| Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PIINTO DOS SANTOS | ||
| Descritores: | RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE PRESUNÇÕES IURE ET DE IURE DECLARAÇÃO RESOLUTIVA REQUISITOS | ||
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| Nº do Documento: | RP202509301491/23.7T8AMT-G.P1 | ||
| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA A DECISÃO | ||
| Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
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| Sumário: | I - Nos casos enquadráveis nas diversas alíneas do nº 1 do art. 121º do CIRE, o administrador da insolvência está dispensado da alegação [na declaração de resolução] da prejudicialidade e da má fé do terceiro, por estes pressupostos se presumirem «juris et de jure», bastando-lhe a indicação precisa [ainda que sintética] do negócio que é objeto do ato resolutivo e as circunstâncias que se reconduzem a algum dos casos previstos nas referidas alíneas, de modo a que o destinatário da respetiva missiva possa aperceber-se que está em causa uma situação compreendida em tal artigo. II - A resolução ao abrigo da al. h) do nº 1 daquele art. 121º demanda da prova de três requisitos: i) a onerosidade dos atos objeto da resolução; ii) a sua prática dentro do ano anterior à data da instauração do processo de insolvência; iii) e a assunção de obrigações pela insolvente manifestamente superiores às assumidas pela parte contrária. III - O que releva para determinação do excesso manifestamente desproporcional que integra o requisito iii) acabado de referir, é o valor real/comercial dos bens envolvidos nos atos onerosos objeto de resolução e não qualquer outro, designadamente o seu valor contabilístico. O facto de os bens em questão terem sido vendidos por preço 50% inferior ao seu valor contabilístico não significa que não o tenham sido pelo seu preço real ou de mercado [este valor não se mostra apurado nos autos], nem, muito menos, que aquele preço tenha sido manifestamente inferior a esse [desconhecido] preço real/de mercado. IV - Demonstrado que a venda objeto de resolução se traduziu na alienação de todos os bens de que a insolvente era titular, que o produto/preço dessa venda não foi apreendido no âmbito do processo de insolvência e que a ora insolvente não o utilizou para aquisição de outros bens [móveis ou imóveis], está verificado o pressuposto da prejudicialidade para a massa insolvente previsto nos nºs 1 e 2 do art. 120º do CIRE [resolução condicional]. V - Tendo os atos onerosos em questão [a venda dos bens (objetos, máquinas e veículos)] sido praticados dentro do prazo de dois anos referido na 2ª parte do nº 4 do mesmo art. 120º e existindo entre a adquirente e a devedora vendedora a especial relação pessoal também aí exigida, com referência às als. b) do nº 1 e c) e d) do nº 2 do art. 49º do CIRE [o sócio-gerente da adquirente é filho do então sócio-gerente da vendedora], a má fé presume-se [presunção «juris tantum»], não tendo a ré ilidido tal presunção. VI - . Os nºs 4 e 5 do art. 126º do CIRE consagram duas vertentes relativas à restituição do objeto prestado por terceiro [no caso, o preço pago pela adquirente recorrente]: se este puder ser identificado e separado [fisicamente/em espécie] da massa, esse objeto deve ser restituído ao terceiro; se a sua identificação e a separação não forem possíveis, deve ser restituído o valor correspondente. Nesta segunda hipótese, a parte que represente enriquecimento da massa insolvente à data da declaração de insolvência constitui dívida da massa insolvente, ao passo que a parte restante, se a houver, constitui dívida da insolvência. VII - A existência de enriquecimento para a massa insolvente só acontece, no que concerne ao preço pago pelo adquirente, quando o seu valor tiver sido apreendido [além da apreensão dos próprios bens adquiridos pelo terceiro à ora insolvente]. Não tendo sido apreendido, não houve enriquecimento para a massa e o crédito da recorrente, de restituição/reembolso do que pagou, terá de ser considerado como crédito sobre a insolvência e não como crédito sobre a massa. VIII - E dentro desta classificação como crédito sobre a insolvência, o mesmo deve ser qualificado «in casu» como crédito subordinado, por verificação dos requisitos previstos nas als. a) e e) do art. 48º do CIRE e por a isso não obstar o que dispõe a 2ª parte da al. b) do art. 47º do CIRE, na medida em que aí só se exclui a qualificação como subordinados de créditos que beneficiem de privilégios creditórios, gerais e especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência. IX - A recorrente não beneficia do direito de retenção em atenção ao que estatui a al. b) do art. 756º do CCiv., em virtude do aludido negócio ter sido realizado de má fé. Mas caso tal direito se tivesse constituído, o mesmo ter-se-ia extinto com a declaração da insolvência. nos termos da al. e) do nº 1 do art. 97º do CIRE, porque se trataria de uma garantia real sobre bens integrantes da massa insolvente [devido à resolução a favor desta operada pelo AI] e incidiria sobre crédito havido como subordinado. | ||
| Reclamações: | |||
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| Decisão Texto Integral: | Proc. 1491/23.7T8AMT-G.P1 – 2ª Sec. (apelação) Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Rui Moreira Ramos Lopes * * * Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: Por apenso ao processo de insolvência em que foi declarada insolvente A..., Lda., veio a aqui autora, B... – Unipessoal, Lda., devidamente identificada nos autos, propor a presente ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, contra a Massa Insolvente de A..., Lda. [abreviadamente, MI], representada pelo Sr. Administrador da insolvência [abreviadamente, AI], pedindo: - que seja «revogada e dada sem efeito a resolução em beneficio da massa insolvente dos negócios que tiveram por objeto os bens identificados no art. 1º» da petição; - caso assim não aconteça, que seja a ré «condenada a restituir o preço recebido pelos referidos bens e reconhecida a garantia real de retenção atributiva de privilégio creditório, conferido à autora/credora, que se encontra na posse das coisas, de não as entregar enquanto a ré/devedora não lhe satisfizer o seu crédito». Para fundamentar a sua pretensão, alegou, no que concerne ao pedido principal, que o seu sócio-gerente desconhecia a situação da insolvente, tanto mais que, enquanto trabalhador desta, ao tempo, tinha os salários em dia, que a adquirente pagou os referidos bens pelo preço de mercado, pelo que não beneficiou de qualquer privilégio e que o ora sócio-gerente da adquirente quis autonomizar-se daquela por a mesma pretender cessar a sua atividade, embora desconhecesse que ela pretendia apresentar-se à insolvência. E quanto ao pedido subsidiário, alegou que a ré deverá restituir-lhe o preço que pagou pelo negócio que pretende resolver, uma vez que os efeitos da resolução implicam a devolução do recebido, sob pena de enriquecimento sem causa, que esse crédito e a tradição das coisas, facultada pela insolvente à autora, lhe conferem o direito de retenção sobre elas, por terem sido objeto de contrato de compra e venda [arts. 754º, 758º e 759º do CCiv.] e estarem elas na sua posse, podendo, por isso, mantê-las em seu poder enquanto o seu crédito não for satisfeito, além de ter, ainda, o direito de ver o seu crédito verificado e graduado em conformidade [art. 759º nºs 1 e 2 do CCiv.]. A ré, citada, contestou a ação, defendendo que a missiva resolutiva cumpre os requisitos legais exigidos para o caso concreto e concluiu pela manutenção da resolução operada, com a consequente improcedência do pedido principal da autora. No que diz respeito ao pedido [subsidiário] de restituição e de reconhecimento do direito de retenção invocados por aquela, pugnou pela respetiva improcedência. Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com indicação do objeto do litígio e fixação dos temas de prova, tendo, ainda, sido admitidos os meios de prova e agendada a audiência final. Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Decisão. Julga-se a presente ação improcedente, por não provada, mantendo-se a resolução dos negócios realizada pelo Sr. A.I.. Custas pela A. Registe e Notifique.». Inconformada com o sentenciado, interpôs a ré o recurso de apelação em apreço [que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo], cujas alegações culminou com as seguintes conclusões: «1. A sentença recorrida considerou o Recorrente como pessoa especialmente relacionada com a devedora insolvente, com base na relação familiar entre o gerente da insolvente e o gerente da Recorrente e na coincidência parcial de sede. 2. O facto de existir uma relação familiar ou proximidade societária não basta para presumir a má-fé, nos termos do art. 120.º, n.º 4 e 5, CIRE. 3. Até porque, independe(nte)mente da relação familiar, foram liquidados €20.775,27, referentes às máquinas e equipamentos e €2.187,50 e €800, referentes aos veículos – cfr. ponto número 1 dos factos provados da sentença recorrida-. 4. Segundo a motivação da sentença recorrida, o depoimento da testemunha AA afirmou que tentou angariar cliente para a venda das máquinas e não obteve qualquer interessado. 5. Daí, face às diligencias efetuadas pelo gerente da A..., Lda, não havia qualquer intenção de realizar um negócio inter família, mas sim de colocar os bens no mercado, como veio a acontecer. 6. Depois disso e face à ausência de interessados, o negócio acabou por ser concretizado da melhor forma possível com a Recorrente. 7. Não basta afirmar que o preço foi aquém do preço contabilístico para concluir, como concluiu, alias mal, a sentença, que o negócio é prejudicial à insolvente. 8. O negócio foi celebrado no pressuposto da normalidade empresarial e pelo valor real de mercado, não existindo qualquer intenção de prejudicar os credores. 9. A jurisprudência é clara ao referir que a presunção de má-fé prevista no art. 120.º CIRE pode ser ilidida por prova em contrário (Ac. TRP de 17/10/2019, proc. 1566/18.1T8VFR.P1, www.dgsi.pt). 10. Assim, ao considerar verificada a má-fé da Recorrente sem atender à prova suficiente, nomeadamente, comprovativo de pagamento do preço e depoimento testemunhal, a sentença violou os arts. 120.º, n.º 4 e 5, e 49.º do CIRE, bem como o princípio da presunção de boa-fé negocial (art. 762.º, n.º 2, CC). 11. A Recorrente defendeu e provou que o negócio celebrado foi válido, oneroso e de boa-fé, tendo pago o preço que no momento correspondia ao real valor de mercado dos bens adquiridos. 12. Não existiu qualquer simulação ou vantagem injustificada. 13. O art. 121.º, n.º 1, al. h) do CIRE, embora preveja resolução incondicional, não dispensa a demonstração mínima de que o preço foi manifestamente inferior ao de mercado, conforme defende Menezes Leitão (Direito da Insolvência, Almedina, 8.ª ed., p. 312). 14. Daí, dever ser reconhecida a validade do contrato e a adequação do preço pago ao mercado, não podendo operar resolução baseada em presunções gerais sem mais. 15. A massa não produziu qualquer espécie de prova. 16. O Tribunal a quo manteve a resolução do negócio com base na presunção do art. 121.º, n.º 1, al. h), do CIRE, por considerar que o preço pago era inferior ao valor contabilístico dos bens. 17. Contudo, esta presunção não é absoluta. 18. A decisão recorrida violou o princípio da realidade económica ao não considerar que o valor contabilístico não reflete necessariamente o valor de mercado, conforme resulta do Ac. STJ de 02/02/2012 (proc. 2322/06.7TBCBR.C1.S1, www.dgsi.pt). 19. Ficaram por se verificar os pressupostos materiais para a resolução do negócio, devendo a sentença ser revogada e substituída por decisão que mantenha a validade do contrato celebrado. 20. termos do art. 126.º, n.º 2, do CIRE, o qual dispõe: “Se o adquirente tiver efetuado uma contraprestação ao devedor, tem direito a ser restituído dessa contraprestação, devendo reclamar o crédito sobre a massa.” 21. A restituição não constitui um crédito subordinado, mas sim um crédito sobre a massa, de natureza privilegiada, nos termos definidos pela Professora Maria do Rosário Epifâneo (Manual de Direito da Insolvência, 7.ª ed., Almedina, p. 265), onde refere que "o adquirente dispõe de um crédito sobre a massa e não meramente subordinado, sob pena de enriquecimento injustificado da massa insolvente". A jurisprudência também é clara: o Ac. TRP de 04/05/2017 (proc. 4286/16.1T8PRT-B.P1, www.dgsi.pt) reconheceu que “o adquirente tem direito a ser restituído do valor pago, sendo este um crédito sobre a massa, preferente, nos termos do CIRE”. 22. Por isso, ao não reconhecer este direito, a sentença recorrida violou o disposto no art. 126.º, n.º 2, CIRE, bem como o princípio da vedação do enriquecimento sem causa (art. 473.º CC). 23. O direito de retenção foi expressamente invocado pelo Recorrente, constituindo efeito acessório do direito à restituição, com fundamento nos arts. 754.º e 755.º do Código Civil. 24. De acordo com o art. 754.º CC, aquele que tem a coisa em seu poder pode retê-la até ser pago do que lhe é devido em virtude de despesas feitas ou de danos causados por essa coisa, ou ainda se o crédito resultar de ato jurídico que tenha por objeto a coisa e seja oponível ao proprietário. 25. Na situação dos autos, o crédito do Recorrente deriva diretamente do contrato de aquisição dos bens que foi resolvido, constituindo a sua contraprestação, 26. pelo que se enquadra no âmbito do direito de retenção. 27. Ao não reconhecer este direito, a sentença violou os arts. 754.º e 755.º do CC, bem como o princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica. 28. A sentença recorrida não apreciou tal pedido subsidiário, limitando-se a julgar improcedente o pedido principal, o que configura nulidade nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, por omissão de pronúncia. 29. Acresce que, do despacho saneador proferido nos presentes autos o direito de retenção invocada pela Recorrente constituía um dos temas da prova. 30. Acontece que, a douta sentença recorrida apreciou apenas o pedido constante da aliena a) do ponto 2. da presente peça, julgando-o improcedente, sendo omissa quanto ao pedido na alínea b) do mesmo ponto. 31. Assim, o Tribunal a quo não resolveu todas as questões que lhe foram submetidas à sua apreciação, conforme lhe competia nos termos do art.º 608.º n.º 2 do Código de Processo Civil. 32. Pelo que, nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1 aliena d) tal omissão constitui uma causa de nulidade de sentença, que se invoca para todos os efeitos legais. 33. Ainda que se mantivesse a resolução, o adquirente tem direito à restituição do preço pago. 34. A sentença recorrida viola o art. 126.º, n.º 2, CIRE, ao não reconhecer o direito à restituição do preço pago; 35. viola os arts. 754.º e 755.º CC, ao não reconhecer o direito de retenção; 36. inverteu o ónus da prova da má-fé, aplicando incorretamente os arts. 120.º, n.º 4 e 5, CIRE; 37. manteve indevidamente a resolução, não estando verificados os seus pressupostos legais. Posto isto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que reconheça a validade do contrato, ou subsidiariamente, que condene a massa na restituição do preço e reconheça o direito de retenção, em ato de plena JUSTIÇA.». Não foram apresentadas contra-alegações. Foram colhidos os vistos legais. * * * II. Questões a decidir: Face às conclusões das alegações da recorrente – que fixam o thema decidendum deste recurso, de acordo com o estabelecido nos arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 als. a) a c) do CPC – as questões a decidir são as seguintes: - Verificação dos pressupostos da resolução incondicional ou da resolução condicional; - Nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto ao pedido subsidiário da autora; - Direito à restituição do preço e direito de retenção. * * * III. Matéria de facto provada: i) Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: 1. BB, nomeado administrador de insolvência da” A..., L.da”, NIF ...79, declarada insolvente nos autos principais, a 18/11/2023, teve conhecimento da celebração de um negócio entre “A..., L.da” e “B..., unipessoal, L.da”, cujo objeto foram - máquina de meter ilhós; - máquina de meter ganchos; - máquina costura PFAFF ...93-...50-...50-...28; - máquina costura PAFF ...18-...0-...00-...40; - máquina de costura PFAFF 294; - máquina de costura PFAFF ...83-8/...1-...00/...4; - máquina costura PFAFF491-...55-...00-...11 M,...84; - máquina programada GARUDAN GPS-G-2010H; - máquina de entretelar tempos; - máquina de facear; - máquina de orlar; - máquina Rebater Colli BS4 Mt....59-A; - máquina Timbrar c/fita; - máquina costura 1 Agulha PFAFF; - máquina de meter ilhós; - Balance de corte de pele ATON; - máquina de abrir costura e Meter Fita FIMAC; - máquina costura REFLEY 906k3; - máquina costura Golda 6111; - máquina costura elka; - mesa C/pistola de Dar Cola NEOPRENE; - compressor FIAC C/MOD SECAGEM; - BALANCE de corte de pele ATON Mod SE25; - máquina de facear Marca ELLEGI; - máquina costura GLOBAL 2 agulhas Mod LP; - máquina costura Global 1 Agulhas Mod 2971 AUT; - máquina costura DURKOPP ADLER Mod ... - máquina costura DURKOPP ADLER; - mesa C/pistola de dar cola NEOPRENE; - máquina PFAFF 335 AVIVAR; - multifunções Brother MFC – J6920dw; - máquina costura DURKOPP ADLER ...; - máquina de Vergar GASPEAS; - máquina de ilhós; - máquina de Ribetes Duplos; - máquina de entretelar rotativa 450 cm; - máquina costura DURKOPP ADLER ...-M agulhas; - máquina costura DURKOPP ADLER 888; - máquina costura LP1971LH M-aut GLOBAL; - máquina Entretelar rotativa Marca; - máquina Entretelar rotativa Marca; - Relógio Ponto; - máquina SEWMAQ de cortar Elastica; - Estante PIKING ESNOVA; - Estante PIKING ESNOVA; - máquina Vergar GASPEAS; - Balancé de Braço ATON SE25; - máquina de dar cola com bancada; - Humidificador para corte; - máquina Facear Marca COMELG; - balance Ponte ATON, pelo valor total de € 20.775,27 e ainda, - veículos de marca Citroen de matrícula ..-PH-.. e marca ... matrícula ..-..-TG, pelo valor de € 2.187,50 e € 800,00, respetivamente (…) 2. (…) numa altura em que os negócios referidos em 1. foram praticados quando a “A..., L.da “já se encontrava em situação difícil, dia 29/09/2023, data da fatura e 04/10/2023, data do registo automóvel. 3. Menos de 2 meses depois (03/11/2023) foi apresentada a petição inicial no tribunal a requerer a insolvência, (…) 4. (…) facto que era do conhecimento de CC, então trabalhador da A... e ora sócio gerente da B... - Unipessoal, L.da e filho do sócio da empresa A... - DD. 5. Os negócios referidos em 1. tiveram lugar porquanto a A... já não conseguia honrar os seus compromissos e se não se encontrasse já em situação de insolvência não se iria desfazer dos seus instrumentos de trabalho e desenvolveria normalmente o seu negócio. 6. Em virtude da alienação referida em 1., privilegiou-se a “B...” em detrimento de todos os demais credores, quando já decorria o processo de desativação da “A...” (e porquanto valor das vendas o foram por valor 50% inferior ao valor contabilístico), que culminou com a sua insolvência, diminuindo-se a satisfação dos credores da massa insolvente desta. 7. A fatura de venda dos equipamentos referidos em 1. data de 29/09/2023 e os registos na conservatória, dos veículos ..-..-TG e ..-PH-.., foram efetuados a 04/10/2023. 8. As cartas de resolução do negócio referido em 1. foram enviadas pelo Administrador da massa insolvente da “A..., L.da” a CC, e a DD, a 10/01/2024. 9. A “B...” exerce a sua atividade nas mesmas instalações onde exercia a “A...”. ii) Mostra-se, ainda, provado, como decorre do apenso de liquidação [apenso E], o seguinte facto que importa ter em conta em atenção do disposto nos arts. 607º nº 4 e 663º nº 2 do CPC: 10. O AI apenas conseguiu apreender para os autos a quantia de 708,34€, proveniente de reembolsos da Autoridade Tributária à insolvente e de excesso de cobranças. * * iii) A sentença deu como não provado que: a) A autora nada sabia sobre a situação patrimonial deficitária da Insolvente. * * * IV. Apreciação jurídica: 1. Verificação dos pressupostos da resolução incondicional ou da resolução condicional. i) No caso sub judice estamos perante ação de impugnação de resolução [operada pelo AI a favor da Massa Insolvente ré] prevista no art. 125º do CIRE [daqui em diante será a este corpo de normas que nos reportaremos quando outra indicação não for feita], que estabelece que a mesma deve ser proposta no prazo de três meses [a contar da notificação da resolução], sob pena de caducidade do respectivo direito, contra a massa insolvente e como dependência [por apenso] do processo de insolvência. Tal acção segue, no silêncio da lei, o regime da ação declarativa comum. O administrador da insolvência pode resolver em benefício da massa insolvente «os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência» – nº 1 do art. 120º -, bem como os actos a que aludem as alíneas do nº 1 do art. 121º, podendo tal resolução ser feita judicialmente, por via de acção ou de excepção, ou extrajudicialmente, mediante carta registada com aviso de receção. In casu está em causa a resolução extrajudicial, por ter sido a modalidade escolhida e posta em prática pelo AI. A declaração de resolução é uma declaração negocial recipienda que, no caso, é fundada na lei e que, para ser eficaz, tem de chegar ao conhecimento do destinatário, produzindo o seu efeito logo que recebida/conhecida por este. A resolução tem efeitos retroactivos e produz a reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado ou omitido – art. 126º nº 1 [cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., pgs. 274-278, Fernando de Gravato Morais, in Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008, pg. 154 e Catarina Serra, in O Novo Regime Português da Insolvência, 3ª ed., pg. 73]. Por se tratar de declaração receptícia e por estarem em causa factos constitutivos do direito que a massa insolvente, através do AI, exercita, a missiva pela qual este procede à resolução em benefício da massa deve, nos casos do art. 120º, conter a fundamentação factual que a determina, ou seja, em atenção ao prescrito nos nºs 1, 2, 4 e 5 de tal preceito, a enumeração dos factos que traduzem a prejudicialidade para a massa [mesmo quando haja presunção desta, nos termos do nº 3 dito normativo, o AI deve, pelo menos, identificar o ato em causa, a data da sua celebração e as circunstâncias que o reconduzam a alguma das situações previstas nas alíneas do nº 1 do art. 121º] e os que caracterizam a má fé do terceiro [enquadráveis na previsão da 2ª parte do nº 4 ou na de qualquer das alíneas do nº 5, ambos do art. 120º]. Nos casos enquadráveis nas diversas alíneas do nº 1 do art. 121º, o AI está, porém, dispensado da alegação da prejudicialidade e da má fé do terceiro, por estes pressupostos se presumirem juris et de jure [presunção inilidível], bastando-lhe a indicação precisa [ainda que sintética] do negócio que é objeto do ato resolutivo e as circunstâncias que se reconduzem a algum dos casos previstos nas referidas alíneas, de modo a que o destinatário da respectiva missiva possa aperceber-se de que está em causa uma situação compreendida em tal preceito legal [cfr. Carvalho Fernandes, in Efeitos Substantivos Privados da Declaração de Insolvência, Coletânea de Estudos sobre a Insolvência, 2009, pgs. 203-207, Fernando de Gravato Morais, in A Motivação da Declaração de Resolução em Benefício da Massa Insolvente, RDES, ano LV, 2014, pg. 170 e Acórdãos do STJ de 17.09.2009, proc. 307/09.1YFLSB, disponível in www.dgsi.pt/jstj; desta Relação do Porto de 07.03.2022, proc. 3318/18.2T8STS-F.P1, de 08.09.2014, proc. 1012/11.4TBESP-E.P1, de 17.01.2012, proc. 2451/06.8TBVCD-E.P1 e de 10.05.2011, proc. 1564/08.6TBAMT-F.P1 (este relatado pelo aqui relator), todos disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp; da Relação de Lisboa de 07.07.2016, proc. 640/10.0TBPDL-W.L1-2 e de 15.04.2010, proc. 389/05.5TBFUN-D.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrl; e da Relação de Coimbra de 04.04.2017, proc. 104/14.2TBCDR-F.C1 e de 24.05.2011, disponíveis proc. 1791/08.6TBLRA-K.C1, in www.dgsi.pt/jtrc]. Maria do Rosário Epifânio [in Manual de Direito da Insolvência, 8ª edição, Almedina, 2022, pgs. 268-269 e nota 851], depois de referir que a lei é omissa quanto ao conteúdo da declaração de resolução, logo acrescenta, dando-lhe o seu aval, que “tem dominado na jurisprudência a tese da motivação suficiente” [em detrimento das teses minimalista e maximalista], “uma vez que a ação de impugnação da resolução pressupõe a existência de uma resolução que indique os concretos factos que fundamentam a resolução”. E acrescenta, citando Júlio Gomes [in Nótula sobre a Resolução em Benefício da Massa Insolvente, IV Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2017, pg. 123], que “a fundamentação não tem que ser exaustiva, mas há-de ser suficientemente precisa para circunscrever o objeto dessa impugnação, porquanto na ação de impugnação não poderá o administrador invocar fundamentos novos para a resolução que não tenham sido previamente mencionados na declaração de resolução”. Além disso, tal como as partes devem, na petição e na contestação, expor, ainda, as razões de direito em que estribam as pretensões que formulam ao tribunal, também o AI deve, na declaração de resolução, especificar se o faz ao abrigo da resolução condicional do art. 120º ou da resolução incondicional do art. 121º. Só que, contrariamente ao que acontece com a fundamentação fáctica, a fundamentação jurídica não é vinculativa para o destinatário, nem o condiciona, assim como não o é para o tribunal que venha a ser chamado a decidir da validade ou correcção da resolução em acção de impugnação intentada pelo destinatário daquela, por não estar sujeito às alegações/invocações das partes «no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito» – art. 5º nº 3 do CPC. Temos, assim, como certo que, mais que às razões de direito [ou aos preceitos legais] invocadas pelo administrador da insolvência na declaração/missiva de resolução, é às razões de facto [aos factos concretos] por ele ali relatados que o destinatário desta declaração e o tribunal devem atender. E porque estamos perante acção de simples apreciação negativa, enquadrável na previsão da al. a) do nº 3 do art. 10º do CPC, já que nela se visa a demonstração da inexistência ou a não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo AI na carta resolutiva, cabe à massa insolvente o ónus da prova da verificação dos pressupostos da resolução operada e não à impugnante a prova de que tais pressupostos não se verificam, em consonância com plasmado no nº 1 do art. 343º do CCiv. [assim, i. a., Maria do Rosário Epifânio, ob. cit., pg. 274 e Acórdão do STJ de 25.02.2014, citado na nota 864]. ii) Feitas estas breves considerações de ordem genérica sobre a impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, vejamos então o caso sub judice. Na declaração de resolução, o AI indicou factualidade que visava demonstrar o preenchimento da resolução incondicional do negócio descrito nos autos, com referência à al. h) do nº 1 do art. 121º ou, pelo menos, da resolução condicional, prevista no art. 120º nºs 1, 2, 4 e 5, ambos do CIRE. A sentença recorrida não é clara na subsunção jurídica a que procedeu, embora pareça ter julgado improcedente a impugnação por considerar verificados quer os pressupostos da resolução incondicional, quer os da resolução condicional, como decorre do segmento final da fundamentação [que se transcreve]: «Como é manifesto, um ato que envolva lesão enorme para o insolvente prejudica a massa, por afetar a satisfação dos credores”. E também a respeito desta alínea refere Fernando Gravato de Morais in “Resolução em Benefício da Massa Insolvente”, Almedina, Abril de 2008, pag. 135/136: “Deve existir, por um lado, uma falta de equivalência, uma desproporcionalidade, entre as prestações das partes. Por sua vez, a parte mais onerada deve ser, in casu, o devedor insolvente, o que significa consequentemente que há um prejuízo para a massa insolvente. Não basta, porém, o mero excesso. Ele deve ser ainda manifesto. Impõe-se, por isso, estabelecer parâmetros para a sua concretização.(...) A nosso ver, só caso a caso, em função do específico bem alienado, se pode concretizar a percentagem que corresponde ao excesso manifesto. Perspetivamos, todavia, o valor de 30% como tendencialmente suscetível de, verificada a restante factualidade do normativo, justificar a resolução em benefício da massa insolvente. Visa-se impedir atuações abusivas do devedor insolvente em detrimento dos credores da insolvência. Se se considerasse um valor percentual mais elevado podia esvaziar-se com facilidade a massa insolvente. Não se mostra necessária, por outro lado, a consciência desse excesso, basta que ele ocorra de facto. Acolhe-se, assim, uma conceção objetiva quando ao que representa o excesso manifesto. É indiferente, para o efeito da resolubilidade do ato, a causa que subjaz a esse excesso e se há razões subjetivas justificativas para ele. Só assim se consegue tutelar melhor os credores do insolvente” (…). No caso em apreço aplica-se o artigo 49º do CIRE que se como se referiu atribui o estatuto de “pessoa especialmente relacionada com o devedor” às pessoas que se incluam numa das situações ali elencadas. E o artigo 59º do CIRE diz-nos quem são as pessoas especialmente relacionadas com o devedor (pessoa singular ou coletiva). Por outro lado, tal como se conclui no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 4/5/2022, (acessível in www.dgsi.pt) ” II – No caso do devedor ser uma pessoa coletiva, são havidas como especialmente relacionados com o devedor, entre outras, as pessoas (singulares ou coletivas) que, independentemente da localização do seu domicílio, tenham exercido sobre a sociedade devedora, direta ou indiretamente, uma influência dominante, impondo de modo estável a respetiva vontade no seio da estrutura organizativa de outra sociedade, através da determinação do sentido das decisões dos respetivos órgãos deliberativos e, mediatamente, das decisões dos respetivos órgãos de administração; bem como as entidades que estejam entre si numa relação de grupo, tal qual qualificadas pelo Código das Sociedades Comerciais, seja por simples participação, mediante participações recíprocas, através de domínio ou de relações de grupo.” Dúvidas não restam que o artigo 120.º n.º 4 do CIRE se encontram preenchido, e, portanto, existiu má-fé na celebração destes negócios. Tais negócios foram celebrados entre duas sociedades comerciais que possuíam órgãos sociais e sócios que eram pessoas especialmente relacionadas entre si (pai e filho). O facto de serem duas sociedades comerciais a negociarem entre si não impede que se interprete o 120.º n.º 4 conjugado com o artigo 49.º do CIRE de uma forma extensiva. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça considera que nos negócios entre duas sociedades comerciais, existindo nos órgãos sociais e, ou, como sócios de cada uma pessoa especialmente relacionada consideram-se verificados os pressupostos do n.º 4 do 120.º do CIRE. Portanto, nos negócios existe má-fé do terceiro que consiste no conhecimento da situação de insolvência da insolvente. Estão, portanto, verificados todos os pressupostos do artigo 120.º e seguintes do CIRE, e portanto, todos os negócios devem-se considerar resolvidos, pelo que deve improceder a presente ação.». A recorrente não aceita que estejam verificados os aludidos pressupostos. Comecemos pela resolução incondicional e, mais concretamente, pela aferição dos requisitos da al. h) do nº 1 do art. 121º do CIRE [por ser a que está em questão e interessa analisar]. Segundo este preceito, são resolúveis em benefício da massa insolvente, sem dependência de prova de outros pressupostos, mais concretamente da prejudicialidade para a massa - que se presume, «sem admissão de prova em contrário» [presunção inilidível], nos termos do nº 3 do art. 120º - e da má fé do terceiro - que, igualmente, se presume, de acordo com a 1ª parte do nº 4 do mesmo normativo -, os «atos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte». A resolução ao abrigo de tal dispositivo demanda a demonstração/prova de três requisitos: - a onerosidade dos atos objeto da resolução; - a sua prática dentro do ano anterior à data da instauração do processo de insolvência; - e a assunção de obrigações pela insolvente manifestamente superiores às assumidas pela parte contrária [conforme refere Fernando de Gravato Morais, in Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008, pgs. 134-137, não basta que o ato seja oneroso e que tenha sido realizado no período suspeito assinalado, exigindo-se sim que: i) haja falta de equivalência, desproporcionalidade, entre as prestações das partes; ii) que a parte mais onerada seja o devedor (com o consequente prejuízo para a massa insolvente); iii) que haja manifesto excesso na desproporção, a aferir casuisticamente, em função do específico bem alienado, não sendo necessária a consciência desse excesso, bastando que ocorra]. A interpretação dos conceitos que integram os dois primeiros requisitos é de fácil apreensão, mas outro tanto já não acontece com o último, face à aparente imprecisão da expressão «obrigações … excedam manifestamente as da contraparte». Por isso, têm-se aventado vários parâmetros para a concretização da manifesta desproporcionalidade que ali se exige, havendo quem aponte para um critério «do dobro do valor» e quem, considerando-o demasiado largo para os interesses em jogo [defesa dos interesses dos credores do insolvente], defenda antes uma diferença de valores entre 20% e 40% [cfr. Gravato Morais, obr. e loc. cit., que perspetiva “o valor de 30% como tendencialmente susceptível, verificada a restante factualidade do normativo, de originar a resolução em benefício da massa insolvente”]. E, como é bom de ver, o valor que aqui releva, para determinação do exigido excesso manifestamente desproporcional, é o valor real/comercial dos bens envolvidos nos atos onerosos objeto de resolução e não qualquer outro [cfr. Acórdão do STJ de 07.07.2021, proc. 3512/17.3T8STR-C.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, que decidiu que “Nada tendo sido alegado ou provado no sentido de que os preços dos atos de alienação eram manifestamente inferiores aos valores reais, não procede a pretendida resolução ‘incondicional’ ao abrigo da al. h) do art. 121.º do CIRE”; ainda, Acórdão desta Relação do Porto de 25.02.2025, proc. 2925/23.6T8STS-E.P1, relatado pelo aqui relator, disponível in www.dgsi.pt/jtrp, no qual se decidiu que “Tendo a resolução sido feita ao abrigo da al. h) do nº 1 do art. 121º do CIRE, o AI estava obrigado, na (…) declaração (de resolução), a alegar factos que preenchessem os três requisitos seguintes: a onerosidade dos atos objeto da resolução; a sua prática dentro do ano anterior à data da instauração do processo de insolvência; e a assunção de obrigações pela insolvente manifestamente superiores às assumidas pela parte contrária [no caso, quanto a este último requisito, que o preço da venda do veículo tinha sido manifestamente inferior, pelo menos, em 20%, ao seu valor real/comercial”]. No caso em apreço, não há dúvida alguma quanto à verificação dos dois primeiros requisitos: está em causa um contrato de compra e venda [negócio oneroso por natureza] de diversos utensílios, maquinaria e dois veículos automóveis, indicados no facto provado nº 1, e tal contrato foi realizado dentro do ano anterior à propositura do processo de insolvência [que culminou com a declaração de insolvência da ali vendedora], conforme decorre do confronto dos nºs 2 e 3 dos factos provados. Mas o mesmo não acontece relativamente ao terceiro requisito, pois, apenas se sabe que os utensílios e a maquinaria foram vendidos por 20.775,27€, na sua totalidade, e que os dois veículos o foram por 2.187,50€, um deles, e por 800,00€, o outro, desconhecendo-se, contudo, se tais valores correspondiam aos preços de mercado de tais bens à data da sua venda ou se, pelo contrário, os mesmos ficaram manifestamente abaixo do seu valor real/de mercado. Sabe-se apenas que o valor das vendas foi 50% inferior ao seu valor contabilístico [facto provado nº 6]. Só que valor real ou de mercado e valor contabilístico são realidades distintas: o valor contabilístico é o valor de um ativo conforme registo nos livros de contabilidade de uma empresa após a depreciação e amortização e que se baseia nos custos históricos, não refletindo necessariamente o valor atual desse ativo no mercado; já o valor de mercado é o valor pelo qual um ativo pode ser comprado ou vendido no mercado aberto num determinado momento e é determinado pela oferta e pela procura e por outras variáveis económicas que o influenciam. Ou, dito de outro modo, o valor contabilístico é estático e histórico, enquanto o valor de mercado é dinâmico e influenciado por fatores económicos e de desempenho [cfr. https://vendadeempresas.pt/]. Por isso, o facto de os bens em questão terem sido vendidos por preço 50% inferior ao seu valor contabilístico não significa que não o tenham sido pelo seu preço real ou de mercado, nem, muito menos, que aquele preço tenha sido manifestamente/desproporcionalmente inferior ao seu preço real/de mercado, sendo certo que, pelo menos, no que diz respeito aos veículos, um deles tem matrícula de 2014 - o ..-PH-.. - e o outro de 2002 - o ..-..-TG [conforme consulta que efetuámos no site da Associação Nacional do Ramo Automóvel, https://aran.pt.], pelo que aquele tinha 9 anos à data da venda em questão nos autos e este tinha 21 anos na mesma data, caso se tratasse de veículos novos à data das matrículas, o que também se desconhece [desconhecendo-se, igualmente, os respetivos modelos e outras características relevantes para determinação do seu preço de mercado à data da venda]. Por conseguinte, não tendo ficado demonstrado que os bens indicados em 1 dos factos provados tenham sido vendidos por preços manifestamente/desproporcionalmente abaixo do seu valor real/comercial – prova que, como já dito, competia à ré –, falece a causa da resolução incondicional prevista na al. h) do nº 1 do art. 121º do CIRE. Não estando em causa nenhuma das outras alíneas deste preceito, há, pois, que concluir que não se verificam os requisitos da resolução incondicional, ali estabelecidos. Nesta parte assiste razão à recorrente. iii) Afastada a via da resolução incondicional, importa, ainda, aferir se ocorrem os pressupostos da resolução condicional prevista no art. 120º do CIRE. A sentença recorrida concluiu que sim. A recorrente considera que não, por, na sua ótica, não ter ficado provado que tivesse agido de má fé, nem que o negócio tivesse sido prejudicial para a insolvente. Neste caso, cabia à ré a prova de que o negócio objeto da resolução levada a cabo pelo AI foi prejudicial à massa insolvente e que a adquirente, ora recorrente, agiu de má fé, ou seja, no primeiro caso, que aquele negócio diminuiu, frustrou, dificultou, pôs em perigo ou retardou a satisfação dos credores da ali vendedora, entretanto declarada insolvente [nº 2] e, no segundo, que a adquirente tinha conhecimento, à data da compra e venda, que a vendedora se encontrava em situação de insolvência, ou do carácter prejudicial da venda e de que a vendedora se encontrava em situação de insolvência iminente ou, ainda, do início do processo de insolvência – als. a), b) e c) do nº 5 do referido normativo. Isto sem prejuízo de a má fé se presumir quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data – nº 4 do mesmo preceito. Começando pela prejudicialidade para a massa insolvente Sobre este requisito há quem defenda que a mera venda, no sentido de troca de um bem ou direito por dinheiro, implica prejuízo para os credores por causa da volatilidade e mais difícil exequibilidade do dinheiro [cfr. por ex., Acórdãos desta Relação do Porto de 29.04.2014, proc. 535/10.7TBSTS-E.P1 e de 05.12.2013, proc. 2041/10.0TJPRT-C.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Coimbra de 06.03.2018, proc. 3582/13.3TJCBR-C.C2, disponível in www.dgsi.pt/jtrc - neste sustenta-se que “a noção de prejudicialidade estende-se e inclui as situações em que, na sequência de ato negocial, se verifica uma saída do património do devedor de um bem de valor equivalente ao bem que nele ingressou, desde que se verifique uma ‘perda qualitativa’ quanto à exequibilidade do património; em tais hipóteses, de ‘perda qualitativa’, já ocorre uma lesão atual da garantia patrimonial do credor, ou seja, tal ‘perda qualitativa’ causa prejuízo efectivo e justifica que se diga que dificulta/diminui, coloca em perigo e agrava a possibilidade de credores da insolvência verem os seus créditos satisfeitos. E tal prejudicialidade - tal ‘perda qualitativa’ - ocorre quando, no ativo dum devedor, se ‘troca/substitui’ um bem imóvel no valor de, por ex., € 50.000,00 por € 50.000,00 em numerário”], enquanto outros defendem que a natureza volátil do preço/dinheiro que o comprador entregou ao vendedor não releva para o que se discute no âmbito de uma resolução em que se proporcionou, com o pagamento do preço, meios de liquidez financeira imediata à devedora, tanto mais que o comprador tem a obrigação de pagar o preço, mas não lhe cabe controlar o destino que o vendedor dá ao dinheiro [assim, i. a., Acórdãos do STJ de 22.02.2022, proc. 240/18.6T8AMT-H.P1-A.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação do Porto de 19.06.2017, proc. 1401/13.0TBPNF-B.P2, disponível in www.dgsi.pt/jtrp - no primeiro sustenta-se que “A circunstância de os objetivos visados com a contratação terem acabado por não ser bem sucedidos não tem a virtualidade de tornar esse ato prejudicial para o património da ora Insolvente e, como assim, para a sucedânea massa insolvente. E a ‘natureza volátil’ daquilo (pecúnia) que o Autor entregou à outra parte não tem qualquer relevância para o que se discute, pois que era obrigação do Autor pagar o preço daquilo que adquiriu e não era obrigação do Autor controlar a administração desse preço”]. Temos para nós como certo que “qualquer ato que enfraqueça (qualitativamente ou quantitativamente) a garantia patrimonial pode (e deve) ser atacado” com a resolução em benefício da massa insolvente [Fernando de Gravato Morais, obr. cit., pg. 50], sendo esta a “pedra de toque desta aferição”, como diz o Acórdão da Relação de Lisboa de 08.04.2025 [proc. 10048/23.1T8SNT-E.L1-1, disponível in www.dgsi.pt/jtrl], no qual se acrescenta que “a troca de um bem ou direito por uma soma pecuniária equivalente não significa que não tenha havido prejuízo para a massa insolvente”, sendo a “análise em concreto da situação (…) essencial”, pois “[a] soma pecuniária obtida pode vir a ser apreendida, ela própria ou pode ser reinvestida, gerando riqueza/património para a devedora”, como acontece quando esta “tenha alienado valores mobiliários e participações sociais e tenha com o produto adquirido bens imóveis, entretanto valorizados”. Ora, no presente caso, a ré massa insolvente fez prova da venda dos bens indicados no facto provado nº 1 e de que o AI não logrou proceder à apreensão de quaisquer bens da insolvente, incluindo o preço da venda daqueles bens, pois a única apreensão concretizada foi a de uma quantia de 708,34€ que constituíam reembolsos da Autoridade Tributária a favor da insolvente. Mostra-se, assim, demonstrado que a venda objeto de resolução se traduziu na alienação de todos os bens de que a insolvente era titular e que o produto dessa venda não foi apreendido no âmbito do processo de insolvência de que estes autos são dependência e apenso e, bem assim, que a ora insolvente não o utilizou [ao dinheiro que recebeu da autora aqui recorrente] para a aquisição de outros bens [móveis ou imóveis], na medida em que nenhuns se mostram apreendidos. Houve, por conseguinte, prejuízo para a massa insolvente, tendo-se a referida alienação traduzido num ato que diminuiu - e até frustrou - a satisfação dos credores da insolvente. Está, pois, verificado o requisito da prejudicialidade, previsto nos nºs 1 e 2 do art. 120º do CIRE. E quanto à má fé? A verificação deste requisito não demanda grande esforço argumentativo, por ser evidente que ocorrem os requisitos descritos na 2ª parte do nº 4 daquele art. 120º, a saber: - os atos onerosos em questão [a venda dos referidos bens móveis (objetos, máquinas e veículos)] foram praticados dentro do prazo de dois anos aí indicado [mais concretamente, menos de dois meses antes do início do processo de insolvência de que estes autos são dependência]; - e entre a adquirente e a devedora vendedora existia a especial relação pessoal também ali exigida, com referência às als. b) do nº 1 e c) e d) do nº 2 do art. 49º do CIRE, não tanto entre as sociedades que celebraram o negócio, mas sim entre o sócio-gerente da vendedora e o ora sócio-gerente da adquirente [este é filho daquele], então trabalhador daquela – cfr. factos provados nºs 3 e 4 [neste sentido, AUJ (do STJ) nº 15/2014, publicado na 1ª Série do DR de 22.12.2014, no qual se uniformizou jurisprudência no sentido de que “Nos termos e para os efeitos dos artigos 120.º, n.º4 e 49.º, n.os 1 e 2, alíneas c) e d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, presume-se que age de má fé a sociedade anónima que adquire bens a sociedade por quotas declarada insolvente, sendo de considerar o sócio-gerente desta e seu filho, interveniente no negócio de aquisição como representante daquela, pessoas especialmente relacionadas com a insolvente”; cfr. também Teixeira de Sousa, in Resolução em benefício da massa insolvente por contrato celebrado com pessoa especialmente relacionado com o devedor, Cadernos de Direito Privado nº 50, abril/junho de 2015, pgs. 61-62, que considera que “o que releva são as pessoas que podem imputar o ato às respetivas sociedades, não estas mesmas sociedades”, havendo como que uma desconsideração da personalidade da sociedade adquirente, “pois só isso permite atribuir relevância ao seu administrador, mas também desconsidera a personalidade da própria sociedade insolvente, dado que apenas esta desconsideração possibilita que se conceda relevância ao seu sócio-gerente”]. Presume-se, deste modo, a má fé da adquirente autora e ora recorrente, nos termos previstos na 2ª parte do nº 4 do citado art. 120º, presunção juris tantum que esta não logrou ilidir [tendo em conta a factualidade que se encontra provada e não provada e contrariamente ao que a mesma refere, designadamente, nos nºs 8, 10 e 11 das conclusões]. Estão, assim, preenchidos os requisitos da resolução condicional. Como tal, a impugnação da resolução não podia deixar de improceder, como declarado na sentença recorrida e que ora se impõe confirmar [embora com fundamentação não totalmente coincidente], com a consequente improcedência do recurso nesta parte. * * 2. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto ao pedido subsidiário da autora. A recorrente alega que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da 1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, por não ter conhecido do pedido subsidiário que formulou na petição inicial, no qual pediu, em caso de improcedência da impugnação da resolução a favor da massa insolvente, que a ré fosse «condenada a restituir o preço recebido pelos referidos bens e reconhecida a garantia real de retenção atributiva de privilégio creditório, conferido à autora/credora, que se encontra na posse das coisas, de não as entregar enquanto a ré/devedora não lhe satisfizer o seu crédito». Vejamos. É sabido que o juiz, na sentença, deve “conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, pois se não o fizer e o conhecimento das questões omitidas não tiver ficado prejudicado pelo anterior conhecimento de outra(s) questão(ões), incorre na nulidade prevista na referida alínea; e, como contraponto, não pode “conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções na exclusiva disponibilidade das partes (…)”, sendo, em ambas as situações, “nula a sentença em que o faça” [assim, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pg. 670, anotação ao antigo art. 668º do CPC, cuja al. d) do nº 1 era, em tudo, igual à al. d) do nº 1 do atual art. 615º; idem, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., reimpr. 2025, Almedina, pg. 794]. A nulidade a que se reporta a 1ª parte desta al. d) tem de ser total/absoluta, pois se a questão é conhecida/apreciada pelo juiz, ainda que incorretamente, não haverá omissão, mas sim um conhecimento deficiente/errado da mesma, que se situa já fora da problemática das nulidades de sentença/decisão. A nulidade em apreço é um “corolário do princípio da disponibilidade objetiva (arts. 264º, n.º 1 e 664º, 2ª parte) que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. (…) Por isso é nula a decisão quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (art. 668º nº 1 al. d) 1ª parte), ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia. (…) O tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. (…) a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art.668º, nº 1, al. d) 2ª parte), ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia.” [Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 220-221]. Necessário é, pois, como unanimemente sustentam a doutrina e a jurisprudência, que a omissão se reporte ao conhecimento de questões suscitadas pelas partes e não a meros argumentos ou considerações por elas expostos em defesa das suas pretensões ou das exceções invocadas [cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, pg. 143, que refere que “Quando as partes submetem ao Tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o Tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”; idem, entre muitos outros, Acórdãos do STJ de 08.02.2024, proc. 995/20.8T8PNF.P1.S2, de 11.10.2022, proc. 602/15.0T8AGH.L1-A.S1 e de 07.07.2016, proc. 802/13.8TTVNF.P1.G1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj]. In casu a ocorrência da invocada nulidade é patente. A autora formulou expressamente o referido pedido subsidiário, nos termos do nº 1 do art. 554º do CPC, pelo que era questão que o tribunal tinha obrigatoriamente que apreciar/decidir, fosse no sentido do seu indeferimento liminar ou no sentido da procedência ou improcedência do mesmo. Mas, apesar de não ter sido liminarmente indeferido [se houvesse fundamento para tal], nem ter sido objeto de qualquer decisão no despacho saneador – no qual, aliás, o direito de retenção invocado no âmbito daquele pedido integrou os temas de prova aí fixados [cfr. despacho saneador de 05.12.2024] –, o tribunal a quo não se pronunciou quanto a ele na sentença. E, nesta, por não se tratar de questão cujo conhecimento tivesse ficado prejudicado pela improcedência do pedido principal – pelo contrário, a necessidade do seu conhecimento surge, precisamente, por causa da improcedência deste, já que se trata de pedido subsidiário – tinha que haver, obrigatoriamente, pronúncia sobre tal questão, em obediência ao prescrito no nº 2 do art. 608º do CPC.. Não a tendo havido, incorreu a sentença recorrida na invocada omissão de pronúncia, geradora da sua nulidade, nos termos da al. d) do nº 1 do art. 615º do mesmo corpo de normas. Neste ponto a recorrente tem razão, cabendo a este tribunal de 2ª instância suprir tal nulidade e conhecer diretamente do aludido pedido subsidiário. É o que faremos no item seguinte. * * 3. Direito à restituição do preço e direito de retenção. Conhecendo do pedido subsidiário. A autora, ora recorrente, pediu, na p. i., a título subsidiário, a condenação da ré a restituir-lhe o preço que pagou pelos bens indicados no facto provado nº 1 e que lhe seja reconhecido o direito de retenção [direito real de garantia] sobre tais bens até que obtenha a satisfação do seu crédito. Invocou, para tal, o disposto nos arts. 754º e 758º do CCiv.. Como se concluiu no item 1 deste ponto IV, a impugnação da resolução, peticionada pela autora, improcedeu, com a consequente manutenção da resolução em benefício da massa insolvente operada pelo Sr. Administrador da Insolvência. Como estabelece o nº 1 do art. 126º do CIRE [em consonância, aliás, com o regime geral previsto no art. 434º do CCiv.], a resolução tem efeitos retroativos, com a consequente reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado [ou omitido]. Por via disso, deve, em princípio, ser restituído o que houver sido prestado: o comprador deve restituir o que adquiriu [quando estiver em causa, como é o caso, contrato(s) de compra e venda] e, por sua vez, deve ser reembolsado do preço que pagou. Esta regra, contudo, não tem plena aplicação quando estejam em causa terceiros [outro(s) interveniente(s) além das partes contraentes]. Nestes casos existem algumas especificidades. A primeira é a seguinte: relativamente a objeto que tenha sido prestado por terceiro, “a sua restituição só acontecerá se for possível a sua identificação e separação dos restantes bens da massa insolvente (art. 126º, nº 4); se tal não for possível, a massa será obrigada a restituir o respetivo valor como dívida da massa insolvente, na parte que corresponde ao seu enriquecimento à data da declaração da insolvência, e, no seu eventual remanescente, como dívida da insolvência (art. 126º, nº 5)”. A segunda é esta: “na hipótese de o credor da restituição ser a própria massa insolvente, o adquirente a título gratuito só será obrigado a restituir na medida do seu enriquecimento sem causa, exceto se se encontrar de má fé, real ou presumida, sendo neste caso obrigado a restituir a totalidade”. A terceira: “os créditos sobre a insolvência que resultem para o terceiro de má fé em consequência da resolução são considerados créditos subordinados (art. 48º, al. e))” [Maria do Rosário Epifânio, obr. cit., pg. 275; idem, Catarina Serra, in Lições de Direito da Insolvência, 3ª ed., 2025, pg. 301]. No que concerne à conjugação do que dispõem os nºs 4 e 5 do art. 126º, Carvalho Fernandes e João Labareda [in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2008, Quid Juris, pg. 443] referem que o regime de restituição neles previsto tem duas vertentes, consoante o objeto da restituição possa ou não ser identificado e separado da massa, a saber: “Se a identificação e a separação [física/em espécie, dizemos nós] forem possíveis, deve o respetivo objeto ser restituído ao terceiro. Assim se dispõe no nº 4. Se a identificação e a separação do objecto não forem possíveis, determina o nº 5 que deve ser restituído o valor correspondente”, logo acrescentando que “Todavia a restituição deste valor segue dois regimes diferentes. (…) a parte desse valor que represente enriquecimento da massa insolvente à data da declaração de insolvência constitui dívida da massa insolvente; a parte restante, se a houver, constitui dívida da insolvência”. E concluem que “a preocupação do legislador foi a de assegurar regime mais favorável ao terceiro quanto ao que, na prestação por ele feita e que deva ser restituída, constituir enriquecimento da massa”, pelo que, “Em face do que se consagra nos nº s 4 e 5 deste art.º 126º, e mau grado a sua omissão a propósito desta matéria, no caso de o direito do terceiro se traduzir no reembolso do que pagou ao insolvente estaremos, decerto, perante um crédito sobre a massa.” [veja-se também Sara Resende, in A Resolução em benefício da Massa Insolvente - A Resolução Incondicional, Faculdade de Direito, Escola do Porto, 2017, disponível em https://repositorio.ucp.pt›]. Está aqui em causa o reembolso do preço que a autora recorrente pagou pela compra dos bens mencionados em 1 dos factos provados. A sua separação e restituição física/em espécie não é, obviamente, possível. Há, portanto, que ter em conta o que dispõe o nº 5 do art. 126º. O que significa que o reembolso tanto pode constituir dívida da massa insolvente, caso e na parte em que o preço importe enriquecimento sem causa da massa, como ser um crédito sobre a insolvência, caso não esteja demonstrado aquele enriquecimento ou na parte em que o mesmo não se traduzir em enriquecimento da massa. Como é evidente, só existe enriquecimento da massa insolvente quando o preço pago pelo adquirente dos bens tiver sido, também ele, apreendido para a massa. O enriquecimento desta pressupõe que, através do AI, tenha apreendido para a massa o valor do preço pago e, ao mesmo tempo, devido à resolução do negócio, operada por aquele, estejam também apreendidos os bens objeto daquele contrato, ou a massa tenha direito à restituição destes, caso eles tenham continuado na posse do adquirente [e que, após a sua entrega por esta, passariam a integrar a massa insolvente. Acontece, porém, que in casu o preço pago [o valor equivalente] pela adquirente pela compra dos bens em questão não foi apreendido, como consta do facto provado [aditado] nº 10. Neste momento, aliás, a massa insolvente não está na posse dos bens adquiridos pela aqui recorrente [apesar da resolução operada pelo AI], nem na do valor do preço por esta pago à vendedora, agora insolvente. Não se pode falar, por isso, em enriquecimento da massa. Cabia à autora recorrente fazer prova de tal enriquecimento para que o crédito pelo reembolso do preço que pagou pudesse ser considerado como crédito sobre a massa [ou, visto do lado desta, como dívida da massa] – art. 342º nº 1 do CCiv.. Não estando provado tal enriquecimento, o crédito daquela, de restituição/reembolso do que pagou, terá de ser considerado como crédito sobre a insolvência e não como crédito sobre a massa. Não tem, por isso, aqui aplicação o que dispõe o art. 51º nº 1 al. i) do CIRE [que alude às dívidas que têm por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente]. Dado este passo, importa então qualificar o crédito da autora recorrente no âmbito dos créditos sobre a insolvência, já que estes podem ser garantidos/privilegiados, comuns ou subordinados, como estatui o nº 4 do art. 47º do CIRE, nas suas als. a) a c). Vimos em 1 deste ponto IV, na parte relativa à aferição dos requisitos da resolução condicional, que a adquirente, aqui autora e recorrente, e a vendedora, entretanto declarada insolvente, realizaram o negócio em questão de má fé e que se verificou o especial relacionamento a que se reportam as als. b) do nº 1 e d) do nº 2 do art. 49º do CIRE entre o então sócio gerente da vendedora, ora insolvente, e o atual sócio gerente da autora recorrente. Estas duas situações estão cobertas pelas als. a) e e) do art. 48º do CIRE – a primeira reporta-se aos créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respetiva constituição [e, bem assim, por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; a segunda refere-se aos créditos sobre a insolvência que, como consequência da resolução em benefício da massa insolvente, resultem para o terceiro de má fé. A propósito destas duas alíneas, ensinam Carvalho Fernandes e João Labareda [in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2008, Quid Juris, pgs. 228-229, nota 6] que se trata de uma “verdadeira penalização” para os credores por elas abrangidos que ficam sujeitos a um tratamento menos favorável que a generalidade dos demais credores. E justificam esta solução nos seguintes termos: - Quanto à al. a): “O que está aqui em causa é, precisamente, a presunção de os atos praticados pelo insolvente, para mais num período vizinho da abertura do processo de insolvência, com pessoas que, (…), lhes são próximas, tenderem a beneficiá-las. Daí que, se de tais atos resultam créditos, estes, em caso de consumação da insolvência, devem ficar sujeitos a um tratamento menos favorável que a generalidade dos demais”. - Relativamente à al. e): “no caso de resolução de atos onerosos do insolvente, (…) a contraparte fica investida no direito de repetir o que prestou, estando, evidentemente, vinculada a devolver o que recebeu. Ora, por virtude do regime aqui fixado, segue-se que a contraparte, devendo restituir, apenas tem direito a haver o reembolso do que lhe é devido depois de integralmente pagos todos os demais titulares de créditos não subordinados. Naturalmente, um tal desfavor só pode fundamentar-se num comportamento particularmente reprovável do afetado. Essa nota essencial é traduzida na má fé.”, concluindo depois que “Por norma, como se vê do disposto no nº 4 do art. 120º, a resolução pressupõe a má fé e, por isso, o desencadeamento do regime fixado na al. e) do art. 48º é uma consequência da própria resolução.”. Por via disso, o crédito da autora recorrente é um crédito subordinado, sujeito à disciplina do referido art. 48º e não, como defende nas alegações/conclusões, um crédito sobre a massa insolvente. A esta conclusão não obsta o que consta da segunda parte da al. b) do art. 47º do CIRE, na medida em que aí só se exclui a classificação como subordinados de créditos que «beneficiem de privilégios creditórios, gerais e especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência». E, in casu, o crédito da recorrente não beneficia nem de privilégio creditório [geral ou especial], nem de hipoteca legal, invocando aquela a titularidade de um direito de retenção [direito real de garantia] sobre os bens já várias vezes referenciados, que não consta do elenco da segunda parte daquela al. b). Nesta parte, há então que reconhecer que a mesma tem direito a ser reembolsada do preço que pagou pela aquisição dos ditos bens, mas que o seu crédito é um crédito subordinado. Resta o direito de retenção. Face ao que decorre do que acabámos de expor, parece evidente que a recorrente não poderia exercer in casu o direito de retenção que reclama. Reconhecer-se-lhe tal direito seria um contrassenso face à natureza do seu crédito – crédito subordinado. Como este só poderá vir a ser graduado e pago depois dos restantes créditos sobre a insolvência, está-lhe vedado paralisar os direitos de crédito desses credores. Mas, bem vistas as coisas, a recorrente não chegou sequer a beneficiar do direito de retenção [este não se constituiu a seu favor] em atenção ao que estatui a al. b) do art. 756º do CCiv., em virtude do aludido negócio ter sido realizado de má fé, como atrás declarado, não havendo, por isso, direito de retenção a seu favor pelas despesas que realizou [no caso, relativamente ao preço que pagou pelos bens móveis que adquiriu]. Ainda que assim não fosse e se tivesse constituído o direito de retenção que invoca, o mesmo ter-se-ia extinto com a declaração da insolvência nos termos da al. e) do nº 1 do art. 97º do CIRE, porque se trataria de uma garantia real sobre bens integrantes da massa insolvente [devido à resolução a favor desta operada pelo AI] e incidiria sobre crédito havido como subordinado. Em conclusão, embora a recorrente tenha direito à restituição do preço que pagou, o seu crédito é sobre a insolvência [e não sobre a massa] e trata-se de crédito subordinado, não lhe assistindo o direito de retenção que invoca. Pelo decaimento parcial de ambas as partes, as custas ficam a cargo da recorrente e da massa insolvente, na proporção de 4/5 para a primeira e de 1/5 para a segunda. * * Síntese conclusiva: ………………………………………………………. ………………………………………………………. ………………………………………………………. * * * V. Decisão: Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º) Julgar o recurso parcialmente procedente e alterar a decisão recorrida nos termos que se deixaram expostos. 2º) Condenar recorrente e massa insolvente nas custas deste recurso, na proporção de 4/5 para a primeira e de 1/5 para a segunda. Porto, 30.09.2025 Pinto dos Santos Rui Moreira João Ramos Lopes |