Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1849/24.4T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: ERRO NA FORMA DE PROCESSO
PROCESSO COMUM
PROCESSO DE INVENTÁRIO
Nº do Documento: RP202510091849/24.4T8PNF.P1
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O que determina a forma do processo é o pedido que nele é formulado.
II - A forma de processo escolhida pelo autor deve ser a adequada à pretensão que deduz e determinar-se pelo pedido que é formulado, complementado pela causa de pedir, quando a esta haja de se recorrer para melhor identificar aquele.
III - Existe erro na forma de processo quando o autor se socorre do processo comum para ser inteirado de bens que alega terem sido adquiridos na constância do matrimónio que, entretanto, veio a ser dissolvido por divórcio.
IV - O procedimento adequado a tal pretensão, que em termos jurídico-práticos se reconduz a uma operação de partilha dos bens comuns, é o processo de inventário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1849/24.4T8PNF.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este

Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

AA, divorciado, NIF ..., residente na Rua ..., ..., ... Amarante, propôs acção declarativa com processo comum contra BB, NIF ..., divorciada, residente em Rue ..., ... ..., França, pedindo que, julgada provada e procedente a acção, seja a Ré condenada a pagar-lhe “a quantia de € 59.965,93€ (cinquenta e nove mil novecentos e sessenta e cinco euros e noventa e três cêntimos mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos a contar do dia em que foi verificado o levantamento indevido dos valores pertencentes ao Autor, assim como custas e demais cominações legais”.

Alega, para tanto, o Autor ter sido casado com a Ré, no regime de comunhão de adquiridos, até 28.02.2023, data em que, por sentença, foi dissolvido, por divórcio, o casamento entre ambos celebrado.

Refere que, na constância do matrimónio, eram solidariamente, titulares da conta bancária n.º ..., domiciliada no Banco 1..., Agência ..., na qual Autor e Ré depositavam, sempre que tal se proporcionava, as poupanças do casal.

Alega que a ré, sem causa justificativa, e sem qualquer tipo de autorização por parte do autor, procedeu, em12.04.22, à transferência de 55.000,00€ da conta comum do casal para uma conta alegadamente titulada pela filha comum do extinto casal, acrescentando que a ré fez uso daquelas poupanças sabendo que metade era pertença do Autor, ocultando o destino do dinheiro, nunca tendo entregue a este qualquer quantia dessa transferência.

Refere ainda que, tendo sido vendido um imóvel que foi do casal, a Ré ficou com parte do valor da venda que cabia ao Autor.

Na contestação que apresentou, a Ré defende-se, nomeadamente, por excepção, invocando erro na forma de processo, alegando ser o processo de inventário o meio próprio para por termo à comunhão de bens.

Respondeu o Autor para sustentar inexistir o invocado erro na forma de processo, alegando que a causa de pedir “enquadra-se na responsabilidade civil do cônjuge administrador, ou seja, no art.º 1681º, n.º 1 in fine do CC”, adiantando ainda que “[N]ão sendo obrigado a prestar contas, o cônjuge administrador é responsável pelos atos praticados intencionalmente em prejuízo do casal ou do outro cônjuge. O administrador pode constituir-se em responsabilidade civil para com o outro nos termos do art.º 1681.º, n.º 1, 2.ª parte do CC.”.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido o seguinte despacho:

“Veio a R. invocar, além do mais, que existe erro na forma do processo, pois o A. propôs acção declarativa quando, no fundo, deveria ter proposto processo de inventário, para partilha de bens do ex-casal.

O A. manteve que não existe erro na forma de processo, pois pretende o reconhecimento da responsabilidade do cônjuge administrador.

Cumpre apreciar e decidir.

O invocado pela R. diz respeito à espécie de acção utilizada pelo A., se a mesma é ou não a adequada, invocando a R. que deveria ter sido usado o processo de inventário/partilha de bens por divórcio.

A propriedade do meio processual empregado, tanto pelo tipo da acção escolhido, como pela forma processual usada, mede-se em função do pedido, ou seja, da pretensão de tutela jurisdicional visada pelo requerente, e não da natureza da relação substantiva ou do direito subjectivo que lhe serve de base (Antunes Varela, anotação ao Ac. S.T.J. de 03/01/82, R.L.J., ano 125º, 1982, pág. 245).

Na presente acção o A. peticiona que a R. seja condenada a pagar ao Autor a quantia de € 59.965,93€ (cinquenta e nove mil novecentos e sessenta e cinco euros e noventa e três cêntimos mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos a contar do dia em que foi verificado o levantamento indevido dos valores pertencentes ao Autor, assim como custas e demais cominações legais.

Este pedido advém da alegação, não só da apropriação pela R. de um valor relativo à venda de um dos bens imóveis, sem o consentimento do A., mas também quanto ao valor de uma outra venda de um imóvel que realizaram a seguir ao divórcio, com a necessária contabilização de despesas e débitos que se mantêm, havendo necessidade de fazer uma divisão e imputação igualitária dos mesmos.

Como se vê da acção, o A. pretende efectuar, no fundo e legalmente, a partilha que nunca chegaram a realizar, pois fazer a divisão do património, dos créditos e dos débitos, é isso mesmo que implica, de uma partilha relativa ao ex-casal, pelo que, sem dúvida, o processo de inventário é o adequado para o efeito.

E isso acontece, mesmo nos casos em que o autor alega que, só descobriu uma transferência de dinheiro, posteriormente a divórcio, como se afere, por exemplo, do Ac. da RL de 27/09/2022, processo n.º 1060/20.3T8CSC.L1-7, in www.dgsi.pt: “I.–Ocorre erro na forma do processo num contexto em que a Autora vem demandar, em ação declarativa de condenação, o ex-cônjuge alegando que, após o divórcio por mútuo consentimento, descobriu que o réu havia ocultado a existência de depósitos e títulos, peticionando que tais bens sejam declarados comuns e que o réu seja condenado a pagar à autora metade do seu valor. II.–O processo correspondente aos pedidos formulados é o processo de inventário.

(…)

«Como tal, considerando o pedido e a causa de pedir concretamente formuladas, é manifesto que à pretensão judicial concretamente formulada corresponde o processo especial de inventário, encontrando-se o apuramento dos bens comuns do casal e a conclusão pela existência dos créditos reciprocamente peticionados da realização das operações de partilha a que se refere o art. 1689.º do CC.

Tal deverá – e apenas poderá – ser cabalmente realizado mediante o recurso ao mencionado processo especial de inventário, e através da respectiva tramitação que é distinta das acções declarativas comuns como a que foi intentada,…”.

Assim, tendo em consideração a causa de pedir nos presentes autos e o pedido formulado, atinente à divisão de bens do ex-casal, com averiguação do passivo e de acções realizadas inclusive junto de instituições bancárias, verifica-se que o processo adequado para o efeito é o processo especial de inventário, não cabendo a divisão dos bens e de partilha na acção declarativa.

Ao abrigo do disposto no art. 196º do C.P.C. o tribunal pode conhecer oficiosamente de tal nulidade, por erro na forma do processo, nos termos do art. 193º do C.P.C., mas, in casu, esse erro na forma do processo até foi alegado na contestação pela Ré.

Nos termos do artigo 1133.º do CPC (Separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento), decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns (n.º 1) e as funções de cabeça de casal incumbem ao cônjuge mais velho (n.º 2).

Ou seja, o pedido realizado pelo A., atento o por si alegado, diz respeito à discussão e divisão dos bens comuns do casal, sendo a acção judicial adequada para o efeito o aludido inventário para partilha de bens comuns.

É de concluir, pois, que existe erro na forma de processo, que implica a nulidade de todo o processo, uma vez que é insanável (não sendo possível o aproveitamento de quaisquer actos processuais já praticados) e, a consequente absolvição da Ré da instância.

Assim, face a tudo o expendido, verifica-se um erro na forma de processo, gerador de nulidade que, como já referimos, de acordo com o disposto nos arts. 193º, 196º e 200º do C.P.C., é de conhecimento oficioso.

De acordo com o art. 193º do C.P.C., esta nulidade importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, não devendo aproveitar-se os actos dos quais possa resultar uma diminuição de garantias do réu.

Ora, no caso em apreço, como vimos, face à necessidade do processo especial de inventário para partilha de bens comuns, os actos praticados inventário, pelo que temos de concluir que não se enquadram na acção adequada e não podemos aproveitar os presentes autos, restando absolver a Ré da instância, nos termos do art. 278º, n.º 1, al. b), do CPC.

Pelo exposto, e de acordo com as normas legais já citadas, declaro nulo todo o processo e, em consequência, absolvo a Ré, BB, da instância[...]”.

Não se conformando o Autor com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

“I. A sentença errou clamorosamente ao julgar verificada a exceção de erro na forma de processo, incorreu numa manifesta e evidente errada apreciação do direito, sendo este o processo próprio para julgar a pretensão da Recorrente;

II. Inexiste erro na forma de processo e o pedido do Recorrente pode e deve ser julgado com recurso aos meios comuns;

III. Conforme alegou o Autor no requerimento de resposta às exceções invocadas, com a referência 10151133, para o qual, desde já, se remete, se é certo que se o levantamento de uma conta solidária do casal foi efetuado por um dos cônjuges na constância do casamento, e não existindo prova de mandato para administração da metade pertencente ao outro cônjuge, haverá responsabilidade civil do cônjuge administrador, certo é, porém, que nestes casos, e por força do n.º 1 do artigo 1681.º do Código Civil, o elemento subjetivo da responsabilidade aquiliana é o dolo (direto, necessário ou mesmo eventual) cuja alegação e prova incumbe ao cônjuge lesado, nos termos do n.º 1 do artigo 487.º do Código Civil;

IV. A decisão recorrida considera existir erro na forma do processo por considerar que o meio processual próprio para o efeito é o processo de inventário

V. Os créditos em causa referem-se a montantes que a Ré deliberada, dolosa e intencionalmente, desviou do património comum, impedindo que o Autor deles usufruísse, lucros e dividendos resultantes da venda de bens imóveis e que integram um bem comum do casal.

VI. No caso dos autos estamos perante uma ação que se fundamenta na responsabilidade civil da Ré enquanto cônjuge administrador, por acto ilícito que lhe é imputado, gerador da obrigação de

indemnizar (subsidiariamente sendo invocado o enriquecimento sem causa da Ré).

VII. O pedido formulado na ação de responsabilidade civil instaurada consiste na condenação da Ré/recorrida a pagar-lhe uma determinada quantia correspondente a metade do valor dos bens comuns de que a mesma, durante o casamento de ambos, se apoderou, ou seja, a metade do dano.

VIII. Perante este pedido não se divisa onde exista o erro na forma do processo por referência aos presentes autos e como e de que forma este crédito tenha de ser discutido no processo de inventário;

IX. A jurisprudência e a doutrina têm-se pronunciado no sentido de que na ação de responsabilidade civil do art.º 1681º, n.º 1 do CC o cônjuge lesado poderá obter a fixação do seu direito à indemnização e o direito aí obtido pela sentença traduzir-se-á num crédito sobre o outro cônjuge. – Vide, entre muitos outros, Acórdãos de STJ de 26-11-2014 e de 08-04-2021; AUGUSTO LOPES CARDOSO (in “A Administração dos Bens do Casal”, Livraria Almedina, 1973, Coimbra, p.299) e FRANCISCO PEREIRA COELHO E GUILHERME DE OLIVEIRA (in Curso de Direito da Família, Vol. I – Introdução Direito Matrimonial, 5.ª ed., 2016, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, pp. 507 e 508).

X. Pelo que entende o Recorrente que é este o processo próprio para julgar a sua pretensão nos termos do nº 1 do art.º 1681º do Código Civil e é adequada para o fim pretendido, atento o disposto no art.º 10º do CPC.

TERMOS EM QUE,

Deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado, devendo ser revogada a sentença recorrida, sendo substituída por acórdão que declare que inexiste qualquer erro na forma do processo, determinando que os autos prossigam os seus ulteriores termos até final [...]”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar da questão da adequação do meio processual escolhido pelo mesmo para deduzir a pretensão que formulou contra a Ré, aqui apelada.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Os factos/incidências processuais relevantes para o conhecimento do objecto do recurso são os narrados no relatório introdutório.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

No presente recurso pretende-se equacionar a questão da adequação ou inadequação do meio processual de que se socorreu o apelante para deduzir a pretensão que formulou contra a Ré, aqui apelada.

O que determina a forma do processo é o pedido que nele é formulado. Como tal, deve seguir a forma em cuja finalidade se integre o pedido formulado pelo autor. Segundo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.01.2004[1], “é em face da pretensão deduzida que se deve apreciar a propriedade ou inadequação da forma da providência solicitada. É o pedido formulado pelo autor ou requerente e não a causa de pedir que determina a forma de processo a utilizar em cada caso, conforme jurisprudência dominante ou até uniforme (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 14/11/94, in http://www.dgsi.pt/jstj00025880)”.

Já era esse o entendimento de Alberto dos Reis[2], ao sustentar que “Quando a lei define o campo de aplicação do processo especial respectivo pela simples indicação do fim a que o processo se destina, a solução do problema da determinação dos casos a que o processo é aplicável, está à vista: o processo aplicar-se-á correctamente quando se use dele para o fim designado pela lei. E como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial. Vê-se, por um lado, para que fim criou a lei o processo especial; verifica-se, por outro, para que fim o utilizou o autor. Há coincidência entre os dois fins? O processo especial está bem empregado. Há discordância entre os dois fins? Houve erro na aplicação do processo especial”.

Pode, todavia, em certas situações, atender-se à causa de pedir. Mas o recurso a esta terá sempre uma função complementar de, quando tal se revele necessário, melhor identificar o pedido formulado para, assim, o enquadrar na forma de processo a ele adequado. Assim o admite Abrantes Geraldes[3] quando afirma que “a forma de processo escolhida pelo autor deve ser a adequada à pretensão que deduz e determinar-se pelo pedido que é formulado e, adjuvantemente, pela causa de pedir. É em face da pretensão de tutela jurisdicional deduzida pelo autor que deve apreciar-se a propriedade da forma de processo, a qual não é afectada pelas razões que se ligam ao fundo da causa.”

Sendo o pedido que determina a forma do processo e devendo esta ser indicada pelo autor no articulado inicial, a defesa do réu e as excepções que eventualmente o mesmo possa invocar não assumem qualquer relevância para determinação da forma do processo.

No caso em apreço, pretende o Autor com a acção que propõe contra a Ré - com que foi casado, segundo o regime de comunhão de adquiridos, até 28.02.2023, data em que, por sentença, foi dissolvido, por divórcio, o casamento de ambos -, que seja esta condenada a pagar-lhe “a quantia de € 59.965,93€ (cinquenta e nove mil novecentos e sessenta e cinco euros e noventa e três cêntimos mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos a contar do dia em que foi verificado o levantamento indevido dos valores pertencentes ao Autor, assim como custas e demais cominações legais”.

Para tanto, invoca que, sendo ambos solidariamente, titulares da conta bancária n.º ..., domiciliada no Banco 1..., Agência ..., onde ambos depositavam as poupanças do casal, a Ré, sem causa justificativa, e sem qualquer tipo de autorização por parte do Autor, procedeu, em 12.04.22, à transferência de 55.000,00€ da conta comum do casal para uma conta alegadamente titulada pela filha comum do extinto casal, fazendo ainda sua parte do produto da venda do prédio urbano, sito em ..., à Avenida ..., da freguesia ..., concelho de Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o número ... da dita freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....

Dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado entre Autor e Ré sem que tenha, entretanto, sido efectuada a partilha, judicial ou extrajudicial, dos bens, ou parte deles, que integraram o património comum do ex-casal, pretende o Autor com a acção instaurada contra a Ré que seja esta condenada a “pagar-lhe” parte do valor que, alegadamente, sem sua autorização, retirou, ainda na constância do matrimónio, da conta de que ambos eram solidariamente titulares, assim como parte produto da venda de um imóvel que foi de ambos.

Não pretende o Autor apenas o reconhecimento de que a quantia depositada na conta bancária de que foi titular, solidariamente com a Ré, e que o valor adquirido com a venda do imóvel que pertenceu ao casal integra o património comum, ainda por partilhar, do dissolvido casal. Pretende mais do que isso: que seja a Ré condenada a pagar-lhe valores que entende serem-lhe devidos com o propósito de assim ser obtida “igualação dos valores recebidos entre o casal”.

No fundo, sem o afirmar expressamente, o que o Autor pretende com a acção proposta é a partilha de bens comuns que foram do casal, por meio das operações necessárias à determinação dos respectivos quinhões e sua adjudicação a cada um dos membros do dissolvido casal.

O efeito útil que o Autor visa alcançar com esta demanda é a divisão/partilha do património comum, ainda, pelo menos em parte, indiviso. Ou seja, o efeito prático-jurídico que o Autor pretende obter através desta acção com processo comum é o correspondente ao assegurado pelo inventário instaurado na sequência de divórcio.

Destinando-se a acção apenas ao reconhecimento da natureza comum ou exclusiva de algum dos ex-cônjuges, sem a partilha dos bens comuns[4], o processo comum é o adequado ao prosseguimento dessa pretensão[5]. Como se retira do sumário do acórdão da Relação de Lisboa de 1.03.2011[6], “Não existe erro na forma de processo quando um dos cônjuges, depois de decretado o divórcio e antes da instauração do processo de inventário para partilha dos bens comuns pede em acção declarativa com processo comum intentada contra o outro o reconhecimento da qualidade de único titular de um bem adquirido na pendência do casamento”.

Não é a situação dos autos, em que o Autor pretende ser inteirado de bens que entende integrarem o seu quinhão nos bens comuns do património conjugal, o que necessariamente pressupõe uma operação de partilha. O procedimento adequado à referida pretensão não é o processo comum, mas antes o processo de inventário.

Com efeito, como pode ler-se no sumário do acórdão de Lisboa de 27.09.2022, de resto citado na decisão recorrida, “I.–Ocorre erro na forma do processo num contexto em que a Autora vem demandar, em ação declarativa de condenação, o ex-cônjuge alegando que, após o divórcio por mútuo consentimento, descobriu que o réu havia ocultado a existência de depósitos e títulos, peticionando que tais bens sejam declarados comuns e que o réu seja condenado a pagar à autora metade do seu valor.

II.–O processo correspondente aos pedidos formulados é o processo de inventário”.

Não merece, por conseguinte, qualquer reparo a decisão recorrida ao concluir existir erro na forma de processo, por o meio processual adequado, face à pretensão do Autor, ser o processo de inventário, declarando, com esse fundamento, a nulidade de todo o processo, absolvendo da instância a Ré.

Como tal, improcede o recurso, mantendo-se a decisão impugnada.


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Síntese conclusiva:

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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas: pelo apelante (art.º 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil).


Porto, 9.10.2025
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Judite Pires
Francisca Mota Vieira
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho
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[1] Processo n.º 0326458, www.dgsi.pt.
[2] Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 288.
[3] Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, pág. 247.
[4] Que poderia ocorrer em momento posterior, decidindo os membros do ex-casal, ou algum deles, por termo à comunhão do património.
[5] Neste sentido, cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 21.05.2015, processo n.º 96/14.8T8FNC.L1-2, www.dgsi.pt.
[6] Processo n.º 899/10.2TVLSB.L1-7, www.dgsi.pt.; no mesmo sentido, cfr. acórdão do STJ de 6.04.2017, processo n.º 23567/15, www.dgsi.pt.