Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20361/23.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
VALORAÇÃO DE DECLARAÇÕES DE PARTE
Nº do Documento: RP2025071020361/23.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE. CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do art. 607º, nº 3 do CPC que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, razão pela qual só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC.
II – A nulidade referida na al. c), do nº 1 do art. 615º do CPC, só se verifica quando, no processo lógico, há um vício real no raciocínio do julgador, na medida em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente, não ocorrendo, por isso, mesmo nos casos de erro de julgamento, quando a decisão assenta num discurso lógico irrepreensível, limitando-se a decidir no exacto sentido preconizado pela respectiva fundamentação sem qualquer quebra ou desvio de raciocínio que permita detectar a existência de visível contradição entre as premissas e a conclusão.
III - A reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º do CPC, não pode confundir-se com um novo julgamento pressupondo, por isso, que a recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, apontando com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da proferida em 1ª instância e indique a resposta alternativa que pretende obter, em cumprimento dos ónus que lhe são impostos pelo art. 640º do mesmo código.
IV - As declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, sendo valoradas segundo o princípio da livre apreciação da prova, consagrado nos art.s 396º do CC e 607º nº 5, do CPC, em conjunto com as demais provas produzidas, designadamente, a testemunhal e documental (que não tenha força probatória plena).
V - Só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova.

(Sumário da responsabilidade da Relatora (nos termos do disposto no art. 663º, nº 7, do CPC))
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 20361/23.2T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho do Porto - ...



Recorrente: Unidade Local de Saúde de ..., EPE
Recorrida: AA





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I – RELATÓRIO
A A., AA, médica, Assistente Graduada Hospitalar na especialidade de Nefrologia, NIF ...17, residente na Rua ..., ... Porto, instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra a Ré, HOSPITAL DE ..., E.P.E, (actualmente, designada UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DE ..., E.P.E.) número de identificação de pessoa coletiva ...80, com sede no Lugar ..., ... ..., ..., na qual pede que, “deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser a Ré condenada:
a) No pagamento à Autora da quantia de € 3.356,55 (três mil, trezentos e cinquenta e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos), correspondente a 23 dias de férias não gozados, respeitantes ao ano de 2022.
b) A liquidar à Autora o montante de € 2.977.58 (dois mil, novecentos e setenta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos), referente aos proporcionais de retribuição de férias pelo trabalho prestado no ano da cessação do contrato.
c) No pagamento à Autora da quantia de € 2.977.58 (dois mil, novecentos e setenta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos), relativa aos proporcionais de subsídio de férias pelo trabalho efetuado no ano da cessação do contrato.
d) No pagamento de juros legais moratórios sobre as quantias peticionadas, desde a sua data de vencimento até à data do efetivo e integral pagamento.”.
Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que foi admitida ao serviço do R., por contrato de trabalho celebrado em 01/08/2012 para exercer as funções de assistente hospitalar, auferindo a remuneração ilíquida de € 3.248,27 e que a esta relação laboral se aplica o ACT publicado no BTE nº 41 de 08/11/2009.
Mais, alega que, em 27/09/2022, remeteu ao departamento de recursos humanos do R. comunicação de denúncia do seu contrato de trabalho, de modo a que produzisse efeitos a partir de 30/11/2022, tendo ainda solicitado que lhe fossem disponibilizados os dias de férias que ainda não havia gozado e que lhe fosse apurados os créditos decorrentes da cessação do seu contrato de trabalho.
Por último, alega que, contudo, o R. não procedeu à liquidação dos montantes que aqui peticiona, que correspondem a 23 dias de férias não gozadas, referentes ao ano de 2022, e aos proporcionais de férias e de subsídio de férias devidos pelo trabalho prestado nesse mesmo ano de cessação do contrato de trabalho.
*
Realizada audiência de partes, nos termos que constam da acta datada de 17.01.2024, não foi possível a sua conciliação tendo a ré, notificada para o efeito, apresentado contestação/reconvenção invocando, previamente, que o R. passou a designar-se Unidade Local de Saúde de ..., E. P. E. e alegando, em síntese, que corresponde à verdade a existência dum vínculo laboral, mediante o qual a demandante exerceu as funções como médica no estabelecimento hospitalar em apreço e que auferia a quantia de € 3.248.27 a título de remuneração base ilíquida, acrescida de € 4,77/dia a título de subsídio de refeição.
Mais, alega que, no decurso do ano de 2022, a A. havia gozado férias nas datas que ali indica, num total de 24 dias, tendo-se obrigado ao cumprimento dum horário de trabalho correspondente a 40 horas semanais. Sucede que, a aqui demandante não cumpria a carga horária do turno para a qual estava escalada, sendo aceite pelo demandado que quando estes profissionais não cumpriam integralmente a sua carga horária podiam compensar a sua ausência na semana ou semanas seguintes. Ora, a A. por via desta compensação acumulou 476,40 horas negativas por comparação com o total que estava vinculada a cumprir, aqui não incluídas as horas em que a demandante faltou e justificou a sua ausência, pelo que o R. na expectativa de que a A. compensaria as horas negativas de trabalho, procedeu ao pagamento integral da remuneração base, para além das demais legalmente devidas, entre Agosto de 2018 e Novembro de 2022.
Por fim, alega que, quando a A. comunicou a cessação do seu contrato de trabalho foi então efectuado o apuramento dessas horas negativas e, tendo sido contabilizado o total acima indicado, e que ascende ao montante de € 8.927,75. Deste modo, invoca e peticiona o reconhecimento daquele montante e a respectiva compensação com os valores devidos a título de créditos laborais peticionados pela demandante.
Conclui que, “deve:
I) A ação ser julgada e declarada improcedente, por não provada;
II) Ser a presente contestação com reconvenção julgada e declarada procedente, por provada, com a consequente absolvição do Réu dos pedidos formulados pela Autora e;
III) Reconhecer-se que a Autora/Reconvinda deve ao Réu/Reconvinte seu credor o montante de € 8.927,75 (oito mil novecentos e vinte e sete euros e setenta e cinco cêntimos).
IV) Consequentemente, deve declarar-se que ocorreu a compensação de créditos e/ou efetuar-se a compensação de créditos ao abrigo do disposto no art.º 847º do CC no montante de € 8.927,75 (oito mil novecentos e vinte e sete euros e setenta e cinco cêntimos).”.
*
A A. respondeu à contestação, atento o pedido reconvencional formulado pelo R. e, em síntese, reiterou o por si já invocado na p.i., aceitando, expressamente, que gozou as férias vencidas em 01/01/2022 referentes ao trabalho prestado em 2021, mas, invocando que não se encontram explanadas, no articulado de contestação, as circunstâncias específicas em que a A. não cumpriu o seu horário de trabalho; argumenta ainda que este crédito, a ter existido, se encontra prescrito dado que decorreu mais de um ano desde a data de cessação do contrato de trabalho.
Mais, acrescenta também que, a contabilização das referidas horas negativas, decorre dum erro provocado pelo registo informático das horas prestadas pelos médicos em regime de prevenção, da variabilidade das horas efectivamente praticadas por referência ao horário estipulado, das dispensas para amamentação e da não contabilização de horas prestadas em horários não parametrizados. Destes motivos decorre uma situação que todos os elementos médicos do departamento onde a A. exercia as suas funções acumulassem centenas de horas negativas e, apesar do compromisso assumido pelo R. de solucionar esta situação, desde 2019, a mesma perdurou no tempo, sendo que mesmo os atrasos compensados pela A. não eram registados no sistema, pelo que o total indicado pelo R. não corresponde de todo à verdade.
Invoca, ainda, que este sistema equivalente a um banco de horas, não poderá ser aqui aplicável, dado que inexiste qualquer IRCT onde o mesmo se encontre previsto.
Termina que, “deve a presente Réplica ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, deve:
a) Ser julgada procedente, por provada, a exceção dilatória de ineptidão da reconvenção, nos termos da al. a), do n.º 2 do artigo 186.º do Código de Processo Civil, e, em consequência, ser a Autora/Reconvinda absolvida dos pedidos formulados pela Ré/Reconvinte;
Caso assim não se entenda, sem prescindir,
b) Ser reconhecida a prescrição dos eventuais créditos da Ré/Reconvinte sobre a Autora/Reconvinda.
Ad cautelam, caso assim não se entenda,
c) Ser declarada improcedente, por não provada, a reconvenção da Ré/Reconvinte.
Por fim,
d) Devem os pedidos formulados pela Autora/Reconvinda na sua Petição Inicial ser dados como provados e a Ré condenada nos precisos termos peticionados.”.
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Nos termos do despacho datado de 14.03.2024, foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido saneador tabelar, admitida a reconvenção e indeferida a sua invocada ineptidão foi fixado o seu valor em € 8.927,75, “considerando os indicados articulados e ao abrigo do preceituado no art. 49º nº 3 do C.P.T.” foi dispensada a elaboração dos temas de prova e fixado à acção o valor de €18.239,46.
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Os autos prosseguiram para julgamento e realizada a audiência de discussão, nos termos documentados na acta, datada de 30.04.2024, foi proferida sentença que terminou com a seguinte: “DECISÃO:
Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente e em conformidade condena-se o R. a pagar à A. a quantia de €5.955,16 (cinco mil novecentos e cinquenta e cinco euros e dezasseis cêntimos) a título de créditos laborais, equivalentes aos proporcionais de férias e subsídio de férias pelo trabalho prestado no ano de cessação do contrato de trabalho (2022), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento (30/11/2022) e dos vincendos até integral pagamento.
Mais se julga improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo R.
Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.”.
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Inconformada a Ré interpôs recurso, nos termos das alegações juntas que, após convite para o efeito, conforme despacho da relatora, em 10.04.2025, sintetizou com as seguintes: “CONCLUSÕES
(…)
Nestes termos, e nos demais de direito que V.as Ex. as Senhores/as Juízes/as Desembargadores doutamente se dignarão suprir, deve ser julgado procedente o presente recurso e em consequência ser declarada procedente e provada a Reconvenção deduzida pela Ré/Recorrente e em consequência, que seja operada a compensação entre o crédito que esta detém sobre o crédito da Autora/Recorrida.
Com o que farão, uma vez mais, a acostumada e devida, JUSTIÇA!”.
*
Notificada, a A. respondeu, nos termos que constam das contra-alegações juntas, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
*
O Tribunal “a quo” admitiu a apelação, com efeito meramente devolutivo e ordenou a sua subida a esta Relação.
No mesmo despacho, previamente, a Mª Juíza “a quo” pronunciou-se quanto à arguida nulidade da sentença, nos seguintes termos: «No seu requerimento de interposição de recurso ordinário, o aqui demandado veio invocar a nulidade da decisão final aqui proferida, por considerar que a mesma é omissa quanto aos fundamentos de facto e de direito, pelo que deverá ser julgada nula ao abrigo do disposto no art. 195º do C.P.C.
Ora, analisada a sentença aqui proferida verifica-se que a mesma contém todos os fundamentos de facto e de direito que determinaram a decisão que ali veio a ser consignada, tendo explanados quer os factos que se consideraram assentes, como aqueles que se julgaram como não provados, tendo por base o despacho saneador aqui igualmente elaborado (cfr. refª 457880816) no qual se dispensou a elaboração de temas da prova.
Entende-se, pois, que inexiste qualquer omissão da decisão final que comporte a sua invalidade, mantendo-se a mesma nos termos em que se encontra exarada.».
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Neste Tribunal pela relatora foi proferido despacho a convidar a recorrente a sintetizar as conclusões da sua alegação, o que a mesma satisfez, nos termos supra transcritos.
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O Ex.mo Procurador Geral Adjunto, após, a apresentação pela recorrente das novas conclusões, teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, tendo emitido, em síntese, o seguinte parecer: “a trabalhadora/autora constituiu mandatário, instaurou a ação e nela interveio sempre devidamente representada, nomeadamente na audiência de julgamento, e sem que o Ministério Público alguma vez interviesse acessoriamente.
Uma vez recorrida, a A. apresentou contra-alegações que certamente refletem a estratégia processual que delineou com o seu mandatário, estratégia na qual não deve o Ministério Público imiscuir-se por se entender nada haver a suprir que pudesse relevar na sua posição.
Acresce que também se não descortinam quaisquer interesses de ordem pública ou social inerentes à jurisdição laboral que imponham pronúncia do Ministério Público que vá para além da adesão às contra-alegações apresentadas pela Recorrida.”.
Notificadas, nenhuma das partes respondeu.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em saber se, o Tribunal “a quo” errou:
- porque não cumpriu com o que lhe estava determinado no nº 2 do artigo 607º do Código de Processo Civil, o que constitui uma nulidade nos termos do artigo 195º do mesmo diploma legal.
- Por violação dos artigos 607º e 154ºdo Código de Processo Civil, ocorrendo nulidade da sentença, nos termos do nº 1, alínea b) e c) do Artigo 615º, do Código de Processo Civil.
- No julgamento, quanto à decisão de facto devendo, como defende a recorrente, serem eliminados os factos 1, 2, 10, 11, 12 e 13 dos factos provados; aditados os artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 da contestação aos factos provados; alterados os factos 3 e 7 dos factos provados; e dados como provados os factos 1, 2 e 3 dados na sentença como não provados;
- Porque não fez uma adequada interpretação do artigo 241º do Código do Trabalho, devendo em consequência ser declarada procedente e provada a Reconvenção deduzida pela Ré/Recorrente e ser operada a compensação entre o crédito que esta detém sobre o crédito da Autora/Recorrida.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A 1ª instância, após a discussão da causa, considerou: “os factos que resultaram provados, são os seguintes:
1- Em 01 de Agosto do ano de 2012, a Autora celebrou com a Ré, à data dos factos denominada A..., SA., um Contrato de Trabalho por tempo indeterminado, que teve o seu início a 01/10/2012 – cfr. doc. nº1, que se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. (Eliminada, expressão sublinhada) – Aditando-se o seguinte:





2 - A A..., SA., era a entidade que detinha e geria o Hospital de ..., em regime de parceria público-privada. Finda a parceria público-privada, e com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 75/2019, de 30 de Maio, foi constituído o Hospital de ..., E.P.E, que sucedeu na universalidade de bens, direitos e obrigações que reverteriam, em 31 de Agosto de 2019, para a ARS Norte, I. P., com a extinção, na parte respeitante ao estabelecimento hospitalar, do Contrato de Gestão do Hospital de ... (Contrato de Gestão), celebrado ao abrigo do regime de parceria público-privada, entre o Estado Português, representado pela ARS Norte, I. P., e a A..., S.A. (A...).
3 - Pelo contrato celebrado, comprometeu-se a Autora, mediante as ordens, instruções e fiscalização da Ré, a prestar funções inerentes à categoria profissional de Assistente Hospitalar.
4 - Em contrapartida pelas funções que convencionalmente cumpriu ao serviço da Ré, até ao dia 30 de Novembro do ano de 2022, a Autora auferia um montante base ilíquido de € 3.248,27 (três mil, duzentos e quarenta e oito euros e vinte e sete cêntimos), correspondente à primeira posição remuneratória da categoria de Assistente Graduado da carreira médica.
5 - À relação jurídico-laboral entre a Autora e Ré aplica-se o Acordo Coletivo de Trabalho, celebrado entre o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE, e outros, e a Federação Nacional dos Médicos - FNAM e o Sindicato Independente dos Médicos, publicado em Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 41, de 8 de Novembro de 2009, e sucessivas alterações.
6 - A Autora é associada no Sindicato dos Médicos do Norte, instituição que integra a Federação Nacional dos Médicos.
7 - A 27 de Setembro de 2022, a Autora remeteu, ao cuidado do Departamento de Recursos Humanos da Ré, a carta de denúncia de contrato de trabalho, a Ré não concedeu o gozo dos dias de férias respeitantes ao ano de 2022, informando a trabalhadora que os créditos retributivos seriam liquidados no período máximo de 60 (sessenta) dias, o que não veio a suceder.
8 - O R. não pagou à A. a quantia referente aos proporcionais de retribuição de férias, correspondentes a 11 meses de trabalho prestado no ano de 2023, no montante de € 2.977.58 (dois mil, novecentos e setenta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos). E a que se refere aos proporcionais de subsídio de férias, correspondentes a 11 meses de trabalho prestado no ano de 2023, no valor de € 2.977.58 (dois mil, novecentos e setenta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos).
9 - Em Novembro de 2022, o Réu pagou à Autora as quantias retributivas referentes e/ou devidas nesse mês, no montante de € 6.079,54 (seis mil e setenta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos) ilíquidos – cfr. doc. nº 2 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
10 - A problemática associada às horas negativas foi identificada pelos trabalhadores ao serviço da Ré, pelo menos, desde o ano de 2019, tendo-se agravado com a transição do programa informático “Sisqual” para o “RISIH”.
11 - Apesar dos trabalhadores médicos terem recebido a garantia, por parte da Ré, de que esta questão seria solucionada, em abono da verdade se diga qua tal compromisso nunca foi cumprido.
12 - As discrepâncias do saldo horário decorrem de diversos factores, nomeadamente da omissão no horário de trabalho das horas prestadas pelos trabalhadores médicos em regime de prevenção, da variabilidade das horas praticadas face às previstas no horário de trabalho, das dispensas para amamentação, bem como da não contabilização das horas em horários não parametrizados.
13 - O trabalho prestado fora do horário normal de trabalho não é devidamente contabilizado, em termos positivos, para esse saldo. Tal situação conduziu a que todos os elementos do Serviço de Nefrologia, da qual a Autora fazia parte, cumulassem, alegadamente, centenas de horas negativas.
14 - A A. gozou as férias vencidas em 01/01/2022 decorrentes do trabalho prestado em 2021.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevo para a decisão de mérito a proferir, os factos que se consideram como não provados, são os seguintes:
1 - A Autora desde o ano de 2018 a 2022 não cumpria frequentemente a carga horária do turno para a qual estava escalada, ou seja, a Autora não realizava ou realizava apenas parcialmente os turnos para os quais estava escalada.
2 - A A..., S.A. por acordo com os/as médicos/as, quando estes não cumpriam numa semana ou mês as horas normais de trabalho a que estavam obrigados permitia que tais horas fossem compensadas posteriormente na semana ou semanas seguintes. Procedimento que foi secundado pelo Réu quando passou a gerir o Hospital de ... às 00horas do dia 1 de setembro de 2019, em conformidade com o interesse dos/as médicos/as e desde que o permitisse a organização e necessidade dos Serviços.
3 - A Autora desde agosto de 2018 a novembro de 2022 acumulou 476,4 (quatrocentas e setenta e seis vírgula quatro) horas negativas de trabalho, por não ter cumprido as estipuladas 40 horas normais de trabalho semanal.”.
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Previamente, importa dizer:
- Conforme supra indicado, procedemos, nesta sede à numeração da matéria de facto, respetivamente, dando aos factos provados os números 1 a 14 e aos factos não provados os números 1 a 3, para melhor identificação das questões a apreciar; e
- Porque os documentos não são factos mas, eventualmente, meios de prova procedemos à eliminação no facto provado nº 1, da expressão sublinhada e ao aditamento do teor do contrato de trabalho relativo ao presente litígio.
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B) O DIREITO
- Da nulidade da sentença
Quanto a esta questão, começa a recorrente por concluir em N e O, da sua alegação que, “No despacho saneador “ao abrigo do preceituado no art. 49º nº 3 do C.P.T. o Tribunal” absteve-se “de elaborar temas da prova, dada a manifesta simplicidade das questões aqui a apreciar”. Na sentença recorrida o Tribunal não cumpriu com o que lhe estava determinado no nº 2 do artigo 607º do Código de Processo Civil, não se encontrando identificado o objeto do litígio, nem enunciadas as questões que lhe cumpria solucionar, o que constitui uma nulidade nos termos do artigo 195º do mesmo diploma legal.”, argumentando naquela, em síntese, o seguinte: “Conforme já referido no número 13 anterior, no dia em 15 de março de 2024, foi proferido despacho saneador, no qual “ao abrigo do preceituado no art. 49º nº 3 do C.P.T. o Tribunal” absteve-se “de elaborar temas da prova, dada a manifesta simplicidade das questões aqui a apreciar”.
24 - Estabelece o artigo 49º do C.P.T.: “(…).
25 - Porém, estabelece o Artigo 607º do Código de Processo Civil, nos seus nºs 2, 3, 4 e 5º, respetivamente: “(…).
26 – Resulta desta norma que, o tribunal deve enunciar as questões que lhe cumpre decidir, seguindo-se a fundamentação da sentença que tem uma dupla função: análise de facto e de direito do objeto em litígio. 27 - Ora, da sentença resulta claramente que o Tribunal não cumpriu com o que lhe estava determinado no nº 2 do artigo 607º do Código de Processo Civil, porquanto na sentença proferida não se encontra identificado o objeto do litígio, nem enunciadas as questões que lhe cumpriam solucionar. 28 – Em conformidade com as normas citadas do Artigo 607º, nºs 2, 3, 4 e 5 do Código de Processo Civil, só após terem sido fixadas as questões a decidir pelo/a Senhor/a Juiz/a da causa pode ser, por este/a, determinada a matéria de facto provada e não provada com relevância para o caso, cabendo, então submete-la a tratamento jurídico adequado, identificando as normas de direito aplicáveis, interpretando-as e determinando os respetivos efeitos jurídicos. 29 - As omissões da sentença inquinam toda a fundamentação jurídica exposta na sentença, fazendo a Meritíssima Juiza uma errónea interpretação e aplicação das normas legais, tendo como consequência uma decisão injusta e ilegal.
30 – Esta omissão - do objeto do litígio e enunciação das questões que lhe cumpriam solucionar - constitui uma nulidade nos termos do artigo 195º do mesmo CPC. 31 - O que se invoca nos termos e para os devidos efeitos legais.”.
Que dizer?
Se bem o entendemos, pese embora, a referência que faz ao despacho saneador, ao contrário, do que diz a recorrida, a recorrente, não veio insurgir-se quanto ao decidido em sede de saneador, o que a acontecer, aí sim, com razão a recorrida, seria extemporâneo. Mas, o que se verifica é que, a recorrente invoca a nulidade da sentença por, alegadamente, omissão - do objeto do litígio e enunciação das questões que lhe cumpriam solucionar, o que em seu entender, constitui uma nulidade nos termos do art. 195º do CPC (Código de Processo Civil, diploma a que pertencerão os demais artigos, a seguir citados, sem outra indicação de origem).
Ora, sempre com o devido respeito, como bem o defende a recorrida e considerou a Mª Juíza “a quo”, nos termos em que se pronunciou sobre a invocada nulidade, a alegada omissão, não constitui, qualquer nulidade da sentença, uma vez que, como decorre do disposto no art. 615º, nº 1, al. d), a nulidade daquela, por omissão de pronúncia, apenas ocorre quando o julgador deixe de se pronunciar sobre alguma questão que deveria ter sido considerada, seja por ter sido colocada pelas partes ou por ser do seu conhecimento oficioso, o que não é o caso, nem constitui nulidade nos termos do art. 195º, atento o seu nº1, que dispõe «1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa induzir no exame ou na decisão da causa.».
Improcedem, assim, as conclusões N e O.
Continuemos, então, analisando a invocada nulidade da sentença, nos termos das al.s b) e c) do nº1 do art. 615º, arguidas pela recorrente, conforme conclui de P a S da sua alegação, dizendo o seguinte, “ - O Tribunal “a quo” na sentença não apreciou como deveria ter apreciado todas as questões que lhe foram submetidas pela Ré/Recorrente, não fundamentando, como prescreve o Artigo 154º, nº 1 do Código de Processo Civil e Artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, de modo que os destinatários das decisões as possam analisar criticamente, nomeadamente para efeitos de impugnação, quando seja admissível o recurso. – A sentença proferida, constituiu para a Ré uma verdadeira surpresa, perante a omissão do objeto do litígio; enunciação das questões que cumpriam solucionar e a falta de pronuncia sobre questões que foram colocadas, daí resultando uma decisão injusta.
R - A violação dos artigos 607º e 154ºdo Código de Processo Civil é geradora de nulidade da sentença, nos termos do nº 1, alínea b) e c) do Artigo 615º, do Código de Processo Civil.”.
Em sede de alegações, a respeito destas, argumenta que, “uma fundamentação deficiente e equívoca, como acontece no caso vertente, como melhor se verá, equivale à falta de fundamentação, porque a decisão não é, nem pode ser, um ato arbitrário, mas a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, as partes necessitam de saber a razão ou razões do decaimento nas suas pretensões, designadamente para ajuizarem da viabilidade da utilização dos meios de impugnação legalmente previstos. 36 - A sentença proferida, constituiu para a Ré uma verdadeira surpresa, perante a omissão do objeto do litígio; enunciação das questões que cumpriam solucionar e a falta de pronuncia sobre questões que foram colocadas, daí resultando uma decisão injusta. 37 – A consequência do vício da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito alicerçantes da decisão é a nulidade 38 – Assim, a violação dos artigos 607º e 154ºdo Código de Processo Civil é geradora de nulidade da sentença, nos termos do nº 1, alínea b) e c) do Artigo 615º, do Código de Processo Civil” e prossegue, “39 – Ora, o Tribunal “a quo” decidiu, também, em sede de sentença, em dar como provado factos e a dar como não provados factos, sem ter previamente indicado e identificado o objeto do litigio e indicar todas as questões a que foi submetido para apreciação. 40 – Assim sendo, para a decisão que foi proferida, o tribunal “a quo” não apreciou como deveria ter apreciado, a versão apresentada pela Ré. 41 - Tendo o “Tribunal a quo” apenas considerado como questões a decidir os pedidos formulados pelos Autores. 42 – Está igualmente a sentença ferida de nulidade.”.
Que seja desse modo, discorda a recorrida, concluindo o seguinte: “12. No presente caso, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre todas as questões relevantes à boa decisão da causa, considerando tanto os argumentos apresentados quanto as provas produzidas nos autos, pelo que os argumentos da Recorrente têm de improceder, e a decisão recorrida deve ser mantida na íntegra.
13. No que diz respeito à alegada falta de fundamentação da decisão recorrida, a Recorrente entende existir “falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito alicerçastes da decisão”, mas não clarifica quais os factos provados ou não provados que não foram devidamente fundamentados, referindo somente que “uma fundamentação deficiente e equivoca, como acontece no caso vertente, equivale à falta de fundamentação porque a decisão não é, nem pode ser, um ato arbitrário, mas a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, as partes necessitam de saber a razão ou razões do decaimento nas suas pretensões, designadamente para ajuizarem da viabilidade da utilização dos meios de impugnação legalmente previstos”.
14. A falta de fundamentação, porque origina a nulidade de toda a sentença, é um vício cujo preenchimento é apertado e reservado para casos egrégios em que a fundamentação seja deveras e absolutamente inexistente.
15. A este propósito, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-06-2016, processo 781/11.6TBMTJ.L1.S1: “[…]II - Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.[…]
16. Coisa diferente da falta de fundamentação – que consiste na ausência, absoluta, dos elementos de facto e/ou de Direito em que se baseia a sentença – é a deficiência da mesma, podendo considerar-se que a fundamentação é mais ou menos completa. 17. Porém, tal não resulta na falta de fundamentação e consequente nulidade.
(…).
22. A fundamentação existe (e é suficiente, diga-se); se a recorrente dela discorda, isso é questão diversa, mas não significa a falta de fundamentação da sentença.
23. Não há dúvidas de que o Tribunal a quo apresentou de forma clara os fundamentos que embasaram a sua decisão, em particular, a prova documental e testemunhal. A sentença também expõe as razões de Direito que sustentam a decisão, o que contraria a alegação da Recorrente de falta de fundamentação.
24. Portanto, a sentença não padece de qualquer falta de fundamentação e, por isso, não se pode aplicar a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, devendo improceder a arguição de nulidade por falta de fundamentação invocada pela Recorrente.
25. Ademais, a Recorrente argumenta ainda que a sentença se encontra ferida de nulidade por não ter o Tribunal recorrido apreciado, de forma adequada, a versão dos factos por si apresentada, sustentando que a decisão foi proferida em contradição com a prova documental e testemunhal produzida nos autos.
26. Contudo, na realidade, o que a Recorrente verdadeiramente pretendia era que o Tribunal a quo tivesse acolhido o seu entendimento e os argumentos por si apresentados. Como tal não ocorreu, a Recorrente alega agora a nulidade da sentença, afirmando que a Meritíssima Juíza apenas considerou os pedidos dos Autores e não avaliou adequadamente a sua versão. No entanto, trata-se de um argumento parco e falível, porquanto desprovido de qualquer razão atendível.”.
A Mª Juíza “a quo”, também, se pronunciou no sentido da inexistência de qualquer nulidade da sentença recorrida.
Vejamos.
Decorre das alegações e conclusões que a apelante defende que a decisão recorrida sofre das nulidades expressas nas al.s b), c) do nº 1, do art. 615º.
Mas, novamente, sem razão.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do referido art. 615º.
Nele se dispõe que, é nula a sentença quando: “a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”.
Em anotação ao art. 668º do CPC de 1961, que corresponde ao actual art. 615º, refere (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 23ª ed., pág. 948), que “os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.”.
Como ensinam, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Revista e Actualizada, 1985, pág. 686), as causas de nulidade constantes do elenco do nº1, do art. 615º, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.
Ora, regressando ao caso, só podemos reiterar o que já dissemos, que, não se descortina o cometimento de qualquer vício, susceptível de configurar qualquer nulidade da sentença, em especial, as que aludem as al.s b) e c) do nº 1, do art. 615º que a recorrente invoca.
Senão, vejamos.
Segundo o disposto no já referido nº1, al. b) do art. 615º, a sentença é nula quando, “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
No entanto, sendo sabido que, só a falta absoluta de fundamentação, de facto ou de direito, determina a nulidade da decisão, necessariamente, só podemos concluir não ser o caso. Aliás, a própria recorrente diz que, no caso, acontece “uma fundamentação deficiente e equívoca”.
O bastante, para podermos concluir pela inexistência da invocada nulidade.
No entanto, diremos, que não concordamos sequer que aconteça, a alegada deficiente e equívoca fundamentação.
Como bem diz a recorrida e melhor não diríamos, “18. No caso concreto, não se vislumbra qualquer falta de fundamentação da sentença recorrida, pois o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção de facto nos documentos juntos aos autos, assim como nos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento e nas declarações de parte da Contra-Alegante.
19. Consta da decisão recorrida que, relativamente à prova documental junta aos autos, o entendimento do Douto Tribunal a quo se baseou “nos documentos juntos aos autos pela aqui demandante e que se encontram indicados na factualidade acima dada como assente, bem como nos documentos que acompanham o articulado de resposta à contestação”.
20. A sentença recorrida esclarece também a razão pelo qual o Tribunal a quo não fundou a sua convicção “quanto ao número de horas não prestadas pela A.” nos documentos apresentados pela Recorrente, salientando o facto do sistema ter revelado “falhas no registo de horas de entradas e de saídas”, assim como o facto de se desconhecer “se o mesmo corresponde efectivamente à realidade, quando é certo que nos documentos que o R. apresentou constam as menções ali consignadas pela demandante de que o mesmo não correspondia aos registos que a própria havia efectuado, nem daqueles documentos constam as circunstâncias justificativas da sua ausência ou outras compensações efectuadas pela mesma. Este registo, mostra-se, deste modo, salvo melhor opinião, insuficiente para que o Tribunal possa contabilizar o incumprimento pela A. do seu horário de trabalho, atentas todas as variáveis que devem ser apreciadas (como a presença para além do seu horário, a disponibilidade dada no serviço de urgência e outros factores como a ausência por doença ou por necessidade de isolamento decorrente da pandemia de Covid-19)”.
21. Efetivamente, consta também da decisão colocada em crise pela Recorrente que foram considerados “os depoimentos das seguintes testemunhas:
- Rui Costa, (…), acrescentando que a questão referente à existência de horas negativas era comum a todos os médicos deste serviço, confirmando a existência dum erro no software do departamento de recursos humanos que regista os tempos de trabalho e que não contabilizava as horas de prevenção, atendendo ao trabalho suplementar prestado como “horas positivas”;
- BB, (…) disse que o respectivo acerto só é efectuado quando o mesmo cessa o seu vínculo laboral como o demandado; quando se trata de trabalho extraordinário prestado pelo médico, o mesmo depende de ser assim caracterizado pelo director de serviço, caso contrário é classificado de “horas positivas”, sendo aquele quem estipula os horários de trabalho dos médicos em cada serviço e depois os comunica aos recursos humanos; disse ainda que os médicos podem acrescentar comentários nos seus registos nas denominadas “ocorrências” e que tendo sido detectado um erro na contabilização das horas de prevenção, estas foram contadas como correspondendo a metade do saldo horário.
- Em sede de declarações de parte, a aqui A. afirmou que fez sempre o registo da sua hora de entrada e de saída, mas que todos os médicos apresentavam um saldo de horas negativas; disse ainda que os horários era fixados pelo director de serviço mas que eram alterados conforme as necessidades, pelo que não correspondem ao que resulta do sistema informático; acrescentou que teve uma primeira reunião com os recursos humanos em 2015 a propósito deste registo de horas negativas, mas que o mesmo nunca se reflectiu no pagamento dos seus vencimentos e foram-se acumulando; quanto ao trabalho de prevenção, em que estão disponíveis caso sejam chamados, afirmou a depoente que apenas contabilizavam metade desse tempo de trabalho, que eram descontadas nas horas negativas, não sendo remuneradas, nem nunca tendo auferido qualquer valor a título de trabalho suplementar, nem tinham direito a qualquer descanso compensatório. [sublinhado nosso]”.
22. A fundamentação existe (e é suficiente, diga-se); se a recorrente dela discorda, isso é questão diversa, mas não significa a falta de fundamentação da sentença.
23. Não há dúvidas de que o Tribunal a quo apresentou de forma clara os fundamentos que embasaram a sua decisão, em particular, a prova documental e testemunhal. A sentença também expõe as razões de Direito que sustentam a decisão, o que contraria a alegação da Recorrente de falta de fundamentação.
24. Portanto, a sentença não padece de qualquer falta de fundamentação e, por isso, não se pode aplicar a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, devendo improceder a arguição de nulidade por falta de fundamentação invocada pela Recorrente.”.(Fim de citação).
E, de modo algum, também, se verifica a nulidade a que alude a al. c) daquele nº1, do referido art. 615º, nos termos da qual, a sentença é nula quando, “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Ora, quando ali se fala, em oposição entre os fundamentos e a decisão, isso significa que os fundamentos “de facto” correspondem a decisão diferente daquela a que chegou o Tribunal.
Mas, no caso não é isso que ocorre, posto que a apelante se insurge quanto à apreciação que o Tribunal “a quo” fez, dizendo que, “o Tribunal “a quo” na sentença não apreciou como deveria ter apreciado todas as questões que lhe foram submetidas pela Ré/Recorrente, não fundamentando, como prescreve o Artigo 154º, nº 1 do Código de Processo Civil e Artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, de modo que os destinatários das decisões as possam analisar criticamente, nomeadamente para efeitos de impugnação, quando seja admissível o recurso” e que, “O Tribunal “a quo” não apreciou como deveria ter apreciado, a versão apresentada pela Ré/Recorrente, apenas considerado como questões a decidir os pedidos formulados pela Autora/Recorrida, o que fere a sentença de nulidade” e ainda que, “A sentença proferida, constituiu para a Ré uma verdadeira surpresa, perante a omissão do objeto do litígio; enunciação das questões que cumpriam solucionar e a falta de pronuncia sobre questões que foram colocadas, daí resultando uma decisão injusta”.
O que, salvaguardando sempre o devido respeito, não se trata de nulidade da sentença, nos termos invocados, mas, eventualmente, erro de julgamento relativamente à matéria de facto e subsequente enquadramento jurídico, da mesma, o que deverá ser apreciado mais à frente.
Se a apelante não concorda com essa apreciação, (como parece acontecer), naturalmente, só tem um caminho a seguir (e que, a mesma seguiu): impugnar a decisão quanto à matéria de facto, posto que a “deficiente” apreciação dos meios de prova não se traduz em nulidade da sentença, como já referido.
Improcede, assim, também este segmento da arguida nulidade da sentença, enunciada na al. c) do nº1, do referido art. 615º. invocada.
Mais, uma vez, importa lembrar que, ao contrário do que parece fazer crer a apelante, o eventual erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário, não se incluem nas causas de nulidade elencadas, naquele dispositivo.
Deste modo e analisando a sentença, quer no que respeita à fundamentação de facto quer de direito, o que se verifica é que, inexistem as arguidas nulidades já que a sentença, como se verifica, não é totalmente omissa quanto aos fundamentos de facto e de direito, nem se verifica qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.
Em suma, só podemos concluir, atentos os argumentos invocados pela recorrente para sustentar a arguida nulidade da sentença, ser notório, que tal não se verifica, denotando que existe por parte da mesma nítida confusão quanto aos alegados vícios que imputa à sentença recorrida defendendo, por isso, que deve ser declarada nula e, eventual, existência de erro de julgamento de que, a mesma possa padecer que, não é gerador da nulidade daquela, nos termos expressamente previstos nas diversas al.s do nº 1, do referido art. 615º, em concreto, na al. b), conforme o que se lê, no sumário do (Ac. desta Relação, de 24.09.2020, Proc. nº 173/20.6YRPRT), “- A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607.º, nº 3 do CPCivil que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, razão pela qual só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º”, e de modo algum a referida na al. c), já que esta, como se refere no (Ac. do STJ, de 26.01.2006, Proc. 05B2742), “só se verifica quando, no processo lógico, há um vício real no raciocínio do julgador, na medida em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente; não ocorre, por isso, mesmo nos casos de erro de julgamento, quando a decisão assenta num discurso lógico irrepreensível, limitando-se a decidir no exacto sentido preconizado pela respectiva fundamentação sem qualquer quebra ou desvio de raciocínio que permita detectar a existência de visível contradição entre as premissas e a conclusão.”.
Ou seja, em nosso entender, como já dissemos, não invoca a recorrente quaisquer argumentos susceptíveis de se enquadrarem nos referidos vícios.
E, como dissemos, da análise da sentença verifica-se que estão especificados os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão e tais fundamentos não estão em contradição com a decisão proferida.
O alegado pela recorrente mais não seria que um, eventual, erro de julgamento e errada apreciação das provas produzidas, com o consequente erro na decisão da matéria de facto, o que a acontecer poderia configurar erro de julgamento, mas, jamais nulidade da sentença, nos termos dos dispositivos invocados pela mesma.
Não há dúvidas que, o Tribunal “a quo” na fundamentação da sentença tomou em consideração os factos provados, procedeu à subsunção dos mesmos ao direito e explicou as razões que levaram à decisão, nos termos em que o foi.
Donde só podemos concluir que a sentença, se mostra fundamentada de facto e de direito, não se verificando que tenha sido cometida qualquer violação ou nulidade por os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, nomeadamente, de modo a violar o disposto no art. 615º nº 1, al.s b) e c) que a recorrente invoca.
Improcede, assim, este segmento da apelação.
*
- Da impugnação da matéria de facto
Sob a consideração, que invoca nas suas conclusões e alegações de que, “no processo constava prova bastante para que factos dados como provados fossem dados como não provados e os factos dados como provados fossem dado como provados”, procede a recorrente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, concretizando que, “Perante a prova (documental e testemunhal) produzida nos autos, não poderiam ter sido dado como provados os factos dados como provados sob os números 1, 2, 10, 11, 12 e 13 da sentença recorrida, que o Tribunal “a quo”, deveria ter aditado aos factos provados os artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 da contestação e os factos dados como não provados deveriam ter sido dados como provados.
Vejamos.
Dispõe o nº 1 do art. 662º que: “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
Nas palavas de (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 221 e 222) “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância”.
No entanto, como continua o mesmo autor (págs. 235 e 236), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.”.
Esta questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem” pressupõe o cumprimento de determinados ónus por parte do recorrente, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando, neste novo regime, os ónus de alegação impostos ao recorrente, impondo-se que especifique, em concreto, os pontos de facto que impugna e os meios probatórios que considera impunham decisão diversa quanto àqueles e deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Ou seja, tendo em conta os normativos supra citados, haverá que concluir que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, já que só assim, como se refere no (Ac. STJ de 24.09.2013 in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontram disponíveis os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação)) poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão do Tribunal “a quo”, exigindo-se à parte que pretenda usar daquela faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que, efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente, apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção - não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, face ao princípio da livre apreciação da prova que impera no processo civil, art. 607º, nº 5 do CPC, cfr. (Ac. STJ de 28.05.2009).
Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Sendo que, como bem se refere, no (Ac. desta Secção, de 18.03.2024, Proc. nº 7583/21.0T8PRT.P1, relatado pelo, Desembargador António Luís Carvalhão e subscrito pela, agora, relatora), nas situações de impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. É que, a reapreciação por parte do Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).
Pois e acrescendo, como bem diz, novamente, (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac. do STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “… Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. …”. E, do mesmo Tribunal no (Ac. de 07.07.2016) observa-se o seguinte: “… para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”.
Neste mesmo sentido, lê-se no (Ac. desta Relação de 15.04.2013, relatora a, agora, Conselheira, Paula Leal de Carvalho) que, “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”, (sublinhado nosso).
E também, no (Ac. de 23.11.2020, Proc. nº 6107/18.0T8MTS.P1, igualmente, relatado pela, agora, Conselheira, Paula Leal de Carvalho), onde se refere que, na indicação dos meios probatórios (sejam eles documentais ou pessoais) que sustentariam diferente decisão (art.º 640º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil), deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto.
Em suma, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo aquela expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal “a quo”, salientando-se que, como decorre do (Ac. do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17.10.2023, publicado no DR, Iª série, de 14.11) quanto à «decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas», aquele Tribunal uniformizou jurisprudência no sentido de que basta que a parte recorrente o faça nas alegações, desde que essa decisão alternativa propugnada resulte de forma inequívoca das alegações.
Relembremos, apenas, como é sabido e já referido, que o incumprimento do ónus de alegação na impugnação da matéria de facto acarreta, sem mais, a rejeição do recurso, não sendo admissível o aperfeiçoamento da alegação, em caso de deficiência ou irregularidade, diferentemente do que sucede noutro âmbito do recurso (art. 639º, nº 3). Ou seja, incumprindo a recorrente o ónus de impugnação previsto no referido art. 640º, nº 1, desde logo, não indicando os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, terá o seu recurso que ser rejeitado, uma vez que no recurso relativo à matéria de facto não se admite despacho de aperfeiçoamento.
No que respeita ao que tem sido o entendimento da jurisprudência, a este propósito, veja-se entre outros o que se sumariou no, (Ac. do STJ de 02.02.2022, Proc. nº 1786/17.9T8PVZ.P1.S1) onde se lê: “I - Os ónus primários previstos nas als. a), b) e c) do art. 640.º do CPC são indispensáveis à reapreciação pela Relação da impugnação da decisão da matéria de facto.
II - O incumprimento de qualquer um desses ónus implica a imediata rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões” e, também, o (Ac. do STJ de 14.02.2023, Proc. 1680/19.9T8BGC.G1.S1, ambos in www.dgsi.pt), em cujo sumário se lê o seguinte: “I - Em termos gerais, pode afirmar-se que, na sua jurisprudência o STJ tem seguido, essencialmente, um critério de proporcionalidade e da razoabilidade, entendendo que os ónus enunciados no art. 640.º do CPC pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objeto do recurso.
II - O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida.
III - No recurso sobre a matéria de facto se as conclusões forem deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não contemple o estatuído no art. 640.º, o relator não tem o dever de convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, na parte afetada.
IV - Ou seja, quando o recurso da matéria de facto se apresenta deficiente, sem dar cumprimento ao disposto no art. 640.º do CPC, não há lugar a despacho de convite ao aperfeiçoamento.”.
Transpondo o regime exposto para o caso, verifica-se que houve gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante impugna a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos que tendo sido considerados provados e não provados, em seu entender, a Mª Juíza “a quo” julgou erradamente e a resposta que considera deverá ser dada aos mesmos, atentas as provas que indica, que considera cruciais e em que funda o recurso.
Passemos, então, à requerida reapreciação da factualidade impugnada, lembrando, ainda, o entendimento, (veja-se a propósito, António Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 286), que este Tribunal da Relação, tendo presente o disposto no art. 662º, na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art. 607º, nº 5), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Analisemos, então.
Começando por ver como a Mª Juíza “a quo” fundamentou a sua convicção, nomeadamente, quanto aos pontos impugnados, transcrevendo, em síntese, o seguinte: “O Tribunal baseou a sua convicção nos documentos juntos aos autos pela aqui demandante e que se encontram indicados na factualidade acima dada como assente, bem como nos documentos que acompanham o articulado de resposta à contestação. Já no que se refere aos documentos apresentados pelo aqui demandado, os mesmos não podem, em nosso entender, determinar a convicção do Tribunal quanto ao número de horas não prestadas pela A., quer porque o sistema revelou falhas no registo de horas de entradas e de saídas, como se desconhece se o mesmo corresponde efectivamente à realidade, quando é certo que nos documentos que o R. apresentou constam as menções ali consignadas pela demandante de que o mesmo não correspondia aos registos que a própria havia efectuado, nem daqueles documentos constam as circunstâncias justificativas da sua ausência ou outras compensações efectuadas pela mesma. Este registo, mostra-se, deste modo, salvo melhor opinião, insuficiente para que o Tribunal possa contabilizar o incumprimento pela A. do seu horário de trabalho, atentas todas as variáveis que devem ser apreciadas (como a presença para além do seu horário, a disponibilidade dada no serviço de urgência e outros factores como a ausência por doença ou por necessidade de isolamento decorrente da pandemia de Covid-19).
No mais, consideraram-se os depoimentos das seguintes testemunhas:
- Rui Costa, disse ser médico conhecendo a aqui demandante, como sua colega, desde 2015 e afirmou que desde Dezembro de 2022 exerce funções como director de serviço interino de Nefrologia, acrescentando que a questão referente à existência de horas negativas era comum a todos os médicos deste serviço, confirmando a existência dum erro no software do departamento de recursos humanos que regista os tempos de trabalho e que não contabilizava as horas de prevenção, atendendo ao trabalho suplementar prestado como “horas positivas”;
- BB, disse ser coordenadora técnica no departamento de recursos humanos do R., onde exerce funções desde 2012 e afirmou que após a denúncia do contrato de trabalho apresentado pela A. foi efectuada uma compensação com as suas “horas negativas”, sendo as mesma, no total de 474 horas; disse ainda que utilizam uma plataforma de gestão dos horários cumpridos e contabilizam as horas a mais e a menos de cada profissional, sendo que o respectivo acerto só é efectuado quando o mesmo cessa o seu vínculo laboral como o demandado; quando se trata de trabalho extraordinário prestado pelo médico, o mesmo depende de ser assim caracterizado pelo director de serviço, caso contrário é classificado de “horas positivas”, sendo aquele quem estipula os horários de trabalho dos médicos em cada serviço e depois os comunica aos recursos humanos; disse ainda que os médicos podem acrescentar comentários nos seus registos nas denominadas “ocorrências” e que tendo sido detectado um erro na contabilização das horas de prevenção, estas foram contadas como correspondendo a metade do saldo horário.
Em sede de declarações de parte, a aqui A. afirmou que fez sempre o registo da sua hora de entrada e de saída, mas que todos os médicos apresentavam um saldo de horas negativas; disse ainda que os horários era fixados pelo director de serviço mas que eram alterados conforme as necessidades, pelo que não correspondem ao que resulta do sistema informático; acrescentou que teve uma primeira reunião com os recursos humanos em 2015 a propósito deste registo de horas negativas, mas que o mesmo nunca se reflectiu no pagamento dos seus vencimentos e foram-se acumulando; quanto ao trabalho de prevenção, em que estão disponíveis caso sejam chamados, afirmou a depoente que apenas contabilizavam metade desse tempo de trabalho, que eram descontadas nas horas negativas, não sendo remuneradas, nem nunca tendo auferido qualquer valor a título de trabalho suplementar, nem tinham direito a qualquer descanso compensatório.”. (sublinhado nosso)
Vejamos, então.
Comecemos pelos factos impugnados dados como provados que a recorrente, alega, perante a prova (documental e testemunhal) produzida nos autos não o poderiam ter sido.
- Factos 10, 11, 12 e 13, têm o seguinte teor:
10 - A problemática associada às horas negativas foi identificada pelos trabalhadores ao serviço da Ré, pelo menos, desde o ano de 2019, tendo-se agravado com a transição do programa informático “Sisqual” para o “RISIH”.
11 - Apesar dos trabalhadores médicos terem recebido a garantia, por parte da Ré, de que esta questão seria solucionada, em abono da verdade se diga qua tal compromisso nunca foi cumprido.
12 - As discrepâncias do saldo horário decorrem de diversos factores, nomeadamente da omissão no horário de trabalho das horas prestadas pelos trabalhadores médicos em regime de prevenção, da variabilidade das horas praticadas face às previstas no horário de trabalho, das dispensas para amamentação, bem como da não contabilização das horas em horários não parametrizados.
13 - O trabalho prestado fora do horário normal de trabalho não é devidamente contabilizado, em termos positivos, para esse saldo. Tal situação conduziu a que todos os elementos do Serviço de Nefrologia, da qual a Autora fazia parte, cumulassem, alegadamente, centenas de horas negativas.”.
Passando à apreciação destes, diremos desde já que, a impugnação deduzida quanto a eles, não pode de todo proceder, dado que a recorrente pretende que sejam eles eliminados do elenco dos factos provados, sob a alegação, que não subscrevemos, de que, “O tribunal “a quo”, não analisou objetiva e criteriosamente a prova produzida, não podendo tais factos, dados como provados, resultar somente das declarações prestadas pela Autora” e que, “o tribunal analisou incorretamente a prova produzida nos autos e não aplicou corretamente as normas legais aplicáveis ao presente caso”, terminando com a consideração de que, “Analisada toda a prova produzida nos autos, documental e testemunhal e aplicada corretamente a lei, só podia e deveria o tribunal ter considerado procedente a compensação deduzida pela Ré, agora Recorrente, através da reconvenção.”.
Desta discorda a recorrida, como bem refere na sua resposta àquelas alegações, procedendo à transcrição de trechos dos depoimentos das testemunhas que, alegadamente, demonstram o seu entendimento.
Que dizer?
Analisando, quanto a estes concretos factos, o que se verifica é que, pese embora, a recorrente observar cabalmente os ónus que recaem sobre quem impugna a decisão da matéria de facto, impondo-se, portando, o reexame dos pontos de facto impugnados, o certo é que se verifica que, a mesma, omite a consideração tecida pelo Tribunal “a quo”, quanto a todos os elementos de prova produzidos nos autos que, globalmente, analisados, firmaram a sua convicção, conforme decorre da motivação supra transcrita.
E, após análise dos depoimentos colhidos na audiência final, o que constatamos é que a sentença recorrida, sintetizou os aspetos relevantes da prova oral, não se vislumbrando novos elementos a acrescentar à motivação apresentada pela Mª Juíza “a quo” e verifica-se, como dissemos, ao contrário do que pretende fazer crer a recorrente que, a mesma fundamentou a sua convicção, em concreto, quanto aos factos 10, 11, 12 e 13, tendo em conta a análise e valorização que efectuou de todos os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela recorrente e recorrida e valorou devidamente os documentos juntos aos autos, nomeadamente, o contrato de trabalho junto com a petição inicial e o doc. nº 2, junto com a contestação, não tendo por base, apenas, as declarações de parte da A./recorrida que, diga-se, em nossa convicção, após a audição que efectuámos, quer dos depoimentos das testemunhas CC e BB, quer da análise daqueles referidos documentos, não só corroboraram aquelas declarações, como foram corroboradas por elas, não se vislumbrando no modo como foram prestadas, qualquer animosidade, como diz a recorrente, nem em concreto, como alega, quanto ao Director de serviço, de modo a afectar a sua credibilidade, ao contrário do que, parece querer sugerir a recorrente.
Aqui chegados e a propósito, não é despiciendo deixar uma nota a propósito das declarações de parte, referindo o nosso entendimento sobre este meio de prova, fazendo-o através da citação da fundamentação dos acórdãos desta Secção, (de 24.10.2022 e 27.09.2023, Procº 675/19.7Y7PRT.P1 e Proc. nº 9028/21.6T8VNG.P1, relatados pelo Desembargador Jerónimo Freitas e com intervenção da, agora, relatora) onde se lê o seguinte:
“-«[..]
As declarações de partes constam previstas no art.º 466º, nº 1, do CPC, ao dispor que “[a]s partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto”.
Em conformidade com o estabelecido no n.º2, daquele mesmo artigo, às declarações das partes aplica-se o disposto no art.º 417.º, norma que regula o dever de cooperação para a descoberta da verdade; e, no que respeita à valoração dessas declarações (n.º3), estabelece-se, ainda, que o tribunal aprecia-as livremente, isto é, segundo a sua prudente convicção (art.º 607.º/5, CPC), salvo se as mesmas constituírem confissão.
Significa isto, pois, que em face do disposto no art.º 466.º, actualmente é inequívoco que as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, sendo valoradas segundo o princípio da livre apreciação da prova, consagrado nos artigos 396.º do Código Civil e 607.º n.º 5, do CPC, em conjunto com as demais provas produzidas, designadamente, a testemunhal e documental (que não tenha força probatória plena).
A este propósito, observa José lebre de Freitas, o seguinte: - «O CPC de 2013 introduziu, ao lado da prova por confissão, mas como meio de prova autónomo, a figura da prova por declarações de parte. Através dela, a parte [..] pode, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha tido intervenção pessoal ou de que tenha conhecimento directo (art.º 466-1), isto é, sobre factos pessoais, na aceção que a esta expressão é dada nos arts. 454-1 e 547-3 [..]”. […] A sua valoração está sujeita à regra da livre apreciação da prova (466-3).
[..]
A apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes sido efectivamente ouvidas” [A Acção Declarativa Comum – À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, Coimbra Editora, p. 277/278].
Num breve parêntesis releva assinalar que o art.º 466.º CPC, não veio trazer uma inovação absoluta. Parafraseando Rui Pinto, “[A] inovação reside em expressamente se admitir a legitimidade de a parte requerer a prestação de declarações por si mesma” [Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2013, p. 283]. Com efeito, como observa Luís Filipe Pires de Sousa [AS MALQUISTAS DECLARAÇÕES DE PARTE, Julgar on line, http://julgar.pt/as-malquistas-declaracoes-de-parte, p. 2], “ainda na vigência do Código de Processo Civil revogado, foi crescendo uma corrente jurisprudencial pugnando no sentido de que o depoimento de parte- no que exceder a confissão de factos desfavoráveis à mesma parte - constitui meio de prova de livre apreciação pelo tribunal – Artigo 361º do Código Civil”, nesse sentido apontando os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.2003, Ferreira Girão, proc.º 03B1909; de 9.5.2006, João Camilo, proc.º 06A989; de 16.3.2011, Távora Víctor, proc.º 237/04; de 4.6.2015, João Bernardo, proc.º 3852/09; e, do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22.11.2011, Araújo de Barros, proc.º 2700/03 [todos disponíveis em www.dgsi.pt].
[..]
Vale isto por dizer que as declarações de parte podem ser valoradas em sentido favorável à parte, desde que haja uma convicção segura quanto à sua correspondência com a realidade, a qual deve ser formada numa ponderação global de todos os meios de prova que incidam sobre essa matéria, feita em termos lógicos e de acordo com as regras da experiência»”.
Face ao exposto de referir, apenas que, se no entender da recorrente o Tribunal “a quo” valorou indevidamente meios de prova, errando assim na formação da sua livre convicção, não lhe basta esgrimir a sua própria convicção, antes lhe cumprindo evidenciar as razões que revelam o erro, seja por ter decidido ao arrepio das regras da experiência, ou por contrariar princípios de racionalidade lógica, ou por ter descurado quaisquer circunstâncias com influência relevante naquele processo de valoração da prova. O que não é, manifestamente o caso, a recorrente não fundamenta a sua pretensão, noutro argumento que não seja a sua própria convicção, diversa da que firmou a Mª Juíza “a quo” e diversa, sem dúvida, da nossa.
Entendemos, assim, que as declarações de parte como meio de prova devem ser tratadas com o mesmo grau de credibilidade que os demais meios de prova legalmente admissíveis, sendo valoradas de acordo com o determinado no art. 466º, nº 3, ou seja, devem ser apreciadas livremente pelo tribunal, o que cremos aconteceu.
Acrescendo, no caso que, a Mª Juíza “a quo”, como bem decorre da motivação supra transcrita, firmou a sua convicção não só nas declarações de parte da A./Recorrida, mas também nos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Autora e pela Ré, e nos documentos juntos aos autos, pelo que o referido pela recorrente não se verifica.
Em suma, as provas produzidas, nomeadamente, as pessoais suscitam dúvidas sérias, sobre a contabilização efectuada quanto às horas trabalhadas e como estas eram validadas pelo Director de Serviço, o que, o teor dos documentos juntos, nomeadamente, o doc. nº 2, junto com a contestação, não tem a virtualidade de clarificar. A convicção da existência de erros na contabilização das horas de trabalho, decorrente da apreciação global e conjugada de todas as provas produzidas, não permitem corroborar a convicção, em nosso entender, errada da recorrente e, logo, como se disse, só pode improceder a impugnação deduzida contra a decisão sobre a matéria de facto, em concreto, quanto aos factos 10, 11, 12 e 13, cujas respostas dadas aos mesmos encontram sólido amparo nos depoimentos das testemunhas acima identificadas, bem como nos documento juntos aos autos.
*
Acresce que a alteração pretendida pela Recorrente aos factos provados nos termos que considera na al. V. da sua alegação, de que deveria o Tribunal “a quo” ter aditado aos factos provados os artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º da contestação, também, não pode proceder.
Comecemos por transcrever o teor daqueles artigos da contestação:

Conforme artigo 1º, nº 1, alínea c) do D. L. 102/2023, de 7 de novembro, para produzir efeitos 1 de janeiro de 2024, o Hospitalar de ..., E.P.E., integrado no Serviço Nacional de Saúde (SNS), adotou “o modelo de organização e funcionamento em unidades locais de saúde (ULS)” passando a designar-se Unidade Local de Saúde de ..., E. P. E..

O artigo 8º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Sucessão” determina: “As ULS objeto do presente decreto-lei sucedem às entidades incorporadas na universalidade dos bens, direitos e obrigações, bem como nas respetivas posições contratuais, independentemente de quaisquer formalidades legais.”

O Hospital de ..., E.P.E., tratava-se de uma entidade pública empresarial prestadora de cuidados de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde, criado pelo Decreto–Lei nº 75/2019, de 30 de maio, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e cujo Estatutos constam do anexo II ao Decreto-Lei n.º 18/2017 de 10 de fevereiro.
– Cfr. artigos 1º, 2º, 14 e 17º do Decreto–Lei nº 75/2019, de 30 de maio e Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro.

Nos termos do artigo 3º, nºs 1 e 3 do Decreto–Lei nº 75/2019, de 30 de maio:
“1 - O Hospital de ..., E.P.E. sucede na universalidade de bens, direitos e obrigações que reverteriam, em 31 de agosto de 2019, para a Administração Regional de Saúde do Norte, I. P. (ARS Norte, I.P.), com a extinção, na parte respeitante ao estabelecimento hospitalar, do Contrato de Gestão do Hospital de ... (Contrato de Gestão), celebrado ao abrigo do regime de parceria público-privado, entre o Estado Português, representado pela ARS Norte, I.P., e a A..., S.A. (A...).”
Nessa conformidade,

No dia 30 de Agosto de 2019 foi celebrado o contrato designado por “CONTRATO DE TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO HOSPITALAR”, no qual foram outorgantes “A..., S.A.”, “HOSPITAL DE ..., E.P.E.” e “ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P.”.

Na cláusula 3 deste contrato, que é a transposição do artigo 14º (“Transição de Trabalhadores”) do Decreto-Lei nº 75/2019 de 30 de Maio sob a epígrafe “Trabalhadores”, ficou determinado, entre o mais: “3.1. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 14.º do DL 75/2019, a posição de empregador nos contratos de trabalho celebrados pela A..., que estejam a produzir efeitos na Data Efetiva, identificados no Anexo I, transmite-se para o H... EPE, nos termos do disposto na lei, designadamente nos artigos 285º a 287º do Código do Trabalho. As Partes acordam que a lista identificada no Anexo I será atualizada com referência a 31 de agosto de 2019.

Assim, o Hospital de ..., E.P.E., agora Unidade Local de Saúde de ..., E. P. E., às 24 horas do dia 31 de agosto de 2019 sucedeu na universalidade de bens, direitos e obrigações da “A..., S.A.” (que reverteriam para a “ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P.”) e consequentemente assumiu a posição de empregador nos contratos de trabalho celebrados pela “A..., S.A.” que se encontrassem a produzir efeitos às 24 horas do dia 31 de Agosto de 2019.

Como aconteceu com o contrato de trabalho celebrado com a Autora AA em 01 de agosto de 2012 para ter início em 1 de outubro de 2012 e agora assumidos – Cfr. Doc. 1, junto com a petição inicial.”.
A propósito destes, conclui e alega a recorrente que, em conformidade rigorosa com a lei – D.L. nº 75/2019, de 30 de maio e D. L. 102/2023, de 7 de novembro - a Meritíssima Juíza deveria tê-los dados como provados.
Que seja desse modo, discorda a recorrida alegando e concluindo o seguinte: “Dispensa-se a Recorrida de tecer avolumados comentários relativamente aos pontos 1) a 8) da contestação, sendo factos que pouca ou nenhuma importância assumem para a boa decisão da causa. Cumpre apenas salientar que, embora a Recorrente seja, de facto, uma Entidade Pública Empresarial, não foi produzida qualquer prova relativamente à existência de especificidades que a distingam. O mesmo se verifica no que concerne aos Estatutos e Regulamentos Internos, bem como à alegação de que “as entidades empresariais do setor da saúde não são um empregador como qualquer outro”.
Que dizer?
Desde logo, que não poderíamos estar mais de acordo com a recorrida quando refere a irrelevância da matéria em causa, para a decisão a proferir nos apresentes autos, para o efeito, basta atentar no teor, transcrito no ponto 1, dos factos provados, do contrato celebrado entre a A. e a A..., S.A, em 01.08.2012, a que sucedeu na universalidade de bens, direitos e obrigações o Hospital de ... E.P.E., em 31.08.2019, (conforme decorre do Dec.Lei nº75/2019, de 30 de Maio), as questões que foram suscitadas nos presentes autos, pela A./recorrida pedindo a condenação da R. no pagamento de uma quantia resultante de créditos laborais, relativos aos proporcionais de férias e de subsídio de férias, correspondentes aos 11 meses de trabalho prestado pela A. no ano de cessação do seu contrato de trabalho, crédito que não tendo sido posto em causa pela R./recorrente, a mesma, pretende compensá-lo com um outro montante decorrente da existência dum saldo negativo, resultante da diferença entre o horário de trabalho a que a A. se encontrava obrigada a cumprir e aquele que, ao longo dos anos veio efectivamente a cumprir, questão que reitera nesta sede, dada a decidida improcedência, na sentença recorrida, do pedido reconvencional e da compensação ali apresentada.
Pois, analisando o teor daqueles artigos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 da contestação o que se verifica é que são eles, os dois primeiros, o que decorre do D. L. 102/2023, de 7 de Novembro, respectivamente, da al. c) do nº 1, do artigo 1º e artigo 8º, nº1. Sendo os artigos 3º e ss., a reprodução do que decorre do Decreto-Lei nº 75/2019 de 30 de Maio (diploma que procedeu à constituição do Hospital de ..., E. P. E.), com o consequente assumir pela Ré/recorrente, da posição de empregador nos contratos de trabalho celebrados pela “A..., S.A.”, como aconteceu com o contrato de trabalho da A./recorrida, o que não se encontra em discussão, nesta sede, logo matéria irrelevante e inócua para apreciação da questão colocada pela recorrente, no presente recurso, visando a substituição da sentença recorrida, por outra que considere procedente e provada a reconvenção.
Acrescendo, ainda, como é sabido que, da matéria de facto, caso nela se façam constar, terão de se excluir a inclusão de conceitos vagos, de direito ou de termos meramente genéricos e desprovidos de conteúdo fáctico.
Com efeito, na matéria de facto, conforme resulta do disposto no art. 607º, devem constar apenas os factos, mas não conclusões e conceitos de direito. Se tal acontecer, e apesar de do novo CPC não resultar norma idêntica à que constava do art. 646º nº4 do CPC (Dec.Lei 329-A/95), mantém-se o entendimento de que “em sede de fundamentação de facto (traduzida na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente, quer por efeito legal da admissão por acordo, quer da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados durante a instrução), a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjectivação”, conforme neste sentido, (Acs. do STJ de 12.07.2018, Proc. nº 88/14.7TJPRT.P3.S2 e de 12.01.2021, Proc. nº 2999/08.0TBLLE.E2.S1), cabendo assim, quando tal tenha ocorrido, ao Tribunal de recurso, mesmo oficiosamente, considerar como não escrita a decisão do tribunal sobre questões de direito, já que a prova continua a incidir sobre factos, como decorre do art. 410º.
Já neste sentido, referiu (Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª ed., pág. 212) que, “(…) tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória.”.
Em idêntico sentido, lê-se no sumário do (Ac. desta Relação de 27.09.2023, Proc. nº 9028/21.6T8VNG.P1, já citado supra), o seguinte: “I - Só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova.”.
Assim e porque, no caso, não está em discussão qualquer questão relacionada com o que decorre daqueles diplomas legais, acrescendo que, o importante é, caso se mostre necessário, na interpretação jurídica a ser efectuada da factualidade apurada, face àqueles concretos normativos legais, o que é tarefa a desenvolver na, eventual aplicação daquelas normas à questão a apreciar, como bem disse a recorrida, mostra-se totalmente irrelevante a sua inclusão na factualidade provada, sabido como é que, só devem ser incluídos, na factualidade constante da sentença (provada ou não provada), os factos que sejam relevantes, sejam eles constantes da petição ou da contestação e tenham resultado da discussão da causa.
Improcede, assim, também este aspecto da impugnação da decisão de facto e, consequentemente, a conclusão AM da apelação e as conclusões, AN e AO, cuja procedência, fazia a recorrente depender da procedência da primeira o que não aconteceu.
E, com a alteração determinada, oficiosamente, ao ponto 1 dos factos provados, mostra-se prejudicada qualquer pronúncia quanto à conclusão AQ.
*

Vejamos, agora, o segmento da impugnação, em que a recorrente defende que deveriam ter sido dados como provados os factos dados como não provados, ou seja, provado que, “1 - A Autora desde o ano de 2018 a 2022 não cumpria frequentemente a carga horária do turno para a qual estava escalada, ou seja, a Autora não realizava ou realizava apenas parcialmente os turnos para os quais estava escalada.
2 - A A..., S.A. por acordo com os/as médicos/as, quando estes não cumpriam numa semana ou mês as horas normais de trabalho a que estavam obrigados permitia que tais horas fossem compensadas posteriormente na semana ou semanas seguintes. Procedimento que foi secundado pelo Réu quando passou a gerir o Hospital de ... às 00horas do dia 1 de setembro de 2019, em conformidade com o interesse dos/as médicos/as e desde que o permitisse a organização e necessidade dos Serviços.
3 - A Autora desde agosto de 2018 a novembro de 2022 acumulou 476,4 (quatrocentas e setenta e seis vírgula quatro) horas negativas de trabalho, por não ter cumprido as estipuladas 40 horas normais de trabalho semanal.”, segundo alega e conclui, atentos os depoimentos das testemunhas Rui Costa e BB, em concreto, o que considera explicaram, aos minutos que indica, conjugados com os documentos juntos pela mesma, “ficheiro” extraído do software RISI e os quadros dos planos mensais da Autora/Recorrida, juntos como documento 2 à contestação.
Que dizer?
Novamente, não partilhamos nem do entendimento nem da convicção da recorrente, como já dissemos supra. A Mª Juíza “a quo” como assentou na motivação supra, fez uma análise de todas as provas produzidas nos autos (pessoais e documentais) e após análise dos documentos e dos depoimentos colhidos na audiência final, constatamos que a sentença recorrida, sintetizou os aspetos relevantes da prova oral, não se vislumbrando novos elementos a acrescentar à motivação apresentada por aquela, nem se nos suscitando qualquer reparo, nomeadamente, quando diz, “Já no que se refere aos documentos apresentados pelo aqui demandado, os mesmos não podem, em nosso entender, determinar a convicção do Tribunal quanto ao número de horas não prestadas pela A., quer porque o sistema revelou falhas no registo de horas de entradas e de saídas, como se desconhece se o mesmo corresponde efectivamente à realidade, quando é certo que nos documentos que o R. apresentou constam as menções ali consignadas pela demandante de que o mesmo não correspondia aos registos que a própria havia efectuado, nem daqueles documentos constam as circunstâncias justificativas da sua ausência ou outras compensações efectuadas pela mesma. Este registo, mostra-se, deste modo, salvo melhor opinião, insuficiente para que o Tribunal possa contabilizar o incumprimento pela A. do seu horário de trabalho, atentas todas as variáveis que devem ser apreciadas (como a presença para além do seu horário, a disponibilidade dada no serviço de urgência e outros factores como a ausência por doença ou por necessidade de isolamento decorrente da pandemia de Covid-19).”.
A audição, na íntegra dos depoimentos prestados em audiência, permitiu-nos verificar que, aquela decisão não só se encontra devidamente fundamentada, não merecendo qualquer censura, como verificar que foi proferida após a análise criteriosa e minuciosa que foi efectuada das provas apresentadas pelas partes e produzidas nos autos.
Consequentemente, só podemos concluir que a versão dos factos apresentada em juízo e dada como não provada nos pontos 1, 2 e 3, não encontra amparo nos depoimentos das testemunhas acima identificadas, bem como nos documentos juntos aos autos, ou seja, não tiveram eles a virtualidade de convencer quanto àqueles que, por isso, bem foram dados como não provados.
E, salvaguardando o devido respeito, as partes dos depoimentos indicados pela Recorrente e as explicações que considera foram dadas pelas testemunhas, CC e BB, não têm a virtualidade de convencer de modo diverso, ou seja, não servem como fundamento para a pretensão da recorrente, ao contrário, do que ela considera.
A apreciação da prova realizada pela Mª Juíza do Tribunal “a quo” não merece qualquer reparo, já que se denota que, ela, aproveitou de toda a clareza de informação que a prova testemunhal conseguiu trazer aos autos, conjugada com as demais provas produzidas.
Donde, sempre com o devido respeito, novamente, a recorrente não ter razão.
Importa que se diga que, da análise que fizemos, o que se constata é que, a recorrente está a pôr em causa a convicção do Tribunal “a quo”, de igual modo que fez quanto aos demais factos impugnados, mas, fazendo apelo, apenas, a parte dos mesmos meios de prova que são referidos na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto quanto àqueles pontos que impugna. Mas, fê-lo e continua a fazê-lo, descurando que o Tribunal “a quo”, além de referir os elementos de prova que foram relevantes para cada um dos grupos de facto que efectua ou para prova de cada facto, isoladamente, refere expressamente outra prova para além dos depoimentos das testemunhas que a apelante indica, mas, ainda assim, esta deixa claro que, apenas, face ao que aquelas dizem nos minutos que indica dos seus depoimentos, impunha-se que os factos que impugna fossem considerados, respectivamente, não provados e provados, querendo significar, com isso, que a prova não foi bastante para dar, aqueles primeiros como provados, nos termos que constam da decisão recorrida e foi suficiente para dar os últimos como provados.
Mas, como dizem, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 436), para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica.
Já, (Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pág. 191), dava como definição de “Meio de Prova (instrumento ou fonte de prova”. É todo o elemento (quid) sensível, através do qual, mediante actividade perceptiva ou simplesmente indutiva, o juiz pode, segundo a lei, formar a sua convicção acerca dos factos (afirmações de facto) da causa.”.
Ora, como resulta claramente da fundamentação, o Tribunal “a quo” entendeu que a prova produzida, em concreto, aquelas que refere, permitiram dar como provados aqueles pontos impugnados, dados como provados, ou seja, aquela foi suficiente para criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto, o mesmo não acontecendo quanto aos factos dados como não provados, agora, impugnados pela recorrente.
Logo, sendo desse modo e atento o que se deixou dito, só nos resta dizer que não é, pois, a invocação de parte, apenas, dos mesmos meios de prova que constituem fundamento bastante para sustentar a pretendida alteração. Ou seja, a eliminação daqueles primeiros factos que, improcedeu como se decidiu, e darem-se como provados os pontos 1, 2 e 3, agora, indicados.
Pelo que, por esta razão, também, a pretensão da apelante não pode proceder, quanto a estes últimos. Acrescendo que, ainda, que não fosse desse modo, não aponta ela qualquer erro na apreciação das provas que foram produzidas nos autos (todas elas, provas sujeitas à livre apreciação do julgador), limitando-se a dizer que a Mª Juíza “a quo” não poderia respectivamente, ter julgado provados os primeiros e deveria ter julgados provados os segundos, o que desde logo revela que, do que a recorrente discorda, é da convicção que a Mª Juíza “a quo” firmou, fundamentada na globalidade e apreciação conjunta de todas as provas produzidas nos autos, considerando aquela que não é a correcta, invocando, por um lado, a não existência de provas e, por outro, indicando como fundamento da sua alegada convicção, como já se disse, apenas, parte das mesmas provas que fundamentaram a convicção expressa na decisão recorrida.
Mas, em particular, no que respeita aos pontos 1, 2 e 3, dados como não provados, analisando os trechos dos depoimentos das testemunhas que refere, o que é, claramente, evidente é que não sustentam, eles, a alegada convicção daquela. Não convencendo de modo diverso, do que consta na decisão recorrida, assente na globalidade das provas produzidas.
Ao contrário do que defende a apelante, em nosso entender, só podemos adiantar que o Tribunal “a quo” fundamentou e bem a decisão de facto quanto aos factos provados e não provados que se mostram impugnados, todos, no sentido em que foram decididos. Não bastando para convencer que, aqueles factos, foram mal ou erradamente julgados o que disseram aquelas testemunhas, nos concretos minutos indicados, não tendo a virtualidade de convencer quanto àqueles concretos factos do modo que a mesma o considera.
Ou seja, em nossa convicção, ao contrário do que a R. sustenta, a prova que indica e que a mesma, alega convencem de modo diferente do que foi o entendimento da Mª Juíza “a quo”, não tem a virtualidade de infirmar o que decorre da decisão recorrida com base na interpretação integrada e conjugada de todas as provas produzidas, não resultando que esteja incorrecta a decisão proferida, quanto àqueles factos. Não tendo, as provas por ela indicadas, a virtualidade, por si só, de convencer do modo que a mesma pretende infirmar, nos termos que considera que resultaram não provados, os primeiros e provados os últimos.
Sem dúvida, o que este Tribunal apreciou e leu, em particular, os meios de prova que a recorrente considera, não se revela credível de modo a firmar em nós a alegada convicção da recorrente ou infirmar convicção diversa da que consta da decisão recorrida. Coincidindo, a nossa convicção, com a que a Mª Juíza “a quo” transcreveu na motivação da decisão de facto (que, diga-se, revela a análise crítica e apreciação das provas, que se lhe impunha, nos termos prescritos, no art. 607º, nº 4, do CPC), e não com a apreciação que consta do recurso, razão porque, além das já referidas, também, por esta via, não ocorreriam motivos para que se alterassem os factos impugnados pela recorrente, quer os dados como provados quer os dados como não provados.
Cremos, assim, face à reapreciação efectuada que, a pretensão da recorrente não tem acolhimento, já que é nossa convicção que não tinha aquela, outro fundamento que não fosse a sua própria convicção, evidentemente, diversa da que foi a livre convicção da Mª Juíza julgadora.
Face às razões acabadas de expor improcede, também, a pretensão da recorrente deduzida na conclusão AZ, uma vez que a mesma, em nosso entender, não tem, igualmente, qualquer outro fundamento que não seja, a convicção da recorrente, a qual, não é bastante para que nesta sede se proceda à modificação da decisão recorrida.
E, deste modo, mantém-se inalterada, a factualidade dada como não provada e a redacção dos pontos 3 e 7 supra transcrita.
Em suma, face ao acabado de decidir, quanto a todos os factos objecto de impugnação, mantém-se inalterada e definitivamente assente a factualidade dada como provada pela 1ª instância, com excepção, da alteração, oficiosamente decidida quanto ao ponto 1, dado como provado.
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E, aqui chegados, fixada que está, definitivamente, a matéria de facto provada, precisamente nos termos considerados na decisão recorrida e supra transcritos, improcedem, também, sem necessidade de outras considerações, as conclusões referentes à decisão de direito, já que como delas e da alegação da recorrente decorre (veja-se conclusão BL, onde diz: “Tal como se encontra configurada a reconvenção e o pedido por via dela formulado, só poderia e deveria, mediante toda a prova produzida, ser a mesma considerada procedente e provada e em consequência, reconhecer-se que a Autora/Recorrida deve à Ré/Recorrente e é este seu credor o montante de € 8.927,75 (oito mil novecentos e vinte e sete euros e setenta e cinco cêntimos) e que seja operada a compensação entre de créditos), a análise da questão colocada pela mesma, no que toca à decisão de direito, tinha como premissa a confirmação, por este Tribunal, da conclusão expressa de que deveriam ser alterados os pontos de facto impugnados, fruto da alegada incorrecta apreciação da prova produzida nos autos, com a consequente alteração da factualidade dada como provada pelo Tribunal “a quo”, o que não aconteceu.
Pese embora isso, diga-se, apenas, que face à factualidade que se apurou nos presentes autos e que ficou, definitivamente, assente, nesta sede, a conclusão a retirar, feita a subsunção jurídica daquela factualidade, é que a decisão recorrida, não merece qualquer censura, sendo de elogiar, o modo ponderado e fundamentado como a Mª Juíza “a quo”, abordou as questões colocadas, além do acerto com que o fez.
A demonstrá-lo, permita-se-nos a transcrição que, subscrevemos, do enquadramento efectuado que, repita-se, a recorrente discorda, sob a alegação de que, “Da prova testemunhal produzida conjugada com os documentos juntos pela Autora e Ré aos autos não poderia ter a Meritíssima Juíza considerado “…”.
Mas não tem razão.
A demonstrá-lo veja-se, atenta a factualidade que se provou, a fundamentação da decisão recorrida que, como já dissemos, subscrevemos, transcrevendo-se, em síntese, o seguinte: «(…).
Nestes autos a aqui demandante veio peticionar a condenação do R. no pagamento de uma quantia resultante de créditos laborais, relativos aos proporcionais de férias e de subsídio de férias, correspondentes aos 11 meses de trabalho prestado pela A. no ano de cessação do seu contrato de trabalho. Ora, o R não veio pôr em causa o crédito reclamado pela A., mas pretende compensá-lo com um outro montante decorrente da existência dum saldo negativo, resultante da diferença entre o horário de trabalho a que a A. se encontrava obrigada a cumprir e aquele que, ao longo dos anos veio efectivamente a cumprir.
A procedência da acção encontra-se, deste modo, aceite pelo A. dependendo apenas da apreciação do pedido reconvencional e da compensação ali apresentada.
Vejamos.
(…), e tal como resulta da factualidade acima dada como assente, que o demandado não logrou demonstrar a existência deste mesmo crédito, que aqui visava compensar, dado que os meios de prova apresentados não foram suficientes para que o Tribunal pudesse contabilizar as horas negativas imputadas à A., uma vez que os registos apresentados pelo R. não só não cumprem os requisitos impostos pelo art. 215º do Cód. do Trabalho (na sua versão introduzida pela Lei nº 7/2009 de 12/02), porque não indicam os horários estipulados e aqueles que eram determinados pelo director do respecivo serviço, em função das necessidades, como se desconhece em que datas e horas precisas a A. não compareceu, nem justificou a sua ausência, de forma a justificar que se não contabilizasse o seu tempo como sendo de trabalho. De acordo com a norma legal acima indicada e ainda dos artigos 200º e 202º do mesmo diploma legal, o empregador deve não só elaborar o horário de trabalho, como deve manter um registo de tempos de trabalho que permita a sua consulta imediata e de forma a que o trabalhador da sua consulta perceba quais as horas prestadas em cada dia e semana. Ora, dos autos consta claramente demostrada a discordância entre A. e R. quanto ao número de horas que correspondem a trabalho prestado por aquela e de que forma foram sendo contabilizadas as referidas horas negativas, pelo que se conclui que o demandado incumpriu estas obrigações legais.
Mas, mesmo que assim não fosse, entende-se que este pedido reconvencional não poderia proceder. Na verdade, as regras substantivas laborais prevêem nos artigos 203º e seguintes diversas formas de alteração da organização dos tempos de trabalho, ali admissíveis, quer por regime de adaptabilidade, quer por banco de horas, mas as mesmas dependem ou de aceitação expressa por parte do trabalhador, ou de disposição nesse sentido prevista no IRCT aplicável à relação laboral em apreço.
Sucede, porém, que no caso concreto o R. não invocou, nem se demonstrou, que existisse qualquer uma destas situações, tendo a A. manifestado, pelo contrário, a sua expressa oposição ao modo como eram contabilizados os seus tempos de trabalho, pelo que tendo sido estipulado um horário de trabalho dentro do período máximo de 40 horas semanais, o mesmo teria que ser cumprido pela A. e caso fosse excedido devidamente remunerado pelo R. a título de trabalho suplementar, inexistindo qualquer fundamento legal para a sua “compensação”.
Mais.
De acordo com o disposto nos artigos 255º e 256º ainda do Cód. do Trabalho, as faltas cometidas pelos trabalhadores, têm diferentes consequências, quer sejam justificadas ou injustificadas, sendo que as primeiras apenas nas circunstâncias previstas na referida norma legal poderão determinar perda de retribuição, enquanto que as segundas podem determinar a perda da retribuição correspondente ao período de ausência ou aquela poderá ser substituída – nos termos do disposto no art. 257º do Cód. do Trabalho – por renúncia a dias de férias ou por prestação de trabalho em acréscimo ao período de trabalho normal, desde que exista declaração expressa nesse sentido pelo trabalhador ou regra de IRCT aplicável, o que, reitera-se, inexiste no caso dos autos.
A conduta do aqui demandado, pretendendo compensar horas negativas, com horas positivas, caracterizadas deste modo de forma discricionária pelo próprio empregador, sem qualquer aceitação expressa por parte da demandante, configura, em nosso entender, clara violação do disposto no art. 279º ainda do mesmo diploma legal que prevê “1-(…)”. No caso em apreço nos presentes autos, o suposto crédito do demandado não assenta em nenhuma das situações previstas nas alíneas do nº 2 deste preceito legal, pelo que ainda que o R. tivesse um crédito sobre a aqui A., relativo a horas de trabalho que a mesma não tivesse prestado (o que de todo demonstrou) não o poderia compensar com retribuição em dívida e contra esta norma não poderá o mesmo argumentar que apenas o fez após a cessação do vínculo laboral, já que, ao longo da vigência do contrato de trabalho celebrado entre as partes, foi acumulando este saldo devedor, apesar das comunicações dirigidas pela A. o que se destinava a permitir-lhe compensá-lo quando entendesse ser de o fazer, ao arrepio das normas legais vigentes que determinam que sejam contabilizadas as faltas injustificadas, no seguimento do que estatui o art. 127º nº1 al. j) do Cód. do Trabalho, de forma a permitir que a A. tivesse conhecimento específico dos dias e/ou horas em que consideraram que esteve ausente, para refutar essa conclusão, ao invés de lhe imputarem um volume de centenas de horas de ausência, acumuladas ao longo de anos, sem qualquer fundamento.
Entende-se, assim, que o demandado não demonstrou ter qualquer crédito sobre a A., que pudesse aqui ser validamente compensado com o reclamado pela demandante, pelo que se julga o pedido reconvencional improcedente.» (Fim de citação).
Por isso, como dissemos, não tendo a recorrente, como ali se diz e nesta sede ficou confirmado, demonstrado ter qualquer crédito sobre a A., só podemos subscrever aquela, não tendo os argumentos invocados e reiterados pela recorrente, em sede de recurso, que assentavam, como já referimos, na modificação da decisão de facto que não ocorreu, qualquer virtualidade para que seja revogada a decisão recorrida, como pretende, desde logo, sob a alegação, de que mediante toda a prova produzida, a reconvenção e o pedido por via dela formulado poderia e deveria ser considerada procedente e provada, o que não logrou demonstrar, sendo que a ela lhe competia fazê-lo, não se vislumbrando a interpretação inadequada de qualquer norma jurídica, em concreto as indicadas pela recorrente.
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Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
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Custas pela R./apelante.




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Porto, 10 de Julho de 2025
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,

Relatora: (Rita Romeira)

1º Adjunto: (António Luís Carvalhão)

2º Adjunto: (Rui Penha)