Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
802/11.2T2ETR-H.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÁLVARO MONTEIRO
Descritores: ALIMENTOS A FILHO MAIOR
PRESSUPOSTOS
RAZOABILIDADE
Nº do Documento: RP20250710802/11.2T2ETR-H.P1
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O que está na base da norma do art. 1880º do Código Civil é a incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação, quando as circunstâncias impuserem aos pais, não obstante a maioridade do filho, a obrigação de, em nome do bem-estar e do futuro deste, continuar a suportar as despesas inerentes à completude da formação profissional.
II - A obrigação excepcional prevista neste normativo tem um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário” ao completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo Nº 802/11.2T2ETR-H.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Família e ....
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Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro
1º Adjunto: Juiz Desembargador António Carneiro da Silva
2ª Adjunta: - Juíza Desembargadora Isabel Rebelo Ferreira

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Sumário:
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I – RELATÓRIO

AA intentou a presente alteração à regulação do exercício das responsabilidades parentais, nos termos dos arts. 1906.º e 1912.º, ambos do Cód. Civil e 42.º do RGPTC, contra BB, relativamente à filha comum CC, nascida a ../../2005, invocando impossibilidade económica para cumprir o pagamento da quantia de €:160,00 (cento e sessenta euros), aditada de actualizações, a título de pensão de alimentos.

Citada, a Requerida BB apresentou requerimento, pugnando pela manutenção do valor da prestação de alimentos.
Realizou-se Conferência de Progenitores e, não tendo sido obtido acordo, foram os progenitores remetidos para audição técnica especializada, nos termos do disposto no art. 38.º, alínea b), do RGPTC.
Em audição técnica especializada também não se logrou obter acordo.
Realizou-se nova Conferência e, não tendo também sido obtida transação, foram os progenitores notificados nos termos e para os efeitos do disposto no art. 39.º, n.º 4, do RGPTC.
Requerente e Requerida apresentaram alegações.
O Requerente apresentou articulado superveniente, requerendo que o Tribunal decrete a cessação da obrigação de contribuir para os alimentos e despesas médicas/medicamentosas e escolares da filha, alegando que esta, maior de idade, completou já a sua formação escolar.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, após o que foi proferida sentença com a seguinte decisão:
“A) Julgar improcedente a presente alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, absolvendo a Requerida BB do pedido.
B) Julgar improcedente o pedido de cessação da obrigação de o Requerente AA contribuir para os alimentos e despesas médicas, medicamentosas e escolares da filha CC, e os demais pedidos formulados.
Custas a cargo do Requerente, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 2, do Cód. Processo Civil.
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Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Processo Civil, fixa-se em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) o valor da ação, por referência ao disposto no artigo 303.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
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Notifique e registe.”
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Não se conformando com esta decisão veio o Requerente recorrer, deduzindo as seguintes
CONCLUSÕES:
1.ª questão
A. O recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, sendo que o único ponto de facto que considera incorrectamente julgado é o seguinte:
Dos factos provados:
- PONTO 12: “A jovem CC frequentou, no ano letivo de 2023/2024, o 1.º ano da licenciatura de contabilidade, no regime livre, no Instituto Superior ..., sito em Santa Maria da Feira.” [Cfr. pág. 4 da douta sentença.]
B. Para julgar como provado esse facto constante do ponto 12 dos factos provados, o Tribunal a quo baseou-se, única e exclusivamente, e de forma decisiva, nos relatórios da Segurança Social. [Cfr. página 6 da douta sentença.]
C. Salvo melhor opinião, entendemos que deve ser julgado como alterado esse ponto 12 dos factos provados.
D. Isto porque, no ano lectivo de 2023/2024, a jovem CC concluiu o Ensino Secundário
– Curso Científico-Humanístico de Línguas e Humanidades, com a classificação final de 12 (doze) valores, conforme resulta do certificado e diploma escolar que a requerida juntou aos autos em 10/09/2024.
E. O que resulta do relatório da Segurança Social de 19/09/2024 é que a jovem CC “(...) está inscrita, no presente ano letivo, no 1º ano da licenciatura em Contabilidade, no regime livre, no Instituto Superior ..., sito em Santa Maria da Feira.” [Cfr. ref. 16645418; bold nosso.]
F. E não que “A jovem CC frequentou, no ano letivo de 2023/2024, o 1.º ano da licenciatura de contabilidade, no regime livre, no Instituto Superior ..., sito em Santa Maria da Feira.”, como julgou o Tribunal a quo (ponto 12 dos factos provados). [Bold nosso.]
G. A jovem CC também não frequentou o 1.º ano da licenciatura de contabilidade no corrente ano lectivo de 2024/2025, conforme a mesma e a requerida falsamente declararam à Segurança Social. [Cfr. ref. 16645418.]
H. A requerida, para além de não ter deduzido contestação ao articulado superveniente deduzido pelo requerente, nunca apresentou nenhum documento comprovativo da alegada inscrição da jovem CC no 1.º ano da licenciatura em Contabilidade, no regime livre, no Instituto Superior ..., sito em Santa Maria da Feira.
I. Tendo, apenas, na data da audiência de discussão e julgamento (14/01/2025), apresentado uma declaração de frequência de formação modular certificada, no período compreendido entre 26 de novembro e 19 de dezembro de 2024, promovida pela A... (pontos 13 a 15 dos factos provados).
J. Em suma: a jovem CC nunca frequentou a licenciatura de contabilidade, no regime livre, no Instituto Superior ..., sito em Santa Maria da Feira.
K. Assim, e com o devido respeito, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 607.º, n. os 4 e 5, do CPC.
L. Em conclusão, entendemos que as provas que acima invocamos impõem decisão diversa da recorrida, razão pela qual deve ser alterado o facto constante do ponto 12 dos factos provados, aí passando a constar o seguinte:
- No ano lectivo de 2023/2024, a jovem CC concluiu o Ensino Secundário – Curso Científico-Humanístico de Línguas e Humanidades, com a classificação final de 12 (doze) valores.
M. Deve ainda ser aditado à matéria de facto provada o seguinte facto:
- A requerida e a jovem CC, em 19/09/2024, declararam (falsamente) à Segurança Social que a jovem se encontrava a frequentar o 1.º ano da licenciatura de contabilidade no ano lectivo de 2024/2025.
2.ª questão
N. A obrigação de pagar pensão de alimentos a filho maior existe até que este conclua a sua formação profissional (ou a interrompa), ou em caso de irrazoabilidade de exigência, e no máximo até perfazer 25 anos.
O. Salvo melhor opinião, entendemos que, in casu, deve cessar a obrigação de o requerente contribuir para os alimentos e despesas médicas, medicamentosas e escolares da filha maior, nascida em ../../2005 (ponto 1 dos factos provados).
P. Na verdade, resulta da matéria de facto provada que, no corrente ano lectivo, a jovem CC apenas “(...) frequentou formação modular certificada, promovida pela A... no período compreendido entre 26 de novembro e 19 de dezembro de 2024, no horário compreendido entre as 18.00 e as 22.00 h, duas vezes por semana, em sessões de 3 ou 4 horas de duração, de acordo com o cronograma.” Acção de formação essa que, já terminou (pontos 13 e 14 dos factos provados; bold nosso).
Q. Mais resulta da matéria de facto provada que, a jovem CC aguarda “(...) o arranque de novas ações ajustadas ao seu perfil, o que ocorrerá em breve.” (ponto 15 dos factos provados; bold nosso).
R. Não resultando sequer da matéria de facto quando tal ocorrerá.
S. As referidas acções de formação, realizadas no horário compreendido entre as 18.00 e as 22.00 h, apenas duas vezes por semana, não se enquadram no art. 1880.º e no n.º 2 do art. 1905.º do Código Civil, salvo melhor opinião. E, para além de atribuírem o direito a bolsa de formação e subsídio de alimentação, não impedem que a jovem procure um trabalho remunerado para prover ao seu próprio sustento (pontos 13 e 14 dos factos provados).
T. Diferente seria se a jovem frequentasse, efectivamente, uma licenciatura, o que não sucede.
Mas, como vimos, a requerida e a jovem CC, em 19/09/2024, declararam (falsamente) à Segurança Social que a jovem se encontrava a frequentar o 1.º ano da licenciatura de contabilidade no corrente ano lectivo de 2024/2025. [Cfr. ref. 16645418.]
U. Em suma: o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1879.º, 1880.º 1905.º, n.º 2, do Código Civil.
V. Pelo exposto, deve ser revogada a douta sentença recorrida e, consequentemente, ser declarada a cessação da obrigação de o requerente, AA, contribuir para os alimentos e despesas médicas, medicamentosas e escolares da filha maior, CC.
W. Deve, ainda, a requerida ser condenada a restituir ao requerente as pensões de alimentos que indevidamente recebe desde o mês de Setembro de 2024 (mês em que o requerente deduziu articulado superveniente na sequência da referida falsa declaração à Segurança Social).
Conclui pela procedência do recurso, revogando-se a decisão recorrida.
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A Requerida e M. Público não apresentaram contra-alegações.

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O recurso foi admitido como de apelação, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
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No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recur-so.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do C. P. Civil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, importa apreciar e decidir:
- Alteração da matéria de facto;
- Alteração da decisão de direito.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

1. OS FACTOS
O Tribunal recorrido deu por provados os seguintes factos:
1) Por acordo datado de 21 de novembro de 2013, homologado por sentença, transitada em julgado, ficou regulado o exercício das responsabilidades parentais da jovem CC, nascida a ../../2005.
2) Na cláusula terceira do referido acordo ficou estabelecido que “O progenitor contribuirá a título de alimentos para a filha com a quantia mensal de 160,00 €, a liquidar até ao dia 8 de cada mês, com início no próximo mês de dezembro, por depósito ou transferência bancária para conta cujo NIB já conhece, montante a atualizar anualmente pelos índices de inflação publicados pelo INE e reportados ao ano imediatamente anterior, com início em janeiro de 2015.
O progenitor contribuirá ainda com metade das despesas médico-medicamentosas e escolares (entendendo-se por estas livros e material didático), da filha, mediante apresentação de fatura ou recibo por parte da progenitora.
Finalmente, contribuirá com metade do custo da frequência das atividades extracurriculares da menor, desde que sobre as mesmas seja previamente ouvido e com elas concorde, tendo já dado o seu aval à prática da natação e à frequência de explicações, mediante a apresentação de documento comprovativo de tais pagamentos por parte da progenitora.”
3) Após a data referida em 1.º, o Requerente teve mais três filhos:
- DD, nascido a ../../2014;
- EE, nascido em ../../2016;
- FF, nascida a ../../2022.
4) O Requerido AA trabalha na sociedade B..., L. DA, exercendo funções de gerência, representação perante clientes e fornecedores, condução de camiões.
5) No exercício de tais funções, foi-lhe atribuído um veículo automóvel de marca e modelo BMW ..., do ano de 2023.
6) São sócios da sociedade comercial aludida em 4.º os pais do Requerente e a mãe dos filhos do Requerente aludidos em 3.º, a testemunha GG.
7) A sociedade comercial aludida em 4.º tem uma faturação anual média de €:1.500.000,00.
8) O Requerente reside com os pais em moradia, onde recebe frequentemente os filhos aludidos em 3)
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9) A Requerida reside com a jovem CC, com os avós, tia e prima maternas, em casa de familiares.
10) A Requerida aufere prestação social para a inclusão no valor de €:316,33; relativamente à filha, para além da pensão de alimentos recebe prestação social de €:108,00.
11) A Requerida apresenta as seguintes despesas mensais:
- €:120,00, relativo a inscrição nos 1.º e 2.º semestres do Instituto ..., no ano letivo de 2023/2024;
- €:315,00 de propina do curso frequentado pela jovem no ano letivo de 2023/2024;
- €:15,00, de farmácia;
- €:33,50, de cabeleireiro/manicura;
- €:27,50, de patinagem artística;
- €:60,00, de vestuário/calçado;
- €:40,00, de alimentação escolar
12) A jovem CC frequentou, no ano letivo de 2023/2024, o 1.º ano da licenciatura de contabilidade, no regime livre, no Instituto Superior ..., sito em Santa Maria da Feira.
13) A jovem CC frequentou formação modular certificada, promovida pela A... no período compreendido entre 26 de novembro e 19 de dezembro de 2024, no horário compreendido entre as 18.00 e as 22.00 h, duas vezes por semana, em sessões de 3 ou 4 horas de duração, de acordo com o cronograma.
14) Decorrente da frequência desta ação de formação de 25 horas, já terminada, auferiu bolsa de formação e subsídio de alimentação num total de €:84,90.
15) Na presente data, a jovem CC está inscrita na entidade aludida em 13.º para integrar formação, aguardando o arranque de novas ações ajustadas ao seu perfil, o que ocorrerá em breve.
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Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa, não resultou provado o seguinte:
a) Por mútuo acordo amigável, o Requerente entregue à mãe das crianças aludidas em 3.º dos Factos Provados a quantia de €:150,00 mensais, a título de pensão de alimentos, sendo €:50,00 para cada filho;
b) A essa quantia acresçam despesas médicas, medicamentosas e escolares, no montante mensal de €:50,00;
c) O Requerente apenas tenha como rendimento o salário mínimo nacional, no montante ilíquido de €:820,00;
d) O Requerente contribua para as despesas dos pais com o valor mensal de €:50,00;
e) O Requerente tenha de recorrer à ajuda de familiares para subsistir.
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1.1 - O Apelante pretende que este Tribunal reaprecie a decisão em relação a certos pontos da factualidade julgada provada, concretamente, ser alterado o facto constante do ponto 12 dos factos provados, bem como aditar à factualidade provada um facto.
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Dispõe o art. 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do C. P. Civil, sem olvidar, porém, os princípios da oralidade e da imediação.
A modificabilidade da decisão de facto é ainda susceptível de operar nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 662.º do C. P. Civil.
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1.2 - Do invocado erro de julgamento.
Ser alterado o facto constante do ponto 12 dos factos provados, aí passando a constar o seguinte:
- No ano lectivo de 2023/2024, a jovem CC concluiu o Ensino Secundário – Curso Científico-Humanístico de Línguas e Humanidades, com a classificação final de 12 (doze) valores.

O facto 12 dado como provado tem a seguinte redacção:
A jovem CC frequentou, no ano letivo de 2023/2024, o 1.º ano da licenciatura de contabilidade, no regime livre, no Instituto Superior ..., sito em Santa Maria da Feira.

O Tribunal recorrido fundamentou da seguinte forma:
“No que se refere à factualidade dos pontos 9.º a 12.º resultou provada com base na análise dos relatórios elaborados pela Segurança Social, que se encontram corretamente fundamentados, designadamente dando conta das fontes das informações que veicula. Acresce que tais relatórios não foram impugnados por Requerente e Requerida, pelo que o seu conteúdo foi aceite.”

Compulsada a prova documental junta aos autos em 10.09.2024, docs. 1 e 2, dos mesmos decorre que a CC, no ano lectivo de 2023/2024, concluiu o Ensino Secundário – Curso Científico-Humanístico de Línguas e Humanidades, com a classificação final de 12 (doze) valores.
No Relatório Social, junto aos autos em 19.09.2024 e datado com a mesma data, consta que a CC se encontra “inscrita, no presente ano letivo, no 1º ano da licenciatura em Contabilidade, no regime livre, no Instituto Superior ..., sito em Santa Maria da Feira.”
Por sua vez, no documento datado de 13 de Janeiro de 2025, junto aos autos na audiência de julgamento de 14.01.2025 consta que a CC “se encontra inscrita numa acção de formação, na modalidade de Formação Modular Certificada, na Entidade Formadora A Mutualidade de Santa Maria – Associação Mutualista…”

Assim, face à prova atrás aludida é de alterar a redacção do ponto 12 dos factos provados, o qual passa a ter a seguinte redacção:
No ano lectivo de 2023/2024, a jovem CC concluiu o Ensino Secundário – Curso Científico-Humanístico de Línguas e Humanidades, com a classificação final de 12 (doze) valores.
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Pretende ainda o Recorrente que deve ainda ser aditado à matéria de facto provada o seguinte facto:
- A requerida e a jovem CC, em 19/09/2024, declararam (falsamente) à Segurança Social que a jovem se encontrava a frequentar o 1.º ano da licenciatura de contabilidade no ano lectivo de 2024/2025.

Tal pretensão é de indeferir.
Em primeiro lugar porque nunca foi alegado pelo Requerente nos autos, o que constituiria facto novo a não conhecer em sede de recurso.
Em segundo lugar porquanto é meramente conclusiva, sendo certo que sempre seria irrelevante face ao dado por assente sob os factos nº 12 e 13, 14 e 15.
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Em síntese:
É de dar parcial procedência à impugnação da matéria de facto e alterar o facto provado nº 12, o qual passa a ter a seguinte redacção.
No ano lectivo de 2023/2024, a jovem CC concluiu o Ensino Secundário – Curso Científico-Humanístico de Línguas e Humanidades, com a classificação final de 12 (doze) valores.
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2. DIREITO

O Recorrente invoca que a filha já é maior de idade e que as acções de formação não se enquadram no artº 1880º, nº 2 e 1905º do C. Civil.

Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais
Dispõe o artigo 42.º, n.º 1, do RGPTC, que “quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais (…) ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que tiver sido estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.”
A prestação de alimentos estipulada visa salvaguardar os interesses da menor, garantindo o seu sustento e são desenvolvimento.
Por alimentos “entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário” e no caso de o alimentando ser menor, compreendem “também a instrução e educação” do mesmo (vide artigo 2003º do CC).
Assim, os alimentos visam facultar ao menor tudo o que a mesma necessita para ter uma vida “conforme à sua condição social, às suas aptidões, ao seu estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral”, vide Vide Clara Sottomayor in “Regulação das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, edição 2016, 6ª edição Almedina, p. 330.
Relativamente à medida dos alimentos estatui o artigo 2004º do CC: “1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.”.

Por sua vez o artº Artigo 1880.º - Despesas com os filhos maiores -, dispõe:
Se, no momento em que atingir a maioridade, o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.

E o artº 1905.º, nº 2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência
Face ao quadro legal acima referido, podemos dizer que para haver cessação da obrigação de pagamento das despesas e alimentos ao filho maior, exige-se que o filho completou o respectivo processo de educação ou formação profissional; que o interrompeu livremente; que a exigência de alimentos seja irrazoável.
Daí que, conforme observa o Conselheiro Rodrigues Bastos em comentário ao artigo 1880.º do Código Civil, citado no Ac. do TRE de de 09.03.2017, Processo 26/12.1TBPTG-D.E1, Relator Albertina Pedroso, in www.dgsi.pt. “…Não se trata de um caso de direito a alimentos, mas de uma extensão da obrigação dos pais para além da menoridade dos filhos, de modo a que a estes seja, na prática, possível alcançar o termo da sua formação profissional. O auxílio assumirá a forma que melhor permita alcançar esse desígnio”
“O que está na base da norma do art. 1880º do Código Civil é a incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação, quando as circunstâncias impuserem aos pais, não obstante a maioridade do filho, a obrigação de, em nome do bem-estar e do futuro deste, continuar a suportar as despesas inerentes à completude da formação profissional.”. vide Ac do T. Constitucional nº 193/2010
A obrigação excepcional prevista neste normativo tem um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário” ao completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade.
In casu, a CC, após o termino do 12º ano de escolaridade, frequentou formação modular certificada, promovida pela A... no período compreendido entre 26 de novembro e 19 de dezembro de 2024, no horário compreendido entre as 18.00 e as 22.00 h, duas vezes por semana, em sessões de 3 ou 4 horas de duração.
Decorrente da frequência desta ação de formação de 25 horas, já terminada, auferiu bolsa de formação e subsídio de alimentação num total de €:84,90.
Na presente data, a jovem CC está inscrita na entidade aludida em 13.º para integrar formação, aguardando o arranque de novas ações ajustadas ao seu perfil, o que ocorrerá em breve.
Face ao quadro fáctico descrito, considera-se que a CC continua a ter necessidade do apoio do pai para pagamento de alimentos e despesas, porquanto a sua formação profissional não terminou, tanto mais que após a cessação do 12º de escolaridade, frequentou um curso de formação profissional durante um curto período de tempo, compreendido entre 26 de novembro e 19 de dezembro de 2024, encontrando-se inscrita noutro curso de formação, aguardando o arranque do mesmo, ajustado ao seu perfil.
Atente-se que não decorre que a CC não tenha aproveitamento escolar no curso, nem se pode falar que tenha havido interrupção do percurso de formação profissional, sendo irrelevante o facto do curso profissional ser ministrado por uma escola Mutualista, porquanto o “processo de formação” não exige que seja uma curso superior promovido pelo Ministério da Educação
Dito de outra forma, pese a sua maioridade, a CC ainda não tem a sua “formação profissional” feita, continuando a manter-se a obrigação do pai pagar alimentos e despesas.
Assim sendo, atentas as razões expostas é de improceder o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

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V. Decisão
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta 3ª Secção, acordam em negar provimento ao recurso.
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Custas pela apelante artº 527º do CPC.









Porto, 10 de Julho de 2025
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Álvaro Monteiro
António Carneiro da Silva
Isabel Rebelo Ferreira