Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2227/22.5T8LOU.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL CORREIA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
CESSAÇÃO DE FUNÇÃO DO ADMINISTRADOR
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RP202510092227/22.5T8LOU.P1
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A declaração do administrador do condomínio, aquando da discussão do ponto da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos relativo à eleição da administração para o período subsequente, de que, a partir daquele momento, não pretende continuar a exercer a administração não tem como efeito imediato a cessação da administração.
II - Apesar dessa declaração, por força do disposto no art.º 1435.º, n.º 5 do Código Civil, mantém-se em funções, continuando, portanto, a gerir e a representar o condomínio, até que seja eleito ou nomeado o seu sucessor.
III - Neste tipo de casos, não tem aplicação o regime do art.º 1435.º-A do Código Civil, que prevê, nas circunstâncias previstas nos seus n.ºs 1 e 2, a figura do administrador provisório, já que tal regime visa acorrer a situações de pura ausência ou inexistência de administrador (v.g., propriedade horizontal que acabou de ser constituída, sem eleição ou nomeação de administrador; incapacidade, de facto ou de direito, falecimento ou, tratando-se de pessoa coletiva, dissolução do administrador; exoneração do administrador por justa causa) e tal não se verifica nos referidos casos em que a administração, ainda que em vias de cessar o mandato, tem, por imperativo legal, o dever de permanecer em funções até à eleição ou nomeação do seu sucessor.
IV - O não exercício da administração pelo administrador após a declaração referida em 1, integrando violação do dever decorrente do referido em 2, constitui, por isso mesmo, fundamento para a sua exoneração por justa causa.
V - O administrador do condomínio goza do direito de retenção do acervo do condomínio que lhe tenha sido entregue em execução do mandato para garantia do pagamento do crédito que tem sobre este decorrente do exercício da sua atividade (v.g. crédito por retribuições).
VI - Tal direito de retenção é, não o previsto no art.º 754.º do Código Civil, por falta do requisito nele previsto da conexão material entre a coisa retida e o crédito do retentor, mas o previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 755.º, já que a relação de administração estabelecida entre condóminos e administrador consubstancia um contrato de prestação de serviços na modalidade de mandato, eventualmente oneroso, com representação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2227/22.5T8LOU.P1 - Recurso de apelação
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo Local Cível de Lousada

.- Sumário
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.- Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto,

I.- Relatório
.- Condomínio do Edifício …, sito na Rua ..., ... e Rua ... instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A..., Lda., pedindo que, pela sua procedência, fosse a Ré condenada a:
a.- entregar todo o acervo da Autora, desde a documentação, contratos, processos, chaves e demais pertences do condomínio, que tenha em seu poder;
b.- reconhecer a existência de justa causa na resolução do contrato celebrado entre as partes, através dos poderes concedidos em ata e exercido durante o ano de 2013 a 2 de dezembro de 2021, tendo a exoneração ocorrido em 27 de dezembro de 2021;
c.- a pagar uma indemnização em quantia nunca inferior a € 750,00, pela rescisão contratual antecipada e as devidas consequências dos 25 dias, sem prestação dos seus serviços e a falta de entrega de todo o acervo, acrescida de juros legais vincendos, desde a citação, contados sobre € 750,00, até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, e em síntese, o seguinte.
A Ré foi administradora do condomínio Autor entre 25-11-2013 e 02-12-2021.
Neste último dia, foi realizada uma assembleia de condóminos, na qual a Ré deu a conhecer que, a partir de então, deixaria de prestar qualquer serviço no condomínio; consequentemente, não foi dado seguimento à ordem de trabalhos, nomeadamente, a eleição de nova administração.
Reunidos em nova assembleia em 27-12-2021, foi a Ré - que, apesar de convocada, não compareceu na reunião -, exonerada por justa causa e nomeada nova administração do condomínio.
A Ré manteve em seu poder toda a documentação e demais pertences do condomínio e, interpelada para proceder à sua entrega, recusou-se a fazê-lo enquanto não lhe fosse pago o valor de € 6.519,42, alegando que este lhe era devido.
Não tinha, contudo, fundamento válido para o fazer.
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Citada, contestou a Ré, batendo-se pela improcedência da ação.
Em síntese, aceitando ter sido administradora do condomínio Autor no período por este referido, precisou que a sua eleição era anual e que a assembleia de condóminos que teve lugar em 02-12-2021 tinha como ordem de trabalhos, além do mais, a eleição de nova administração para o período de novembro de 2021 a outubro de 2022.
A sua decisão de não se propor para continuar como administradora do condomínio foi, por isso, legítima, como também seria legítimo que o Autor elegesse outra entidade para o efeito.
O seu mandato cessou, por conseguinte, naquele dia, sendo inconsequente a suposta exoneração por justa causa levada a cabo pelo Autor, na certeza de que, à data dessa exoneração, já não era administradora do condomínio.
Acrescentou que detém sobre o Autor um crédito de € 6.515,87, referente a serviços que lhe prestou como administradora e, bem assim, que tem o direito de retenção da documentação do condomínio enquanto tal valor não lhe for pago.
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Juntamente com a contestação, deduziu a Ré reconvenção, pedindo que, pela sua procedência, fosse o Autor/Reconvindo condenado a pagar-lhe a quantia total de € 6.515,87, acrescida de juros legais, desde a data da notificação da reconvenção até efetivo pagamento.
Sustentou a sua pretensão no facto, já alegado em sede de contestação, de ser detentora de um crédito sobre o Autor de € 6.515,87, referente a serviços que prestou no exercício da sua atividade de administradora e que por este não foram pagos.
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Replicou o Autor, impugnando o alegado pela Ré e concluindo como na petição inicial.
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Realizada audiência prévia, nela foi:
.- proferido despacho saneador tabelar;
.- admitida a reconvenção deduzida pela Ré;
.- fixado em € 7.265,98 o valor da causa;
.- definido o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, do que não houve reclamações.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento.
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Seguidamente, foi proferida sentença, julgando improcedente a ação, dela absolvendo a Ré do pedido, e procedente a reconvenção, condenando o Autor a pagar à Ré o montante de € 6.255,59, acrescido de juros legais, à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até efetivo pagamento.
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Inconformado com esta decisão, dela veio o Autor interpor o presente recurso, pugnando pela sua revogação.
Para o efeito, formulou as seguintes conclusões:

1.- O objeto da pretensão é entregar o acervo da autora que tenha a Ré em seu poder desde documentação, contratos, processos, chaves e demais pertences.
2.- Reconhecer a existência da justa causa na resolução do contrato celebrado entre a partes.
3.- Pagar a indemnização nunca inferior a 750,00€, pela rescisão contratual antecipada.
4.- Após a contestação, os réus apresentaram em sede de reconvenção o valor a pagar de 6.515,87€, na qual peticionam honorários no valor de 5.463,18€ (indevidos), despesas administrativas, consumíveis e despesas de correio no valor de 622,69€ (padecem de fatura correta e ainda apresentam em Dezembro de 2021 fora da sua gestão), empréstimo da ré ao Autor para pagamento a um condómino de uma indemnização no âmbito do seguro do condomínio no valor de 430,00€, que não fez prova (que também padece de documentos necessários comprovativos do referido valor como também o contrato de empréstimo com as condições devidas de pagamento, valores e demais pois não são mutuários).
5.- Em sede de réplica a autora apresentou os seus fundamentos e bases para a cobrança indevida desses valores sem provas de respaldo do seu direito convalescido.
6.- Apresentado o requerimento dos valores que foram movimentados em conta bancária e não foram valorados,
7.- Demonstra-se que, o pagamento movimentado na conta foi superior ao orçamento, pois os condóminos pagaram quotas mensais para satisfazer as despesas.
8.- Dois anos sem uma única assembleia e verificando os deveres do administrador é que esta previsto no artigo 1.436º do Código Civil, foi completamente desrespeitado.
9.- O Réu não assiste ao direito de reter o acervo do autor, uma vez que não preenche os requisitos do artigo 754º do Código Civil.
10.- Apesar de informarem que detém um crédito sobre o condomínio por falta de pagamento, não ocorreu essa situação porque as quotas foram pagas pelos condóminos e o que foi cobrado desde consumíveis e economatos, não correspondem ao orçamentado pela referida empresa em sua prestação de serviços. 11.- O empréstimo dos 430,00€, também não são coerentes e nem deveriam ser cobrados não há apresentação do recibo ou fatura de tal, que justifique tal cobrança, como também a Ré não tem que emprestar qualquer valor ao condomínio uma vez que não há contrato para regular a situação e não são mutuários estão fora da sua atividade prestada este tipo de situação de empréstimo.
12.- Nem previsto esta, apesar de estar em Ata, na qual, não foi feito prova, esta figura em direito não esta prevista.
13.- No entanto, tal subsunção não se verifica no artigo 754º do Código Civil. Decidiu mal o tribunal a quo para a retenção de documentos.
14.- Não tem qualquer direito próprio a defender perante pretensão dos Réus.
15.- O que esta posto na base da sentença aqui exposto é uma crise de documentos que não foram analisados, decisão sem respaldo e fundamentação para tal direito em causa sem justificação plausível para a douta decisão.
16.- Contém em si contradições e imprecisões técnicas de direito verificáveis.
17.- A jurisprudência criada pelos tribunais superiores nesta matéria, é clara e uniforme.
18.- O objeto dos presentes autos é a qualidade do serviço que não foi prestado, sem motivos para a sua rescisão com também a falta de pré-aviso para tal, ainda em conjunto a falta da entrega de documentos com a alegação de falta de pagamento dos honorários, que estranhamente foram pagas, as quotas, para tal e dois anos sem assembleia e sem orçamento para as dividas, nas quais, surgiram e cobram sem fazer jus a apresentação dos referidos documentos como prova desse direito que alegam ter, como no caso os 430,00€.
19.- Nota-se que, o princípio aqui foi sempre pagar os devedores para depois ressarcirem o que lhes és devido.
20.- Ao contrário deveria ser, retirarem o que lhes era devido e depois em sede própria seria feita a cobrança.
21.- O que foi realizado e orçamentado e previsto foi cumprido e pago.
22.- As despesas extras deveriam ser realizadas novas assembleias porque durante dois anos deveria ter ocorrido mais duas assembleias e terem realizado previsões e orçamentos para a cobrança, na qual, é indevida e inaceitável, sem qualquer prova, de tal facto, para tal cobrança.
23.- Foram realizados os pagamentos de quotas pelos condóminos.
24.- Aqui, não se justifica o direito ora reclamado muito menos o direito de retenção de documentos.
25.- Não agiram corretamente conforme o previsto e o determinado no artigo 1.436º do Código Civil.
26.- E ainda realizaram a assembleia, não apresentaram propostas e deixaram de prestar os serviços, sem um pré-aviso na convocatória, sendo que, os condóminos não sabiam de tal decisão e há um interesse comum a ser avaliado que não foi posto nem em relevância ou importância para tal ato.
27.- Neste caso, a falta de realização de assembleia, que esta previsto no Código Civil, não foi cumprido para ter o orçamento devido das prestações de serviço, ora elencadas, como as despesas geradas e pagas indevidamente.
28.- Os empréstimos, que não há direito que, respalde essa figura, não esta previsto, não é da atividade da empresa realizar empréstimos sem contratos e previsões de pagamento e a forma, não há previsão de juros, mas nota-se a discrepância do valor apresentado e o valor retido.
29.- Ainda, tem-se, a rescisão contratual da prestação de serviços, sem pré-aviso, com interesse comum em causa, gerando a responsabilidade civil profissional que não tiveram em analise, tendo os condóminos numa situação de constrangimento e falta de informação e desorientação para tal ato.
30.- Como tal, incompatível com o objeto da ação, devendo por isso, tal decisão, ser revogada e substituída por outra.
31.- Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, com o que se fará e deve a douta sentença ser revogada, fazendo a devida e adequada Justiça.
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A Ré respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da sentença proferida.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e - considerado o prejuízo invocado pelo Apelante e a caução por este validamente prestada - efeito suspensivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes:
1.- da exoneração com justa causa da Apelada como administradora do condomínio Apelante;
2.- da obrigação da Apelada de indemnizar o Apelante e, na afirmativa quanto à existência da obrigação, da medida da indemnização;
3.- da obrigação da Apelada de entregar ao Apelante todo o acervo que tenha em seu poder relativo à administração do condomínio;
4.- do crédito da Apelada sobre o Apelante tendo por base os serviços prestados ao segundo e, na afirmativa quanto à existência do crédito, da sua medida;
5.- do direito de retenção da Apelada do acervo referido em 3, enquanto o Apelante não proceder ao pagamento integral do crédito referido em 4.
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III.- Da Fundamentação
III.I.- Na sentença proferida em 1.ª Instância e alvo deste recurso foram considerados provados os seguintes factos:
1.- A ré é uma empresa de administração de condomínios, que tem por objeto a atividade de gestão de condomínios de prédios, gestão de parques empresariais, gestão de bens imobiliários; atividades combinadas de apoio aos edifícios; reparação e manutenção de máquinas e equipamentos, entre outras.
2.- A ré foi eleita administradora do condomínio autor na data de 25 de novembro de 2013, tendo administrado o condomínio até à data de 2 de dezembro de 2021.
3.- Em assembleia geral ordinária realizada pela ré, na data de 2 de dezembro, após a apresentação do relatório de contas de novembro de 2019 a outubro de 2021, ocorreu a sua análise e discussão e, após votação, foi reprovado pelos condóminos presentes.
4.- No seguimento da assembleia do dia 2 de dezembro de 2021, no 3.º ponto da ordem de trabalhos, a “Eleição da administração para o período de novembro de 2021 a outubro de 2022.”, a ré não apresentou qualquer proposta para administrar o condomínio no período de novembro 2021 a outubro de 2022.
5.- E manifestou a sua intenção de, a partir daquela data, não prestar qualquer tipo de serviço no condomínio aqui autor.
6.- Durante a sua atividade de administração do condomínio autor, a ré manteve nos seus serviços todos os documentos, contratos e chaves daquele, designadamente da casa das máquinas e elevadores e os respetivos processos em arquivo, que lhe haviam sido entregues pela anterior administração, B..., Lda.
7.- A nova administração do condomínio autor, eleita em 27 de dezembro de 2021, e ainda a atual, da sociedade C..., Lda., eleita em 27 de dezembro de 2021, no dia seguinte, dia 28 de dezembro, entraram em contacto por email com a ré a solicitar a entrega de toda a documentação e pertences do referido condomínio e a marcação da data para entrega entre o dia 29 ou 30 de dezembro de 2021.
8.- No dia 30 de dezembro de 2021, os atuais administradores dirigiram-se ao estabelecimento da ré, na Avenida ..., ..., solicitando os documentos, sendo informados pela funcionária AA que deveriam dirigir-se à sede da ré em Lousada.
9.- Aqueles deslocaram-se então até a sede da ré, localizada Rua ..., ..., onde a sócia gerente da ré, BB, se recusou a entregar a referida documentação, alegando que estava em falta o pagamento do valor estimado de 5.000,00€, e que só entregaria a documentação, chaves e todos os pertences após o pagamento desse valor ou um acordo assinado.
10.- Em 5 de janeiro de 2022 foi enviada a resposta ao email enviado em 28 de dezembro 2021, instando o autor a efetuar o pagamento ou assinatura de acordo no valor de 6.519,42€.
11.- O autor enviou uma carta registada na data de 2 de março de 2022, na qual os novos administradores se apresentaram nessa qualidade, juntando a ata da assembleia onde foram nomeados, solicitando a entrega de toda a documentação e a questionar a existência de valores em dívida à ré.
12.- Esta respondeu em 14 de março a informar que deveriam fazer o referido pagamento, manifestando estar disponível para entregar toda a documentação de suporte e chaves, desde que o autor procedesse ao pagamento total em débito ou realizasse um acordo de pagamento.
13.- O autor, em resposta, mostrou-se disponível para efetuar o pagamento, desde que houvesse entrega da documentação de suporte e chaves e, consequentemente, pudesse analisar o referido valor, por desconhecer a fatura ou a interpelação dos condóminos para pagamento.
14.- Na assembleia de condóminos realizada no dia 27 de novembro de 2019, foi a ré eleita administradora para o período de novembro de 2019 a outubro de 2020.
15.- Nesta assembleia foi aprovado o orçamento para o referido período, constando do mesmo, para além do mais, uma rubrica anual relativa a taxas de administração, no valor de 6.937,20€, a que corresponde uma mensalidade de 578,10€, orçamento que se manteve até ao dia 2 de dezembro de 2021.
16.- Tendo sido executado o labor e administração do período de março de 2021 a novembro de 2021, com o valor pedido de honorários de 5.463,18€, referente a nove mensalidades no valor de 607,02€.
17.- Suportando ainda a ré despesas administrativas – consumíveis do edifício e despesas de correio – no valor de 622,69€.
18.- Tendo a ré cedido ao autor a título de empréstimo para pagamento a um condómino de uma indemnização, no âmbito do seguro do condomínio, no valor de 430,00€.
19.- Sendo tal cedência a título de empréstimo autorizada por deliberação dos condóminos de 26 de novembro de 2018.
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III.I.- Na sentença proferida em 1.ª Instância e alvo deste recurso não foram considerados provados os seguintes factos:
a.- Que a ata relativa à assembleia realizada em 2 de dezembro de 2021 não foi disponibilizada ao autor.
b.- Que a autorização a que se refere em 19 foi concedida em 27 de novembro de 2019.
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III.II.- Do objeto do recurso
1.- Da exoneração da Apelada como administradora do condomínio Apelante
A presente questão enuncia-se do seguinte modo.
A Apelada exerceu as funções de administradora do condomínio Apelante.
No dia 2 de dezembro de 2021, teve lugar uma assembleia de condóminos que, além doutros, teve como ponto da ordem de trabalhos a eleição da administração para o período de novembro de 2021 a outubro de 2022.
Chegada a esse ponto da discussão, a Apelada não apresentou qualquer proposta para administrar o condomínio naquele período e, pelo contrário, manifestou a sua intenção de, a partir daquela data, não prestar qualquer tipo de serviço no condomínio Apelante.
Para a Apelada, a sua conduta foi legítima.
E legítima, por dois motivos: (i) porque o período de exercício das suas funções era anual, pelo que, tendo decorrido esse período e não tendo apresentado proposta para continuar em funções, cessou a relação contratual que tinha com o Apelante; (ii) porque à relação contratual em causa se aplicam as regras do mandato e, de acordo com tais regras, o mandato é, no que lhe diz respeito, livremente revogável.
Já para o Apelante, o comportamento da Apelada, porque ilícito, não produziu efeitos.
E não produziu efeitos, também por dois motivos: (i) porque a Apelada pretendeu cessar a relação contratual sem aviso prévio; (ii) porque, mesmo pretendendo pôr termo ao contrato, era sua obrigação a de permanecer em funções até que fosse eleito ou nomeado o seu sucessor.
Consequentemente, persistindo a Apelada, após a referida assembleia, no não exercício da administração do condomínio, em nova assembleia de condóminos realizada em 27-12-2021 foi deliberada a sua exoneração com justa causa.
Neste contexto, a questão que aqui se coloca é a de saber se a relação contratual estabelecida entre as partes cessou válida e efetivamente em 02-12-2021, mercê da conduta e intenção da Apelada – posição acolhida na sentença recorrida – ou se cessou em 27-12-2021, mercê da sua exoneração, deliberada nesta data, por alegada justa causa.
Ora, vistos os elementos constantes dos autos e o direito aplicável, concluímos que a solução preconizada pelo Apelante é a que deve prevalecer.
E isto, pelas seguintes razões.

O período de exercício das funções do administrador do condomínio é, por natureza, temporário. Salvo disposição contratual em contrário, esse período corresponde a um ano, renovável (art.º 1435.º, n.º 4 do Código Civil).
Decorrido o período acordado ou supletivamente fixado na lei e manifestando alguma das partes, expressa ou tacitamente, a sua intenção de não pretender a continuidade da relação de administração, esta extingue-se por caducidade (v. Sandra Passinhas, in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Coimbra, 2000, p. 323).

Qualquer das partes – condóminos ou administrador – também pode livremente pôr termo à relação de administração.
Com efeito, apesar de o administrador ser, à luz do art.º 1430.º, n.º 1 do Código Civil, um órgão do condomínio, é possível entrever entre ambos a existência de uma relação contratual.
Essa relação contratual, integrando aspetos da respetiva fattispecie, configura um contrato de prestação de serviços, ao qual se aplicam, com as devidas adaptações, as disposições do mandato com representação, mandato esse que, sendo a administração exercida profissionalmente, será oneroso (v. Moitinho de Almeida, in Propriedade Horizontal, Coimbra, 1996, p. 92; bem como Acórdãos desta Secção de 18-04-2024, relatado por Francisca Mota Vieira, proferido no processo n.º 997/22.0T8VLG.P1 e da Relação de Évora de 20-04-2023, relatado por Albertina Pedroso, proferido no processo n.º 2808/19.4T8PTM.E1).
É, por isso, por força do disposto no n.º 1 do art.º 1170.º do Código Civil, livremente revogável por qualquer das partes e é-o não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação, no que se afirma a imperatividade da solução.
Esta faculdade de livre revogação do contrato por uma das partes configura um verdadeiro direito potestativo, isto é, o direito de unilateralmente impor à outra parte e, portanto, de forma livre e ad nutum - sem justificação - a cessação do contrato.
Traduz, por conseguinte, uma exceção ao princípio, plasmado no n.º 1 do art.º 406.º do Código Civil, de que só por mútuo consentimento dos contraentes se pode pôr fim à relação contratual, visando proteger a liberdade dos contraentes de modo a evitar a sua sujeição a vínculos contratuais por tempo indeterminado.
A livre revogabilidade do mandato por qualquer das partes “explica-se pela configuração do mandato como contrato de gestão, em que a actividade gestionária do mandatário é programada pelo mandante, com a consequente alienidade da actividade desenvolvida, da operação económica no seu conjunto e, logo, dos seus resultados, ou seja, a livre revogabilidade tem por fundamento o interesse das partes” (v. Acórdão desta Secção de 18-04-2024, proferido no processo n.º 997/22.0T8VLG.P1, relatado por Francisca Mota Vieira, disponível na internet, em www.dgsi.pt).

No caso, como resulta do facto provado n.º 14 (e, bem assim, dos documentos n.ºs 1 e 2, juntos pela Apelada com a sua contestação), era de um ano o período estipulado de duração da relação de administração vigente entre Apelante e Apelada.
O período aqui atendível, conforme decorre dos factos provados n.ºs 2 e 14, teve início em novembro de 2019 e perduraria até outubro de 2020, pelo que, à data da assembleia de condóminos realizada no dia 02-12-2021, já há muito havia decorrido o período estipulado de duração da relação.
Outrossim, no decurso desta assembleia, designadamente aquando da discussão do ponto da ordem dos trabalhos relativo à eleição da administração para o período subsequente, a Apelada manifestou expressamente a sua intenção de não continuar a exercer tais funções, assim denunciando o contrato.
Estariam, assim, à partida, reunidas condições para se concluir que a relação de administração estabelecida entre Apelante e Apelada cessara por caducidade aquando daquela assembleia.

Acresce que, na mesma assembleia, a Apelada, aquando da discussão do 3.º ponto da ordem de trabalhos correspondente à “Eleição da administração para o período de novembro de 2021 a outubro de 2022.”, não só não apresentou proposta para continuar a administração no período subsequente, como declarou expressamente a sua intenção de, a partir daquela data, não prestar qualquer tipo de serviço no condomínio aqui autor.
Tal declaração traduz indiscutivelmente a manifestação de vontade da Apelada de pôr termo à relação de administração que mantinha com este.
Consequentemente, sendo o mandato livremente revogável por qualquer das partes, também estariam, à partida, reunidas as condições para se concluir que tal relação cessou por revogação unilateral da Apelada.
Tal, contudo, não é assim.

Com efeito, dispõe o n.º 5 do art.º 1435.º do Código Civil que o administrador se mantém em funções até que seja eleito ou nomeado o seu sucessor.
Tal normativo está inserido num preceito mais amplo que regula, não só a eleição do administrador, mas também a cessação das suas funções, seja por exoneração pela assembleia ou pelo tribunal (v. n.ºs 1 e 3), seja por caducidade (v. o já referido n.º 4).
Temos, assim, que, à luz do mesmo, caso o administrador esteja em condições de ver cessada a relação de administração, nem por isso deixa de continuar sujeito ao dever de administrar o condomínio. Esse dever só cessará a partir do momento em que o seu sucessor seja eleito ou nomeado.
Tal como refere Sandra Passinhas (in ob. cit., p. 324), “[n]ão há um termo ope iuris das funções do administrador. É necessária uma decisão que substitua o administrador no cargo, porque na sua falta ele continua investido nas suas funções, com todos os efeitos legais, isto é, continua a gerir o condomínio e a ter a representação do mesmo” (sublinhado nosso).
Isto, a ponto, segundo a mesma Autora (ibidem, p. 324, nota 794, citando Giuseppe Branca), de, no caso de realização de assembleia de condóminos que a tenha como ordem de trabalhos, a “falta de substituição [do administrador] vale[r] como confirmação tácita do mandato”.
Trata-se de solução óbvia. A relação de administração assume uma natureza essencialmente gestionária e o seu exercício tem como mote o da prossecução do interesse dos condóminos. A exigência de continuidade – sempre temporária – no exercício das funções pelo administrador nas condições aqui em apreço é, por isso, crucial para afastar situações de vazio de gestão.
Só assim não será nos casos, ainda segundo a mesma Autora (ibidem, p. 324), em que o administrador seja, além do mais, “exonerado por justa causa”. Nestas situações, como é bom de ver, foi posta em causa, em razão da sua conduta, a relação de confiança pressuposta na relação de administração, perdendo sentido, consequentemente, a solução prevista no normativo.

Ora, no caso, o decurso do prazo de exercício das funções de administração pela Apelada e a manifestação de vontade desta de não querer continuar como administradora do condomínio constituíram, como se viu, factos jurídicos com potencial extintivo da relação de administração entre Apelante e Apelada.
A produção desse efeito extintivo, todavia, e posto que não se tratou de exoneração por justa causa, ficou sujeita, por força do disposto no n.º 5 do art.º 1435.º do Código Civil, à condição – diríamos, ‘suspensiva’ – da nomeação do seu sucessor no cargo.
Aliás, constava da ordem de trabalhos da assembleia, como se viu, a eleição da administração, pelo que, não tendo os condóminos nela presentes, perante a posição da Apelada de não querer continuar em funções, votado a sua substituição, tal valeu como “confirmação tácita do mandato”.
Este não cessou, por conseguinte, contrariamente ao acolhido na sentença recorrida e ao propugnado pela Apelada no recurso, na assembleia do dia 02-12-2021.

Contrapõe a Apelada a esta conclusão que o seu mandato cessou efetivamente na dita assembleia (por caducidade e revogação unilateral da sua parte) e que, para colmatar a situação de falta de administrador, havia que seguir a solução prevista no art.º 1435.º-A do Código Civil.
Isto é, em vez de ser a Apelada a continuar a exercer a administração nos termos previstos no n.º 5 do art.º 1435.º do Código Civil, essa administração passaria obrigatoriamente a incumbir, a título provisório, ao condómino que reunisse as condições previstas no n.º 1 ou, sendo caso disso, no n.º 2 do citado art.º 1435.º-A. Isto, até que, de acordo com o n.º 3, fosse eleito ou judicialmente nomeado novo administrador.
Tal argumento, contudo, não colhe no presente caso.
Com efeito, a solução preconizada no n.º 1 do preceito em causa, isto é, a solução da nomeação de um administrador provisório, visa acorrer a situações de pura ausência ou inexistência de administrador do condomínio.
Abrange, assim, situações em que, por exemplo, a propriedade horizontal acabou de ser constituída e ainda não houve eleição ou nomeação judicial de administrador; em que o administrador em funções está incapaz, de facto ou de direito, de exercer as funções; em que faleceu ou, em caso de pessoa coletiva, foi dissolvida; ou foi exonerado por justa causa.
Aqui, não há, de todo, administrador do condomínio, justificando-se, por isso, a previsão de uma solução excecional e provisória como a prevista no preceito em apreço.
Não é isso, contudo, o que se verifica nos casos em que, como o dos autos, há uma administração e uma administração que, apesar de estar em vias de cessar o mandato, tem, por imperativo legal, de permanecer em funções até à eleição ou nomeação do seu sucessor.
A não se entender assim, a solução prevista no n.º 5 do art.º 1435.º do Código Civil não só não teria razão de ser, como ficaria esvaziada de sentido útil – que necessidade teria o legislador de prever a continuidade em funções do administrador nestes casos, se a solução prevista no art.º 1435.º-A também lhes fosse aplicável?
A solução da questão aqui preconizada é, pois, a que se impõe, seja por via da interpretação de ambos os preceitos de acordo com o elemento sistemático (v. art.º 9.º, n.º 1 do Código Civil), seja por via da presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (v. art.º 9.º, n.º 3 do Código Civil).

Em suma, o mandato da Apelada como administradora do condomínio Apelante não cessou na assembleia de 02-12-2021.
Por força do n.º 5 do art.º 1435.º do Código Civil, esta continuou em funções até ao momento em que, na assembleia realizada em 27-12-2021, foi deliberada a sua exoneração e eleito o seu sucessor.
E podendo o administrador ser exonerado pela assembleia (art.º 1435.º, n.º 1 do Código Civil), a relação de administração entre Apelante e Apelada cessou efetivamente nesta última data.
Ademais, tal exoneração teve na origem a não continuidade da Apelante em funções apesar de, como se viu, a tal estar obrigada, assim deixando o condomínio, entre as assembleias dos dias 02-12-2012 e 27-12-2021, em vazio de gestão.
Houve, por isso, como invocado pelo Apelante, “justa causa” de exoneração.
Procede, consequentemente, a apelação nesta parte.
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2.- Da obrigação da Apelada de indemnizar o Apelante
Está aqui em causa o pedido do Apelante de condenação da Apelada a pagar-lhe a quantia de € 750,00 e respetivos juros, a título de ressarcimento dos prejuízos decorrentes do facto de esta ter deixado de exercer a administração do condomínio desde a assembleia do dia 02-12-2021 até que foi exonerada na assembleia de 27-12-2021.
Tal pretensão, contudo, diga-se desde já, não pode merecer acolhimento.
Assim, pressupunha, entre o mais, a prova do prejuízo (art.ºs 798.º e 1436.º, n.º 3 do Código Civil).
Sucede que, apesar de se ter provado que a Apelada deixou de exercer a administração a partir da assembleia de 02-12-2021, o Apelante não alegou na petição inicial um único facto que, se provado, materializasse um dano passível de ressarcimento.
Pelo contrário, limitou-se a formular o pedido indemnizatório em apreço, mas despojado de quaisquer factos que permitissem suportá-lo.
Note-se que a prova do facto ilícito – o abandono de funções pela Apelada – não constitui, em si mesma, a prova do dano. Uma coisa é, com efeito, o facto que, por violar é lei, deve reputar-se ilícito e outra o dano enquanto perda patrimonial.
A prova do facto ilícito aqui em causa também não permite, por si só, inferir a existência de dano, ainda que, porventura, genérico ou incerto. O não exercício das funções de administração pela Apelada durante um curto período de 25 dias, apesar de potenciar o risco de ocorrência de prejuízos, não é, todavia, causa necessária deles.
É certo que, nas alegações, o Apelante refere que sofreu prejuízos tais como “humilhação, falta de atendimento e constrangimento, novas chaves, técnicos para apurar na casa de máquinas, descontentamento e falta de informação” (v. ponto 34 das alegações) e, ainda, “contas por pagar sem saberem” (v. ponto 35 das alegações).
Trata-se aqui, contudo, de factos que, porque não alegados em qualquer articulado da causa principal, não foram sequer objeto da produção de prova em 1.ª instância, não podendo, por isso, ser conhecidos agora em sede de recurso.
Falta, pois, um dos requisitos de cuja verificação dependeria o acolhimento da pretensão do Apelante.
Improcede, pois, a apelação nesta parte.
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3.- Da obrigação da Apelada de entregar ao Apelante o acervo relativo à administração do condomínio Apelante
Cessando a sua atividade, é o administrador, como decorrência natural da extinção da causa que o justificava e do próprio princípio geral da boa fé por que deve ser pautado o cumprimento das obrigações (art.º 762.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil), “entregar tudo o que recebeu no exercício das suas funções” (v. Sandra Passinha, ibidem, p. 326).
Trata-se aqui de obrigação cometida ao próprio administrador provisório adstrito ao cargo nos termos do art.º 1435.º-A do Código Civil, prescrevendo a propósito o n.º 3 deste preceito que este deve entregar ao seu sucessor todos os documentos respeitantes ao condomínio que estejam confiados à sua guarda.
No caso, provou-se que a Apelada, depois de cessar funções como administradora do condomínio Apelante, manteve em seu poder acervo respeitante ao condomínio (documentos, contratos, chaves, processos e demais pertences).
Consequentemente, a menos que haja motivo justificado que a tal obste - designadamente, o direito de retenção da Apelada sobre tal acervo, questão a abordar de seguida - impor-se-á a condenação da Apelada a proceder a tal entrega, com a consequente procedência da apelação nesta parte.
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4.- Do crédito da Apelada sobre o Apelante
A Apelada, em reconvenção, pediu a condenação do Apelante a pagar-lhe a quantia total de € 6.515,87, acrescida de juros legais, desde a data da notificação da reconvenção até efetivo pagamento.
A quantia peticionada correspondia, de acordo com o alegado, ao seguinte:
.- € 6.515,87 relativos a honorários do período de março de 2021 a novembro de 2021;
.- € 622,69 de despesas administrativas – consumíveis do edifício e despesas de correio;
.- € 430,00 relativos a um empréstimo da Apelada ao Autor para pagamento de uma indemnização a um condómino.
Na sentença recorrida reconheceu-se a existência deste crédito, embora reduzido a € 6.255,59, por considerar não haver fundamento para a oneração unilateral do condomínio em mais 5%, além do valor dos honorários mensais da Apelada aceites pelos condóminos.
O Apelante insurge-se contra esta condenação, no pressuposto de se tratar de valores não devidos.
A sua pretensão não pode, contudo, ser acolhida.
Com efeito, a Apelada logrou provar os factos em causa, isto é, o valor da sua remuneração, as despesas administrativas que suportou e o valor cedido ao Apelante para pagamento da indemnização a condómino (v. factos provados n.ºs 15 a 18).
Outrossim, relativamente a este último valor, também provou que se tratou de cedência a título de empréstimo autorizada por deliberação da assembleia de condóminos de 26 de novembro de 2018 (v. facto provados n.º 19).
Ora, o Apelante não impugnou a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida, limitando expressamente o recurso à matéria de direito (v. os n.ºs 1 e 3 das suas alegações).
Os factos em causa constituem, por isso, factos consolidados.
E porque deles resulta o montante do crédito da Apelada nos precisos termos reconhecidos na sentença recorrida, não há como acolher a pretensão do Apelante.
Esta tem, pois, de improceder.
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5.- Do direito de retenção da Apelada
Viu-se atrás que a Apelada tem o dever de entregar ao Apelante todo o acervo que tenha em seu poder relativo ao condomínio e à sua administração.
Também se viu, por outro lado, que a Apelada tem um direito de crédito pecuniário sobre o Apelante no valor de 6.255,59 e respetivos juros.
Neste pressuposto, a Apelada invocou o direito de retenção daquele acervo enquanto o Apelante não lhe pagasse a referida quantia pecuniária e tal invocação foi acolhida na sentença recorrida.
O Apelante, no recurso, insurge-se contra mais este segmento da decisão recorrida, invocando que não há qualquer direito de retenção.
Vejamos.

O direito de retenção, de acordo com a noção de Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, 1987, p. 772) traduz-se “na faculdade que tem o detentor de uma coisa de não a entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele”.
Tem subjacente a si, por conseguinte, a ideia de “mecanismo de persuasão e de pressão ao cumprimento do credor, emergindo primordialmente como uma forma de autotutela” (v. Mariana Coimbra Piçarra, ‘O Direito de retenção do Promitente-Comprador: Algumas Reflexões’, in Julgar, n.º 34, 2018, p. 14).
É, também, um direito real de garantia, pelo que além da apontada função de coerção para o cumprimento da obrigação, permite ao seu titular fazer-se cobrar do valor da coisa retida, em execução a instaurar e com preferência sobre os demais credores do devedor.
O direito de retenção foi previsto pelo legislador, desde logo, através de um conceito geral previsto no art.º 754.º do Código Civil.
De acordo com tal preceito, o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.
Da sua leitura, resulta que são os seguintes os pressupostos necessários à sua existência:
i.- que o respetivo titular detenha licitamente uma coisa que deva entregar a outra;
ii.- que simultaneamente seja credor daquele a quem deve a restituição;
iii.- que entre os dois créditos haja uma relação de conexão (v. Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem, p. 773).
Este último pressuposto, o da “conexão material entre a coisa retida e o crédito do retentor” constitui “o âmago deste direito real de garantia regulador do seu âmbito de aplicação”; isto é, representa o reconhecimento do direito “com carácter geral, nas situações em que o crédito do retentor advenha de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causados” (v. Mariana Coimbra Piçarra, ibidem).

Ora, por total ausência deste último requisito, à Apelada não pode ser reconhecido direito de retenção do acervo do condomínio Apelante que tem em seu poder com base no preceito em apreço.
Na verdade, o seu crédito sobre o Apelante, dizendo respeito a honorários, a despesas com consumíveis e a disponibilização de fundos para pagamento de indemnização a condómino, diz respeito ao exercício da sua atividade e não ao acervo do condomínio propriamente dito.
Diferente seria se o seu crédito tivesse como causa, por exemplo, o pagamento, pela própria, do custo de aquisição daquilo que integra o acervo, ou a satisfação de despesas necessárias à guarda ou depósito desse acervo, na certeza de que aí sim, entre a coisa retida e o crédito sobre o titular desta intercedia o nexo de conexão material pressuposto no preceito.
Mas tal não é - manifestamente - o caso, pois que não é do acervo do condomínio que a Apelada retém em seu poder que resulta o crédito desta sobre o Apelante, mas sim de outra fonte, isto é, o exercício da atividade de administração do condomínio.
Não há, pois, direito de retenção da Apelante à luz do art.º 754.º do Código Civil.

A par do conceito geral de direito de retenção previsto no art.º 754.º do Código Civil, contudo, previu o legislador no art.º 755.º um elenco de casos especiais de direito de retenção.
Caracterizam-se tais casos pelo facto de o direito de retenção neles reconhecido assentar, já não na referida conexão material entre crédito e coisa retida, mas na “circunstância de a obrigação de entrega da coisa e o credito do retentor provirem da mesma relação jurídica” (v. Ana Taveira da Fonseca, ‘Da Recusa de Cumprimento da Obrigação para Tutela do Direito de Crédito’, apud Mariana Coimbra Piçarra, ibidem, p. 20).
Ora, um desses casos, o previsto na alínea c) do n.º 1, confere direito de retenção ao mandatário sobre as coisas que lhe tiverem sido entregues para execução do mandato, pelo crédito resultante da sua atividade.
O direito de retenção do mandatário aqui previsto abrange, como decorre da leitura do preceito, não apenas as coisas que integrem objeto do mandato, mas todas aquelas que tenham sido entregues ao mandatário para a execução deste, tendo, por isso, um alcance ‘amplo’ (v. Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem, p. 776).
E tem como contraponto, precisamente, o crédito resultante da sua atividade, o mesmo é dizer, além do mais, o crédito da retribuição devida pelo exercício do mandato.

Ora, no caso, a relação de administração estabelecida entre Apelante e Apelada traduz, como se viu acima, um contrato de prestação de serviços, na modalidade de mandato oneroso com representação.
O crédito da Apelada sobre o Apelante diz respeito a honorários e a despesas suportadas pela primeira no exercício das suas funções de administração, resultando, por isso, da sua atividade.
Finalmente, as coisas que retém foram-lhe entregues em sede de execução do mandato.
Temos, pois, por verificados os requisitos do direito de retenção da Apelada à luz deste último preceito.
Improcede, pois, a pretensão do Apelante, impondo-se, ainda que por diverso fundamento, a confirmação da sentença recorrida na parte em que reconheceu o direito de retenção da Apelada.
***
.- Da responsabilidade pelo pagamento das custas da apelação
Eram cinco as questões a decidir no recurso.
O Apelante obtém vencimento na primeira, mas decai em todas as restantes.
A responsabilidade pelo pagamento das custas da apelação será, assim, repartida por Apelante e Apelada na proporção de 4/5 e de 1/5, respetivamente (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).
***
IV.- Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação e, consequentemente:
i.- reconhecer a exoneração com justa causa da Apelada como administradora do condomínio Apelante, exoneração essa deliberada na assembleia de condóminos que teve lugar no dia 27-12-2021, assim se revogando a sentença recorrida nesta parte;
ii.- manter a sentença recorrida em tudo o mais.

Custas da apelação por Apelante e Apelada na proporção de 4/5 e de 1/5, respetivamente.
Notifique.
***
Porto, 9 de outubro de 2024
(assinado eletronicamente)
José Manuel Correia
Ana Vieira
Paulo Dias da Silva