Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1508/21.0T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL PEIXOTO PEREIRA
Descritores: SIMULAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
ESCRITURA PÚBLICA
CONVENÇÃO ADICIONAL
INADMISSIBILIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL OU POR PRESUNÇÃO JUDICIAL
Nº do Documento: RP202507101508/21.0T8VFR.P1
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A alegação pelo Autor mesmo é a de que as partes emitiram declarações de vontade que integram o conteúdo típico do contrato de cessão ou transmissão onerosa das quotas de sociedade, visando que o direito de propriedade destas pela Ré se constituísse como garantia da restituição dos valores por ele mutuados à Sociedade transmitida para efeitos do desenvolvimento da sua actividade.
II - Como se antevê do conjunto de factos alegados no articulado inicial, não se verificaria, em momento algum, o terceiro requisito da simulação convocada – intenção de enganar terceiros –, mencionada de forma genérica e contrariada na própria concretização factual efetuada pelo autor.
III - Se o Autor alega que o objetivo da transmissão foi o de assegurar à ré uma garantia real de pagamento de um mútuo efetivamente realizado, não alega o A. qualquer simulação do negócio, mas antes relata os contornos de um negócio fiduciário ou indirecto.
IV - De todo o modo, a prova desta finalidade ou intenção subjacente ao negócio titulado por escritura, por corresponder a convenção adicional a documento autêntico, está sujeita aos mesmos limites legais da prova da simulação, donde, vedada a prova por testemunhas ou por presunções judiciárias.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1508/21.0T8VFR.P1

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 3

Relatora: Isabel Peixoto Pereira

1º Adjunto: Álvaro Monteiro

2º Adjunto: Isabel Silva

Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

AA veio propor contra BB; CC e DD acção declarativa comum, peticionando seja reconhecido que o A. (e o seu filho a mando deste) apenas formalmente realizou a cessão de quotas, inexistindo qualquer vontade de ceder ou de aquisição das mesmas, inexistindo qualquer pagamento por tal negócio, e por via disso, e atentas as vendas realizadas pela 1.ª Ré, com o conhecimento e conluio aquisitivo de todos os RR., e porquanto se mostra inviável a declaração de nulidade dos negócios outorgados entre a sociedade alienante e os terceiros adquirentes de boa-fé, se impõe ordenar a restituição pelos RR. do indevido apropriado, resultante da aquisição ilícita, no montante de € 1.145.000,00, acrescida de juros desde o ano de 2007 - momento em que já a 1.ª R. havia realizado vendas suficientes para amortizar o seu crédito e liquidar o débito bancário - até hoje o que ascende a € 612.967,12, bem como juros vincendos à taxa de 4% até efectivo e integral pagamento.

Reconduziu-se à arguição da simulação do negócio de cessão de quotas caracterizado, o qual se constituiu apenas como uma forma de garantia da restituição/pagamento de quantia que a 1ª Ré havia emprestado à sociedade da qual eram sócios o A. e os co-RR. Aduziu já que, na medida da inviabilidade de anulação dos negócios consequenciais, por via do instituto da protecção de terceiros de boa fé, lhe assiste o direito à indemnização, nos termos do enriquecimento sem causa. Sem prejuízo, liquida o enriquecimento por referência aos termos do acordado quanto ao preço dos imóveis a vender em execução do negócio subjacente à cessão que caracteriza como simulada (muito embora reconduzindo-se já ao valor real ou de mercado dos imóveis vendidos/transaccionados, mais aduzindo a simulação, para menos, do preço das vendas respectivas).

Os Réus vieram contestar, invocando desde logo a prescrição quanto aos juros contabilizados há mais de cinco anos, ou seja, antes de 2016. Por outro lado, impugnam a factualidade alegada, pugnando pela improcedência da acção. Requereram, ainda, a condenação do Autor por litigância de má fé, em multa e indemnização a seu favor.

A final, foi proferida sentença, a qual julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo os RR das pretensões deduzidas, sem prejuízo ainda de não ter considerado a verificação dos pressupostos da litigância de má fé.

É desta decisão que vem interposto recurso, mediante as seguintes conclusões:

1ª – Face à prova documental produzida, e abundante e bem assim ao depoimento de EE, que foi gerente da A..., à discrepância do valor das escrituras públicas, face a imóveis similares e vendidos no mesmo tempo, há valores inconciliáveis entre fracções similares, sendo pois manifesto que os valores declarados são discrepantes dos valores reais;

2ª - Há fracções que foram vendidas por 93 000,00 e em tempo similar, apesar de mais pequena, foi outra vendida por 62.500,00 euros, apesar de valorizada com um amplo terraço;

3ª – Da documentação junta resulta que a 1ª Recorrida pretendeu e qualquer modo entrar no negócio e actividade na A..., nomeadamente os documentos nºs

4ª – Do relatório Pericial e pela normalidade das coisas, resulta que avultados valores foram recebidos em numerário, assim visando esconder o real valor das compras e vendas, e os lucros gerados pela actividade ilícita da 1ªRecorrida, de vender o que bem sabia não ser seu;

5ª – O facto dado como provado sob o nº 40, ante a prova documental existente que atesta haver divergência de valores declarados de fracções similares, e dependente da percentagem que os compradores pediam de financiamento, deve ser alterado, passando a constar do mesmo que,” As 22 fracções existentes em 03/06/2005, foram vendidas pelo valor declarado, global, de € 1.592.280,00;”

6ª – Atento o teor documental junto, e dos depoimentos de parte do 2º e 3º Recorridos, nunca tivera um golpe de sorte, e ambos perderam tudo, o primeiro em 2000, o segundo em 2010, sendo que dos depoimentos resulta que o 2º Recorrido só após 2016 passou a ter titulado em seu nome vasto património imobiliário e o 3º Recorrido, desde 2010, pelo que deve alterada a resposta ao facto dado como provada no nº 43, assim passando a constar, “Entre 2017 e 2018, o 2.º Réu adquiriu 13 imóveis, e entre 2010 e 2019 o 3.º Réu adquiriu 3 imóveis, ascendendo o valor global declarado, das aquisições, a € 532.300,00, sem recurso a crédito bancário;”

7ª – Depôs o 2º Recorrido, dizendo auferir cerca de 5 000,00 euros mensais, mais dizendo ser fácil comprovar tal rendimento, mediante declarações de rendimentos que apresenta na África do Sul, mas notificado para o demonstrar nos autos não o fez;

8ª – O 3º Recorrido afirmou auferir cerca de 3 000,00, mas notificado para o demonstrar nos autos, mediante declaração de rendimentos apresentada na África do Sul,e dizendo ser fácil o fazer, também não o fez;

9ª – Afirmaram os 2º e 3º Recorridos que o Recorrente muito tinha prejudicado a 1ª Recorrida, não se percebendo tal pois que face à entrega de 498 798,00 euros, numa primeira fase aquele prometeu vender património imobiliário de valor muito superior, e passados cerca de 2 anos, dispôs das quotas em favor daquela, com o mesmo dinheiro, de património ainda maior, e que permitiu o seu apossamento pela Recorrida;

10ª – A 1ª Recorrida e o seu companheiro, não auferem, fiscalmente, mais de 10 000,00 anuais, sendo que se não percebe donde resulta o seu desafogo económico, para poder emprestar, transmitir e ver-lhe emprestadas avultadas quantias em dinheiro;

11ª – Do nº 49 dos factos dados como provados, e sem prejuízo da sua pouca importância para os autos, e porque nenhuma prova se fez de que o Recorrente tenha recebido qualquer quantia, ou sequer que tenha tido intervenção no negócio, e por absoluta inexistência de prova, deve ser dado como não provado, pois que o negócio foi realizado pela Amigável e com o Sr. FF, que nada tem que ver com o Recorrente, e a 1ª Recorrida recebeu o valor dessa compra e venda, sem que a fizesse constar, quer no banco, quer na contabilidade, tal negócio;

12ª – Da abundante prova testemunhal, da conclusiva prova documental, nomeadamente da realização de escrituras já no ano de 2003, da existência desde Maio de 2003 da existência da licença de habitabilidade, que pressupõe a conclusão do imóvel, resulta que aquando da outorga do contrato promessa de compra e venda o prédio, na sua globalidade estava quase finalizado, tanto que o Recorrente obtido financiamento quis acabar quanto antes, todo o imóvel, pois custava-lhe juros e assim deve ser alterada a resposta ao nº 50 dos factos provados, passando a constar que, “Das 22 fracções que ainda estavam por vender, aquando da cessão, faltava finalizar as cozinhas, assentar cerâmicas e tijoleiras, sendo que as cerâmicas e tijoleiras já estavam adquiridas e encontavam-se guardadas na garagem do prédio”;

13º - Do relatório pericial e dos esclarecimentos prestados pelos Senhores peritos em sede de audiência de julgamento foi dito que em 2004 o prédio estava teoricamente acabado, sendo que grande parte das vendas ocorreu em 2005 e 2006;

14ª – Da alínea c) dos factos dados como não provados resulta que do contrato referido em 5º, apenas foi paga a quantia de 30 000,00 euros, o que terá de ser revogado e substituído por resposta positiva e como facto provado, face à certidão judicial junta como documento nº 1 com a petição inicial, por decisão transitada em julgado;

15ª - Da alínea d) dos factos dados como (não) provados, resulta que Porquanto a 1ª Ré, na qualidade de representante da sociedade B..., Lda. já havia titulado os imóveis em terceira pessoa, e por aconselhamento do mandatário da sociedade credora, foi aceite o acordo e pagamento, aludidos em 7., da quantia de 30.000,00 euros a pagar em trinta meses, em virtude das dívidas fiscais que a sociedade do Autor tinha, tendo a referida quantia de 30.000€ revertido para o abatimento das referidas dívidas; o que é contraditado pela certidão junta como doc. nº 1 com a petição inicial e ainda das declarações de parte do Recorrente e das declarações do filho, que acompanhou as diligências judiciais, e porquanto tendo sido emitida factura, e não paga a amortização da dívida, a Autoridade Tributária instaurou execução fiscal contra o Recorrente, pelo que terá tal facto ser dado como provado, nos termos do seu texto;

16ª – Da alínea E) dos factos dados como não provados, e ante a expectativa do recurso quanto à alteração do Artº 50 dos factos provados, ter-se-á de alterar a resposta, dando-se esse alínea e esse facto como provado, nos termos redigidos;

17ª – Da alínea H) dos factos não provados resulta que O prédio em ... estava externamente acabado (em finais de 2002), sendo que desde 2001 que a 1ª Ré tentava encontrar uma forma de “ser sócia”, entrando no negócio da comercialização desse edifício; resposta à matéria de facto que deve ser revogada, ante a prova testemunhal transcrita e a prova documental e pericial existente;

18ª – Da resposta da alínea K) dos factos não provados, resulta que “Pela elevada quantidade de documentação, contratos-promessa, renúncias, cessões e outros documentos que a 1.ª Ré apresentava ao Autor para assinar e por igualmente ter compromissos bancários, o Autor confiando na 1.ª Ré, aceitou que, como forma de garantia do montante que lhe seria emprestado, 498 798,00 euros (quatrocentos e noventa e oito mil, setecentos e noventa e oito euros) daria por garantia de pagamento, um contrato-promessa das fracções ainda propriedade da sociedade de que o Autor era sócio gerente;”, resposta que terá de ser alterada, sendo dado como provado, face à prova testemunhal, e documental junta com a providência cautelar sob os nºs

19ª – Do facto dado como provado sob a alínea l), resulta que “Aquando da assinatura do “Contrato promessa de compra e venda” referido em 14., não era vontade real do Autor vender, nem era vontade real da 1.ª Ré comprar o prédio aí identificado, tudo não passando de uma forma jurídica de dar segurança à 1.ª Ré, que assim emprestaria ao Autor a quantia de 498.798,00€;”, o que é manifestamente contraditado pela prova testemunhal, pela ausência de qualquer tentativa ou interpelação de cumprimento do contrato, seja por interpelação, ora da promitente compradora, ora da promitente vendedora, por resolução do contrato ou execução específica, o que atesta da natureza garantística do contrato promessa outorgado, pelo que terá de ser tal facto dado como provado;

20ª – Da alínea Q) dos factos não provados, resulta que Apesar de a 1.ª Ré estar com garantia do seu crédito, persistiu que não confiava no filho e sócio do Autor, e bem assim na esposa deste, o que expressamente dizia ao Autor, acabando por solicitar uma transmissão das quotas junto do Autor;”, o que é comprovado pelo depoimento da testemunha GG, pelas declarações de parte do Recorrido, e ainda pelo depoimento de parte da 1ª Recorrida que confirma que o montante entregue foi garantido pela realização do contrato promessa de compra e venda, pelo que terá de ser dado como provado;

21ª – Da alínea R) dos factos dados como não provados, resulta que “Com o acto referido em 15., o Autor não teve intenção ou vontade real de transmitir a sua quota para a 1.ª Ré, mas apenas para “garantir” a esta, enquanto credora dos 498.798,00 euros, que tinha emprestado;”, o que resulta da prova documental e testemunhal junta e pela não resolução ou execução específica, tendo de ser tal facto dado como provado;

22ª – Das alíneas S) e T), resulta que, S) O acto referido em 15., de acordo com a efectiva vontade das partes, serviu apenas para garantir o empréstimo concedido pela 1.ª Ré ao Autor;

T) Aquando do acto referido em 15., nem posteriormente, nenhum pagamento foi feito ou houve qualquer transmissão patrimonial; resulta da prova documental e testemunhal que visava ser só uma garantia, razão de ninguém prover pela realização do contrato prometido, devendo assim ser revogada a resposta, sendo dado como provado nos precisos termos redigidos,

23ª - Da alínea U) dos factos dados como não provados resulta que “Toda a documentação foi assinada pelo Autor a pedido da 1.ª Ré e sob suas instruções, sendo que o Autor se limitou a assinar o que lhe foi apresentado;”, o que a mesma confirmou em sede de depoimento de parte, bem como o 2º Recorrido, e ainda as testemunhas GG, HH e EE, da ineptidão do Recorrrente para as questões administrativas, pelo que deve ser tal facto dado como provado;

24ª – Da alínea Z) dos factos dados como não provados, resulta que Ficou acordado entre o Autor e a 1.ª Ré que, com base na sua posição “formal” na empresa, a mesma venderia as garagens (eram duas) por € 30.000,00/cada, as fracções com maiores dimensões (eram 15) por € 90.000,00/cada e as fracções de menores dimensões (eram 5) por € 85.000,00/cada, e a final prestaria contas ao Autor, restituindo-lhe tudo quanto excedesse o crédito daquela;”, o que é atestado pelas regras de experiência, do normal devir, e das provas testemunhais produzidas nos autos, pelo que deve ser alterada a resposta da matéria de facto sendo dada como provada.

25ª – Da alínea BB) dos factos dados como não provados resulta que “Só em Janeiro de 2019 é que o Autor, tendo-se deslocado à Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, tomou conhecimento que todo o património da sociedade tinha sido alienado;”, o que decorre das incidências e do atraso na realização do cumprimento, da ausência do Recorrente emigrado, do mesmo ter sido ameaçado de morte e por não saber do que se passava por a 1ª Recorrida lhe dizer não ter vendido ainda fracções e por ter estado emigrado, pelo que deve ser dado como provado tal facto, tal como redigido;

26ª – Da alínea DD) dos factos dados como não provados resulta que “Só em Janeiro de 2019 é que o Autor, tendo-se deslocado à Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, tomou conhecimento que todo o património da sociedade tinha sido alienado;”, o que é atestado pelo Recorrente e pelo filho e bem assim pelas informações que ouviram e ante o receio de o Recorrente se deslocar a casa da 1ª Recorrida:

27ª – Da alínea JJ) dos factos dados como não provados resulta que ”Os 2.ºe 3.º Réus sabiam da existência do empréstimo e dos inúmeros contratos e garantias prestadas pelo Autor à 1.ª Ré;”, o que é comprovado pelos depoimentos de parte dos 2º e 3º Recorridos e sabiam haver negócios ligados à construção entre a mãe e o primo, pelo que deve ser revogado e ser dado como provado;

27ª – A 1ª Recorrida, em depoimento de parte afirmou ter tido um lucro de 80 000,00 euros, o que o Tribunal Recorrido não atendeu, o que tem de ser considerado confissão;

29º - Do relatório pericial resulta que a 1ª Recorrida se apossou da quantia de 792 771 euros, que por Enriquecimento sem causa, tem de restituir ao Recorrente, acrescido de juros legais.

30ª – O tribunal fez incorrecta análise e apreciação da prova produzida, desvalorizando os depoimentos do Recorrente e das testemunhas por si arroladas, de forma arbitrária,

31ª – verifica-se o enriquecimento sem causa dos Recorrentes.

32ª - A 1ª Recorrida não demonstrou qualquer pagamento, como facto extintivo do direito, nos termos do Artº 342º, o ónus de prova cabia à Recorrida.

33ª - A Douta sentença violou o Artº 655º, 466º, nº 1 do Código de Processo Civil e Artºs 342º e 473 e seguintes do Código Civil.

Conclui pedindo seja alterada a resposta à matéria de facto, nos termos propugnados pelo Recorrente, e assim reconhecida a matéria de facto, ser dado provimento ao recurso quanto à matéria de Direito, e assim ser ordenado restituir o que os Recorridos se locupletaram à custa do Recorrente, no montante de 792 771,16 euros, acrescido e juros vencidos desde a citação e até efectivo e integral pagamento, e ainda nas custas, como é de Direito.

Responderam os recorridos, pugnando pela improcedência do Recurso, reconduzindo-se, desde logo, à inadmissibilidade legal das convocadas prova testemunhal e por declarações para a prova da arguida simulação do negócio de cessão de quotas e sempre insubsistência da argumentação probatória no recurso.

II.

A questão decisiva nos autos vem a ser a da correcção/sustentação/subsistência do juízo ou a do erro de julgamento quanto à matéria de facto havida como provada sob 40º, 43º, 49º e 50º dos factos provados e quanto à não provada sob as alíneas c) a h); k), l), q), r) a z), bb) e jj).

III.

Tendo-se por cumpridos os pressupostos do conhecimento respectivo[1], cabe analisar a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pelo recorrente, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, por forma a apurar se a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise.

Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes[2], que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia. «Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Em resumo, reapreciação dos meios de prova, de todos os meios de prova, mas verificação ainda da correcção do juízo probatório constante da sentença recorrida, em termos de não estar em causa a substituição de um juízo probatório possível por outro, mas a confirmação da evidência da apreciação errada da prova pelo juiz recorrido.

Sempre a insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1).

De todo o modo, a impugnação da matéria de facto não se destina a contrapor a convicção da parte e do seu mandatário à convicção formada pelo tribunal, com vista à alteração da decisão. Destina-se, sim, à especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (art. 640.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil).

São os seguintes os factos havidos por provados na decisão recorrida:

1. Por escritura pública de cessão de quotas, unificação e alteração de pacto, realizada no dia 19 de Julho de 2002, no Primeiro Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, e perante o Notário II, a folhas 39 e seguintes do livro ...97-I, o aqui Autor e o seu filho GG, tornaram-se sócios e gerentes da sociedade C..., Lda (doc. 1 junto com o requerimento inicial do procedimento cautelar);

2. Por escritura pública de Constituição de Sociedade outorgada em 22 de Janeiro de 2002 no Cartório Notarial do concelho de São João da Madeira, BB, na qualidade de gestora de negócios de JJ e KK, declarou que entre JJ e CC, residentes habitualmente na África do Sul, é constituída a sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, com a firma “B..., Lda”, com sede à Rua ..., ..., lugar de ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, tendo por objecto a construção e venda de imóveis, bem como a compra e venda de bens imobiliários, com o capital social de € 5.000,00, dividido em duas quotas iguais, uma pertencente ao sócio JJ e outra ao sócio KK, ficando a gerência afecta a BB;

3. O JJ e o KK são irmãos da 1.ª Ré e ratificaram tal escritura;

4. Por escritura pública de Constituição de Sociedade outorgada em 22 de Janeiro de 2002 no Cartório Notarial do concelho de São João da Madeira, AA (aqui Autor) e BB (aqui 1.ª Ré) declararam que entre si constituem a sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, com a firma “D..., Lda.”, com sede à Rua ..., ..., lugar de ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira tendo por objecto a construção e venda de imóveis, bem como a compra e venda de bens imobiliários, com o capital social de € 5.000,00, dividido em duas quotas iguais, uma pertencente ao sócio AA e outra à sócia BB, ficando a gerência afecta a ambos os sócios (doc. 2 junto com o requerimento inicial do procedimento cautelar);

5. Foi elaborado documento particular, datado de 5 de Março de 2003, denominado de Contrato de Empreitada, do qual consta que C..., Lda., na qualidade de empreiteiro e 1.º outorgante, KK e JJ, na qualidade de proprietários e 2.ºs outorgantes declaram o seguinte: “I - Os 2.ºs outorgantes, proprietários, pretendem realizar a construção de quatro moradias, a levar a efeito no Lugar ..., na freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, conforme o projecto aprovado pela respectiva Câmara Municipal ... e processo de obras n.º ...42/2001;

II – Por este contrato os 2.ºs outorgantes encarregam a 1.ª outorgante, empreiteiro, e esta aceita a empreitada da arte de pedreiro, incluindo o fornecimento de mão de obra, e material;

III – O preço global da obra é fixado em 163.606,00 Euros, o qual se manterá inalterável, não podendo qualquer os outorgantes exigir correcções do referido preço da mão de obra que se verificarem no decurso da realização da mesma. A este valor será acrescido o Iva à taxa em vigor no momento da facturação; (…)”;

6. A sociedade C..., Lda., no qual o Autor era gerente, instaurou acção de impugnação pauliana contra “B..., Lda.” e “E... Unipessoal, Lda.”, que correu termos no extinto 3.º Juízo Cível deste Tribunal com o nº 966/10.2TBVFR, na qual peticionava: a) Seja declarada a ineficácia em relação à Autora do contrato de compra e venda celebrado em 22 de Fevereiro de 2006, melhor identificado no art.º 4.º da p.i.; b) Sejam as Rés condenadas a reconhecer o direito da Autora à restituição do imóvel em causa, com a descrição actual descrito sob o n.º ...12 da Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...65, fracções A, B e C ao património da 1.ª Ré B..., Lda., bem como o direito da Autora a executar o mesmo imóvel no património do seu actual detentor, a 2.ª Ré, na medida do seu interesse e para pagamento do crédito que detém sobre a B..., Lda.;

7. No decurso dessa acção, em 13 de Março de 2014, foi homologada a transacção celebrada entre a aí Autora, JJ e KK, por si e em representação da “B..., Lda.”, todos representados por BB (tendo para o efeito apresentado as procurações outorgadas pelos irmãos), em que lhe são conferidos todos os poderes, aqui 1.ª Ré, e “E... Unipessoal, Lda.”, representada pela gerente BB, nos termos da qual: - A Autora reduz o seu crédito, resultante da sentença proferida no proc. n.º 4592/06.2TBVFR, que correu termos pelo 3.º Juízo Cível deste Tribunal, para a quantia de €30.000,00; - os Réus, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 710.º do CC, aceitam e confessam-se devedores, de forma solidária para com a Autora, da quantia de €30.000,00; (…);

8. Foi a 1.ª Ré que remeteu à “C..., Lda.” a carta junta sob doc 4 com o RI do procedimento cautelar, aqui dada por reproduzida;

9. O Autor, por escritura de renúncia à gerência e aumento da capital e alteração de contrato de sociedade outorgado no Cartório Notarial de Ovar em 11 de Dezembro de 2001 a folhas 65 e seguintes do livro ...00-B, por entrada de seis milhões catorze mil e quatrocentos e sessenta escudos, ora 30 000,00 euros (trinta mil euros) tornou-se sócio com metade do capital social da sociedade “A... Lda.”;

10. Por Escritura Pública de Cessões de quotas e alteração do contrato de sociedade, da sociedade “A... Lda.”, outorgado no Cartório Notarial de Ovar no dia 31 de Outubro de 2003 a folhas 2 e seguintes do livro ...96-B, foi cedida ao Autor uma outra quota de 10 000,00 euros (perfazendo o capital social de 40 000,00 euros) assim como foram cedidas duas quotas de 10 000,00 euros cada, ao filho do requerente, GG (doc 8 junto com o requerimento inicial do procedimento cautelar);

11. Essa sociedade, por escritura pública de compra e venda outorgada em 15 de Dezembro de 1999 no Cartório Notarial de Ovar, a folhas 12 e seguintes do livro ...66-B, declarou adquirir o prédio sito no lugar ..., ..., Santa Maria da Feira, composto de terreno para construção, lote ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o número ... dessa Freguesia, inscrito na matriz predial urbana sob o Artº ...40 (doc. 6-A junto com o requerimento inicial do procedimento cautelar);

12. Em 1 de Março de 2002, mediante escrito particular, o Autor e esposa e a 1.ª Ré (por si e na qualidade de procuradora do seu irmão JJ) celebraram contrato promessa de cessão de quota, mediante o qual os 1.ºs prometeram ceder à 2.ª 2/3 da quota que são possuidores na “A...”, conforme doc. 12 junto com o requerimento inicial do procedimento cautelar e aqui dado por reproduzido;

13. Mediante escrito particular, tal contrato veio a ser rescindido em 19 de Julho de 2003;

14. Em 22 de Julho de 2003, mediante escrito particular, com reconhecimento presencial das assinaturas realizado por advogada, denominado de “Contrato promessa de compra e venda”, HH e AA, como promitentes vendedores, por si e na qualidade de 1.ºs outorgantes e de sócios e gerentes e representantes da “A...”, e BB, como promitente vendedora, declararam que:

1.ª Os 1.ºs contraentes são donos e legítimos proprietários do seguinte prédio urbano ainda em construção conforme Alvará n.º 354/03 emitido pela Câmara Municipal ... em 17/04/2003: Edifício para habitação colectiva denominado “...”, sito em ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, composto por 3 blocos contíguos e funcionalmente ligadas entre si com sub-cave, cave, rés-do-chão, 1.º andar, 2.º andar, 3.º andar e 4.º andar, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...40 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...0/021297;

2.ª Pelo presentes contrato, os 1.ºs contraentes prometem vender e a 2.ª promete comprar livre de qualquer ónus, encargos ou responsabilidades, as seguintes fracções pertencentes ao prédio indicado na cláusula anterior que a seguir se discriminam, todas conforme plantas anexas que fazem parte integrante do presente contrato: (…);

3.ª O preço global acordado entre ambos os contraentes é de €991.361,00, correspondendo a cada fracção o valor de €66.090,74;

4.ª O pagamento do preço indicado na cláusula anterior, será realizado pela 2.ª contraente da seguinte maneira:

a) Nesta data como sinal e princípio de pagamento os 1.ºs contraentes receberam o montante de € 498.798,00, de que dão a respectiva quitação;

b) Para reforço de sinal, a importância de € 75.000,00, correspondendo a cada fracção o o valor de € 5.000,00, será entregue pela promitente compradora no prazo de 45 dias a contar da data da celebração do presente documento;

c) O restante preço, isto é, a importância de € 417.563,00, correspondendo a cada fracção o valor de € 27.837,54, será liquidada pela promitente vendedora na data da outorga da escritura definitiva de compra e venda, a celebrar 90 dias após a obtenção da licença de habitabilidade do prédio;

5.ª Os 1.ºs contraentes autorizam expressamente a segunda a cederem a sua posição no contrato, obrigando-se os 1.ºs a celebrar a respectiva escritura definitiva de compra e venda com o terceiro, desde que aqueles lhe comuniquem essa intenção por carta registada até trinta dias antes do termo do prazo fixado na alínea c) da cláusula anterior;

6.ª Ficam por conta da promitente compradora todas as despesas inerentes à escritura de compra e venda desta transacção, incluindo os respectivos registos;

7.ª Os 1.ºs contraentes comprometem-se a concluir devidamente prontas a habitar, pelo menos oito fracções objecto do presente contrato até o máximo de 90 dias após a assinatura do presente documento, devendo, pelo menos, uma das fracções ser devidamente preparada e limpa para ser utilizada como apartamento modelo. Entretanto, enquanto decorre o mencionado prazo a 2.ª contraente fica desde já autorizada a mostrar outras fracções concluídas pertencentes a outro bloco, para cujo efeito, os 1.ºs comprometem-se a entregar-lhe as chaves das respectivas fracções;

9.ª O presente contrato-promessa fica subordinado aos princípios legais aplicáveis, importando o seu não cumprimento o direito à execução específica, nos termos do artigo 830º do Código Civil; (…);

11.ª A 2.ª contraente declara aceitar este contrato”;

15. Por escritura pública lavrada no dia 3 de Junho de 2005 de cessões de quotas, aumento de capital e alteração parcial do contrato, outorgada no Cartório Notarial sito à Praceta ... em Santa Maria da Feira, a folhas 118 e seguintes do livro ...-A, AA e mulher, na qualidade de 1.º outorgante, GG e mulher, na qualidade de 2.º outorgante, BB, na qualidade de 3.º outorgante, e LL (companheiro da 1.ª Ré), na qualidade de 4.º outorgante, declararam que:

“Pelo 1.º e 2.º outorgantes foi dito: Que são os únicos sócios da sociedade comercial por quotas com a firma “A..., Lda.”, (…), com o capital social de 60 mil euros, distribuído por duas quotas, uma no valor nominal de 40 mil euros, pertencente ao sócio AA e outra no valor nominal de 20 mil euros, pertencente ao sócio GG.

Pelos 1.ºs outorgantes foi mais dito: Que, pela presente escritura, e por preço igual ao nominal, que já receberam, cedem à 3.ª outorgante, a quota de que o marido é titular na sociedade, renunciando ele ainda à sua qualidade de gerente conforme previamente acordado com a cessionária.

Pelos segundos outorgantes foi mais dito: Que, pela presente escritura, e por preço igual ao nominal, que já recebeu, o marido, com autorização da mulher, cede ao 4.º outorgante a quota de que é titular na dita sociedade.

Pelos 3.º e 4.º outorgantes foi dito: Que aceitam as respectivas cessões.

Que sendo agora os actuais e únicos sócios da sociedade deliberam:

A) Aumentar o capital social da referida sociedade para 500 mil euros, sendo o aumento de 440 mil euros subscrito em dinheiro, já entrado na caixa social, pelos sócios da seguinte forma:

- A 3.ª outorgante reforça a quota que detém na sociedade com a quantia de 330 mil euros, ficando assim com uma quota de valor nominal de 370 mil euros;

- O 4.º outorgante reforça a quota que detém na sociedade com a quantia de 110 mil euros, ficando assim com uma quota de valor nominal de 130 mil euros;

B) Alterar o corpo dos artigos 1.º e 3.º e os n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º do respectivo contrato social, os quais passam a ter a seguinte nova redacção: (…);

Artigo 5.º

Um – A gerência (…);

Dois – Fica desde já nomeada gerente a sócia BB. (…)”;

16. O Autor e o filho declararam ceder, por preço igual ao valor nominal e já recebido, as quotas de que eram titulares na sociedade A... Lda., respetivamente à 1.ª Ré e o filho do Autor a LL, com domicílio na residência da 1.ª Ré e companheiro desta;

17. Os 2.º e 3.º Réus são filhos da 1.ª Ré;

18. Encontra-se registada a favor do 3.º Réu uma fracção na Freguesia ...;

19. O 2.º Réu tem titulado em seu nome, vários imóveis no Concelho ..., em ..., ..., ..., ... e ...;

20. Encontram-se titulados em nomes dos requeridos, os imóveis relacionados na informação da Autoridade Tributária e Aduaneira – Serviço de Finanças ..., junta ao procedimento cautelar em 13-11-2019, sob ref.ª 944327, e aqui dada por reproduzida;

21. As declarações de rendimentos IRS apresentadas pelos Réus, referentes ao ano fiscal de 2018, são as constantes dos anexos ao ofício referido em S), das mesmas constando, designadamente: declaração de rendimentos da 1.ª Ré, rendimentos de pensões anual de 3.981,70€ e 3.600€ de rendimentos prediais; para o 2.º Réu rendimentos prediais de 35.837,50, sem rendimentos de outra natureza ou proveniência; para o 3.º Réus, rendimentos prediais de 4.200€, sem rendimentos de outra natureza ou proveniência.

22. À data de 03/06/2005, a “A...” possuía 22 fracções por e para vender;

23. A construção das 4 moradias referida em 5. foi efectivamente acordada entre a C..., Lda., representada pelo Autor, e a sociedade B..., Lda., esta sociedade sempre, e em exclusivo, representada pela 1ª Ré, que solicitou forma de fazer a obra, valores, modo de pagamento, estética, materiais utilizados e tudo mais necessário à construção;

24. O contrato referido em 5., apesar de titulado pelos irmãos da 1.ª Ré, foi assinado por esta, que actua em nome próprio, e gere a seu bel-prazer, a vida patrimonial da sociedade B..., Lda., que tem sede na morada da 1.ª Ré;

25. Nas diligências da acção referida em 6. e 7. sempre compareceu a 1.ª Ré, em representação das sociedades demandadas;

26. O empreendimento em ... era composto por 3 blocos e 37 fracções;

27. Aquando do contrato promessa, o Autor tinha falta de liquidez;

28. Aquando do contrato promessa, tinham já sido vendidas fracções do empreendimento para assegurar o pagamento aos credores hipotecários;

29. A 1.ª Ré entregou ao Autor os € 498.798,00;

30. A partir do acto referido em 15., a 1.ª Ré passou a formalizar e receber pagamentos;

31. O Autor emigrou para o Congo e mais tarde para França;

32. Antes de 03/06/2005, à A... foi concedido um empréstimo bancário, com garantia hipotecária sobre os imóveis, no valor de € 1.261.276,91;

33. Em 03/06/2005, o valor da dívida decorrente desse empréstimo bancário ascendia a € 787.009,21;

34. Em 08/05/2009, a A... liquidou tal empréstimo, bem como os encargos e juros desde 03/06/2005 no montante de € 103.126,69;

35. Em Fevereiro de 2006, foram vendidas 7 fracções, no valor total de € 389.180,00;

36. Em Novembro de 2006, foi vendida 1 fracção, pelo valor de €56.500,00;

37. Em Dezembro de 2006, foi vendida 1 fracção, pelo valor de €84.000,00;

38. Em Fevereiro de 2008, foram vendidas 2 fracções, pelo valor de €175.000,00;

39. Após a liquidação do empréstimo bancário, apenas 2 fracções ficaram por vender, as quais vieram a ser vendidas em 20/01/2010, por € 70.000,00, e em 29/06/2012, por €79.000,00;

40. As 22 fracções existentes em 03/06/2005, foram vendidas pelo valor global de € 1.592.280,00;

41. As dívidas liquidadas com as vendas das fracções, nomeadamente empréstimo bancário, incluindo respectivos encargos, custo das existências vendidas e consumidas, encargos com pessoal, fornecimentos e serviços externos, impostos e segurança social, saldos de fornecedores, Estado e outros credores, ascenderam a € 1.465,877,27;

333942. Correspondendo:

- € 169.473,75 a gastos com inventários/existências;

- € 178.801,63 a gastos com fornecimentos e serviços externos;

- € 3.269,58 a gastos com pessoal; e

- € 64.420,77 a gastos com impostos e outros encargos;

43. Entre 2010 e 2019, o 2.º Réu adquiriu 10 imóveis e o 3.º Réu adquiriu 2 imóveis, ascendendo o valor global das aquisições a €532.300,00, sem recurso a crédito bancário;

44. Em Portugal, o 2.º Réu não declarou qualquer rendimento nos anos de 2006 a 2016 e declarou rendimentos prediais de €36.262,60 no ano de 2019, referente a rendas obtidas com vários imóveis;

45. Em Portugal, o 3.º Réu não declarou qualquer rendimento nos anos de 2006 a 2014 e declarou rendimentos prediais de €650,00, €3.900,00, €4.050,00 e €4.200,00, nos anos de 2015 a 2018, referente a rendas obtidas com um imóvel;

46. Em Junho de 2005, a A... apresentava uma situação de falência técnica com o capital próprio negativo, em cerca de € 137.465,20;

47. Até à dissolução da sociedade “A...” e desde a data em que adquiriu a quota ao Autor, a 1.ª Ré teve que liquidar os débitos da sociedade (crédito hipotecário, juros, encargos com contabilidade, finanças, segurança social) e executar as obras que faltavam fazer nos imóveis;

48. Pagas as dívidas da sociedade “A...”, incluindo as existentes em 3 de Junho de 2005 e os gastos necessários para acabar as fracções com vista à sua venda, bem como os encargos inerentes ao normal desenvolvimento da sociedade entre aquela data e o encerramento da mesma, verificou-se um resultado positivo de €126.402,72;

49. Antes da cessão de quotas de 03/06/2005, relativamente a uma das 22 das fracções aludidas pelo Autor (fracção “D”, no Bloco Centro), já havia sido celebrado contrato promessa e recebido sinal pela sociedade em Outubro de 2003, no valor de € 55.000,00;

50. Das 22 fracções que ainda estavam por vender, aquando da cessão, faltava finalizar a parte da carpintaria, cerâmicas, electricidade, pichelaria, pladur e cozinhas;

51. Após 03/06/2005, a sociedade “A...” efectuou e custeou as obras e materiais com o acabamento das referidas fracções;

52. A “A...” suportou ainda encargos desde 03/06/2005 até à venda de todas as fracções, seja com as fracções em si mesmo, seja com os custos inerentes ao desenvolvimento da sociedade, tais como água, luz, condomínio, encargos fiscais, encargos com empresa de contabilidade e comissões de imobiliárias;

53. Após a cessão de quotas de 03/06/2005 e conforme ia vendendo as fracções, a “A...” ia amortizando com o produto das vendas o empréstimo bancário;

54. A A... encerrou a actividade em 12/09/2012.

Foi a seguinte a Matéria havida como não provada:

a) A 1.ª Ré, tendo conhecimento que, em virtude da redução das obras e aumento das despesas, o Autor teve dificuldades económicas cerca do ano 2000, propôs-lhe fossem estabelecidas relações comerciais, com a sociedade que aquela geria de facto, “B..., Lda.”;

b) Posto a grande crise do sector imobiliário que se seguiu, o Autor, face à construção das moradias e não tendo recebido aquilo que a 1.ª Ré se tinha obrigado a pagar como gerente de facto da sociedade, o Autor tinha a sua vida financeira de “pernas para o ar”, o que o fez ter emigrar para a República Democrática do Congo e depois para França;

c) Do contrato referido em 5.º, apenas foi paga a quantia de €30.000,00;

d) Porquanto a 1ª Ré, na qualidade de representante da sociedade B..., Lda. já havia titulado os imóveis em terceira pessoa, e por aconselhamento do mandatário da sociedade credora, foi aceite o acordo e pagamento, aludidos em 7., da quantia de 30.000,00 euros a pagar em trinta meses, em virtude das dívidas fiscais que a sociedade do Autor tinha, tendo a referida quantia de 30.000€ revertido para o abatimento das referidas dívidas;

e) Quando a Autora se propôs ajudar o Autor, só faltava acabar as cozinhas, assentar cerâmicas e tijoleiras;

f) O Autor já era gerente de facto da A... antes de 11/12/2001;

g) O início da construção do prédio em ... foi decidido pelos sócios da A... e pelo Autor, face, para além do património da A..., à capacidade produtiva e de trabalho deste;

h) O prédio em ... estava externamente acabado (em finais de 2002), sendo que desde 2001 que a 1ª Ré tentava encontrar uma forma de “ser sócia”, entrando no negócio da comercialização desse edifício;

i) A 1.ª Ré constituiu com o Autor a sociedade “D...” com vista a ganhar a confiança deste, mostrar disponibilidade e “fazer amizade”, tendo tal sociedade acabado por ter pouca actividade em virtude da forma pouco séria como a 1.ª Ré pretendia gerir essa sociedade (em exclusivo) e pelos incumprimentos verificados na empreitada de 05/03/2003, e que fez o Autor não afectar património na mesma;

j) A 1.ª Ré continuou a afirmar ter meios financeiros e que pretendia ligar-se ao negócio da construção, para além da sociedade constituída (“D...”), pretendendo tornar-se sócia da sociedade “A...”, por esta possuir muito património, mas carecer de financiamento e por insistência da mesma junto do Autor foi outorgado o contrato promessa referido em 12.;

k) Pela elevada quantidade de documentação, contratos-promessa, renúncias, cessões e outros documentos que a 1.ª Ré apresentava ao Autor para assinar e por igualmente ter compromissos bancários, o Autor confiando na 1.ª Ré, aceitou que, como forma de garantia do montante que lhe seria emprestado, 498 798,00 euros (quatrocentos e noventa e oito mil, setecentos e noventa e oito euros) daria por garantia de pagamento, um contrato-promessa das fracções ainda propriedade da sociedade de que o Autor era sócio gerente;

l) Aquando da assinatura do “Contrato promessa de compra e venda” referido em 14., não era vontade real do Autor vender, nem era vontade real da 1.ª Ré comprar o prédio aí identificado, tudo não passando de uma forma jurídica de dar segurança à 1.ª Ré, que assim emprestaria ao Autor a quantia de 498.798,00€;

m) A 1.ª Ré emprestou ao Autor a quantia de € 498.798,00;

n) Cada fracção do contrato promessa tinha o valor de mercado entre € 85.000,00 e € 90.000,00;

o) O valor das 15 fracções do “Contrato promessa de compra e venda” referido em 14. ascendia a cerca de 1.325.000€;

p) À data do “Contrato promessa de compra e venda” referido em 14., o sócio HH já só formalmente o era, porquanto já lhe havia sido paga a quota e tudo era gerido pelo Autor, sendo que o mesmo conheceu e acompanhou a negociação e relação de confiança que o Autor mantinha com a 1.ª Ré e acima referidas;

q) Apesar de a 1.ª Ré estar com garantia do seu crédito, persistiu que não confiava no filho e sócio do Autor, e bem assim na esposa deste, o que expressamente dizia ao Autor, acabando por solicitar uma transmissão das quotas junto do Autor;

r) Com o acto referido em 15., o Autor não teve intenção ou vontade real de transmitir a sua quota para a 1.ª Ré, mas apenas para “garantir” a esta, enquanto credora dos 498.798,00 euros, que tinha emprestado;

s) O acto referido em 15., de acordo com a efectiva vontade das partes, serviu apenas para garantir o empréstimo concedido pela 1.ª Ré ao Autor;

t) Aquando do acto referido em 15., nem posteriormente, nenhum pagamento foi feito ou houve qualquer transmissão patrimonial;

u) Toda a documentação foi assinada pelo Autor a pedido da 1.ª Ré e sob suas instruções, sendo que o Autor se limitou a assinar o que lhe foi apresentado;

v) Porque o Autor confiava na 1.ª Ré, sendo inexperiente na formalização de contratos e tudo estava verbalizado e era do conhecimento de todos que intervinham nos contratos de compra e venda, ficou acordado que, todas as vendas seriam realizadas com o conhecimento do Autor;

w) A 1.ª Ré passou, apenas, a ser formalmente sócia;

x) Apesar de ter emigrado, sempre que regressava a Portugal se encontrava com a 1.ª Ré e lhe perguntava das vendas realizadas, a mesma referia que nada tinha sido vendido;

y) Só após o período de natal de 2018, o Autor foi junto da casa da 1.ª Ré dizendo saber que a mesma e os filhos andavam a comprar muitos imóveis, o que era comentado na Freguesia, ao que a 1.ª Ré referiu que já tinha vendido todos os imóveis, mas pago o seu crédito e demais despesas, nenhum lucro resultou;

z) Ficou acordado entre o Autor e a 1.ª Ré que, com base na sua posição “formal” na empresa, a mesma venderia as garagens (eram duas) por €30.000,00/cada, as fracções com maiores dimensões (eram 15) por €90.000,00/cada e as fracções de menores dimensões (eram 5) por € 85.000,00/cada, e a final prestaria contas ao Autor, restituindo-lhe tudo quanto excedesse o crédito daquela;

aa) Ao Autor foi dado conhecimento, por terceiras pessoas, que a 1ª Ré e os filhos da mesma, 2.º e 3.º Réus, estavam a realizar inúmeras compras de imóveis, sendo que os mesmos não têm património, rendimentos ou forma de vida para aquisição de património centenas de milhares de euros;

bb) O 2.º Réu, CC, vivia com algumas dificuldades na África do Sul, onde tinha um pequeno comércio, não possuindo património financeiro para adquirir os imóveis titulados em seu nome;

cc) O 3.º Réu, DD, viveu longos anos com a mãe e a expensas dela, porquanto nunca se autonomizou patrimonialmente e não possui património financeiro para adquirir os imóveis titulados em seu nome;

dd) Só em Janeiro de 2019 é que o Autor, tendo-se deslocado à Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, tomou conhecimento que todo o património da sociedade tinha sido alienado;

ee) Com o dinheiro das alienações das fracções da “A...”, a 1.ª Ré adquiriu vários imóveis - por si ou como gerente de empresas - que titulou em nome dos 2.º e 3.º Réus;

ff) Os atos referidos em 14. e 15. e os demais documentos assinados pelo Autor e acordos verbais foram praticados com confiança na 1.ª Ré, acreditando que iria receber o que excedesse o montante em débito;

gg) No acto referido em 15., o filho do Autor, GG, declarou ceder a quota na sociedade A..., por tal lhe ter sido pedido pelo Autor, acedendo à vontade de formalização de seu pai, sendo que nenhum valor lhes foi pago;

hh) Com o seu procedimento, a 1.ª Ré obteve um benefício de €1.145.000,00 (1.835.000,00 das vendas das 22 fracções - €500.000,00 do empréstimo - € 40.000,00 de 2 anos de juros do empréstimo - € 150.000,00 de débito ao banco);

ii) Os imóveis titulados pelos 2.º e 3.º réus foram adquiridos com o produto da venda das fracções da “A...”;

jj) Os 2.ºe 3.º Réus sabiam da existência do empréstimo e dos inúmeros contratos e garantias prestadas pelo Autor à 1.ª Ré;

kk) Os 2.º e 3.º Réus sabiam que o património adquirido pela 1.ª Ré em nome deles resultou da alienação das fracções que eram mera garantia do cumprimento do empréstimo, assim proveniente de violação do acordado com o requerente e da qualidade em que ficou formalmente nos atos referidos em 14. e 15.;

ll) Os 2.º e 3.º Réus não possuem património financeiro para as aquisições que ficaram tituladas em seu nome e sabem que a 1.ª Ré não tem património financeiro para adquirir bens para os titular em nome dos 2.º e 3.º Réus;

mm) Os 2.º e 3.º Réus sabem que todo o património que em seu nome está titulado e que é integralmente pago pela mãe, e após a apropriação do património da sociedade A..., resulta numa vantagem patrimonial, proveniente de violação do acordado com o requerente e da qualidade em que ficou formalmente nos atos referidos em 14. e 15.;

nn) Considerando o valor em débito à instituição bancária e à 1.ª Ré, que logo foi amortizado no decurso do ano de 2006, e considerando o valor em débito ao banco nunca superior a €150.000,00, o Autor tem direito a ver-lhe restituído o montante de €1.185.000,00;

oo) O valor em débito à instituição bancária, que foi amortizado no decurso do ano de 2006, e portanto sem juros amortizado, não era superior a € 150.000,00;

pp) A 1.ª Ré liquidou até ao final do ano de 2007 escrituras de compra e venda suficientes para liquidar o crédito hipotecário existente, bem como ser restituída do seu crédito;

qq) Pagas as dívidas da sociedade “A...”, incluindo as existentes em 3 de Junho de 2005 e os gastos necessários para acabar as fracções com vista à sua venda, bem como os encargos inerentes ao normal desenvolvimento da sociedade entre aquela data e o encerramento da mesma, não resultou qualquer saldo positivo;

rr) Após 03/06/2005, a sociedade “A...” teve que pagar uma indemnização de € 24.000,00 referente à devolução do sinal da promessa de venda de uma fracção realizada em data anterior a 2005, não tendo tal fracção nada a ver com as 22 aludidas na p.i.;

ss) Das 22 fracções que ainda estavam por vender, aquando da cessão, em 10 delas (situadas no bloco centro) faltava equipar a totalidade das cozinha e colocar gradeamento em inox no hall de entrada e as restantes (situadas no bloco nascente) apenas estavam prontas no exterior e fechadas com portas e janelas em alumínio, encontrando-se o interior apenas divido em grosso, faltando toda a parte de carpintaria, cerâmicas, electricidade, pichelaria, pladur e cozinhas;

tt) Após 03/06/2005, a sociedade “A...” suportou montante superior a € 350.000,00 com o acabamento das 22 fracções, para as poder vender;

uu) Suportando mais de € 500.000,00 com as obras e materiais para acabamento das fracções e com os encargos e os custos referidos em 53.;

vv) Após 03/06/2005, a A... pagou ao banco quantia superior a € 900.000,00;

ww) Tendo liquidado, após tal data, valor superior a € 120.000,00 em juros, imposto de selo sobre os juros e distrates;

xx) Do valor da venda das 22 fracções, antes de 03/06/2005, a “A...”, na pessoa do Autor, recebeu cerca de 80% do preço da venda de uma fracção, tendo a sociedade aquando da escritura (após aquela data) recebido apenas cerca de € 10.000,00;

yy) O montante pago a título de comissões à mediadora imobiliária ascendeu a € 66.233,30;

zz) Passados alguns anos da 1ª Ré ter regressado a Portugal, o Autor veio ter com a mesma e sabendo que a mesma tinha uma condição económica desafogada, pospôs-lhe que ficassem sócios na A..., Lda., tendo a 1ª Ré entregue ao Autor os 498.798,00€, sendo que o Autor, contra o proposto, nunca efetivou tal facto;

aaa) Ficou acordada a venda das 15 fracções porque o Autor não cumpria com essa promessa;

bbb) Acabaram por acordar na cessão porque a A... não acabava as fracções e o Autor pretendia que a 1.ª Ré desse mais dinheiro por conta do preço final das fracções que havia prometido comprar, o que esta não acedeu;

ccc) Valor da venda das fracções vendidas antes de 03/06/2005.

Para fundamentar as decisões de facto que antecedem, consignou-se na sentença:

«A decisão de facto teve por base a globalidade da prova produzida, conjugada com as regras da experiência, designadamente o teor dos documentos juntos aos autos: - Juntos com a p.i.: certidão da sentença homologatória de transacção proferida na acção de impugnação pauliana n.º 966/10.2TBVFR, do 3.º Juízo Cível deste Tribunal, p.i. dessa acção; contestações da acção n.º 4592/06.2TBVFR do 3.º Juízo Cível deste Tribunal (doc. 1); certidão registral (doc. 2); título de compra e venda e mútuo com hipoteca de 07/05/2009 e certidão registral (doc. 3); título de compra e venda e mútuo com hipoteca de 26/02/2009 (doc. 4); título de compra e venda e mútuo com hipoteca de 16/04/2009 e certidão registral (doc. 5); escritura de compra e venda de 29/06/2021 (doc. 6); título de compra e venda e mútuo com hipoteca de 20/01/2010 (doc. 7); compra e venda de 30/01/0017 (doc. 8); certidão notarial relativa à constituição de propriedade horizontal (doc. 9); - Juntos a solicitação do Tribunal, na sequência de requerimento do Autor: escritura de compra e venda de 30/12/2005; escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança de 21/02/2006; escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca de 10/02/2006; escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança de 10/02/2006; escritura de compra e venda de 21/02/2006; - Juntos com a contestação: recibo de cobrança/conta corrente do Banco 1... (doc. 1); liquidação parcial/conta corrente do CPP (doc. 2); certidões registrais; liquidação parcial/conta corrente do CPP; liquidação parcial/conta corrente do Banco 1... (docs. 4 a 17); declarações do Banco 1... de 21/07/2009; escritura de compra e venda de 30/12/2005 (doc. 19); escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca de 02/02/2006 (doc. 20); compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança de 10/02/2006 (doc. 21); escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca de 10/02/2006 (doc. 22); escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança de 21/02/2006 (doc. 23); escritura de compra e venda de 21/02/2006 (doc. 24); escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca de 122/11/2006 (doc. 25); escritura de compra e venda de 27/12/2006 (doc. 26); escritura de compra e venda de 18/01/2007 (doc. 27); escritura de compra e venda de 27/03/2007 (doc. 28); compra e venda e mútuo com hipoteca (doc. 29); escritura de compra e venda de 07/02/2008 (doc. 30); escritura de compra de venda de 07/02/2008 (doc. 31); escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança de 11/02/2008 (doc. 32); escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca de 11/04/2008 (doc. 33); escritura de compra e venda de 08/01/2009 (doc. 34); título de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança de 26/02/2009 (doc. 35); título de compra e venda, mútuo com hipoteca de 16/04/2009 (doc. 36); título de compra e venda, mútuo com hipoteca de 07/05/2009 (doc. 37); título de compra e venda, mútuo com hipoteca de 20/01/2010 (doc. 38); escritura de compra e venda de 29/06/2012 (doc. 39); escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança de 03/07/2003 (doc. 40); escritura de compra e venda de 17/07/2003 (doc. 41); escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança de 07/08/2003 (doc. 42); escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança de 07/08/2003 (doc. 43); escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança de 04/09/2003 (doc. 44); escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança de 12/07/2004 (DOC. 45); escritura de compra e venda de 13/07/2004 (doc. 46); escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança de 13/07/2004 (doc. 47); facturas da Remax (doc. 48); facturas/recibos da F... Lda, da G..., da drogaria H..., da Serralharia I..., da TCC, da H.R., da Top. Guard, da Eurochaves, da Electro Sanjo, da Asrem, de MM, da Feiriper, da Transportes Custódio e talões de multibanco, (doc. 49); talões de multibanco e facturas/recibos da Feiriper, Aluclar, Marmorsil, Kone Portugal, Bricomarché, Fogões de Sala FOP, Electro Sanjo, Construções J..., S.V.P. Auto, K..., Bylak, Euroficios (doc. 50); facturas da Marmorsil, Dissoltin, Aluclar, Artigos Sanitários, Kone, Contifontes, Armazéns L..., M..., K..., Lar Seguro, Sanipinho, NN, OO, Construções N..., O..., Kone, P..., Lda., PP, Vidaria Q..., R... (doc. 51); facturas da Litoralvac, Marmorsil, Kone, Feiriper, S..., QQ e talão das Finanças (doc. 52); facturas da Marmorsil, Cartório Notarial, HE, Contifontes, Litoralvac, Drogaria H..., IES,talões/pagamentos das Finanças (doc. 53); facturas/recibos da Indaqua (doc. 54); folhas de remunerações da A... e pagamentos à Segurança Social (doc. 55); recibos da EDP (doc. 56); recibos da administração do condomínio (doc. 57); facturas da Contifontes (doc. 58); recibos das Finanças (doc. 59); recibos da pagamentos ao Município (doc. 60); extractos do Banco 1... (docs. 61 a 70); contrato promessa de compra e venda entre A... e RR, de 04/10/2003 (doc. 71); extracto do Banco 2... relativo a CC (docs. 72 e 73); extractos do Banco 2... relativos a BB (doc. 74); título de compra e venda de 16/10/2017 (doc. 75); título de compra e venda de 11/07/2017 (doc. 76); título de compra e venda de 24/05/2017 (doc. 77); título de compra e venda de 12/06/2017 (doc. 78); título de compra e venda de 22/06/2017 (doc. 79); escritura de compra e venda de 27/03/2017 (doc. 80); título de compra e venda de 01/06/2017 (doc. 81); título de compra e venda de 15/03/2018 (doc. 82); título de compra e venda de 22/02/2019 (doc. 83); título de compra e venda de 29/07/2010 (doc. 84); escritura de compra e venda de 20/12/2018 (doc. 85); cópia de passaporte (doc. 86); - Juntos pelos Réus em 07/03/2022: prestações de contas da A...; certidão de matrícula da A...; declarações de rendimentos da 1.ª Ré; declarações de rendimentos do 2.º Réu; declarações de rendimentos do 3.º Réu; - Informações da AT; - Informações prestadas pelo Banco 1...; - Juntos pelos RR. em 05/02/2024: certidões matriciais; - Juntos pelos RR. em 29/05/2024 e 13/06/2024: extractos bancários, cópias de cheques, certidão da N And M Metalworks, constituída em 2009, e declaração de rendimentos de tal sociedade e de compra e venda entre Massa insolvente de BB e o R. CC, escrituras entre T... e o R. CC, entre SS e TT e o R. CC, entre UU e o R. DD; - Juntos pelos RR. em 05/06/2024: extractos bancários; - Informações do Banco 2... de 15/07/2024; - Junto pelo R. CC em 19/09/2024: informação tributária da África do Sul; - Informações do Banco 3... de 23/09/2024; - Juntos pelos RR. em 30/09/2024: contratos de compra e venda e compra e venda e mútuo com hipoteca de 05/06/2018 e 27/07/2021.

O Tribunal teve, também, em consideração os documentos já juntos ao procedimento cautelar apenso: - com o requerimento inicial: escritura de cessões de quotas, unificação e alteração de pacto da C..., Lda de 19/07/2022 (doc. 1); escritura de constituição da sociedade B... Lda, de 22/01/2022 (doc. 2); contrato de empreitada entre C..., Lda e KK e JJ, de 05/03/2003 (doc. 3); carta da R. BB à C..., Lda, de 22/11/2005 (doc. 4); procuração de JJ a designar sua procuradora a irmã BB, de 22/12/2000 e procuração de KK a designar sua procuradora a irmã BB, de 22/12/2000 (doc. 5); escritura de compra e venda de 15/12/1999 (doc. 6); escritura de renúncia à gerência, aumento de capital e alteração de contrato de sociedade “A...”, de 11/12/2001 (doc. 7); escritura de cessões de quotas e alteração do contrato de sociedade “A...”, de 31/10/2003 (doc. 8); escritura de constituição da sociedade D..., de 22/01/2002 (doc. 9); contrato promessa de constituição de sociedade celebrado entre a 1:ª Ré e o A., de 21/12/2001 (doc. 10); rescisão de contrato promessa de constituição de sociedade, de 19/07/2003 (doc. 11); contrato promessa de cessão de quota celebrado entre o A. e a 1.ª Ré, de 01/03/2002 (doc. 12); rescisão do contrato promessa de cessão de quota, de 19/07/2003 (doc. 13); contrato promessa de compra e venda entre A..., representada por HH e o A., e a 1.ª Ré, de 22/07/2003 (doc. 14); escritura de cessões de quotas, aumento de capital e alteração parcial do contrato da A..., de 03/06/2005 (doc. 15); certidões registrais (docs. 16 e 17); certidão de matrícula da “E..., Lda.” (doc. 18); - Informações prestadas pela AT; - Juntos pelos RR. com a oposição e em 01/03/2021.

Conjuntamente com todos os documentos constantes dos presentes autos e do procedimento cautelar, o Tribunal teve também em consideração o relatório pericial e esclarecimentos periciais prestados por escrito e em sede de julgamento.

E, conjugados com todos esses elementos, o Tribunal teve ainda em consideração os depoimentos e declarações de parte e os depoimentos prestados pelas testemunhas.

Assim:

- Quanto aos pontos 1. a 22.: A posição das partes e os documentos (autênticos ou não impugnados) juntos aos autos, tendo, aliás, tal matéria sido dada como provada em sede de saneador;

- Quanto aos pontos 23. e 24.: O teor do contrato de empreitada, as procurações dos irmãos da 1.ª Ré e a carta desta de 22/11/2005, onde ela se refere à dívida da sociedade, conjugadas com o depoimento prestado pela mesma, a qual reconheceu ter assinado tal contrato, o que fez em nome dos irmãos, sendo ela quem tratava de todos os assuntos respeitantes à sociedade B... que representava;

- Quanto ao ponto 25.: O teor das peças processuais relativas essa acção e o depoimento prestado pela 1.ª Ré, que reconheceu tal matéria;

- Quanto ao ponto 26: As certidões registrais, a certidão de constituição de propriedade horizontal, os contratos promessa e os títulos de compra e venda das fracções juntos aos autos;

- Quanto ao ponto 27.: A 1.ª Ré reconheceu tal matéria;

- Quanto ao ponto 28.: Havendo 37 fracções e encontrando-se 22 por vender em 03/06/2005 (cfr. pontos 22 e 26), foram feitas amortizações do empréstimo bancário até essa altura, conforme resulta do relatório pericial;

- Quando ao ponto 29.: Inexiste divergência entre as partes acerca da entrega dos € 498.798,00 pela 1.ª Ré ao Autor;

- Quanto ao ponto 30.: Inexiste, também, divergência entre as partes acerca de tal matéria, que resulta, aliás, das escrituras de compra e venda das fracções realizadas após 03/06/2005;

- Quanto ao ponto 31.: As declarações prestadas pelo Autor;

- Quanto aos pontos 32. a 48. e 50. a 54.: O teor do relatório pericial e os esclarecimentos prestados pelos senhores peritos, por escrito e em sede de julgamento, conjugados com as certidões registrais, os contrato promessa e títulos de compra e venda, liquidações, declarações, facturas, recibos, talões de multibanco, folhas de remunerações e pagamentos, extractos bancários, prestação de contas, cheques e declarações de rendimentos, juntos aos autos, bem como os depoimentos prestados por: - EE, sócio-gerente da A... até 31/20/2003, altura em que cedeu quota, o qual referiu que, em 03/06/2005, a obra estava praticamente a acabar; - VV, vendedor de tintas, que referiu ter fornecido tintas para a A... após 03/06/2005 e que referiu que a obra estava na fase final de pinturas, confirmando ainda o fornecimento dos materiais a que se referem as facturas juntas aos autos da Dissoltin e o recebimento dos correspondentes montantes; - OO, confirmou os trabalhos de pintura por si realizados após 03/06/2015 e o pagamento de tais serviços; - WW, confirmou a factura relativa a serviços de tectos falsos junta aos autos; - XX, carpinteiro, o qual confirmou os serviços por si prestados a que se referem as facturas da Irmãos U..., Lda. e o seu recebimento, explicando que a obra estava na fase final de acabamentos;

- Quanto ao ponto 49.: O contrato promessa e a escritura de compra e venda juntos como docs. 24 e 71 com a contestação e o depoimento prestado por RR, que confirmou a entrega desse sinal.

No que concerne à matéria não provada, tal ficou a dever-se à sua insuficiente demonstração, ponderada toda a prova produzida. (o destaque é nosso)

É de realçar:

A testemunha EE referiu que em 2000/2001 o Autor não tinha dificuldades económicas, pelo que, atenta ainda a demais prova produzida, o Tribunal não deu como provada a existência dessas dificuldades económicas nessa altura.

Quanto à empreitada das 4 moradias, nenhuma prova suficiente foi feita da existência de outros créditos.

É certo que, o Autor emigrou para o Congo e, mais tarde, para França, como referido pelo mesmo. Porém, não foi possível apurar os motivos.

A sociedade D... pouca ou nenhuma actividade teve, como, aliás, reconhecido pela 1.ª Ré. Todavia, também não foi possível apurar dos motivos.

Quanto ao estado das fracções aquando do contrato promessa e da compra e venda, apenas resultou provado o que já consta da matéria assente.

Quanto ao contrato promessa das fracções e à escritura de cessão de quotas para a Autora, também, não resultou provado que tivessem servido de garantia.

O depoimento prestado por GG não mereceu credibilidade, porquanto pouco isento, já que é filho do Autor e cedeu uma quota à 1.ª Ré, tendo manifesto interesse em afirmar, como afirmou, que esta nada lhe pagou a tal título, apesar de no contrato de cessão constar o contrário, sendo certo, ainda, que relativamente ao contrato promessa referiu que “não sabe do contrato promessa com a Ré”.

O depoimento prestado por YY, tia do Autor e cunhada da 1.ª Ré, também não mereceu credibilidade, atenta a falta de isenção, objectividade e coerência, uma vez que está de relações cortadas com esta, conforme resulta da reacção manifestada quando questionada a esse propósito (mostrando-se visivelmente perturbada com tal questão, afirmou “se ela falar, eu falo”, “eu falo para toda a gente”). Quando questionada se a 1.ª Ré tinha posses, referiu que a mesma “vivia (apenas) do trabalho”, embora também afirmasse que, afinal, a mesma “emprestou muitos milhares ao Autor”.

A testemunha HH, ex-sócio da A..., confirmou que assinou o contrato promessa junto como doc. 14. Mais referiu que esse contrato foi apresentado pelo Autor. Referiu, ainda que à data as fracções valeriam entre € 70.000,00 e € 80.000,00, sendo normal aquando dos contrato promessa, não estando ainda acabada a construção, ser um preço mais baixo.

E, a testemunha EE, também ex-sócio da A..., referiu que muito embora o Autor não tratasse de contratos, o HH era uma pessoa culta e que “controlava os contratos”. Havendo vários funcionários administrativos na A..., os contratos entre o Autor e a 1.ª Ré eram da lavra de um contabilista em comum. Mais referiu que, a previsão da cessão da posição contratual nos contratos promessa era especificamente negociada. Referiu, também, que na A... normalmente não reconheciam assinaturas no contrato promessa. E, afirmou que nunca acompanhou qualquer entrega de dinheiro. Afirmou que nada sabe quanto à cessão de quotas à 1.ª Ré, que não acompanhou, referindo contudo que “sei que Autor vendeu a empresa à tia”.

Assim, se o contrato promessa servia apenas como garantia do alegado empréstimo de cerca de quinhentos mil euros, por que razão estava previsto no contrato promessa, que teve, aliás, reconhecimento presencial de assinaturas, o reforço do sinal e a cessão da posição contratual, além do prazo de noventa dias para conclusão das fracções. Foram questões relativamente às quais as testemunhas não souberam dar resposta. Tal contrato, segundo a testemunha HH, foi até levado pelo Autor e segundo a testemunha EE foi elaborado por um “contabilista em comum” do Autor e da 1.ª Ré.

E, quanto à cessão, também, não resultou, pois, provada que serviu apenas como garantia nos termos referidos pelo Autor. Apraz, também, registar que, em Junho de 2005, a A... apresentava uma situação de falência técnica com o capital próprio negativo, em cerca de € 137.465,20. Refira-se, ainda, que se assim fosse, não obstante o Autor ter emigrado, o seu filho, que também, cedeu a sua quota, naturalmente acompanharia a situação e verificaria que as fracções estavam a ser vendidas, exigindo ou informando o pai de modo a este exigir contas à 1.ª Ré e nenhum elemento documental foi junto no sentido de alguma interpelação desta nesse sentido. Tendo a cessão ocorrido em 2005, estando as fracções na fase final de acabamentos, só passados estes anos todos é que o Autor “se lembra” (perdoe-se-nos a expressão) de exigir da 1.ª Ré a prestação de contas? Caso a cessão de quotas tivesse servido como garantia, obrigando-se a Ré a prestar contas a final, naturalmente que já há muito tempo o Autor, bem como o próprio filho, teria interpelado a 1.ª Ré.

Também não ficou demonstrado, atenta toda a prova produzida, que o valor das vendas fosse superior ao declarado nos negócios realizados.

E, no que respeita à aquisição de imóveis pelos 2.º e 3.º Réus com dinheiro das vendas das fracções, também não resultou provada tal matéria, face a toda a prova produzida. Refira-se, desde logo, que o valor total das vendas ascendeu a € 1.592.280,00, tendo com esse produto sido liquidadas dívidas da A... no montante global de € 1.465.877,27 (cfr. pontos 40. e 41.), diferença esta que não corresponde minimamente ao valor global dos prédios adquiridos pelos 2.º e 3.º Réus (€ 532.300,00). E, muito embora os mesmos não tivessem rendimentos suficientes em Portugal, encontravam-se emigrados na África do Sul (cfr. resulta do passaporte e do depoimento de GG) e, tendo o R. CC uma sociedade, foram até juntos documentos comprovativos de transferências (documentos juntos pelos Réus em 29/05/2024) que suportam, ainda que em parte (o que é compreensível, face à distância geográfica e temporal), aquelas aquisições. Nenhuma prova suficiente foi, pois, efectuada no sentido de que os 2.º e 3.º Réus adquiriram os imóveis com o produto das vendas das fracções da A....»


*

Já se adiantou que no desenho legal do recurso em matéria de facto, o reexame a fazer passa, em primeiro lugar, pela reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente (recurso de apelação limitada). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia, possibilitando-se o seu conhecimento pela Relação, que formará a sua própria convicção sobre a factualidade impugnada (Acs. STJ de 04/mai./2010, Cons. Paulo Sá; 14/fev./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt). Porém, fica sempre em aberto, quando tal for admissível, a possibilidade do tribunal de recurso, designadamente por sua iniciativa e perante o mesmo, renovar ou produzir novos meios de prova (662.º, n.º 2, al. a) e b) NCPC), alargando estes para o reexame da factualidade impugnada (recurso de apelação ampliada)[3].

O NCPC preceitua no seu artigo 607.º, n.º 5 que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. A estes últimos condicionantes legais de prova, acrescem seja ainda os de natureza substantiva elencados no Código Civil, como os de natureza adjetiva enunciados na mesma lei do processo civil (410.º - 422.º; 444.º - 446.º; 463.º; 446.º, 489.º, 490.º, 516.º NCPC), com destaque para a prova ilícita (417.º, n.º 3 NCPC). Mas também existem outros condicionantes, estes até mais fortes, porquanto decorrem dos direitos humanos e constitucionais, como sucede com o direito a um processo justo e equitativo (20.º, n.º 4 Constituição; 10.º, DUDH; n.º 14.º, n.º 1 PIDCP; 6.º, n.º 1 CEDH; 47.º § 2 CDFUE). Nesta conformidade, podemos assentar que o regime da legalidade da prova, enquanto “imperativo de integridade judiciária”, tanto versa sobre os meios de prova, que correspondem aos elementos que servem para formar a convicção judicial dos factos submetidos a julgamento, como sobre os meios de obtenção de prova, que são os instrumentos legais para recolha de prova, acaba por comprimir o princípio da livre apreciação da prova, estabelecendo as correspondentes proibições de produção ou valoração de prova.

Sempre o princípio da livre apreciação das provas é constitucional e legalmente vinculado, não tendo carácter arbitrário, nem se circunscrevendo a meras impressões criadas no espírito do julgador. O mesmo está desde logo sujeito aos princípios estruturantes do processo justo e equitativo (a) – como seja o da legalidade das provas –, como ainda condicionado pelos critérios legais que disciplinam a sua instrução (b), estando, por isso, submetido às regras da experiência e da lógica comum (i), e nalguns casos expressamente previstos (v.g. 364.º exigência legal de documentos escrito) subtraído a esse juízo de livre convicção (ii), sendo imprescindível que esse julgamento dos factos, incluindo a sua análise crítica, seja motivado (c).

Desde logo, convocada nos autos, vistas as contra-alegações, a questão da admissibilidade da prova testemunhal (e por presunção judicial) quanto à arguida simulação…

É apodítico que para pôr em causa a escritura de cessão/transmissão de quotas em apreço nos autos, que contém declarações confessórias, demonstrando que elas não são verídicas, o A. tinha que alegar uma divergência entre a vontade e a declaração (v.g. simulação, reserva mental, coacção física, etc). E foi o que fez.

Em primeiro lugar. A lei proíbe a prova da simulação através de testemunhas (ou presunções judiciais do art. 351º), quando invocada pelos próprios simuladores, como é o caso do A. (art. 394º, nº 2, do CC).

Desde logo, o Autor e a testemunha, seu filho, foram directamente intervenientes na escritura cuja impugnação pretende o Autor, aplicando-se-lhes as restrições de prova referidas que impendem sobre os simuladores. Ou seja, o reconhecimento da simulação teria de ser obtido por documento – contradeclaração assinada pelos intervenientes – ou por confissão judicial, em depoimento da parte da Ré.

A propósito desta questão, de modo elucidativo, no acórdão da Relação de Guimarães, de 14/10/2010, na base de dados da dgsi, refere-se expressamente o que se segue: (…) Assim, é de permitir o recurso a testemunhas para a prova da simulação quando não for arguida pelos simuladores, ou seja, quando for invocada por terceiros, excepção que se justifica pela dificuldade que teriam terceiros de obter documentos probatórios das convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento ou do acordo simulatório (Código Civil Anotado, P.Lima, vol.I, pag.320), ou, nas palavras de Carvalho Fernandes, pela circunstância de os terceiros não terem na sua disponibilidade a existência de prova documental (Estudos Sobre a Simulação, pag.85).

O STJ, em geral, tem considerado que, terceiro, para efeitos de arguição da nulidade de negócio simulado, é aquele que não interveio no acordo simulatório, nem representa por sucessão quem nele participou (a título de exemplo, veja-se o acórdão de 10.04.2003, itij). E assim sendo, dúvidas não podem restar de que, configurada a situação nos moldes alegados pelo Autor, este não se apresenta como terceiro.

Sempre as limitações da prova aludidas não impedem que os simuladores façam a prova da simulação por outro meio de prova, designadamente a documental e a por confissão, que no caso, adiante-se, inexistem.

É esta, inquestionavelmente, a solução legal, e a aceite pela doutrina e pela jurisprudência. (vide, L. Carvalho Fernandes, T.G. Direito Civil, Vol. 2, 2ª Ed., pág. 237, e por exemplo o Ac. do STJ, de 15.12.98, Proc.98A795, em www.dgsi.pt: I - A proibição de prova prevista no artigo 394, n. 2, do C.C. respeita, apenas, ao recurso à prova testemunhal, ou por presunções judiciais, do artigo 351 daquele diploma substantivo, como meio de prova exclusivo, do acordo simulatório, ou de negócio dissimulado.). Isto porque a ratio da proibição estatuída no referido nº 2 do art. 394º assenta na falibilidade e insegurança da prova testemunhal, que assim se tornaria um meio fácil de destruir a eficácia da prova documental (vide A. Varela, no CC Anotado, Vol. 1, 3ª Ed., nota 5., pág. 342).

A inexactidão das declarações pode, mediante a prova de algum dos vícios da vontade ou divergência entre a vontade e a declaração, ser demonstrada, mesmo mercê do recurso à prova testemunhal, apenas conhecendo restrições esta possibilidade no que concerne à simulação quando invocada pelos próprios simuladores, tornando, assim, muito difícil a prova da simulação entre tais simuladores.

Todavia, a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que apesar da aparente formulação irrestrita, para afastar a iniquidade da aparência criada pela simulação, deixando um simulador à mercê do outro, deve ser aliviada tal proibição se a prova testemunhal funcionar como meio complementar de prova da simulação, primariamente fundada em documentos, pois ela radica muitas vezes, em indícios e ilações baseados em factos que à luz da experiência comum podem revelar a existência da mesma.

Nestes casos, é admissível prova testemunhal, se os factos a provar "aparecerem" com alguma verosimilhança, em provas escritas. Então, complementarmente, é admissível tal tipo de prova. Neste sentido na doutrina L. Carvalho Fernandes, em A Prova da Simulação pelos Simuladores, em Estudos sobre a Simulação, 2004, págs. 45 e segs., que termina com a formulação das seguintes conclusões:

“a) A interpretação estrita dos Artigos 351º e 394º, nº 2, do Código Civil, limitando fortemente a arguição da simulação pelos simuladores, pode conduzir a resultados injustos de aproveitamento do acto simulado por um dos simuladores em detrimento do outro;

b) A ponderação dos interesses em jogo postula, assim, uma interpretação restritiva desses preceitos, que atenue a limitação dos meios de prova disponíveis, a que a letra da lei conduz:

c) Essa interpretação não pode, porém, pôr em causa a ratio desses preceitos, nem chegar ao ponto de sobrepor, à certeza da prova documental, a fragilidade e a falibilidade da prova testemunhal e por presunções judiciais;

d) Deste modo, a estes meios de prova só pode estar reservado o papel secundário de determinar o alcance de documentos que à simulação se refiram ou de complementar ou consolidar o começo de prova a que neles seja lícito fundar;

e) Sempre que, com base em documentos trazidos aos autos, o julgador possa formular uma primeira convicção relativamente à simulação de certo negócio jurídico, é legítimo recorrer-se ao depoimento de testemunhas sobre factos constantes do questionário e relativos a essa matéria com vista a confirmar ou a infirmar essa convicção;

f) Como legítimo é, a partir desse mesmo começo de prova, pela via de presunções judiciais, deduzir a existência de simulação com base em factos assentes no processo.”

Também Mota Pinto, na CJ, 1985, III, 9, escreve: "Constitui excepção à regra do art.º 394º e, por isso, deve ser permitida a prova por testemunhas no caso de o facto a provar estar já tornado verosímil por um começo de prova por escrito. Também deve ser admitida tal prova testemunhal existindo já prova documental susceptível de formar a convicção da verificação do facto alegado quando se trate de interpretar o conteúdo de documentos ou completar a prova documental".

Na Jurisprudência, por exemplo: Ac. do STJ, de 17.6.2003, C.J., T. 2, pág. 112; ou igualmente Ac. do STJ, de 5.6.07, Proc.07A1364, em www.dgsi.pt., “IV) - Sendo a simulação arguida pelos simuladores só é admissível prova testemunhal se houver uma aparência de prova do negócio fraudulento assente em prova escrita (…)”; ou, também, o Ac. do STJ, acima referido, de 15.12.1998, “II - É admissível, pois, a prova testemunhal como prova complementar, sobretudo da prova documental, que aquele preceito não afasta. III - Assim, sempre que haja um documento escrito, ou até confissão, que constitua um começo da prova da existência da simulação, e que torne verosímil aquela, nada impede o recurso à prova testemunhal, como meio adjuvante daquele”.

Desde logo, a afirmação pelos ali cedentes das quotas, mormente o A., subscrita na escritura, de terem vendido e recebido a quantia ali declarada a título de preço, constitui confissão extrajudicial, nos termos dos arts. 352º, 355º, nº 1 e 4, do CC, “Confissão é o reconhecimento, que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”, e não mera admissão de um facto, com carácter e efeitos jurídicos diferentes de uma confissão. Como salienta o Ac. do STJ de 3.6.1999, CJ, T. 2, pág. 136, “III – Ainda que a prova da realidade do pagamento (e da venda, acrescento nosso) não seja feita pela escritura pública, resulta ela, com força plena, da declaração confessória, aí documentada, feita à parte contrária”.

Confissão que tem força probatória plena, conforme dispõe o art. 358º, nº 2, do CC, pois foi feita à Ré “A confissão extrajudicial em documento autêntico ou particular considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”, só podendo ser declarada nula ou anulada, nos termos do art. 359º do CC.

Assim, a força probatória plena da confissão em relação ao facto da venda/cessão onerosa das quotas e pagamento da quantia ali confessadamente recebida só pode ser contrariada por meio de prova do contrário, nos termos do disposto no art. 347º do CC “A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto (…)”, prova do contrário que, quando a confissão tenha força probatória plena, levanta ao confitente sérios obstáculos, pois que lhe está vedado usar da prova testemunhal, face ao que se preceitua, no art. 393º, nº 2, do CC, “Também não é admitida prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado por (…) meio com força probatória plena”, ou prova por presunções judiciais (por força do disposto, no art. 351º do CC).

É certo ainda que a «prova plena» do documento autêntico e particular, quanto aos factos compreendidos nas declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que sejam contrárias aos interesses do declarante, se restringe ao âmbito das relações entre o declarante e o declaratário, ou seja, quando invocadas por este contra aquele.

Ensina o Professor Vaz Serra que: “Os factos compreendidos na declaração e contrários aos interesses do declarante valem a favor da outra parte, nos termos da confissão, sendo indivisível a declaração nesses termos. Portanto, nessa medida, o documento pode ser invocado como prova plena, pelo declaratário contra o declarante; em relação a terceiros, tal declaração não tem eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal.” [Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114, pág. 287]

Significa isto que, “os factos contidos no documento hão-de considerar-se provados na medida em que, como declaração confessória, possam ser invocados pelo declaratário contra o declarante – emanação dos princípios da confissão, com a inerente eficácia probatória plena do documento restrita às relações inter-partes. Relativamente a terceiros – os não sujeitos da relação jurídica a que respeitam as declarações documentadas -, a eficácia probatória plena cederá, para ficar a valer a declaração apenas como elemento de prova a apreciar livremente” [Cfr. Acs do STJ de 22/06/82 no BMJ 318º-415, de 30/01/01, Proc. nº 00A3948, de 13/7/2004, Proc. 04B2302, de 27/1/2004, Proc. 03A3446, de 20/01/10, Proc. nº 357/2000.P1.S1, e de11/01/11, Proc. nº 6026/04.8TBBRG.G1.S1, desta Secção, no ITIJ. Cfr. Revista n.º 1153/08.5TVPRT.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Gregório de Jesus.].

A força probatória do documento particular circunscreve-se, assim, no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor. Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia. Mas, diferentemente do documento autêntico, que provém de uma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa. O âmbito da sua força probatória é, pois, bem mais restrito [José Lebre de Freitas, "A Falsidade no Direito Probatório", Coimbra, 248 e 249].

Nessa medida, apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos. É que a força ou eficácia probatória plena atribuída pelo nº 1 do artigo 376º do Código Civil às declarações documentadas limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas. Na verdade, mesmo que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondam à realidade dos respectivos factos materiais (Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, página 523, nota 3). [Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9-12-2008, relatado pelo Conselheiro Urbano Dias]

Há assim que distinguir entre a força probatória formal e a força probatória material do documento, “(…) ou seja no dizer de M. Andrade, entre a autenticidade do documento e o conteúdo do documento, (às declarações nele exaradas) - (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 225,226 ; Ver, ainda . A. Varela, Manual de P. Civil 2ª edição pág. 520 e também o Ac. do STJ de 23/Nov/ de 2005 Jur./STJ/net que seguimos de perto). Com efeito, uma coisa é saber se o documento provém da pessoa ou entidade a quem é imputado (força probatória formal) e outra, de saber em que medida os actos nele referidos e os factos nele mencionados se consideram como correspondentes à realidade (força probatória material). (...) Os documentos particulares somente podem ser invocados com valor probatório pleno, pelo declaratório contra o declarante, isto é, apenas nas relações do declaratário - declarante e na medida em que sejam prejudiciais a este, face ao disposto no art. 376.º n.º 2 do C. Civil. O citado art. 376.º - como se diz no acórdão recorrido - regula a prova por documento particular nas relações entre declarante e declaratário. Os autores no caso em apreço, são terceiros e como tal, o documento vale, apenas, como elemento de prova a ser apreciado livremente pelo tribunal. (Ac. STJ de 26/06/1982 e de 25/10/1995 in BMJ 318°, 415 e 450,353, respectivamente.)

No caso que nos ocupa, a escritura de cessão onerosa (transmissão por venda) das quotas comporta, assim, uma confissão extrajudicial, na medida em que se reporta a factos que se impõem como uma declaração contra se. Vale dizer que a as declarações nela contidas, contrárias evidentemente ao A. no confronto com a Ré, se constituem não apenas como prova da sua materialidade, como da sua exactidão ou veracidade.

Valem, pois, como confissão extrajudicial de que as declarações constantes do mesmo auto-vinculam os seus autores, fazendo prova bastante da realidade que pretende exteriorizar e evidenciar/demonstrar às pessoas que nela estiveram envolvidas. [Para maiores desenvolvimentos veja-se Lebre de Freitas, in op. loc. cit., p. 697 a 788, em que aborda os diversos vícios de que pode estar ervada a declaração confessória, tais como a simulação, a fraude à lei, a reserva mental e os desvios que a podem inquinar, tais como a incapacidade, a coacção física ou a falta de seriedade (p. 776).]

Para o Professor Lebre de Freitas, “a simulação, no conceito tradicional, é entendida como uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada que se traduz na falta da vontade funcional, dirigida aos efeitos do acto, e excluída, com a natureza negocial da confissão, a existência de uma vontade do efeito, de onde a irrelevância da vontade do confitente para a exclusão do efeito jurídico, não se vê, à primeira vista, como é que por um acordo ente a confitente e a contraparte feito no intuito de enganar terceiros, é possível, por supressão da vontade do primeiro, pôr em causa a eficácia jurídica da confissão. [Cfr. José Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório – Um Estudo de Direito Positivo, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2013, p. 704-705]

Acresce que Lebre de Freitas considera que a regra geral contida no 359.º-1 do Código Civil não deve ser tomada na sua acepção total porquanto, “sendo a confissão um acto jurídico não negocial, é abrangida pela remissão genérica do art. 259 do C.C. da qual resulta que a aplicação do regime de impugnação do negócio jurídico tem lugar «na medida em que a analogia o justifique». É assim para esta norma geral – não directamente para as dos arts. 240 a 257 (reguladores das situações de falta ou de vício da vontade nos negócios jurídicos) – que o art. 359-1 remete, com a consequência de a aplicação da regulamentação do negócio jurídico só poder ter lugar, designadamente no que se refere ao elenco das figuras que consubstanciam a falta ou um vício da vontade, por força da analogia a verificar caso a caso.” [Cfr. José Lebre de Freitas, cit., p. 699]

Daí que não descortinemos outra hipótese que não a de reiterar se tenha de ter por adquirida, pela natureza confessória (extrajudicial) que daí se retira, a validade e correspondência, ou verosimilhança, das declarações produzidas com o contrato ajuízado.

Absolutamente excluída a confissão da simulação pela 1ª Ré, em sede de depoimento de parte.

Conforme já aludido decorre do artigo 352º do CCivil «Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária.», sendo que tal reconhecimento tem lugar em audiência, através do depoimento da parte, requerido pelo comparte e/ou pela parte contrária, nos termos do CPCivil. Daqui resulta que, em princípio, o depoimento de parte apenas cabe nos casos em que o comparte ou a parte contrária, pretendam obter de quem o presta, a admissão de um facto que os favoreça. Todavia, nada existe na Lei que impeça o Tribunal de admitir um depoimento da parte sobre factos que lhe não sejam desfavoráveis, embora nenhum efeito relevante se possa retirar do mesmo, para além de um eventual esclarecimento suplementar, o que sempre seria admissível ao abrigo do princípio da cooperação.

Quanto à força probatória da confissão judicial realizada por via do depoimento de parte, esta faz, em regra, prova plena, traduzindo-se num “testemunho qualificado pelo objecto”, que é o facto de ser contrário ao interesse do seu autor e funda-se na regra da experiência de que quem reconhece um facto a si desfavorável e favorável à parte contrária fá-lo porque sabe ser ele verdadeiro (Provas – Direito Probatório Material, I, BMJ 111-16).

Tal como ensina Vaz Serra (Ibidem, p. 17.), daí decorre que o confitente não pode, em princípio, invalidar a confissão, não carecendo o adversário de fazer qualquer outra prova do facto confessado e ficando o juiz vinculado à confissão, o que significa que tem que considerar o facto verdadeiro. Trata-se, por conseguinte, de uma prova pleníssima, não admitindo, como regra, prova do contrário.

Caso a confissão seja feita sem algum dos requisitos exigidos para que tenha força probatória plena e não se trate de uma das situações de inadmissibilidade que já caracterizamos, a declaração de reconhecimento de factos desfavoráveis pode constituir meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, nos termos do artigo 361º do CC.

Por outro lado, existindo confissão por banda do depoente, em relação a factos que lhe são desfavoráveis e favorecem a parte contrária, mesmo que a audiência tenha sido gravada, o depoimento tem obrigatoriamente de ser reduzido a escrito.

O nº 2 do art. 356º do C. Civil prescreve, como uma das formas de aquisição de uma confissão judicial, o depoimento de parte, v.g. provocado através de requerimento da parte contrária. Complementarmente, o art. 358º, nº 1 do C. Civil estabelece que a confissão judicial reduzida a escrito tem força probatória plena contra o confitente. Mas, como assinala o art. 357º, nº 1 do C. Civil, uma tal eficácia pressupõe que a declaração confessória seja inequívoca.

No caso em apreço, repete-se, ausente a confissão pela 1ª Ré da inverdade/falta de correspondência à realidade dos factos confessados (nos termos adiantados) pelos vendedores/cedentes na escritura em causa nestes autos…

Por consequência, as declarações da depoente 1ª Ré não se têm por dotadas de força probatória plena relativamente à inverdade ou falsidade do declarado na mesma escritura.

Por isso que, ao contrário do que sustenta o Recorrente no seu recurso, não cabia à Ré a demonstração de qualquer pagamento das quotas… Este adquire-se do teor das declarações do Autor na escritura versada, sendo que totalmente ausente a prova da sua desconformidade à verdade/realidade.

Adiante-se termos para nós não ser de considerar que exista qualquer prova documental passível de constituir um princípio de prova do facto do acordo simulatório e simulação alegados, no sentido de que torne verosímil a sua existência, na medida em que certo ser um dos sentidos possíveis do seu conteúdo a comprovação dos factos em que se traduz a simulação.

Já se aludiu à posição defendida por Vaz Serra[4], nos termos da qual, apesar do art. 394º do C.C. não formular expressamente excepções à regra estabelecida (a inadmissibilidade da prova testemunhal) devem elas ter-se por existentes, pois que da sua razão de ser se conclui não ter ela alcance absoluto, não devendo ser sempre aplicada, havendo que ressalvar algumas hipóteses em que a prova testemunhal será admissível apesar de ter por objecto convenção contrária ou adicional ao conteúdo do documento. Defende tal autor que devem ter-se por verdadeiras no nosso direito as excepções que o direito francês e o direito italiano estabelecem à regra da inadmissibilidade da prova testemunhal contra ou além do conteúdo de documentos, e isto apesar do silêncio da lei a respeito dessas excepções.

Tais excepções ocorrerão quando: a) Existir um começo de prova por escrito do facto alegado (isto é, qualquer escrito, proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil o facto alegado) - excepção que deve valer também para qualquer outra circunstância que torne verosímil o facto alegado[5]; b) Tiver sido impossível a obtenção de uma prova escrita; c) Tiver sido impossível prevenir a perda da prova escrita; d) Quando, no que concerne a convenções posteriores ao documento, as circunstâncias do caso tornem verosímil que elas tenham sido realizadas (esta fundada no direito italiano – art. 2727º). Esta excepção deve valer também para pactos anteriores ou contemporâneos do documento – a mesma razão que leva a admitir a prova testemunhal, havendo circunstâncias que tornem verosímeis os pactos posteriores ao documento, é aplicável aos pactos anteriores e contemporâneos dele[6]. e) Quando a prova testemunhal tiver em vista fazer valer a ilicitude do contrato dissimulado (também fundada no direito italiano – art. 1417º).[7]

Temos para nós, como já adiantado, que uma interpretação rígida do referido dispositivo propiciaria graves iniquidades, na medida em que possibilita que um dos simuladores, aproveitando-se da aparente titularidade de situações jurídicas que resulta do conluio simulatório, retire daí um benefício infundado em prejuízo do outro. Somos, assim, de entender que a posição defendida pelo Prof. Vaz Serra (e pelo Dr. Mota Pinto) merece inteiro acolhimento, pois a aplicação irrestrita da regra da inadmissibilidade da prova testemunhal consagrada no art. 394º, nº 1, do C.C., poderia, como se disse, dar lugar a graves iniquidades[8] e significaria a aceitação de que o ordenamento jurídico tutelaria situações absolutamente desconformes à realidade, sem que uma tal tutela fosse justificada por exigências de segurança do comércio jurídico. Acresce que se aplicaria a regra da inadmissibilidade da prova testemunhal para lá do âmbito delimitado pelas razões que justificam a sua consagração.

Quando exista um começo de prova por escrito que demonstre a verosimilhança da simulação ou de convenção adicional que se quer demonstrar ou quando as circunstâncias do caso tornam verosímil a existência da mesma simulação e/ou convenção adicional, a prova testemunhal desta não tem já os mesmos perigos que a regra dos artigos 394º e 395º se destina a conjurar, dado que o tribunal se não apoiará, para considerar provada a convenção, apenas nos depoimentos das testemunhas, mas também nas circunstâncias objectivas que tornam verosímil a convenção ou no próprio escrito que constitui princípio de prova. Em ambas essas circunstâncias a convicção do tribunal está já parcialmente formada com base nessas circunstâncias ou neste escrito, e a prova testemunhal limitar-se-á a completar essa convicção, ou antes, a esclarecer o significado de tais circunstâncias ou da declaração constante do escrito que constitui começo de prova.

Conclui-se, assim, pela possibilidade do tribunal atender à prova testemunhal para formar a sua convicção em casos excepcionais como os acima aludidos, quanto a convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos autênticos ou documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º do C.C..

Deve, portanto, entender-se, que havendo um princípio de prova documental, a prova testemunhal já não é o único meio de prova do facto, razão pela qual o perigo decorrente da falibilidade da prova testemunhal é eliminado em grande parte, visto a convicção do tribunal se achar já formada parcialmente com base num documento.

Deste modo, o depoimento de testemunhas pode funcionar – e não pode senão funcionar – como prova complementar de outros meios permitidos pelo legislador, em particular dos que se fundam em títulos escritos.

Bastará, para tanto, que um ou mais documentos, isoladamente ou no seu conjunto, tornem verosímil a existência de simulação.

A prova testemunhal não é, então, o único meio de prova, podendo assim ser valorada pelo tribunal.

A negação do alcance absoluto da regra estabelecida no art. 394º do C.C. vem sendo afirmada e aplicada pela nossa jurisprudência, na esteira dos aludidos ensinamentos do Prof. Vaz Serra. A título de exemplo, e sem qualquer pretensão exaustiva, cfr. Ac. STJ de 9/10/2008 e de 7/02/2008 (ambos relatados pelo Exmº Sr. Conselheiro Santos Bernardino), no sítio www.dgsi.pt/jstj e o Ac. R. Porto, de 9/03/2009 (Desembargador Fernandes do Vale), no sítio www.dgsi.pt/jtrp.

Ainda neste sentido, autor e estudo citados de Carvalho Fernandes, págs. 56 a 61, e, na jurisprudência, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 6.07.1993, BMJ, n.º 429, pág. 761, Ac. da Relação de Coimbra, de 9.12.1997, BMJ, n.º 472, pág. 576, Ac. da Relação de Lisboa, de 17.12.1998, BMJ, n.º 482, pág. 295, Ac. da Relação de Lisboa, de 21.01.1999, BMJ, n.º 483, pág. 270, Ac. da Relação de Lisboa, de 18.05.1999, CJ, 1999, t. III, pág. 102, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.09.1999, BMJ, n.º 489, pág. 304, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.06.2003, CJ-STJ, 2003, t. II, pág. 112, Ac. da Relação de Coimbra, de 28.09.2004, CJ, 2004, t. IV, pág. 14, Ac. da Relação de Coimbra, de 23.10.2007, CJ, 2007, t. IV, pág. 43, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 7.02.2008, proc. n.º 07B3934, disponível em www.dgsi.pt., Ac. da Relação de Lisboa, de 10.01.2008, CJ, 2008, t. I, pág. 75, Ac. da Relação do Porto, de 27.11.2008, proc. n.º 0834257, disponível em www.dgsi. pt., Ac. da Relação do Porto, de 15.01.2009, CJ, 2009, t. I, pág. 201, Ac. da Relação de Guimarães, de 5.02.2009, proc. n.º 2745/08-I, disponível em www.dgsi.pt., Ac. da Relação do Porto, de 25.03.2010, proc. n.º 4925/07.4TBSTS.P1, disponível em www.dgsi.pt., Ac. da Relação de Lisboa, de 27.04.2010, proc. 6580/05.7TBALM.L1-7, disponível em www.dgsi. pt., Ac. da Relação de Coimbra, de 6.09.2011, CJ, 2011, t. IV, pág. 5.

Totalmente ausente a apresentação nos autos de um qualquer documento que se apresente ou constitua (por si ou conjugado com outros) como princípio de “contraprova” da realidade do negócio de transmissão onerosa das quotas outorgado.

Não se constitui como tal o contrato-promessa promessa junto aos autos, tanto mais que prefigurável ou logicamente admissível (a excluir a inequivocidade de sentido probatório inverso/contrário ao que resulta da escritura impugnada) um contexto, como o que a Ré trouxe aos autos nas suas declarações, como anotado na motivação, pertinente e cuidada, da 1ª instância sendo que os termos mesmos da promessa e a sua anterioridade com relação ao negócio apreciando não são de molde a contraditar (ainda que indiciariamente) a realidade ou veracidade do declarado pelas partes, mormente o A. na escritura por ele posta agora em causa.

Tudo para ter como excluído, no quadro da demonstração probatória da simulação alegada, o valor probatório das declarações do Autor mesmo, como das demais testemunhas…

De todo o modo, discutível já o enquadramento da situação prefigurada na petição inicial no quadro do vício da simulação, a exigir já o afastamento da relevância da prova testemunhal como convocada pelo Recorrente, mas reconduzível à mesma proibição, no quadro da idêntica limitação probatória ao conteúdo de convenções adicionais a documentos autênticos.

Os articulados e, desde logo, a petição inicial caracterizam-se como actos jurídicos não negociais, aos quais, por força do artigo 295º do CC, são aplicáveis as regras gerais da interpretação dos negócios jurídicos e, assim, a teoria da impressão do destinatário.

Ora, à luz da exposição constante da petição inicial, o que alega o A., sem prejuízo da menção conclusiva às ausências recíprocas da vontade de ceder as quotas respectivas (sempre desmentida pela admissão de um negócio fiduciário, contradição que resulta manifesta) é que a transmissão efectivamente querida e outorgada como tal teve o fim exclusivo de garantir o ressarcimento à Autora de quantia mutuada por ela a empresa cujas quotas foram cedidas/transmitidas. Esse o alcance, de resto, da alegação da convenção subjacente, sob os artigos 75º e 87º da petição inicial…

Ou seja, como o próprio autor concretiza, na sua versão dos factos, o objetivo da cessão foi, não o de transmitir as quotas, mas o de assegurar que a Ré ficava com uma garantia de pagamento de uma quantia que emprestou. Donde, presente a consciência e vontade da transmissão do direito de propriedade das quotas, ainda que mediante uma função tradicionalmente distinta, a da “propriedade em garantia”.

Manifestamente ausente a intenção de enganar terceiros, que não vem minimamente concretizada ou justificada na petição inicial.

A declaração de nulidade de um qualquer negócio jurídico com base em simulação, por invocação de que o declarado no contrato não corresponde a uma real intenção das partes, apenas poderia ter condições de procedência caso se verificassem cumulativamente os requisitos previstos no art.º 240º, n.º1 do Código Civil, isto é: intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; acordo entre declarante e declaratário; intuito de enganar terceiros.

De acordo com a doutrina tradicional, o art. 240º, nº 1, do CC, fixa o conceito de negócio simulado: se por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real, o negócio diz-se simulado. Desta norma concluem os Autores serem três e de verificação simultânea os elementos integradores do conceito de negócio simulado: intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório (que não exclui a simulação nos negócios unilaterais - 2200º CC) e o intuito de enganar terceiros. Estes elementos devem ser invocados e provados por quem pretenda prevalecer-se da simulação. Neste sentido, Ac. da Relação do Porto de 08.03.1990, CJ, ano XV, tomo II, p. 206 a 208.

A divergência entre a vontade real e a vontade declarada traduz-se na consciência, por parte do declarante, de que emite uma declaração que não corresponde à sua vontade real. O acordo simulatório, outro dos elementos integrantes da simulação, traduz-se na circunstância de a divergência entre a vontade e a declaração dever proceder de acordo entre o declarante e o declaratário (pactum simulationis). Segundo os nossos civilistas, a simulação é um caso de divergência intencional entre a vontade e a declaração (declara-se, livre e conscientemente, que se quer uma coisa que realmente não se quer), divergência esta acordada entre as partes e não por gracejo, fim didáctico ou teatral mas sim com o intuito de enganar terceiros, de os iludir, de fazer com que terceiros aceitem a aparência como se fosse realidade (Beleza dos Santos, A Simulação em Direito Civil, Vol. I, páginas 59 e ss; Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, página 168; Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 4.ª edição, Vol. I, página 319).

Ora, quando se tenha presente o que vem de dizer-se, no confronto com a matéria alegada pelo Autor mesmo, ausente ou falha de alegação os pressupostos de facto em que assenta a invocada simulação.

A alegação pelo Autor mesmo é a de que as partes emitiram declarações de vontade que integram o conteúdo típico do contrato de cessão ou transmissão onerosa das quotas de sociedade, visando que o direito de propriedade destas pela Ré se constituísse como garantia da restituição dos valores por ele mutuados à Sociedade transmitida para efeitos do desenvolvimento da sua actividade.

Como se antevê do conjunto de factos alegados no articulado inicial, não se verificaria, em momento algum, o terceiro requisito – intenção de enganar terceiros –, mencionada de forma genérica e contrariada na própria concretização factual efetuada pelo autor.

A circunstância de o contrato celebrado ser um eventual contrato-garantia em relação a uma outra relação contratual, mais não corresponderia do que a um negócio indireto, que não tem previsão expressa na lei civil, e que foi definido por Manuel de Andrade (in Teoria Geral, tomo II, p. 179) como o negócio em que o fim ulterior há-de ser indirecto em face do negócio adoptado, autónomo em face das respectivas consequências normais, mas derivar imediatamente da própria actuação do negócio. No negócio indireto, o negócio real atua como meio para atingir a funcionalidade económica do negócio, que é o seu verdadeiro fim. Como referiu Orlando de Carvalho (in BFDUC, sup. X, p. 1 a 149, citado pelo Sr. Desembargador Vieira e Cunha, no Acórdão da Relação de Guimarães, por si relatado em 06.11.2005, no âmbito do processo n.º1852/05-2), só a configuração do negócio indirecto como fraude à lei poderia, provado o “animus nocendi” conduzir à invalidade do acto. Daqui se retira que nenhuma invalidade advém da celebração de um negócio cujo fim típico não é efetivamente pretendido pelas partes, apenas se podendo considerar tal negócio como inválido se ele consubstanciar uma forma de defraudar ou contornar uma proibição legal ou se tiver por intuito causar prejuízo a terceiros.

Se o Autor alega que o objetivo da transmissão foi o de assegurar à ré uma garantia real de pagamento de um mútuo efetivamente realizado, não alega o A. qualquer simulação do negócio, mas antes relata os contornos de um negócio fiduciário ou indirecto.

Negócio fiduciário é um negócio pelo qual uma pessoa atribui a outra um direito ou poder jurídico, ficando esta com a obrigação de só o exercer de determinada maneira, tendo em vista um dado fim. Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/04/1999, Relatado pelo Ex.mo Senhor Desembargador Jorge Santos, in www.dgsi.pt. Segundo Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, II, Reimpressão, Coimbra, 1992, p. 175), os negócios fiduciários “reconduzem-se a uma transmissão de bens ou direitos, realmente querida pelas partes para valer em face de terceiros ou até mesmo entre elas, mas obrigando-se o adquirente (…) a só exercitar o seu direito em vista de uma certa finalidade.” Também Gerhnuber, citado por Pedro Pais de Vasconcelos (Contratos Atípicos, Coimbra, 1995, p. 255 e 256), define a fiduziarische treuhand como uma relação jurídica tendo como objecto um bem que o fiduciante transmite ao fiduciário de pleno direito, mas ficando perante ele obrigado a usar o bem fiduciado apenas dentro de limites convencionados. Na fidúcia em garantia, correspondente à velha fiducia cum creditorei romana, o devedor transmite para a propriedade do credor um bem para garantir um débito, ficando o credor, na posição não fiduciária, vinculado a usar esse bem apenas no caso de o débito não ser satisfeito e apenas para satisfação do crédito. Ponto é que a transmissão da propriedade seja querida, que o negócio adoptado corresponda à vontade das partes, o que resulta das declarações de parte considerandas. Se, por um lado, a doutrina e jurisprudência têm afirmado maioritariamente a admissibilidade e a validade, no nosso direito, dos negócios fiduciários, por outro lado, estes caracterizam-se como sendo um acto unitário de conteúdo complexo, resultante do facto de a um negócio de transmissão (em geral típico) se apor uma cláusula (pactum fiduciae) que orienta os poderes por ele atribuídos ao fiduciário para um certo fim, que na referida modalidade de “fiducia cum creditore contracta” é o de garantia de uma obrigação que o transmitente (fiduciante) tem para com o fiduciário (cfr. Carvalho Fernandes, ob. cit., p. 267). Convocável, pois, a categoria dos «negócios fiduciários com fim de garantia».

Fala-se em negócio indirecto face a uma situação “que se traduz em um negócio típico (...) cujos efeitos são realmente queridos pelas partes, ser concluído por um motivo ou para um escopo ulterior diverso dos que estão de acordo com a função característica (causa) desse tipo negocial e correspondente a outro negócio típico ou tipificável (...). As partes querem verdadeiramente o negócio-meio, com os efeitos que lhe são próprios, embora só para conseguirem através dele um resultado prático diverso do que lhe é normal” (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 7.ª reimpressão, Coimbra: Almedina, 1992, p. 179). Do que se trata aí é, no fundo, de alcançar a finalidade prática do negócio querido – no caso, a garantia da restituição de quantia mutuada – através da utilização do modelo regulativo transmissão de uma sociedade, enquanto transmissão da propriedade sobre uma coisa, sem que se consiga surpreender nisso a intenção de ocultar o que quer que seja e muito menos a intenção de enganar quem quer que seja. Ora, o negócio indirecto, distinto assim do negócio simulado (cf. Emilio Betti, Teoria Geral do Negócio Jurídico, II, Coimbra: Coimbra Editora, 1969, p. 228 – 229), não está, enquanto tal, ameaçado de qualquer forma de nulidade. Todos são concordes neste ponto (cf. Orlando de Carvalho, Negócio Jurídico Indirecto, BFDUC, suplemento X, 1952, p. 137). O regime aplicável à situação será o do negócio adoptado – e só haverá lugar a invalidade se esta resultar de tal regime –, não relevando nesta sede a circunstância de o negócio ter sido utilizado para finalidades diversas das que normalmente presidem ao seu emprego. Na verdade, o Direito não veda aos particulares servirem-se dos negócios que configurou como típicos para fins práticos diversos dos que correspondem à função de tais negócios. Isto, é claro, desde que os particulares, procedendo deste modo, não estejam a praticar uma fraude à lei – coisa que aliás frequentemente acontecerá. Mas, seja como for, se não cair na alçada do regime da fraude à lei, o negócio indirecto, pelo facto de o ser, não deixa de se apresentar como plenamente válido. É esta a posição assumida por Pedro Pais de Vasconcelos (Contratos Atípicos, Coimbra: Almedina, 2002, ps. 250 e ss.), que subdivide, para além ou para lá das situações de fraude à lei, as situações de relevância do fim indirecto dos negócios. Considera, em primeiro lugar, as situações de relevância de índole ou ordem extracontratual, estando em causa a incidência da lei sobre situações de facto criadas como consequência dos contratos indirectos (dando como exemplo as normas de direito fiscal ou de direito das sociedades que atendem directamente ao fim como ao resultado indirecto dos contratos), as quais não estabelecem consequências de direito ao nível do conteúdo e do regime propriamente contratual do contrato. Depois, esclarece que o fim com que as partes celebraram o contrato não pode deixar de ser relevante na solução das questões suscitadas pelo contrato mesmo (entre as partes outorgantes do contrato, pois, acrescentamos nós). Em primeiro lugar em sede de interpretação complementadora, para integrar as matérias que não tenham sido previstas e estipuladas e que não sejam resolvidas pelo tipo de referência. Depois em sede de interpretação e integração do contrato e mesmo em sede de aplicação do direito dispositivo do tipo de referência. Nessa medida, conclui pela relevância do fim indirecto que constitui a base do negócio não só em termos de erro como de alteração de circunstâncias (ibidem, p. 254). De qualquer modo, se corresponde à vontade das partes sujeitarem-se à disciplina jurídica do negócio que elegeram, obtendo empiricamente os efeitos jurídicos que pretendem, ainda que por via diversa da via típica, então naturalmente essa disciplina típica do contrato efectivamente celebrado deverá continuar a prevalecer, sob pena de se trair quer a lógica jurídica, quer a vontade das partes (neste sentido, vide o Ac. da RG de 6.11.2005, no processo n.º 1852/05-2, disponível em www.dgsi.pt).

De todo o modo, a prova desta finalidade ou intenção subjacente ao negócio titulado por escritura, nos termos supra, por corresponder a convenção adicional a documento autêntico, está sujeita aos mesmos limites legais da prova da simulação, donde, vedada a prova por testemunhas ou por presunções judiciárias…

Desnecessária, pois, a apreciação dos depoimentos convocados pelo Recorrente, sendo certo que em sede de recurso não resultam minimamente justificadas as inferências probatórias a que apela.

Ainda que se admitissem esses meios de prova (testemunhal e por presunções) e já resulta que não o podem ser, perfeitamente correcta a “leitura” da prova na sentença recorrida, mediante a justificação cabal da insuficiência da indiciação pertinente.

Como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 23-02-2023, proc. n.º 30/21.9T8PVZ.P1, in www.dgsi.pt: «[…] Os artigos 346.º do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil mandam que na dúvida o juiz decida contra a parte onerada com a prova. Todavia, não existe entre nós norma ordinária ou constitucional que se pronuncie sobre o que deve ser entendido por dúvida, rectius, por dúvida relevante para fazer operar essa consequência.

A nosso ver a prova de um facto num processo judicial e para fins jurídicos é, por princípio, a demonstração de um alto grau de probabilidade (e não de mera possibilidade) de o mesmo corresponder à realidade material dos acontecimentos (dita verdade ontológica). O poder soberano que o Tribunal exerce, impondo às partes, mais que os efeitos jurídicos dos factos, os efeitos práticos da decisão jurisdicional, supõe e exige, como matriz radical da sua própria legitimidade, não uma qualquer probabilidade (apenas mais provável que não) mas um alto grau de probabilidade.

Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz a ideia de que o facto em discussão, mais do que ser possível e verosímil, possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, a um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que, em princípio, se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.

Esta regra carece, contudo, de adequação prática. Trata-se de uma regra que o julgador, com recurso ao bom senso e ao justo equilíbrio das coisas, há-de definir e aplicar caso a caso, em função das exigências de justiça que o mesmo coloca, determinadas a partir de aspectos como o da acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da acção.

Na verdade, se o padrão de prova for particularmente exigente tal pode conduzir à negação dos direitos, na medida em que dificulta a demonstração dos pressupostos de facto do direito. Todavia, a aceitação de um padrão pouco exigente importa precisamente o mesmo risco, na exacta medida em que ao facilitar a prova de quase tudo acaba por contemporizar com estratégias processuais vagas, difusas e pouco sustentadas, seja do lado activo seja do lado passivo da lide e, portanto, potencia a possibilidade de se fazer a prova do que não é verdade, perturbando o reconhecimento dos direitos correspondentes ao que realmente sucedeu. Por conseguinte, caso a caso o juiz deve adequar essa regra – esse grau de exigência – aos contornos da concreta situação que tem para julgar e ao contexto da prova dos factos que a corporizam.

[…] a circunstância de um facto ser verosímil ou possível não significa que o mesmo seja verdadeiro, mas o contrário também é correcto. A vida diz-nos que por vezes ocorrem factos que eram pouco verosímeis ou não ocorrem factos que além de possíveis eram perfeitamente verosímeis. No entanto, o normal é haver verosimilhança no processo causal gerador de um facto, pelo que a maior verosimilhança do facto torna-o mais provável e a menor verosimilhança menos provável. São as regras da experiência que o determinam. Daí que se possa afirmar a seguinte regra probatória não escrita: quanto mais inverosímil e improvável o facto é, à luz da inteligência que rege os comportamentos humanos e das leis das ciências exactas, normalmente reconduzidas às regras da experiência, mais ou melhor prova deve ser exigida.

Quando os factos têm intervenção humana ou resultam de acções humanas é necessário atentar que as pessoas movem-se por interesses, motivações, objectivos, propósitos, emoções, impulsos. Estes são resultado do funcionamento do intelecto da pessoa enquanto animal dotado de razão, consciência, identidade pessoal. Nessa medida, perscrutar a realidade de um facto humano ou com intervenção humana é, antes de mais, averiguar a razão que subjaz a essa actuação, que lhe dá origem e a orienta, e, sobretudo, apurar se a mesma é compatível com o quadro de actuação de qualquer outra pessoa nas mesmas circunstâncias.

Por isso, um dos elementos decisivos para a formação da convicção do julgador é a verosimilhança dos factos sobre os quais recai a controvérsia, ou seja, a pertinência lógica dos mesmos ao domínio dos acontecimentos humanos que por definição possuem motivações apreensíveis, são norteados pela inteligência humana (no sentido de serem comportamentos orientados para um fim compreensível e delineados por processos intelectualmente aptos, mesmo quando são comportamentos asnáticos) e estão de acordo com o que as regras da experiência nos ensinam ser expectável, corresponder ao devir normal.

Comportamentos privados de racionalidade, opostos ou diferentes da actuação que o comum dos cidadãos teria, cuja lógica ou motivação não é sequer perceptível ou se mostra destituída de coerência, são estranhos e como tal, ainda que possíveis, são pouco prováveis, indiciando que ou o comportamento não foi realmente aquele que é afirmado ou o seu objectivo é diferente daquele que se pretende.

[…] Nos termos do artigo 414.º do Código de Processo Civil, havendo dúvidas sobre a realidade de um facto, a decisão deve ser desfavorável à parte a quem o facto aproveita. À outra parte não é exigida a prova do facto contrário, basta-lhe tornar o facto duvidoso. Isso mesmo resulta do artigo 346.º do Código Civil segundo o qual à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e se o conseguir, rectius, se lograr criar dúvidas sobre a verificação dos factos, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova. Por conseguinte, o esforço probatório a produzir pela parte sobre quem recai o ónus de prova é tanto maior quanto maior forem as dúvidas sobre o facto criadas pelos meios de prova produzidos pela parte contrária, mesmo que estes não sejam suficientes para fazer a prova do contrário.

Desse modo, na nossa leitura, numa situação como a que nos ocupa, não existe meio de prova que seja, pela sua própria natureza, isto é, abstractamente, mais valioso que outro, e todos se encontram sujeitos não apenas à livre apreciação do tribunal, como, sobretudo, aos critérios racionais de avaliação epistemológica do seu valor probatório relativo.»

No plano agora da relevância probatória das declarações de parte do A. e seu filho, interveniente no negócio bem assim, sendo que as demais testemunhas não tinham conhecimento directo, objecção esta que se situa num domínio que denominamos como da credibilidade, sempre o ataque à matéria de facto não pode ser feito fornecendo apenas a versão dos factos que se considera mais correcta, pois dessa forma o julgamento seria em conformidade com a “livre convicção do Recorrente”, em detrimento da “livre convicção do julgador”. Outrossim, ao invés de segmentos truncados e parciais de depoimentos, o que importa é o conjunto das declarações e a articulação ou corroboração destas por outros meios de prova. E, assim, o que nesta sede compete ao Recorrente, é a alegação/demonstração de que as provas produzidas não consentem a análise feita pelo juiz, de que a análise crítica por ele feita contraria a lógica, a razão e as regras da experiência comum, ou uma qualquer regra de direito material probatório. Desde logo porque, tratando-se em ambos os casos de “livre convicção”, com o que ela tem de pessoal, incumbiria sempre a mesma pergunta: qual delas seria a mais consentânea com a realidade material? E assim é que, «4 - Se o recorrente impugna somente a credibilidade da testemunha deve indicar os elementos objectivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade dos depoimentos, pois ela, quando estribadas elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzidas na documentação da prova e logo reexaminada em recurso.»[9]

Ouvida integralmente toda a prova gravada, adiante-se, concluímos como o Mmº Juiz.

Atenda-se, desde logo, à motivação pertinente da primeira instância, que analisa o tipo de declarações/testemunhos alvitrados, a partir ainda dos pontos cristalizados do lastro de coincidência das versões e o maior grau indiciário de probabilidade (sobre estes conteúdos, vd. Karl Larenz, "Metodologia da Ciência do Direito", FCG, 2ª edição, 367 e ss.).

Como tem sido inúmeras vezes afirmado pela jurisprudência, é seguro que a intenção com que agem os outorgantes num acto é de prova difícil, sendo este um campo onde se justifica plenamente o uso de presunções judiciais para dar como assente esse facto de índole subjectiva a partir dos restantes factos, sendo que, as provas as presunções judiciais (que não são meios de prova em sentido restrito) são “as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” – Cfr artigo 349, do C.C.. Trata-se, portanto, de decidir e fixar os factos relevantes para a decisão. É que, não obstante a subjectividade dos factos, por vezes, os tornar impenetráveis a meios de prova directos e objectivos, não podemos perder de vista que, para os fins próprios do processo judicial que visa realizar a justiça, eles não deixam de ser alcançáveis e captáveis através de indícios conjugados e concordantes capazes de, por via de presunções guiadas pelas regras da experiência levar à formação de uma convicção prudente mas segura sobre a realidade.

Na verdade, é muito rara e difícil a prova directa do fim do negócio indirecto, pois aqueles que efectuam contratos com fim distinto do do negógio típico escolhido não patenteiam os seus propósitos e intenções, não manifestando publicamente a sua vontade para além do tipo, quedando-se pela aparência do negócio escolhido, sendo que, por essa razão, há quase sempre que recorrer para a demonstrar a um conjunto de factos conhecidos, tais como as condições pessoais ou patrimoniais dos outorgantes, as relações em que eles se encontram entre si, os factos que precedem a realização do acto jurídico, as circunstâncias em que foi celebrado, o seu próprio conteúdo e finalmente os factos posteriores à celebração, mas com eles relacionados. Destes factos, que se conhecem, se deduzirá a intenção que se pretende demonstrar.

Dentre esses factos constituirão indícios aproveitáveis aqueles que, segundo o que ensina a experiência comum, segundo o que normalmente acontece na vida, em regra só se verificam, quando se praticam actos ocultos (simulados ou indirectos).

Como se refere num conhecido Acórdão da Relação de Coimbra, «A “experiência comum” […] é um “conceito indeterminado” já que o respectivo conteúdo e extensão são em larga medida incertos; e tendo em linha de conta que o conceito em causa não é abarcável unicamente pelos sentidos, dizemos estar face a um conceito normativo carecido de um “preenchimento valorativo﷟”.

Sucede que no nosso direito vigora o "princípio da livre apreciação das provas" de harmonia com o qual “o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens não a pura e simples observância de certas fórmulas legalmente prescritas”.

Quer isto dizer que a “justiça do caso concreto” nem sempre pode ser alcançada através de normas rígidas, tornando-se necessário o apelo a figuras abertas como os “conceitos indeterminados” dotados de maleabilidade, de forma a moldarem-se à especificidade de cada caso concreto onde entra em linha de conta a “discricionariedade judicial”. Nestes casos, escreve Karl Larenz, “é suficiente que o Juiz tenha esgotado todos os meios de concretização de que dispõe, mediados pela reflexão jurídica e que, nestes termos a solução se apresente como “plausível”. O Juiz denomina de plausível uma resolução quando pelo menos haja bons argumentos que apontem no sentido da sua correcção (...).

A prova por presunção consiste precisamente "na dedução, na inferência do raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo provado ou conhecido e se chega a um facto desconhecido". De entre as presunções distingue a Doutrina as legais e as judiciais; estas últimas, que nos interessam particularmente nesta sede, fundam-se em regras práticas da experiência comum, nos conhecimentos da vida e estão vocacionadas, nomeadamente aos casos em que a prova directa é muito difícil de conseguir.

A prova com recurso à presunção comporta três operações: em primeiro lugar, a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento, faz despoletar no raciocínio do julgador, uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.

No caso concreto, o recurso às “regras da experiência” culmina todo o percurso probatório e a bem dizer traduz-se num “juízo presuntivo” onde um conjunto de factos positivos e omissivos não é bastante, adiante-se, de harmonia com o senso comum e as realidades da experiência e da vida, a permitir concluir por uma actuação/intenção de mera garantia, que não a uma efectiva e real venda/transmissão das quotas.

Não há um único facto indiciário que permita concluir pela finalidade tida em vista pelos contratantes e por isso que pela desconformidade das declarações à vontade real dos outorgantes, tal qual a declararam, já que esta dedução/indução [sobre a controvérsia ainda existente sobre o tipo de operação mental ou argumentação subjacente à prova indiciária, se dedutivo ou indutivo, cfr., v.g., Nueva Teoria de La Prueba, Bogotá, 1997, págs. 58-59 (o qual conclui que na maioria dos casos a inferência indiciária é uma inferência analógica, isto é, uma dedução, embora apoiada numa inferência indutiva prévia) e Adalberto Camargo Aranha, Da Prova no Processo Penal, 4ª ed., S. Paulo, 1996, págs. 183-184] teria de estribar-se em indícios precisos e concordantes, de molde a permitir inferir/concluir pela prova dos temas da prova que caracterizavam a simulação/negócio indirecto.

Ora, apenas e só as declarações do Autor e seu filho trouxeram tal realidade a juízo, em termos que nenhuma outra prova corroborou… Veja-se já que as testemunhas arroladas pelo A. infirmaram a “menoridade” negocial do Autor e o tratamento/realização/responsabilidade pela formalização dos contratos entre as partes pela Ré apenas… Sempre a outorga anterior de promessa de aquisição das fracções, ainda quando se atente no preço acordado, reconduzível ao valor emprestado/mutuado, na medida em que à data da transmissão das quotas os imóveis não estavam terminados e em condições de serem transmitidos e atenta a situação apurada da sociedade cujas quotas foram cedidas, não tem o pretendido significado ou relevo indiciário. É que não basta a credibilidade ou verosimilhança e menos ainda a simples possibilidade da sua verificação, posto que estando em causa a prova de factos constitutivos de pretensão, em termos de se exigir a efectiva demonstração, que, no caso de prova indiciária, carece, nos termos expostos, da necessária conjugação de elementos ou dados objectivos, os quais não resultaram, como se viu, provados, decidindo-se, pois, nessa parte, contra a parte onerada com o ónus da prova, os AA.

É que, finalmente, quanto à descredibilização das declarações de parte do legal representante da A. e sua corroboração pelo depoimento do seu filho, interveniente também no negócio.

Reconheça-se existirem factos integrantes do thema probandum (assim as negociações e termos do acordado, para além da escritura mesma) que caracterizam factos de natureza mais pessoal ou reservada, factos respeitantes a «acontecimentos do foro privado, íntimo ou pessoal dos litigantes» (REMÉDIO MARQUES, A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des) Favoráveis ao Depoente ou à Parte, in Julgar, jan-abr. 2012, Nº16, p. 168). No que tange a este tipo de factos, a recusa do tribunal em admitir e valorar livremente as declarações favoráveis do depoente pode implicar «uma concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro da garantia de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efectiva dos direitos subjectivos e das demais posições jurídicas subjectivas.» (REMÉDIO MARQUES, Op. Cit., p. 168).

Sempre as declarações de parte apenas são admissíveis se corresponderem a prova direta (factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou sejam do seu conhecimento direto), não se convertendo automaticamente numa demonstração imediata e suficiente dos factos controvertidos, tratando-se antes de uma prova habilitada, cuja valoração está sujeita à livre apreciação do tribunal[10].

Para o efeito, será de submeter as declarações de parte, como qualquer outra prova oral, a um standard de valoração judicial, que passa pela sua credibilidade subjetiva (a), designadamente a sua razão de ciência e os seus interesses (pessoal, profissional ou qualquer outro), credibilidade objetiva (b), mormente no confronto com prova pré-constituída, e a verosimilhança da sua versão (c), tanto ao nível da coerência narrativa, como do contexto descritivo e eventual corroboração periférica.

Ora, ao contrário do que pretende o Recorrente, perfeitamente justificado o juízo de improbabilidade qualificada na sentença quanto à falta de indiciação da realidade trazida a juízo (e apenas) pelo Autor, seu filho e familiar próxima, esta testemunha “de ouvir dizer” e às partes mesmas e de más relações evidentes com a Ré…

Já se adiantou que decisiva para a formação da convicção do julgador é a verosimilhança dos factos sobre os quais recai a controvérsia, i.é., a pertinência lógica dos mesmos ao domínio dos acontecimentos humanos que, por definição, possuem motivações apreensíveis, são orientados para um fim compreensível e delineados por processos intelectualmente aptos e estão de acordo com o que as regras da experiência nos ensinam ser expectável, corresponder ao devir normal.

Comportamentos privados de racionalidade, opostos ou diferentes da actuação que o comum dos cidadãos teria, cuja lógica ou motivação não é sequer perceptível ou se mostra destituída de coerência, são estranhos e como tal, ainda que possíveis, são pouco prováveis, indiciando que ou o comportamento não foi realmente aquele que é afirmado ou que o seu objectivo é diferente daquele que se pretende.

E vem a talho de foice, em sede de afirmação/confirmação de regras/juízos de normalidade, convocar aqui a teoria da prospecção que valeu a Daniel Kahneman o Prémio Nobel da Economia e nela ao estruturante conceito de aversão à perda.


Assim é que o pretendido comportamento do Autor (e seu filho), ao ceder as quotas apenas em garantia de uma restituição de quantia, entregando sem mais e sem qualquer controlo ou acompanhamento da execução da convenção complementar e durante largos anos, corresponderia a um desprendimento anómalo, a uma postura que não reflecte, de harmonia com as regras da experiência comum e os estudos científicos, o comportamento de um decisor económico normal...

Tudo para reforçar o fundamento em si já sólido da decisão recorrida, no que importa à insuficiência probatória dos factos alegados pelo Autor. Flagrante esta ausência de corroboração directa e/ou indiciária mínima.

Em conclusão, ausente prova por declarações ou testemunhal (credível e credibilizada ou corroborada por factores de comprovação periférica) ou por presunção natural/judicial dos factos que vêm postos em causa, nos termos em que o foram.

É que não se alcança também justificação para a pretensão recursiva de que os termos da transacção outorgada conforme documento número 1 junto com a petição inicial são aptos a demonstrar (muito menos mediante a invocação do instituto do caso julgado?!) o facto sob c) dos havidos por não provados. O único facto que emerge da transacção é um acordo recíproco no sentido do pagamento futuro (na sequência do acordo) pela ali Ré à ali A. da quantia estabelecida. Não já que não tenha havido outros pagamentos ou que o valor do crédito fosse o peticionado…

Bem assim totalmente correcta a análise pela decisão recorrida no que importa aos documentos juntos autos e, decisivamente, quanto aos termos do relatório pericial, aqui se incluindo os esclarecimentos em audiência prestados pelos Srs. Peritos, em termos de não se evidenciar a realidade da simulação do preço dos imóveis vendidos sob a detenção da Sociedade pela Ré, nem também a sua venda por valor inferior ao respectivo valor real ou de mercado. Reconheça-se já o artifício contabilístico de utilização de uma única rubrica para o registo das entradas e a inexistência de conciliação bancária, práticas discutíveis de contabilidade que são aptas a gerar suspeitas, pela ausência de controlo externo das realidades constantes da contabilidade. Mas atenda-se, por outro lado, ao tempo decorrido entre as vendas por valores mais elevados e as vendas pela gerência da Ré; às circunstâncias do mercado à data; à situação da empresa e, de forma não escamoteável, ao quase omnipresente recurso a financiamento bancário das aquisições, a descredibilizar a venda por valores superiores.

Tudo para dizer que não se vislumbram razões, nem o recorrente as fornece em sede de alegações, para a alteração dos factos respectivos, como pretendida.

É que, finalmente, não resulta que a Ré tenha confessado um lucro nas vendas, como pretende o Recorrente, numa invocação descontextualizada e interessada de uma afirmação cujo enquadramento ou contexto não tem o sentido pretendido. Como se anotou supra, o que importa ou releva é a integralidade ou totalidade de um depoimento…

Justificado ademais cabalmente na sentença sob recurso, mediante os depoimentos dos trabalhadores que os realizaram e da facturação respectiva, sem necessidade de acrescentos, o juízo quanto à execução sob a gerência da Ré de trabalhos, numerosos, tendentes à finalização ou acabamento das fracções ou imóveis ulteriormente vendidos, que prova alguma infirmou.

Cabe manter, pois, na íntegra, a matéria de facto decidida.


*

Perante a improcedência do recurso em matéria de facto e a falta de prova, pois, dos factos em que se estribava a pretensão do Autor, a saber, que a Ré se tenha enriquecido para além do convencionado recebimento do valor mutuado, cumpre manter o julgamento de improcedência da acção, confirmando na íntegra a sentença recorrida.

III.

Em face do exposto, nega-se provimento à apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas da acção como decidido e do recurso pelo Recorrente, vencido.

Notifique.

Porto, 10 de Julho de 2025

Isabel Peixoto Pereira

Álvaro Monteiro

Isabel Silva

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[1] Pode dizer-se que, em geral, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem observado, fundamentalmente, um critério de proporcionalidade e de razoabilidade, entendendo que os ónus previstos no art. 640.º do CPC têm em vista garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objeto do recurso. Deste modo, “a apreciação da satisfação das exigências estabelecidas no art. 640.º do CPC deve consistir na aferição se da leitura concertada da alegação e das conclusões, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se encontra formulada num adequado nível de precisão e seriedade, independentemente do seu mérito intrínseco” , Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2020 (Rijo Ferreira), proc. n.º 1519/18.2T8FAR.E1.S1 – disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1519.18.2T8FAR.E1.S1/.
Vide, no mesmo sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de julho de 2020 (Nuno Pinto Oliveira), proc. n.º 4081/17.0T8VIS.C1-A.S1, – disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:4081.17.0T8VIS.C1.A.S1/; de 16 de junho de 2020 (Henrique Araújo), proc. n.º 8670/14.6T8LSB.L2.S1 – disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:8670.14.6TB8LSB.L2.S1/; de 5 de fevereiro de 2020 (Nuno Pinto Oliveira), proc. n.º 3920/14.1TCLRS.S1 – disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:3920.14.1TCLRS.S1/. Para acesso a mais jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre o tema do ónus de impugnação da matéria de facto, pode consultar-se o caderno de jurisprudência temática disponível in ttps://www.stj.pt/wp-content/uploads/2020/11/onus_-impugnacao_materia_facto-.pdf.
[2] Ob. citada, págs. 274 e 277.
[3] Mas em ambas as situações, sob pena de excesso de pronúncia e de nulidade do acórdão (666.º, 615.º, n.º 1, al. d) parte final), o tribunal de recurso continua a estar vinculado ao ónus de alegação das partes (5.º) e ao ónus de alegação recursiva (640.º) – de acordo com a primeira consideram-se como não escritos o excesso de factos que venham a ser fixados, face à segunda o tribunal superior não conhece de questões não suscitadas, salvo se for de conhecimento oficioso (Ac. STJ de 11/dez./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt).

[4] R.L.J., Ano 103, pp. 10 e seguintes, maxime, p. 13 e seguintes e Ano 107, pp. 309 e seguintes, maxime p. 311 e seguintes. No mesmo sentido, Prof. Mota Pinto, com a colaboração do Prof. Pinto Monteiro, em Parecer, publicado na CJ, Ano X, T. 3, pp. 9 e seguintes.
[5] Cfr. R.L.J., Ano 107, p. 312 (1ª coluna).
[6] Cfr. R.L.J., Ano 107, p. 312 (2ª coluna).
[7] Contra a doutrina defendida pelo Prof. Vaz Serra pronunciou-se o Sr. Dr. Jacinto Rodrigues Bastos, Cfr. Notas ao Código Civil, Vol. II, p. 177, afirmando que não vem, salvo o devido respeito, acompanhada de argumentos que, de iure constituto, façam admitir tais restrições ao preceito em análise.
[8] Cfr. R.L.J., Ano 107, p. 311 e Carvalho Fernandes, já citado.
[[9]] Acórdão do STJ, de 15.12.2005 (processo 05P2951).
[10] Quanto a estas,
Até à entrada em vigor do actual Código de Processo Civil, a parte estava impedida de depor como testemunha (Art. 617 do CPC), podendo ser ouvida pelo juiz para a prestação de esclarecimentos sobre a matéria de facto (Art. 265.2. do CPC) sendo que tais esclarecimentos não podiam ser valorados de per si como meios probatórios. Podia ainda a parte ser convocada, oficiosamente ou a requerimento da contraparte, para a prestação de depoimento de parte (Arts. 552.1. do CPC).
Constitui doutrina e jurisprudência dominantes que o depoimento de parte integra um meio processual através do qual se pode obter e provocar a confissão judicial, sendo esta uma declaração de ciência que emana da parte e em que se reconhece a realidade de um facto desfavorável ao declarante (contra se pronuntiatio) e favorável à parte contrária a quem competiria prová-lo (Art. 352º do Código Civil).
Nessa medida, o depoimento de parte só poderia incidir sobre factos desfavoráveis ao depoente. Chamado a pronunciar-se sobre esta questão, o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 504/2004, Artur Maurício, DR, II Série de 2.11.2004, p. 16.093, foi peremptório no sentido de que “A confissão (...) não constitui meio de prova de quem emite a declaração, mas a favor da parte com interesses contrários, ninguém podendo, por mero ato seu, formar provas a seu favor. / Não se vê que fique vedado ao legislador ordinário regular a possibilidade de limitar o depoimento de parte de forma a impedir o exercício do direito de o prestar quando o respectivo objecto seja irrelevante enquanto confissão, ou seja, quando se anteveja uma disfunção entre o meio processual e o fim tido em vista pela sua previsão.”
Todavia, ainda na vigência do Código de Processo Civil revogado, foi crescendo uma corrente jurisprudencial pugnando no sentido de que o depoimento de parte - no que exceder a confissão de factos desfavoráveis à mesma parte - constitui meio de prova de livre apreciação pelo tribunal – Artigo 361º do Código Civil. Neste sentido, cf. os Acórdãos do STJ de 2.10.2003, Ferreira Girão, 03B1909, de 9.5.2006, João Camilo, 06A989, de 16.3.2011, Távora Víctor, 237/04 (“(…) o depoimento tem um alcance muito mais vasto, podendo o tribunal ouvir qualquer uma das partes quando tal se revele necessário ao esclarecimento da verdade material. E se é certo que “a confissão” só pode versar sobre factos desfavoráveis à parte, não é menos verdade que o Juiz no depoimento em termos gerais não está espartilhado pela confissão, podendo colher elementos para a boa decisão da causa de acordo com o princípio da “livre apreciação da prova”), de 4.6.2015, João Bernardo, 3852/09. No Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22.11.2011, Araújo de Barros, 2700/03, também se discorreu que: «Por decorrência do princípio da livre apreciação da prova, embora o depoimento de parte seja o meio próprio para colher a confissão judicial das partes, nada impede que dele se extraiam elementos que contribuam para a prova de factos favoráveis ao depoente ou para a contraprova de factos que lhe sejam desfavoráveis.»
Ou seja, embora configurado processualmente no sentido da obtenção da confissão, foram reconhecidas ao depoimento de parte virtualidades probatórias irrecusáveis perante um sistema misto de valoração da prova, em que a par de prova tarifada existem meios de prova sujeitos a livre apreciação.
A parte podia ser ouvida pelo juiz sob as vestes preconizadas no Art. 265.2. do CPC e como depoente de parte, estando-lhe vedado ser testemunha em causa própria (“nemo debet esse testis in propria causa”). As razões determinantes desta inadmissibilidade são essencialmente três: «receio de perjúrio; as partes têm um interesse no resultado da ação e podem ser tentadas a dar um testemunho desonesto e finalmente mesmo que as mesmas não sejam desonestas, estudos psicológicos demonstram que as pessoas têm uma maior tendência a recordar factos favoráveis do que factos desfavoráveis pelo que o depoimento delas como testemunhas nos processos em que são partes não é, por essa razão de índole psicológica, fidedigno.» (ELIZABETH FERNANDEZ, “Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)Coerência do Sistema Processual a Este Propósito”, in Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, p. 27)
Sempre constituía dado da experiência comum que a inadmissibilidade da prestação de declarações de parte conduzia – com frequência – a assimetrias no exercício do direito à prova dificilmente compagináveis com o princípio da igualdade de armas ínsito no direito à prova. ELIZABETH FERNANDEZ, Op. Cit., p. 22, apelava aqui à ideia de «um preocupante deficit de processo equitativo.» Constituía exemplo paradigmático o julgamento de acidente de viação em que o autor/condutor – por ser formalmente parte - não era ouvido quanto ao relato da dinâmica do acidente enquanto o segurado (e também condutor) da Ré (Seguradora) era sempre arrolado como testemunha.
Por outro lado, como se salientou já no texto,  existem factos integrantes do thema probandum que são por natureza revéis à prova documental, testemunhal e mesmo pericial, nomeadamente «factos de natureza estritamente doméstica e pessoal que habitualmente não são percepcionados por terceiros de forma directa» (ELIZABETH FERNANDEZ, Op. Cit., p. 37).
Se outras razões não ocorressem, tanto bastava para evidenciar a pertinência da consagração das declarações de parte como um novo meio de prova no actual Código de Processo Civil. Na Exposição de Motivos, de forma bastante sucinta, anuncia-se o novo meio de prova assim: «Prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão.»
Nos termos do Artigo 466.3. do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Para LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 2013, p. 278, «A apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas.» Ou seja, para este autor as declarações de parte têm uma função eminentemente integrativa e subsidiária. PAULO PIMENTA, p. 357,  afirma que «Face ao sistema probatório instituído, o mais  provável é que a prova por declarações de parte tenha uma natureza essencialmente supletiva(…)».
Por sua vez, a jurisprudência tem vindo a valorar as declarações de parte com reservas, degradando a sua valoração para um mero princípio de prova. Sem preocupações de exaustividade:  Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.11.2014, Pedro Martins, 1878/11, posição reiterada no Acórdão da mesma Relação de 17.12.2014, Pedro Martins, 2952/12; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.6.2014, António José Ramos, 216/11, posição reiterada no Acórdão da mesma Relação de 30.6.2014, Q..., 46/13, www.colectaneadejurisprudencia.com.
Como esclarece Luís Filipe Pires de Sousa,  Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, 2013, 2ª Ed., p. 142, o princípio de prova é o grau de prova mais débil, significando que a prova em causa não é suficiente para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros meios de prova.
Com o mesmo Autor, Pires de Sousa, desta feita  na sua obra Prova Testemunhal, Almedina 2013,  p. 42, que seguiremos de muito perto, agora, data venia, repudiamos este pré-juízo de desconfiança e de desvalorização das declarações de parte, sendo infundada e incorrecta esta postura que degrada prematuramente o valor probatório das declarações de parte.
 Em primeiro lugar, a prova testemunhal, a prova pericial e a prova por inspecção estão também sujeitas à livre apreciação do tribunal (Arts. 389, 391 e 396 do Código Civil), sem que se questione que o juiz possa considerar um facto provado só com base numa dessas provas singulares, no limite, só com base num depoimento.
 Em segundo lugar, desde há muito que se enfatiza que o interesse da testemunha na causa não é fundamento de inabilidade, devendo apenas ser ponderado como um dos factores a ter em conta na valoração do testemunho.  Assim, «Nada impede assim que o juiz forme a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha interessada (até inclusivamente com base nesse depoimento) desde que, ponderando o mesmo com a sua experiência e bom senso, conclua pela credibilidade da testemunha.» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.3.2012, Deolinda Varão, 6584/09). Ou seja, o interesse da parte (que presta declarações) na sorte do litígio não é uma realidade substancialmente distinta da testemunha interessada: a novidade é relativa e não absoluta, a diferença é de grau apenas.
Em terceiro lugar, o texto do Artigo 466 não degradou o valor probatório das declarações de parte, nem pretendeu vincar o seu carácter subsidiário e/ou meramente integrativo e complementar de outros meios de prova. Se esse fosse o desiderato do legislador, o mesmo teria adoptado uma formulação diversa (à semelhança, por exemplo, do que se prevê no § 445 do Código de Processo Civil Alemão).
Em quarto lugar, o julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório. A credibilidade das declarações tem de ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstractas pré-constituídas, sob pena de esvaziarmos a utilidade e potencialidade deste novo meio de prova e de nos atermos, novamente, a raciocínios típicos da prova legal de que foi exemplo o brocardo testis unis, testis nullus.
Existem variados parâmetros, normalmente aplicáveis à prova testemunhal (Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, cit., p. 89-115;136-138; 300-302; 308-309), que podem desempenhar um papel essencial na valoração das declarações da parte. Reportamo-nos designadamente à produção inestruturada, à quantidade de detalhes, à descrição de cadeias de interacções, à reprodução de conversações, às correcções espontâneas, à segurança/assertividade e fundamentação, à vividez e espontaneidade das declarações, à reacção da parte perante perguntas inesperadas, à autenticidade do testemunho. São também aqui pertinentes os sistemas de detecção da mentira pela linguagem não verbal e a avaliação dos indicadores paraverbais da mentira.
De todo o modo, inexiste qualquer hierarquia apriorística entre as declarações da parte e a prova testemunhal, devendo cada uma delas ser individualmente analisada e valorada segundo os parâmetros explicitados. Em caso de colisão, o julgador deve recorrer a tais critérios sopesando a valia relativa de cada meio de prova, determinando no seu prudente critério qual o que deverá prevalecer e por que razões deve ocorrer tal primazia.
As declarações de parte integram, pois, um testemunho de parte, cujos critérios de valoração coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente, sendo que em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado, desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.