Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
727/22.6SFLSB.L1-3
Relator: CRISTINA ISABEL HENRIQUES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ABUSO SEXUAL DE PESSOA INCAPAZ DE RESISTÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I - O arguido insurge-se contra a matéria de facto provada, mas nas frases que transcreve, que são pouquíssimas, descontextualizadas e sem sentido no contexto da apreciação global dos depoimentos, e tendo em atenção que alguns depoimentos, como o da ofendida, são demorados, não consegue, com o mínimo de consistência, contrariar o sentido que o Tribunal conferiu às declarações prestadas.
II - O arguido refere passagens cirúrgicas do depoimento das testemunhas e tece uma série de considerações sobre as mesmas e a respectiva credibilidade, escrutinando e aventando inúmeros motivos pelos quais, em sua opinião, o tribunal não deveria ter valorado as declarações das testemunhas no sentido em que o fez, mas noutro.
III - De todos as frases mencionadas pelo arguido, as quais foram proferidas pelas testemunhas, nenhuma delas é adequada a modificar o sentido da matéria de facto dada como provada, nem de per si, nem conjugadas com as demais ou com a restante prova.
IV - Pretende o arguido que a ofendida estaria em perfeitas condições físicas e psíquicas quando praticou consigo os actos sexuais em causa, mas não é nada disso que se evidencia do depoimento de todas as testemunhas e muito menos do depoimento da ofendida, quando interpretados todos eles à luz da experiência da vida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório:
Nos autos de Processo n.º727/22.6SFLSB.L1 foi proferido acórdão no qual foi decidido julgar a acusação pública procedente e, em consequência:
a) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo artigo 165.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão. b) Suspender a execução da pena de prisão pelo período de 4 (quatro) anos, sujeito a regime de prova a delinear pela DGRSP, assente num plano de readaptação social do qual conste: - Exercício de actividade laboral ou formativa, comprovando-o nos autos; e, - Proibição de contactos com a ofendida BB (artigo 52.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).(…)”
Não conformado com tal acórdão, veio o arguido interpor recurso para este Tribunal, juntando para tanto as motivações que constam dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, concluindo nos seguintes termos, que se transcrevem:
I. Veio o Arguido AA condenado a uma pena de dois anos e nove meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, sujeito a regime de prova pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo art. 165º do CP.
II. O Tribunal a quo dá como provados os factos constantes da acusação nos precisos termos aí vertidos.
III. Ora, não se descortina de que prova decorre os factos mencionados nos pontos 14 e 17 dos factos provados, posto que nenhuma testemunha menciona que a Ofendida tenha perdido consciência, muito pelo contrário.
IV. A testemunha CC declara que após um episódio em que a Ofendida se sentiu maldisposta, dançou, riu e conversou com todos os presentes.
V. Por outro lado, nunca refere que a BB perdeu os sentidos e que lhe teve de agarrar a cara e despertar.
VI. Pelo contrário, afirma que à saída da discoteca a BB estava capaz de decidir, e decidiu acompanhar os rapazes até ao hostel.
VII. A testemunha DD confirma esta versão, que refere a mal disposição da Ofendida, mas que na altura da saída da discoteca estava bem melhor.
VIII. Também a testemunha EE confirma que, após o episódio de má disposição, a BB ficou melhor, e pelas 4 ou 5 horas da manhã teve uma conversa coerente com a Ofendida, e quando se foi embora, esta lhe disse que estava bem e queria ficar na companhia do Arguido.
IX. Versão também oferecida pelo Arguido.
X. Assim, andou mal o Tribunal quando considerou os factos 14 e 17 provados, ao arrepio de toda a prova testemunhal oferecida.
XI. Este erro na apreciação probatória assume particular relevância na análise do grau de intoxicação da ofendida neste momento, e sobretudo na sua capacidade de se determinar mais tarde.
XII. A caminhada desde a discoteca até ao hostel, que implica a subida ingreme da ... decorreu sem atritos.
XIII. Ninguém menciona ter a Ofendida sido carregada, ou ter cambaleado durante a caminhada de cerca de 1,4km.
XIV. A testemunha CC que comprovadamente terá bebido menos e fez as declarações mais completas, declara: Lembro-me dela estar a rir connosco, de ela estar também agarrada a mim e à minha prima… essencialmente é tudo o que eu me lembro.»
XV. Esta versão é comum a todas as testemunhas presentes, e ao Arguido.
XVI. É facto científico assente que os estados de embriaguez podem ser mais ou menos graves, mais ou menos incapacitantes.
XVII. Ora, da descrição apresentada pelas testemunhas, à saída da discoteca, a Ofendida já estaria com uma intoxicação leve e após uma caminhada de 1400m, o que acelera o metabolismo, a intoxicação, embora inegável, já não seria de molde a tolher o raciocínio de tal forma que impedisse a Ofendida a ter relações contra a sua vontade.
XVIII. Se é certo que não foi apurada a taxa de alcoolémia da Ofendida imediatamente após os factos em causa, sabe-se que pelas 15:30 do dia ... de ... de 2022, a Ofendida apresentava uma taxa de 0,1 g/l conforme decorre do exame toxicológico junto aos autos a fls…..
XIX. Sabe-se ainda que os factos terão ocorrido entre as 7h00 e as 8h00 desse dia, podendo-se inferir que por essa altura, atendendo ao facto de a Ofendida ter vomitado, e não ter ingerido mais bebidas alcóolicas desde as 3h00/4h00, e ter feito uma longa caminhada, a Ofendida estaria ligeiramente intoxicada.
XX. Só assim se poderá explicar o detalhe com que a Ofendida descreve o local e recorda uma conversa com o Arguido entre o min. 23:24 e o min. 25:26.
XXI. Acresce que nenhum dos testemunhos permitem inferir que esta estivesse prostrada, ou incapaz de reagir a avanços não desejados, muito pelo contrário, como decorre das declarações da Ofendida e da Testemunha FF (min. 39:06 a 40:20 e 6:32 a 8:00 e 8:46 a 9:00 respectivamente).
XXII. Nenhuma da prova produzida em julgamento permite retirar a conclusão de que a Ofendida estava prostrada, de tal forma intoxicada que não lhe fosse possível expressar a recusa de contactos sexuais.
XXIII. Não podia o Tribunal considerar provados, para além de qualquer dúvida os factos descritos em 27. 28. 29. 31. e 32.
XXIV. Perante as declarações concordantes das testemunhas, o Tribunal escolhe desvalorizar as que não confirmam a factualidade desfavorável ao Arguido, sobrevalorizando as declarações de quem não estava presente: os irmãos e cunhada da Ofendida.
XXV. Por seu turno, é flagrante é a completa falta de base probatória para incluir nos factos provados o ponto 26. Para além da menção no corpo do despacho de acusação, nenhum dos depoimentos sequer menciona que alguma vez o Arguido tivesse proferido as expressões “estava à espera disto há algum tempo”, “tu atiçaste- me”, “tu mereces isto”.
XXVI. Não podia, assim, o ponto 26. incluir os factos provados.
XXVII. A dado momento, a douta sentença destorce o sentido das declarações do Arguido, ao arrepio do demonstrado pela da conduta deste, presenciada por TODAS as testemunhas: A este propósito não podemos deixar de referir que a expressão por este empregue “de que a tratou sempre como uma princesa”, se revela degradante e demonstrativo da sua ideia daquilo que é o relacionamento entre homem e mulher.”
XXVIII. Como pode o Tribunal considerar que a expressão “tratar como uma princesa” pode ser entendido como degradante ou de molde a menosprezar a mulher – a Ofendida, neste caso.
XXIX. Apenas um entendimento pode ser extraído desta expressão, proferida em tom sério: tratar como uma princesa, é tratar bem, com cuidado e cautela.
XXX. Não pode o Tribunal, ao arrepio de todas as declarações das testemunhas presentes, por vezes até das declarações da própria Ofendida, fazer tábua rasa de todos os elementos de prova que beneficiam a inocência do Arguido.
XXXI. Assim, e da prova produzida ao longo do julgamento, não podia o Tribunal a quo extrair os factos dados como provados nos pontos 14. 17. 26. a 29. 31. e 32. Antes devendo absolver o Arguido ou, pelo menos, perante todos os depoimentos, assumir a dúvida legítima sobre a incapacidade da Ofendida de se determinar, e consequentemente perante a mínima dúvida fazer aplicação do princípio constitucional in dubio pro reo.
XXXII. No caso concreto, toda a prova convergiu na possibilidade – aliás, séria – de o Arguido não ter praticado qualquer ato típico, ilícito e culposo.
XXXIII. Não podia o Tribunal acolher a tese manca e sem fundamento fáctico da culpabilidade sem, pelo menos ferir o princípio da presunção da inocência”.
Respondeu o MP, pugnando pela manutenção da decisão, concluindo nos seguintes termos:
Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adotada designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69).
Como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.
Analisada a sentença recorrida, não pode concluir-se que dela resulte que o Tribunal a quo se tivesse abstido de indagar e de conhecer factos cujo conhecimento fosse necessário à prolação de uma decisão justa.
Com efeito, a Mma. Juiz a quo apreciou todos os factos que constituíam o objeto dos presentes autos e que eram relevantes para a boa decisão da causa, proferindo decisão quanto à matéria de facto que considerou provada e concluindo pela inexistência de factos não provados.
Bem como explicitou, de forma fundamentada e clara, todo o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação de todas as provas produzidas em julgamento e que levaram à formulação de tal juízo.
Apraz-nos dizer que aquilo que o Recorrente faz é tentar dar o seu entendimento sobre a prova produzida em audiência, colocando em causa o princípio da livre apreciação da prova e a formação do juízo crítico da mesma efetuada pelo Julgador.
Mas fá-lo, contudo, sem razão e sem fundamento probatório sério que imponha a retificação de um inexistente “erro de julgamento” por parte da Mma. Juiz.
Com efeito, temos que a prova considerada pelo Tribunal a quo suporta plenamente o juízo probatório formulado, não merecendo qualquer censura o juízo formulado.
Vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no artigo 127º do Código de Processo Penal, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelos recorrentes em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação.
Ora, in casu, na fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida, consta a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e o respetivo processo lógico e racional que foi seguido na apreciação dessas provas, não se vislumbrando a existência de qualquer arbitrariedade nessa apreciação, nem contradição.
Mostra-se acertado o juízo formulado pela Mma. Juiz a quo quanto à matéria de facto
Ao analisarmos a fundamentação - que cumpriu os requisitos exigidos no artigo 374º, nº 2, do Código do Processo Penal, indicando e examinando criticamente as provas que serviram para formar a convicção do tribunal -, verificamos que nela se explicitou de forma clara o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido que ali se deixou consignado.
O tribunal indicou os meios de prova em que se baseou, tendo feito a análise dos depoimentos das testemunhas e das declarações do arguido, que conjugou com toda a prova documental dos autos e explicitou o processo que seguiu para a formação da sua convicção, o que permite aferir das regras e critérios de valoração seguidos e se o resultado probatório surge como o mais aceitável.
A Mmª Juiz a quo seguiu um processo lógico e racional, observando regras de experiência comum (regras de probabilidade e razoabilidade), sendo a decisão convincente pela explicitação do substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse naquele sentido e pela forma como valorou os diversos meios de prova, indicando a razão porque uns merecem credibilidade em detrimento de outros, não merecendo por isso qualquer reparo. Entende o Ministério Público que o tribunal apreciou corretamente a prova produzida em audiência e fundamentou de forma percetível a sua convicção.
Do cotejo crítico e conjugado da prova e à luz das regras da experiência comum e da adequação social, nada vislumbramos nos factos dados por provados e não provados, que importe a existência de um errado juízo na apreciação e valoração da prova, sendo que os mesmos não se contrariam entre si, nem se opõem ao que se fez constar da fundamentação da sentença.
A decisão sobre esta matéria encontra-se devidamente motivada, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo, nenhuma delas proibidas por lei e todas de livre apreciação do julgador, segundo as regras da experiência comum e a sua convicção, operando a sua análise crítica.
A decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, pelo que aderimos à apreciação feita pelo tribunal
A douta sentença proferida reflete uma análise de toda a matéria de facto relevante para a decisão da causa, não existindo a invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto invocada (artigo 410º, nº2, alínea c) do CPP). Cumpre, ainda, referir que no caso não tem, quanto a nós, qualquer cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo.
Este princípio é uma emanação do princípio da presunção de inocência e surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo; constituindo assim um limite normativo da livre apreciação da prova, consagrada no art. 127º do CPP
Se a final persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de violação do in dubio pro reo.
Ora, in casu, o julgador não se defrontou com dúvidas que tivesse resolvido contra o Recorrente, nem demonstrou qualquer dúvida na formação da convicção e, ademais, nada impunha que a devesse ter tido.
Com efeito, diversamente do que entende o arguido, temos por líquido, até pelo supra enunciado, que da conjugação de toda a prova produzida resulta à evidência que foi acertada a decisão sobre todos os pontos da matéria de facto constantes da sentença condenatória.
Na verdade, as razões e os elementos probatórios apontados na douta sentença recorrida impunham que o tribunal, de acordo com as regras da lógica e da experiência, concluísse sem margem para dúvidas, como concluiu, estarem provados tais factos.
E porque nada permite afirmar que o tribunal recorrido tenha dado como provados os factos que como tal especificou tendo ou devendo ter dúvidas sobre algum ou alguns deles, não pode invocar-se no caso em apreço a violação do princípio in dubio pro reo.
Não teve (e bem) o tribunal a quo qualquer dúvida quanto à prática dos factos pelo arguido (tal como o Ministério Público não a vislumbra), sendo a análise da prova clara e objetiva, bem como as conclusões dela extraídas, pelo que a condenação se impõe.
Assim, porque nada encontramos na decisão sobre a matéria de facto, nem na respetiva fundamentação, que nos mereça censura, deve negar-se provimento ao recurso.
Neste Tribunal o Ilustre Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo arguido, salientando-se a sua posição:
O recorrente impugna expressamente a prova dos factos 14,17, 26, 27, 28, 29, 31 e 32.
Relativamente aos factos 14, 17 e 26, desde já se nos afigura ser procedente a sua argumentação.
Com efeito: Sob o facto 14, o Tribunal deu como provado: “Após, em razão da ingestão das bebidas alcoólicas, BB sentiu-se indisposta, recostou-se no sofá e perdeu a consciência do tempo e lugar, tendo apenas memórias de que o arguido permanecia junto a si”
Por sua vez, sob o facto 17, o Tribunal deu como provado: “ 17. Sentindo os efeitos da ingestão das referidas bebidas alcoólicas, BB perdeu novamente os sentidos, tendo CC lhe agarrado a cara e despertado para se ausentarem do local”. Da leitura conjugada destes dois factos, manifesto se revela que, ao referir-se no facto 17 a “perdeu novamente os sentidos””, o Tribunal está a referir uma repetição que, da leitura da sentença, se reporta ao momento do facto assim dado como provado sob o número 14.
Realça o recorrente que nenhuma prova foi feita que permita concluir que a ofendida “perdeu os sentidos”.
Escrutinada a sentença sob recurso, verifica-se que efetivamente não consta da sua fundamentação que o arguido ou alguma das testemunhas, tenham referido que, nas circunstâncias assim dadas como provadas (ou em quaisquer outras), a ofendida tenha “perdido os sentidos”, ou que, como referido no facto nº. 14, tenha “perdido a consciência do tempo e lugar”.
Por sua vez , sob o facto 26, o Tribunal deu como provado : “Enquanto BB permanecia deitada, o arguido AA regressou ao quarto, deitou-se na cama onde esta se encontrava, encostou-se às suas costas e beijou-a no pescoço e nas costas, enquanto lhe dizia “estava à espera disto há algum tempo”, “tu atiçaste-me”, “tu mereces isto”.
Realça o recorrente que nem o próprio nem alguma testemunha referiu terem sido proferidas essas frases, que não poderiam assim ser dadas como provadas.
Escrutinada a sentença sob recurso, verifica-se que efetivamente não consta da sua fundamentação que o arguido ou alguma das testemunhas, mormente a ofendida, tenham referido que, nas circunstâncias assim dadas como provadas (ou em quaisquer outras), o arguido tenha proferido essas afirmações.
Nessa consonância, entendemos que os factos assim dados como provados deverão ser expurgados do elenco dos factos provados, passando a constar como factos não provados.
Acresce que, e salvo melhor entendimento, cremos que a sentença sob recurso padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto previsto no artº. 410º nº. 2 a) do CPP, porquanto: A subsunção jurídica dos factos, assenta na prova de que o recorrente agiu “sabendo que a ofendida BB se encontrava incapaz de reagir”.
Integrando essa conclusão nos factos dados como provados, verifica-se que a mesma assenta, desde logo, no facto dado como provado sob o nº. 27, que refere: “Aproveitando-se da inércia de BB, o arguido agarrou a cintura das calças, tipo leggings, que esta trajava e puxou-as para baixo, assim a despindo”.
Ora, em si mesmo, o facto assim descrito “aproveitando-se da inércia da BB”, é um facto conclusivo que pressupõe a prova de que, nesse momento, BB estava inerte e sem capacidade de reação.
Aqui se tendo presente, como aliás fundadamente citado em sede de fundamentação, o entendimento doutrinal expresso por José Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiro em “Crimes Sexuais” págs. 106 e ss-2ª Edição Almedina, que defende que para se concluir pela impossibilidade de manifestar dissentimento, “ essencial é que a vítima esteja num estado que a impede de transmitir a sua vontade em relação ao acto sexual de relevo, totalmente incapaz de expressar de forma consciente o consentimento ou dissentimento e um aproveitamento do agressor desta situação fáctica para consumar o seu intento sexual” .- cfr. páginas 21 e 22 da sentença.
A questão nuclear é esta mesmo: O acto sexual ocorreu quando e porque a ofendida estava inerte, sem capacidade de reagir? Tenhamos presente que a resposta tem de resultar do elenco dos factos provados. Ora, a nosso ver, da sua análise não resulta que se possa concluir afirmativamente. Com efeito: Analisada a sentença, verifica-se que a prova desse facto conclusivo surge na sequência dos anteriores factos dados como provados e, ressalvando melhor opinião, a sua sequência não permite concluir nem que a ofendida naquele momento estava inerte, nem que o arguido se aproveitou dessa inércia para a prática do acto sexual.
Na verdade, o que se descreve até então é uma sequência de acontecimentos que decorrem na madrugada do dia ...-...-2022, culminando em momento próximo às 7h45m. Dessa descrição resulta patente que: - em hora não concretamente apurada, ainda no interior da discoteca, a ofendida evidenciou estar embriagada, tendo ficado indisposta , momento a partir do qual já só bebeu água ( aqui se tendo presente, como supra referido, que devem ser expurgados os factos provados sob os nsº. 14 e 17, na parte em que referem que perdeu a consciência e sentidos). - entre o momento em que parou de ingerir bebidas alcoólicas e chegou ao hostel, decorreu um período de tempo (horas) não concretamente apurado, sendo a sentença omissa quanto à evolução do estado físico e psíquico da ofendida. Ao invés, no encadeamento dos factos dados como provados, os que antecedem a prova do facto nº. 27 são afinal demonstrativos de que a ofendida tinha noção da realidade que a envolvia, e lucidez para: - ter manifestado à saída da discoteca vontade de ir para casa de comboio ao que a amiga GG respondeu “ não, dói-me muito os pés” (factos provados sob os números 18 e 20) - responder negativamente à pergunta feita pelo arguido se queria tomar banho com ele ( facto 21) - deitar-se numa das camas , tirar anéis e relógio, guardá-los na mala e mexer no seu telemóvel ( facto 24) - ver mensagens de uma amiga e responder-lhe que queria ir para casa, escolhendo ainda um emoji com cara triste ( facto 25) Cremos assim ser manifesta a carência de elementos que integrem uma situação de embriaguez determinante de um estado de “ inércia” que comportasse uma incapacidade física e psicológica para decidir ou para se opor à prática de actos sexuais.
Conclusão a que chegamos em face dos factos elencados na sentença sob recurso, sem que se esteja a ter presente nesta argumentação, que, pelas razões sobreditas, dos mesmos deverão ser expurgados os supra referidos 14,17 e 26.
Salvo melhor opinião, os factos provados não permitem assim a asserção conclusiva inserta no facto assim provado sob o nº. 27, porquanto a sentença é omissa quanto aos elementos de facto que permitem concluir pela prova do estado de inércia da ofendida. Sendo certo que da súmula do depoimento prestado pela ofendida nos termos exaradas em sede de fundamentação, se extrai que em momento subsequente (e afinal temporalmente próximo da atuação do arguido), a mesma revelou estar consciente para tomar decisões quanto à sua autodeterminação sexual .
Ressalvando melhor entendimento, cremos assim que no caso concreto se está perante a invocada insuficiência de factos para a decisão de condenação do recorrente como autor do crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência pp pelo artº. 165º nºs. 1 e 2 do C.Penal, conducente ao invocado vício da sentença. - artigo 410.º nº 2 alínea a) do C.P.P.
Assim considerando, o que se impõe então apreciar é se, como defende o recorrente, esse vício importa uma imediata decisão de absolvição.
Nesta questão, não deixamos de ter presente o disposto no artº. Artigo 426.º nº. 1 do CPP, que, sob a epígrafe “ Reenvio do processo para novo julgamento”, dispõe: “ Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio”.
Aqui chegados, somos do parecer que devem ser expurgados os factos provados sob os números 14,17 e 26 e, também considerando a omissão de factos que permitam dar como provado o facto 27 e os subsequentes factos provados sob os números 31 a 36, deverá concluir-se pela procedência do recurso ou, se assim não for entendido, decidir-se pelo reenvio do processo para a realização de novo julgamento nos termos previstos no artº. 426º nº. 1 do CPP ,
Foi cumprido o disposto no artigo artº 417º nº 2 do CPP.
Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se á conferência.
2. Fundamentação:
Cumpre assim apreciar e decidir.
É a seguinte a decisão recorrida (fundamentação de facto):
Na sentença proferida nos autos foram dados como provados os seguintes factos, com pertinência para o presente recurso:
“1. No dia ... de ... de 2022, BB, acompanhada pelas amigas CC e GG, deslocaram-se a uma festa de música ..., na discoteca “...”, sita na ....
2. Aí chegadas, cerca das 23h00, encontraram-se com EE, amigo de BB, que as conduziu ao interior da mesma, cerca das 01h00.
3. Já no seu interior, dançaram, conviveram e ingeriram um número indeterminado de shots de tequila e uma caipirinha.
4. Decorridas algumas horas, foram até à zona VIP e, aí, BB sentou-se num sofá junto a uma mesa ao lado do Bar, acompanhada pelas amigas, aguardando que EE lhes oferecesse um shot.
5. Entretanto, aproximaram-se dois jovens, DD e o arguido AA, questionando se poderiam permanecer naquela mesa, ao que todas assentiram.
6. Alguns minutos depois, EE aproximou-se da mesa com shots de bebida com teor alcoólico, que ingeriu acompanhado por BB, GG e CC.
7. Após, BB foi dançar com GG, enquanto CC iniciou uma conversa com o arguido.
8. Nesse entretanto, um terceiro jovem juntou-se a DD e AA.
9. A dado momento, um barman pousou duas garrafas de Whisky e garrafas, em número não concretamente apurado, de Pepsi na mesa onde se encontravam BB, GG, CC e os três jovens.
10. Ato contínuo, o arguido AA serviu seis bebidas, colocando Whisky e Pepsi em seis copos, que todos ingeriram.
11. Assim, os seis jovens conversaram e conviveram entre si.
12. Enquanto ingeriam as bebidas, o arguido chamou BB para junto de si, ao que esta acedeu.
13. Na sequência da conversa, BB e o arguido beijaram-se, assim se mantendo por alguns minutos.
14. Após, em razão da ingestão das bebidas alcoólicas, BB sentiu-se indisposta, recostou-se no sofá e perdeu a consciência do tempo e lugar, tendo apenas memórias de que o arguido permanecia junto a si.
15. Apercebendo-se do estado da ofendida, o arguido deslocou-se ao bar e regressou com uma garrafa de água que deu a BB, para que a ingerisse.
16. Após ter bebido duas garrafas de água, BB deslocou-se à casa-de-banho e voltou a sentar-se junto do arguido.
17. Sentindo os efeitos da ingestão das referidas bebidas alcoólicas, BB perdeu novamente os sentidos, tendo CC lhe agarrado a cara e despertado para se ausentarem do local.
18. Em hora não concretamente apurada, a ofendida saiu do interior da discoteca acompanhada por CC, GG, o arguido AA, DD e FF, o terceiro jovem que a todos se juntou.
19. Já no exterior, caminharam em direção ao ...”, sito na ..., em ..., onde o arguido AA, DD e FF se encontravam hospedados
20. Apercebendo-se que não se estavam a deslocar para a estação de comboio para regressarem a casa, BB disse aos jovens que queria ir para casa, ao que GG respondeu “não, dói-me muito os pés”.
21. Chegados ao Hostel, entraram, subiram umas escadas, percorreram um corredor e entraram no quarto dos jovens, composto por seis camas de solteiro.
22. Aí, o arguido perguntou a BB se queria tomar banho com ele, ao que esta respondeu negativamente.
23. Assim, o arguido foi tomar banho e BB deitou-se numa das camas com GG, que, de imediato, se levantou e se foi deitar numa outra cama.
24. De seguida, BB tirou os seus anéis e relógio, guardou-os na mala e voltou a deitar-se, mexendo no seu telemóvel.
25. Nessa altura, BB visualizou as mensagens da sua amiga HH e respondeu-lhe, cerca das 07h45, dizendo “Quero ir para casa HH”, acrescentando uma cara triste à mensagem.
26. Enquanto BB permanecia deitada, o arguido AA regressou ao quarto, deitou-se na cama onde esta se encontrava, encostou-se às suas costas e beijou-a no pescoço e nas costas, enquanto lhe dizia “estava à espera disto há algum tempo”, “tu atiçaste-me”, “tu mereces isto”.
27. Aproveitando-se da inércia de BB, o arguido agarrou a cintura das calças, tipo leggings, que esta trajava e puxou-as para baixo, assim a despindo.
28. De seguida, o arguido puxou BB para junto de si, colocou as cuecas que ela vestia para o lado e introduziu-lhe o seu pénis ereto na vagina, efetuando movimentos de vaivém, durante alguns minutos, sem utilizar preservativo.
29. Por sentir dores, BB gemeu e sangrou.
30. Após, o arguido parou, sem ejacular, e saiu da cama em direção à casa de banho, enquanto BB ali permaneceu prostrada.
31. O arguido apercebeu-se do estado de embriaguez e incapacidade em que BB se encontrava, sabendo, na sequência, que esta não estava em condições físicas e psicológicas para decidir ou para se opor à prática de atos sexuais, sendo incapaz de formular a sua vontade para a prática de tais atos.
32. Não obstante, quis aproveitar-se de tal estado de incapacidade e vulnerabilidade para conduzir a ofendida ao interior do hostel onde estava hospedado, a fim de manter com a mesma os descritos atos sexuais, o que logrou.
33. O arguido sabia que, ao manter o referido ato sexual com BB, afetava a integridade psicológica e emocional da mesma e lhe coartava a respetiva liberdade sexual.
34. Agiu, todavia, com propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos, aproveitando-se da circunstância de aquela se encontrar sob o efeito de bebidas alcoólicas e incapaz de oferecer qualquer resistência à sua vontade, querendo obter satisfação sexual através daquela, o que conseguiu.
35. O arguido agiu, ainda, movido por excitação, e ao abrigo estado de incapacidade cognitiva da ofendida que a tornava incapaz de lhe resistir, com o propósito de manter com ela coito vaginal satisfazendo os seus instintos libidinosos, o que conseguiu.
36. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente.
Enquadramento social e familiar do arguido
37. O arguido vive com os pais. 3
8. A casa onde residem é própria dos pais.
39. O arguido trabalha, auferindo retribuição mensal líquida no montante de € 3.700,00 (três mil e setecentos euros). 4
0. O arguido contribuiu para o agregado familiar com a quantia mensal de € 600,00 (seiscentos euros).
41. O arguido suporta uma prestação mensal no montante de € 880,00 (oitocentos e oitenta euros) com crédito para aquisição de viatura automóvel.
42. O arguido tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade.
Do pedido de indemnização cível
43. A ofendida BB recebeu assistência médica na ....
44. A assistência médica prestada, nomeadamente os exames efectuados, tiveram um custo de € 143,07
45. A quantia referida em 44., ainda não se encontra liquidada.
Mais se fez constar na sentença recorrida que “Da prova produzida e com interesse para a decisão inexistem quaisquer factos não provados.”.
C) Motivação da Decisão de Facto
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida, bem como dos documentos juntos aos autos a qual foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas. Assim, vejamos.
O arguido prestou declarações nas quais negou a prática dos factos conforme vêm descritos na acusação, assumindo que manteve relações sexuais com a ofendida, mas que as mesmas foram pela mesma consentidas, não se encontrando esta incapacitada. Mais disse o arguido que conheceram as raparigas no interior da discoteca e que começaram a conviver, assim como, o declarante e os dois amigos que o acompanhavam, serviram apenas um copo de whisky com coca cola às raparigas de entre elas a ofendida, a qual cerca de 45 minutos depois se sentiu mal e deitou-se no sofá, alegando o arguido que lhe foi buscar uma garrafa de água por duas vezes, e que esta estava consciente, mas enjoada.
Referiu o arguido que existiu um período de tempo em que deixaram de ver as três raparigas, e cerca das 5.30 horas, deslocaram-se para o bengaleiro, tendo o FF referido que ainda ficava mais um pouco e que posteriormente se deslocaria para o hostel, mencionando que já na rua encontraram as raparigas, tendo sido estas quem lhes solicitaram abrigo, porque não tinham comboio e lhes doía os pés, ao que acederam e começaram a dirigir-se para o hostel, estando na frente o DD com a CC, e o declarante seguia atrás no meio com a GG e a BB de braço dado consigo. Mencionou que ao chegarem ao hostel, o DD e a CC ficaram na sala, ou na casa de banho, mas que o declarante, GG e BB foram para o quarto, ficando estas cada uma numa cama e o arguido novamente no meio.
Disse que nessas circunstâncias, foi “curtindo com a BB, com beijinhos e amassos” , ao que esta “se colocou de quatro, tendo-a ajudado a tirar a roupa, não tendo forçado qualquer posição, situação que a GG viu” , após o que o declarante se deslocou para a casa de banho, e ao regressar, a GG começou “a meter-se consigo, acabando também por ter relações com ela”. O arguido nas suas declarações quis sempre fazer transparecer que a ofendida BB se encontrava bem, animada, não aparentando estar incapaz, atento o seu comportamento, mas disse igualmente que não a conhecia anteriormente, nem tão pouco a CC e a GG, enfatizando que “sempre as tratou como umas princesas”. Mencionou ainda que na sua óptica, nunca sentiu a BB desagradada, nem nunca esteve a cambalear, assim como, no hostel nunca disse para parar, ou o empurrou.
A testemunha/ofendida BB, disse conhecer o arguido apenas do dia dos factos, tendo referido quanto a estes que saiu com a GG e a prima desta CC até à discoteca, onde entraram com a intervenção de um seu amigo, de nome EE, deslocando-se as três para a zona VIP, onde estiveram a beber, talvez 3 a 4 copos. Referiu a depoente que foi na zona VIP onde se encontravam que se sentou numa mesa por lhe doerem os pés, local onde foram entregar bebidas, uma garrafa de whisky e outra de coca cola, que era para uns rapazes que ali estavam, tendo estes lhes servido um copo. Mais disse que estava muito alcoolizada, tendo apenas falado com um dos rapazes, ora em pé, ora sentada, recordando-se ainda de se ter deslocado até à casa de banho. Mencionou que já perto do fecho da discoteca se deslocaram até ao bengaleiro, tendo a depoente sido a última a sair, e já no exterior a GG e a CC estavam acompanhadas de dois dos três rapazes, tendo todos começado a deslocar-se a pé, num sentido que a depoente ter dito que não estavam a ir para casa, seguindo a depoente e a GG com o arguido, estando este no meio com o braço pela zona do pescoço de cada uma, recordando-se também que se sentia muito cansada, e que a GG dizia que lhe doíam os pés. Quanto à situação ocorrida no hostel, referiu que se dirigiram para um quarto, com três camas de cada lado, tendo a depoente se deitado numa e a GG noutra, mas que esta ainda veio para a sua cama, posteriormente apenas se recorda de sentir o arguido em cima de si, tendo-lhe dito qualquer coisa ao ouvido, que não se consegue recordar, assim como ter apenas a sensação de lhe terem sido tiradas as leggings, ou pelo menos, colocadas para baixo, dizendo também ter memória de penetração vaginal, após o que o arguido saiu do quarto e a depoente se vestiu, encontrando-se a GG na cama ao lado. Mencionou que constatou haver sangue na cama, pelo que, saiu do quarto e foi para o sofá junto da cozinha, tendo sido a GG quem a veio chamar e nessa altura, já se encontravam todos no quarto. Após disse que o outro rapaz se meteu consigo, ao que a depoente disse que não, mas depois acabou por ceder, tendo havido relações, estando o arguido noutra cama com a GG. No que respeita às despedidas as mesmas foram distantes, não tendo havido troca de contactos. Referiu a ofendida que quando já se encontravam a aguardar pela chegada da mãe da GG, a quem esta havia telefonado, a mesma começou a chorar dizendo que “tinha sido violada, que estava nojenta” , sendo nessa altura que começou a pensar do que havia ocorrido e pensou que também a si tal havia acontecido. É nesta sequência que vão ao hospital e à polícia. Mais disse que depois da ida ao hospital, foram para casa da GG, onde a depoente sentiu esta distante, dado que já no hospital nunca esteve ao pé de si, e mesmo em casa apenas foi ao quarto 2 ou 3 vezes, após o que se afastaram, sendo que a GG postou fotos nas redes sociais daquela noite. Confrontada com expressões que possa ter dito na altura, mencionou não se recordar, assim como não ter noção de a GG ter feito fotografias delas no hostel, só sabendo depois quando as viu. As declarações da ofendida foram efectuadas de forma clara e esclarecedora, fazendo referência às situações de que se recordava, nomeadamente de que se encontrava embriagada, e revelando um esforço para relatar outras situações, mas sem que tal fosse apenas com o intuito de revelar animosidade para com o arguido, pelo que, as mesmas se mostraram credíveis, permitindo ao Tribunal concluir conforme os pontos 1. a 20., 25. e 27. (apenas quanto ao estar sem as leggings) dos factos provados. A testemunha DD, disse ser amigo do arguido e conhecer a ofendida apenas da discoteca, tendo quanto aos factos referido que estavam de férias em Lisboa, o depoente, o arguido e o FF, e que se deslocaram à ..., cerca das 3.00 horas da manhã, acedendo à zona VIP após a aquisição de duas garrafas, quando já ali se encontravam, chegaram 3 raparigas com as quais começaram “a socializar” , ficando a testemunha a dançar com a CC, recordando-se de ter sido servido um copo de whisky com cola a cada uma das raparigas, mas não conseguindo precisar quem o fez. Relatou ainda que a ofendida se começou a sentir mal, ficando sentada, sendo tal comentado pelo arguido quando foi buscar uma garrafa de água, apercebendo-se depois que a ofendida estava sentada juntamente com a GG e o arguido.
Relativamente à situação posterior da ofendida, disse que a viu sorridente e melhor, pois já se encontrava de pé, assim como a viu novamente à saída, mencionando também que havia combinado com a CC passarem a noite juntos. Ainda no que à saída respeita, disse que o decidiram porque a ofendida já estava melhor, tendo o depoente e os amigos saído primeiro estando as raparigas já fora da discoteca. No que respeita à deslocação para o hostel, disse que foi apenas porque as raparigas ainda não tinham comboio e por isso as convidaram para descansar no hostel, tendo todas elas aceite tal convite, ressalvando que pouco falou com a ofendida, uma vez que estava com a CC, sendo esta quem as interpelou acerca do convite. Mais disse que a ofendida estava a rir e ia abraçada ao arguido, assim como a GG, não tendo dado conta pelo percurso que fizeram que a ofendida estivesse indisposta ou embriagada.
Mais disse o depoente, que o quarto do hostel tinha 6 camas e que o arguido e a ofendida se encontravam debaixo dos lençóis, afirmando se recordar de tal, por ter comentado com a CC que “a GG estava a fazer de vela” e que saiu do quarto por a CC não se sentir à vontade com outras pessoas no quarto, mais tarde, disse que o arguido ia para a casa de banho e quando o depoente entrou no quarto a ofendida e a GG estavam a conversar, tendo, entretanto, chegado o FF, e o arguido envolveu-se aos beijos com a GG, e a BB começou a falar com o FF, assim tendo ficado, quando o depoente e a CC, bem como o arguido e a GG saíram do quarto. Posteriormente, começaram a arrumar as coisas, uma vez que os três seguiam para o ..., tendo a despedida sido feito pela janela. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora, mas denotando-se preocupação em afirmar que a ofendida BB estava bem, no entanto, também mencionou de forma assertiva que esteve sempre na companhia da CC e por essa razão não lhe foi permitido ver tudo quanto se passou, e nessa medida permitiu ao Tribunal concluir conforme os pontos 5. a 11., 18. e 19. dos factos provados (mais concretamente, quanto ao estarem na discoteca, à ingestão de bebida na discoteca e à deslocação para os hostel). A testemunha FF, disse ser amigo do arguido e conhecer a ofendida dos factos, tendo quanto a estes referido que se encontrava com o arguido e com o DD de férias, ao que decidiram deslocar-se à ..., para onde foram cerca das 3.00 da manhã, onde solicitaram uma mesa VIP, pelo que foram encaminhados para a mesa, onde se instalaram e encomendaram as bebidas, e nessa altura viram, 3 raparigas, com quem houve uma troca de olhares, após o que estas vieram para a mesa, onde lhes foi servido um copo de whisky com coca cola. Referiu ainda que na discoteca estiveram todos a dançar, tendo a ofendida se sentido menos bem e por isso foi-se sentar, e por ser o arguido quem estava mais próximo dela, foi ele quem lhe foi buscar uma garrafa de água. Relatou que ao final da noite, encontrou uma rapariga amiga e permaneceu com esta ainda mais um tempo, tendo os demais se deslocado para o hostel, local onde o depoente chegou cerca de 1 hora depois, talvez cerca das 8.00 horas/8.30 horas, e nessa altura estavam o DD com a CC e o arguido com a GG, pelo que, começou a falar com a ofendida BB, tendo-se deitado na cama onde esta se encontrava, acabando por esta lhe fazer sexo oral, assumindo-o como consequência natural, afirmando ainda que a ofendida não estava embriagada e que depois da relação o depoente foi tomar banho, e ao regressar ao quarto esta voltou a tocar-lhe nas partes intimas. Questionado disse que não reparou em qualquer mau estar entre as raparigas, assim como se despediram normalmente. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora, mas denotando-se preocupação em afirmar que a ofendida BB estava bem, no entanto, também mencionou que chegou mais tarde ao hostel, e nessa medida permitiu ao Tribunal concluir conforme os pontos 5. a 11. dos factos provados (mais concretamente, quanto ao estarem na discoteca, à ingestão de bebida na discoteca). A testemunha II, inspectora da PJ, disse conhecer a ofendida e o arguido do exercício de funções, referindo que a PJ foi contactada por causa de uma violação de duas jovens que teria ocorrido em ... de 2022 no ... razão pela qual se deslocou ao Hospital onde aquelas se encontravam, local onde falaram inicialmente com a mãe da GG. Descreveu a ofendida BB, como uma jovem miúda, de estatura pequena, fragilizada, transtornada, apresentado vestígios de choro, mas consciente, mencionando que a interacção desta com a GG não existia, porquanto a ofendida sentiu falta de apoio e pouca comunicação, esclarecendo que a GG posteriormente desistiu da queixa apresentada, não se denotando que a animosidade ocorria do facto de esta ter tido relações sexuais com o arguido. Questionada quanto à lesão apresentada pela BB, disse que do que lhe foi transmitido, não se ter tratado de um acto violento, mas que pela posição que for adoptada, pode surgir lesão idêntica, ainda que tenha havido consentimento, assim como não lhe é possível dizer se o álcool contribui para a secura vaginal, recordando-se de a ofendida lhe ter dito que “tinha estado com o período” Confrontada ainda com o consumo de álcool que terá sido efectuado, de acordo com o que foi transmitido, disse que, se trata de uma situação relacionada com ter ou não reacção, e que a ofendida lhe disse não ter conseguido tê-la. As declarações da testemunha foram prestadas de forma clara, isenta e esclarecedora quer quanto aos factos de que teve conhecimento, e a forma como obteve esse mesmo conhecimento, pelo que contribuíram para a convicção do Tribunal, permitindo a resposta aos pontos 27. e 28.(apenas quanto à existência de acto sexual) dos factos provados. A testemunha CC, disse ser prima da GG e conhecer a ofendida BB, bem com o arguido, este apenas da noite em que foram ao ..., mencionando que chegaram cedo porque não tinham bilhetes, mas que conseguiram entrar através de um amigo da BB, sendo encaminhadas para a zona VIP, local onde beberam caipiroscas e cerveja, estando junto a uma mesa vazia, onde chegou um grupo de rapazes com quem a depoente “meteu conversa” , após o que se mantiveram a conversar com estes, que lhes serviram um copo de whisky com coca cola, estando a BB sentada junto ao arguido. Disse ainda que a BB e a GG beberam mais, pelo que aquela ficou com os olhos semicerrados, alterada, não dizia coisa com coisa, cambaleava, pelo que a depoente e a prima lhe deram água, afirmando que o amigo da BB surgiu junto à mesa e que esta com a depoente ajudaram-na a ir à casa de banho, onde vomitou, tendo ficado melhor, pelo que voltaram à mesa, onde o arguido lhe deu água, a abanou por causa do calor, mas que na sua óptica estava embriagada, mas bem, porque dançava e ria. Quando decidiram sair da discoteca, disse que já as tinham convidado para ir para o Airbnb, através do rapaz com quem esteve a falar, ao que a BB assentiu, deslocando-se depois até ao bengaleiro, após o que saíram para o exterior, onde se encontravam dois dos rapazes, deslocando-se depois para o hostel, referindo que iam apoiadas umas nas outras. Questionada disse que a BB ia a rir, agarrada à depoente e à GG, não se recordando de a ver agarrada ao arguido. Já no hostel, relatou que a ofendida e a GG ficaram numa cama, e a depoente numa outra cama com o DD, acabando depois por irem para a casa de banho, quando regressou, a GG estava com um rapaz e a BB com outro, tapadas com o lençol, não sabendo dizer quem eram os rapazes. Mais disse que a GG e a ofendida foram depois à casa de banho e o arguido foi ter com ela, mas disse nada ter visto de intimo entre eles, à excepção dos beijos que trocaram na discoteca. Referiu que após saírem do hostel, a GG disse não se sentir confortável com a situação, referindo que tinha sido usada e começou a chorar dizendo que tinha sido violada, ao que tentaram as 3 perceber o sucedido, pelo que a BB afirmou que deviam de ir para casa, pensar no assunto e tomarem uma decisão, tendo por isso a depoente ligado à tia, para que as viesse buscar, e já no carro, a GG começou de novo a chorar dizendo que tinha sido violada, assim como a ofendida BB. Referiu a depoente que o relato que a GG fazia e que a BB fazia não coincidia com a situação de que vinham, no entanto, a queixa foi apresentada, tendo as três se deslocado ao hostel com a polícia. Mais disse que do que relatou à mãe da GG, e do que falaram, tudo levava a crer que se tratou de arrependimento, no entanto, a BB quis prosseguir com a queixa, após saírem do hospital. Relativamente ao corte de relações entre a ofendida e a GG, disse que foi por a mãe da GG ter ligado para os seus familiares, contra a sua vontade, tendo a GG apoiado a mãe. As declarações da testemunha revelaram-se esclarecedoras, mas denotando-se preocupação em afirmar que a ofendida BB estava bem, no entanto, também mencionou que esteve sempre na companhia do rapaz com puxo e barba e por essa razão não lhe foi permitido ver tudo quanto se passou, e nessa medida permitiu ao Tribunal concluir conforme os pontos 1. a 19. dos factos provados (mais concretamente, quanto ao estarem na discoteca, à ingestão de bebida na discoteca e à deslocação para os hostel). A testemunha GG, disse conhecer a ofendida por ser sua amiga à data dos factos e o arguido apenas daquela situação, mencionando quanto aos factos que se deslocaram à ..., conseguindo entrar com a colaboração de um amigo da BB para a zona VIP, cerca da meia noite, uma hora da manhã. Mais disse que estavam as três quando a ofendida foi à casa de banho e a CC, sua prima, meteu conversa com um rapaz que estava com outros dois, entretanto, o barman veio com as garrafas de bebida e foram servidas pelo rapaz que estava com a CC, mas sempre de pé, mas como necessitou de ir à casa de banho, ao regressar a ofendida e a CC já estavam sentadas na mesa, e ao que recorda, o arguido no meio das duas. Referiu ainda que a ofendida parecia estar alcoolizada, ria muito e “atirava a cabeça para trás” , não se conseguindo recordar de mais nada até saírem da discoteca, mencionando que se deslocou até ao bengaleiro com a ofendida, para pagar, e que a ofendida BB a ajudou a descer as escadas, salientando que na rua, a ofendida e o arguido a ajudaram a andar, ao que pensa quando se deslocavam para o hostel, mas não se recorda para onde ia. Questionada quanto ao quarto, disse que tinha 6 camas, 3 de cada lado, e que a depoente se deitou numa cama e a ofendida BB e o arguido noutra, tendo a CC e o rapaz saído do quarto, referindo que ouvia risos e gemidos da ofendida, bem como movimentos de relação sexual, mas que depois foram os dois para a casa de banho e regressaram juntos, esclarecendo que falou com a ofendida e que esta confirmou que tinha tido relações sexuais, no entanto, esta estava bem e nunca se queixou. Disse ainda que acabou por ter relações sexuais com o arguido, porque a ofendida estava com outro rapaz, mencionando que também a depoente e o arguido saíram para a casa de banho, voltando depois, encontrando-se os seis no quarto. Questionada disse que o arguido a ajudou a pentear-se, que estiveram a conversar e a rir. Relatou que saíram do hostel em direcção ao ..., mas sentaram-se num banco, sendo nessa altura que a CC ligou à mãe da depoente, e foi também nessa altura em falaram do que havia sucedido, e a depoente disse que “pensava ter sido violada” , afirmação que a ofendida também acabou por dizer, situação que comunicaram à mãe da testemunha, tendo sido esta quem as levou até à esquadra. Mencionou quanto ao fim da relação de amizade com a ofendida, que esta ocorreu por causa da sua mãe ter ligado ao irmão da ofendida, o que esta não pretendia, assim como que não tinha sido apoiada no hospital. As declarações da testemunha revelaram-se incomodadas, mas esclarecedoras, escudando-se que na sua embriaguez, a qual não foi relatada pelas demais testemunhas como o foi pela própria GG, pelo que, apenas se revelaram credíveis relativamente à entrada na discoteca e à altura em que falaram sobre o sucedido, permitindo apenas a resposta aos pontos 1. a 20. e 23. dos factos provados. A testemunha JJ, disse ser mãe da GG, conhecer a ofendida BB e não conhecer o arguido, referindo quanto aos factos que nada presenciou, aludindo que sempre que a filha saía à noite lhe ia ligando quer por mensagens quer por vídeos, no entanto, a partir de dada altura da noite, 4 ou 5.00 horas da manhã, deixou de ligar e de atender o telemóvel, respondendo apenas quando queria, a dado passo, conseguiu falar com a sobrinha CC, a qual disse que se encontravam à espera de um UBER. Mais disse que, pelas 10.00/10.30 horas da manhã, ligaram a pedir que as fosse buscar, porque a GG não estava bem, tendo a CC enviado a localização – .... Mencionou que ao chegar ao local, estavam agitadas e a GG, quando estava a entrar no carro, disse que tinha sido violada, e a BB disse-o quando já estava dentro do carro, pelo que se deslocou de imediato com ambas para a PSP, tentando perceber o que se tinha passado, uma vez que, todas elas tinham um forte odor a álcool, assim como começaram as duas a chorar. Relatou a testemunha que na esquadra tentaram saber onde tudo se tinha passado, pelo que, acompanhou a CC com os agentes, mas que os rapazes já não se encontravam no hostel, tendo então voltado à esquadra, mas a GG e a ofendida já tinham seguido para o hospital, onde ambas estavam bem, mas, da conversa que faziam “nada batia certo, pois parecia que tinham estado em sítios diferentes”. Referiu que a CC lhe mostrou uns vídeos em que estavam a conviver com os rapazes, assim como um em que a BB estava a rir, falando normalmente, não aparentando estarem alcoolizadas. Posteriormente, a depoente disse que ligou ao irmão da BB, facto que esta não gostou, passando depois a reagir de forma diferente para consigo e para com a GG, afirmando que tinham quebrado a sua confiança. A testemunha foi confrontada com fls. 98 e 67 (fotos) afirmando que a de fls. 98 foi a que a CC lhe mostrou, não tendo visto a de fls. 67. As declarações da testemunha revelaram-se parciais e até de algum modo desvalorizadoras da situação vivenciada, assim como mostram incongruências, pois apesar de afirmar que todas tinham um forte odor a álcool, não estavam de modo algum embriagadas, nas fotos e vídeos que lhe mostraram, pelo que, não foram merecedoras de credibilidade. A testemunha EE, disse ter conhecido a BB pouco tempo antes da situação e não conhecer o arguido, referindo quanto aos factos que encontrava-se no Lust quando recebeu uma sms da BB, por volta da 1.00 hora, a pedir que lhe facilitasse a entrada, o que foi conseguido pelo depoente, mencionando que já dentro da discoteca conversaram durante algum tempo, após o que cada um foi para seu lado, mas a ofendida e as amigas ficaram a beber, tendo ainda se voltado a encontrar durante a noite. Relatou o depoente que do que falou com a ofendida, o que esta dizia fazia sentido, mas era notório que estava embriagada. Referiu a testemunha que quando se voltaram a encontrar na zona VIP, elas colocaram as malas em cima de uma mesa onde estavam uns rapazes, após o que saiu novamente daquela zona, muito embora ali tenha voltado a pedido da CC para que a ajudasse a levar a ofendida BB até à casa de banho, cerca das 3.00/3.30 horas, o que fez, já que esta “estava muito bêbeda” , e, ao regressar da casa de banho sentou-se ao pé dos rapazes, ainda embriagada, a rir, alegre e mais desinibida, pelo que o depoente abandonou o local. Mencionou que se veio despedir cerca das 5.00 horas da manhã, e a BB encontrava-se na mesma situação, tendo falado com ela muito pouco, mas referindo que estava bem. Aludiu ainda ao facto de ter falado com o arguido, dizendo-lhe que tivesse cuidado, porque a BB estava bêbeda, ao que lhe respondeu que não me preocupasse. Relativamente aos factos ocorridos no hostel, disse que os mesmos lhe foram relatados pela BB, quando o depoente lhe enviou uma mensagem a questionar como estava e se tinham chegado bem, ao que esta respondeu inicialmente que estava bem, relatando o sucedido mais tarde, entendendo o depoente como que o culpabilizasse por tais factos, após o que se afastaram, não sem antes ter falado com a família, por entender que a BB não estaria bem, mas tinha o apoio dos familiares. A testemunha foi confrontada com fls. 102 a 141 (mensagens) cujo teor confirmou, mencionando que relativamente a fls. 105 nunca a viu revirar os olhos, mas sim cambalear e quanto a fls. 108, disse que é pelo texto que entende que o culpabilizou. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, permitindo ao Tribunal concluir conforme os pontos 1. a 6. dos factos provados. A testemunha KK, disse ser irmão da ofendida BB e não conhecer o arguido, referindo quanto aos factos que teve conhecimento dos mesmos através do contacto feito pela mãe da GG, que lhe mencionou ser uma questão delicada, pois a irmã tinha sido violada, descrevendo que a BB não queria falar com ninguém, nem que ninguém falasse com ela, salientando que a mãe da GG lhe colocou um áudio ou vídeo em que as raparigas estavam a falar, sendo que a voz da BB pareceu-lhe de alguém alcoolizado, assim como o riso era diferente, como se não soubesse bem onde estava. Mencionou que foi o irmão LL quem a foi buscar a Lisboa, tendo o depoente tido contacto com a BB no dia seguinte, por volta das 22.00 horas, tendo-lhe sido transmitido que ela tinha todo o apoio para fazer o que entendesse. Questionado, disse que após estes factos a BB ficou mais triste, passa muito tempo isolada no quarto, mais calada. No que respeita a conversa com a mãe acerca do sucedido, disse que o fez apenas uns dias depois, tendo tentado refazer todos os passos daquela noite, para o qual pediu a colaboração das amigas que estavam consigo, mas sem sucesso, ou porque não lhe davam resposta diminuta ou porque não lhe respondiam. Mais disse o depoente que a BB lhe mostrou as mensagens que trocou com uma amiga. Após os factos, a BB necessitou de apoio psicológico, que ainda mantém.
As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, sendo relevantes para perceber o efeito dos factos na ofendida. A testemunha LL, disse ser irmão da ofendida BB e não conhecer o arguido, tendo quanto aos factos referido que foi contactado pelo irmão KK através de mensagem na qual lhe dava conta de que a irmã se encontrava em Lisboa e que algo de mal se havia passado e ainda para que a fosse buscar. Mais referiu que de imediato foi com a mulher para Lisboa, tendo pelo caminho contactado com a BB para perceber o que se havia passado, apercebendo-se que tal não era do agrado daquela, no entanto, quando estiveram juntos, disse ter compreendido o referido desagrado, o qual seria mais resistência por não saber como abordar o assunto. Mencionou também que em Lisboa, falou com a mãe da GG, a qual disse que elas tinham saído e se embebedado e algo havia corrido mal, informando que os contactou porque se a situação fosse o inverso, gostava de ser informada. Disse o depoente que a irmã apenas relatou o sucedido sem que a GG ou a mãe estivessem ao pé, mas que ainda demorou um pouco até contar tudo aquilo de que se recordava, tendo-o feito durante a hora de almoço e com a colaboração da mulher do depoente. Do relato que efectuou, disse o depoente que a BB aparentava estar perdida, por não se recordar de muito, sendo que a mesma lhe mostrou as mensagens que trocou, nas quais dizia estar cansada, querendo ir para casa, mas ninguém lhe atendeu ao pedido, o que a revoltou. Questionado o depoente disse ter visto as mensagens com a GG e com uma amiga, esta última não era de Lisboa, e na qual a irmã dizia que queria ir para casa. No que respeita aos vídeos e fotos, apenas as viu noutro dia e que os mesmos lhe foram relatados pela BB. Referiu a testemunha que a BB ficou mais distante, mais reservada, vitando contacto físico, mais dispersa, situações que não lhe eram comuns, principalmente a respeitante ao contacto físico, até com os familiares, sendo que antes dos factos, socializava, saía à noite, mas nunca o depoente a viu bêbeda, nem alterada, na sua ótica a BB fechou-se por completo, apenas conseguindo alguma abertura com o apoio psicológico de que beneficia. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, sendo relevantes para perceber o efeito dos factos na ofendida. A testemunha MM, disse ser cunhada da ofendida BB e não conhecer o arguido, tendo quanto aos factos referido que foi acordada pelo marido, por causa de uma chamada ou mensagem do irmão KK relacionada com um problema com a BB em Lisboa, pelo que nos deslocámos de imediato para Lisboa, referindo que contactaram com a BB pelo caminho, salientando que após chegarem a Lisboa e à casa da mãe da GG, falaram com esta a qual disse que tinham ido à discoteca, que estiveram com uns rapazes e foram violadas, bem como que tinham ido ao hospital e a BB pretendia prosseguir com a queixa, mas a mãe da GG não estava satisfeita com tal opção. Referiu que a BB estava distante, calada e fechada, mencionando que na família da BB gostam todos de pensar sobre as coisas, tendo a depoente “puxado” pela BB que conhece desde pequena, apercebendo-se que estava aborrecida, não por estarmos ali, mas por terem sido contactados ao contrário do que a BB tinha pedido. Disse que a BB não tinha total ideia dos factos, uma vez que o relato que fazia traduzia-se num emaranhado, pelo que a depoente optou por indo colocando questões que permitissem desfazer aquilo que disse ser uma névoa. Questionada disse que a BB lhe mostrou as mensagens que trocou naquela noite, em que dava conta de estar cansada e querer ir para casa, assim como posteriormente viu os vídeos, nos quais disse a BB parecia “uma parola” embriagada a rir-se. Relativamente à consequência dos factos na pessoa da BB, disse que antes destes era confiante, prosseguia os seus sonhos, depois dos factos passou a ser insegura, deixou de desenhar, afastou-se emocionalmente, e nutriu insegurança quanto ao seu corpo, situação que até ali nunca tinha sucedido. As declarações da testemunha foram prestadas de forma esclarecedora quanto aos factos de que teve conhecimento e da forma como obteve esse mesmo conhecimento, sendo relevantes para perceber o efeito dos factos na ofendida. O Tribunal considerou ainda os documentos juntos aos autos, nomeadamente as fotogramas e respectivo CD de fls. 28 a 29; Fotogramas de fls. 65 a 67 e 98 a 99; informação médica de fls. 88 a 97; impressão da troca de mensagens de fls. 51 e 101 a 141; relatório de perícia de natureza sexual de fls. 34 a 36, 227 a 229 e 264 a 265; relatório de exame pericial do LPC (relativo a ADN) de fls. 256 a 257; relatório de exame pericial do INMLCF (relativo a criminalística biológica) de fls. 260 a 262 e relatório de exame pericial do INMLCF (relativo a criminalística biológica) de fls. 266 a 267. Para prova dos pontos 43. a 45., o Tribunal considerou o documento da despesa hospitalar realizada no ... constante da referência Citius n.º 438745993 (junto com o PIC)
Do cotejo da prova produzida em audiência, nomeadamente do depoimento das testemunhas, com os documentos juntos aos autos sedimentou-se a convicção do Tribunal.
Considerando a prova produzida em audiência, não descurando a prova pericial existente nos autos, resulta à saciedade que nos encontramos perante três raparigas, de entre estas, a ofendida BB, à data com 18 anos completados em ... de 2022, se deslocaram à ..., onde já haviam estado na noite anterior a ... de ... de 2022, e nessas circunstâncias, aproveitando o conhecimento que a BB tinha de EE, conseguiram entrar na discoteca, cerca da 1.00 hora, deslocando-se logo para a zona VIP da mesma. Mais resultou provado que na discoteca as raparigas, sozinhas ou na companhia de EE, ingeriram bebidas alcoólicas, nomeadamente shots e caipiroscas. Resultou igualmente provado que o arguido, acompanhado pelos amigos FF e DD entraram na discoteca pelas 3.00 horas, e acederam igualmente à zona VIP, após comprarem garrafas de bebida, segundo todos afirmaram, uma garrafa de whisky e uma garrafa de coca cola/pepsi.
Até este momento, dúvidas inexistem da dinâmica dos factos, sendo a partir daqui que os depoimentos começam a divergir. Por um lado, o arguido e os amigos, que referem terem sido as raparigas quem se aproximaram da mesa onde se encontravam, e as raparigas que dizem já ali se encontrarem quando estes apareceram, no entanto, dúvidas inexistem que acabaram por partilhar a mesa, relevando para o efeito o depoimento de EE que disse ter estado com estas ao pé da mesa, local onde colocaram as malas, mesa esta que era junto ao bar, onde aquelas estiveram sempre que este as encontrou. Mais resultou provado que o arguido e os dois amigos, que se encontravam sozinhos, ofereceram um copo às raparigas, que consumiram, tendo de imediato a CC, mais velha, estabelecido contacto com o amigo do arguido de nome DD, e com o qual permaneceu até ao fim da noite/madrugada, inclusive, no hostel .... Considerando que se encontravam numa discoteca, em que efectuaram diversos consumos de bebidas alcoólicas, importa desde já salientar, que a resposta de cada pessoa à ingestão de álcool, difere, não só pela idade, como também pela compleição física, resistência ao álcool e não menos importante a habituação nesses consumos. Aqui chegados, resultou da prova produzida que a ofendida BB apesar de sair à noite com amigos, nunca foi vista pelos seus familiares, em concreto pelo irmão KK, que consigo morava, embriagada ao ponto de não saber o que fazia. Ora, atendendo ao consumo variado de bebidas efectuado, necessariamente se conclui que a ofendida BB se encontrava embriagada, sem controle, rindo-se muito e mostrando-se mais desinibida, situação que se alcança, não só pelo depoimento da testemunha EE, mas também da CC, a qual se viu confrontada com uma situação extrema da ofendida, tendo necessidade de a conduzir à casa de banho, onde acabou por vomitar. Aqui chegados, não podemos deixar de notar, que todas as testemunhas ouvidas em audiência, presentes na discoteca, tentaram menorizar esta situação, ora dizendo que nada se recordam, como a GG, ora, referindo que a BB após ter vomitado ficou bem, na medida em que, se a indisposição sentida por esta era de tal modo acentuada, que se viram na necessidade de levar à casa de banho, necessariamente que, pelo mero acto de vomitar, não deixa de permanecer embriagada, já que o vómito não apaga os efeitos do álcool, como a dado passo se pretendeu fazer crer. Acresce que, necessariamente que a ofendida BB não estava bem, porque após voltar da casa de banho lhe foi dada água, o que apenas evidencia a percepção dos demais presentes que esta não estaria bem. Com efeito, importa ainda referir que todos estariam igualmente alcoolizados, pois só assim se percebe as diversas descrições quanto à saída da discoteca e encaminhamento para o hostel, não podendo se considerar como assentimento esclarecido a explicação dada pela testemunha CC, já que esta, ao pretender passar a noite com o DD, necessariamente que tinha todo o interesse em ir para o hostel, na verdade só assim se compreende, pois que, a ausência de comboio para deslocação até casa já seria destas conhecido, face às horas em que saíram da discoteca. E, é no hostel que os factos se reportam igualmente dispares, considerando nomeadamente as declarações do arguido em que refere que a ofendida BB, deu sempre consentimento a tudo aquilo que lhe dizia, nunca tendo sido dito não, ou que parasse, é exactamente aqui que não se mostra verosímil a sua afirmação. A este propósito não podemos deixar de referir que a expressão por este empregue “de que a tratou sempre como uma princesa”, se revela degradante e demonstrativo da sua ideia daquilo que é o relacionamento entre homem e mulher. Na verdade, o arguido e todas as outras testemunhas que estiveram na discoteca, pretenderam, com a afirmação de que a BB estava bem, não estava embriagada, diminuir qualquer responsabilidade no que se passou, quiçá, por sentirem alguma responsabilidade, formularam uma estória que em nada teve conexão com o que se passou. Com efeito, o arguido manteve relações sexuais com a ofendida BB, penetrando-a por trás, o que deixou uma laceração na vagina, conforme resulta do exame médico de fls. 34 a 36, 227 a 229 e 264 a 265 e ainda que se possa referir que tal laceração não é consequência directa de um acto violento, tal não pode deixar de significar que se tratou de um acto forçado, forçado no sentido de que, a ofendida por estar embriagada, não pode de forma clara e assertiva expressar o seu consentimento, ou, o não consentimento, e é nesta parte que reside o ilícito imputado ao arguido. Compulsados os autos, constata-se das imagens – fotogramas juntos aos autos que a fácies da ofendida se apresenta alterado, conforme consta de fls. 98, o que desde logo afasta qualquer possibilidade de a mesma estar bem, como se pretendeu fazer crer, assim como às questões colocadas pela testemunha GG, esta parece não entender aquilo que lhe foi perguntado, rindo-se em seguida. Por outro lado, não podemos deixar de considerar os depoimentos das testemunhas NN e MM, que muito embora sejam, irmão e cunhada da ofendida BB, depuseram de forma isenta, nomeadamente quanto à forma como a encontraram, revelando para o efeito a expressão usada pela testemunha MM quando referiu que a “BB se sentia enojada” e tal afirmação não pode ser considerada apenas como um mero “arrependimento” , mas antes como uma verdadeira incompreensão relativamente ao que lhe havia acontecido, tanto mais que, quando depôs aquela não conseguiu dizer com clareza o caminho que seguira até ao hostel, o que não se verificaria se a mesma, não estivesse embriagada. Acresce que, o comportamento do arguido e dos amigos, é de alguém que vem de férias, para se divertir, não só através da bebida, mas também para relacionamentos ocasionais, como sucedeu, no entanto, por serem jovens, mas mais velhos do que a ofendida deveriam ter em atenção a situação em que, pelo menos, a BB se encontrava. Com efeito, não resulta verossímil a versão de consentimento trazida pelo arguido, na medida em que este teve necessidade de despir a ofendida BB, o que, não revelaria necessário, caso a mesma estivesse sóbria, como pretenderam fazer transparecer, por outro lado, o facto de rir, como disse a testemunha GG, não afasta qualquer situação de ausência de discernimento, pois que, da descrição efectuada foi uma das características que todos atribuíram à ofendida BB quando esta estava na discoteca, salienta-se a este respeito o depoimento da testemunha EE. Pelo que, dúvidas não restam que a conduta do arguido se subsume à prática de acto sexual com a ofendida BB, encontrando-se esta numa situação de incapacidade de opor resistência, que atento o maior estado de embriaguez e de entorpecimento, em que se encontrava, não teve capacidade para reagir e impedir as situações, de cópula a que foi sujeita, contra a sua vontade, conhecida, do arguido. Importa ainda atentar à necessidade de a ofendida BB ter alterado após os factos a sua forma de ser e de estar, não só em sociedade, mas também em termos familiares necessitando de ter acompanhamento psicológico, como forma de minimizar o impacto do sucedido na sua vida. Acresce que, a tentativa de vitimização do arguido, também não pode colher, considerando que tal opção se deveu à conduta tida por si, e nas circunstâncias em que o foi. Por fim, não podemos deixar de considerar o facto de a ofendida BB ter querido prosseguir com os presentes autos, ao invés da testemunha GG, quiçá pela posição que a sua mãe adoptou, sem que a ofendida BB dos autos retire o que quer que seja em seu favor, vendo antes a sua vida intima exposta, e igualmente, porque esta não deduziu qualquer pedido de indemnização cível. Finalmente, e no que ao pedido de indemnização cível deduzido pela ..., resulta comprovado o nexo de causalidade, porquanto, não foram os factos praticados pelo arguido, não necessitaria esta de ser submetida aos exames que foi, nem tão pouco à toma de medicação que teve de efectuar, mais concretamente para controle de gravidez ou até de infecção por HIV, conforme facilmente se alcança das análises clinicas que efectuou naquela Unidade Hospitalar. Quanto aos elementos subjectivos, os mesmos extraíram-se dos respectivos factos objectivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, sendo certo que o comum dos cidadãos medianamente inteligente e sagaz, como se presume ser o caso do arguido, não poderia deixar de saber que constitui crime a prática dos factos em equação nos presentes autos. No que concerne aos antecedentes criminais do arguido os mesmos resultaram do certificado de registo criminal juntos aos autos sob a referência Citius n.º 41739190. Para prova das condições económicas e pessoais do arguido a convicção do Tribunal alicerçou-se, ainda, e exclusivamente nas declarações por si prestadas em sede de audiência, as quais foram merecedoras de credibilidade.
***
A questão colocada à consideração deste Tribunal prende-se, essencialmente, com a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412º, n.º3 do CPP, embora por reporte a essa mesma impugnação, se coloquem questões relativas ao princípio da presunção da inocência e da livre apreciação da prova.
O arguido, muito embora, alegue que existiu insuficiência da matéria de facto para a decisão e erro notório na apreciação da prova, o que faz é colocar em causa que o tribunal tenha dado como provados os factos n.s 14 a 17, 26 a 29 e 31 e 32, basicamente os factos que preenchem os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de que vinha acusado.
São os seguintes os factos que o arguido impugna:
14. Após, em razão da ingestão das bebidas alcoólicas, BB sentiu-se indisposta, recostou-se no sofá e perdeu a consciência do tempo e lugar, tendo apenas memórias de que o arguido permanecia junto a si.
15. Apercebendo-se do estado da ofendida, o arguido deslocou-se ao bar e regressou com uma garrafa de água que deu a BB, para que a ingerisse.
16. Após ter bebido duas garrafas de água, BB deslocou-se à casa-de-banho e voltou a sentar-se junto do arguido.
17. Sentindo os efeitos da ingestão das referidas bebidas alcoólicas, BB perdeu novamente os sentidos, tendo CC lhe agarrado a cara e despertado para se ausentarem do local.
26. Enquanto BB permanecia deitada, o arguido AA regressou ao quarto, deitou-se na cama onde esta se encontrava, encostou-se às suas costas e beijou-a no pescoço e nas costas, enquanto lhe dizia “estava à espera disto há algum tempo”, “tu atiçaste-me”, “tu mereces isto”.
27. Aproveitando-se da inércia de BB, o arguido agarrou a cintura das calças, tipo leggings, que esta trajava e puxou-as para baixo, assim a despindo.
28. De seguida, o arguido puxou BB para junto de si, colocou as cuecas que ela vestia para o lado e introduziu-lhe o seu pénis ereto na vagina, efetuando movimentos de vaivém, durante alguns minutos, sem utilizar preservativo.
29. Por sentir dores, BB gemeu e sangrou.
31. O arguido apercebeu-se do estado de embriaguez e incapacidade em que BB se encontrava, sabendo, na sequência, que esta não estava em condições físicas e psicológicas para decidir ou para se opor à prática de atos sexuais, sendo incapaz de formular a sua vontade para a prática de tais atos.
32. Não obstante, quis aproveitar-se de tal estado de incapacidade e vulnerabilidade para conduzir a ofendida ao interior do hostel onde estava hospedado, a fim de manter com a mesma os descritos atos sexuais, o que logrou.
O artigo 412.º, do C.P.P., sob a epígrafe “Motivação do recurso e conclusões”, dispõe que, n.º 3.: “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devam ser renovadas.
n.º 4. - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b), e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3, do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Começaremos por referir que, quando um recorrente pretenda sindicar o processo de formação da convicção do tribunal, expressa nos factos dados como provados e/ou não provados, como é o caso, terá forçosamente que impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto nos termos dos nºs 3, e 4, do art.º 412.º, do Código de Processo Penal (doravante abreviadamente designado por C.P.P.), com escrupulosa observância das formalidades ali prescritas.
A exigência de tais requisitos formais antevê claramente que o recurso da matéria de facto não tem por finalidade a reapreciação de toda a prova produzida perante a primeira instância, como se de um segundo julgamento se tratasse, mas tão-só a deteção e correção de erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente deverá indicar claramente e fundamentar na sua motivação, por referência às concretas provas que, em seu entender, impõem decisão diversa daquela que se pretende ver modificada.
Como contraponto desta obrigação, deverá o recorrente, também, indicar o sentido da pretendida modificação da matéria de facto, apontando, designadamente, os factos que, no seu entender, foram dados como provados e não o deveriam ter sido, e/ou, os factos que, não tendo sido dados como assentes, deveriam tê-lo sido. Por fim, a indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida deve ser feita por referência às pertinentes passagens da prova gravada.
No que respeita à especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (artº 412º nº 3 al. b) e nº 4 do C.P.P.), tal ónus não pode considerar-se adequadamente satisfeito, como faz o Recorrente, através da alusão genérica aos depoimentos daquelas testemunhas, ou da transcrição de pequenas frases cirurgicamente extraídas, sem algumas vezes dar nota do exacto momento (hora e dia) da gravação.
O cumprimento do ónus da impugnação especificada só se terá por satisfeito quando nas conclusões se mencionem os factos concretos que se pretende impugnar, as provas que imponham decisão diversa, fazendo a ligação directa entre cada facto concreto e os respectivos elementos probatórios para que assim o Tribunal da Relação possa dirigir a sua apreciação a essas concretas provas e factos.
Com efeito, o Recorrente indica os factos que, em seu entender, não deveriam ter sido dados como provados, não obstante, nas conclusões, tal como na restante motivação (aliás não muito diferentes uma da outra) apenas alude aos depoimentos da ofendida, da testemunha DD, da testemunha CC, da testemunha EE e da testemunha FF e apenas faz referência aos minutos 23.24 a 25.26 e 39.06 a 40.20 das declarações da ofendida e aos minutos 06.32 a 08.00 das declarações de FF.
Na motivação, que não nas conclusões, alude a frases esparsas dos depoimentos de CC, EE e DD.
O arguido insurge-se contra a matéria de facto provada, mas nas frases que transcreve, que são pouquíssimas, descontextualizadas e sem sentido no contexto da apreciação global dos depoimentos, e tendo em atenção que alguns depoimentos, como o da ofendida, são demorados, não consegue com o mínimo de consistência, contrariar o sentido que o Tribunal conferiu às declarações prestadas.
O arguido refere passagens cirúrgicas do depoimento das testemunhas e tece uma série de considerações sobre as mesmas e a respectiva credibilidade, escrutinando e aventando inúmeros motivos pelos quais, em sua opinião, o tribunal não deveria ter valorado as declarações das testemunhas no sentido em que o fez, mas noutro.
De todos as frases mencionadas pelo arguido, as quais foram proferidas pelas testemunhas, nenhuma delas é adequada a modificar o sentido da matéria de facto dada como provada, nem de per si, nem conjugadas com as demais ou com a restante prova.
Pretende o arguido que a ofendida estaria em perfeitas condições físicas e psíquicas quando praticou consigo os actos sexuais em causa, mas não é nada disso que se evidencia do depoimento de todas as testemunhas e muito menos do depoimento da ofendida, quando interpretados todos eles à luz da experiência da vida.
A ofendida, uma miúda de 18 anos, que afirmou que nunca tinha ficado assim antes, estava aos olhos de todos, embriagada, de tal maneira que as amigas foram chamar o amigo EE para a levarem a casa de banho, entre as 03.00 e as 04.00 da manhã, e, nessa altura, em virtude da embriaguez chega mesma a vomitar, após o que senta no sofá, deixando cair a cabeça para trás (uma das amigas diz que revirava os olhos).
Pretende o arguido que mesmo sem dormir, sem descansar, fazendo uma caminhada pela ... acima (muito íngreme), estava em perfeitas condições, por volta das 07.00h da manhã, sobretudo para dar o seu consentimento a um acto sexual? Do qual inclusivamente sangrou??
E pretende o arguido que prova disso são as declarações da ofendida entre os minutos 23.24 e 25.26 porque descreveu com detalhe o hostel onde estava hospedado o arguido e os amigos e teve uma conversa com o arguido. Quanto à conversa, ouvidas as declarações da ofendida, a mesma de nada se recorda, a não ser do arguido ter dito que se chamava AA e quanto ao local a ofendida apenas disse que era um quarto grande, com 6 camas, num corredor que tinha uma porta à direita e que tinha pouca luz, o que para o arguido reflecte um grau de pormenor incompatível com a embriaguez, esquecendo, porventura que a ofendida voltou ao quarto com a PJ e, obviamente, reavivou a sua memória quanto ao local.
Já por sua vez, quanto à testemunha CC refere: «(min 23:50) (…) Fizemos uma caminhada um pouco longa, extensa, em que subimos uma espécie de um morro (impercetível). Na altura, lembro-me que quem ia assim um pouco mais alterada era a minha prima (…) Houve uma altura em que eu e a BB estávamos a agarrar nela. Vimos todas… assim … escoradas umas nas outras mas tranquilas.» Após o pedido para concretizar, explicou: «(24:37) escoradas é encostadas, assim apoiadas umas nas outras.»
Quanto à postura da BB: «(25:55) Lembro-me dela estar a rir connosco, de ela estar também agarrada a mim e à minha prima… essencialmente é tudo o que eu me lembro.
O que resulta do depoimento desta testemunha não é que a ofendida estivesse bem, mas sim que fez o percurso, ainda embriagada, porque tinha que ir apoiada nas amigas, todas encostadas umas às outras (aliás a própria testemunha também estava, pelos vistos, embriagada e de pouco se lembra).
O arguido também refere a testemunha EE confirma que, após o episódio de má disposição, a BB ficou melhor, e pelas 4 ou 5 horas da manhã teve uma conversa coerente com a Ofendida, e quando se foi embora, esta lhe disse que estava bem e queria ficar na companhia do Arguido: «(min. 9:53) Sim, falei com a BB. Ela disse que estava bem, queria ficar lá.» Mas refere ainda que após a Ofendida ter ido à casa banho, por volta das 4 da manhã, voltou a falar com ela e descreve desta forma o seu discurso: «(min. 23:24) Notava-se que ela estava embriagada, mas parecia que estava, não digo lúcida, mas que sabia o que estava a dizer (…)»
Pedido que esclarecesse se o discurso da BB era coerente, continua «(min. 23:43)
Sim, era um discurso coerente… a gente não falou assim grande coisa para tentar perceber o discurso se era coerente, mas» deu para perceber que ela sabia o que estava a dizer, vá!
O que se retira deste excerto não é certamente que a ofendida estava em perfeitas condições, mas sim que se notava que ela estava embriagada e que não estaria lúcida, não tendo a testemunha falado muito com ela (até porque com o barulho de uma discoteca é difícil) para saber se o seu discurso era coerente ou não.
Por fim, ainda refere o arguido o depoimento de FF, dos minutos 06.32 a 08.00, das quais resulta que também ele se aproveitou da situação e pediu à ofendida que lhe fizesse sexo oral, o que esta diz ter feito, numa altura em que já se sentia mais viva e após ter negado várias vezes (minutos 39.06 a 40.20 do depoimento da ofendida).
No cotejo com o artigo 412º do CPP entende-se que as provas de que o arguido se socorre para impugnar a decisão da matéria de facto têm que ser tão inequívocas como inabaláveis no sentido de imporem uma decisão diversa da que foi tomada, não se trata de permitir uma outra decisão, mas sim de ela ser imposta pela existência de provas que se mencionam.
Não se trata de existirem duas interpretações possíveis da prova produzida, tem que haver uma só, a do arguido, ou do MP, que se impõe pela sua evidência, pela sua certeza, pelo seu carácter inequívoco, e que obriga o Tribunal da Relação a revogar a decisão tomada pelo tribunal de primeira instância.
No caso, as provas a que o arguido alude foram tidas em consideração pelo tribunal, que as valorou no sentido descrito e que, de forma muito esclarecedora, e escorreita esclareceu e revelou a sua convicção.
O que o arguido pretendia era retirar da prova produzida uma interpretação que é a sua, mas que, de modo algum, se impõe pela sua evidência.
Aliás, nem à luz das passagens que menciona, se percepciona como possível a interpretação do arguido de que a ofendida estaria em perfeitas condições e tudo consentiu e a tudo anuiu, muito pelo contrário, só servem para reforçar a ideia que a ofendida estava completamente embriagada e sem qualquer hipótese de consentir em qualquer acto sexual, situação da qual o arguido, mais velho e em melhores condições, se aproveitou.
A livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade, portanto, uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores (Cavaleiro de Ferreira, ob cit. P 11 e 27).
Neste sentido, o princípio que esse postula, como salienta Teresa Beleza o valor dos meios de prova … não está legalmente pré-estabelecido. Pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo: o tribunal apreciá-las-á segundo a sua livre convicção.
O mesmo é dizer: a liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação dada pelo treino profissional, o saber de experiência feito e honesto estudo misturado ou na expressão feliz de Castanheira Neves, trata-se de uma liberdade para a objectividade. (RMP, ano 19, 40).
Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Universidade Católica Editora, salienta que o princípio constitucional de livre apreciação da prova é direito constitucional concretizado e não viola a constituição da república, antes a concretiza (ac. TC n.º1165/96, reiterado pelo ac. N.º 464/97): A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitem ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efectiva motivação da decisão.
A Constituição da República e a Lei estabelecem limites endógenos e exógenos ao exercício do poder de livre apreciação da prova. Estes limites dizem respeito: ao grau de convicção requerido para a decisão, à proibição dos meios de prova, à observância do princípio do in dubio pró reo. Os três primeiros são limites endógenos ao exercício da apreciação da prova no sentido de que condicionam o próprio processo de formação da convicção e da descoberta da verdade material. O último é um limite exógeno, no sentido de que sentido de que condiciona o resultado da apreciação da prova.
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis. Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
As passagens dos depoimentos a que o arguido alude e que, no fundo, se reportam ao estado de embriaguez da ofendida e das amigas, não impõe uma decisão diversa daquela que o tribunal apurou.
Em suma, parece-nos que a valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, não enferma de nenhum erro de julgamento, muito pelo contrário, e não foram violados quaisquer preceitos legais e/ou constitucionais na apreciação da prova que foi feita.
Quanto aos factos 26 a 29 e 31 a 32 o arguido não refere qualquer prova que os contrarie, limitando-se a dizer que o tribunal distorce as declarações do arguido e escolhe desvalorizar as testemunhas que não confirmam factualidade desfavorável ao arguido.
Conclui que o tribunal deveria ter lançado mão do princípio do in dubio pro reo.
O princípio in dubio pro reo, como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deve ser resolvido a favor deste. Afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal (cfr. Figueiredo Dias Dtº Processual Penal, pág 213).
Não se detecta sequer que o Tribunal tenha ficado com alguma dúvida sobre a factualidade que entendeu assente e que justificasse o recurso ao princípio do in dúbio pro reo.
O princípio in dubio pro reo, como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deve ser resolvido a favor deste. Afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal (cfr. Figueiredo Dias Dtº Processual Penal, pág 213).
Também não se verifica nenhum dos vícios a que alude o n.º2 do artigo 410º do CPP.
Estatui o artigo 410º, n.º2 do CPP que: mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum:
a. a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b. a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c. erro notório na apreciação da prova.
Através da consagração, no nº2 do artigo 410º do CPP, do recurso de revista alargada, o legislador pretendeu que o recurso de revista visasse, tal como preconizava a melhor doutrina, também a finalidade de obtenção de uma “decisão concretamente justa do caso, sem perder de vista o fim da uniformidade da jurisprudência” – Castanheira Neves, Questão de facto – questão de direito ou o problema metodológico da juridicidade, I Coimbra, 1967,p. 34 e seguintes.
Os vícios elencados no n.º2 do artigo 410º do CPP têm de resultar do contexto factual inserido na decisão, por si, ou em confronto com as regras da experiência comum, ou seja, tais vícios apenas existirão quando uma pessoa média facilmente deles se dá conta.
Quanto a aquilo que seja o chamado erro notório na apreciação da prova, escreve Maria João Antunes, no seu Conhecimento dos vícios previstos no artigo 410º, n.º2 do CPP, p.120, que é de concluir por um erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo Tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no artigo 127º do CPP, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência.
Percorrida a decisão, não se vislumbram os vícios do artigo 410º do CPP. Na decisão estão explanados os factos que conduziram à decisão e a possibilitaram, não há qualquer contradição na fundamentação, nem tão pouco é notório qualquer erro na apreciação da prova. Nos factos provados nenhuma insuficiência se detecta.
Por outro lado, não há nenhuma contradição na matéria de facto, entre a matéria de facto e a respectiva motivação ou a qualificação jurídica dada.
Concluindo, não sendo procedente a impugnação da matéria de facto, não estando verificado nenhum dos vícios a que alude o n.º2 do artigo 410º, do CPP , entendemos ter a Mma Juíza a quo feito correcta interpretação dos factos e aplicação do direito e consequentemente, julgamos o recurso improcedente, confirmando na íntegra a decisão recorrida.

3. Decisão:
Assim, e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas pelo arguido que se fixam em 4 UCS.
Notifique.

Lisboa, 03 de Dezembro de 2025
Cristina Isabel Henriques
Ana Rita Loja
Hermengarda do Valle-Frias