Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1606/09.8BELRS |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 09/18/2025 |
![]() | ![]() |
Relator: | MARIA DA LUZ CARDOSO |
![]() | ![]() |
Descritores: | IVA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO ERRADA VALORAÇÃO DA PROVA |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - O prazo de caducidade do direito à liquidação é, em regra, de quatro anos contados, tratando-se de IVA/2004, a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto. II - O efeito suspensivo do prazo de caducidade por virtude de ação inspetiva externa inicia-se com a notificação ao contribuinte do seu início (artigo 51º do RCPIT) e prolonga-se até à notificação àquele da conclusão do procedimento inspetivo, pela elaboração do relatório final (artigo 62º do RCPIT), desde que a duração daquela ação não ultrapasse o período de seis meses a contar do seu início (artigo 46º, n.º1, da LGT). III - Na impugnação da decisão da matéria de facto apurada de 1ª. Instância a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, devendo, nas alegações de recurso, especificar, obrigatoriamente não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida. IV - A alteração da matéria de facto pressupõe assim a existência de nítida disparidade entre erro na sua apreciação e a divergência do sentido em que se formou a convicção do julgador, sendo que a respetiva reapreciação por parte do tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorre erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo. V - De acordo com o artigo 607º, nº 5, do CPC, o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção acerca de cada facto, embora esta não abranja os factos: - para cuja prova a lei exija formalidade especial; - que só possam ser provados por documentos; - que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo das partes quer por confissão das partes. VI - O princípio da livre apreciação da prova, determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, uma livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjetiva, antes condicionada pelo princípio da persecução da verdade material, e, por isso, deve ser motivada. A motivação da convicção apresenta-se, pois, como o meio de controlo da decisão de facto, em ordem a garantir a objetividade e a genuinidade da convicção formada pelo tribunal. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO M........., Lda. (doravante Impugnante ou Recorrente) veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tribuário de Lisboa a 25.10.2022, que julgou improcedente a impugnação judicial por si intentada, contra os “actos de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios, respeitantes aos meses de Abril, Maio, Junho, Julho, Setembro e Dezembro do exercício de 2004, no montante global de € 103.237,71”. * Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formulou, a final, as seguintes conclusões: “a) O procedimento de inspecção teve início em 10 de Novembro de 2008 e foi concluído em 03 de Fevereiro de 2009. b) A recorrente foi notificada das liquidações adicionais de IVA em 14 de Abril de 2009. c) Considerado o período em que o prazo de caducidade das liquidações esteve suspenso, o direito à liquidação caducou em 26 de Março de 2009. d) À data da notificação das liquidações adicionais, o direito da recorrida havia caducado. e) As liquidações adicionais de IVA são ilegais, por violarem o artigo 45 da LGT, e devem ser anuladas. f) Na apreciação da prova sobre os factos referentes à nota de débito 0001, o tribunal andou mal. g) Os depoimentos das testemunhas e da legal representante da impugnante, ao contrário do entendido pelo tribunal, foram espontâneas e esclarecedores, ao evidenciaram factos ocorridos há 18 anos. h) A não existência física do estudo de mercado que esteve na origem da referida nota de débito, não significa, sem mais, que o mesmo não tenha sido feito. i) O referido estudo justificava-se, atento o mercado a que se destinava – Ilha da Madeira. j) A sentença recorrida, para proferir uma decisão justa e equilibrada, devia ter sopesado os depoimentos com os demais elementos probatórios constantes dos autos; k) Assim alcançando decisão em sentido contrário, isto é, dando como provado os serviços constantes da nota de débito desconsiderada, para os devidos efeitos fiscais. l) O ponto n.º 1 dos FACTOS NÃO PROVADOS está incorrectamente julgado. m) Pela conjugação da matéria dada por assente nos pontos A; B; C; E e O, a integralidade dos depoimentos prestados por A......... e N......... – acta de inquirição de testemunhas 14.09.2021 e, ainda, pela integralidade das declarações de parte de M......... – acta 28.10.2021 (prestadas entre as 09:46 e as 10:19) impunha-se que fosse dado por assente a matéria constante do ponto dos factos não provados. n) Posto isto, incorreu a douta sentença em recurso em erro na apreciação das provas – artigo 640, n.º 2 alín. a) do CPC. o) A impugnante era a responsável pelas compras e pela colocação dos artigos nas diversas lojas do grupo, através de vendas onde obtém lucros. p) Os artigos em questão, grosso modo, calçado, depreciam fortemente com o tempo, atento estarem dependentes de “modas”. q) Para evitar o acumular de stocks ultrapassados, a sua consequente desvalorização e os respectivos efeitos que a mesma tem nas finanças das sociedades, justifica-se a redução agressiva de preços, por forma a escoar os referidos stocks. r) A assunção de custos, em descontos, não constituiu uma liberalidade, mas sim uma prática de boa gestão para liquidar os excedentes e matizar prejuízos. s) Andou mal, a decisão recorrida, ao concluir que os descontos operados não têm cabimento legal, ponderada toda a prova produzida. t) Nestes termos, devem ter-se por justificadas as correcções efectuadas a favor da recorrente, com as demais consequências legais. u) O ponto n.º 2 dos FACTOS NÃO PROVADOS está incorrectamente julgado. v) Pela conjugação da matéria dada por assente nos pontos A; B; C; E e O, a integralidade dos depoimentos prestados por A......... e N......... – acta de inquirição de testemunhas 14.09.2021 e, ainda, pela integralidade das declarações de parte de M......... – acta 28.10.2021 (prestadas entre as 09:46 e as 10:19) impunha-se que fosse dado por assente a matéria constante do ponto dos factos não provados. w) Posto isto, incorreu a douta sentença em recurso em erro na apreciação das provas – artigo 640, n.º 2 alín. a) do CPC. x) Estão decorridos praticamente 20 anos sobre o exercício da impugnante objecto de análise inspectiva por parte da AT. y) É atentatório de um estado de direito ocidental que o sujeito passivo possa ser inspeccionado pela AT do seu país, suspendendo-se o prazo de prescrição do imposto – IVA - ad aeternum. z) É inconstitucional, o previsto na alín. b) do n.º 4 do artigo 49 da LGT na interpretação que se suspende o prazo de prescrição da dívida tributária enquanto não for proferida decisão transitada em julgado, sem prazo certo para que seja proferida, por ofender o artigo 20, n.º 4 da CRP – decisão em prazo razoável. aa) A douta decisão recorrida violou o artigo 45 da LGT; artigo 16, n.º 1 e 71 do CIVA; artigo 6, n.º 2 do CSC; artigo 20, n.º 1, alín. a) do CIRC o artigo 20 da CRP. Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, assim se fazendo, Justiça!” * A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações. * O Ministério Público neste Tribunal Central Administrativo Sul, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. * Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir. * Delimitação do objeto do recurso Em ordem ao consignado no artigo 639º do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir: - se a decisão recorrida incorreu erro de julgamento de facto e de direito ao julgar não verificada a caducidade do direito à liquidação. - se a decisão recorrida fez uma errada apreciação da prova testemunhal e documental no que diz respeito à Nota de Débito 0001 e aos Descontos e Abatimentos. - se é inconstitucional, o previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 49º da LGT, na interpretação que se suspende o prazo de prescrição da dívida tributária enquanto não for proferida decisão transitada em julgado, sem prazo certo para que seja proferida, por ofender o artigo 20, n.º 4 da CRP – decisão em prazo razoável. * II. FUNDAMENTAÇÃO II.1- De facto “A) A Impugnante era uma sociedade comercial, constituída em 25.08.1970, que se dedicava à actividade de comércio por grosso e a retalho, distribuição, importação e exportação de calçado, malas, artigos de adorno e vestuário - CAE 47721-R3 (cfr. certidão permanente a fls. 165 e seguintes do SITAF); B) A Impugnante era sujeito passivo de IRC, no regime geral de tributação, e de IVA, no regime normal de periodicidade mensal (cfr. RIT junto à p.i. como Doc. 3 e fls. 11 do PA apenso); C) No exercício de 2004, a Impugnante funcionava como central de compras para 13 lojas de retalho/sapatarias, todas elas detidas, em parte do respectivo capital social, pelo sócio comum "M........., S........., SA", formando o "Grupo G.........", a saber: “(texto integral no original; imagem)” (Cfr. RIT junto à p.i. como Doc. 13); D) Em 26.07.2006 foi realizada uma operação de fusão, na qual a Impugnante incorporou, por transferência global de património, as seguintes entidades, titulares das lojas elencadas na alínea antecedente: “(texto integral no original; imagem)” (Cfr. RIT junto à p.i. como Doc. 13 e certidão permanente a fls. 165 e seguintes do SITAF); E) A gerência das dez sociedades acima identificadas era exercida pelas mesmas pessoas que compõem o Conselho de Administração da Impugnante e da "M........., S........., SA" (cfr. RIT junto à p.i. como Doc. 13); F) Entre os exercícios de 2002 a 2007, a Impugnante declarou sucessivamente prejuízos fiscais em sede de IRC (cfr. RIT junto à p.i. como Doc. 13); G) Após realização de uma acção inspectiva interna, credenciada pela ordem de serviço n9 01200701490, da qual não foi possível aos serviços inspectivos encontrar justificação para os prejuízos fiscais declarados, foi realizada, em cumprimento da ordem de serviço n9 01200804827, uma acção inspectiva externa à Impugnante, de âmbito parcial (IRC e IVA), incidente sobre o exercício de 2004 (cfr. RIT junto à p.i. como Doc. 3); H) Os actos inspectivos tiveram início em 10.11.2008, com a assinatura da ordem de serviço, até 03.02.2009, com a assinatura da nota de diligência (cfr. Does. 17 e 18 juntos à p.i. e fls. 133 e 134 do PA apenso); I) Após notificação do projecto de Relatório de Inspecção Tributária, a Impugnante, em 13.02.2009, exerceu o seu direito de audição, através de requerimento escrito (cfr. fls. 189 e seguintes do PA e RIT junto à p.i. como Doc. 3); J) Em 06.03.2009, foi elaborado o Relatório Final de Inspecção Tributária (RIT), no âmbito do qual a AT efectuou correcções meramente aritméticas à matéria tributável de IRC, no valor de € 444.855,19, e de IVA, no valor de € 87.925,44, com a seguinte fundamentação: (…) “(texto integral no original; imagem)” (…) “(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”
(Cfr. RIT junto à p.i. como Doc. 3 e fls. 137 e seguintes do PA apenso); K) O RIT antecedente foi remetido à Impugnante através do ofício nº 020013, de 12.03.2009, por correio registado, o qual foi recepcionado em 17.03.2009 (cfr. Doc. 13 junto à p.i. e fls. 131 do PA apenso); L) Em resultado das correcções efectuadas na acção inspectiva, foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, referentes ao exercício de 2004, no montante global de € 103.239,71:
(Cfr. Docs. 1 a 12 juntos com as p.i.); M) As liquidações identificadas na alínea antecedentes foram remetidas à Impugnante através de correio registado, recepcionadas 16.04.2009, com data limite de pagamento a 31.05.2009 (cfr. Docs. 1 a 12 juntos com as p.i. e fls. 114 a 128 do PA apenso). Mais se provou que: N) A sociedade "C……., SA" emitiu à Impugnante a Nota de Débito nº 0001 nos seguintes termos: “(texto integral no original; imagem)” (Cfr. Doc. 15 junto com a p.i.) O) Do Relatório de Gestão do exercício de 2004 da Impugnante consta, designadamente, o seguinte:
(…) “(texto integral no original; imagem)” P) A Impugnante não contestou judicialmente as correcções efectuadas na acção inspectiva, em sede de IRC (conhecimento em virtude do exercício de funções, por pesquisa no SITAF). * Factos não provados “1. Que o serviço subjacente à Nota de Débito nº 0001, emitida pela "C .........-, SA" tenha sido prestado, ou qual o seu autor e a sua natureza; 2. O motivo que justifica a assunção de custos pela Impugnante - por via de descontos e abatimentos em vendas "o posteriori" -, de custos que deveriam ser assumidos pelas sociedades detentoras das lojas de retalho.” * Motivação “Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos e processo apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra. O facto constante da alínea P) supra decorre da interligação existente, e da dependência, entre as correcções efectuadas em sede de IVA e em sede de IRC. Assim, ao abrigo do princípio do inquisitório e em virtude do exercício de funções, procedeu- se à pesquisa na plataforma SITAF, na data da presente sentença, e por nome da Impugnante, de algum processo judicial pendente neste Tribunal, referente a IRC do exercício de 2004, o que se apurou não existir. De referir ainda que a produção de prova testemunhal não se mostrou relevante para a fixação de factualidade, uma vez que os depoimentos das duas testemunhas inquiridas foram vagos, genéricos e algumas das respostas foram induzidas pelo mandatário. Na ponderação das declarações de parte, o Tribunal levou em linha de conta o facto de se tratar de depoimento com interesse directo na causa; além disso, como se explicita de seguida (quanto aos factos não provados), detectaram-se algumas contradições. No que concerne aos factos não provados, tal decorre de não ter sido feita prova suficiente ou cabal que sustentasse conclusão noutro sentido. Efectivamente, quanto à prestação de serviços subjacente à Nota de Débito n? 0001 - a que se refere a alínea N) supra -, embora tenha sido alegado que se trata de um estudo de mercado, mais propriamente do mercado insular da Madeira, facto é que não foi mostrado qualquer relatório ou output do mesmo; não se chegou a conclusão quanto ao autor do estudo, já que no RIT vem referido que foi o administrador S........., enquanto em declarações de parte, M......... equacionou que o autor poderia ter sido Dr. B........., consultor externo a empresa; além disso, o dito estudo não foi situado no tempo, nem identificado o seu respectivo conteúdo. A testemunha N........., que trabalhou para a Impugnante no departamento de compras - referindo mesmo que ia a feiras internacionais e que fazia as compras de calçado para a "M........., SA" - declarou que não teve acesso a tal estudo, o que potencia as dúvidas sobre a existência do mesmo, já que se era um estudo de mercado, seria presumível que os responsáveis pelas vendas tivessem conhecimento do mesmo. A própria administradora, M........., em declarações de parte, teve um discurso equívoco e contraditório, porquanto, por um lado, disse apenas "ter ideia" de que o seu Pai fez esse pedido de estudo de mercado, mas por outro lado, foi elencando considerações que alegadamente fariam parte do conteúdo desse estudo, mas que, afinal, correspondiam às características gerais que retratam o mercado da Madeira, que antes também tinham sido apontadas pela testemunha N......... (que, repita-se, declarou não ter ideia ou acesso de qualquer estudo de mercado). As considerações gizadas pela Administradora parecem, portanto, corresponder às particularidades que caracterizam o mercado madeirense. Acresce ainda ter referido que não encontrou o tal estudo, atendendo ao facto de já não ter documentação dessa época, no entanto, apresentou um estudo ainda mais antigo, feito em 2001, pela empresa "I.........". A declarante referiu ainda "ter ideia" de que o estudo terá sido efectuado pelo Dr. R........., consultor externo, pessoa que nenhuma relação laboral tinha com a "C….., SA", emitente da Nota de débito em apreciação (quando, como já explicitado, o RIT aponta para que o estudo tivesse sido feito pelo administrador). Acrescem ainda dúvidas quanto, quer ao pagamento da nota de débito, quer ao próprio montante da prestação de serviço, já que € 20.000,00, em 2004, por um estudo de mercado, na Madeira, para uma única loja, já existente - ainda que essa loja fosse a melhor "cliente" da Impugnante - afigura-se desproporcionado. Em relação aos descontos e abatimentos em vendas [Facto não provado 2.], é inequívoco e não controvertido que a Impugnante funcionava como central de compras para 13 lojas [cfr. alíneas C) e D) da factualidade assente]. Também resulta assente, como se extrai do RIT, corroborado pelas declarações da Administradora, que a Impugnante facturava a mercadoria que distribuía a cada uma das lojas com margem de lucro. Por outro lado, ainda, mostram-se admissíveis e plausíveis as razões/motivos para existência de stock elevado, embora não se tendo demonstrado nos autos, em termos quantitativos essa realidade. E, neste ponto, também não é controvertida a política comercial encetada pela Impugnante, de gestão racional e de escomaneto de stock. No entanto, o que não foi demonstrado, e que se afigurava essencial, foi a razão pela qual a Impugnante, enquanto "grossista", e sociedade juridicamente independente, assumiu os custos que pertencem à esfera das sociedades "retalhistas" (relativamente ao calçado que estas não conseguiram vender ao público, formando stock), sendo certo que também estas sociedades apresentavam matéria colectável nula. Ainda que a Impugnante fosse a "líder" do grupo irregular de sociedades, e centralizasse as compras - o que foi justificado, por ser a sociedade mais antiga e com melhor reputação, o que se compreende -, facto é que distribuía a mercadoria aos pontos de venda, que facturava com uma margem de lucro; não se alcança é o mecanismo de descontos e abatimentos a posteriori, ficando, pois, por esclarecer e demonstrar, designadamente: - qual a relação entre os descontos efectuados "o posteriori" e a facturação de cada cliente (i.e, de cada uma das lojas); - a evolução do stock de calçado em cada cliente (loja) e a mercadoria devolvida à Impugnante; - que os descontos efectuados corresponderam ao ajustamento do valor real do produto (não tendo sido junto qualquer documento, ao menos indicativo, dos valores); - e a razão pela qual essa desvalorização ficou a cargo da Impugnante.” * II.2 - De direitoIn casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por si apresentada contra os atos de liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios, respeitantes aos meses de Abril, Maio, Junho, Julho, Setembro e Dezembro do exercício de 2004, no montante global de € 103.237,71. Discorda a Recorrente do teor da sentença recorrida, porquanto considera que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação da matéria de facto e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço. Na sua petição de impugnação, argumentou a Impugnante (ora Recorrente), em síntese: - Ilegalidade da correção sobre a dedução de IVA, respeitante à Nota de Débito nº 0001, porquanto se refere a serviços prestados pelo administrador da empresa, relacionados com gestão e consultoria de mercado, e que a Impugnante efetivamente suportou; - Ilegalidade da não aceitação da base tributável e da anulação das regularizações a favor do sujeito passivo, relativas a descontos e abatimentos em vendas, uma vez que os mesmos não configuram anulação ou sonegação de proveitos, estão antes inseridos numa estratégia da empresa, de política racional de gestão de stocks de mercadoria, em especial de escoamento de monos e sobras de coleções, o que a AT desconsiderou; além disso, desde 2004, o sector do calçado foi afetado com a entrada no mercado nacional de produtos asiáticos e venda a retalho em grandes superfícies, aumentando a concorrência face às sapatarias tradicionais; também foram realizadas obras ou encerramentos de alguns estabelecimentos de venda ao púbico, com liquidação de todo o stock, com descontos até 75%; - Caducidade do direito à liquidação. Por seu turno, a Fazenda Pública (ora Recorrida), refutou os argumentos apresentados pela Impugnante. Conhecendo dos mesmos a sentença recorrida, conclui que “Tendo a Impugnante sido notificada das liquidações de IVA e juros compensatórios a 16.04.2009, forçoso é concluir que ainda não tinha decorrido o prazo de caducidade” e “(…) é forçoso concluir que não pode ser assacada às liquidações impugnadas qualquer ilegalidade, devendo as mesmas manter-se na ordem jurídica.” A Impugnante não se conforma com o assim decidido. Alega a Recorrente, nas suas alegações e conclusões de recurso, que o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do direito quanto à caducidade da liquidação, pois, no seu entender, na contagem do prazo de caducidade da presente liquidação há que considerar o momento em que o mesmo esteve suspenso, isto é, entre a notificação à Recorrente da ordem de serviço da inspeção externa (OI200804827) e a sua conclusão (ND02009104), computando-se 85 (oitenta e cinco dias) dias. Sublinhando ainda, que, não pode conformar-se com o assim decidido, porquanto, considerando a mencionada suspensão do prazo, o direito da Recorrida liquidar os impostos em crise caducou a 26 de março de 2009, tendo a ora Recorrente sido notificada das liquidações adicionais a 14 de abril de 2009, muito além do prazo em que a caducidade se verificou. Pelo que, no seu entender, as liquidações de IVA são ilegais, por violarem o artigo 45º da LG, e devem ser anuladas, porquanto o direito de liquidação caducou. Mais alega a Recorrente, que entendeu, o Tribunal recorrido, que a Impugnante, ora Recorrente, não conseguiu fazer “(…) prova concludente da materialidade operação/serviço subjacente à mencionada nota de débito 0001 (…), por manifesto erro na apreciação da prova. Para tanto, defende, que, se é certo que a Impugnante não carreou para os autos qualquer relatório ou output do estudo feito e que originou a emissão da nota de débito 0001, emitida pela “C........., S.A.”, ainda assim, o Tribunal a quo para alcançar uma decisão justa e equilibrada, não poderia deixar de articular o que resulta dos factos alegados e da prova produzida, da qual resulta a necessidade da existência de um estudo, que foi fiscalmente refletido na nota de débito 0001, constante dos autos. Considera a Recorrente, que, por manifesto erro na apreciação da prova, devem os serviços constantes da nota de débito desconsiderada (factos não provados – ponto 1) serem dados como provados, com as demais consequências legais - artigo 640º, n.º 1 do CPC ex vi alínea e) artigo 2º do CPPT. Alega ainda a Recorrente, que o Tribunal recorrido andou mal em sede de apreciação da prova, quando conclui que os descontos operados pela Impugnante configurariam liberalidades, contrárias ao fim das sociedades comerciais. Para tanto, defende, que as referidas “liberalidades” (que, não passam de práticas comerciais) cometidas dentro de um grupo (irregular) de sociedades e porque configura expediente comercial comum, não podem ser havidas como contrárias aos fins societários – n.º 3 do artigo 6 do Código das Sociedades Comerciais. Entende a Recorrente, que, andou mal a decisão recorrida, por manifesto erro na apreciação da prova, ao não retirar as conclusões evidentes que resultam dos factos alegados e da prova produzida, e assim entendendo (mal) que os descontos operados não têm cabimento legal. Devendo o facto não provados n.º 2, ser dado como provado, com as demais consequências legais - artigo 640º, n.º 1 do CPC ex vi alínea e) artigo 2º do CPPT. Diz ainda a Recorrente, ser atentatório de um estado de direito ocidental que o sujeito passivo possa ser inspecionado pela AT do seu país, suspendendo-se o prazo de prescrição do imposto – IVA - ad aeternum, conforme vem prescrevendo o TC. Defende que é inconstitucional, o previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 49 da LGT na interpretação que se suspende o prazo de prescrição da dívida tributária enquanto não for proferida decisão transitada em julgado, sem prazo certo para que seja proferida, por ofender o artigo 20, n.º 4 da CRP – decisão em prazo razoável. Vejamos. Do erro na interpretação e aplicação do direito (caducidade da liquidação). A Recorrente imputa à sentença erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 45º e 46º, n.º1, ambos da LGT, ao considerar que “Na contagem do prazo de caducidade da presente liquidação há que considerar o momento em que o mesmo esteve suspenso, isto é, entre a notificação à recorrente da ordem de serviço da inspecção externa (OI200804827) e a sua conclusão (ND02009104), computando-se 85 (oitenta e cinco dias) dias”, assim “ (…) o direito da recorrida liquidar os impostos em crise caducou a 26 de Março de 2009”, pelo que, “(…) a recorrente foi notificada das liquidações adicionais a 14 de Abril de 2009, muito além do prazo em que a caducidade se verificou”. Mas será assim? Nos termos do disposto no n.º1 do artigo 45º da LGT, “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”. Estabelece o n.º4 do mesmo preceito [redação da Lei n.º32-B/2002, de 30 de Dezembro] que “O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto”. Em causa está IVA relativo a períodos de tributação de 2004. Assim, a contagem do prazo de caducidade de quatro anos inicia-se em 01/01/2005 e, não levando em conta qualquer efeito suspensivo, terminaria em 01/01/2009 – cf. artigo 279º alíneas b) e c) do Código Civil (CC), aplicável ex vi do artigo 2º alínea d), da LGT. Porém, dispõe o n.º1 do artigo 46.º, da LGT: “O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação”. Da interpretação conjugada dos artigos 45º e 46º da LGT e 60º e 61º do RCPIT decorre “ (…) que o prazo de caducidade do direito de liquidar impostos periódicos, que é de quatro anos e se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário – artigo 45º da LGT –, se suspende com a notificação ao contribuinte de início de acção inspectiva externa, cessando este efeito suspensivo, contando-se aquele prazo de caducidade desde o início, caso a inspecção ultrapasse seis meses contados a partir daquela notificação. Nos demais casos, isto é, quando a acção inspectiva se conclua antes daqueles seis meses, o efeito suspensivo do prazo de caducidade mantém-se até à notificação ao contribuinte da conclusão do procedimento inspectivo, pela elaboração do relatório final, notificação que, assim, o legislador elegeu como termo do prazo de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidar o imposto respectivo, tudo conforme dispõe o artigo 60º nº 1 e 2 do RCPIT»”. [acórdão do STA de 16/9/2009, [proferido no rec. nº 473/09-30]. Vertendo aos autos a doutrina do acórdão, que se acolhe, e considerando a matéria factual assente no probatório da sentença, resulta que: - Da ordem de serviço relativa à ação inspetiva externa tomou o sujeito passivo conhecimento em 10.11.2008, com a assinatura da ordem de serviço [alínea H) dos factos provados]. O prazo de caducidade do direito de liquidação do tributo suspendeu-se nessa data. Os atos inspetivos decorreram até 03.02.2009, com a assinatura da nota de diligência [alínea H) dos factos provados]. - Em 17.03.2009, a ora Recorrente foi notificada do relatório final de inspeção tributária [alínea K) dos factos provados]. O termo do efeito suspensivo ocorreu nesta última data. Assim, a suspensão do prazo de caducidade a considerar ocorreu entre 10.11.2008 e 17.03.2009. De 01.01.2005 até 10.11.2008 decorreram 3 anos, 9 meses e 10 dias. E de 17.03.2009, data em que o prazo voltou a correr, até 16.04.2009, data em que ocorreu a notificação da liquidação, decorreram 28 dias [alínea M) dos factos provados]. Assim, somado o prazo de caducidade decorrido até ao início do efeito suspensivo (3 anos, 9 meses e 10 dias), com aquele que viria a decorrer após a cessação desse efeito até à data de notificação da liquidação (28 dias), logo se alcança que o prazo de caducidade de quatro anos ainda se não havia completado quando ocorreu a notificação da liquidação, em 16.04.2009. O que significa que a notificação da liquidação ao contribuinte, aqui Recorrente, se fez dentro do prazo de caducidade aplicável, não incorrendo a sentença no erro de julgamento que lhe vem imputado. Do erro na apreciação da prova (Nota de Débito 0001) Defende a Recorrente, que, se é certo que a Impugnante não carreou para os autos qualquer relatório ou output do estudo feito e que originou a emissão da nota de débito 0001, emitida pela “C........., S.A.”, ainda assim, o Tribunal a quo para alcançar uma decisão justa e equilibrada, não poderia deixar de articular o que resulta dos factos alegados e da prova produzida, da qual resulta a necessidade da existência de um estudo, que foi fiscalmente refletido na nota de débito 0001, constante dos autos. Considera a Recorrente, que, por manifesto erro na apreciação da prova, devem os serviços constantes da nota de débito desconsiderada (factos não provados – ponto 1) serem dados como provados, com as demais consequências legais - artigo 640º, n.º 1 do CPC ex vi alínea e) artigo 2º do CPPT. Do que se deixa dito e da leitura que se faz do salvatério pode afirmar-se que os fundamentos aduzidos são, manifestamente insuficiente, porque dispersos e pouco precisos, para os fins visados pela Recorrente, quando com eles pretende atacar o julgamento da matéria de facto e de direito. Vejamos Está em causa a valoração da prova produzida e a eventual modificação da factualidade levada ao probatório. Mais especificamente, a Recorrente pretende que o facto julgado não provado; “Que o serviço subjacente à Nota de Débito nº 0001, emitida pela “C........., SA” tenha sido prestado, ou qual o seu autor e a sua natureza;” seja julgado provado. Para tanto, a Recorrente alega que das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos presentes autos, fica claro que o mercado insular (Madeira), pela sua particular localização ultraperiférica, tem idiossincrasias que justificavam uma especial análise de mercado. Pelo que, se encontra justificada a existência de um estudo, que foi fiscalmente refletido na nota de débito 0001. Motivos adequados e suficientes para justificar a modificação dessa factualidade. Como se extrai do RIT [cfr. alínea J) do probatório], a correção em causa efetuada pela AT em sede de IVA correspondeu a: - Correção/anulação da dedução de IVA no montante de € 2.600,00, incluído na Nota de débito nº 0001, emitida pela “C........., SA”, relativa a “Outros Trabalhos Especializados”, por tal documento não se encontrar passado na forma legal – artigos 35º, nº5, alínea b) e artigo 19º, nº 2 do CIVA. Invoca a Impugnante que a correção efetuada é ilegal, porque corresponde a um custo efetivamente suportado pela Impugnante, de serviços prestados pelo administrador com gestão e consultoria de mercado. No que diz respeito às regras da impugnação da matéria de facto e à apreciação da prova, vigora no processo tributário português, o regime jurídico estabelecido para o processo civil, por força do disposto no artigo 2º, alínea e) do CPPT. Fazendo um breve enquadramento legal das regras a que a Recorrente está sujeita para impugnar a matéria de facto e dos poderes do TCA para a sua apreciação há que trazer à colação o n.º 1 do artigo 662º e o artigo 640º, ambos do CPC. Resulta da conjunção daqueles normativos que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa, conquanto o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios que os demonstram. Assim, para que o TCA possa proceder à alteração da matéria de facto, esses meios de prova devem conduzir e impor uma decisão diversa da proferida, de molde a concluir-se que a 1ª instância incorreu em erro de apreciação das provas. De salientar, porém, que a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas previsto no artigo 607º, n. º5 do CPC. Por força do referido princípio, as provas são apreciadas livremente, de acordo com a convicção que geram no julgador acerca da existência de cada facto, ficando afastadas as situações de prova legal que se verifiquem, por força do disposto nos artigos 350º, nº 1, 358º, 371º e 376º, todos do CC, nomeadamente, da prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares quanto à materialidade das suas declarações e por presunções legais. Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspetos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa gravação simples áudio. Tal como já era apontado por E… os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspeto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percecionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221). Como tal, sempre o juiz perante o qual foram prestados os depoimentos estará em posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto. Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso. Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reações imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador. Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos de Enrico Altavilla "… o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras …" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12). Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialético, pois, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da “linguagem silenciosa e do comportamento”, da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios. Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto da discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador. É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão. A nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objetivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Deste modo, a alteração da matéria de facto pelo Tribunal ad quem tem lugar nos casos de manifesta desconformidade entre as provas produzidas e a decisão proferida, traduzida num erro na apreciação das provas, que implica uma decisão diversa. A sentença recorrida fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto no exame dos elementos documentais e informações oficiais constantes dos autos bem como na prova por declarações de parte e por depoimento testemunhal que teve lugar em sede da respetiva audiência de inquirição de testemunhas. Nesse sentido, escreve-se na decisão objeto de recurso, que: “MOTIVAÇÃO: Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos e processo apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra. O facto constante da alínea P) supra decorre da interligação existente, e da dependência, entre as correcções efectuadas em sede de IVA e em sede de IRC. Assim, ao abrigo do princípio do inquisitório e em virtude do exercício de funções, procedeuse à pesquisa na plataforma SITAF, na data da presente sentença, e por nome da Impugnante, de algum processo judicial pendente neste Tribunal, referente a IRC do exercício de 2004, o que se apurou não existir. De referir ainda que a produção de prova testemunhal não se mostrou relevante para a fixação de factualidade, uma vez que os depoimentos das duas testemunhas inquiridas foram vagos, genéricos e algumas das respostas foram induzidas pelo mandatário. Na ponderação das declarações de parte, o Tribunal levou em linha de conta o facto de se tratar de depoimento com interesse directo na causa; além disso, como se explicita de seguida (quanto aos factos não provados), detectaram-se algumas contradições. No que concerne aos factos não provados, tal decorre de não ter sido feita prova suficiente ou cabal que sustentasse conclusão noutro sentido. Efectivamente, quanto à prestação de serviços subjacente à Nota de Débito nº 0001 – a que se refere a alínea N) supra –, embora tenha sido alegado que se trata de um estudo de mercado, mais propriamente do mercado insular da Madeira, facto é que não foi mostrado qualquer relatório ou output do mesmo; não se chegou a conclusão quanto ao autor do estudo, já que no RIT vem referido que foi o administrador S......... enquanto em declarações de parte, M......... equacionou que o autor poderia ter sido Dr. B........., consultor externo a empresa; além disso, o dito estudo não foi situado no tempo, nem identificado o seu respectivo conteúdo. A testemunha N........., que trabalhou para a Impugnante no departamento de compras – referindo mesmo que ia a feiras internacionais e que fazia as compras de calçado para a “M........., SA” – declarou que não teve acesso a tal estudo, o que potencia as dúvidas sobre a existência do mesmo, já que se era um estudo de mercado, seria presumível que os responsáveis pelas vendas tivessem conhecimento do mesmo. A própria administradora, M........., em declarações de parte, teve um discurso equívoco e contraditório, porquanto, por um lado, disse apenas “ter ideia” de que o seu Pai fez esse pedido de estudo de mercado, mas por outro lado, foi elencando considerações que alegadamente fariam parte do conteúdo desse estudo, mas que, afinal, correspondiam às características gerais que retratam o mercado da Madeira, que antes também tinham sido apontadas pela testemunha N......... (que, repita-se, declarou não ter ideia ou acesso de qualquer estudo de mercado). As considerações gizadas pela Administradora parecem, portanto, corresponder às particularidades que caracterizam o mercado madeirense. Acresce ainda ter referido que não encontrou o tal estudo, atendendo ao facto de já não ter documentação dessa época, no entanto, apresentou um estudo ainda mais antigo, feito em 2001, pela empresa “I.........” A declarante referiu ainda “ter ideia” de que o estudo terá sido efectuado pelo Dr. R........., consultor externo, pessoa que nenhuma relação laboral tinha com a “Câmara G.........ª, SA”, emitente da Nota de débito em apreciação (quando, como já explicitado, o RIT aponta para que o estudo tivesse sido feito pelo administrador). Acrescem ainda dúvidas quanto, quer ao pagamento da nota de débito, quer ao próprio montante da prestação de serviço, já que € 20.000,00, em 2004, por um estudo de mercado, na Madeira, para uma única loja, já existente – ainda que essa loja fosse a melhor “cliente” da Impugnante – afigura-se desproporcionado. Em relação aos descontos e abatimentos em vendas [Facto não provado 2.], é inequívoco e não controvertido que a Impugnante funcionava como central de compras para 13 lojas [cfr. alíneas C) e D) da factualidade assente]. Também resulta assente, como se extrai do RIT, corroborado pelas declarações da Administradora, que a Impugnante facturava a mercadoria que distribuía a cada uma das lojas com margem de lucro. Por outro lado, ainda, mostram-se admissíveis e plausíveis as razões/motivos para existência de stock elevado, embora não se tendo demonstrado nos autos, em termos quantitativos essa realidade. E, neste ponto, também não é controvertida a política comercial encetada pela Impugnante, de gestão racional e de escomaneto de stock. No entanto, o que não foi demonstrado, e que se afigurava essencial, foi a razão pela qual a Impugnante, enquanto “grossista”, e sociedade juridicamente independente, assumiu os custos que pertencem à esfera das sociedades “retalhistas” (relativamente ao calçado que estas não conseguiram vender ao público, formando stock), sendo certo que também estas sociedades apresentavam matéria colectável nula. Ainda que a Impugnante fosse a “líder” do grupo irregular de sociedades, e centralizasse as compras – o que foi justificado, por ser a sociedade mais antiga e com melhor reputação, o que se compreende –, facto é que distribuía a mercadoria aos pontos de venda, que facturava com uma margem de lucro; não se alcança é o mecanismo de descontos e abatimentos a posteriori, ficando, pois, por esclarecer e demonstrar, designadamente: - qual a relação entre os descontos efectuados “a posteriori” e a facturação de cada cliente (i.e, de cada uma das lojas); - a evolução do stock de calçado em cada cliente (loja) e a mercadoria devolvida à Impugnante; - que os descontos efectuados corresponderam ao ajustamento do valor real do produto (não tendo sido junto qualquer documento, ao menos indicativo, dos valores); - e a razão pela qual essa desvalorização ficou a cargo da Impugnante.” O Tribunal a quo, entendeu com base nos factos que considerou provados, que: “Como resulta da alínea N) do probatório, a Nota de débito aqui em apreciação, apenas refere na sua designação “serviços prestados”. Ora, é inequívoco que tal conceito é demasiado amplo e genérico, não sendo sequer possível apurar a natureza dos eventuais serviços prestados; por outro lado, também não é indicada a data a que os mesmos se referem, o que coloca definitivamente em causa a correcta fiscalização por parte da AT, e, por conseguinte, a validação do documento para efeitos do exercício do direito à dedução do IVA. Cabia, portanto, à Impugnante fazer prova concludente da materialidade da operação/serviço subjacente à mencionada nota de débito, o que diga-se, desde já, não foi conseguido. Efectivamente, como já aflorado em sede de motivação da matéria de facto não provada, não foi carreado para os autos qualquer relatório ou output desse estudo, não foi identificado o seu autor, não foi situado no tempo e desconhece-se o respectivo conteúdo. Se, como foi alegado, tal prestação de serviços se referisse a um estudo do mercado madeirense, seria presumível que a testemunha N........., que trabalhou para a Impugnante no departamento de compras, que declarou inclusivamente que ia a feiras internacionais e que fazia as compras de calçado para a Impugnante, não teve acesso a tal estudo, desconhecendo a sua existência. Também neste conspecto, as declarações da própria administradora, M........., foram equívocas e contraditórias, uma vez que, por um lado, disse apenas “ter ideia” de que o seu Pai fez esse pedido de estudo de mercado, mas por outro lado, foi elencando considerações que supostamente fariam parte do conteúdo do estudo, mas que, afinal, correspondiam às características gerias do mercado da Madeira, que foram igualmente apontadas pela testemunha N......... (que, sublinhe-se, afirmou não ter ideia de qualquer estudo de mercado). Também não se compreende o facto de a Administradora não ter encontrado o aludido relatório/estudo, justificado pelo facto de ser antigo (o que se compreende), mas ter em sua posse um estudo ainda mais antigo, feito em 2001, pela empresa “I.........”. Além disso, mesmo a ter existido um estudo de mercado, e a ter sido efectuado pelo Dr. R......... – isto num cenário hipotético –, o mesmo era um consultor externo, nenhuma relação tendo com a “C........., SA”, emitente da Nota de débito em apreciação. Acrescem ainda dúvidas quanto ao pagamento e ao próprio montante da prestação de serviço, que se afigura desproporcionado se efectivamente corresponder a um estudo de mercado. Por conseguinte, além dos vícios formais – em violação do artigo 35º, nº 5, alínea b) do CIVA –, ficou por demonstrar a materialidade e os requisitos substantivos da operação/serviço subjacente à Nota de Débito em apreciação, o que afasta o direito da Impugnante à dedução de IVA. Assim, ao não ter cumprido o ónus da prova que sobre si impendia, demonstra-se legítima a correcção efectuada pela AT.” Ora, segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa “… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348) Neste sentido cfr. Acd do TCA proferido em 15/11/2018, no âmbito do processo nº 02790/11.6BEPRT, disponível in: www.dgsi.pt.. À luz desta perspetiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pela Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida In casu o Juiz do Tribunal a quo levou ao probatório os factos que resultaram provados e aqueles que considerou como não provados em função do exame crítico dos elementos documentais e informações oficiais constantes dos autos bem como na prova por declarações de parte e por depoimento testemunhal que teve lugar em sede da respetiva audiência de inquirição de testemunhas. Ou seja, a sentença não deixou de discriminar os factos provados e não provados que entendeu pertinentes à matéria controvertida, observando o disposto no artigo 123º, n.º2 do CPPT e 607º, n.º3 e 4 do CPC, nem de indicar a fonte da prova ou os motivos por que atribuiu credibilidade ao depoimento de umas testemunhas e não ao de outras e por que decidiu num sentido e não noutro. Saliente-se que a Recorrente não indica as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nem identifica quais as partes transcritas que servem o propósito aventado. No caso em análise, não se patenteia que a Meritíssimo Juíza a quo haja valorado erradamente a prova existente nos autos. Como refere Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado”, Vislis, 4.ª ed. (2003), a pág.561, o exame crítico das provas a que se refere o n.º3 do art.º659.º do CPC (corresponde ao actual 607.º, n.º4), «…consubstancia-se no esclarecimento dos elementos probatórios que levaram o tribunal a decidir a matéria de facto como decidiu e não de outra forma e, no caso de elementos que apontem em sentidos divergentes, as razões por que foi dada prevalência a uns sobre os outros». Em suma, a prova existente nos autos não podia ser valorizada nos termos pretendidos pela Recorrente, pelo que, soçobram as conclusões do recurso, indo o recurso rejeitado nesta parte. Do erro na apreciação da prova (Descontos e Abatimentos) Alega ainda a Recorrente, que o Tribunal recorrido andou mal em sede de apreciação da prova, quando conclui que os descontos operados pela Impugnante configurariam liberalidades, contrárias ao fim das sociedades comerciais. Para tanto, defende, que as referidas “liberalidades” (que, não passam de práticas comerciais) cometidas dentro de um grupo (irregular) de sociedades e porque configura expediente comercial comum, não podem ser havidas como contrárias aos fins societários – n.º 3 do artigo 6 do Código das Sociedades Comerciais (CSC). Entende a Recorrente, que, andou mal a decisão recorrida, por manifesto erro na apreciação da prova, ao não retirar as conclusões evidentes que resultam dos factos alegados e da prova produzida, e assim entendendo (mal) que os descontos operados não têm cabimento legal. Devendo o facto não provados n.º 2, “O motivo que justifica a assunção de custos pela Impugnante – por via de descontos e abatimentos em vendas “a posteriori” –, de custos que deveriam ser assumidos pelas sociedades detentoras das lojas de retalho”, ser dado como provado, com as demais consequências legais - artigo 640º, n.º 1 do CPC ex vi alínea e) artigo 2º do CPPT. Ora, da prova produzida, como acima já se disse, e aqui se aplica, não pode retirar-se essa conclusão. Conforme decorre do RIT [alínea J) dos factos provados], foi acrescido à matéria coletável de IRC o montante de € 404.701,53, correspondente aos descontos e abatimentos efetuados pela Impugnante, por corresponderem a liberalidades – que se reflectem na redução do seu lucro tributável –, contrário ao fim das sociedades comerciais. O custo foi desconsiderado para efeitos de IRC, com base no artigo 6º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais e artigo 20º, nº 1, alínea a) do CIRC. Em sede de IVA, tais descontos/abatimentos foram refletidos como regularizações a favor do sujeito passivo, as quais não foram aceites pela AT, em conformidade com o consignado no artigo 16º, nº 1 do CIVA. Vejamos. Na decisão recorrida, escreve-se sobre esta questão: “O sistema comum do IVA baseia-se no princípio fundamental de aplicação de um imposto exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços transaccionados e rege-se pelo princípio da neutralidade, de acordo com o qual o imposto deve ser cobrado da forma mais geral possível, abranger todas as fases de produção e de distribuição e sujeitar à mesma carga fiscal bens e serviços do mesmo tipo, em todos os Estados-Membros. É este princípio que subjaz ao recorte do carácter “oneroso” das operações que caem no âmbito de incidência do IVA, implicando que comportem um “preço” ou contraprestação, seja em dinheiro ou em espécie. É também o referido princípio de um “imposto proporcional ao preço” que determina que o valor tributável para efeitos de IVA deva corresponder ao valor transaccional, i.e., à contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, conforme disposto no artigo 16º do Código do IVA, e não ao valor “normal” das operações. Estabelece o nº 1 do artigo 16º do CIVA o seguinte: “1 - …, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.” Ora, como bem se compreenderá, o IVA devia incidir, na situação dos autos, sobre o montante de mercadoria que a Impugnante factura a cada uma das lojas de venda a retalho, acrescido da margem de lucro. Sucede que, com base nos designados “descontos e abatimentos em vendas” que a Impugnante concedia a posteriori – justificando tal procedimento com a sua política de escoamento de stock – procedia à dedução desse imposto, regularizando-o a seu favor. De facto, o artigo 71º, nº 2 do CIVA estabelecia que: “2 – Se… for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço poderá efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.” No entanto, não resulta comprovado nos autos qualquer das situações previstas supra, que poderia justificar a rectificação do imposto: não se alegou qualquer invalidade/resolução/redução de contratos eventualmente existentes entre a Impugnante e as lojas; não se demonstrou a devolução de mercadorias à Impugnante – não existindo nenhum registo de inventário/stocks, mercadoria vendida/devolvida, resultando antes alegado que, embora a preços mais baixos, o calçado foi efectivamente vendido/escoado [cfr. indicação no RIT de que relatório de gestão de 2005, refere que no primeiro trimestre de 2005, já tinha sido vendido 50% das existências finais de 2004]; nem tão pouco se mostra explicitada e comprovada a natureza de abatimento ou desconto, porquanto não foi cabalmente demonstrada a razão pela qual a Impugnante, enquanto “grossista”, assumiu os custos que deveriam ser imputados a cada uma das lojas de retalho, sendo certo que se trata de entidades juridicamente distintas, e que também elas apresentavam matéria colectável nula. Mesmo num grupo “regular” de sociedades comerciais, não é admissível que umas sociedades assumam custos de outras; os resultados contabilísticos e fiscais são a final consolidados, mas tal não pode nem deve significar a assunção de responsabilidades alheias. Ainda que a Impugnante assumisse o papel de central de compras do Grupo G......... – facto que não é controvertido [cfr. alíneas C) e D) do probatório] – não fica legitimada, por essa razão, a assumir os custos da mercadoria vendida abaixo do preço de custo das outras lojas/sociedades, e que lhes devem ser imputáveis. O próprio procedimento de concessão dos “descontos e abatimentos”, em especial o critério e a racionalidade subjacente, ficou por esclarecer e demonstrar, designadamente: qual a relação entre os descontos/abatimentos efectuados e a facturação de cada cliente (i.e, de cada uma das lojas); a evolução do stock de calçado em cada cliente (loja); que os descontos efectuados corresponderam ao ajustamento do valor real do produto (não tendo sido junto qualquer documento, ao menos indicativo, dos valores respectivos). Ainda que assumisse a qualidade de central de compras e única fornecedora, a Impugnante, por ser entidade distinta, não podia “avocar” os custos do elevado stock e da desvalorização do produto das diversas lojas, o que se reflecte na redução do seu proveito, sem contrapartida, assumindo, pois, carácter de liberalidade.” Em suma, nas conclusões recursivas a Recorrente limita-se a asseverar o “erro na apreciação da prova produzida” sem dirigir ou concretizar o erro na valoração da prova realizada pelo Tribunal a quo, sem evidenciar qualquer erro manifesto ou grosseiro em que tenha incorrido o decisor ao valorar a prova da forma como o fez e, do mesmo modo, sem indicar ou demonstrar o caminho que conduziria a uma valoração diferente, elementos essenciais para que este Tribunal ad quem dirigisse um olhar de sindicância sobre a mesma. Não basta alegar que, “(…) , é evidente que, funcionando a recorrente como central de compras que revendia aos seus retalhistas do grupo, com lucro, nada impedia, aliás, configura um bom acto de gestão, que, confrontada com um acumular de stocks nas próprias retalhistas do grupo, gizasse nova política comercial para fazer rodar esses produtos descontinuados.” e ainda que, “É das boas práticas da gestão para manter viva a tesouraria da empresa, liquidar o excedente não comercializado e com os recursos obtidos rodar stocks na expectativa de matizar os prejuízos anteriores com as novas margens obtidas com produto novo, mais apetecido pelo mercado.” Pelo que, tal como o Tribunal a quo “Conclui-se, por conseguinte, que não se encontram justificadas a regularizações efectuadas a favor do sujeito passivo, em violação dos artigos 16º e 71º do CIVA, pelo que não padece de ilegalidade a correcção efectuada.” Termos em que, in casu, o recurso não pode deixar de estar condenado ao insucesso dada a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, por falta de análise critica da prova e da indicação daquela que, em seu entender impunham decisão diferente da valoração efetuada pela decisão recorrida. Inconstitucionalidade - interpretação do artigo 49 da LGT Diz ainda a Recorrente, ser atentatório de um estado de direito ocidental que o sujeito passivo possa ser inspecionado pela AT do seu país, suspendendo-se o prazo de prescrição do imposto – IVA - ad aeternum, conforme vem prescrevendo o TC. Defende que é inconstitucional, o previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 49 da LGT na interpretação que se suspende o prazo de prescrição da dívida tributária enquanto não for proferida decisão transitada em julgado, sem prazo certo para que seja proferida, por ofender o artigo 20, n.º 4 da CRP – decisão em prazo razoável. A Recorrente nas suas alegações de recurso, afirma ter conhecimento da posição acolhida na jurisprudência. Reiteramos o entendimento vertido na decisão recorrida, e invocamos o Acórdão do STA, de 16/02/2022, proferido no âmbito do processo nº 1208/21.0BEBRBRG, onde se escreveu o seguinte: “(…) Sobre a questão decidenda neste apelo, importa consignar que a jurisprudência do STA, há muito, defende, esmagadoramente, que nos casos onde “o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas” ou, noutra formulação, “a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar” (ver, acórdão, do STA, de 2 de setembro de 2020 (705/19.2BELLE), com vasta indicação doutrinal e jurisprudencial; disponível em www.dgsi.pt). Em razão desta última, podemos, pois, assentar que a citação, enquanto causa interruptiva do instituto da prescrição, transversal a todo o tipo de dívidas (civis, tributárias – art. 49.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) - e equiparadas…), detém e opera com um duplo efeito; instantâneo (interrompe, no sentido de que faz parar a contagem e inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente) e, por outro lado, duradouro (não deixa começar a correr novo prazo de prescrição até ao termo do processo, v.g., em que decorra a cobrança coerciva da dívida). Posto isto, conferido que, in casu, a sentença recorrida apreciou e decidiu (concluindo pela não prescrição), a matéria da, invocada, prescrição de dívida (exequenda), cujo pagamento é exigido ao, aqui, rte, em conformidade com a coligida jurisprudência, só podemos acolher o respetivo julgamento, tanto mais, como, igualmente, se justificou e assumiu, no supra identificado aresto, que o reconhecimento do, dito, efeito duradouro da citação “não viola os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas nem as garantias dos contribuintes” (Cf., ainda, acórdãos do Tribunal Constitucional (TC) de 26 de setembro de 2012 (890/2011), de 7 de janeiro de 2014 (905/2012) e de 12 de fevereiro de 2015 (179/2013)..)(…)” Veja-se, ainda, por elucidativo, o Acórdão, também do STA, de 23/03/2022, proferido no âmbito do processo nº 506/21.8BEVIS, do qual nos permitimos extrair o seguinte: “(…) A questão suscitada consiste em saber se a Sentença fez correto julgamento quando entendeu não prescritas as dívidas exequendas, o que passa por indagar da legalidade e conformidade constitucional da interpretação nela adotada, a qual atribuiu à interrupção da prescrição decorrente da citação (cfr. art. 49º, nº 1 da LGT) – para além do efeito dito instantâneo (decorrente do disposto no art. 326º do C.C.) – o efeito duradouro (previsto no nº1 do art. 327º do C.C.) de obstar a que o novo prazo prescricional (re)comece a correr até ao termo do processo de execução fiscal. Salvo o devido respeito por diversa posição, afigura-se-nos não caber aqui razão à Recorrente. Com efeito, é referido no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 26.05.02021 – Proc. nº 0518/20.9BELLE, que aqui, com a devida vénia, transcrevemos: «I - O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à cobrança do imposto. O instituto da prescrição, tal como o da caducidade, tem na sua base o interesse da certeza e segurança jurídicas, encontrando aquele igualmente fundamento na negligência do credor. O prazo de prescrição das obrigações tributárias em geral é actualmente de oito anos (cfr.artº.48, da L.G.Tributária), sendo anteriormente de dez anos (cfr.artº.34, do C.P. Tributário). II - Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil. III - Com estes pressupostos, é legal a aplicação do regime consagrado no artº.327, nº.1, do C.Civil (normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al.d), da L.G.T.), face ao acto interruptivo que se consubstancia na citação em processo de execução fiscal, o qual ostenta um efeito duradouro derivado do novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal também a declaração em falhas, prevista no artº.272, do C.P.P.T., se deve equiparar à dita decisão que põe termo ao processo.» Considera assim o Supremo Tribunal Administrativo que, na aplicação do disposto no art. 49º da LGT, há lugar à aplicação subsidiária do regime previsto nos arts. 326º, nº 1, e 327, nº 1, ambos do C.C., para fixação dos efeitos dos factos interruptivos, entendimento este sufragado na doutrina pelo ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, que defende o duplo efeito dos atos interruptivos: um efeito instantâneo, que determina a inutilização para a prescrição do prazo decorrido até à sua verificação – art. 326º, nº 1 do C.C., e um efeito suspensivo, que determina que o novo prazo só começa a correr após a decisão que puser termo ao processo – art. 327º, nº 1, do C.C. Pela clareza de exposição, permitimo-nos transcrever ainda o sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo datado de 13.01.2021 – Proc. nº 02496/19.8BEBRG: «A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art. 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC). »(…)” Relativamente à constitucionalidade do entendimento supra exposto, refere o Acórdão do STA de 13/01/2021, proferido no processo nº 2496/19.8BEBRG, o seguinte: “(…) Ademais, a referida jurisprudência, quanto à constitucionalidade da interpretação nela adoptada, tem merecido o conforto do Tribunal Constitucional (Vide os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional: - acórdão n.º 441/2012, proferido em 26 de Setembro de 2012 no processo com o n.º 890/2011, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120441.html; - acórdão n.º 6/2014, proferido 7 de Janeiro de 2014 no processo com o n.º 905/2012, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140006.html; - acórdão n.º 122/2015, proferido 12 de Fevereiro de 2015 no processo com o n.º 179/2013, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150122.html.).(...)” Considerando o que foi dito, resta concluir que nenhum reparo há a fazer à sentença recorrida, sendo de negar provimento ao recurso. * III. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 18 de setembro de 2025. ---------------------------------- [Maria da Luz Cardoso] ---------------------------------- [Sara Diegas Loureiro] -------------------------------- [Isabel Silva] |