Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NETO NEVES | ||
Descritores: | AUTORIZAÇÃO JUDICIAL MENOR HIPOTECA COMPETÊNCIA MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/03/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | É da competência exclusiva do Ministério Público (cfr. alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 272/2001, de 13 de Outubro) decidir sobre o pedido de autorização para constituição de uma hipoteca sobre o imóvel cuja metade integra a herança em que a Requerente e seu filho menor são os únicos herdeiros interessados e que se mantém indivisa. (G.A.) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - C¸ invocando a qualidade de tutora do menor B, por óbito do pai A, interpôs no Tribunal de Família e Menores de Sintra a presente acção com processo especial de autorização judicial, tendo em vista a constituição de hipoteca sobre um imóvel de que o menor é, juntamente com a requerente e um irmão desta, comproprietário. Tal hipoteca é necessária para a concessão de crédito bancário a que tencionam recorrer, a fim de realizar obras de melhoramentos num estabelecimento comercial de restauração sito nesse imóvel. Foi proferido despacho de indeferimento liminar, com fundamento na falta de competência material do tribunal para conhecer do pedido, por o artigo 2º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 272/2001, de 13 de Outubro, conferir competência exclusiva ao Ministério Público para proferir decisões relativas a pedidos de autorização para a prática de actos pelo representante legal do incapaz, quando legalmente exigida, e não ser caso de aplicar a excepção prevista no nº 2, alínea b) do mesmo artigo 2º, visto a requerente e o menor serem contitulares da quota hereditária e haver cessado a obrigatoriedade de aceitação a benefício de inventário. Notificada, a requerente veio dizer que já anteriormente havia intentado nos Serviços do Ministério Público de Sintra acção para autorização judicial, a que foi atribuído o nº , a qual foi objecto de decisão de indeferimento, por falta de fundamento legal e de competência do Ministério Público, decisão de que requereu a aclaração, sendo mantida. Requereu, assim, ao tribunal que fosse clarificado quem detém a competência decisória e, caso se entenda ser o Ministério Público, que dos autos se faça remessa para o mesmo. Com fundamento em já ter sido proferida decisão, foi este requerimento de clarificação indeferido. Interpôs, entretanto, o Ministério Público o presente recurso de agravo do despacho de indeferimento liminar proferido nestes autos, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões: 1 - De acordo com o disposto no DL 272/2001, de 13 de Outubro, são da competência exclusiva do Ministério Público as decisões relativas a pedidos de autorização para a prática de actos pelo representante legal do incapaz, quando legalmente exigida. 2 - A competência deixa de ser do Ministério Público e transita para o Tribunal, quando esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de interdição. 3 - Os pais não podem, sem autorização do tribunal alienar ou onerar bens dos filhos, salvo tratando-se de alienação onerosa de coisas susceptíveis de perda ou deterioração. 4 - Havendo aceitação sucessória, mas sem que tenha havido ainda partilha, a herança constitui uma universalidade de direito, com individualidade própria, sendo os herdeiros apenas titulares de um direito indivisível, não sendo o co-herdeiro proprietário de cada uma das coisas que a compõem, cabendo-lhe apenas uma quota ideal. 5 - A oneração de um imóvel que adveio à requerente e ao menor por herança ainda não partilhada, pressupõe que previamente se proceda à partilha do mesmo para que se saiba o que cabe a cada um e em que termos pode ser dada a autorização. 6 - Concorrendo a requerente com o menor à herança, mostrando-se necessária a nomeação de curador especial ao menor, há que proceder a partilha judicial ou extrajudicial prévia, ficando afastada a competência do Ministério Público para apreciar o pedido de autorização. 7 - A M.ma Juíza ao considerar ser da competência do Ministério Público a decisão sobre um pedido de autorização quando estava em causa a oneração de um imóvel que faz parte de uma herança que não estava partilhada, considerando os herdeiros proprietários do referido bem, fez uma incorrecta subsunção dos factos ao direito. 8 - No casos dos autos, exigindo-se a realização de partilhas previamente à oneração do imóvel, a competência para conhecer do pedido de autorização cabe ao tribunal, pelo que ao decidir nos termos em que o fez a M.ma Juíza violou o disposto nos art.°s 2º, n° 1, al. b), n° 2, al. b), do DL 272/2001, de 13 de Outubro, art.° 1889°, n° 1, al. a), e l), do Código Civil. 9 - Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Ex.as melhor suprirão, deverá a decisão recorrida ser substituída por outra em que se reconheça a competência do tribunal para proferir decisão sobre o pedido de autorização da prática de acto de oneração de imóvel não partilhado, sendo que a requerente concorre com o menor à sucessão. Não foram apresentadas contra-alegações. O Mmo Juiz a quo proferiu despacho de sustentação. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II – QUESTÃO A DECIDIR Emerge das conclusões das alegações do recorrente – que delimita o objecto do recurso (artigos 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 4 do Código de Processo Civil) – que a questão de que cumpre conhecer é a de apurar se o Ministério Público detém ou não a competência exclusiva para decidir do pedido de autorização que a requerente formulou, tendo em vista a constituição de uma hipoteca sobre o imóvel cuja metade integra a herança em que ela e seu filho menor, de que, na sequência do óbito do pai, foi nomeada tutora, são os únicos herdeiros interessados e que se mantém indivisa. III – FACTOS E OCORRÊNCIAS PROCESSUAIS RELEVANTES Dos autos e dos articulados resultam os seguintes elementos fácticos com relevância: a) B nasceu em 4.9.1992, sendo filho da requerente e de A (doc. de fls. 5); b) A faleceu em 15.1.2006, deixando como herdeiros a requerente, com quem era casado, e o menor B, constando aquela da participação do óbito às Finanças como cabeça de casal (doc. de fls. 6); c) Na relação de bens apresentada nas Finanças foram relacionados três imóveis, dois dos quais pela totalidade e outro por ½, correspondente este ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo urbano , fracção A, freguesia do Cacém, concelho de Sintra, além de um veículo automóvel e metade de valores depositados em contas bancárias (docs. de fls. 7 e 8); d) A herança aberta por óbito de A mantém-se indivisa e não havia sido ainda instaurado inventário à data da entrada em juízo do requerimento de fls. 1 a 4 dos autos, tendo-se procedido à inscrição, no registo predial referente ao prédio correspondente ao artigo urbano º, G-3, Ap. da aquisição de ½ em comum e sem determinação de parte ou direito da ora requerente e do menor B (docs. de fls. 9 a 12, em particular a fls. 12, anverso, in fine); e) Sobre a petição apresentada pela requerente, de fls. 2 a 4, entrada em juízo em 4.7.2007, foi exarado o seguinte despacho liminar, datado de 9.7.2007 – e que constitui o despacho ora agravado: C instaurou a presente acção especial de autorização judicial, ao abrigo do disposto no art° 1439° do CPC, pedindo lhe seja concedida autorização para, em representação do seu filho menor B, hipotecar um imóvel do qual é comproprietário juntamente com a requerente e o tio materno. Alegou, em suma, que o referido imóvel carece de melhoramentos e os comproprietários pretendem recorrer ao crédito bancário, havendo necessidade de constituir hipoteca a favor da instituição bancária. Mais alegou que a requerente tem interesse directo na prática do acto carecido de autorização, por ser comproprietária do imóvel. Juntou documentos. O DL n° 272/01, de 13.10, que operou a transferência da competência decisória em determinados processos de jurisdição voluntária dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as Conservatórias do Registo Civil, preceitua no seu art° 2°, n° 1, alínea b), que são da competência exclusiva do Ministério Público as decisões relativas a pedidos de autorização para a prática de actos pelo representante legal do incapaz, quando legalmente exigida. O n° 2, alínea b) do mesmo artigo excepciona da competência daquela Magistratura as situações previstas na alínea b) do n° 1, quando esteja em causa autorização para o representante legal outorgar em partilha extrajudicial e o mesmo concorra à sucessão com o seu representado. Resulta pois expressamente de tais normas a atribuição de competência exclusiva à Magistratura do Ministério Público para autorizar a prática de actos pelo representante legal do incapaz, ficando apenas reservada a competência dos tribunais quando se trate de outorga em partilha extrajudicial e o representante legal com ele concorra à sucessão. De acordo com a factualidade alegada na petição inicial a requerente pretende, em representação de seu filho, onerar o imóvel de que aquele é comproprietário com uma hipoteca, acto para cuja prática carece efectivamente de autorização (art° 1889°, n° 1, alínea a) do Código Civil), e não realizar partilha extrajudicial. Como resulta do documento junto aos autos sob o n° 3, o direito de propriedade sobre 1/2 do referido imóvel encontra-se inscrito no registo predial a favor da requerente e do menor B, tendo sido adquirido por sucessão hereditária e passado a integrar os respectivos patrimónios. A requerente e o menor são pois presentemente os contitulares daquela quota e inexiste fundamento legal para que a constituição de hipoteca sobre o prédio careça de prévia partilha. Com efeito, a lei permite que a alienação e oneração de património indiviso, designadamente o resultante de aquisição por sucessão hereditária, se faça sem prévia divisão, desde que no acto intervenham todos os herdeiros (art° 2091°, n° 1 do CC). No caso de herança deferida a incapazes, tendo cessado a obrigatoriedade de aceitação a benefício de inventário, que implicava a partilha em processo de inventário obrigatório (redacção dos art°s 2053° e 2102°, n° 2 do CC, introduzida pelo DL 227/94, de 08.09), não pode subsistir o entendimento de que para disposição ou oneração de bens pertencentes a menores os seus representantes careçam de proceder a partilha prévia. Necessitam, isso sim mas apenas, de autorização nos termos previstos no art° 1889°, n° 1, alínea a) do CC. A autorização peticionada pela requerente destina-se a permitir-lhe, em representação do filho menor, onerar com hipoteca um bem de que são comproprietários, não prendendo, nem existindo preceito legal que lho imponha, proceder a partilha ou divisão prévia desse bem. Assim sendo e face ao que estatui o art° 2°, n° 1, alínea b) e n° 2, alínea b), a contrario sensu, do DL 272/01, de 13.10, tem de concluir-se que este tribunal é incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido formulado pela requerente, sendo competente para autorizar a oneração do bem em causa o Ministério Público. A incompetência em razão da matéria integra o pressuposto processual da competência absoluta do tribunal e, simultaneamente, excepção dilatória insuprível, determinativa do indeferimento liminar da petição inicia], nos termos das disposições conjugadas dos art°s 101°, 102°. n° 1, 105°, n° 1, 234°, n° 4, alínea a), 234°-A, n° 1, 493°, n° 2, 494°. alínea a) e 495° do CPC. 2°. n° 1, alínea b) e n° 2, alínea b) a contrario sensu, do DL 272/01, de 13.10. Nestes termos e ao abrigo das disposições legais citadas, declaro este tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido formulado nos autos e, em consequência, indefiro liminarmente a petição inicial. f) A requerente havia anteriormente, em 12.3.2007, apresentado aos Serviços do Ministério Público de Sintra, requerimento de autorização para a prática do acto mencionado no despacho anteriormente transcrito, autuado com o nº o qual foi objecto dos seguinte despacho do senhor Magistrado do Ministério Público, com cópia a fls. 22-23 destes autos: C veio requerer ao Ministério Público "autorização judicial" para o menor seu filho e de A hipotecar bem imóvel urbano integrante da herança deste, seu marido e pai daquele e de outro maior. Invocando o artigo 1439° do C. P. Civil pretenderia decerto invocar fundamento e enquadramento legal no campo de aplicação do Decreto-Lei n° 272/2001, de 13 de Outubro para tal pretensão, mais precisamente nos "artigos 2º, n° 1, al. b), 3º, n° 1, al. a) as alíneas a) e b) do n° 1 do artigo 2º e n° 4", porquanto naqueloutra sede é "competente o juiz. Se bem se enquadra a situação, o citado Decreto-Lei, inovador e de aprofundamento e alargamento da filosofia de desjudicialização concretizada in casu na transferência e atribuição de competências a uma magistratura estatutariamente vocacionada para a tutela dos interesses dos incapazes e ausentes, "desoner(a) os tribunais de processos que não consubstanciam verdadeiros litígios" ( v. Preâmbulo). Questionável embora, adoptou claramente o legislador uma concepção minimalista precisamente no campo ora em apreço e aquele que com maior frequência e acuidade será colocado à decisão... Efectivamente, integrando a previsão da al. b) do n° 1 do artigo 2º do dito diploma, exclui-o da "competência exclusiva do Ministério Público" a parte final da al. b) do n° 2 do mesmo preceito. Afigurando-se evidente e efectivada a "depend(ência) de processo de inventário", excluída e afastada se mostra aquela competência do Ministério Público, na verdade se inscrevendo no âmbito o invocado artigo 1439º... Nesse sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora proferidos nos processos 2495.02-2 e 288/2003, de 18 de Dezembro de 2002 e 13 de Fevereiro de 2003, cujos fundamentos nos escusamos de citar atento a sua clareza e evidência. Em conformidade, impõe-se indeferir a formulada pretensão, por falta de fundamento legal e competência do Ministério Público, no âmbito das nóveis e legais competências atribuídas pelo citado Decreto-Lei. g) Na petição apresentada nestes autos de fls. 2 a 4, a requerente não faz qualquer referência ao processo referido na alínea anterior e à decisão nela transcrita. IV – O DIREITO Antes de mais, cumpre esclarecer que, ao invés do que resulta da fundamentação do despacho agravado, o menor não é dono em regime de compropriedade, juntamente com sua mãe, a ora requerente, da ½ da fracção autónoma que esta intenta hipotecar, acto para que requereu autorização judicial. Decorre claramente dos próprios termos da inscrição registral citada na alínea d) da parte anterior que tal ½ está inscrita com a menção de estar indivisa, sem determinação de parte ou direito, tendo o registo sido realizado nesses termos ao abrigo do disposto no artigo 37º, nº 1 do Código do Registo Predial. Neste ponto, tem, pois, o recorrente razão – requerente e menor são somente os únicos herdeiros, tendo a primeira, possivelmente, também a qualidade de meeira, da herança de cujo acervo aquele bem faz parte integrante, pelo que, não estando ainda tal herança partilhada e não tendo sequer sido ainda requerido inventário, qualquer deles é apenas titular de uma quota ideal da totalidade dos bens. Isto posto, analisemos a questão. Inegável é que, sendo menor um dos herdeiros, a oneração de um dos bens que integra a massa da herança necessita de autorização, como impõe o artigo 1889º, nº 1, alínea a) do Código Civil. E, em estado de indivisão, essa autorização é ainda imprescindível, pois que o artigo 2091º, nº 1 do referido Código determina que Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros. Para a autorização imposta pelo artigo 1889º, nº 1, alínea a), existe o processo especial de jurisdição voluntária, denominado autorização judicial, no artigo 1439º do Código de Processo Civil, cujo nº 1 dispõe que Quando for necessário praticar actos cuja validade dependa de autorização judicial, esta será pedida pelo representante legal do incapaz. O Decreto-Lei nº 272/2001, de 13 de Outubro, veio determinar a atribuição e transferência de competências relativas a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais para o Ministério Público (e também para as conservatórias de registo civil). Fê-lo, tendo em vista aliviar a carga processual dos tribunais judiciais a fim de se poder alcançar a prolação de decisões em tempo útil, optando por desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efectivamente a uma reserva de intervenção judicial (como do seu preâmbulo consta). Transferiu assim para o Ministério Público a competência decisória em processos cujo principal rácio é a tutela dos interesses dos incapazes ou ausentes, do tribunal para o Ministério Público, estatutariamente vocacionado para a tutela deste tipo de interesses, sendo este o caso das acções de suprimento do consentimento dos representantes, de autorização para a prática de actos, bem como a confirmação de actos em caso de inexistência de autorização (cita-se ainda o Preâmbulo). Concretizando tal objectivo, o artigo 2º do diploma mencionado estabeleceu serem da competência exclusiva do Ministério Público as decisões relativas a pedidos de: […] b) Autorização para a prática de actos pelo representante legal do incapaz, quando legalmente exigida; […]. Mas a alínea b) do nº 2 desse mesmo artigo 2º determinou que o disposto no nº 1 se não aplica Às situações previstas na alínea b), quando esteja em causa autorização para outorgarem partilha extrajudicial e o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, sendo necessário nomear curador especial, bem como nos casos em que o pedido de autorização seja dependente de processo de inventário ou de interdição. Entendeu-se no despacho agravado que, inexistindo processo de inventário, e não estando em causa autorização para outorgar em partilha extrajudicial (apesar de o representante legal do menor concorrer com este à sucessão) e isso por nada impedir a oneração de bens da herança, desde que com o acordo de todos os herdeiros e, por conseguinte, sem necessidade de prévia partilha, estas excepções não cobram aplicação, devendo ser o Ministério Público a decidir o pedido. O Magistrado recorrente sustenta, diversamente, que, não existindo ainda partilha dos bens, a autorização para a oneração de bens da herança a que o incapaz concorre pressupõe a prévia partilha da massa da herança, por só em face dessa partilha se ficar a saber se o concreto bem a onerar ficará adjudicado ao dito incapaz e em que proporção. Invoca arestos da Relação de Évora de que não transcreve qualquer trecho, e que, em consulta à Base de Dados Jurídico-Documentais do Ministério da Justiça (em http://www.dgsi.pt) não lográmos localizar e por isso apreciar. Mas já em sede de alegações cita o douto Acórdão dessa Relação, de 9.12.2004, proferido no processo nº 2274/04-3, Rel. Ana Rezende, esse sim acessível na mencionada Base de Dados. Salvo o devido respeito por opinião diversa, não acompanhamos a posição sustentada pelo ilustre recorrente, e nem a jurisprudência nas doutas alegações citada, tal como a generalidade dos arestos dos tribunais superiores que na mesma Base pudemos consultar, vem em apoio dessa posição. Com efeito, no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, tratava-se de um caso em que era peticionada autorização para a assinatura de contrato-promessa de compra e venda e subsequente escritura do contrato prometido, e subsidiariamente, caso se entenda que a alienação de bens integrantes da herança indivisa exige partilha prévia, outorgar partilha parcial extrajudicial, relativamente ao imóvel referenciado. Além disso, tendo a requerente – de igual modo representante de filho menor – formulado primeiramente o pedido ao Ministério Público ao abrigo do regime do Decreto-Lei nº 272/2001, o pedido dirigido ao tribunal era de reapreciação sobre a autorização para a prática de acto, ao abrigo do disposto no nº 6, do artigo 3º daquele diploma, pois que o ilustre Magistrado do Ministério Público havia indeferido liminarmente o pedido, com fundamento na sua incompetência material. Significa isto que necessariamente, dados os termos em que a lide é configurada pelo autor, não podia o tribunal judicial deixar de ser competente, pois que de pedido de reapreciação se tratava. Mas nem os demais argumentos – salvo o devido respeito, repete-se – nos convencem. Por um lado, não vemos a menor base legal para sustentar que a autorização só pode ser conferida após prévia partilha, posição que conduz a tornar a autorização dependente do respectivo inventário, nos termos do nº 4 do artigo 1439º do Código de Processo Civil, pois que nada obsta a que, desde que obtido o consenso unânime de todos os herdeiros, os bens da herança possam ser onerados. Por outro lado, não pode extrapolar-se a jurisprudência que vem sendo firmada em diversos arestos que versam sobre pretensões em que o acto a autorizar é a alienação (normalmente, por venda) de bens da herança, para os actos em que o acto dependente de autorização é a oneração, designadamente, como é o caso vertente, por constituição de hipoteca. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.11.2004, Proc. 04B3008, Rel. Araújo de Barros, tal como os Acórdãos da Relação de Lisboa de 27.3.2006, Proc. 4669/06-6. Rel. Pimentel Marcos, e de 26.10.2006, Proc. 8556/06-6, Rel. Granja da Fonseca, e da Relação do Porto de 5.5.2005, Proc. 0532615, Rel. Oliveira Vasconcelos, versam todos sobre hipóteses de venda de bens da herança e, no caso do Acórdão de 26.10.2006, simultaneamente e de modo explícito, de partilha extrajudicial (o que desde logo conduz à aplicação da excepção da alínea b) do nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei em questão). E decidiram todos a favor da competência jurisdicional com o argumento de que vender para seguidamente partilhar o produto da venda é já entrar em operação de partilha, ainda que de forma indirecta. Já o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.10.2003, Proc. 03B1382, Rel. Ferreira de Almeida, em que se decidiu – em sede de conflito de jurisdição, tal como o já citado Acórdão de 18.11.2004 – pela competência do Ministério Público, entendeu que a questão deve ser decidida em face dos termos da própria pretensão deduzida na petição. A dado passo se afirma: […] basta compulsar o teor do requerimento em apreço, para logo se alcançar que se não encontra em causa um qualquer pedido de «outorga de partilha extrajudicial», situação esta última que, face à eventualidade da existência de interesses contraditórios e até conflituantes, sempre recomendaria, de resto, a respectiva aceitação beneficiária, mediante a instauração do competente processo de inventário por iniciativa do Mº Público, «ex-vi» do disposto no nº. 2 do artº. 2102º do C. Civil. Vem apenas, e tão singelamente, formulado um pedido de autorização para «alienação» de bens, o que logo reconduz esse pedido ao âmbito da competência «genérica» do Ministério Público instituída na al. b) do nº. 1 do artº. 2 do supra-citado DL 274/01. E, tal como acontece com a generalidade dos pressupostos processuais, a competência decisória deve aferir-se em função da causa de pedir enunciada e do pedido concretamente deduzido pelo interessado-requerente da providência. Já o saber se esse requerimento-pedido de autorização, ou de suprimento do consentimento, pretende «mascarar», na realidade, um outro «desideratum» ínvio, v.g a autorização para a realização de um verdadeiro acto de partilha extrajudicial, poderá ser objecto de uma conclusão aposteriorística que se prende com o «fundo» ou o bom fundamento (mérito) do pedido, a extrair pela entidade com competência decisória primária na matéria. Tratar-se-ia então de um "posterius", que não de um "prius", para não dar já como assente o que sempre careceria de demonstração Seja como for, a consideração de que com a venda de um bem da herança se visa já realizar a partilha extrajudicial (total ou parcial) não é extensiva à constituição de uma hipoteca, em que a alienação do bem se não coloca no imediato, tanto mais que a finalidade invocada para a constituição do ónus (a realização de obras de melhoramentos do estabelecimento comercial de restauração que está em laboração na fracção autónoma em causa) serve, pelo contrário, a valorização do bem. Não é, por conseguinte, de aplicar o regime da alínea b) do nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 272/2001, de 13 de Outubro, pelo que, como decorre da alínea b) do nº 1 do mesmo artigo, a competência exclusiva para decidir do pedido de autorização formulado cabe ao Ministério Público. Não descortinamos, assim, razões que nos convençam do desacerto da decisão recorrida, que – com ressalva da incorrecção já apontada acerca da propriedade do bem – se mostra correctamente alicerçada., pelo que merece ser confirmada, devendo recuar-se provimento ao agravo. V – DECISÃO Em face do acabado de expor, acordam em negar provimento ao agravo, mantendo o despacho impugnado. Sem custas, por delas estar o recorrente isento. Lisboa, 3 de Abril de 2008 António Neto Neves Isabel Canadas José Maria Sousa Pinto |