Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4458/24.4T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
PROCESSO ADMINISTRATIVO
COMUNICAÇÃO DA DECISÃO AO PROCESSO JUDICIAL
Nº do Documento: RP202506044458/24.4T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/04/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A tramitação do processo declarativo há de ser conforme com a realidade do processo administrativo, isto é, sendo o pedido de apoio judiciário concedido, essa realidade há de se refletir no processo judicial.
II - A desconsideração no âmbito administrativo da resposta da R. a audiência prévia, determinando o indeferimento do apoio judiciário, seguida de deferimento não comunicado ao processo judicial, coarta o exercício do contraditório e viola o direito ao processo equitativo.
III - Tal acarreta a nulidade do processado na medida necessária à salvaguarda dos direitos infringidos.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 4458/24.4T8PRT.P1

Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.ª adjunta: Ana Paula Amorim
2.ª adjunta Eugénia Maria Cunha







Acordam no Tribunal da Relação do Porto



I - Relatório


“A..., Unipessoal, Lda.” propôs ação declarativa sob a forma de processo comum, contra “B..., Unipessoal, Lda.” e “C..., Unipessoal, Lda.”
As RR. foram citadas em 29-3-2024.
A R. “B..., Unipessoal, Lda.” requereu o benefício de apoio judiciário em 24-4-2024 - conforme requerimento junto ao processo nesse mesmo dia.
Foi proferida sentença que julgou integralmente procedente a ação.
A R. “B..., Unipessoal, Lda.” foi notificada da sentença em 7-11-2024.
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Inconformada, em 22-11-2024, a R. “B..., Unipessoal, Lda.” interpôs o presente recurso, que rematou com as conclusões que em seguida se transcrevem.
1ª - A Recorrente foi citada da Petição Inicial no dia 29/03/2024.
2ª - Requereu apoio judiciário no dia 24/04/2024.
3ª - A 05/06/2024 foi apresentado um pedido de confirmação da aprovação tácita ao que, no dia 14/06/2024, o Instituto da Segurança Social informa que o pedido está em fase de análise e instrução.
4ª- A 25/06/2024 o processo foi objeto de uma Proposta de Decisão de Indeferimento, tendo sido solicitada a junção de vários documentos.
5ª- No dia 05/07/2024 a Recorrente juntou os documentos solicitados, através do Serviço E-Clic.
6ª- A 25/09/2024, o Instituto da Segurança Social informou que a Decisão de Indeferimento se tornou definitiva no primeiro dia útil após o termo do prazo de que dispunha para responder à Proposta de Indeferimento, ou seja, dia 10/07/2024.
7ª- O Instituto da Segurança Social violou o disposto no nº 1 do artigo 25º da Lei 34/2004, de 29 de julho ao não ter decidido até 30 dias após ter sido apresentado o pedido.
8ª – Violou também o disposto no nº 2 do mesmo artigo que refere que após o termo do prazo para decisão, o pedido considera-se tacitamente deferido.
9ª - O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 1481/16.6T8CSC.L1-4 conclui que a simples informação da pendência do procedimento não impede a formação do ato tácito de deferimento, devendo o Instituto da Segurança Social justificar a suspensão do prazo com prova documental, o que não fez.
10ª- A 30/10/2024 foi proferida sentença que considerou confessados os factos alegados na petição inicial motivada pelo facto de as R.R. terem sido regularmente citadas e não terem contestado.
11ª - O Tribunal a quo desconsiderou por completo a Lei 34/2004, de 29 de julho, uma vez que devia ter interrompido o prazo para contestar até nomeação de defensor oficioso que, neste caso, apenas ocorreu no dia 22/11/2024, isto é, após ter sido proferida Sentença.
12ª – Com esta decisão, o Tribunal desconsiderou os termos do disposto no nº 4 do artigo 24º da Lei 34/2004, de 29 de julho, ao não interromper o prazo em curso com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
13ª - Conforme o nº 5 do mesmo artigo, o prazo para contestar deveria ter iniciado com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, sendo, neste caso, o dia 22/11/2024.
14ª – Com esta atuação o Tribunal a quo violou o Princípio do Contraditório previsto no artigo 3º do Código Processo Civil e ainda o direito constitucional previsto no nº 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa nomeadamente o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Nestes termos e nos que V. Exas. doutamente suprirão, deve a sentença recorrida ser revogada, ordenando-se o prosseguimento dos autos com o exercício do direito ao contraditório por parte da Recorrente, concretamente concedendo prazo para apresentar Contestação.
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A apelada contra-alegou, pugnando pelo desatendimento da pretensão da recorrente.
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II - Questão a dirimir: se a sentença proferida deve ser revogada.
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III - Fundamentação de facto


Os factos a tomar em consideração são os constantes do relatório e aqueles que em seguida se enunciam e que foram respigados do processo.
1 - A R. “B..., Unipessoal, Lda.”, ora recorrente, foi citada para os termos da ação em 29-3-2024 - conforme certidão junta ao processo, através da plataforma CITIUS, em 30-3-2024, com a referência 38613911.
2 - A R. recorrente requereu apoio judiciário em 24-4-2024, conforme requerimento junto ao processo nesse mesmo dia.
3 - O pedido de apoio destinou-se à dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação a patrono.
4 - Em 13-6-2024, o Instituto da Segurança Social informou que o pedido estava em análise e instrução (o pedido de apoio judiciário, destinado ao proc. 4458/24.4T8PRT - este processo - está identificado com o n.º de processo de apoio judiciário/APJ ...12/2024).
5 - Em 25-9-2024, o Instituto da Segurança Social informou que o requerimento de apoio judiciário foi objeto de uma proposta de rejeição (audiência prévia) de indeferimento em 25-6-2024, via postal registada, que o pedido “fora” considerado indeferido, que não foi interposto recurso de impugnação e que a falta de resposta implica conversão da proposta em decisão definitiva de indeferimento.
6 - Para melhor esclarecimento, reproduz-se o texto notificado:
Centro Distrital do Porto, notificado para os devidos efeitos, vem informar V. Ex.ª de que o requerimento de apoio judiciário de P B..., UNIPESSOAL LDA fora objeto de uma proposta de decisão (audiência prévia) de indeferimento em 25/06/2024 via postal registada. A falta de resposta, por qualquer meio, ao solicitado, implicou a conversão da proposta de decisão em decisão definitiva (indeferimento), e ocorrendo tal no 1.º dia útil seguinte ao do termo do prazo de resposta, com imediata comunicação ao Tribunal onde se encontre pendente a ação judicial (se for o caso), não se procedendo a qualquer outra notificação, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 23.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto e do art.º 119.º do Código do Procedimento Administrativo.
A notificação por carta registada presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
Assim, decorrido o prazo legal de que dispunha para responder ao que lhes era solicitado, o requerente nada dissera, pelo como expressamente refere o nosso ofício, fora o seu pedido considerado indeferido.
Mais se informa que até ao momento não foi interposto qualquer recurso de impugnação.
7 - Em 30-10-2024, foi proferida sentença que julgou a ação inteiramente procedente.
8 - Em 7-11-2024, a sentença foi notificada à R. recorrente.
9 - Em 22-11-2024, a Ordem dos Advogados informou que, na sequência do deferimento do pedido de apoio judiciário, foi nomeado enquanto patrono o advogado AA.
10 - Nesta mesma data de 22-11-2024, o advogado dá conta de que foi nomeado.
11 - Em 11-12-2024, a R. interpõe recurso da sentença, invocando que o pedido de proteção jurídica foi tacitamente deferido a 26-5-2024, o que a sentença ignorou.
12 - Em 24-4-2025, o Instituto de Segurança Social prestou a seguinte informação:
Centro Distrital de Segurança Social do Porto, notificado para o efeito, vem informar V. Exa. que o requerimento de proteção jurídica referente a B... Unip Lda foi deferido em 28/11/2024 na modalidade de Dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo e Nomeação e pagamento da compensação de patrono, tendo sido notificado da decisão o requerente nos termos do art.º 26º da Lei 34/2004 de 29/07 com as alterações introduzidas pelo Lei 47/2007, de 28/08.
Mais se informa que efetivamente conforme comunicação prévia de 25/09/2024, o processo tinha sido indeferido por falta de resposta a audiência prévia, porém o mesmo posteriormente veio fazer prova de resposta em tempo útil a referida audiência prévia e desse modo, retificou-se a decisão tomada.
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IV - Fundamentação jurídica

A situação que nos ocupa consiste, em síntese, no seguinte: a R. pediu apoio judiciário; foi-lhe comunicado pela Segurança Social, que o apoio tinha sido indeferido; de igual sorte, foi comunicado ao tribunal que o pedido tinha sido indeferido; o tribunal proferiu sentença; posteriormente, a Segurança Social defere o mesmo pedido de apoio judiciário, considerando ser de retificar a decisão anterior por ter erroneamente considerado que não tinha sido dada resposta à audiência prévia em sede de apoio judiciário; no prazo de recurso da sentença o R. veio dar conta de que o pedido tinha sido deferido.
No que rege o processo declarativo, do ponto de vista da marcha processual, nada há a apontar à tramitação adotada. O tribunal, convicto do indeferimento do pedido de apoio, tal como comunicado pela entidade competente, tem como precludido o direito da R. a contestar a ação e profere sentença.
O R., porém, ciente de que tinha respondido à audiência prévia no contexto do apoio judiciário, faz eco dessa resposta e obtém o deferimento da pretensão, que ocorre por aquilo que a entidade administrativa denomina de mera retificação.
O processo judicial e processo de apoio judiciário são dois processos concomitantes, sendo que, no caso concreto, a decisão judicial de proferir sentença se funda em pressuposto que lhe foi transmitido pela entidade administrativa, e que esta vem a corrigir em sentido diametralmente oposto.
Ora a tramitação do processo declarativo - aquele a que se destina e em função do qual o processo administrativo se inicia e existe - há de ser conforme com a realidade do processo administrativo, isto é, sendo o pedido de apoio judiciário concedido, essa realidade há de se refletir no processo judicial.
A sequência de irregularidades cometida pela entidade administrativa é a seguinte: a segurança social ignora a resposta da R. à audiência prévia; comunica o indeferimento do pedido de apoio por a requerente não ter alegadamente respondido à audiência prévia; profere nova decisão, agora de deferimento, sem invalidar a decisão anterior. Derradeiramente, o serviço competente da segurança social omite a comunicação de decisão de concessão de apoio, substitutiva da decisão de indeferimento, como se viu, fundada em errada perceção da resposta do requerente à audiência prévia.
Em suma, a atuação da segurança social foi desconforme aos factos e ao procedimento juridicamente adequado, o que veio a redundar na prolação de sentença pelo tribunal sem que a R. tivesse ocasião de contestar ao abrigo do benefício de apoio judiciário com nomeação de patrono.
Ao contrário do defendido pela apelante, não se entende que se mantenha ato tácito de deferimento pelo decurso do prazo de 30 dias.
É certo que a falta de prolação de decisão final, pelos serviços da segurança social, sobre o pedido de proteção jurídica, no prazo de trinta dias, conduz à formação de ato tácito de deferimento. Efetivamente, no art.º 25.º da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais encontra-se um dos casos de deferimento tácito existentes no ordenamento jurídico vigente. Aí se estabelece, no seu n.º 2, que decorrido o prazo de 30 dias para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de proteção jurídica, sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica. Prevê o n.º 3 que é suficiente a menção em tribunal da formação do ato tácito, para justificar em juízo a dispensa de pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos com o processo.
A lei satisfaz-se com a informação prestada em juízo pelo requerente de que se formou o ato tácito de deferimento, através de instrumento escrito onde refira e comprove a data da apresentação do pedido de apoio judiciário e a sua não decisão no prazo de 30 dias (cf. Salvador da Costa, in O Apoio Judiciário, 7.ª ed., p 180).
Com esta formação tácita do ato administrativo garante-se ao particular a tutela direta da sua posição ou pretensão substantiva, podendo ele exigir o respeito pelo ato tácito produzido, ou seja, a atribuição e o reconhecimento dos efeitos jurídicos consequentes.
De acordo com o estatuído no art.º 25.º/4 da Lei do Apoio Judiciário, o tribunal deve confirmar junto dos serviços da segurança social a formação do ato tácito, devendo estes serviços responder no prazo máximo de dois dias úteis.
Da articulação do disposto no art.º 25.º/4 com o preceituado nos artigos 26.º, 27.º e 28º da Lei n.º 34/2004, de 29-7, quanto à impugnação judicial das decisões da segurança social, resulta que a eficácia externa do deferimento tácito alegado por um sujeito processual encontra-se condicionada pela confirmação da entidade a quem se encontra atribuída competência para proferir decisão sobre a concessão de proteção jurídica (cf. ac. da Relação do Porto de 24-2-2025, proc. 2386/24.2T8PNF.P1, José Nuno Duarte, consultável in http://www.dgsi.pt/, tal como os demais acórdãos que vierem a ser nomeados, salvo indicação diversa).
Na situação dos autos, não foi dado conhecimento da formação de ato tácito, nem esta, naturalmente, foi confirmada pelo tribunal junto da entidade administrativa. Afinal, o tribunal tinha sido notificado do indeferimento do pedido de apoio judiciário.
Em todo o caso, o deferimento tácito do apoio judiciário não se sobrepõe ao indeferimento expresso subsequente que, emitido pela entidade competente sem impugnação dos interessados, traduz um ato revogatório daquele, definitivamente consolidado na ordem jurídica (cf. ac. Relação de 9-4-2013, proc. 934/11.7TBMTS-C.P1, Cecília Agante).
Vejamos, então, se outro fundamento existe para pôr em crise a tramitação processual observada.

Como é sabido, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 24.º da Lei 34/2004, de 29 de julho, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
Conforme o n.º 5 do mesmo artigo, o prazo interrompido inicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.
No caso vertente, vimos já, o tribunal teve o prazo como iniciado em face da errónea comunicação que lhe foi efetuada. Esta comunicação redundou, na ausência de contestação, na prolação de sentença (art.º 567.º do C.P.C.). O processo que nos ocupa era tributário, estava dependente do processo de apoio judiciário para poder seguir a sua regular tramitação. Deste modo, o prazo da contestação voltou a ser contabilizado após a comunicação do indeferimento do pedido. Esta circunstância redundou na desconsideração do direito fundamental da R., ora apelante, ao exercício do contraditório.
Dúvidas não há de que o princípio do contraditório é um dos princípios estruturantes do processo civil.
O art.º 3.º/3 do C.P.C. preceitua que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
O direito ao exercício do contraditório, entendido como a garantia de que discussão entre as partes se desenvolve de modo dialético, foi alargado pela disposição contida no n.º 3 do art.º 3.º no sentido de prevenir decisões-surpresa. Neste segmento normativo estão em causa as questões oficiosamente suscitadas pelo tribunal. Quer se trate de questões de índole processual, quer do mérito da causa, antes de tomar posição, o juiz deve convidar as partes a pronunciarem-se, facultando-lhes a discussão da solução a adotar.
Trata-se de evitar, não propriamente que as partes possam ser apanhadas desprevenidas por uma solução antes não abordada ou perspetivada no processo, mas sim que, mediante a ponderação das razões das partes em contrário, o juiz possa repensar a solução a dar ao caso.
Cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito) (…) (Andrade, Manuel, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, 379).
No âmbito de uma conceção ampla do princípio do contraditório, entende-se que existe o direito a uma fiscalização recíproca ao longo de todo o processo, por forma a garantir a participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio (cf. Freitas, José Lebre de; Redinha, João; Pinto, Rui, Código de Processo Civil (anotado), vol. I, Coimbra Editora, p. 8).
Lê-se no ac. do Tribunal Constitucional n.º 259/2000 (DR, II série, de 7 de novembro de 2000): a norma contida no artigo 3.º n.º 3 do CPC resulta, assim, de uma imposição constitucional, conferindo às partes num processo o direito de se pronunciarem previamente sobre as questões - suscitadas pela parte contrária ou de conhecimento oficioso - que o tribunal vier a decidir.
O escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo (Freitas, José Lebre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 1999, p. 8).
O princípio do contraditório, ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais, proíbe a prolação de decisões-surpresa, mesmo que de conhecimento oficioso, e garante a participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão (in ac. do Tribunal da Relação do Porto de 30-05-2017, proc. 28354/16.0YIPRT.P1, Fernando Samões).
Tal entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo n.º 3, do art.º 3.º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz - tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 664.º); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar (Rego, Carlos Lopes do, Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª ed., vol. I, Almedina, p. 32).
A não observância do contraditório, no sentido de não se conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão a conhecer, na medida em que é suscetível de influir no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual, nos termos do art.º 195.º/1 do C.P.C..
No caso concreto, não oferece dúvidas que as irregularidades praticadas consubstanciam nulidade que influiu no exame e, potencialmente, na decisão da causa nos termos e para os efeitos da disposição a que vimos de aludir e a requerente, ainda que sem a nomear, arguiu a nulidade (art.º 196.º/1 do C.P.C.).
A desconsideração no âmbito administrativo da resposta da R., determinando o indeferimento do apoio judiciário e coartando o exercício do contraditório em sede de contestação, violou ainda o direito ao processo equitativo, o denominado fair trial, a que se reportam os artigos 20.º/4.º da Constituição, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 14.º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Impõe-se, na decorrência do que expendemos, anular o processado após a comunicação de que o apoio judiciário tinha sido indeferido em tudo quanto dela dependa da comunicação de indeferimento, iniciando-se o prazo da contestação a partir da data da notificação deste acórdão.

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V - Dispositivo

Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar procedente o presente recurso, anulando-se o processado após a comunicação de indeferimento do pedido de apoio judiciário e determinando-se o início do prazo de contestação a partir da data da notificação do presente acórdão.
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Custas pela recorrida, por ter decaído na sua pretensão de ver indeferida a pretensão da apelante (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 4 de junho de 2025

Teresa Fonseca
Ana Paula Amorim
Eugénia Cunha