado, suas dimensões e localização, trata-se de matéria de facto com relevo para a decisão de mérito, à luz das soluções plausíveis de direito, nomeadamente por dizer respeito aos factores de produção em causa na actividade concreta em análise. A prova da dimensão e características do edificado do cliente/hospital resulta dos meios de prova indicados no parágrafo 25, incluindo os depoimentos indicados no parágrafo 34, que o Tribunal da Relação reapreciou. Em particular, as áreas concretas do terreno e dos diversos edifícios, correspondem ao que consta do caderno de encargos junto como documento 3 à contestação da recorrente, cujo valor probatório já foi acima enunciado no parágrafo 24.

38.Pelo que, procede parcialmente a impugnação da decisão de facto feita pela recorrente e a redacção do facto provado 37 é alterada, passando a ser a seguinte: As instalações e respectiva dimensão, do H BB ( Hospital BB, EPE) são as seguintes: terreno com uma área aproximada de 17,6Ha, tendo o edifício principal, a área de construção de 67.400m2, o edifício industrial, a área de construção de 4.180m2, o SUB (Serviço de Urgência Básico) de Mem-Martins, a área útil de 622,7m2 e Unidade de Psiquiatria de Massamá, a área 376,52m2.

39. No que respeita ao facto provado 51, resulta da redacção alternativa proposta pela recorrente e transcrita supra no parágrafo 3 vii, que, no essencial, a recorrente discorda da parte em que o Tribunal a quo considerou provado que a recorrente mostrou a abertura para ficar com alguns trabalhadores da primeira empresa ao seu serviço, em reuniões que manteve com esses trabalhadores na sua sede. A recorrente indica as declarações de parte do seu legal representante HH e o depoimento da testemunha KK, para fundamentar a sua pretensão.

40. A esse propósito, é a seguinte a fundamentação do Tribunal recorrido sobre o facto 51:

“Porém, o legal representante da Noite e Dia, o já conhecido HH, admitiu algumas conversas individuais com alguns vigilantes, através do A. (que é conhecido da sua sogra). Porém, de modo diverso da versão minimalista que o referido senhor trouxe ao julgamento, o senhor KK, com alguma emoção que na opinião deste Tribunal apenas abona a seu favor, descreveu com outro pormenor o que então se passou, designadamente as reuniões havidas na sede desta R. após 31.10. Não houve assim dúvida que houve pelo menos abertura da Noite e Dia em ficar com ele(s) ao seu serviço, mas em condições ainda a definir e sem antiguidade (e que, na ansiedade de se ver sem saber o que fazer profissionalmente, o senhor KK até aceitaria). O que é certo é que tudo não passou disso mesmo, sem outra concretização, tendo este até dito «tudo treta» (m.21). Quis-se acreditar que nem tanto, mas talvez o medo de abrir o flanco a possíveis interpretações da sua contratação (com contrato novo ou velho, não interessa) favoráveis à tese da transmissão tenha impedido a sua concretização.”

41. Reponderados os meios de prova enunciados no parágrafo 25, em particular, as declarações e depoimentos indicados pela recorrente no parágrafo 39, é forçoso constatar que a veracidade do facto 51 resulta: do depoimento da testemunha KK, que teve conhecimento directo desse facto, conjugado com as declarações de parte do legal representante da recorrente, HH e com o depoimento da testemunha FF. Pelo que, improcede nessa parte a pretensão da recorrente.

42. Quanto à impugnação do facto provado 39, dos factos não provados N e O e à inserção de novos factos no acervo dos factos provados (cf. parágrafo 3 vi. E viii), a recorrente defende, segundo o Tribunal julga perceber: que o facto provado 39 deve ter uma redacção da qual seja eliminada a exemplificação das tarefas desempenhadas pelo coordenador/supervisor designado pela segunda empresa; que os factos não provados N e O passem para os factos provados; e que sejam aditados factos sobre a não transmissão de bens ou informação, da primeira empresa para a segunda, por indicação da primeira empresa. A recorrente indica os depoimentos das testemunhas CC, GG, FF, II, JJ, DD e as declarações de parte do seu legal representante, HH, para fundamentar a impugnação da decisão de facto nesta parte.

43. A este propósito, é a seguinte a fundamentação constante da sentença recorrida: 

“Os factos provados em 34, introduzido pela contestação da Noite e Dia, em 38 e 39 (e, concomitantemente, a alegação de facto não provada em N e O) resultaram, em primeiro lugar, do depoimento dos senhores GG, Director de Operações desta R. desde Outubro de 2020, e II, o actual (e desde 01.11.2020) Coordenador de Segurança daquela no cliente H BB. De facto, atenta a não contratação da anterior operativa e o aproximar-se da data de entrada no H BB, foi natural que a Noite e Dia (vista a sua confessada menor dimensão operativa) teve de contratar a equipa e naturalmente de a enquadrar no seu funcionamento (e ainda que alguns, como o caso do senhor II, escolhido para Coordenador em cumprimento do caderno de encargos – e pelas necessidades do cliente -, já possuíssem alguma experiência em segurança hospitalar). Porém, a sua formação passou também por um breve período de “estágio” (a palavra é do senhor GG), de cerca de uma semana, de um grupo de 15 novos elementos (como também referiu), para ver como funcionavam as coisas no H BB e, dentro do humanamente possível interagir com os vigilantes dos postos (e era natural que estes estivessem desagradados com a situação, por o seu trabalho ali estar em risco). Daí as queixas que fizeram, um e outro, ao senhor FF de falta de colaboração destes com a equipa, que este referiu (e a quem designou de equipa sombra). Não houve, por derradeiro, suficiente fundo probatório que corroborasse de modo suficiente a alegação da Noite e Dia em N e O. Apenas os seus elementos (os senhores GG e II) a afirmaram, mas contrariados pelos senhores DD e JJ, sendo que o senhor FF (que não se apercebeu de qualquer má vontade ou recusa deste na passagem do serviço) percorreu, com o último, na sequência das reclamações, os postos de modo a alertar para a necessidade de haver colaboração. Por isso, existindo alguma oposição à presença dos novos vigilantes, tudo indiciou que terá sido um acto individual e motivado pelo, como referido, natural desagrado (para dizer o menos) daqueles perante a situação que vivenciavam.
Ainda a propósito da passagem de serviço (e apenas falamos nisto aqui por ter sido bastamente discutido em audiência, mas sem a relevância que lhe quiseram atribuir por não significar nada de relevante enquanto transmissão de saber-fazer – até porque como disse o senhor JJ não se aprende num dia -, nem foi alegado pela Prosegur nem é confundível com a formação dada à nova equipa de vigilantes pela Noite e Dia), é certo que o senhor JJ referiu ter acompanhado o futuro coordenador (quiçá um senhor de nome francês, Stephane), mostrando-lhe os cantos à casa e explicando-lhe o serviço durante um dia. Se assim fez, fez bem, pois como disse a tal obrigaria a cortesia entre camaradas de profissão. Porém, se não houve dúvida, até pelos depoimentos dos senhores GG e II, que a Noite e Dia recebeu da Prosegur, a 31, o equipamento do cliente (incluindo o tão futuramente falado chaveiro em outras conhecidas acções), este último, sem dúvida já então o futuro coordenador, negou uma e outra vez o afirmado pelo senhor JJ. E a mais prova produzida foi insuficiente para se concluir com a necessária segurança por uma ou outra tese, não havendo razão alguma objectiva para se preferir uma ou outra.”

44. Depois de reapreciar os meios de prova enunciados no parágrafo 25, em que se incluem os referidos pela recorrente, mencionados supra no parágrafo 42, afigura-se que não merce acolhimento a pretensão da recorrente nesta parte. Não só resulta de tais meios de prova a realidade do facto provado 39, como, no que respeita aos factos não provados N e O e ao facto 38 C que a recorrente pretende ver aditado (cf. supra, parágrafo 3 viii.) tal prova não é suficiente para afastar a dúvida que o Tribunal resolve contra a parte a quem tais factos aproveitam – cf. artigo 414.º do CPC. Quanto aos factos 38.A e 38 D, que a recorrente pretende ver aditados à matéria de facto provada (cf. supra, parágrafo 3 viii.), os mesmos são factos negativos, que, pelos motivos já acima explicados no parágrafo 33, são irrelevantes para a decisão de mérito e, por isso, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre eles. Motivos pelos quais improcede, nesta parte, a pretensão da recorrente.

45. Por todo o exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão de facto, sendo alterada a redação do facto provado 37 nos termos enunciados supra no parágrafo 38, improcedendo na restante parte a impugnação da decisão de facto feita pela recorrente/segunda empresa.

Impugnação da decisão de facto por via da ampliação do âmbito do recurso

46. Por seu lado, a recorrida, primeira empresa, requer a ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 636.º n.º 2 do CPC, no caso de proceder alguma das pretensões da recorrente, pedindo a eliminação do facto provado 34 que, na sua óptica, não resulta dos meios de prova produzidos; indica para fundamentar a sua pretensão, os depoimentos das testemunhas FF, JJ, KK, EE, GG, II, assim como as declarações de parte de HH.

47. A fundamentação da sentença recorrida no que respeita ao facto provado 34 é a transcrita supra no parágrafo 43.

48. Da reapreciação dos meios de prova indicados no parágrafo 25, entre os quais se incluem os acima referidos pela recorrida no parágrafo 46, resulta que a recorrida (primeira empresa) tem razão quando defende que não se provou que a recorrente (segunda empresa) tenha dado formação profissional aos seus trabalhadores. Em particular, o que resulta dos depoimentos das testemunhas da recorrente, II e GG, que mereceram credibilidade por terem estado envolvidos directamente na organização da empreitada adjudicada à segunda empresa, é que, a testemunha II foi conhecer as instalações do cliente/hospital cinco dias antes do início da empreitada, na qualidade de futuro supervisor da segunda empresa e três dias antes do início da execução da empreitada pela segunda empresa, colocou no local a nova equipa, composta por 40 vigilantes, junto aos postos de trabalho ainda ocupados pelos vigilantes da primeira empresa, para se familiarizarem com as tarefas a executar.

49. Pelo que, nos termos do artigo 662.º n.º 1 do CPC, procede parcialmente a impugnação do facto provado 34, cuja redacção passa a ser a seguinte: A empresa Noite e Dia Vigilância Lda. colocou o grupo de vigilantes que iria integrar a sua equipa na execução do contrato de prestação de serviços de vigilância no Hospital BB, EPE, nas instalações desse hospital, para os seus trabalhadores poderem aprender as características dos postos de vigilância.

50. Improcede no mais a pretensão da recorrida/segunda empresa, no que respeita à impugnação da decisão de facto.

B. Inexistência de transmissão de empresa

51. Para resolver esta questão, convém levar em conta,  antes de mais, que nos presentes autos se provou a existência de uma adjudicação de contratação de serviços de vigilância, concretizada em concurso público, em que é entidade adjudicante o Hospital BB, EPE (também designado no presente acórdão por cliente) e adjudicatária a recorrente, segunda empresa, tendo a primeira empresa, recorrida, sido anteriormente a operadora desse serviço, que perdeu a favor do novo operador, a segunda empresa, em resultado do novo concurso público. Assim, até 31.10.2020 a primeira empresa, recorrida, prestava serviço de vigilância ao cliente; a partir de 1.11.2020 passou a ser a recorrente, segunda empresa, a prestar esse serviço.

52. Em resultado da mudança de operador e das divergências de entendimento das duas empresas quanto à existência de transmissão de empresa, o autor, trabalhador da primeira empresa, ficou sem trabalho e sem receber o seu salário. Foi nesse contexto que o autor intentou a presente acção, demandando as duas empresas envolvidas.

53. A sentença recorrida julgou que existiu transmissão de empresa para recorrente, segunda empresa e julgou a mesma responsável pelo despedimento ilícito do autor.

54. A recorrente, segunda empresa, defende que não existiu transmissão de empresa uma vez que não recebeu nenhuns bens corpóreos ou incorpóreos da primeira empresa e, em particular, não ficou com nenhum dos trabalhadores da primeira empresa que exerciam funções no local. Na sua óptica, no contexto da actividade terciária de vigilância, aqui em questão, o Tribunal deve conferir maior importância à mão de obra do que aos activos (equipamentos).

55. A recorrida, primeira empresa, defende que existiu transmissão de empresa, porque os activos corpóreos – câmaras, monitores, sistemas de prevenção de incêndio e de alarme, ligados a uma central e um telemóvel dotado de extensão interna – pertencentes ao cliente, que a primeira empresa usava, foram transferidos para a segunda empresa, pelo cliente. Embora a primeira empresa, recorrida, reconheça que a actividade terciária de vigilância assenta essencialmente na mão de obra, na sua óptica os bens corpóreos acima mencionados são, não apenas necessários, como indispensáveis à realização da actividade de vigilância em causa, atenta a dimensão das instalações hospitalares do cliente. A primeira empresa, recorrida, defende ainda que, para haver transmissão, não é necessária uma transmissão de bens corpóreos directamente da primeira empresa para a segunda empresa e que, nas circunstâncias apuradas não era necessário que a segunda empresa manifestasse intenção de assumir os trabalhadores da primeira empresa.

56. Do enquadramento que antecede resulta que a principal discordância entre as duas empresas, demandadas pelo trabalhador nesta acção, a propósito do regime da transmissão de empresa previsto no artigo 285.º do CT, que transpôs para o direito interno a Directiva 2001/23, consiste em saber se, no caso concreto, a identidade da entidade económica transmitida assenta de modo significativo na mão de obra ou se o uso do equipamento disponibilizado pelo cliente, sucessivamente a cada uma das empresas adjudicatárias, é indispensável à prestação do serviço de vigilância. Pelo que, será em conformidade com a Directiva 2001/23 e com a jurisprudência do TJUE sobre a mesma, que o Tribunal interpretará a seguir o artigo 285.º do CT, aqui em causa, para depois apreciar se os factos apurados se enquadram nesse regime.

57. A análise que se segue será repartida nas seguintes sub-questões:

(i) Pressupostos da aplicação do regime da transmissão de empresa previsto na Directiva 2001/23:
. A noção de empresa
. Os trabalhadores abrangidos
. As operações englobadas
. As duas condições que devem verificar-se
(ii) Apreciação da identidade da entidade económica.


(i) Pressupostos da aplicação do regime de transmissão de empresa previsto na Directiva 2001/23

58. Para resolver o problema acima enunciado, o Tribunal começa por recordar que devem verificar-se os seguintes pressupostos, para que a situação seja abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva 2001/23: (i) a noção de empresa para efeitos dessa directiva; (ii) os trabalhadores abrangidos pela transmissão; (iii) as operações englobadas na noção de transmissão; (iv) e as duas condições, a seguir enunciadas, que devem estar preechidas para que haja transmissão de empresa (cf. Commission Services Working Document, Memorandum on rights of workers in cases of transfer of undertakings, páginas 2 e 3).

A noção se empresa

59. A noção de empresa prevista no artigo 1.º n.º 1 da Directiva 2001/23, não deve ser interpretada literalmente, mas de modo flexível, para atingir o objectivo enunciado no considerando (3) dessa directiva, que é a protecção dos direitos dos trabalhadores quando a empresa é transferida.

60. No que releva para a presente acção, a noção de empresa abrange também uma unidade económica ou unidade produtiva, ou parte dela, dotada de autonomia técnico organizativa e que mantém identidade própria, noção que pode abranger a actividade de limpeza do hospital aqui em causa (cf. artigo 285.º n.º 5 do CT). Ou seja, importa recorrer a uma noção parcialmente desmaterializada de unidade económica, em que assumem relevo tanto um conjunto de factores de produção, corpóreos e/ou incorpóreos, apreciados segundo o grau de importância de cada um deles para o tipo de actividade desenvolvida, como a vantagem económica à qual tais recursos se encontram afectos de modo estável (cf. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.ª Edição, Almedina, página 485).

Os trabalhadores abrangidos

61. Quanto aos trabalhadores abrangidos, o âmbito de aplicação da Directiva 2001/23 estende-se a qualquer pessoa que, no Estado-Membro respectivo, esteja protegida como trabalhador pela legislação laboral nacional, independentemente do número de horas de trabalho, de se tratar de um contrato a prazo ou de relações de trabalho temporário (cf. artigos 1.º n.º 1 – d) e 2.º n.º 2 da Directiva 2001/23). No presente caso, apurou-se que o autor celebrou com a primeira empresa um contrato de trabalho que se encontrava em vigor à data da adjudicação dos serviços de vigilância aqui em causa à segunda empresa. Pelo que, o autor pode estar abrangido pela transmissão de empresa, se se verificarem os demais pressupostos.

As operações englobadas na transmissão

62. Estão englobadas na noção de transmissão de empresa, entre outras, as operações como a que está em causa nos presentes autos, que consistem na adjudicação da contratação de serviços concretizada em concurso público, em que o primeiro operador ao qual estava adjudicado o serviço, perde o concurso público a favor de um segundo operador, como prevê o artigo 285.º n.º 10 do CT (cf. antes de estar expressamente prevista no artigo 285.º n.º 10 do CT, na redacção dada pela Lei 14/2018, aqui aplicável, esta solução já resultava da interpretação feita pelo TJUE no acórdão C-200/16, parágrafo 38).

As duas condições que devem verificar-se
63. Para que exista transmissão de empresa, têm de verificar-se duas condições:

. Mudar o empregador, ou seja, o novo empregador deve ser uma pessoa singular ou colectiva diferente do primeiro empregador, uma vez que nos termos do artigo 2.º n.º 1 – a) e b) da Directiva 2001/23 "cedente" e "cessionário" são definidos como qualquer pessoa singular ou colectiva que, em virtude de uma transferência, deixa de ser (cedente) ou passa a ser (cessionário) a entidade patronal da empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento;

. Manter-se a identidade da entidade económica transmitida, o que, de acordo com a jurisprudência do TJUE deve ser determinado da seguinte forma:

“Para determinar se este requisito está preenchido, importa tomar em consideração o conjunto das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento em questão, a transferência ou não de elementos corpóreos, como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, a reintegração ou não, por parte do novo empresário, do essencial dos efetivos, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das atividades exercidas antes e depois da transferência e a duração de uma eventual suspensão dessas atividades.” (cf. acórdão do TJUE C-675/21, parágrafo 49 que reafirma uma jurisprudência de princípio que já constava do acórdão C-13/95).

64. Desta análise resulta que, dos pressupostos da aplicação da Directiva 2001/23 e, portanto, do artigo 285.º do CT, mencionados nos parágrafos 57 a 63, o que está em causa no presente recurso é a verificação da segunda condição mencionada no parágrafo 63, a saber, a manutenção da identidade da entidade económica transmitida. Pelo que o Tribunal apreciará a seguir se se verifica ou não essa condição, à luz dos factos provados e da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) que será mencionada infra.

(ii) Apreciação da Identidade da entidade económica transmitida

65. Importa começar por recordar que, de acordo com uma jurisprudência constante do TJUE, a análise necessária para determinar se existe ou não uma transmissão de empresa é da competência dos tribunais nacionais, tendo em conta os factores que, segundo a interpretação do TJUE, devem ser considerados relevantes para essa análise e que estejam disponíveis nos autos, sem esquecer, porém, que  tais factores devem ser objecto de uma apreciação global pelo tribunal nacional e não podem, portanto, ser considerados isoladamente  (cf. acórdãos do TJUE C- 24/85 e C- 675/21,parágrafo 49)

66. Nesse contexto, o tipo de atividade exercida pela empresa é um elemento essencial, pois pode determinar o grau de importância a atribuir a cada um dos factores a levar em conta (cf. acórdão do TJUE C-550/19, parágrafo 91).

67. Em particular, no que se refere ao sector terciário de prestação de serviços – que é o sector em causa neste recurso – o TJUE distinguiu entre:

. Por um lado, as actividades cuja exploração assenta essencialmente na mão de obra, como a limpeza e a vigilância;
. Por outro lado, as actividades cuja exploração assenta essencialmente em bens corpóreos (activos), como os transportes públicos ou a restauração (cf. Commission Services Working Document, Memorandum on rights of workers in cases of transfer of undertakings, páginas 3 e 4).

68. No caso dos prestadores de serviços cujas actividades se baseiam essencialmente na mão de obra, como sucede com a actividade de vigilância em causa nos presentes autos, a retoma pelo novo empregador de uma parte importante, em termos de número e de competências, dos trabalhadores especialmente afectados pelo seu antecessor à prestação dos serviços em questão, pode conduzir à manutenção da identidade da entidade económica (cf. acórdão do TJUE nos processos conexos C-173/96 e C-247/96); pelo contrário, a identidade não é mantida quando o novo operador não retoma uma parte importante, em termos de número e de competências, dos trabalhadores afectados pelo seu antecessor à prestação dos serviços em questão, como resulta da jurisprudência a seguir citada: “Por conseguinte, nesse setor, a identidade de uma entidade económica não pode ser mantida além da operação em causa se o essencial dos seus efetivos, em termos de número e de competência, não for integrado pelo presumido cessionário” (cf. C-675/21, parágrafo 53).

69. No caso dos prestadores de serviços cujas actividades se baseiam essencialmente em activos, como os transportes ou a restauração, a retoma, por um novo operador, dos activos (corpóreos ou incorpóreos), indispensáveis à prestação dos serviços pode conduzir à manutenção da identidade da entidade económica, mesmo que a parte essencial do pessoal não tenha sido retomada (cf. acórdão do TJUE C-340/01); pelo contrário, a identidade não é mantida quando o novo operador não retoma os activos indispensáveis à prestação dos serviços (cf. acórdão do TJUE C-172/99).

70. Neste contexto, segundo este Tribunal julga perceber, enquanto a segunda empresa, recorrente, defende a solução que resulta da interpretação do TJUE, mencionada no parágrafo 68, porque a prestação de serviços de vigilância assenta essencialmente na mão de obra, a primeira empresa, recorrida, defende a solução que resulta da jurisprudência do TJUE mencionada no parágrafo 69, para os casos em que a prestação de serviços se baseia essencialmente nos activos, porque, na sua óptica, o equipamento é indispensável à prestação concreta da actividade de vigilância aqui em causa.

71. Ou seja, a primeira empresa, recorrida, defende que, sem o sistema de videovigilância, alarme e prevenção de incêndio ligados a uma central e sem o telemóvel dotado de extensão interna, existentes nas instalações do cliente e disponibilizados por este à primeira empresa e depois à segunda, no contexto das sucessivas adjudicações, não é possível fazer a vigilância das instalações do cliente. Segundo defende, essa conclusão deve ser retirada do modo como estava organizada a actividade e das dimensões e características do hospital a vigiar (cf. facto provado 37); por isso, alega que neste caso, os activos são necessários e mesmo indispensáveis ao exercício da actividade de vigilância do hospital aqui em causa.

72. A este propósito, convém esclarecer que, tal como defende a primeira empresa, recorrida, o facto de os activos transmitidos, mencionados no parágrafo anterior, não pertencerem à primeira empresa, mas ao cliente, não impede a manutenção da identidade da entidade económica transmitida e também não é necessário, para manter essa identidade, que exista um vínculo contratual entre a primeira e a segunda empresa (cf. acórdãos do TJUE C- 200/16, parágrafo 33 e C – 675/21, parágrafo 45).

73. Dito isto, importa agora levar em conta os factos provados 14 a 20, 33, 34, 36 e 39 a 41, dos quais resulta que: a segunda empresa prossegue a mesma actividade económica que desenvolvia a primeira empresa; presta os mesmos serviços de vigilância; no mesmo local, o hospital com as características apuradas no facto provado 37; para o mesmo cliente; obrigou-se a assegurar os mesmo número de postos de trabalho, com idênticas características quanto ao tempo de permanência nesses postos de trabalho e sensivelmente o mesmo número de vigilantes, um supervisor/coordenador e pelo menos um chefe de grupo; essa organização do trabalho é análoga à da sua antecessora; utiliza os mesmos activos que eram disponibilizados pelo cliente à sua antecessora, ainda que com a obrigação de reforçar esses activos com mais 15 câmaras e 1 monitor, cuja propriedade se transmitirá para o cliente; esse reforço de equipamento acordado entre a segunda empresa e o cliente, aponta para uma intensificação da importância do equipamento no desempenho da actividade de vigilância, ocorrida durante a adjudicação à segunda empresa mas, por implicar um numero de câmaras /monitores que não é significativo quando comparado com o equipamento já existente, afigura-se que, no conjunto das circunstâncias aqui ponderadas, não descaracteriza a actividade até aí desenvolvida; não existiu hiato temporal entre o termo dos serviços prestados pela primeira empresa e o inicio dos serviços prestados pela segunda empresa.

74. As circunstâncias de facto enunciadas no parágrafo anterior, analisadas à luz da jurisprudência mencionada nos parágrafos 63 a 69 e 72, apontam para a manutenção da identidade da entidade económica transmitida, mas, tal como resulta da jurisprudência do TJUE, o peso a atribuir a tais circunstâncias depende do sector de actividade em questão e do modo concreto como estão organizados o factores de produção em que assenta a actividade concreta (cf. acórdão do TJUE C- 675/21, parágrafos 56 e 57).

75. Adicionalmente, importa levar em conta que não se apurou que a primeira empresa tenha transmitido quaisquer bens corpóreos ou incorpóreos à segunda empresa. Provou-se que a segunda empresa forneceu aos seus trabalhadores relógios de ronda, selos, lanternas, rádios, pilhas, baterias, bastões de ronda, leitores de pontos de ronda, capas, dossiers, canetas, livros de registo, agrafos, marcadores, livros de relatório (cf. factos provados 20 e 41). Circunstâncias que apontam para a inexistência de identidade da entidade económica transmitida, embora por si só, não bastem para excluir essa identidade e tenham de ser ponderadas globalmente, como resulta da jurisprudência do TJUE mencionada no parágrafo anterior.

76. Com efeito, como a importância a atribuir aos critérios relevantes para a apurar a existência de identidade da entidade económica varia em função do sector de actividade exercida ou dos métodos de produção, dai resulta que, no caso de uma actividade económica terciária assente essencialmente na mão de obra, como acontece com os serviços de vigilância aqui em causa, os factos enunciados no parágrafo 73 não bastam para que se mantenha a identidade da entidade económica, uma vez que, de acordo com a interpretação feita pelo TJUE, tratando-se de serviços de vigilância, essa identidade assenta essencialmente na mão de obra e não nos equipamentos; isto porque a actividade de vigilância pode funcionar sem elementos significativos do activo (cf. acórdãos do TJUE C- 550/19, parágrafo 92 e C-675/21, parágrafos 50, 56 e 58 ).

77. A esse propósito, o TJUE declarou que:

 “(...) num setor em que a atividade assenta essencialmente na mão de obra, a identidade de uma entidade económica não pode ser mantida se o essencial dos seus efetivos não for integrado(cf. C-200/16, parágrafo 29, jurisprudência que se mantém constante nos acórdãos do TJUE C‑ 472/16, parágrafo 32 e C- 675/21, parágrafo 53).

78. Pelo que, tendo-se provado que a segunda empresa não ficou com nenhum dos trabalhadores da primeira empresa que se encontravam afectos ao serviço em causa, isso aponta para a falta de identidade da entidade económica em causa, uma vez que se trata do sector terciário da vigilância (cf. factos provados 47 a 50).

79. O TJUE já declarou, num processo comparável, em que cabia à equipa de vigilância das instalações do cliente proceder à abertura e fecho das instalações, ao registo de movimento de pessoas e viaturas, à operação e controlo do sistema de videovigilância e do sistema de alarme, disponibilizados pelo cliente, bem como efetuar rondas noturnas, que a actividade de vigilância assentava essencialmente na mão de obra e não nos equipamentos (cf. acórdão do TJUE C-675/21, parágrafos 9, 53 e 58).

80. Adicionalmente, o TJUE esclareceu, porém, que pode haver transmissão de empresa num processo em que está em causa o sector da actividade de vigilância, se os equipamentos, com exclusão das instalações objecto da vigilância, disponibilizados pelo cliente à primeira empresa e retomados pela segunda empresa (eg. pelo valor do investimento que representam e/ou pelo seu grau de importância relativamente aos restantes factores de produção e/ou pelo modo como está organizado o conjunto dos factores de produção), forem considerados indispensáveis ao desempenho da prestação de serviços de vigilância no caso concreto; isto, desde que tais equipamentos sejam efectivamente usados pela empresa anterior, ainda que pertençam ao cliente, e que sejam retomados pela segunda empresa; nesse caso, mesmo que não seja retomado nenhum elemento da mão de obra, pode existir transmissão de empresa, cabendo ao Tribunal nacional apreciar se essa operação deve ser considerada uma transmissão de empresa e devendo apurar, para esse efeito, todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação – cf. acórdão do TJUE C-200/16, parágrafos 31 a 34  a seguir transcritos:

“31 Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz das considerações precedentes e tendo em conta todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa no processo principal, se esta deve ser considerada uma transferência de empresa, na aceção da Diretiva 2001/23.

32 Para este efeito, terá, nomeadamente, de verificar se a ICTS transmitiu à Securitas, direta ou indiretamente, equipamentos ou elementos corpóreos ou incorpóreos, para exercer a atividade de vigilância e de segurança nas instalações em causa.

33 Além disso, o referido órgão jurisdicional deverá verificar se esses elementos foram postos à disposição da ICTS e da Securitas pela Portos dos Açores. A este respeito, há que recordar que a circunstância de os elementos corpóreos indispensáveis ao exercício da atividade em causa no processo principal e retomados pelo novo empresário não pertencerem ao seu antecessor, mas terem sido simplesmente disponibilizados pelo contratante, não pode levar a excluir a existência de uma transferência de empresa ou de estabelecimento na aceção da Diretiva 2001/23 (acórdão de 26 de novembro de 2015, Aira Pascual e Algeposa Terminales Ferroviarios, C‑509/14, EU:C:2015:781, n.ºs 38 e 39). Contudo, só os equipamentos que são efetivamente utilizados para prestar os serviços de vigilância, com exclusão das instalações que são objeto desses serviços, devem, se for caso disso, ser tomados em consideração para determinar a existência de uma transferência de uma entidade com manutenção da sua identidade, na aceção da Diretiva 2001/23 (acórdão de 29 de julho de 2010, UGT‑FSP, C‑151/09, EU:C:2010:452, n.° 31).

34 Atendendo às considerações que precedem, há que responder às duas primeiras questões que o artigo 1.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que está abrangida pelo conceito de «transferência […] de uma empresa [ou de um] estabelecimento», na aceção desta disposição, uma situação em que um contratante resolveu o contrato de prestação de serviços de vigilância e de segurança das suas instalações celebrado com uma empresa e, em seguida, para a execução dessa prestação, celebrou um novo contrato com outra empresa, que recusa integrar os trabalhadores da primeira, quando os equipamentos indispensáveis ao exercício da referida prestação foram retomados pela segunda empresa.”
81. De acordo com a jurisprudência do TJUE cabe, em definitivo, ao Tribunal nacional apreciar se, no momento da operação (do início da execução do contrato de adjudicação do serviço à segunda empresa) se manteve a identidade da unidade económica transmitida tendo em conta as circunstâncias apuradas (cf. C-675/21, parágrafo 59).

82. Neste contexto, o Tribunal de primeira instância incluiu no elenco dos factos provados a conclusão de que, sem os equipamentos não era possível realizar a prestação aqui em questão, decidindo, por isso, na análise de direito, que houve transmissão de empresa apesar de a segunda empresa não ter retomado nenhum elemento da mão de obra da primeira empresa. A recorrente, segunda empresa, discorda. O Tribunal da Relação julgou que a conclusão sobre o caracter indispensável dos equipamentos que constava da anterior redacção do facto provado 37 não é um facto mas antes uma conclusão que deve ter por base os factos apurados pelo Tribunal com relevo para apreciar o caracter indispensável dos activos e, por isso, alterou a redacção do facto provado 37, eliminando essa conclusão do elenco dos factos, provados ou não provados, como já foi explicado na análise da questão A.

83. Importa assim, apreciar todos os factos provados que caracterizam a operação para decidir se o equipamento em causa era indispensável, caso em que se mantém a identidade da entidade económica e pode haver transmissão de empresa.

84. Antes de mais, afigura-se que impendia sobre a primeira ré, recorrida, o ónus da prova dos factos dos quais resulta que os equipamentos usados eram indispensáveis à actividade de vigilância neste caso concreto (cf. artigo 342.º do CC). Ora, no que respeita ao valor do investimento nesse factor de produção, não existe prova que permita saber qual foi o valor do investimento feito no equipamento disponibilizado pelo cliente à primeira empresa e que continuou a ser disponibilizado à segunda empresa.

85. Dito isto, o Tribunal levará então em conta os restantes factos, disponíveis nos autos, que caracterizam a operação, em particular, as dimensões do local a vigiar, as características do equipamento disponibilizado pelo cliente, a mão de obra e o modo como estavam organizados os factores de produção, a fim de determinar se o equipamento em causa era indispensável à vigilância do hospital.

86. Relativamente às dimensões do local a vigiar, provou-se que as instalações do hospital estão distribuídas por quatro edificados, dois no núcleo principal, um em Massamá e outro em Mem-Martins; a área a vigiar é composta por um terreno com uma área aproximada de 17,6Ha, tendo o edifício principal, a área de construção de 67.400m2, o edifício industrial, a área de construção de 4.180m2, o SUB (Serviço de Urgência Básico) de Mem-Martins, a área útil de 622,7m2 e a Unidade de Psiquiatria de Massamá, a área 376,52m2 (cf. facto provado 37).

87. O equipamento disponibilizado pelo cliente, era o seguinte: central de controlo existente no edifício do Hospital e respectivo sistema de videovigilância (CCTV), composto por, aproximadamente, 40 câmaras, operado e monitorizado pelos vigilantes, que assegurava a videovigilância em todo o edifício principal do Hospital; uma portaria no Serviço de Urgência básica de Mem Martins, onde se encontra instalado o sistema de CCTV, monitorizado pelos vigilantes, que assegurava a videovigilância daquele serviço de urgência básica; uma central de detecção de incêndio e respectivos capacetes e equipamento de primeiros-socorros; gestão e tratamento por parte de pessoal vigilante do sistema de alarmes, sistema de intrusão e roubo, ligados à central de controlo da unidade principal através da qual os vigilantes no terreno se deslocavam para verificar e garantir que não existia nenhum acesso indevido; utilização de um telemóvel, com extensão interna e ligação directa, da pertença do cliente (cf. facto provado 15).

88. No que respeita à mão de obra, a mesma consistia numa equipa composta por cerca de 40 a 50 vigilantes, que prestavam serviço por turnos, distribuídos por 11 postos de trabalho, mediante a afectação de um supervisor/coordenador e de chefes de grupo, todos com conhecimentos e competências indispensáveis à prestação desses serviços ao cliente (cf. factos provados 15, 16, 33 e 34).

89. Quanto à organização dos factores de produção, a mesma consistia na organização, com caracter permanente, de uma equipa composta por cerca de 40 a 50 vigilantes, com conhecimentos e competências indispensáveis à prestação desses serviços ao cliente, que executava, de forma duradoura e estável, as seguintes tarefas: a vigilância humana, que incluía a gestão e monitorização dos sistemas de videovigilância, de prevenção de incêndio e de alarme e o uso de um telemóvel com extensão interna, disponibilizados pelo cliente, para permitir aos vigilantes prevenir o acesso a áreas de acesso restrito ou reagir a anomalias ou decidir deslocar-se a um local se necessário; a abertura e o fecho das instalações; o encaminhamento dos utentes para os diversos serviços existentes; a realização de rondas pelas instalações. Para exercer essa actividade, a equipa de vigilantes da primeira empresa, recorrida, tinha formação profissional e conhecimentos específicos (cf. factos provados 15, 16, 33 e 34).

90. Feita esta análise, é forçoso reconhecer que não é isenta de dificuldades a apreciação do caracter indispensável dos equipamentos.

91. Assim, ponderado o conjunto dos factores de produção acima mencionados e o modo como estavam organizados, afigura-se que, não obstante a dimensão do local a vigiar, a actividade de vigilância do hospital aqui em questão não assentava essencialmente nos activos utilizados (equipamentos disponibilizados pelo cliente), mas antes na mão de obra. Com efeito, a actividade de vigilância, tal como estava organizada pela primeira empresa, assentava essencialmente numa equipa de trabalhadores, que executava, de forma duradoura e estável, a vigilância humana; dessa actividade humana faziam parte a gestão e supervisão dos sistemas de videovigilância, alarme, prevenção de incêndio, ligados a uma central e o uso de um telemóvel dotado de extensão interna para comunicação. A gestão desse equipamento era feita pelos vigilantes e facilitava a sua actividade. Porém, tendo em conta que uma parte essencial da actividade desenvolvida pelos elementos da equipa consistia na abertura e fecho das instalações, no encaminhamento dos utentes para os diversos serviços existentes e na realização de rondas pelas instalações, o Tribunal conclui que o uso do equipamento disponibilizado pelo cliente, cuja gestão também exigia actividade humana, não era indispensável ao exercício da actividade de vigilância; com efeito, ainda que faltasse esse equipamento, a equipa de trabalhadores conseguiria executar o essencial das tarefas de vigilância do local, que consistiam em abrir e fechar as instalações, encaminhar os utentes para os diversos serviços e deslocar-se para fazer rondas no local vigiado.

92. Motivos pelos quais, na falta de prova de que o valor do investimento feito no equipamento disponibilizado pelo cliente superava o valor do investimento feito na mão de obra, se afigura que os activos (equipamentos) utilizados na actividade de vigilância aqui em causa não tinham um peso de tal modo significativo na actividade concreta desenvolvida, que permita concluir que eram indispensáveis para a prestação do serviço.

93. Com efeito, dos factos acima analisados resulta que a identidade da entidade económica explorada pela primeira empresa assentava essencialmente na mão de obra, ou seja, numa equipa organizada, com formação profissional e com conhecimentos específicos para exercer as tarefas de vigilância de modo estável. Assim, não tendo a segunda empresa, recorrente, integrado nenhum dos trabalhadores da primeira empresa, nem se tendo apurado que recebeu bens corpóreos ou incorpóreos da primeira empresa, não se manteve a identidade da entidade económica em causa.

94. Em consequência, não existiu transmissão de empresa, uma vez que não se verifica uma das condições para que exista essa transmissão, a saber a manutenção da identidade da entidade económica transmitida. Pelo que, procede este segmento da argumentação da recorrente.

95. Por fim, convém clarificar que, não tendo havido transmissão de empresa, fica prejudicada a apreciação das seguintes questões: saber se a intenção manifestada pela segunda empresa (na fase que antecedeu o início da execução do contrato público pelo qual lhe foi adjudicado o serviço), de recusar reconhecer a antiguidade do autor caso viesse a contratá-lo, envolvia uma mudança substancial nas condições de trabalho que poderia levar a que o trabalhador pusesse termo ao contrato, responsabilizando a segunda empresa, nos termos do direito nacional (cf. artigo 394.º do CT), interpretado à luz do artigo 4.º n.º 2 da Directiva 2001/23 (cf. acórdão do Tribunal de Justiça C-399/96); saber se o autor denunciou o contrato de trabalho com a segunda empresa, recorrente (cf. artigo 400.º do CT); saber se existiu responsabilidade solidária das empresas cedente e cessionária, pelo pagamento dos créditos do trabalhador, incluindo o subsídio de Natal, vencidos até à data em que cessou o contrato de prestação de serviços da primeira empresa, nos termos do artigo 285.º n.º 6 do CT; saber se a transmissão infringe os artigos 47.º e 61.º da Constituição da República Portuguesa; saber se foi diminuto o grau de ilicitude do despedimento imputável à segunda empresa, recorrente. É que, tendo o Tribunal julgado que não existe transmissão de empresa, torna-se inútil apreciar tais questões, por não terem relevo para a decisão de mérito.


C. Responsabilidade pelo despedimento ilícito

96. Na petição inicial o autor invoca o despedimento ilícito (cf. referencia citius 19945809 de 24.1.2021), como fundamento da presente acção (cf. referencia citius 19945809 de 24.1.2021).

97. Resulta da análise da questão que antecede, que a segunda empresa, recorrente, tem razão quando alega que a posição contratual de empregadora não se lhe transmitiu, não lhe sendo, por isso, imputável o despedimento ilícito do autor.

98. O despedimento ilícito do autor foi da iniciativa da primeira empresa, recorrida, que manteve a posição de empregadora.

99. Com efeito, resulta dos factos provados 43, 47, e 48 a 50 que, após a adjudicação do serviço de vigilância à segunda empresa (recorrente), a primeira empresa (recorrida), qualificou a operação como transmissão de empresa prevista no artigo 285.º do CT e opôs-se à prestação efectiva de trabalho por parte do autor na empresa recorrida (cf. artigo 129.º n.º 1 – b) do CT), comunicando-lhe, por carta que o autor recebeu em 22.10.2020, que este passaria a trabalhar para a recorrente, segunda empresa, a partir de 1.11.2020. A primeira empresa, recorrida, reiterou essa intenção por carta datada de 9.11.2020, apesar de o autor ter manifestado a sua discordância com a transmissão da posição contratual da empregadora, por carta datada de 30.10.2020, em que declarou a sua oposição à transmissão.

100. A esse propósito, convém recordar que o Tribunal não está sujeito à qualificação jurídica dada pelas partes aos factos apurados (cf. artigo 5.º n.º 3 do CPC, ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT) e que, pelos motivos acima explicados na análise da questão B, não houve transmissão de empresa.

101. Desse modo, o que resulta dos factos provados 43, 47 e 48 a 50 é que a primeira empresa, recorrida, despediu de forma liminar o autor a partir de 1.11.2020, faltando o processo legalmente exigido para a efectivação do despedimento – artigo 381 – c) do CT (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, parte II, 9.ª edição, Almedina, página 1012).

102. Em tais circunstâncias, o despedimento da iniciativa da empregadora, a primeira empresa, recorrida, foi ilícito por ser formalmente inválido. Ou seja, tal despedimento não observou as exigências processuais previstas no artigo 381.º- c) do CT. A consequência da ilicitude do despedimento é a ineficácia jurídica (cf. artigo 389.º do CT) mas o trabalhador pode optar pela indemnização em substituição da reintegração (cf. artigo 391.º do CT), como sucedeu no caso em análise em que o autor, na petição inicial, pediu a indemnização em substituição da reintegração (cf. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina, páginas 696, 703 e 716).

103. Sobre esta questão, porém, a primeira empresa, recorrida, defende que, por carta de 11.12.2020, enviada pelo autor à recorrida (facto provado 48), o autor resolveu o contrato e, portanto, sendo superveniente a resolução, a mesma reflecte-se no cálculo da compensação e da indemnização devidas ao autor. Esta alegação suscita o problema de saber qual o regime a aplicar ao termo do contrato de trabalho do autor: o regime do despedimento ilícito, previsto nos artigos 389.º a 391.º do CT; ou o regime da resolução do contrato pelo trabalhador, previsto no artigo 394.º do CT, uma vez que o trabalhador na carta de 11.12.2020 alude a “resolução” e “demissão”, alegando justa causa subjectiva, culposa, imputável à empregadora, pelo facto de não o ter integrado ao seu serviço.

104. Na prática, isso acarreta uma diferença no cálculo das quantias devidas ao autor, que, no caso de despedimento ilícito são determinadas nos termos dos artigos 389.º a 392.º do CT, sendo incluído, no cálculo da indemnização em substituição da reintegração, o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, ao passo que, no caso de o regime aplicável ser o da resolução do contrato pelo trabalhador, a indemnização ou compensação devida ao trabalhador é determinada nos termos do artigo 396.º do CT e compreende apenas o tempo decorrido até à resolução, que opera imediatamente.

105. Para solucionar este problema o Tribunal leva em conta o carácter receptício da declaração de despedimento ilícito, que deve ser conjugado com a natureza de ordem pública social do regime aplicável ao despedimento ilícito e com o caracter inderrogável desse regime, nos termos a seguir explicados.

106. Com efeito, o despedimento é uma declaração receptícia, conforme prevê o artigo 357.º n.º 7 do CT, aplicável ao despedimento por facto imputável ao trabalhador. Ora, o artigo 357.º n.º 7 do CT consagra o princípio geral que resulta do artigo 224.º do CC, aplicável às demais modalidades de despedimento. Assim, a decisão de despedimento da primeira ré, recorrida, determinou a cessação do contrato de trabalho logo que chegou ao poder do autor, trabalhador. Em consequência, tendo cessado o contrato de trabalho por despedimento ilícito (cf. artigo 381.º - c) do CT), em 31.10.2020 (cf. factos provados, mencionados no parágrafo 99), ficam prejudicados os efeitos da comunicação posterior do trabalhador que, com base nos mesmos factos, invoca justa causa de resolução do contrato (cf. artigo 129.º n.º 1 – b) e 394.º n.º 2 – b) do CT).

107. A solução acima mencionada no parágrafo 106 resulta igualmente do regime aplicável ao despedimento ilícito; na verdade, tal regime pertence ao domínio da ordem pública social (cf. artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa) e é inderrogável (cf. artigo 339.º do CT), como se extrai da seguinte doutrina (Cf. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina, páginas 702 a 703 e 712):

“Na realidade, o regime legal do despedimento sem justa causa ou sem observância das exigências processuais respectivas reflecte a qualificação implícita de acto inválido, logo juridicamente ineficaz. Mas a lei não utiliza nenhum destes rótulos.
(...) “Ilicitude” é mais do que “ilegalidade”, é “antijuridicidade” – é contradição, não apenas com as normas, mas com valores ou bens jurídicos fundamentais para a ordem jurídica.
Estes bens jurídicos fundamentais estão reflectidos no art.º 53.º da Constituição na “garantia da segurança no emprego”, na proibição dos despedimentos sem justa causa.
(...)
“Por isso se deve, segundo supomos, entender que esse regime pertence ao domínio da ordem pública social. A afirmação do carácter inderrogável dos art.ºs 389.º a 392.º do Código do Trabalho tem assim, duplo suporte: a regra de inderrogabilidade contida no art.º 339.º - e o art.º 53.º da Constituição.”

108. Ainda que assim não fosse, quod non, tendo a primeira ré, recorrida, contribuído com a informação errónea que enviou ao autor sobre a existência de transmissão de empresa, para a incerteza do autor quanto ao regime jurídico aplicável à cessação do seu contrato e ao critério para o determinar (contrariamente ao que estabelecem os artigos 106.º  n.º 3– g) e 109.º do CT), não pode agora, sem incorrer em abuso do direito, prevalecer-se de uma situação de incerteza e erro que ela mesma provocou, para invocar a aplicação do regime da resolução do contrato, em derrogação à aplicação do regime do despedimento ilícito (cf. artigo 334.º do CC).

109. Motivos pelos quais, improcede este segmento da argumentação da primeira empresa, recorrida e deve ser aplicado o regime do despedimento ilícito, pelo qual o autor optou no pedido principal formulado na presente acção. Em consequência, o autor (trabalhador) tem direito a receber a indemnização pelos danos causados pelo despedimento ilícito e as demais quantias fixadas na sentença recorrida em conformidade com o regime previsto nos artigos 389.º a 391.º do CT.

110. No que respeita às quantias fixadas pela sentença recorrida, convém sublinhar que, no presente recurso o autor não contra-alegou nem impugnou, portanto, os valores indemnizatórios e dos créditos que lhe são devidos pela cessação do contrato de trabalho, fixados pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.

111. Porém, a entidade empregadora, a primeira empresa, aqui recorrida, defende que a insegurança jurídica em torno da noção de transmissão da empresa é um factor que diminui a ilicitude e deve ser levado em conta na fixação da indemnização devida pelo despedimento; valendo essa argumentação tanto para a empresa recorrente como para a empresa recorrida, caso esta venha a ser condenada.

112. Para fixar o grau de ilicitude o legislador manda atender ao “grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º” do CT – cf. artigo 391.º n.º 1 do CT. Assim sendo, no presente caso verifica-se um desses factores, a saber, o despedimento não foi precedido do respectivo procedimento (cf. artigo 381.º - c) do CT). Pelos motivos já acima mencionados, o despedimento ilícito é um factor que aponta para um grau de ilicitude elevado do despedimento, atenta a consagração constitucional da proibição dos despedimentos sem justa causa e a garantia da segurança no emprego (cf. artigo 53.º da CRP).

113. Dito isto, ainda que o Tribunal, para determinar o grau de ilicitude, pudesse levar em conta outros factores disponíveis nos autos, além dos que são admitidos pelo artigo 381.º do CT, quod non, deles não resulta um grau de ilicitude inferior ao que foi fixado na sentença da primeira instância.  É certo que a interpretação da Directiva 2001/23 e do artigo 285.º do CT que a transpõe, tem suscitado várias dúvidas, com a consequente incerteza jurídica para os operadores económicos e para os trabalhadores envolvidos (cf. jurisprudência acima mencionada neste acórdão). No entanto, ainda que se admitisse, por hipótese de trabalho, que essa circunstância poderia ser incluída entre os factores elencados, ou para os quais remete, o artigo 381.º do CT, o grau de ilicitude, que neste caso concreto é elevado, pelos motivos acima indicados no parágrafo 112, passaria a ser médio. Ora, tendo a sentença recorrida levado em conta um grau de ilicitude médio, não existe fundamento para alterar essa apreciação, improcedendo, assim, este segmento da argumentação da primeira empresa, recorrida.

114. Com efeito, não há motivo para alterar o valor da indemnização em substituição da reintegração, fixado pela sentença recorrida, que, embora referindo-se à segunda empresa, recorrente,  levou em conta um grau médio de ilicitude e os demais critérios relevantes, que se mantêm, como se segue: “Assim, ponderando o valor da retribuição-base (796,19€) e a ilicitude do despedimento, que se considera em grau apenas médio, tendo em conta a duração do exercício contratual, entende-se fixar a indemnização em 25 dias de retribuição-base por cada ano completo ou fracção de antiguidade até ao trânsito em julgado da presente decisão.

115. Em consequência, procede o recurso e a sentença recorrida deve ser parcialmente revogada e substituída por outra que declare o despedimento ilícito do autor imputável à primeira empresa, recorrida, absolva a segunda empresa, recorrente, do pedido e condene a primeira empresa, recorrida, no pagamento ao autor das quantias fixadas pela sentença recorrida a seguir transcritas, que nessa parte se mantêm inalteradas:

“1. A título de indemnização em substituição da reintegração, de uma indemnização fixada em 25 dias de retribuição-base (de 796,19€) por cada ano completo ou fracção de antiguidade, até ao trânsito em julgado da sentença, não podendo, contudo, ser inferior ao valor correspondente a três meses de retribuição, tendo a quantia de capital por limite os pedidos 10.500€, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano (ou outra que vier a vigorar como taxa supletiva legal) desde esta data até efectivo e integral pagamento;
2. A quantia de 2.246,06€, acrescida de juros de mora vencidos sobre o montante de capital, desde a data do respectivo vencimento até integral e efectivo pagamento, à referida taxa supletiva legal de 4%.”



D. Oposição


116. Tal como já foi explicado na análise da questão B, não houve transmissão de empresa, pelo que fica prejudicada a apreciação da questão de saber se a oposição à transmissão foi validamente exercida pelo autor, à luz do disposto no artigo 286.º A do CT. Assim como fica prejudicada a questão de saber quais as consequências do alegado incumprimento do artigo 286.º do CT.


E. Reenvio prejudicial

117. A primeira empresa, recorrida, suscitou o reenvio prejudicial ao TJUE, na hipótese de o Tribunal ter dúvidas quanto à resposta a dar a duas questões que se prendem com a interpretação do artigo 1.º n.º 1 da Directiva 2001/23, alegando que, se dúvidas houver a esse respeito, uma vez que o Tribunal da Relação decide em última instância por força do disposto no artigo 629.º n.º 1 do CPC, o reenvio é obrigatório.

118. Importa recordar as questões que a recorrida sugere que sejam colocadas ao TJUE:
 
“1. Ao abrigo do nº 1 do art.º 1º da Diretiva 2001/23/CE na atividade de prestação de serviços de vigilância a identidade da entidade económica mantem-se – e há transmissão – quando o novo prestador de serviços, apesar de não retomar, ou de não querer retomar, o essencial dos efetivos, em termos de número e de competências, se verifique no caso a transmissão para a nova prestadora de bens corpóreos necessários e imprescindíveis para a continuidade desses serviços?

2. Para que tais bens corpóreos/equipamentos para a continuidade desses serviços sejam relevantes para caracterização de uma unidade económica, para além de necessários, tem de se verificar uma transmissão direta dos mesmos entre as empresas prestadoras do serviço, ou o que o releva é a sua necessidade ou imprescindibilidade para a organização e prestação dos serviços, independentemente dos provirem do anterior prestador do serviço ou do próprio cliente (que os disponibiliza e mantem para o exercício da atividade)?


119. Resulta do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) que, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a validade e a interpretação de uma norma constante (neste caso) de uma directiva e que, sempre que uma questão dessa natureza seja suscitada perante um Tribunal nacional, esse Tribunal, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pode pedir ao TJUE que sobre ela se pronuncie e deve fazê-lo quando decida em última instância.

120. As questões suscitadas pela primeira empresa, recorrida, mencionadas no parágrafo 119 estão cobertas pelo âmbito da competência do TJUE (cf. artigo 267.º b) do TFUE). Atendendo ao valor da sucumbência mencionado supra no parágrafo 115, o Tribunal da Relação decide em última instância (cf. artigos 629.º n.º 1 do CPC e 34.º da Lei 62/20013 de 26 de Agosto).

121. Importa, assim, ponderar se uma decisão do TJUE sobre as questões enunciadas no parágrafo 119 é necessária para o julgamento da presente causa, por ser esse também um dos requisitos previstos no artigo 267.º do TFUE para que o reenvio tenha lugar.

122. Para isso, o Tribunal começa por levar em conta a natureza do reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do TFUE. O reenvio prejudicial é o primeiro e principal mecanismo de cooperação judiciária da União Europeia. A intervenção do TJUE, interrogado pelo Tribunal nacional, constitui assim um incidente no processo principal, não sendo o processo decidido pelo TJUE, mas contribuindo este para a solução a encontrar. À luz do disposto no artigo 267.º do TFUE, o reenvio é um direito das jurisdições nacionais e pode ser uma obrigação para elas quando o Tribunal nacional estatui em última instância. Isso não significa, porém, que o Tribunal nacional, ainda que decida em última instância, como é o caso, não conserve uma certa margem de apreciação sobre a pertinência do pedido de reenvio e não possa recusá-lo nos casos em que ele é dilatório ou não existe uma dúvida séria ou uma dificuldade real e pertinente para a solução da causa, a propósito da interpretação de uma norma do direito da União. Em particular, se o sentido da norma é claro (teoria do acto claro) o Tribunal nacional pode aplicá-la imediatamente (cf. Guy Isaac, Marc Blanquet, Droit général de l´Union européenne, 9 édition, Sirey Université, páginas 439 e 454).

123. Em segundo lugar, convém também levar em conta que, não obstante a margem de apreciação mencionada no parágrafo anterior, de que gozam os Tribunais nacionais mesmo que decidam em última instância, cabe ao TJUE definir os limites dessa margem de apreciação. Pelo que, o Tribunal da Relação leva em conta, na ponderação que se segue, os seguintes critérios de aplicação da teoria do acto claro e/ou que limitam a sua margem de apreciação, fixados pelo TJUE (cf. acórdão C-561/19, cuja parte decisória é a seguir citada):

“O artigo 267.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são suscetíveis de recurso jurisdicional de direito interno deve cumprir a sua obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à interpretação do direito da União perante si suscitada, a menos que constate que essa questão não é pertinente ou que a disposição do direito da União em causa já foi objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a interpretação correta do direito da União se impõe com tal evidência que não dá lugar a nenhuma dúvida razoável.

A existência dessa eventualidade deve ser avaliada em função das características próprias do direito da União, das dificuldades particulares que a sua interpretação apresenta e do risco de divergências jurisprudenciais na União.

Esse órgão jurisdicional não pode ser dispensado da referida obrigação pelo simples facto de já ter submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial no âmbito do mesmo processo nacional. No entanto, pode abster‑se de submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça por razões de inadmissibilidade próprias do processo nesse órgão jurisdicional, sob reserva do respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade.

124. À luz dos critérios indicados no parágrafo anterior, importa agora considerar que:

. No que respeita ao âmbito de aplicação da Directiva 2001/23, a divergência entre as duas empresas demandadas na presente acção respeita à existência ou não de transmissão de empresa, na sequência da adjudicação sucessiva, a cada uma delas, da prestação de serviços de vigilância de um hospital, no âmbito de contratos públicos;
. Dos requisitos da transmissão de empresa que devem verificar-se, aquele que é litigioso entre as duas empresas, consiste em saber se se manteve ou não a identidade da entidade económica no momento da operação;
. A principal dificuldade com que o Tribunal da Relação se deparou para resolver essa questão resultou da apreciação das circunstâncias de facto que caracterizam a operação, em particular, as necessárias para saber se o equipamento disponibilizado pelo cliente era ou não indispensável para a actividade de vigilância, neste caso concreto;
. Resulta de uma jurisprudência constante do TJUE, reafirmada no acórdão C-675/21, parágrafo 59, que cabe, em definitivo ao Tribunal nacional, com base em todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação e que o Tribunal nacional deve apurar, apreciar se, no momento da operação, se manteve a identidade da unidade económica transmitida;
. O TJUE já respondeu afirmativamente à primeira questão suscitada pela recorrida (acima enunciada no parágrafo 119), nos acórdãos C-200/16, parágrafo 34 e C-675/21, parágrafo 60;
. O TJUE também já respondeu à segunda questão suscitada pela recorrida (acima enunciada no paragrafo 119), nos acórdãos do C-200/16, parágrafos 31 a 34 e C-675/21, parágrafo 45;
. Tais respostas do TJUE foram dadas em processos comparáveis, em que estava em causa a actividade de vigilância com recurso a mão de obra e a certos equipamentos de videovigilância (CCTV) e/ou alarme e prevenção de incêndio), em reenvios prejudiciais feitos pelo  Supremo Tribunal de Justiça de Portugal (STJ), no âmbito da mesma legislação, a saber, o artigo 1.º n.º 1 da Directiva 2001/23 e o artigo 285.º n.º 1 do CT, que transpôs aquele preceito da directiva para o plano interno e que, no que aqui releva, se manteve inalterado;
. Não obstante tais pedidos de reenvio prejudicial revelarem a existência de dificuldades particulares em torno da interpretação do artigo 1.º n.º 1 da Directiva 2001/23, não se afigura que, depois das respostas dadas pelo TJUE, exista, no caso concreto em análise, risco de interpretação divergente por parte deste Tribunal, como resulta da análise feita supra nos parágrafos 56 a 93 do presente acórdão.

125. Assim, à luz dos critérios acima mencionados, fixados pelo TJUE no acórdão C-591/19, tendo em conta que, apesar das dificuldades que tem suscitado,  o artigo 1.º n.º 1 da Directiva 2001/23 já foi objecto de interpretação pelo TJUE em inúmeros reenvios citados ao longo deste acórdão, incluindo em processos comparáveis, que o TJUE, nesses processos, já respondeu às mesmas questões suscitadas pela recorrida no presente recurso, que a interpretação feita pelo Tribunal da Relação, no presente recurso, não diverge da que foi feita pelo TJUE, como resulta dos parágrafos 56 a 93 e corresponde à que a recorrida defendeu nas contra alegações, e que, a solução da questão litigiosa que aqui está em causa, depende essencialmente da apreciação das circunstâncias de facto que caracterizam a operação para saber se o equipamento era ou não indispensável à actividade exercida, apreciação essa que o TJUE já declarou que cabe ao Tribunal nacional fazer, afigura-se não ser de ordenar o reenvio já que, ponderados os factores acima enunciados, não se mostra necessário à decisão da causa que o TJUE responda novamente às questões acima enunciadas no parágrafo 119.

126. Uma vez que é indeferido o incidente de reenvio prejudicial, não é necessário ouvir a contraparte sobre o seu objecto (cf. artigo 201.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º n.º 1 – a) do CPT).

Em síntese

127. Procede parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por via do recurso e da ampliação do recurso, sendo alterada a redacção dos factos provados 34 e 37, nos termos acima mencionados.

128. A actividade terciária de vigilância de um hospital, aqui em causa, assenta essencialmente na mão de obra, uma vez que é a organização estável de uma equipa com conhecimentos específicos para prestar o serviço de vigilância, que está na base da identidade dessa entidade económica. Nesse caso, se houver adjudicação sucessiva a duas empresas, do contrato de prestação de serviço de vigilância, não sendo retomada a mão de obra, não há transmissão de empresa por não se manter a identidade dessa entidade económica. Ainda que seja usado algum equipamento disponibilizado pelo cliente a cada uma das empresas às quais foi, sucessivamente, adjudicado o contrato de prestação de serviços, tal equipamento só assume importância para definir a identidade da entidade económica em questão, se resultar dos factos provados que é indispensável à realização da prestação desse serviço, caso em que, pode existir transmissão de empresa, mesmo que não seja retomada a mão de obra pela segunda empresa e que não exista nenhum vínculo contratual entre a primeira e a segunda empresa.

129. No presente caso, não tendo a segunda empresa, recorrente, retomado nenhum dos trabalhadores que a primeira empresa, recorrida, afectava à prestação dos serviços de vigilância ao cliente e não sendo o equipamento (eg. sistemas de videovigilância, alarme e detecção de incêndio e um telemóvel dotado de extensão interna) disponibilizado pelo cliente, primeiro à recorrida e depois à recorrente, indispensável à realização dessa prestação, não se manteve a identidade da entidade económica, que é uma das condições que tem de verificar-se para que exista transmissão de empresa.

130. Pelo que, não existiu transmissão de empresa à luz do disposto no artigo 285.º do CT, não tendo sido transmitida para a segunda empresa, recorrente, a posição contratual de empregadora do autor.

131. A primeira empresa, recorrida, manteve a posição de empregadora do autor. Ao comunicar ao autor que já não era sua entidade patronal, a recorrida recusou continuar a integrá-lo como seu trabalhador e, por isso, despediu-o ilicitamente uma vez que faltou o processo legalmente exigido para a efectivação do despedimento – artigo 381 – c) do CT.

132. Em consequência do despedimento ilícito, a primeira empresa, recorrida, é condenada a pagar ao autor as quantias fixadas pela sentença recorrida, que se mantêm inalteradas.

133. Como foi indicado na análise da questão E, a questão determinante para a solução de mérito, que convoca a aplicação do regime previsto na Directiva 2001/23, prende-se com a apreciação dos factos que caracterizam a operação e não com uma interpretação desse regime legal divergente daquela que consta das respostas já dadas pelo TJUE em casos comparáveis. Pelo que, o reenvio não se mostra necessário.

134. Procede o recurso, sendo a recorrente absolvida do pedido e no mais, alterada a decisão recorrida em conformidade com a apreciação feita no presente acórdão.


Custas

135. Atento o disposto no artigo 1.º n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais (RPC), a acção e o recurso são considerados processos autónomos para efeitos de condenação em custas.

136. Tendo em conta o princípio da causalidade consagrado no artigo 527.º n.º 2 do CPC, a ré e recorrente, Noite e Dia – Vigilância, Lda, foi integralmente vencedora na acção e no recurso e, por isso, não deve ser condenada em custas.

137. Tanto na acção como no recurso, ficaram parcialmente vencidos o autor e a ré Prosegur – Companhia de Segurança, Lda., independentemente de o autor não ter contra-alegado. Pelo que, resulta do disposto no artigo 527.º n.º 2 do CPC que deram causa às despesas da acção e do recurso, na proporção em que decaíram.

138. Beneficiando o autor do apoio judiciário na modalidade de dispensa de custas, não existe fundamento legal para o condenar em custas (cf. Salvador da Costa, As Custas Processuais, 9.ª Edição, Almedina, página 9). Isto, sem prejuízo de o reembolso das taxas de justiça pagas pela vencedora, pelo qual seja responsável o autor na proporção em que decaiu, ser suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, nos termos do artigo 26.º n.º 6 do RPC.

139. A ré Prosegur – Companhia de Segurança, Lda. deve ser condenada nas custas da acção e do recurso, na proporção em que decaiu.


Decisão
Acordam as Juízes desta secção em julgar procedente o recurso e, em conformidade:

I. Alterar a matéria de facto nos termos constantes do presente acórdão.

II. Revogar parcialmente a sentença recorrida substituindo-a por outra que julga a acção parcialmente procedente e:

(i) Declara a ilicitude do despedimento do autor, AA, da iniciativa da recorrida Prosegur – Companhia de Segurança, Lda.

(ii) Condena a recorrida Prosegur – Companhia de Segurança, Lda., a pagar ao autor as quantias constantes dos pontos 1 e 2 da parte decisória da sentença recorrida, acima transcrita no parágrafo 1 deste acórdão, acrescidos dos juros calculados nos termos aí previstos.

(iii) Absolve a recorrente Noite e Dia – Vigilância, Lda. do pedido.


III. Condenar a recorrida, Prosegur – Companhia de Segurança, Lda., nas custas da acção e do recurso, na proporção do decaimento – artigo 527.º n.º 2 do CPC

IV. Não condenar o autor nas custas da acção nem do recurso, na proporção em que decaiu, uma vez que beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça, sem prejuízo do disposto no artigo 26.º n.º 6 do RCP.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2024
Paula Pott
Maria Luzia Carvalho
Alda Martins