Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7728/23.5T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL PEIXOTO PEREIRA
Descritores: PRODUTO DA VENDA
RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS
EXECUTADO COM BENEFÍCIO DE DISPENSA DO PAGAMENTO DAS CUSTAS
Nº do Documento: RP202510097728/23.5T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Antes de se dar qualquer destino ao produto da liquidação há-de retirar-se a quantia necessária para pagamento das custas da responsabilidade do executado, nos casos em que os bens forem efectivamente vendidos (ou adjudicados) na execução a que respeitam tais custas, resultando, pois, produto ou dinheiro.
II - Mesmo que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, tal circunstância não obsta a que o produto da venda dos bens penhorados (ou as quantias penhoradas) no âmbito da execução responda pelas custas processuais, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução.
III - Razões de coerência sistemática, sem sacrifício do conteúdo do direito de acesso à justiça, justificam a solução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 7728/23.5T8PRT.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo de Execução do Porto - Juiz 3

Relatora: Isabel Peixoto Pereira

1º Adjunto: António Paulo Vasconcelos

2º Adjunto: Paulo Duarte Teixeira

Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

Nestes autos de execução, Exequente e Executado foram notificados, a 13.09.2024, de decisão da Senhora Agente de Execução, nos termos da qual “os honorários/despesas devidos ao Agente de Execução, na presente data, encontram-se assegurados”.

A 26.09.2024, o Executado requereu o seguinte: “[que] os Honorários e Despesas da Senhora Agente de Execução no valor de € 2.262,68 sejam suportados exclusivamente pelo Exequente, ou pelo IGFEJ, caso o Exequente o requeira, uma vez que o Executado beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, consequentemente, o pagamento dessa quantia, não deverá ser imputada ao Executado, notificando-se a Agente de Execução para proceder a essa correção”.

Por sua vez, a 08.10.2024, a Exequente apresentou requerimento, com o seguinte teor: “sucede que, pese embora as mesmas devessem ser liquidadas pelo Executado aquando da adjudicação de quantias vincendas, tal não poderá acontecer uma vez que o mesmo beneficia de apoio judiciário.”. Por conseguinte, requer que se “notifique o IGFEJ para proceder ao pagamento do montante de 2.262,68 €, diretamente ao Exequente”.

Outrossim, a Senhora Agente de Execução sufragou que, atento o disposto no artigo 541.º do CPC, o valor das despesas/honorários devidos ao Agente de Execução deverá ser pago através do produto dos bens penhorados”.

O Ministério Público pronunciou-se, opondo-se a que as despesas e honorários da Senhora Agente de Execução sejam suportados pelo Executado, vindo em sede de alegações rectificar a posição, nos termos que infra melhor resultarão.

Foi, então, proferida decisão, nos seguintes termos, para o que releva:

«Resulta dos autos que o Executado beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como nomeação e pagamento da compensação de patrono. (…)

Neste conspecto, caso o executado beneficie de apoio judiciário, os encargos em que se enquadram os honorários e despesas do Agente de Execução serão suportados pelo Exequente, que apenas poderá ser reembolsado pelo IGFEJ (cfr. artigos 26.º, n.º6, e 29.º, n.º1, al. d), do RCP).

Note-se, contudo, que o artigo 541.º do CPC preceitua que “as custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados.”.

Nesta medida, no caso vertente, o Executado beneficia de apoio judiciário, mas apenas nas modalidades supra aludidas, onde não se incluem as despesas e honorários do Agente de Execução.

Quanto a esta situação, a jurisprudência mostra-se dividida, entre uma perspetiva que, ante o apoio judiciário, não obstante a existência de produto de bens penhorados, sufraga que o executado não suporta aqueles honorários e despesas (por todos, v. Ac. do TRG de 27.05.2021, proc. n.º94/13.9TBVMS-A.G1, disponível in www.dgsi.pt.) e outra corrente, que sufraga a responsabilidade do executado por tais despesas e honorários, atenta a regra da precipuidade consagrada no artigo 541.º do CPC (por todos, v. o Ac. do TRP de 09.02.2023, proc. n.º 12866/19.6T8PRT-C.P1, e o Ac. do TRP de 09.10.2023, proc. n.º 2511/11.3TBPNF-A.P1, disponíveis in www.dgsi.pt).

Afigura-se que é de perfilhar esta segunda corrente, uma vez que, não obstante a proteção jurídica concedida ao Executado, que visa obstar a que ninguém se veja impedido, em razão da sua condição social, cultura ou económica, de recorrer a instâncias judiciais para a realização efetiva dos seus direitos, a verdade é que o direito de acesso ao direito e aos tribunais não é colocado em causa, nem sequer beliscado, com o funcionamento do disposto no artigo 541.º do CPC.

Mais a mais, se assim não se entendesse, gerar-se-ia uma situação profunda e materialmente injusta: seria o Exequente a suportar as mesmas ou, em última instância, os cofres do Estado, para o qual todos contribuem (cfr. Ac. do TRG de 09.06.2022, proc. n.º 393/17.0T8VCT-D.G1, disponível in www.dgsi.pt.).

Assim, antes de mais, porque tanto se mostra possível, deverá lançar mão do mecanismo previsto no artigo 541.º do CPC, liquidando, em primeiro lugar, com o produto dos bens penhorados - onde se incluem as penhoras de vencimento e créditos fiscais do Executado-, as custas da execução, honorários e despesas da Senhora Agente de Execução e, seguidamente, a quantia exequenda.

Face ao exposto, indefere-se a reclamação apresentada pelo Executado, determinando-se que, das quantias obtidas como produto dos bens penhorados saia, em primeiro lugar, a quantia necessária ao pagamento dos seus honorários e despesas e, de seguida, a quantia para pagamento do crédito exequendo.»

É desta decisão que bem interposto recurso, formulando o Executado as seguintes CONCLUSÕES:

I – O Executado/Recorrente beneficia de proteção jurídica na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo bem como nomeação de patrono, conforme resulta dos autos principais.

II - Em 13.09.2024 foi apresentada nos referidos autos a Nota Discriminativa e Justificativa de Despesas e Honorários de Agente de Execução no valor de € 2.262,68, da qual o Executado foi notificado.

III - Em 26.09.2024, o Executado apresentou Reclamação da Nota Discriminativa e Justificativa de Despesas e Honorários de Agente de Execução no valor de € 2.262,68.

IV - Em 08.10.2024, o Exequente/Recorrido por requerimento veio em sentido concordante com o Executado, dizer que: “(…) notificado do requerimento apresentado pelo Executado, com referência CITIUS n.º 40186274, indicar que as despesas e honorários da Senhora Agente de Execução foram previamente salvaguardadas pelo Exequente. Sucede que, pese embora as mesmas devessem ser liquidadas pelo Executado aquando da adjudicação de quantias vincendas, tal não poderá acontecer uma vez que o mesmo beneficia de apoio judiciário. Face ao exposto, requer o Exequente a V. Exa. que notifique o IGFEJ para proceder ao pagamento do montante de 2.262,68 €, diretamente ao Exequente. “.

V - Face ao referido por ambas as partes, também o Ministério Público promoveu no mesmo sentido, quando em 04.11.2024 promoveu o seguinte: “O executado beneficia de apoio judiciário nas modalidades de; a) Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; b) Nomeação e pagamento da compensação de patrono. O mesmo não beneficia de apoio judiciário na modalidade de atribuição de A.E. Nesta medida, oponho-me a que as despesas e honorários do A.E. sejam suportados pelo executado. “

VI – Aderindo-se ao entendimento do Tribunal da Relação do Porto, de 21.02.2018, na Apelação n.º 1912/12.4TBVNG-C.P1, bem como ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.02.2020 quando refere que: “tendo o executado, a quem foi concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo (…) não poderá ser responsabilizado pelo pagamento das quantias devidas com honorários e despesas ao agente de execução”.

VII - Da leitura conjugada do art.º 721 e 541 do CPC resulta que a responsabilidade pelo pagamento das custas judiciais, honorários de despesas do Agente de Execução é da responsabilidade do Exequente, mais ainda quando ao Executado/Recorrente foi concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

VIII - Ou seja, nem mesmo com o produto da venda do bem penhorado, como ocorreu no caso vertente, pois que se assim fosse, de nada valeria ao Executado o benefício supra aludido, uma vez que o produto da venda do imóvel penhorado em vez de se destinar ao pagamento da quantia exequenda e juros, está a ser utilizado para mais valores cujo pagamento não incumbe ao Executado, aumentando assim, o remanescente em dívida.

IX - Se assim não fosse, teríamos uma violação do princípio da igualdade substancial das partes que afetaria a justa composição do litígio e a igualdade entre as partes economicamente mais débeis e fragilizadas.

X - Os valores pagos a título de honorários e despesas com Agente de Execução é reclamado ao Executado quando não tiverem obtido pagamento precípuo pelo produto dos bens penhorados, exceto se o Executado beneficiar da modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos, caso em que nem sequer há lugar à elaboração da conta (art.º 29º n.º 1 d) do RCP), tendo o Exequente de suportar esses encargos, ficando apenas com o direito a ser reembolsado das taxas de justiça pelo IGFEJ, nos termos do art.º 26º n.º 6 do RCP.

XI – Pelo conjunto de fundamentação e jurisprudência apresentada pelo Executado na respetiva Reclamação da Nota Discriminativa, entendimento ao qual aderiu o Exequente por Requerimento e em entendimento concordante promoveu o Ministério Público, temos que, presentemente em sede de Recurso, e enquanto Recorrente, dúvidas não restam que o Tribunal “a quo” não esteve bem na decisão proferida, devendo o presente Recurso ser julgado procedente e o despacho que indeferiu a reclamação do Executado/Recorrente ser revogado por outro que a admita e considere procedente, determinando-se que o Sr. Agente de Execução refaça a “Nota Discriminativa” em conformidade com a fundamentação e conclusões atrás aduzidas, pois ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” violou o principio da igualdade e da justa composição do litígio bem como o disposto nos art.º 721 n.º 1 e 541º do CPC e art.º 29º n.º 1 d) do RCP.

O Ministério Público, nos termos que dos autos resultam, veio pugnar pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida, sem prejuízo de esclarecer/rectificar que a oposição manifestada nos autos o era, pese embora o declarado, ao pagamento/reembolso pelo IGFEJ das despesas e honorários do solicitador da execução.

É uma única a questão a decidir nos autos: a de saber se no caso de concessão de apoio judiciário ao executado, na modalidade de dispensa total do pagamento de custas e encargos, o valor das despesas e honorários do solicitador da execução há-de ser pago, precípuo pelo valor obtido na execução ou ficar a cargo do exequente (e, nesse caso, se deve ou não ser objecto de reembolso pelo IGFEJ).

Diz o artigo 541.º do CPC que as custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respectiva acção declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados.

Por seu turno, diz o artigo 721.º, n.º 1 que os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efectuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportadas pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 541.º. No mesmo sentido, dispõe o artigo 45.º, n.º 1 da Portaria 282/13, de 29.08, que, nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efectuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado.

Nos termos dos artigos 529.º, n.º 1 do CPC e 3.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo DL 34/08, de 26.02., as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.

E as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada, designadamente as remunerações pagas ao agente de execução (artigos 533.º do CPC e 25.º, n.º 2, al. d) e n.º 3 do RCP), devendo a respectiva nota discriminativa e justificativa ser apresentada cinco dias após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos (artigo 25.º, n.º 1, do RCP).

Porém, se o executado beneficiar de apoio judiciário, não há sequer lugar à elaboração de conta e os encargos que o exequente tenha tido com o agente de execução têm se ser suportados por aquele, ficando apenas com o direito a ser reembolsado das taxas de justiça pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça. É o que resulta do disposto nos artigos 26.º, n.º 6 e 29.º, n.º 1, al. d) do RCP.

Desde logo, o princípio da precipuidade do citado artigo 541º significa que sendo penhorados bens do executado, e procedendo-se à liquidação judicial de tais bens, antes de se dar qualquer destino ao produto da liquidação há-de retirar-se a quantia necessária para pagamento das custas, ou seja, o Estado estabeleceu, a seu favor, uma garantia de pagamento. Evidentemente que as custas que saem precípuas serão as da execução, respectivos apensos, nestes se abrangendo as acções declarativas processadas por apenso–ex., oposição à execução, reclamação de créditos e embargos de terceiro–, e as da respectiva acção declarativa. Contudo, como é óbvio, tal precipuidade só pode abranger as custas de que o executado seja devedor. Ou seja, só as custas da responsabilidade do executado se encontram abrangidas por esta garantia que incide sobre o seu património. Por fim, tal precipuidade só funciona se os bens forem efectivamente vendidos (ou adjudicados) na execução a que respeitam tais custas.

Vistos outrossim o artigo 721.º, nº 1 do CPCivil e o artigo 45.º, nº 1 da 282/2013, de 29 de Agosto, no pagamento dos honorários ao agente de execução a primeira regra é a precipuidade dos honorários (artigo 541.º); a segunda regra, ou seja, na falta de produto da venda, é a que resulta do artigo 45.º, n.º 1 da portaria 282/2013, isto é, aqueles honorários, são da responsabilidade do exequente.

Ao executado ora Recorrente foi concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nos termos previstos no artigo 16.º, n.º 1, al. a) da Lei 34/04, de 29.07.

Dos autos mais decorre que, no âmbito da execução, se logrou a penhora de valores através dos quais foi realizado o valor total da quantia exequenda, bem como o valor necessário ao pagamento das custas da execução, nas qual de incluem os honorários e despesas da AE.

Adiante-se termos para nós que, sendo o valor depositado nos autos, proveniente da penhora de bens, suficiente para o pagamento da quantia exequenda e das custas da execução, nas quais se incluem os honorários e despesas da AE, têm esses honorários de despesas de sair precípuos daquele valor, por aplicação da regra do artigo 541.º, ainda que os executados beneficiem do apoio judiciário em modalidade que compreende a dispensa do pagamento dos mesmos.

Apenas se o valor depositado for insuficiente para assegurar o pagamento daqueles honorários e daquelas despesas e, por isso, esse pagamento tivesse de ficar a cargo do exequente, está este impedido de solicitar o respectivo reembolso aos executados, a título de custas de parte, nos termos dos artigos 741.º, n.º 1, 45.º, n.º 1 da Portaria 282/13 e 26.º, n.º 1 do RCP, por estes beneficiarem do apoio judiciário na referida modalidade (artigo 29.º, n.º 1, al. d) do RCP).

Aqui se dá nota da divergência existente na jurisprudência sobre esta questão, pronunciando-se a favor da responsabilização do executado, os acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2020, processo nº 2835/13.5TBGDM-D.P1, de 09/10/2023, processo nº 2511/11.3TBPNF-A.P1 e de 09/02/2023, processo nº 12866/19.6T8PRT-C.P1; do Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão de 13/03/2007, processo nº processo nº 965/2007-1; do Tribunal da Relação de Évora, acórdãos de 14/01/2021, processo nº 2004/16.2T8LLE-C.E1 e de 25/02/2021, processo nº 1390/12.8TBSTB-B.E1. Contra ela, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/02/2019, processo nº 2702/13.2YYLSB-B.L1-8 e de 17/03/2022, processo nº 1188/12.3TBPDL-A.L1-8; do Tribunal da Relação de Coimbra, acórdãos de 17/11/2020, processo nº 500/09.7TBSRT.1.C1 e de 28/06/2022, processo nº 1175/18.8T8CTB-C.C1; do tribunal da Relação de Guimarães, acórdãos de 10/07/2019, processo nº 1034/14.3TJVNF-C.G1 e de 27/05/2021, processo nº 94/13.9TBVMS-A.G1; deste Tribunal da Relação do Porto, acórdão de 10/02/2020, processo nº 14416/19.5T8PRT-C.P1.

Já se adiantou que pugnamos pela responsabilização do executado.

Reconheça-se a possibilidade interpretativa de considerar que o regime da precipuidade do pagamento das custas da execução consagrado no art. 541.º do Cód. Proc. Civil é, apenas, o pagamento dessas custas antes do pagamento da quantia exequenda (e, tendo existido concurso de credores, dos créditos reclamados e graduados, pela ordem de graduação entre si e com a quantia exequenda), e não o afastamento do regime do apoio judiciário quando este foi concedido ao executado no âmbito de um processo executivo e, assim, que o regime de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo concedido ao executado afasta a aplicação, no âmbito do processo de execução, quer do pagamento prioritário dos honorários e despesas com o agente de execução pelo produto dos bens penhorados ao executado (art. 541.º do Cód. Proc. Civil), quer da possibilidade de reclamação pelo exequente ao executado de tais honorários e despesas a título de custas de parte (art. 721.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), quer da inclusão de tais despesas e honorários com o agente de execução na liquidação da responsabilidade do executado (arts. 846.º, n.º 1, e 847.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil), justamente porque a aplicação destas disposições legais pressupõe a afirmação da obrigação de pagamento pelo executado das custas processuais, obrigação essa que, por força do apoio judiciário que lhe foi concedido, o executado se encontra dispensado de cumprir (arts. 1.º, 16.º, n.º 1, al. a), 17.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, e 36.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho), conforme o decidido nos: Ac. do TRC de 17-11-2020, proc. 500/09.7TBSRT.1.C1, no Ac. do TRL de 27-04-2021, proc. 17985/12.7YYLSB-C.L1-7 e no Ac. do TRP de 10-02-2020, proc. 14416/19.5T8PRT-C.P1, todos disponíveis na base de dados de jurisprudência do IGFEJ.

Contudo, temos para nós que duas ordens de razões justificam a solução que adiantamos: a da natureza ou carácter do benefício do apoio judiciário, no confronto já com a finalidade do processo executivo tout court, em termos de não se verificar a ratio essendi do benefício da assistência judiciária e a natureza ou razão da regra da precipuidade, a qual se apresenta em nosso entender como uma disposição própria ou típica do processo executivo em que se logra a penhora e liquidação suficientes a acautelar os encargos consistentes na remuneração do solicitador da execução e outras custas.

Desde logo, no que importa à natureza e finalidade constitucionalmente prefiguradas do apoio judiciário:

O sistema de acesso ao direito e aos tribunais tem como finalidade assegurar que nenhuma pessoa seja impedida ou limitada, em virtude da sua condição social ou por insuficiência de meios económicos, no conhecimento, exercício ou defesa dos seus direitos, conforme dispõe o artigo 1.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho. Neste contexto, o apoio judiciário configura uma das dimensões da proteção jurídica, visando concretizar o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. Tal apoio compreende, nomeadamente, o patrocínio judiciário e a assistência judiciária, podendo esta última consistir na dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos processuais.

Por sua vez, aqui seguindo de perto o Acórdão desta Relação de 11.12.2024, no processo 805/11.7TBAMT.P1, acessível na base de dados da dgsi, tem o Tribunal Constitucional entendido:

Por um lado, que “o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada” (cf. acórdão nº 174/2020).

Por outro que “a nossa Lei Fundamental não consagra o direito a uma justiça gratuita. Donde ao legislador ordinário é lícito exigir o pagamento de custas judiciais, podendo optar por um sistema de custas mais barato ou mais caro ou conceder o benefício do apoio judiciário em termos mais ou menos generosos. Ponto é que, no delineamento do sistema de custas judiciais, se não torne impossível ou particularmente oneroso o direito de acesso aos tribunais, sob pena de violação deste direito fundamental consagrado no art.º 20.º da CRP”. (cf. acórdão nº 491/2003)

Também que “a "insuficiência de meios económicos" é uma noção relativamente indeterminada, que consente uma larga margem de discricionariedade ao legislador ordinário na modelação do sistema de apoio judiciário, desde que não estabeleça procedimentos, pressupostos e critérios de decisão em termos tão restritos que cause uma efectiva incapacidade de acesso à justiça. Embora a Constituição não determine a gratuitidade dos serviços de justiça, os encargos estabelecidos para a eles aceder tem de levar em linha de conta a capacidade dos economicamente carecidos e observar os princípios básicos do Estado de direito, como o princípio da proporcionalidade e da adequação (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª ed. rev., Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pág. 411)”. (cf. acórdão nº 36/2008)[1].

Em conclusão, como se afirma naquele arresto, (i) o art.º 20º nº 1 da CRP e o art.º 47º da CDFUE não postulam uma justiça gratuita; (ii) antes consagram e garantem que o direito de acesso aos tribunais e a uma justiça não seja postergado a nenhum cidadão por insuficiência de meios económicos.

Sempre o direito de acesso aos tribunais e a efetividade do acesso à justiça se reportam à possibilidade de defender judicialmente os seus direitos e interesses legalmente protegidos. Assim Gomes Canotilho, para quem «o direito de acesso aos tribunais reconduz-se fundamentalmente ao direito a uma solução jurídica de atos e relações jurídicas controvertidas, a que se deve chegar num prazo razoável e com garantias de imparcialidade e independência possibilitando um correto funcionamento das regras do contraditório (…)».[2]

A concessão do apoio judiciário não significa qualquer garantia do Estado em desonerar o cidadão economicamente débil da obrigação de cumprir os seus compromissos, nem também que o seu património não possa ser executado.

Na concessão do apoio judiciário não está incluída a impossibilidade de penhora de quaisquer bens de que o Executado seja proprietário.

Agora, o art.º 541º do CPC regula para as ações executivas e, dentro desta, apenas para aquelas em que se tenha logrado concretizar a penhora de bens e de cuja liquidação tenha resultado algum produto.

Ora, o princípio da precedência do pagamento da taxa de justiça, previsto no artigo 541.º do Código de Processo Civil, não colide com o exercício do direito de acesso ao direito e aos tribunais.

Tal realidade ou consequência não desvirtua os efeitos do apoio judiciário concedido para a finalidade a que se destina. Com efeito, o Executado pôde exercer plenamente o seu direito de defesa nos termos que entendeu por convenientes, beneficiando da dispensa do pagamento das custas processuais e demais encargos legais aplicáveis aos demais sujeitos processuais. Assim, verificou-se a concretização do desígnio subjacente ao regime de apoio judiciário.

Observa certeiramente Miguel Teixeira de Sousa[3]: «O princípio da precipuidade previsto no art. 541.º do CPC em nada contende com o direito de acesso ao direito e aos tribunais. Com efeito, quando se chega à venda executiva (ou à distribuição do produto da penhora, quando em causa a penhora de rendimentos, acrescentámos) é porque não houve oposição à execução ou esta foi julgada improcedente, pelo que nesta fase do processo executivo já se sabe que o executado é o responsável final pelas custas do processo, pelo que o seu direito a defender-se no processo não é afetado pelo facto de o seu património responder pelas custas do processo executivo. Por conseguinte, o direito de acesso ao direito e aos tribunais, que o apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo visa garantir, já não será postergado pelo facto de se retirar do produto da venda dos bens penhorados os valores necessários ao pagamento das custas do processo. (…)

Por conseguinte, mesmo que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade acima mencionada, o produto da venda dos bens que lhe foram penhorados no âmbito da execução não deixarão de responder pelas custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução.»

Destarte, o que se prende já com a ratio da regra consideranda, se o direito do credor comum pode ser satisfeito sem que tal comprometa a salvaguarda das necessidades básicas do devedor — proteção essa assegurada pelo regime da impenhorabilidade previsto nos artigos 737.º e 738.º do Código de Processo Civil —, não se afigura coerente que o crédito do Estado, enquanto contrapartida da prestação de um serviço público essencial e de natureza marcadamente social, como é a administração da justiça, deixe de ser satisfeito. Com efeito, o disposto no artigo 541.º do Código de Processo Civil consubstancia, em última análise, uma concretização do regime previsto nos artigos 738.º, n.º 1, e 746.º do Código Civil, os quais consagram um privilégio creditório relativamente às despesas de justiça realizadas com vista à conservação, execução ou liquidação de bens, quando efetuadas no interesse comum dos credores — como sucede no caso sub judice, conferindo-lhes prioridade face a outros privilégios ou garantias que recaiam sobre os mesmos bens.

Assim sendo, mesmo que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, tal circunstância não obsta a que o produto da venda dos bens penhorados (ou as quantias penhoradas) no âmbito da execução responda pelas custas processuais, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução.

Razões, pois, de coerência sistemática, sem sacrifício do conteúdo do direito de acesso à justiça, justificam a solução propugnada.

Por isso que, concluindo, aqui nos reconduzimos ao já citado e recente Acórdão desta Relação, em jeito de síntese conclusiva: «Assim, apurando-se no processo executivo que o Executado possuía bens suficientes para solver os seus compromissos, capazes de pagar a quantia executiva, deve operar a norma excecional do art.º 541º do CPC e o privilégio nela contido de o Estado se pagar em primeiro lugar, incluindo honorários e despesas do agente de execução.

Nesta circunstância, existindo património, e sendo desse património que vai sair o pagamento dos honorários, não se mostra denegado o apoio concedido (dispensa de pagar a taxa de justiça) para a definição dos seus direitos.

(…)

Da conjugação do art.º 541º do CPC com a al. c) do art.º 29º do RCP pode concluir-se que nas execuções:

a) existindo produto resultante de bens penhorados, há lugar à elaboração da conta de custas e as custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, saem precípuas do valor obtido na execução.

b) não se tendo logrado obter qualquer penhora ou produto resultante de pagamento voluntário, não há lugar à elaboração da conta de custas, mantendo-se os honorários e despesas devidos ao agente de execução, da responsabilidade do Exequente.»

III.

Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em negar provimento à apelação, mantendo-se o decidido em 1ª instância.

Custas pelo Recorrente, nesta sede sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido.


Porto, 09 de Outubro de 2025
Isabel Peixoto Pereira
António Paulo Vasconcelos
Paulo Duarte Teixeira
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[1] Todos disponíveis na base de dados da dgsi.
[2] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 10ª Edição, Almedina, 2010.
[3] Blogue do IPPC, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2021/06/jurisprudencia-2021-1.html