Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MIGUEL BALDAIA DE MORAIS | ||
Descritores: | PENHORA DE IMÓVEL EMBARGOS DE TERCEIRO LEGITIMIDADE PARA EMBARGAR DO COMODATÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RP20250604878/19.4T8MAI-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/04/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A completude de penhora de imóvel decretada no âmbito de ação executiva para pagamento de quantia certa implica que, consumado o respetivo registo, seja o bem confiado a um depositário que, em regra, é o próprio agente de agente de execução, o qual, por imposição do nº 1 do artigo 757º do Código de Processo Civil, deve tomar posse efetiva do mesmo. II- Nesse caso, verdadeiramente o ato ofensivo do pretenso direito do terceiro embargante é a penhora, razão pela qual os embargos que deduza em relação a ato posterior à realização dessa diligência (concretamente a solicitação pelo agente de execução da entrega das chaves do imóvel) assumem função repressiva e não preventiva, posto que essa solicitação mais não é do que a materialização da penhora, isto é, uma consequência desse ato. III - A atribuição ao comodatário de legitimidade para embargar de terceiro, prevista no nº 2 do artigo 1133º do Código Civil, somente se compreende como medida de tutela direta do interesse do terceiro (pessoa diversa do executado), que através dele possui, na medida em que dele dependa o interesse do embargante. IV- Já na hipótese de o imóvel, que constitui objeto mediato do comodato, pertencer ao executado, independentemente de saber se no respetivo contrato foi, ou não, estabelecido qualquer prazo para a sua restituição, estará o comodatário impedido de reagir contra a penhora através de embargos de terceiro, sejam eles preventivos ou repressivos. V- Tal compreende-se porque o direito pessoal de gozo de que o comodatário beneficia é inconciliável com o direito constituído pela penhora a favor do exequente, porquanto destinando-se tal ato a possibilitar a ulterior venda executiva, é com ela incompatível todo o direito de terceiro, ainda que derivado do executado, cuja existência, tido em conta o âmbito com que é feita, impediria a realização dessa função, isto é, a transmissão forçada do objeto apreendido. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 878/19.4T8MAI-B.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Maia - Juízo de Execução, Juiz 1 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Martins Ribeiro 2º Adjunto Des. Carlos Pereira Gil
* SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Por apenso aos autos de execução sumária para pagamento de quantia certa que Banco 1..., S.A. intentou contra AA, veio BB deduzir os presentes embargos de terceiro, concluindo pedindo que: (i) seja revogado o despacho proferido nos autos de processo principal que ordenou ao requerente a entrega das chaves da fração autónoma designada pela letra “R”, correspondente a uma habitação tipo T3, entrada pelo n.º ...25, ......, na Rua ..., possuindo lugar para aparcamento automóvel e arrumos, na cave, marcadas pelas letras R2 e R3, com entrada pela Rua ... urbano, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...54... e inscrito na matriz predial sob o artigo n.º ...73; (ii) sejam condenados exequente e executada a reconhecer como plenamente válido e eficaz o contrato de arrendamento urbano junto aos autos sob o documento n.º 2 que tem por objeto mediato a indicada fração autónoma, com todos os efeitos e consequências dele resultantes, nomeadamente direito de preferência do embargante na venda judicial da mesma ou, caso o embargante não pretenda exercer tal direito de preferência, a manutenção desse arrendamento. Para substanciar tais pretensões alegou, em síntese, ser possuidor do imóvel em causa nestes autos desde novembro de 2014 com base em comodato e a partir de 8 de janeiro de 2017 com fundamento em contrato de arrendamento celebrado com a proprietária do mesmo, razão pela qual a notificação de que foi alvo para proceder à entrega das respetivas chaves é ofensiva do seu direito. Recebidos liminarmente os embargos, determinou-se a notificação das partes primitivas para contestarem. A embargada/executada apresentou contestação, alegando, em suma, que, o contrato de arrendamento invocado pelo embargante não foi por si assinado, sendo falsa a assinatura que lhe é imputada e que se mostra aposta no mesmo. Por seu turno, a embargada/exequente contestou, invocando a exceção da caducidade do direito de ação do embargante, posto que este teve conhecimento da penhora em 13 de fevereiro de 2020, razão pela qual na data (2 de abril de 2024) em que propôs os presentes embargos há muito havia decorrido o prazo para a dedução dos mesmos. Alegou ainda que a hipoteca que garante o seu crédito foi registada em data anterior à do invocado contrato de arrendamento, motivo pelo qual, ainda que o mesmo fosse válido, ser-lhe-ia inoponível. Foi proferido despacho saneador em termos tabelares, identificou-se o objeto do processo e enunciaram-se os temas da prova. Realizou-se audiência final, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu: «A) julgar verificada a exceção de caducidade do direito de ação do embargante e em consequência absolver os embargados da instância; B) subsidiariamente, julgar improcedentes os presentes embargos de terceiro e em consequência absolver os embargados dos pedidos contra si formulados». Não se conformando com o assim decidido veio o embargante interpor o presente recurso de apelação, admitido a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão.
* A exequente/embargada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. * Após os vistos legais, cumpre decidir. *** II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, são as seguintes as questões solvendas: . da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão; . da caducidade do direito de ação do embargante; . da viabilidade de o embargante deduzir os presentes embargos.
*** III. DA NULIDADE DA SENTENÇA Nas suas alegações recursórias o apelante advoga, desde logo, que o ato decisório sob censura enferma de vício de nulidade que reconduz à previsão da alínea c) do nº 1 do art. 615º, concretamente por contradição entre a fundamentação e a decisão. Como quer que seja, sempre se dirá não se vislumbrar em que medida possa a referida alegação genérica ser reconduzida à previsão normativa da al. c) do nº 1 do art. 615º, nos termos da qual «[é] nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão». Como emerge do inciso transcrito, verifica-se o vício formal nele previsto quando haja contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, isto é, a fundamentação conduz logicamente a resultado distinto do que consta do dispositivo da decisão judicial. Dito de outro modo, a fundamentação seguiu uma determinada linha de raciocínio, apontando num dado sentido, e depois a decisão (no seu dispositivo) segue outro oposto, chegando a uma conclusão completamente diferente da apontada pela fundamentação. A razão de ser desta causa de nulidade ancora-se primordialmente na ideia de que a sentença deve constituir um silogismo judiciário, em que a norma jurídica constitui a premissa maior, os factos a premissa menor e a decisão será a consequência lógica de tais premissas, não devendo, pois, existir qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão. Portanto, o vício em questão ocorre quando se verifique contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Ora, para além de, como se referiu, o apelante não ter identificado a concreta contradição que imputa ao ato decisório sob censura, certo é que da sua exegese resulta com meridiana clareza que o juiz a quo, nos respetivos fundamentos, considerou que embora, por princípio, assista ao comodatário a possibilidade de embargar de terceiro, essa possibilidade estará, no caso, arredada porque o imóvel comodatado foi alvo de penhora por integrar o património da executada/comodante, sendo que na decorrência dessa argumentação decidiu, “a título subsidiário”, julgar improcedentes os embargos, dado que, nessa situação, os mesmos não são admissíveis, posto que no conflito entre a penhora e o direito do embargante/comodatário, este terá de ceder perante o primeiro. Resulta, assim, do exposto inexistir qualquer contradição intrínseca entre os fundamentos e o dispositivo da sentença recorrida, sendo certo que, como tem sido salientado[2], a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão-pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se antes como erro de julgamento.
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IV. FUNDAMENTOS DE FACTO * O tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos: a) O embargante esteja na posse do imóvel ou que o ocupe desde novembro de 2014 ou que a partir de 8 de janeiro de 2017 ocupe o imóvel com fundamento em contrato de arrendamento celebrado com a proprietária do imóvel; b) O embargante exerça qualquer posse sobre o imóvel de forma pública, pacífica ou de boa fé, ou titulada por contrato de arrendamento; c) O embargante seja legítimo possuidor da fração autónoma penhorada ou que o exequente embargado bem saiba disso; d) A executada embargada seja senhoria do embargante; e) À data de 8 de janeiro de 2017, que consta do contrato de arrendamento, a executada embargada não estivesse em Portugal; f) O embargante não seja cidadão português ou que em 2017 não vivesse em Portugal. *** V. FUNDAMENTOS DE DIREITO V. 1. Da caducidade do direito de embargar
No âmbito do processo principal foi penhorada a fração autónoma, designada pela letra “R”, correspondente a uma habitação tipo T3, entrada pelo n.º ...25, ......, na Rua ..., descrita na Conservatória de Registo Predial da Maia sob o n.º ...54... e inscrita na matriz predial sob o artigo n.º ...73, penhora essa que foi registada em 14 de março de 2019. Notificado pelo agente de execução para proceder à entrega das chaves do referido imóvel veio o embargante deduzir os presentes embargos de terceiro, afirmando que essa intimação ofende a sua posse enquanto comodatário ou arrendatário do mesmo. Como se deu nota, na contestação que apresentou a embargada/exequente invocou a caducidade do direito do ora apelante embargar, exceção perentória essa que no ato decisório sob censura foi julgada procedente, por ter considerado que na data em que este instaurou o presente enxerto declaratório (2 de abril de 2024) já havia decorrido o prazo de trinta dias para a respetiva dedução estabelecido no nº 2 do art. 344º, posto que o mesmo teve conhecimento da penhora do ajuizado imóvel em 13 de fevereiro de 2020. O embargante/apelante rebela-se contra esse segmento decisório, argumentando fundamentalmente que os presentes embargos assumem uma função preventiva e não repressiva, razão pela qual não tem aplicação no caso o prazo previsto no citado preceito legal. Que dizer? Como é consabido, do ponto de vista processual, os embargos de terceiro surgem atualmente configurados como um incidente de intervenção de terceiros numa instância já constituída, na medida em que permitem a um terceiro intervir na ação para, no confronto com ambas as partes, reagir contra a penhora ou outro ato de apreensão ou entrega de bens, alegando a ofensa da sua posse ou a titularidade de outro direito incompatível com essa diligência. De acordo com a lei adjetiva (cfr. art. 342º), os embargos podem ser deduzidos quando a penhora ou qualquer ato judicialmente ordenado ofenda a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência (embargos repressivos) ou quando a penhora ou diligência de apreensão ou entrega de bens, apesar de ter sido ordenada, ainda não tenha sido realizada (embargos preventivos). Portanto, conforme a sua natureza, assim difere o conteúdo da circunstância despoletadora da reação – na primeira hipótese, conhecimento da concretização de diligência ou dos contornos da ofensa materializada; já na segunda, perspetivação de penhora ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bem, por ter sido determinado mas ainda não executado ato judicial de realização de diligência alegadamente atentatória de direitos constituídos. Compreende-se, por isso, que os embargos com função preventiva, podendo ser deduzidos entre a data em que foi proferido o despacho que ordena a diligência e a sua efetiva realização, não estejam sujeitos ao prazo (fixo) estabelecido no nº 2 do citado art. 344º, como, aliás, vem sendo reiteradamente decidido na jurisprudência pátria[3]. Aqui chegados, tal como a questão se mostra equacionada, tudo se resume em determinar se, in casu, estamos (ou não) em presença de embargos com função preventiva. O embargante pugna por uma resposta positiva a essa interrogação, sustentando que com a propositura do presente enxerto declaratório não pretende reagir contra o ato de penhora do ajuizado imóvel (como, na sua perspetiva, foi erroneamente entendido pelo decisor de 1ª instância), mas antes contra o ato de entrega das chaves do mesmo que o agente de execução pretende levar a cabo, entrega essa que ainda não se concretizou. Como deflui do enunciado linguístico plasmado no nº 1 do art. 350º (referente aos embargos de terceiro com função preventiva), o seu campo de aplicação restringe-se aos atos de penhora, apreensão ou entrega de bens ordenados em qualquer processo judicial, sendo que, na economia do preceito, os embargos deixam de ter natureza preventiva a partir do momento em que for concretizada essa diligência. Isso mesmo vem sendo decidido na casuística, de que constitui exemplo, entre outros, o acórdão da Relação de Évora de 11 de abril de 2019[4], onde se sublinha que, na ação executiva para pagamento de quantia certa, efetivada que seja a penhora apenas podem ser deduzidos embargos de terceiro com função repressiva em relação a esse primeiro ato ofensivo da posse, “pois afetaria a intenção de obter a segurança jurídica que está ínsita no estabelecimento de um prazo de caducidade, manter em aberto a possibilidade de embargar qualquer ato consequente do ato ofensivo, a título preventivo. Não faz sentido que numa situação de não dedução tempestiva de embargos de terceiro relativamente a um ato de penhora incompatível com o direito do embargante, se admitisse a sua dedução, a título preventivo, relativamente ao subsequente ato posterior de tomada de posse ou venda executiva que aquele ato de penhora tem em vista possibilitar”. Ora, no caso dos autos, verdadeiramente o ato ofensivo do pretenso direito do embargante é a penhora, razão pela qual os embargos de terceiro em relação a ato posterior à concretização dessa diligência (concretamente a solicitação pelo agente de execução da entrega das chaves do imóvel penhorado para o efeito do disposto no art. 757º) assumem função repressiva e não preventiva, posto que essa solicitação mais não é do que a materialização da penhora, isto é, uma consequência desse ato[5]. Com efeito, a completude da penhora do imóvel implica que, consumado o respetivo registo, seja confiado a um depositário que, em regra, é o próprio agente de agente de execução (cfr. art. 756º, nº 1, 1ª parte), o qual, por imposição do nº 1 do citado art. 757º, deve tomar posse efetiva do mesmo. A penhora constitui, assim, um ato de apreensão que importa, em princípio e ressalvadas as situações elencadas nas diversas alíneas do nº 1 do art. 756º (que não se verificam na situação em apreço), o desapossamento do executado do bem penhorado. Consequentemente, nesse contexto, o dies a quo do aludido prazo de trinta dias para o terceiro embargar terá por referência à realização da penhora, ou o conhecimento pelo embargante da ofensa do seu direito já após o decurso desse prazo. Certo é que, como resulta da factualidade provada (que não foi alvo de impugnação nesta sede recursiva), o embargante teve conhecimento da efetivação da penhora no dia 13 de fevereiro de 2020, apenas propondo os presentes embargos mais de dois anos após esse momento (concretamente em 2 de abril de 2024). Deste modo, tal como se decidiu na sentença recorrida, nessa data há muito havia decorrido o prazo fixado no nº 2 do art. 344º, tendo, assim, caducado o direito de o embargante/apelante deduzir os presentes embargos. Impõe-se, por conseguinte, a confirmação desse segmento do ato decisório[6]. Tanto bastaria para justificar a improcedência do presente recurso. Como quer que seja, existe ainda uma razão de natureza substantiva que conduziria à improcedência do presente enxerto declaratório que foi alvo de apreciação “a título subsidiário” na sentença recorrida, o que nos conduz à apreciação do segundo fundamento recursivo.
* V.2. Da viabilidade de o embargante deduzir os presentes embargos
Como se referiu, o embargante deduziu os presentes embargos de terceiro arrogando-se como possuidor, na qualidade de comodatário, da fração autónoma que se mostra penhorada no âmbito dos autos principais. Malgrado a utilização indevida de conceitos jurídicos na fixação da matéria de facto relevante para efeito de apreciação da concreta pretensão de tutela jurisdicional aduzida pelo embargante, certo é que as partes condescendem que aquele ocupa o dito imóvel, desde, pelo menos, fevereiro de 2020 “com base em comodato”. Assente essa qualidade, vejamos então se o mesmo poderá neutralizar os efeitos resultantes da penhora do ajuizado imóvel através da dedução do presente enxerto declarativo. Como emerge dos arts. 1129º e 1131º do Cód. Civil, o comodatário exerce um direito pessoal de gozo sobre a coisa comodatada, expresso no seu uso para quaisquer “fins lícitos, dentro da função normal as coisas de igual natureza”. Dada a qualidade em que possui a coisa comodatada, o comodatário não é possuidor em nome próprio, mas, tão-somente, um mero possuidor precário em nome do comodante, o que, por via de regra, afastaria a possibilidade de embargar de terceiro à luz do que se dispõe no nº 1 do art. 342º. Não obstante, sem lhe atribuir propriamente a qualidade jurídica de possuidor, a lei substantiva confere-lhe o uso dos meios facultados ao possuidor para defesa da posse, designadamente os embargos de terceiro, quando privado dos seus direitos ou perturbado no seu exercício (arts.1133º nº 2 e 1285º Código Civil). Trata-se de uma solução legal que tem sido explicada como forma de tutela direta do interesse de terceiro (pessoa diversa do executado) que através dele possui, na medida em que dele dependa o interesse do embargante. Isso mesmo é sublinhado por LEBRE DE FREITAS[7], ao escrever que “quando o (…) comodatário possuir a coisa penhorada em nome de um terceiro, da sintonia entre o interesse deste e o do possuidor em nome alheio, resulta a legitimação deste último para embargar, em substituição processual daquele”. Assim sendo, não se discutindo que o comodatário tem legitimidade para embargar de terceiro, questão que se coloca é de saber se pode validamente fazê-lo quando o imóvel que constitui objeto mediato do respetivo contrato de comodato pertence a executado que tenha sido demandado em ação executiva para pagamento de quantia certa onde haja sido penhorado esse bem. Essa questão tem merecido uma resposta negativa, quer na doutrina, quer na jurisprudência[8], argumentando-se, fundamentalmente, que a posse do comodatário (mera detenção ou posse precária) é incompatível com o direito constituído pela penhora a favor do exequente, direito esse que dominantemente se vem catalogando como direito real de garantia, como tal produzindo os efeitos substantivos das garantias reais: a preferência e a sequela. Daí que, nessas circunstâncias, os embargos de terceiro não podem ser utilizados para defender o direito pessoal de gozo do terceiro/comodatário, porque este direito não é oponível à execução. De facto, sabido que a penhora se destina a possibilitar a ulterior venda executiva, é com ela incompatível todo o direito de terceiro, ainda que derivado do executado, cuja existência, tido em conta o âmbito com que é feita, impediria a realização dessa função, isto é, a transmissão forçada do objeto apreendido. É, precisamente, por isso que, pertencendo ao executado o imóvel que constitui objeto mediato do comodato, independentemente de saber se no respetivo contrato foi, ou não, estabelecido qualquer prazo para a sua restituição, estará o comodatário impedido de reagir contra a penhora através de embargos de terceiro, sejam eles preventivos ou repressivos. Este aspeto de regime é especialmente sublinhado por MIGUEL MESQUITA[9], referindo que “a penhora não tem de respeitar a detenção do comodatário, não sendo sequer obrigatória a sua nomeação como depositário da coisa penhorada. A razão principal é esta: sem embargo de o direito do comodatário ser oponível ao comodante, não deve deixar de atender-se ao facto de este direito não poder subsistir após a venda executiva da coisa – é sempre um direito pessoal inoponível a terceiros. Dito de outro modo, tal direito pessoal de gozo não é um direito “inerente”, ou seja, um direito que siga a coisa, de forma a ser oponível a qualquer adquirente dela – como o direito do arrendatário (…) Impõe-se concluir que, no caso de o embargante invocar um contrato de comodato [que tenha por objeto mediato imóvel pertencente ao executado] deve indeferir-se in limine os respetivos embargos de terceiro. O terceiro comodatário apenas poderá exigir do comodante, com base no incumprimento do contrato, uma indemnização”. Tal foi, na essência, o sentido decisório sufragado na sentença recorrida, razão pela qual – por com ele concordarmos – se impõe também a improcedência desse fundamento recursivo.
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VI. DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas do recurso a cargo do apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).
Aveiro, 4.06.2025 ____________________________________ |