Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ALFREDO COSTA | ||
| Descritores: | ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO IMPUGNAÇÃO AMPLA DA MATÉRIA DE FACTO ACTOS SEXUAIS COM ADOLESCENTES ABUSO DA INEXPERIÊNCIA PROVA PERICIAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/03/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | – Erro notório: vício de natureza estritamente textual, não substitutivo da imediação, exigindo ilogicidade patente; “cópula” não reclama ejaculação e basta penetração, ainda que parcial; relatórios periciais inconclusivos não excluem essa possibilidade. – Impugnação ampla: ónus cumulativos de especificação (factos, meios e passagens temporais da gravação) vinculam o conhecimento pela Relação; remissões genéricas inviabilizam a apreciação e não são sanáveis por convite ao aperfeiçoamento (CPP 417.º, n.º 3). – Abuso da inexperiência (art. 173.º CP): conceito normativo, aferido globalmente por maturidade, condição psíquica, grau educacional e contexto; coabitação/ascendência e confiança densificam a vulnerabilidade, sendo irrelevante, por si, a referência a contracepção ou à “sociedade da informação”. – Perícia e livre apreciação: o juízo técnico (CPP 163.º) tem peso reforçado mas não tarifado; a decisão integra criticamente a prova pericial inconclusiva com a prova pessoal e circunstancial, sob os arts. 127.º e 374.º, n.º 2 CPP. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO 1. AA, arguido nos autos, foi condenado pelo Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, P. Delgada - JC Cível e Criminal - Juiz 1, na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão, pela prática de dois crimes de actos sexuais com adolescente (art. 173.º, n.º 2 CP). * 2. A parte decisória tem o seguinte teor: (transcrição): (…) A) Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, o Tribunal Coletivo decide: 1) Condenar o arguido AA, como autor material, na forma consumada e em concurso efetivo, de 2 (dois) crime de atos sexuais com adolescente p. e p. pelos arts. 13.º, 14.º n.º 1, 26.º, n.º 1 e 2 do artigo 173.º, todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão para cada um dos crimes. 2) Proceder, nos termos do artigo 77.º, n.º s 1 e 2 do Código Penal, ao cúmulo jurídico das penas parcelares impostas ao arguido AA, e condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão. 3) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, prevista no artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal no art. 69.º-B, n.º 2 do C.P. de 6 (seis) anos para cada um dos 2 (dois) crimes pelos quais o arguido vai condenado, e fazendo o cúmulo jurídico, fixar a pena única em 10 (dez) anos, 4) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, prevista no artigo 69.º-C, n.º 2 e 4, do Código Penal de 6 (seis) anos para cada um dos 2 (dois) crimes pelos quais o arguido vai condenado, e fazendo o cúmulo jurídico, fixar a pena única em 10 (dez) anos. 5) Condenar o arguido AA no pagamento da taxa de justiça que se fixa em 3 UC´S, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 513.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais. 6) Determinar a recolha de amostra de ADN ao arguido AA e subsequente inserção na base de dados prevista na Lei nº 5/2008, de 12 de fevereiro. B) Julgar procedente o pedido do Ministério Público de arbitramento de uma quantia a título de reparação pelos prejuízos e danos sofridos e, em consequência, condenar o arguido AA no pagamento a BB da quantia reparatória de € 5.000,00 (cinco mil euros), ao abrigo do disposto no art. 16.º, n.º 1 e 2 da Lei 130/2015, de 4.09. (…) * 1.3. O arguido AA interpôs recurso deste acórdão, tendo, para esse efeito, formulado as seguintes conclusões: (transcrição) (…) 1 – O Tribunal a quo deu como provado o ponto 7 da matéria de facto provada, essencialmente, com base no depoimento da testemunha BB, dizendo que tal testemunha/ofendida “descreveu então que depois da saída da sua irmão CC da residência manteve duas relações sexuais de cópula completa, com o arguido, contextualizando-as e descrevendo-as”, uma vez que a testemunha, DD, não presenciou qualquer acto sexual de relevo, conforme resulta da fundamentação de facto do Acórdão recorrido. 2 – Salvo o devido, que é muito, não andou bem o Tribunal a quo ao fixar tal matéria de facto como provada, não só porque a testemunha BB, em parte alguma das suas declarações prestadas para memória futura, no dia 24/05/2024, Audição: 20240524100317_12343350_2870239, cuja transcrição oficial se encontra junta aos autos, a fls. 258 a 285, com relevo de fls. 36 a 47, como também por tal facto ser contrário ao que resulta da prova pericial. 3 – Com relevo, consta das declarações dessa testemunha/ofendida, prestadas a 24/05/2024, em declarações para memória futura, gravado no sistema de som em uso no Tribunal, com início às 10:03 e fim às 10:39, e supra devidamente transcritas, e que aqui se são por integralmente reproduzidas o seguinte: 4 – Como se vê, e conforme melhor resulta dessas declarações, globalmente nada esclarecedoras, a testemunha BB, à pergunta do Meritíssimo Juiz de Instrução “pénis, isto pode ajudar a … a descrever o que aconteceu? Houve algum contacto entre a vagina e o pénis?, respondeu unicamente “sim”. A testemunha, no seu depoimento, nada disse, pois, sobre penetração, movimentos ou ejaculação. 5 – Não tendo a testemunha BB, em lado algum do seu depoimento, nem mesmo quando questionada directamente pelo Meritíssimo Juiz de Instrução, produzido em declarações para memória futura, referido factos de cópula completa, com introdução do pénis na vagina, e movimentos vai e vem, até ejacular, não poderá o Tribunal a quo dar tais factos como provados, existindo manifesto erro na apreciação da prova. 6 – Por outro lado, e ao contrário das conclusões que o Tribunal a quo deles retirou, os relatórios periciais juntos aos autos são claros quanto ao facto de não ter existido cópula ou acto sexual entre o arguido e testemunha/ofendida, com penetração e ejaculação. 7 – Do relatório pericial de criminalística biológica de fls. 59-68, com recolha e análise da roupa interior usada no próprio dia .../.../2023, dia da alegada prática dos factos em causa nos autos, mediante a entrega efectuada pela testemunha/ofendida (veja-se: auto de denúncia de fls. 6 e auto de diligência de fls. 41 e 42 e fls. 59), resulta de forma expressa que não foram detectados quaisquer vestígios de origem seminal. 8 – Do relatório pericial n.º 2023-002487.1, de fls. 130, resulta não ter sido identificado nas zaragatoas vaginal 1(c1) e vaginal 2 (c2) qualquer haplótipo do cromossoma Y. 9 – Do relatório pericial de clinica forense (preliminar), que consta de fls. 96 a 98, consta da pág. 4 desse relatório, na parte 2.4 – “hímen – permeabilidade: (…) não obstante, não evidenciou soluções de continuidade nem sangramento do hímen…”. – negrito nosso. Como é sabido, soluções de continuidade, em termos médicos, quer significar rompimento ou laceração do tecido do hímen que ocorrem na parte superior, entrada da vagina, como consequência da penetração. 10 – Assim, não existindo evidências de solução de continuidade – rompimento ou lacerações – nem sangramento do hímen, forçoso se torna concluir não ter existido penetração vaginal, nem movimentos de vai e vem, nem a consequente ejaculação. 11 – Também na página 5 desse relatório, no item vagina e colo do útero, resulta claro que não houve qualquer penetração, ao ai se referir que “do que foi possível visualizar do canal vaginal, não se objectivam soluções de continuidade ou sinais de infiltração sanguínea, nem leucorreia ou vestígios sugestivos de esperma.” – negrito nosso. 12 – Por tudo isso, consta do relatório de clinica forense final (a fls. 126 a 129), designadamente da discussão, ponto 2, pág. 6, que: - “ atendendo aos achados acima descritos e à dificuldade de examinada ao exame de espéculo, não é possível afirmar a ocorrência de cópula com penetração completa.” – negrito e sublinhado nosso. - “no entanto não é possível excluir a ocorrência de cópula com penetração parcial (por exemplo apenas a nível do introito vaginal) ou eventual manipulação digital (pela própria examinada ou por terceiros). – sublinhado nosso 13 – É a própria perita médica quem deixa indiciado que pode ter ocorrido eventual manipulação digital pela própria ofendida, atendendo ao desfasamento entre o declarado e o que resulta dos relatórios periciais, podendo o declarado pela testemunha corresponder a uma mera efabulação. 14 – Como da evidência se vê, os relatórios periciais demonstram a falta de acerto da decisão da matéria de facto do Tribunal a quo, na certeza que a testemunha/ofendida, em lado algum do seu depoimento, prestado nas declarações para memória futura, supra devidamente transcritas na concreta passagem sobre essa matéria, faz referência a ter existido cópula completa, com penetração (completa ou parcial). 15 – Assim, sendo a matéria de facto provada também contrária ao que resulta dos relatórios periciais, existe erro notório na apreciação da prova. 16 – Nesta conformidade, no que ao ponto 7 da matéria de facto do douto acórdão diz respeito, deve ser dado por provado somente que: 7 - Após, o Arguido e BB passaram a trocar mensagens (SMS), visando seduzir o arguido seduzir BB, dizendo-lhe que gostava de si e, nessa sequência, em meados de ... de 2023, quando a BB estava deitada na cama da EE, o Arguido puxou-a para a sua cama, despiu-lhe os calções e a roupa interior. 17 – Tal como no ponto 7 da matéria de facto provada, o Tribunal a quo deu como provado o ponto 9 da matéria de facto provada, essencialmente, também com base no depoimento da testemunha BB, uma vez que a testemunha DD não presenciou qualquer acto de natureza sexual. 18 – Por os elementos, razões e fundamentos da impugnação do ponto 9 da matéria de facto, serem em tudo idêntica aos da impugnação do ponto 7 da matéria de facto provada, designadamente o depoimento da testemunha/ofendida, BB, prestados em sede de declarações para memória futura, com destaque para as declarações de fls. 36 a 47, da transcrição das suas declarações a que corresponde o volume I, e supra transcritas na concreta passagem sobre essa matéria, a propósito do ponto 7, a que correspondem os minutos 22:35 a 29:08, e os relatórios periciais de fls. 59-68, 96-98 e 126-129, dão-se, também quanto ao ponto 9, tais elementos de prova e fundamentação aqui por integralmente reproduzidos, por uma questão de celeridade de análise e economia processual. 19 – Acresce dizer, no entanto, quanto à alegada segunda ocasião, não há sequer qualquer descrição pela testemunha quanto à natureza do acto sexual alegadamente praticado. 20 – Assim, também neste ponto, existe erro na apreciação da prova, erro que é notório, por ser contrário ao que resulta da prova pericial. 21 – Nesta conformidade, quanto ao ponto 9 da matéria de facto do douto Acórdão diz respeito, deve ser dado por provado somente que: 9 - No entanto, no dia seguinte, de manhã, o Arguido abeirou-se da BB. 22 – O tipo objectivo deste crime consiste na prática consensual de acto sexual de relevo (incluindo a cópula, o coito anal, o coito oral e a introdução vaginal ou anal de parte do corpo ou objecto) com menor entre 14 e 16 anos, com abuso da sua inexperiência. 23 – Assim, a prática consensual somente de contacto sexual com menor entre 14 e 16 anos não é criminalmente punível. 24 – Sendo procedente a impugnação da matéria de facto, como cremos, facilmente se conclui não ter o arguido praticado acto sexual de relevo, com introdução vaginal com parte do corpo, razão pela qual o arguido não poderia ter sido condenado nos termos do disposto do artigo 173.º, n.º 1 e 2, conforme decidiu o Tribunal a quo. 25 – Na verdade, dos factos provados, nos termos da impugnação da matéria de facto, resulta claro que o recorrente não praticou acto sexual de relevo consistente em cópula, razão pela qual não pode ser punido nos termos do n.º 2 do artigo 173.º do C. Penal. 26 – Como também não praticou qualquer acto sexual de relevo, não pode, por essa razão, ser punido nos termos do n.º 1, do artigo 173.º do C. Penal, devendo, pois, ser absolvido dos crimes de que foi acusado e condenado. 27 – Mesmo que assim não venha a entender, o que se admitindo em tese, não se concede, todo o modo, o arguido deve ser absolvido, por não ter praticado o crime pelo qual foi condenado, por não estar verificado o elemento correspondente ao abuso da inexperiência da ofendida. 28 – Analisado o douto acórdão recorrido, verifica-se que o Tribunal a quo, na fundamentação de direito não procedeu à análise da experiência, ou falta dela, da testemunha/ofendida, limitando-se a concluir que tal elemento estará preenchido, ao que parece, por constar do ponto 11 da matéria de facto provada que: “até aquela data BB, ainda não tinha mantido cópula, coito anal ou coito oral com ninguém”. 29 – Ora, analisado o douto Acórdão, não se vislumbra, ao longo de todo ele, que o Tribunal a quo tenha analisado a inexperiência da testemunha/ofendida nos termos, em que se impunha, tendo-se bastado com a ausência de cópula anterior por parte desta, (ou “conhecimento prático”), na certeza que tal ausência não é, por si só, sinónimo da “falta de conhecimento básico sobre a vida sexual”. 30 – Como refere o mesmo Ilustre Autor, na obra citada, na sociedade da informação actual, só muito excepcionalmente, em meios muito fechados, se pode configurar essa inexperiência de uma adolescente de 14 anos. 31 – No caso concreto, não só o Tribunal não analisou, como devia os elementos necessários caracterizadores da alegada inexperiência, de acordo com os critérios da sociedade de informação actual, como essa inexperiência não existe. Se atentamos no relatório pericial a fls. 126 a 129, de 12/12/2023, na parte da informação, antecedentes pessoais, a testemunha/ofendida, ali examinada, “refere que descontinuou a toma da pílula há 3 meses por auto iniciativa”, isto é, até há 3 meses àquela data, a testemunha tomava um anticoncecional (pilula), o que, por si só, é demonstrativo dos conhecimentos básicos sobre a vida sexual. 32 – Assim, o Tribunal a quo, ao decidir nos termos em que fez, incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, e violou, pelo menos, o disposto no artigo 173.º do C. Penal. (…) * 1.4. Admitido o recurso, o M. P. apresentou resposta e reconduz a inconformidade do arguido à impugnação ampla da matéria de facto (art. 412.º CPP), sublinhando que o vício do art. 410.º, n.º 2, al. c) só pode resultar do texto do acórdão, por si ou conjugado com a experiência comum. Argumenta que a credibilização da ofendida, apoiada por prova pessoal e circunstancial, foi logicamente fundamentada, que as perícias não excluem a possibilidade de cópula e que a leitura do recurso não revela consistência. Conclui não se verificar erro notório e pugna pela improcedência total do recurso. * 1.5. Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, a Srª. Procuradora Geral Adjunta acompanha integralmente a resposta do MP de 1.ª instância, reiterando os requisitos do art. 410.º, n.º 2 do CPP (vícios manifestos à mera leitura do acórdão) e qualificando o texto recorrido como racional, coerente e fundado na prova globalmente apreciada. Salienta que a versão do arguido assenta em excertos parciais das declarações e perícias, que não impõem decisão diversa; quanto à “inexperiência”, regista que o acórdão a abordou e que o desconforto e pouca à-vontade da vítima no relato reforçam o preenchimento típico. Conclui pela total improcedência do recurso e manutenção integral do decidido. * 1.6. Cumprido o preceituado no art.º 417º nº 2 do CPP, o arguido/recorrente não deduziu resposta. * 1.7. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência. * II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – Objeto do Recurso De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação. In casu, as questões cruciais a decidir são: i) se o acórdão recorrido padece do vício de erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º 2, al. c) CPP), em particular quanto aos pontos 7 e 9 da matéria de facto (cópula completa). ii) se a discordância do recorrente deve ser conhecida como impugnação ampla da matéria de facto (art. 412.º, n.ºs 3–4 CPP), com aferição do cumprimento dos ónus de especificação e das consequências na reponderação da prova gravada. iii) se se verifica o preenchimento do tipo do art. 173.º, n.º 2 do CP—em particular o elemento “abuso da inexperiência” — ou se, como sustenta o recorrente, tal elemento falta, com consequente afastamento da qualificação. * 2.2. Da decisão 2.2.1. Fundamentação de facto 2.2.2. Do acórdão recorrido consta a seguinte matéria provada e não provada: (transcrição) (…) A) Matéria de Facto Provada: Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão da causa: Da acusação pública: 1. BB (doravante BB) nasceu em ... de ... de 2009 e, durante o período do ... do ano de 2023, por cerca de 2 meses, entre ... e ..., esteve a residir na habitação do Arguido AA, sita na ..., juntamente com CC, irmã de BB e, à data, namorada do Arguido, e ainda com DD e EE, filhas do Arguido. 2. Em data não concretamente apurada, mas situada naquele hiato temporal, o Arguido começou a sentir uma atração sexual por BB em razão do que, por um número indeterminado de vezes, quando se encontravam na cozinha, a jantar, aquele acariciava-a nas coxas com as mãos, por baixo da mesa. 3. Ainda naquele espaço de tempo, o Arguido, por cerca de 4 vezes, apalpou as nádegas da BB, quando a mesma se encontrava na cozinha, por cima da roupa, e apesar de a mesma lhe dizer que não gostava que agisse nesses termos e de o empurrar. 4. Naquele período de tempo, DD dormia sozinha num quarto do piso superior da habitação e BB pernoitava no quarto do Arguido, de CC e de EE, usando a cama desta última, ficando o casal e a filha de ambos a dormir na cama de casal. 5. Enquanto ali residiu, BB apercebeu-se de diversas discussões do Arguido com a CC e, nessas situações, o Arguido pediu-lhe que fosse ter consigo a um quarto situado no piso térreo da habitação, onde aquele pernoitava na sequência das referidas zangas, com o propósito de manterem relações sexuais, o que BB sempre recusou. 6. Entretanto, o Arguido e CC terminaram o relacionamento e a última abandonou a residência, juntamente com a filha EE. 7. Após, o Arguido e BB passaram a trocar mensagens (SMS), visando seduzir o arguido seduzir BB, dizendo-lhe que gostava de si e, nessa sequência, em meados de ... de 2023, quando a BB estava deitada na cama da EE, o Arguido puxou-a para a sua cama, despiu-lhe os calções e a roupa interior e, com o pénis ereto, usando preservativo, penetrou-a na vagina, realizando movimentos de vai e vem até ejacular. 8. De seguida, BB foi dormir para a cama da EE e o Arguido dormiu na sua cama. 9. No entanto, no dia seguinte, de manhã, o Arguido abeirou-se da BB e, mais uma vez, penetrou-a na vagina com o pénis ereto, desta feita sem preservativo, realizando movimentos de vai e vem, sem que BB se apercebesse de que o Arguido tivesse ejaculado. 10. Após, adormeceram na mesma cama, acabando por ser vistos por DD. 11. Até àquela data, BB ainda não tinha mantido cópula, coito anal ou coito oral com ninguém. 12. O Arguido agiu da forma descrita, aproveitando-se da inexperiência sexual de BB, designadamente, do seu desconhecimento sobre as atividades sexuais, sabendo que a mesma era incapaz de formular um juízo ético sobre tais atividades e as suas consequências, atuando contra a sua vontade, nos termos acima descritos, tudo com o propósito de satisfazer os seus instintos sexuais, sendo conhecedor de que ao agir do modo descrito atentava contra a liberdade e autodeterminação sexual daquela e que punha em perigo o normal desenvolvimento da sua personalidade sexual, o que concretizou, apesar de saber a sua idade. 13. Agiu sempre de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Dos antecedentes criminais do arguido: 14. Por sentença proferida em 12.04.2018, e transitada em julgada em 14.05.2018, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 534/16.5JAPDL, que correu termos em Ponta Delgada, foi o arguido condenado pela prática, em ........2016, 13.11.2016 e 14.11.2016, de 3 (três) crimes de abuso sexual de criança, na pena de única de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova e ainda nas penas acessórias de proibição de exercício de fincões e proibição de proibição de exercer a tutela, curatela e administração de bens pelo período de 5 (cinco) anos. 15. Por sentença proferida em 18.02.2025, e transitada em julgada em 20.03.2025, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 84/23.3PFPDL, que correu termos em Ponta Delgada, foi o arguido condenado pela prática, em ........2023, de 1 (um) crime de violência doméstica, na pena de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, com regime de prova. Da situação pessoal, familiar, profissional e económica do arguido: 16. À data da alegada prática dos factos (... de 2023), AA vivia em moradia de renda sita na ..., com o agregado constituído, composto pela excompanheira e irmã uterina da vítima dos presentes autos, CC, com quem mantinha relacionamento afetivo desde 2010, pela filha do excasal, EE, com 10 anos de idade e pela filha mais velha do arguido, de anterior relacionamento afetivo, DD, atualmente com 15 anos de idade. 17. Deste agregado fazia ainda parte o sogro do arguido e um irmão de CC, FF, portador de problemas de saúde mental. 18. O relacionamento afetivo entre AA e CC foi descrito com instável, pautado por diversas ruturas e reconciliações. 19. Desde 2022, devido à manutenção e agravamento dos consumos de drogas sintéticas pelo arguido, este passou a adotar uma postura mais agressiva para com CC, vindo a ser condenado no processo n.º 84/23.3PFPDL, pela prática de crime de violência doméstica agravado, por factos perpetrados contra CC. 20. À data da alegada prática dos factos do presente processo, na sequência dos factos que deram origem ao processo n.º 84/23.3PFPDL, ocorreu a rutura relacional entre o ex-casal e CC abandonou a moradia de família, na companhia da descendente EE, sendo ambas acolhidas em casa abrigo. 21. A dinâmica intrafamiliar também ficou marcada negativamente, no hiato compreendido entre ... de 2021 e ... de 2023, devido à integração de um irmão de CC naquele agregado familiar, nomeadamente GG, toxicodependente e com diversas ligações ao sistema de Justiça, que havia sido restituído à liberdade após cumprimento de pena efetiva de prisão, contexto que se revelou prejudicial na respetiva dinâmica, devido à manutenção de consumos de substâncias ilícitas por este e pelo arguido e consequentes altercações e confrontos físicos entre ambos. 22. Este quadro familiar alertou as autoridades com intervenção em matéria de infância e juventude, tendo a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Ponta Delgada instaurado processo de promoção e proteção a favor das duas filhas de AA, que integravam aquele agregado. 23. AA tem três descendentes de diferentes relacionamentos afetivos, nomeadamente, DD, de 15 anos, que, após cerca de um ano de acolhimento em instituição ao abrigo de processo de promoção e proteção, foi, com cerca de 2 anos de idade, judicialmente confiada ao arguido, situação que se manteve até à emergência dos presentes autos, contexto em que esta voltou a ser institucionalizada, situação que mantém na atualidade, não mantendo o arguido contactos com esta, por opção, nomeadamente por não faze prova de abstinência junto da Casa de Acolhimento Residencial onde DD se encontra acolhida. 24. EE, de 10 anos de idade, fruto do relacionamento estabelecido com CC, entregue aos cuidados desta, com quem o arguido não mantém qualquer contacto também por opção, e ainda HH, de cerca de 2 anos de idade, de um relacionamento ocasional que o arguido manteve. 25. Desde a emergência dos presentes autos que AA se desvinculou totalmente das responsabilidades parentais. 26. Atualmente, AA vive com uma companheira, II de 34 anos, …, com quem mantém relacionamento há cerca de um ano e por dois filhos menores desta, JJ de 12 anos e KK de 5 anos de idade. 27. AA cresceu integrado em agregado extenso, constituído pela avó materna, a progenitora, dois tios maternos e dois primos, em casa pertença da família. 28. Tem ainda dois irmãos uterinos e sete consanguíneos, com os quais nunca terá coabitado, revelando-se os laços afetivos muito frágeis com estes elementos. 29. Tratava-se de um agregado pertencente a um estrato socioeconómico modesto que, para além de algumas dificuldades económicas foi associado a outras problemáticas sociais, nomeadamente ligadas ao consumo de álcool (mãe e tios), revelando défices ao nível do funcionamento e de estruturação, com regras e papéis mal definidos e um acompanhamento educativo/supervisão lacunar a AA. 30. Face às fragilidades familiares e ao percurso escolar pouco satisfatório, marcado sobretudo pelo absentismo e consequente falta de aproveitamento, determinante de algumas retenções desde o 3.º ano de escolaridade, AA foi acompanhado pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens. 31. No âmbito desta intervenção e após ter frequentado vários estabelecimentos de ensino foi encaminhado para o Centro de Desenvolvimento e Inclusão Juvenil Percursos, onde veio a concluir o 9.º ano de escolaridade com 18 anos de idade. 32. Aos 19 anos de idade decidiu ingressar como voluntário no …, vindo a celebrar contrato de trabalho, onde se manteve por cerca de quatro anos (até ...), tendo-se dedicado, posteriormente, a atividades laborais pontuais, tais como … e na área da …. 33. Regista um período de inatividade, e, através do ..., no âmbito do programa …, em... de 2017, foi encaminhado para integrar um Curso Profissional de …, do qual viria a ser expulso por exceder o limite de faltas. De ... a 2023 trabalhou na … para particular e, simultaneamente, para a empresa..., vindo a ser demitido desta última. 34. Entretanto, chegou a colaborar na ..., e, de ... último até ... de 2025, AA colaborou, como …, numa empresa de ..que fornecia ..., ficando, involuntariamente, na situação de desemprego, após ter-lhe sido solicitado o registo criminal, na sequência de alegada queixa apresentada à direção do estabelecimento de ensino. No hiato compreendido entre ........2025 e ........2025 o arguido trabalhou, como ..., no “...” na cidade da ..., ficando, voluntariamente, na condição de desempregado, e, desde ........2025 que trabalha no “...”, em ..., como …. 35. O agregado constituído do arguido subsiste do vencimento deste, o que equivale ao salário mínimo regional, ao que acresce o vencimento da companheira (cerca de 700€), os abonos atribuídos aos filhos desta (cerca de 216€) e as respetivas pensões de alimentos atribuídas aos menores (175€), sendo descrita uma situação económica frágil. 36. Como principais despesas o arguido identifica o pagamento da renda do imóvel (450€), as despesas de consumo domésticas e a alimentação, valores que não foram possíveis precisar. O arguido revela ainda ter diversas dívidas, nomeadamente cerca de 2000€ ao ... por recebimentos indevidos, cerca de 1000€ ao ..., cerca de 700€ de custas de Tribunais e ainda cerca de 6000€ de diversos créditos bancários, encontrando-se em incumprimento. 37. AA situa o início da sua carreira aditiva (toxicodependência) aos 10 anos de idade enquanto consumidor assíduo de canabinóides, prática que vem mantendo ao longo dos anos, pese embora revele manter, na atualidade, apenas consumos pontuais desta substância. Em 2022 AA reconhece que começou a consumir novas substâncias psicoativas, vulgo drogas sintéticas, situando o último consumo desta substância no início do presente ano. 38. Situa o início dos consumos etílicos na adolescência, consumos que promovia no seio do grupo de pares e que mantém na atualidade, pese embora não os reconheça como problemáticos. 39. No âmbito de anterior medida probatória, AA, revelou dificuldades em manter-se abstinente aos consumos de substâncias ilícitas (canabinóides) e ao álcool. Após o termo da medida, por iniciativa própria, procurou ajuda junto do ... para cessar com os consumos de drogas e álcool, tendo dado entrada na referida Clínica no dia ........2023, tendo sido expulso nesse mesmo dia à noite. Em 2024 beneficiou do acompanhamento da ... no âmbito da toxicodependência, sendo presente à última consulta médica naquela instituição de saúde em ........2024, contexto em que lhe foi prescrita medicação, contudo, ficou passivo em ........2024. 40. Na atualidade não beneficia do acompanhamento de nenhuma instituição de saúde no âmbito das problemáticas aditivas, prevendo-se, brevemente, um acompanhamento especializado no âmbito de medida probatória em decurso. o que concerne ao seu processo de desenvolvimento afetivo-sexual, revela ter iniciado a sua vida sexual ainda na adolescência, com indivíduo do género feminino, maior de idade. Revela um episódio marcante que remonta à sua infância (11 anos de idade), quando foi alvo de tentativa de abuso por parte de um tio materno, tratando-se de um episódio isolado, do qual o arguido nunca partilhou com ninguém 41. No âmbito de anterior medida probatória, pela prática de crimes de abusos sexuais de crianças, o arguido beneficiou de acompanhamento psicológico no âmbito da Estratégia Regional de Prevenção e Combate ao Abuso Sexual de Crianças e Jovens de ........2018 até ao termo da medida (2023). A intervenção junto de AA centrou-se essencialmente na regulação emocional e treino de competências pessoais e sociais, considerando o psicólogo, no final da medida, que os objetivos terapêuticos terão ficado comprometidos, devido à instabilidade emocional e fraca motivação. 42. O arguido, no passado, regista ideações suicidas (overdose e enforcamento), e, na atualidade, a nível emocional, apresenta-se, aparentemente, muito frágil, devido a questões relacionadas não só com questões de fundo, nomeadamente relacionados com o processo de socialização (tratamento diferenciado pela progenitora em comparação com os irmãos), como processos vivenciais mais recentes, nomeadamente a rutura relacional, a instabilidade laboral, as fragilidades económicas e a emergência dos presentes autos. 43. AA evidencia lacunas ao nível das competências pessoais e sociais, e um défice de investimento em atividades prósociais, o que o arguido associou a alguma imaturidade psicológica. Do que se avalia, o arguido revela um funcionamento tendencialmente impulsivo e um processo de tomada de decisões deficitário, autocentrado e imediatista, desprovido de autocrítica e pouco modelado pela antecipação de consequências para o próprio e para o Outro, comportamentos que se agravam quando sob efeito de substâncias psicoativas e/ou álcool. 44. AA revela dificuldade em abordar a natureza dos factos subjacentes ao presente processo, ainda que de forma abstrata, assim como evita abordar qualquer questão relacionada com a anterior condenação no processo de natureza sexual, nomeadamente questões relacionadas com o seu comportamento sexual, nomeadamente, impulsos sexuais, desejos, fantasias e manifestações de comportamentos não convencionais. 45. BB, desde a alegada prática dos factos dos presentes autos que se encontra naturalmente fragilizava emocionalmente, beneficiando de acompanhamento psicológico especializado, optando pelo isolamento social e consequente absentismo escolar, o que, segundo a irmã, irá culminar no acolhimento institucional de BB, a breve trecho. B)Matéria de Facto Não Provada: Não se provaram quaisquer outros fatos que não aqueles que acima foram referidos, nomeadamente que: Da acusação pública: Não existem. (…) * 2.2.3. Por sua vez, no que concerne à motivação da decisão de facto o acórdão recorrido expendeu o seguinte: (transcrição) (…) C.1. Considerações Gerais: Em sede de valoração da prova, a regra fundamental é a constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”. Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas. C.2. Elenco das Provas Valoradas: Atendeu-se à seguinte prova: C.2.1. - Prova por declarações do arguido: O arguido AA prestou declarações em audiência de discussão e julgamento. C.2.2. – Prova por declarações do assistente: Atendeu-se às declarações prestadas, em audiência de julgamento, pelo assistente LL, representante legal da menor BB. C.2.3. – Prova por depoimento testemunhal: Foram valorados os depoimentos das seguintes testemunhas da acusação: BB (menor, irmã da ex-companheira do arguido e ouvida em declarações para memória futura) e DD (filha do arguido e amiga de BB). C.2.4. – Prova pericial: Quanto à prova pericial analisaram-se os relatórios periciais de natureza sexual em direito penal e que constam de fls. 96v.-98 v. (e ainda de 130-130 v. e ainda os relatórios periciais de criminalística biológica de fls. 59-68 (relatório n.º 2023018047-EACLC) e 126-129. C.2.5 – Prova por documentos: De prova documental analisaram-se os seguintes documentos: participação de OPC e da CPCJ de fls. 6-8, 38-39, 88 v.-89 v., 91-95 v.; reportagem fotográfica de fls. 9, 90-90 v. (mensagens trocadas pelo arguido com a filha DD); impressões da base de dados de identificação civil de fls. 21, 23, 25-26 v., 40, 47, 73; e certidões e assentos de nascimentos de fls. 21-22 v., 24-24 v., 27-27 v., 85-87 v.; Auto de diligência de fls. 41-42, 52; termo de consentimento de fls. 53-54; auto de gravação de fls. 55; cópia de peças processuais/denúncias/ requerimentos de fls. 81-84 v., 100 v.-117 v.; certidões processuais de fls. 158-159 v., 210-220; certificado de registo criminal de ref. 6282461, de 06.05.2025 e ao relatório social para determinação da sanção de ref. 6290084, de 09.05.2025. C.3. Apreciação crítica da prova: Dos factos provados em 1 e 6: Nesta matéria atendeu-se às declarações do arguido AA, que confirmou as relações familiares, local onde residia, o período em que BB residiu consigo e com o seu agregado familiar, e quando ocorreu a separação de CC e a saída da mesma da residência acompanhada da filha EE. Estes factos foram corroborados pelo assistente LL, e as testemunhas BB e DD. Atendeu-se ainda à prova documental dos autos, nomeadamente impressões da base de dados de identificação civil de fls. 21, 23, 25-26 v., 40, 47, 73; e certidões e assentos de nascimentos de fls. 21-22 v., 24-24 v., 27-27 v., 85-87 v.. Dos factos provados em 3 e 4: Estes factos foram confirmados pela menor BB, que prestou declarações para memória futura, e que descreveu com pormenor o período que residiu em casa da sua irmã CC, onde esta vivia com o arguido e as filhas DD e EE e descreveu onde dormia e tudo o que ocorreu nesse período e que envolveu a conduta do arguido para com ela. Precisou os atos descritos em 3 – de o arguido lhe apalpar as nádegas por cima da roupa pelo menos por 4 vezes – o que foi corroborado pelo depoimento da testemunha DD, filha do arguido, que assistiu a estes episódios. Já o arguido referiu que não se recorda dos contatos físicos (admitindo como possíveis, justificando essa falta de memória com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e consumos de estupefacientes de natureza sintética, que afirma o deixavam fora de si) e negou a disposição das pessoas pelos quartos na hora de dormir (afirmando que BB dormia com DD no quarto desta), o que não mereceu credibilidade face à versão clara, isenta, coerente e credível de ambas as testemunhas. Dos factos provados em 2, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13: Sobre estes factos o arguido negando que tivesse sentido atração física e sexual pela menor BB reiterou que não se recorda de ter praticados estes factos. Nesta parte, DD referiu que se apercebia que o seu pai muitas das vezes, à noite, chamava por BB para lhe fazer companhia num quarto que existia no rés-do-chão da habitação (não sabendo, no entanto, o que lá se passaria). Isto mesmo foi confirmado por BB. BB confirmou ainda que o arguido muitas vezes, ao jantar, a acariciava nas coxas por debaixo da mesa. Mais descreveu as mensagens que trocou com o arguido, as quis foram confirmadas pela testemunha DD que afirmou que as visualizou a dado momento. DD e BB explicaram que eram as melhores amigas e DD foi muito sincera ao descrever que a partir de certa altura, passado algumas semanas de BB ter ido passar essa temporada à sua residência, começou a reparar uma alteração de comportamento na BB e bem assim no seu pai. Explicou que a BB, que antes partilhava diretamente conteúdos do seu telemóvel consigo, deixou de o fazer, ao mesmo tempo que se apercebeu das chamadas noturnas do seu pai pela BB para o quarto do rés-do-chão, até que mais tarde veio a ler as mensagens trocadas entre ambos. Por sua vez, BB descreveu então que depois da saída da sua irmã CC da residência manteve duas relações sexuais de cópula completa com o arguido, contextualizando-as e descrevendo-as. A testemunha DD referiu que surpreendeu o seu pai e BB a dormirem de “conchinha” na cama da EE numa manhã antes de se deslocar para a escola, e que disso deu conta a CC. Esclareceu ainda que, por força de ter denunciado essa situação o seu pai lhe enviou as mensagens que constam de fls. 9, pois que não queria que a mesma contasse a ninguém o que tinha visto, tendo ameaçado que lhe batia (daí o conteúdo das mensagens remetidas pelo seu pai). Por sua vez, o arguido, num discurso totalmente desconexo, referiu que não se recorda de ter praticado os atos de natureza sexual, que é muito improvável que os tenha praticado porque tinha sífilis e se os tivesse praticado teria passado a doença a BB tanto mais que não usava preservativo nas relações sexuais que mantinha (embora tivesse preservativos na sua disponibilidade). Ora, conjugando toda esta prova por declarações do arguido com a prova testemunhal de BB não temos quaisquer dúvidas em afirmar que os factos ocorreram tal qual descritos pela testemunha BB. E esta convicção do Tribunal não é posta em causa por nenhum dos relatórios perícias que constam dos autos, porque deles não resulta que os atos sexuais praticados são incompatíveis com os dados avaliados e analisados. Desde logo, do relatório pericial de criminalística biológica de fls. 59-68 (relatório n.º 2023018047-EACLC) conclui-se apenas que no exame realizado a 22 de Setembro de 2023 às peças de vestuário da menor não foram detetados quaisquer vestígios de origem seminal. Do relatório pericial n.º 2023-002487.1 de fls. 130 resulta apenas não ter sido possível verificar nas zaragatoas vaginal 1 (C1) e vaginal 2 (C1), qualquer haplótipo do cromossoma Y, o que inviabilizou a realização de estudos comparativos. Por fim, os relatórios periciais de clínica forense (tanto o preliminar como o final) e que constam e fls. 96 a 98 e 126 a 129 também não afastam a prática dos atos sexuais descritos pela testemunha. Do primeiro relatório resulta ao nível da região genital e peri-genital que a menor apresenta “Região vulvar: evidência de tricotomia dos pelos púbicos, os quais têm distribuição pilosa normal; evidência de solução de continuidade linear, vertical na fossa vestibular (entre o hímen e a convergência posterior dos pequenos lábios) com sinais de infiltração sanguínea recente.; Hímen (…) Soluções de continuidade recentes: presença de solução de continuidade na região superior direita do hímen, incompleta, com eritema local nos seus bordos; permeabilidade: permitiu a introdução parcial do espéculo ginecológico disponível (tamanho médio), não tendo a Examinanda tolerado a introdução completa do mesmo, por queixas de dor. Não obstante, não se evidenciou soluções de continuidade nem sangramento do hímen com o uso do espéculo. Vagina e colo do útero: Não foi possível visualizar a totalidade da vagina nem sequer o colo do útero pois a Examinanda não tolerou a introdução completa do espéculo. Do que foi possível visualizar do canal vaginal, não se objetivaram soluções de continuidade ou sinais de infiltração sanguínea, nem leucorreia ou vestígios sugestivos de esperma.” E o final refere que “os vestígios físicos atrás descritos, relativamente à suspeita agressão sexual, são de compatibilidade provável. A evidência de solução de continuidade na fossa vestibular (entre o bordo de inserção do hímen e a convergência posterior dos pequenos lábios) com sinais de infiltração sanguínea recente é sugestiva de traumatismo por objeto de natureza contundente ou agindo como tal. Já a solução de continuidade a nível da região superior direita do hímen, pelo facto de ser incompleta (ou seja, que não se prolonga até à linha de inserção do hímen) é sugestivo de achado de entalhe natural e não de rotura himenial recente. A presença de eritema nos rebordos pode indiciar eventual ação de fricção local recente. Atendendo aos achados acima descritos e à dificuldade da Examinanda ao exame do espéculo, não é possível afirmar a ocorrência de cópula com penetração completa. No entanto não é possível excluir a ocorrência de cópula com penetração parcial (por exemplo apenas a nível do introito vaginal) ou eventual manipulação digital (pela própria Examinanda ou por terceiros).“ E conclui que “Analisando a informação relativa ao suspeito evento e a totalidade dos exames efetuados e acima descritos, pode considerar-se que a compatibilidade entre essa informação e os exames efetuados é possível, mas não demonstrável.” Concluindo, estes exames periciais apesar de não demonstrarem a prática dos atos sexuais descritos pela testemunha BB também não os excluem e admitem-nos como possíveis e compatíveis face aos elementos recolhidos. Assim, o Tribunal tem uma convicção segura sobre os atos praticados pelo arguido, a dinâmica, modus operandi e todas as circunstâncias tal qual se deu como provado. Dos factos provados em 14 e 15: Os factos relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo, resultam das máximas do saber e experiência comum, pois que sendo o arguido um homem médio, como se revelou ser, sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, sabendo que BB era incapaz de formular um juízo ético sobre os atos sexuais que praticou e as suas consequências, atuando contra a sua vontade, nos termos acima descritos, tudo com o propósito de satisfazer os seus instintos sexuais, sendo conhecedor de que ao agir do modo descrito atentava contra a liberdade e autodeterminação sexual da mesma e que punha em perigo o normal desenvolvimento da sua personalidade sexual, o que concretizou, apesar de saber a sua idade. Agiu sempre de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Dos factos provados em 14 e 15: Relativamente à ausência de antecedentes criminais tomou-se em consideração o certificado de registo criminal de ref. 6282461, de 06.05.2025. Dos factos provados em 16 a 45: Por fim, quanto à sua situação económica, pessoal, familiar do arguido atendeu-se ao relatório social para determinação da sanção de ref. 6290084, de 09.05.2025, conjugado com as declarações que o arguido que mereceu credibilidade em parte, sobre os fatos objetivos do seu percurso pessoal e profissional, conjugado com o depoimento das testemunhas de defesa que arrolou, do arguido na perspetiva objetiva. (…) * 2.3. 2.3.1. se o acórdão recorrido padece do vício de erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º 2, al. c) CPP), em particular quanto aos pontos 7 e 9 da matéria de facto (cópula completa) O vício de erro notório na apreciação da prova opera como um controlo de racionalidade textual: apenas existe quando a leitura da decisão, por si só ou com a experiência comum, evidencie parcialidade lógica intolerável, contradição insanável ou salto inferencial evidente. Não é um sucedâneo da reabertura da imediação; não serve para refazer a ponderação da credibilidade de fontes probatórias nem para transformar dúvidas periciais em certezas jurídicas. Não basta invocar excertos de prova produzida para forçar a aplicação do 410.º, n.º 2 do CPP; é indispensável mostrar a irracionalidade do texto decisório — o que, diga-se desde já, o recorrente não faz. Vejamos mais em detalhe: O recorrente ataca os pontos 7 e 9 da matéria de facto provada afirmando: (i) que as declarações para memória futura não descrevem penetração “completa” nem ejaculação; (ii) que a prova pericial seria “clara” ao excluir cópula com penetração/ejaculação; (iii) que a ausência de ruptura himenal e de vestígios de sémen ou de cromossoma Y impõe a conclusão de não ter havido cópula; e (iv) que, no ponto 9, inexistiria “qualquer descrição” da natureza do acto, pelo que a convicção do tribunal a quo só poderia resultar de “efabulação” ou “manipulação digital”. A partir destas premissas, conclui que o acórdão incorre em erro notório na apreciação da prova e propõe redigir o ponto 7 em termos redutores (apenas despir a roupa da ofendida), eliminando a penetração; quanto ao ponto 9, pretende exclusão da cópula provada. É igualmente invocado o art. 163.º CPP para sustentar um alegado carácter vinculativo do juízo pericial quanto à penetração. Esta é a arquitectura argumentativa que importa apreciar. O recorrente selecciona excertos das declarações para memória futura para alegar inexistência de referência a penetração “completa” e a “movimentos até ejacular”, tomando por decisivo o facto de a ofendida, questionada sobre ejaculação, ter dito não se ter apercebido, e em resposta sobre contacto “vagina/pénis” ter dito “sim”. Contudo, a irrelevância dogmática da ejaculação para a prova de “cópula” e a suficiência da referência a contacto acompanhada pela restante narrativa foram ponderadas na motivação. Ademais, o próprio depoimento dá conta de dois actos sexuais distintos, com iniciativa do arguido, retirada de roupa pela sua mão e duração aproximada de 5–6 minutos na segunda vez — elementos de contexto que o acórdão articula razoavelmente com os demais meios. A leitura do recorrente, centrada em uma “literalidade maximalista”, desconsidera a avaliação global da credibilidade e a corroboração circunstancial. Não há, assim, qualquer incompatibilidade textual no acórdão: há, sim, uma valoração integrada, juridicamente adequada, das declarações para memória futura. A categoria típica de “cópula” não invoca ejaculação nem “movimentos de vai-e-vem” como elementos normativos; basta a penetração do pénis na vagina, mesmo que parcial. Este quadro torna irrelevante o núcleo do argumento recursório segundo o qual, por a ofendida não ter visto “ejacular” nem “descrito movimentos”, a 1.ª instância não podia ter afirmado os pontos 7 e 9 da matéria de facto provada. Ora, o acórdão descreve precisamente penetração (ponto 7) e reiteração sem preservativo (ponto 9), com base em prova credível e devidamente motivada; a prova pessoal e o contexto (dinâmica relacional, retirada de roupa pelo arguido, circunstâncias ambientais) são coerentemente alinhados. Exigir “ejaculação” como critério seria deslocar para o tipo um requisito inexistente; exigir detalhes anatómicos com rigor clínico seria contrariar o padrão de suficiência descritiva em matéria sexual quando há credibilidade robusta e suporte circunstancial. O recorrente, portanto, falha na premissa dogmática e, por consequência, na inferência de vício. O recorrente vem, ainda, alegar a clareza da perícia ao excluir cópula com penetração/ejaculação. Porém, o próprio texto pericial (relatório final e discussão) regista: “não é possível afirmar a ocorrência de cópula com penetração completa”, mas “não é possível excluir a ocorrência de cópula com penetração parcial (por exemplo a nível do intróito vaginal)”, admitindo, em tese, “eventual manipulação digital”. Esta conclusão é paradigmática de um juízo técnico inconclusivo — e não de exclusão categórica. Logo, a perícia não contradiz a versão da ofendida nem “impõe” a eliminação da penetração; limita-se a assinalar que o exame não permite afirmar “completa”, sem excluir “parcial”. Acresce que o art. 163.º CPP confere valor reforçado ao juízo técnico e reclama fundamentação quando dele se diverge, mas não converte a perícia em prova tarifada que invalide a credibilidade pessoal e a corroboração indiciária. O acórdão sob censura não divergiu da perícia em termos lógicos; integrou a sua inconclusão, neste caso, com os restantes meios probatórios. Não há, pois, contradição que sustente um erro notório. Mais: O recorrente invoca a ausência de vestígios seminais na roupa, a não detecção de haplótipos do cromossoma Y e a inexistência de soluções de continuidade himenais para concluir não ter havido penetração, extraindo daí a existência de vício. Contudo, os relatórios que transcreve mostram apenas que não se encontrou matéria genética ou lesões; não demonstram a impossibilidade de penetração parcial. O próprio relatório clínico final — citado pelo recorrente — admite a possibilidade de penetração parcial, o que, do ponto de vista jurídico, basta para o conceito de cópula. Assim, nem a integridade anatómica observada nem a ausência de sémen ou Y-STR, por si sós, eliminam a suficiência probatória da penetração narrada. O raciocínio do recorrente comuta uma não-prova em prova negativa, incorrendo em erro metodológico elementar. Do ponto de vista do 410.º, n.º 2, al. c) do CPP (Código de Processo Penal), não há incoerência textual na decisão: há compatibilidade entre o que a perícia não afasta e o que a prova pessoal credível afirma. O recorrente pretende reescrever o ponto 7 para reduzir o facto a “despir roupa”, expurgando a penetração. Fá-lo apoiado em excertos, omitindo o conjunto constante da motivação da decisão sob recurso: dinâmica de sedução anterior (mensagens), iniciativa do arguido, retirada de roupa pela sua mão, proximidade física no leito e credibilidade da ofendida. O acórdão descreve penetração e fundamenta a credibilidade, enquanto a perícia, como vimos, não exclui penetração parcial. Ao nível do vício, pergunta-se: o texto decisório é “intolerável” para o leitor médio? Não: a sequência narrativa é linear e coerente; o raciocínio, compatível com a experiência comum; e a integração da perícia, intelectualmente honesta. Donde, não emerge qualquer “erro notório” pela mera leitura do texto. O que a defesa propõe é, em rigor, reapreciar credibilidade — matéria de 412.º do CPP, não de 410.º, n.º 2 do mesmo diploma. Sustenta o recorrente que, “no ponto 9, não há sequer qualquer descrição do acto”, logo haveria vício. O próprio teor do recurso, porém, transcreve a redacção do ponto 9 dada como provada (“penetrou-a na vagina com o pénis erecto, sem preservativo, realizando movimentos de vai-e-vem”), o que põe em causa a sua premissa. A controvérsia reduz-se à prova desse conteúdo: a ofendida referiu dois actos, com iniciativa do arguido, duração aproximada e despir de roupa pelo mesmo; a ausência de referência a ejaculação não tem relevância típica; e o conjunto foi tido por credível e coerente. A perícia não contradiz esta reiteração; apenas não fornece prova positiva de cópula “completa”. Assim, não há qualquer desarticulação lógica entre a descrição fáctica e a motivação. Fica, portanto, sem base a imputação de erro notório quanto ao ponto 9. Alega o recorrente que “o juízo técnico está subtraído à livre convicção”, concluindo daí uma espécie de vinculação decisória. Mas o art. 163.º, n.º 2, CPP exige apenas que o tribunal “fundamente” a divergência em face do juízo técnico; não elimina a livre apreciação, nem impõe a primazia da perícia sobre prova pessoal credível. In casu, o acórdão nem sequer diverge do núcleo técnico: reconhece que não há prova pericial de penetração completa, e integra a possibilidade — expressamente admitida — de penetração parcial com a narrativa da ofendida e a corroboração circunstancial. Resulta, pois, falacioso apresentar a perícia como “desmentido” da cópula, quando ela própria não a exclui; e é igualmente indevido converter a exigência de fundamentação reforçada em imposição de adesão cega. Por isso, o uso do art. 163.º do CPP para desencadear o 410.º, n.º 2 do CPP não tem sustentação: não há contradição textual nem irracionalidade patente. Concluindo: A invocação de erro notório na apreciação da prova falha no essencial: o texto da decisão não revela ilogicidade ostensiva, contradição insanável ou salto inferencial. As declarações para memória futura foram valorizadas com exame crítico; a categoria típica de cópula não exige ejaculação; a prova pericial não afasta a penetração parcial; a motivação articula coerentemente prova pessoal e circunstancial. O recorrente, ao seleccionar passagens e converter não-prova em prova negativa, pretende deslocar para o art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP um desacordo que pertence ao domínio da impugnação ampla do art. 412.º do CPP. Assim, não se verifica o vício invocado; os pontos 7 e 9 devem manter-se tal como fixados. * 2.3.2. se a discordância do recorrente deve ser conhecida como impugnação ampla da matéria de facto (art. 412.º, n.ºs 3–4 CPP), com aferição do cumprimento dos ónus de especificação e das consequências na reponderação da prova gravada O art. 412.º do CPP (Código de Processo Penal) estrutura a impugnação da matéria de facto como um recurso de reexame, exigente quanto à forma: quem pretenda reabrir a apreciação de credibilidade/fiabilidade e o peso relativo dos meios de prova deve cumprir ónus cumulativos: indicar concretamente os pontos de facto impugnados; os concretos meios de prova (incluindo a referência exacta a passagens temporais quando exista registo áudio/vídeo); e a decisão alternativa pretendida. A razão de ser é dupla: (i) delimitar o thema decidendum factual, evitando a dispersão recursória; (ii) viabilizar a reponderação efectiva e controlável da prova gravada pelo tribunal ad quem, sem deturpar os princípios de imediação/oralidade. Ao invés, os vícios do art. 410.º do CPP (designadamente o erro notório) operam textualmente e dispensam a audição da prova; por isso, não substituem a impugnação ampla quando o recorrente contesta a valoração e a credibilidade. In casu, tanto a resposta do MP como o parecer na Relação qualificam a divergência do arguido como impugnação da matéria de facto, não como vício do art. 410.º do CPP, e sublinham o carácter manifesto que este último teria de ostentar — o que não se vê no texto do acórdão recorrido. O primeiro ónus (art. 412.º, n.º 3 do CPP (Código de Processo Penal)) cumpre-se indicando quais os factos que o recorrente pretende ver modificados. Nos autos, o recorrente individualiza os pontos 7 e 9 da matéria de facto provada, imputando-lhes, em síntese, excesso conclusivo: o acórdão teria afirmado “cópula completa” sem suporte nas declarações para memória futura e contra os relatórios periciais. A delimitação é precisa: recai sobre dois segmentos numerados da prova produzida, satisfazendo este requisito formal. Do ponto de vista do conhecimento, nada obsta a que a Relação aprecie esses pontos, dentro dos demais ónus. O segundo ónus impõe que se indiquem os meios de prova concretos em que assenta a pretensão de alteração: declarações, testemunhos, documentos, perícias. O recorrente invoca, com alguma densidade, as declarações para memória futura da ofendida e os relatórios periciais (criminalística/biologia e clínica forense), sustentando que aqueles não conteriam uma descrição suficiente de penetração e que estes “excluiriam” a cópula com penetração/ejaculação. O elenco existe e é identificado por referência a fls. e a relatórios, cumprindo, em princípio, o requisito de concretização de meios. A resposta do MP reconhece, aliás, que o recorrente traz para o plano do recurso a discussão típica de 412.º, n.º 3 do CPP (Código de Processo Penal), precisamente por invocar meios de prova e pretender valorar a sua credibilidade/alcance. O terceiro ónus, central na impugnação ampla, exige a identificação exacta das passagens da prova gravada (com referência temporal) que suportam a versão alternativa. A alegação do recorrente fornece, quanto ao ponto 7, uma janela temporal concreta das declarações para memória futura: “minutos 22:35 a 29:08 do volume I”, onde, segundo a sua leitura, não se descreveria cópula completa; além disso, remete para “fls. 36–47” da transcrição. Quanto ao ponto 9, o recorrente limita-se a reproduzir integralmente as mesmas passagens invocadas para o ponto 7, afirmando não existir “qualquer descrição” da natureza do acto na segunda ocasião. Esta técnica de remissão global para a mesma janela temporal suscita dois problemas: (i) não demonstra que, naquela janela, a depoente tratou especificamente do momento correspondente ao ponto 9; (ii) pode incumprir o ónus de “passagens concretas” para cada facto impugnado, sobretudo quando os episódios são distintos. Neste quadro, há cumprimento formal suficiente quanto ao ponto 7; quanto ao ponto 9, a remissão genérica viola o cumprimento do ónus temporal, pelo que se justifica o não conhecimento dessa parte. Na verdade, relativamente ao ponto 9 da matéria de facto, porque o recorrente não cumpriu o ónus autónomo e específico de indicar as passagens relevantes da prova gravada atinentes a esse ponto (CPP, art. 412.º, n.ºs 3–4) e a falha, na configuração do caso, não é de mera insuficiência formal sanável, mas de omissão substancial, tal preclude o seu conhecimento. A ratio do art. 417.º, n.º 3 do CPP é a de remover obstáculos instrumentais ou lapsos formais que impedem o conhecimento de um recurso interposto; não é a de substituir o recorrente no cumprimento de ónus primários de delimitação e demonstração — ónus que são constitutivos do próprio direito ao reexame da prova na 2.ª instância (art. 412.º, n.ºs 3–4 do CPP). A sua utilização para permitir, ex post, a fabricação de uma impugnação factual que não foi densificada no momento próprio frustraria os princípios do quadro dos recursos, da igualdade de armas e da estabilidade dos prazos, e colidiria com a teleologia restritiva da reapreciação da prova gravada (arts. 428.º e 431.º CPP). Assim, o recorrente (i) não indica qualquer segmento de registo específico que suporte a sua pretensão para o ponto 9 da matéria de facto provada; (ii) a remissão global por integral reprodução não satisfaz o requisito legal, porque não sustenta para esse facto quais são as passagens que impõem decisão diversa; e (iii) a confissão de inexistência de descrição torna logicamente impossível cumprir o ónus temporal, revelando não um lapso de forma, mas a inexistência de base probatória gravada que o próprio recorrente entenda útil para sustentar a modificação do referido facto 9. Nestas condições, um convite para que, a posteriori, sejam indicadas passagens que o recorrente disse não existirem converter-se-ia num indevido reforço oficioso da posição recursória, e não num suprimento de falha formal. O texto recursório demonstra a omissão substantiva dos ónus quanto ao ponto 9, e não uma mera imperfeição redaccional susceptível de aperfeiçoamento. Deste modo, a solução adequada é: não há lugar a convite ao aperfeiçoamento (art. 417.º, n.º 3 do CPP), porque a omissão é material e inultrapassável; e, por isso, a Relação deve não conhecer da impugnação da matéria de facto quanto ao ponto 9, por incumprimento dos ónus do art. 412.º, n.º 3 do CPP, mantendo-se esse facto tal como fixado. Quanto ao ponto 7, onde o recorrente indicou minutagem concreta e transcrição, a Relação pode conhecer nos termos estritos do art. 412.º, n.ºs 3–4, reponderando as passagens identificadas. É o que faremos: O que dizem os autos e a motivação sobre o ponto 7) da matéria de facto provada? A redacção do mencionado ponto 7 dá por provado que, em meados de ... de 2023, no quarto do rés-do-chão, o arguido puxou a menor para a cama, despiu-lhe calções e roupa interior e, com o pénis erecto, usando preservativo, penetrou-a na vagina, realizando movimentos de vai-e-vem até ejacular. A 1.ª instância motivou salientando que a menor “descreveu então que (…) manteve duas relações sexuais de cópula completa (…) contextualizando-as e descrevendo-as”, ancorando este ponto na declaração para memória futura e na corroboração circunstancial (nomeadamente, ambiente doméstico, mensagens e dinâmica subsequente). É importante notar que mesmo o recorrente, ao reproduzir a fundamentação, aceita que o tribunal a quo atribuiu este conteúdo narrativo às declarações da menor, discutindo não a coerência do discurso decisório, mas o padrão linguístico exigível ao depoimento de uma adolescente. No excerto transcrito pelo próprio recorrente (22:35–29:08), a menor descreve a progressão sexual: a presença no quarto do rés-do-chão, a retirada de roupa pelo arguido (“ele tirou os calções… não usava cuecas”), actos de aproximação física, e — num momento de pergunta directa — confirma contacto pénis–vagina com resposta “sim”. Em vítimas adolescentes, é frequente a evitação terminológica e a descrição “por cenas” e gestos; a lei não exige que a testemunha use a palavra “penetração”. Ao inverso, compete ao julgador, sob o art. 127.º CPP, valorar se, dadas as circunstâncias descritas, a inferência de penetração é a mais racional e coerente com o restante acervo. A 1.ª instância fez esse caminho; a audição confirma que a narrativa não é conclusiva no léxico, mas é concludente no contexto, e isto basta para a manutenção do ponto 7. O relato da menor sobre as duas ocasiões surge inserido na rotina de coabitação e de convites nocturnos ao quarto térreo nas fases de conflito conjugal, dinâmica que o acórdão reconstrói criticamente. A prova testemunhal de DD — dormidas separadas por pisos, visualização posterior de ambos “a dormir juntos” — e as mensagens trocadas reforçam a consistência do quadro fático em que o acto sexual se insere. Assim, quando a gravação é lida em conjunto com a apreciação crítica da 1.ª instância, não há hiato lógico entre o que se ouve e a conclusão de cópula extraída; pelo contrário, o conjunto corrobora a inferência. A perícia não afirma penetração completa, mas também não a exclui; admite penetração parcial ao nível do intróito vaginal e descreve lesões de fossa vestibular com sinais recentes de infiltração sanguínea, compatíveis com traumatismo por objecto contundente. O dado “não se visualiza esperma” não tem valor excludente, e a ejaculação é irrelevante para a tipicidade de cópula (basta introdução do pénis na vagina, ainda que parcial). A própria tese do recorrente, ao insistir na ausência de ejaculação e em “movimentos de vai-e-vem”, revela um padrão probatório indevido, não imposto pelo direito substantivo e desconforme com o juízo integrado de prova. Neste contexto, a perícia actua como factor de compatibilidade, não de eliminação, e não impõe alteração do mencionado ponto 7. O argumento do recorrente é duplamente falível: normativamente, porque a lei não exige verbalização técnica por parte da vítima; probatoriamente, porque o que releva é a substância descritiva da experiência sexual narrada, o contacto genital directo e o contexto que o torna inequívoco. A resposta “sim” à pergunta sobre contacto pénis–vagina, conjugada com a descrição da retirada da roupa, com a localização em cama e com a durabilidade do episódio, permite a inferência positiva de introdução; por seu turno, o discurso pericial não exclui penetração e admite a sua forma parcial. A 1.ª instância explicitou que a menor “contextualizou e descreveu” as duas relações, e é esse juízo de conteúdo e contexto — não de léxico — que prevalece na reapreciação. A soma destes elementos justifica, de modo completo e verificável, a improcedência da censura ao ponto 7 da matéria de facto provada. Concluindo, quanto a este segmento: a improcedência da censura ao ponto 7 não assenta em presunções vagas nem em deferência acrítica à 1.ª instância; resulta de: a) audição da janela temporal indicada pelo próprio recorrente; b) leitura contextual do depoimento, que confirma contacto genital directo e descreve uma sequência típica de acto sexual; c) compatibilidade pericial com penetração parcial e irrelevância da ejaculação; d) corroboração por elementos objectivos e por depoimentos indirectos, em alinhamento com o meio relacional de coabitação; e) estrita aplicação do art. 127.º CPP e do art. 374.º, n.º 2 CPP. Deste modo, a fundamentação da improcedência fica clara: não porque “a menor confirmou tudo” em sentido tautológico, mas porque o conteúdo descritivo do depoimento, lido no contexto probatório e científico, sustenta a conclusão de cópula; a audição não impõe modificação. Termos em que, também nesta parte, o recurso improcede. * 2.3.3. se se verifica o preenchimento do tipo do art. 173.º, n.º 2 do CP—em particular o elemento “abuso da inexperiência” — ou se, como sustenta o recorrente, tal elemento falta, com consequente afastamento da qualificação O n.º 1 do art. 173.º do CP (Código Penal) tutela a integridade e a autodeterminação sexual dos adolescentes entre 14 e 16 anos, punindo o acto sexual de relevo praticado “abusando da sua inexperiência”; o n.º 2 densifica a gravidade quando se trate de cópula, coitos oral/anal ou introduções vaginal/anal. O bem jurídico é o livre desenvolvimento da vida sexual do adolescente num plano que excede a mera literacia informativa: interessa, sobretudo, a capacidade experiencial para antecipar riscos e resistir a influências adultas em contextos de ascendência relacional (família, coabitação, confiança). O acórdão recorrido elenca expressamente o conteúdo normativo do preceito e a teleologia protectiva, de onde decorre que o abuso não se confunde com ignorância factual, mas com exploração de uma vulnerabilidade experiencial típica da idade e do ambiente. “Inexperiência” é conceito normativo densificado por maturidade, condição psíquica e grau educacional, aferidos globalmente e em contexto; não se reduz à inexistência de prática sexual prévia, nem se neutraliza com conhecimentos básicos sobre contracepção. A cláusula “abuso” exige que o agente aproveite essa falta de experiência de vida, sendo paradigmáticos os cenários de coabitação e confiança, em que a assimetria relacional diminui barreiras e induz conformidade. O próprio processo enuncia estes critérios e a sua aplicação ao caso, tornando inequívoco o padrão de aferição exigido pelo tipo. O recorrente sustenta que o tribunal “não analisou” a inexperiência “como devia”, aduzindo que, “na sociedade da informação”, ela seria excepcional; invoca, depois, o relatório pericial para afirmar que a ofendida descontinuara a toma de pílula três meses antes, o que seria “por si só demonstrativo de conhecimentos básicos sobre a vida sexual”. Conclui, daí, pela falta do elemento típico e por violação do art. 173.º do CP (Código Penal). Paralelamente, pretende que a decisão teria confundido “inexperiência” com “ausência de cópula prévia”. O acórdão sob censura não se limita a citar a lei: explicita o bem jurídico, enuncia o conteúdo típico do art. 173.º do CP e aplica os critérios ao caso. A factualidade provada integra: arguido maior; ofendida com 14 anos à data; penetração vaginal (pontos 7 e 9); e, nuclearmente, exploração da inexperiência por via de coabitação e de um vínculo quase-familiar que gerou confiança. O acórdão sublinha que a menor viveu na residência do arguido, continuando a residir aí mesmo após a irmã abandonar a casa, sinal de ascendência prática do arguido e de permeabilidade da menor à sua influência — notas típicas do “abuso”. Vejamos mais em detalhe: A coabitação é uma matriz de risco criminal reconhecida pelo legislador do art. 173.º do CP: insere o adolescente num ambiente de proximidade quotidiana, em que convites para o quarto/cama surgem como extensão da rotina doméstica, diminuindo a vigilância e a resistência. O acórdão verifica precisamente esse quadro: residência comum, confiança consolidada e aproveitamento pelo arguido da sua posição relacional para criar oportunidade e reduzir barreiras. Por isso, a inexperiência, aqui, não é uma abstracção: é um estado experiencial deficitário explorado pelo adulto, de que a coabitação é a plataforma fática e a confiança o mecanismo. A densidade justificativa encontra-se exarada de forma coerente no texto decisório. O eixo central do recurso — “tomava pílula, logo tinha maturidade sexual suficiente, logo não havia inexperiência” — incorre em falsa equivalência. A toma/descontinuação de um contraceptivo é, quando muito, indício de literacia funcional; não traduz, por si, maturidade psicoafectiva nem experiência de vida para resistir à ascendência doméstica. O próprio texto invocado, situado nos “antecedentes pessoais” do relatório clínico, não é uma avaliação global de maturidade nem um juízo normativo sobre o elemento típico. O acórdão não funda o abuso em “desconhecimento técnico”, mas em coabitação, confiança e forma de execução (com penetração). O argumento do recorrente, por isso, não atinge o núcleo do tipo. A invocação genérica da “sociedade da informação” confunde disponibilidade de conteúdos com capacidade de autodeterminação em cenários de ascendência e confiança. O art. 173.º do CP não exige prova de “ignorância”; exige prova de falta de experiência de vida explorada pelo agente. O acórdão cumpre este standard: idade (14 anos), coabitação com o arguido, confiança e ausência de desconfiança perante convites para o quarto/cama; e execução dos factos com penetração — um conjunto coerente com as regras da experiência que evidencia exploração da vulnerabilidade experiencial e satisfaz o elemento normativo. A subsunção do “abuso” não foi construída no vazio: apoia-se na credibilidade da ofendida, na coerência do relato, na corroboração circunstancial (dinâmica doméstica; residência com o arguido e as filhas; relação com a irmã) e na reiteração com penetração (pontos 7 e 9). Mais: Os relatórios biológico/genéticos e clínico-forenses foram invocados, pelo recorrente, para discutir “cópula”; não dizem, nem podiam dizer, sobre maturidade experiencial ou ascendência doméstica. Mesmo na dimensão forense, são inconclusivos quanto a “cópula completa” e não excluem penetração parcial — suficiente para a tipicidade do n.º 2 do referido artº. 173º —, nada infirmando, portanto, a subsunção do elemento “inexperiência”. A tentativa de transpor a inconclusão pericial para uma negação do abuso é um non sequitur: o juízo de inexperiência é normativo, não biométrico. O acórdão cumpre a livre apreciação disciplinada pelas regras da experiência (CPP, art. 127.º) e o exame crítico (CPP, art. 374.º, n.º 2), compondo um todo racional: explica por que credibiliza a ofendida, como integra a prova circunstancial (coabitação, confiança, permanência na residência, convites para o quarto/cama) e por que a perícia não é decisiva quanto ao abuso. Conclui-se que se verifica o preenchimento integral do art. 173.º, n.º 2, do CP (Código Penal) incluindo o elemento “abuso da inexperiência”, entendido e aplicado no seu sentido normativo correcto: exploração, pelo arguido, da falta de experiência de vida da adolescente, aferida por maturidade, condição psíquica e grau educacional, e densificada pelo contexto relacional de coabitação e confiança que o arguido instrumentalizou para criar oportunidade e reduzir resistência. A invocação “pílula igual a maturidade” é irrelevante e insuficiente; a alegação “sociedade da informação” é indeterminada e não destrói a leitura contextual; a crítica de “omissão de análise” contraria o texto do acórdão. Mantém-se, pois, a qualificação do n.º 2 do artº. 173º do CP (Código Penal), improcedendo a pretensão de afastamento do elemento típico. Temos em que improcede, in totum, o recurso interposto pelo arguido. * III – DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar integralmente o acórdão recorrido. Fixa-se a taxa de justiça devida pelo arguido/recorrente em cinco UCs., sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário que beneficie. Tribunal da Relação de Lisboa, 03-12-2025, Alfredo Costa Cristina Sousa João Bártolo * Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (art. 94°, n.º 2 do C.P.P.) Ortografia pré-acordo |