Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1090/2008-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- O poder paternal não visa unicamente tutelar o interesse da menor, mas também o interesse da auto-realização dos pais enquanto pais, que está particularmente em perigo, após o divórcio, em relação ao progenitor sem a guarda do filho.
II- De qualquer modo, o superior interesse da menor obsta a que manifestando aquele, já com 15 anos de idade, total rejeição da figura paterna, que literalmente pretende apagar da sua identidade pessoal, se coloque como opção a imposição de visitas manu militari. III- Importará contudo manter o acompanhamento psicológico da menor, tendo em vista desbloqueamento de situação assim induzida pelo progenitor detentor da guarda daquele.
(E.M.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação

I- M requereu contra R, processo tutelar cível, pedindo a inibição total do Requerido do exercício do mesmo poder paternal relativo à filha menor de ambos, I e, subsidiariamente, a alteração da regulação do exercício do poder paternal, no tocante ao regime de visitas, em termos de estas terem sempre lugar na sua presença ou na de pessoa por ela nomeada.

Alegando, para tanto e em suma, tratar-se, o Requerido, de uma personalidade psicótica cuja presença, sem o acompanhamento da Requerente representa elevado risco para a menor.

E que esta não quer estar nem ver seu pai, tendo crescido sem ele, que da sua vida não faz parte.

Contestou o Requerido, impugnando qualquer perigosidade da sua parte, e alegando o incumprimento sistemático por parte da Requerente das diversas decisões judiciais que decretam as visitas do pai à menor sem a presença da mãe.

Rematando com o indeferimento da pretensão da Requerente.

O processo seguiu termos, com elaboração de relatórios sociais – juntos a folhas 173 a 176 e 182 a 185 – e requisição de elementos relativos ao Requerido, nas vertentes profissional, policial e clínica.

Mostrando-se junto a folhas 522 a 524 “Avaliação médico-legal psiquiátrica” do Requerido.

E, a folhas 525 e seguintes, certidão de peças processuais extraídas dos autos de processo tutelar comum n.º 296/2002, relativo à mesma menor.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que:

- julgou improcedente o pedido de inibição do exercício do poder paternal, absolvendo o Requerido desse pedido.

- alterou o regime de visitas do Requerido à menor nos seguintes termos:        “O requerido poderá visitar a menor, quinzenalmente, aos Domingos, entre as 14 horas e as 19 horas, na casa da requerente, na presença desta última”;

- determinou que a Requerente deverá assegurar a continuação de consultas de psicologia pela menor, a fim de serem retomados, no futuro, os contactos entre o requerido e a menor Inês, sem a presença da requerente;

- e que a Requerente deverá comunicar ao requerido os resultados de tal acompanhamento (sob pena de incorrer num crime de desobediência), de dois em dois meses, por meio de carta registada com aviso de recepção, sem prejuízo do sigilo profissional da senhora psicóloga.

Inconformado, recorreu o requerido, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

1. A história deste processo, que se inicia com a instauração de acção de separação de pessoas e bens proposta pelo apelante contra a apelada, em 6 de Janeiro de 1994, ainda a menor não tinha 1 ano de idade, exibe uma permanente infracção ao exercício do poder paternal.

2. Durante 14 anos o apelante (e a sua família) foi impedido de ter a sua filha e visitas quinzenais ou semanais, na sua companhia, no Natal, na Páscoa, nas férias.

3. E porque a apelada e progenitora mãe sempre recusou cumprir as sucessivas sentenças proferidas nesse sentido.

4. Desta forma, a progenitora mãe durante estes 14 anos, roubou a filha Ià companhia e visitas de seu pai e avós paternos, criando na criança uma má imagem do pai e de sua família.

5. Fustigada por decisões que a condenaram como incumpridora, a apelada continuou a ignorar o seu dever de mãe detentora do poder paternal e o seu dever de cidadã obrigada a cumprir as sentenças dos Tribunais Portugueses.

6. Durante estes 14 anos – e com as demoras decorrentes das tramitações processuais – sempre o apelante insistiu que queria ter acesso à criança sem a presença da mãe, e sempre com êxito lhe foi deferido tal pretensão.

7. Veio agora a apelada reclamar a alteração do direito a visitas e demais, alegando falsamente que o pai se desinteressou de estar com criança (basta ler os apensos de onde decorre a luta sistemática do pai para ter a criança em sua companhia).

8. E invocando factos caluniosos (a maioria decorridos antes da sentença transitada em julgado).

9. Provada que foi a inexistência de factos que determinassem a alteração da regulação anterior, a douta sentença impôs, todavia, que a criança apenas poderia ser visitada pelo pai na presença da mãe.

10. Tal sentença, contudo, ofende o direito, os princípios fundamentais que asseguram ao pai o direito a visitar a sua filha e a tê-la em sua companhia nos períodos consignados na primitiva sentença.

11. E homologa o triunfo dos sucessivos incumprimentos, da inexecução da sentença de regulação do poder paternal, do êxito do réu relapso.

12. Estando provada a enorme conflitualidade entre os dois progenitores, é impossível ao pai sem o afectar gravemente, ver a sua filha na presença da mãe que tanto o caluniou e ofendeu.

13. Esta decisão torna impossível ao pai promover, na presença da mãe, a reeducação afectiva e psicológica da menor, uma vez que foi a progenitora mãe a única responsável pelo afastamento durante 14 anos da figura do pai.

14. Tal decisão sujeita o pai a fazer-se acompanhar sempre de testemunhas, atento o carácter caluniador da progenitora, a fim de se defender de qualquer acusação inverídica que pretensamente ocorra numa visita.

15. Com esta decisão, o pai nunca poderá explicar à filha de 14 anos que nenhum motivo existia para que a mãe o impedisse de estar com ela, de gozar um dia de Natal, de Páscoa, de Férias.

16. Foi proferida sentença em processo proposto pelo avô paterno em que a mãe também foi condenada a promover o tratamento psicológico da criança de forma a possibilitar as visitas deste.

17. Sob pena de ocorrer crime de desobediência, mas, a mãe não executou a sentença e a criança psicologicamente nunca foi objecto de qualquer relatório.

18. Pelo que o avô para ter acesso à criança terá de participar criminalmente da progenitora o que determinará na criança evidente repúdio da família paterna.

19. No caso dos autos importa:

a) Promover o imediato relacionamento da criança com o pai;

b) Explicar e promover junto da criança a ideia de pai;

c) Explicar a razão porque a criança durante 14 anos foi pedida de estar com o pai;

20. Para se alcançar os definidos objectivos, não é possível imaginar ou aguardar que tal seja executado com o auxílio da mãe (os incumprimentos judiciais o demonstram).

21. É exigível o acompanhamento psicológico, da criança, mas, desta vez (haja em vista o que ocorreu no processo de visitas do avô), deverá ser o Tribunal a nomeá-lo e a responder perante si.

22. Este técnico deverá acompanhar a criança, prepará-la para receber o pai sem constrangimentos e sem a companhia da mãe.

23. Deverá fixar-se um período de 3 meses para que as visitas do pai à filha se iniciem na presença dessa técnica.

24. Findo o qual, o regime das visitas se processará sem a interferência de qualquer pessoa, continuando, embora, por cautela, o acompanhamento psicológico da menor.

25. O incumprimento pela Mãe ou a persistência no afastamento da figura parental paterna, deverá ser penalizada com a perda do direito de custódia da filha.

26. A sentença ajuizada é inexequível ao apelante, que não se sujeita à presença da mulher, causadora de 14 anos de grave sofrimento, amargura e doença.

27. Deverá permanecer o direito do apelante a gozar 15 dias de férias com a menor, véspera de Natal, Natal e Páscoa, tal como decorre da primitiva sentença e que nesta foi omitida.

28. A sentença recorrida impede que o pai promova o desenvolvimento intelectual e moral de sua filha, art° 1885, 1 do Código Civil.

29. Viola o art° 1887-A e o n° 4 do art° 1906 do mesmo diploma.

30. E constituiu uma injustificada e não motivada (a sentença carece em absoluto de ser fundamentada) inibição do exercício do poder paternal pelo apelante.

31. Viola injustificadamente, porque o apelante não foi inibido do poder paternal, nem deu motivo à imagem que a mãe criou e promoveu junto da filha da figura do pai, o direito constitucional de livre e igual acesso à companhia da filha e à sua afectividade (art° 20 e 36 da C.R.P.).

32. Foram violados os acima citados preceitos legais.”.

Requer a revogação da sentença recorrida, proferindo-se decisão que contemple a solução aqui proposta.

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

E também nesse sentido foram as alegações do Ministério Público.

II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil -  é questão proposta à resolução deste Tribunal,  a de saber se é de alterar o regime de visitas e os termos do acompanhamento psicológico da menor, fixados na sentença recorrida no sentido propugnado pelo Recorrente.

*

Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte:

«1- No ano de 1986, em data não apurada, o requerido não sabia onde estava, pelo que foi assistido por médico psiquiatra. O requerido foi tratado e recuperou. O Dr. B foi médico psiquiatra do requerido desde 10 de Outubro de 1986 até 2002.

2- A requerente e o requerido contraíram entre si casamento católico no dia 20.04.1987.

3- O requerido foi internado na Casa de Saúde de 06.12.1990 a 17.12.1990. Teve alta com o seguinte diagnóstico : "personalidade ciclóide, com traços paranoides ".

4- Em Abril de 1993 (antes do nascimento da menor I) a requerente e o requerido deixaram de viver na mesma casa.

5- Em 30.04.1993, na freguesia de Paranhos, concelho do Porto, nasceu a menor I (filha da requerente e do requerido).

6- Em 6 de Janeiro de 1994 o ora requerido instaurou, no Tribunal de Família e Menores do Porto, acção de separação de pessoas e bens contra a ora requerente. A ora requerente pediu, em sede de reconvenção, o divórcio.

7- Em 12.07.1995 foi declarado dissolvido o casamento celebrado pela ora requerente e pelo ora requerido, por divórcio por mútuo consentimento (processo n° da 1ª secção do 1° Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto - registado no presente sob o n° ). Nos referidos autos foi celebrado em 28.11.1994 acordo de regulação do exercício do poder paternal da menor I nos seguintes termos:

" Destino: A menor I continuará à guarda e cuidados da mãe.

Visitas: O pai terá direito a ter consigo a menor, aos sábados de 15 em 15 dias, das 14 horas às 19 horas, devendo a visita processar-se na companhia da mãe, durante os primeiros seis meses, podendo este período ser alargado, caso assim o exija a reintegração da menor, no ambiente familiar do pai.

A menor passará o dia de Natal e de Páscoa, alternadamente, com o pai e com a mãe, devendo, quando for o caso do pai, manter-se, no período referido na alínea anterior, o acompanhamento da mãe.

O pai passará 15 dias das suas férias com a menor, devendo, para tanto, o pai comunicar até 31 de Maio, a altura em que pretende gozá-las.

Alimentos. O pai entregará até ao dia 5 de cada mês, a quantia de 25 000$00 mensais, a título de alimentos para a menor que entregará à requerente por cheque ou vale postal".

.8- Em 24.04.1996, o requerido instaurou acção de alteração da regulação do exercício do poder paternal referente à menor (processo n° da 1 ° secção do 1° Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto – registado no presente sob o n° 4012/04.7 TBSXL-C deste Juízo), pedindo o alargamento do direito de visita nos seguintes termos : A menor estará na companhia do pai das 10 horas até às 19 horas, de oito em oito dias, de preferência aos Domingos.

9- Nos referidos autos foi junta a fls. 14 a 19 certidão do relatório elaborado em 22.12.1994 pelo Serviço de Psiquiatria Forense do Hospital no âmbito do processo da 1ª secção do 1° Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto (referente à regulação do exercício do poder paternal da menor). As conclusões do referido relatório foram as seguintes: "o examinando R sofre de Psicose Afectiva Atípica (...) Esta doença é susceptível de afectar a capacidade educativa do examinando e o seu relacionamento com o menor embora somente durante o curtíssimo tempo que as fases duram; devido à benignidade do prognóstico, à curta duração dos episódios e ao escrupuloso cumprimento da terapêutica que o doente vem seguindo, não são de supor recidivas relevantes ".

10- Em Fevereiro de 1997 a ora requerente deixou de residir em Pedrouços e passou a residir em Almada. Desde, pelo menos, o ano de 1995 até à mudança de residência acima indicada a requerente levava a menor a casa da avó paterna desta, a fim de permitir os contactos entre o requerido e a menor.

11-Nos referidos autos de alteração da regulação do exercício do poder paternal foi julgado em 23.05.1997 improcedente o pedido de alteração do montante da pensão alimentícia formulado pela progenitora e foi fixado o seguinte regime de visitas: “O pai poderá visitar e ter consigo a menor I, todos os fins de semana, alternadamente, aos Sábados e Domingos, das 10 às 19 horas. As visitas processar-se-ão sem a companhia da progenitora ".

12-Esta sentença foi confirmada por Acordão da Relação do Porto de 28.04.1998.

13- Em 20.06.2000 o ora requerido deduziu incidente de incumprimento do regime de visitas contra a ora requerente.

14-Por decisão de fls. 20.05.2002, do Tribunal de Família e Menores do Porto, o referido incidente foi julgado não provado e improcedente.

15- Desde a mudança de residência (acima indicada sob 10) da requerente para Almada não ocorreram contactos entre a menor e o progenitor até 2002. O requerido viu a menor, pelo menos, em 15.06.2002, em finais de Setembro de 2002 e em 05.10.2002. Em 15.02.2003 o requerido tentou ver a menor. A menor não estabeleceu contactos posteriores com o progenitor.

16- Em 04.07.2002 o ora requerido deduziu novo incidente de incumprimento do regime de visitas contra a ora requerente.

17- Por decisão de 27.11.02 (do Tribunal de Família e Menores do Porto) foi verificado o incumprimento do regime de visitas no dia 15.06.2002 e numa data posterior, por a progenitora não ter permitido as visitas do ora requerido à menor sem a presença da primeira. A progenitora foi condenada no pagamento de uma indemnização a favor do ora requerido no montante de 1000 euros e numa multa de 150 euros. Foi ainda determinado: " Caso a progenitora persista na recusa da visita do pai da menor a esta sem a sua presença, este, com certidão do presente despacho, poderá “requisitar a PSP de Almada para que possa efectuar a vista sem a presença da mãe da menor".

18- Esta última decisão foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02.06.2003.

19- Em 16.03.2004, o Ministério Público instaurou incidente de incumprimento do regime de visitas contra a ora requerente.

20- Por decisão de 25.05.2004 (do Tribunal de Família e Menores do Porto), foi verificado o incumprimento da ora requerente, no que concerne ao regime de visitas do progenitor à menor no dia 15.02.2003. A ora requerente foi ainda condenada no pagamento de uma multa no montante de 200 euros. Foi ainda determinado "Caso a progenitora persista na recusa da visita do pai da menor a esta sem a sua presença, este, com certidão do presente despacho," poderá "requisitar a P.S.P. de Almada para que possa efectuar a visita sem a presença da mãe da menor".

21- 0 requerido esteve internado nos serviços de Psiquiatria do Hospital de 13.05.2002 a 24.05.2002.

22- 0 requerido esteve internado nos serviços de Psiquiatria do Hospital de 06.10.2004 a 02.11.2004.

23- 0 requerido esteve internado nos serviços de Psiquiatria do Hospital de 09.12.2004 a 25.01.2005.

24- Os internamentos acima indicados foram   devidos a descompensação psicótica do requerido e foram efectuados de forma voluntária.

25- Foi proposta pela médica que deu alta ao requerido no último internamento (Dr.ª S) a consulta de psicologia em regime ambulatório.

26- No que concerne ao risco para terceiros resultante das perturbações mentais do requerido, mantém-se a situação acima indicada sob 9.

27- A menor recusa assinar o seu nome com o apelido do progenitor.

28- A menor não pretende conviver com o pai.

29- 0 avô paterno da menor instaurou acção para regulação do seu direito de visita à menor (processo n° do 2° Juízo deste Tribunal ). Nos referidos autos foi proferida a seguinte decisão

"Julgo verificada a proibição de visitas à menor I imposta pela requerida mãe M ao avô paterno R e condeno a requerida a não praticar qualquer acto que se traduza na manutenção de tal proibição.

Mais condeno a requerida a, mantendo a menor em acompanhamento psicológico, comunicar de dois em dois meses ao avô, por carta registada com aviso de recepção, os resultados de tal acompanhamento na parte referente à possibilidade de se concretizarem visitas, sem prejuízo das matérias cobertas por sigilo profissional da psicóloga.

Caso não faça tal comunicação incorre em responsabilidade penal por crime de desobediência e sujeita-se a ser condenada em multa por não colaborar com a justiça, neste caso, sendo incidentalmente suscitado tal incumprimento.

Mais condeno a requerida a fomentar os contactos da menor Icom o avô paterno, logo que se mostrem possíveis e sem a sua presença.

Decido ainda não fixar qualquer regime de visitas ao requerente avô, na data presente.".

*

Tal factualidade não foi objecto de impugnação recondutível aos quadros do art.º 690º-A, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, nada impondo diversamente, com referência ao art.º 712º, n.º 1, al. b), do mesmo Código.

Posto o que será desconsiderado, por assim excrecente, o mais obstinadamente referido, em sede factual, nas alegações da Recorrente. 

*

Vejamos então:

1. Como é sabido, toda a intervenção relativa a menores deve ter em conta o “superior interesse da criança ou jovem”.

Assim sendo que aquele princípio surge consagrado na Convenção Sobre os Direitos da Criança – assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990, e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, in D.R., I Série, n.º 211, de 12-09-90, e ratificada pelo Decreto do Presidente da república n.º 49/90, de 12 de Setembro – cujo art.º 3º, n.º 1, dispõe: “Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”.

E que a LPCJP coloca à cabeça dos “princípios orientadores da intervenção”, no art.4º, na alínea a): “Interesse superior da criança e do jovem… sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;”.

Também no art.º 1978º, n.º 2, do Código Civil se dispondo que na confiança do menor com vista a futura adopção, nas situações previstas no número anterior, “o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor”.

E, finalmente, em matéria de regulação do exercício do poder paternal em caso de …divórcio, dispõe o art.º 1905º que o acordo dos pais a propósito não será homologado se “não corresponder ao interesse do menor, incluindo o interesse deste em manter com aquele progenitor a quem não seja confiado uma relação de grande proximidade” (n.º 1), e que “Na falta de acordo, o tribunal decidirá de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com o progenitor a quem não seja confiado”, (n.º 2).

Tal “interesse do menor” é um conceito jurídico indeterminado cuja integração, in concreto, envolve uma multiplicidade de factores.

Sendo que como assinala Maria Clara Sottomayor,[1]citando os autores americanos, “cada caso deve ser decidido com base nos próprios factos, pois os casos de guarda são como impressões digitais, não há dois exactamente iguais”.

Mas tendo sempre por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral – cfr. art.º 69º nº1 da Constituição da República Portuguesa – e procedendo-se a uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade própria e envolvência.

Referindo Rui Epifânio e António Farinha,[2] que “trata-se afinal de uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem-estar material e moral”.

O chamado direito de visita – assim contemplado no citado art.º 1905º, do Código Civil – consiste, nas palavras de Maria Clara Sottomayor,[3] “no direito de pessoas unidas por laços familiares ou afectivos estabelecerem relações pessoais. No contexto do divórcio…., o direito de visitas significa o direito de o progenitor sem a guarda dos filhos se relacionar e conviver com eles, uma vez que tais relações não podem desenvolver-se de forma normal em virtude da falta de coabitação dos pais”.

Gozando tal direito de protecção constitucional face a terceiros e ao Estado, cfr. art.º 36° no 6 da Constituição da República Portuguesa.

Sendo porém de anotar que aquela Autora, porventura em contracorrente, não deixou de assinalar a propósito que “O poder paternal não visa unicamente, como assinalam alguns autores, tutelar o interesse do menor, mas também o interesse da auto-realização dos pais enquanto pais, que está particularmente em perigo, após o divórcio, em relação ao progenitor sem a guarda do filho”.[4]

A importância do estabelecimento de um efectivo regime de visitas tem igualmente encontrado eco na jurisprudência.

Assim, a Relação do Porto, no seu Acórdão de 13-07-2006,[5] considerou que para o preenchimento do superior interesse do menor, “é essencial salvaguardar a satisfação da necessidade básica da criança de continuidade das suas relações afectivas sob pena de se criarem graves sentimentos de insegurança e ser afectado o seu normal desenvolvimento.”, posto o que “a negação ou supressão do direito de visita do progenitor sem a guarda dos filhos apenas poderá justificar-se -- e como última ratio -- no quadro de um conflito extremo entre o interesse da criança e o direito do progenitor.”.

E, no Acórdão de 18-05-2006,[6] que: “O direito da mãe conviver com o seu filho é igual ao do pai conviver com o seu filho e, verdadeiramente, só são relevantes se resultarem do direito que o menor tem de conviver com ambos, porque terão sempre, em todas as situações, que estar subordinados aos direitos e interesses dos menores, como se define no art.º 1878º do Código Civil. Por essa razão, o incumprimento repetido da regulação do poder paternal terá, se for necessário, que conduzir à alteração da guarda do menor. O menor não é propriedade privada da sua mãe e ela, se assim o entende, representa um enorme perigo para o desenvolvimento harmonioso da criança, que o Tribunal não pode continuar a ignorar. A mãe, só porque é mãe, não é necessariamente uma boa mãe!”.

2. No caso em apreço temos que a menor, está provado, recusa assinar o seu nome com o apelido do progenitor e não pretende conviver com aquele.

Sendo incontornável que uma tal postura da menor – perfazendo quinze anos de idade em 30.04.2008 – foi necessariamente condicionada pela atitude da mãe relativamente à figura paterna, ao longo de toda a vida da menor.

Mãe que incumpriu o regime de visitas anteriormente fixado, em, pelo menos, três ocasiões.

E que impôs ao avô paterno, R, a proibição de visitas à menor.

Tendo emitido, ao longo dos anos – como se colhe dos autos e seus apensos – juízos depreciativos no tocante às capacidades parentais do Requerido.

Tentando – sem sucesso – por via da presente acção tutelar, inibir o Requerido do exercício do poder paternal, alegando, para além do desinteresse deste pela menor, estar o mesmo impedido por enfermidade do foro psiquiátrico de cumprir com os seus deveres para com a filha…quando é certo estar provado ter resultado de exame efectuado pelo Serviço de Psiquiatria Forense do Hospital que a doença de que padece o Requerido “…é susceptível de afectar a capacidade educativa do examinando e o seu relacionamento com o menor embora somente durante o curtíssimo tempo que as fases duram; devido à benignidade do prognóstico, à curta duração dos episódios e ao escrupuloso cumprimento da terapêutica que o doente vem seguindo, não são de supor recidivas relevantes.”.

Ponto sendo, porém, que conforme referido já, a menor se encontra à beira dos quinze anos de idade.

Manifestando total rejeição da figura paterna, que literalmente pretende apagar da sua identidade pessoal, com a recusa de assinar o seu nome com o apelido do progenitor.

Não se colocando como opção a imposição de visitas manu militari, naturalmente propiciadora de forte perturbação emocional da menor, susceptível de graves consequências, para além de inevitavelmente desencadeadora de reactividade contrária ao objectivo prosseguido com as visitas.

Certo que como relativamente a circunstâncias que tais considera Maria Clara Sottomayor[7] “No caso de o menor se recusar a relacionar-se com o progenitor sem a guarda o direito de visita não pode ser-lhe imposto, pois a relação de visita não é concebível sem o desejo de viver essa relação”.

Estabelecendo a sobredita Convenção Sobre os Direitos da Criança, no seu art.º 12º, n.º 1, o dever de os Estados Partes garantirem à “criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade”.

Um tal direito de exprimir a sua opinião nos processos judiciais que lhe digam respeito, se mostrando igualmente consagrado no art.º 3º, al. b), da Convenção Europeia Sobre os Direitos das Crianças, assinada por Portugal em 06 de Março de 1997.

Certo que não tendo tido lugar a audição directa da menor, nos autos, a “opinião” e vontade da mesma sempre acabou por ser veiculada para os mesmos.

Ora, perante esta situação, gerada ao arrepio, e em contrário do verdadeiro interesse da menor, mas de qualquer modo incontornável, outro caminho não se nos afigura exequível que não seja o da manutenção da decisão da 1ª instância.

Entre uma recusa da figura paterna – ao menos em parte induzida – e a eventualidade de, com a presença “securizante” da omnipresente mãe, alguma espécie de convívio ir tendo lugar entre a menor e seu pai, propendemos para esta última.

Sem prejuízo da manutenção do determinado acompanhamento psicológico da menor, que se impõe face à situação criada.

Não sendo porém caso – como pretende o Recorrente – de nomeação de “técnica psicóloga” pelo Tribunal, e certo, desde logo, ter o processo chegado a seu termo, não nos movimentando no âmbito da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

Nem cabendo predefinir o reatamento das visitas sem a presença de “terceiros”, decorrido um certo período de tempo, assim antecipando uma evolução positiva no (re)condicionamento da menor que pode não se verificar, ou pode acontecer já bastante depois de um tal lapso de tempo.

  Para além de o incumprimento do regime de visitas cuja fixação o recorrente propugna, não poder ter como consequência automática a futura “perda do direito de custódia da filha”, por parte da mãe desta.

Não contemplando a lei uma tal solução, a perda de guarda “a favor” do progenitor não inadimplente apenas poderia ter lugar, com um tal fundamento, quando o já referido interesse da menor assim o impusesse, e no âmbito de acção de alteração da regulação do exercício do poder paternal, cfr. art.º 182º, n.º 1, da O. T. M.

Não se concedendo que, por via da decisão assim confirmanda, ocorra violação dos art.ºs 20º e 36º da Constituição da República Portuguesa.

É que para além de se não mostrar dess’arte beliscado o acesso ao direito e aos tribunais, também o art.º 36º da Constituição da República Portuguesa não consagra o direito de igual acesso dos progenitores não unidos pelo casamento “à companhia dos filhos…”.

Pois se como anotam Jorge Miranda e Rui Medeiros,[8] “A Constituição não exclui, naturalmente, que possa haver situações em que, no interesse dos filhos, seja restringido o direito dos pais à educação e à manutenção dos filhos”, também tal não ocorre, quanto a filho de pais divorciados, relativamente a esse direito à manutenção de relação de proximidade. 

Dir-se-á mesmo que quando fosse de conceder a verificação de colisão entre o direito dos pais à proximidade dos filhos e o interesse destes, sempre caberia dar prevalência ao último, em actuação do princípio geral da superioridade daquele, e como se contempla no art.º 335º, do Código Civil.

Improcedendo, dest’arte, as conclusões do Recorrente.

III- Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 2008-04-10

(Ezagüy Martins)

(Maria José Mouro)

(Neto Neves)

______________________________________________________________
[1] In “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, Almedina, 1997, pág. 38.
[2] In “Organização Tutelar de Menores”, I, 1987, pág.326.
[3] In “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, Almedina, 1997, pág. 47.
[4] In op. cit., pág. 49.
[5] Proc. 0633817, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.
[6] Proc. 0632170, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.
[7] In op. cit., pág. 62.
[8] In “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 415.