Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3657/21.5T8MTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
REVISÃO DA MEDIDA
AUDIÇÃO DO ACOMPANHADO
NULIDADE
Nº do Documento: RP202504103657/21.5T8MTS-A.P1
Data do Acordão: 04/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na revisão das medidas de acompanhamento de maior há que apurar, se necessário com meios de prova determinados oficiosamente, qual a situação atualizada do beneficiário devendo ficar a constar da fundamentação de facto as circunstâncias factuais atualizadas, as quais constituem o pressuposto fático da decisão.
II - Em face do disposto no artigo 897.º, n.º 2, “ex vi” art.º 904.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o juiz deve proceder à audição pessoal e direta do beneficiário, com vista à revisão da medida de acompanhamento do maior.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 3657/21.5T8MTS-A.P1

Sumário:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

Nos autos de processo especial instaurado pelo MP a favor de AA a 17/03/2022, foi proferida sentença transitada em julgado que decretou:
1 - o acompanhamento de AA.
2 - Fixou a residência do acompanhado na Casa de Saúde ..., situada na Rua ..., ..., em ..., Barcelos.
3 – Designou para exercer o cargo de acompanhante o diretor da referida Casa de Saúde ....
4 – Restringiu os direitos do acompanhado de celebrar quaisquer negócios da vida corrente e ainda de se deslocar no país ou no estrangeiro e de fixar domicílio e residência.
5 – Fixou a data de conveniência de decretamento da medida de acompanhamento na data em que o acompanhado atingiu a maioridade, o dia 19 de junho de 2007.
(…)
A seu tempo, pelo M.P. foi requerida a revisão da medida aplicada nos termos do artigo 155º do CC.
Sequentemente a 8/01/2025 foi proferido despacho: a determinar a notificação (i) do beneficiário para, no prazo de 10 dias, se pronunciar quanto à eventual necessidade de proceder à alteração das medidas de acompanhamento fixadas nos autos (ii) o acompanhante nomeado para, no prazo de 10 dias, se pronunciar quanto à eventual necessidade de proceder à alteração das medidas de acompanhamento fixadas nos autos, devendo, ainda, em igual prazo, esclarecer se ocorreu alteração da situação pessoal ou de saúde do beneficiário desde a data da sentença proferida nos autos, juntando aos autos cópia dos documentos médicos e hospitalares de que disponha; se o beneficiário tem acompanhamento médico regular (médico de família ou médicos de especialidade), indicando a identidade do médico de família e esclarecendo qual o respetivo centro de saúde.
O acompanhante respondeu juntando informação clinica da qual consta que o acompanhado se mantém internado e acompanhado pelo médico da Casa de Saúde e que o seu estado continua sem alterações, pelo que inexiste necessidade de alterar a medida decretada.
O MP promoveu a prorrogação da medida por mais 5 anos.
A 27-01-2025 FOI PROFERIDA A SEGUINTE DECISÃO.
Mantém-se a medida de acompanhamento decretada nos autos a favor do beneficiário.
2. Mantém-se a residência do beneficiário fixada na sentença proferida nos autos principais.
3. Mantém-se no exercício do cargo de acompanhante do beneficiário o Sr. Diretor da Casa de Saúde ....
4. Mantém-se a composição do Conselho de Família.
5. Altera-se o prazo de revisão periódica da medida de acompanhamento decretada,
fixando-se o mesmo em 5 anos”.
(…)
Consta desta decisão a seguinte fundamentação de facto
resultam dos autos que:
1. A 17/03/2022, foi proferida sentença nos presentes autos na qual se decidiu, além do mais, que:
«(…) Face ao exposto, julgo a presente ação integralmente procedente por provada e, em
consequência:
1 - Decreto o acompanhamento de AA.
2 - Fixo a residência do acompanhado na Casa de Saúde ..., situada na Rua ..., ..., em ..., Barcelos.
3 – Designo para exercer o cargo de acompanhante o diretor da referida Casa de Saúde ....
4 - Restrinjo os direitos do acompanhado de celebrar quaisquer negócios da vida corrente e ainda de se deslocar no país ou no estrangeiro e de fixar domicílio e residência.
5 - Fixo a data de conveniência de decretamento da medida de acompanhamento na data
em que o acompanhado atingiu a maioridade, o dia 19 de junho de 2007.
6 - Fixo em 2 anos o prazo de revisão periódica da presente decisão.
7 - O acompanhante prestará contas das suas funções ao Tribunal, nos termos do art. 151º nº 2 do Código de Processo Civil.
8 - Consigna-se que o acompanhado não outorgou testamento vital, nem conferiu procuração para cuidados de saúde. (…)».
2. O beneficiário nasceu em ../../1989, em Matosinhos e é filho de BB e de CC.
3. É solteiro.
4. Apresenta a condição de atraso mental ligeiro a moderado.
5. Sofre de epilepsia generalizada e apresenta surtos esporádicos de psicose, muito provavelmente despoletados pelos consumos de canabinoides.
6. O atraso mental é de natureza congénita, constituindo uma condição permanente, irreversível e sem fatores que concorram para a sua melhoria.
7. Carateriza-se por um défice cognitivo global, que ao nível das funções cognitivas superiores (memória, capacidade de abstração, de planeamento de ações, de antecipação de consequências e compreensão do mundo em geral, entre outras), acarreta a incapacidade de tomar decisões de forma esclarecida, autónoma e livre.
8. Esta situação agrava-se muito com a epilepsia e os consumos de drogas de abuso com ação psicotrópica.
9. O beneficiário tem discurso coerente, pouco fluente e pobre em vocabulário.
10. Tem cálculo aritmético muito prejudicado.
11. Não conhece o dinheiro, nem o seu valor relativo.
12. Tem o juízo crítico prejudicado para a sua situação mórbida.
13. O beneficiário sofreu dois internamentos compulsivos no Hospital ..., um, em Outubro de 2020 e, outro, em Janeiro de 2020, por descompensação psicótica.
14. O beneficiário tem crises de epilepsia que lhe causam quedas.
15. Não tem capacidade de autocuidados e para cumprir a terapêutica que lhe é prescrita, abandonando os tratamentos e entrando em descompensação, com necessidade de intervenção médica urgente, colocando em risco a sua vida.
16. O beneficiário cumpriu pena de prisão, tendo ficado preso durante 6 meses, até Agosto de 2021.
17. O beneficiário não zela pela sua higiene pessoal.
18. Aufere o RSI, no valor mensal de 143,30 Euros, que despende em consumos de estupefacientes, cigarros e alguma alimentação, não conseguir gerir o seu rendimento e despesas.
19. O beneficiário não tem familiares, amigos ou vizinhos que o possam auxiliar.
20. O beneficiário não outorgou testamento vital, nem procuração para cuidados de saúde.
(…)
Assim, aquando da revisão periódica das medidas de acompanhamento (artigo 155.º do Código Civil) ou mediante requerimento formulado pelo acompanhante, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou pelo Ministério Público (artigo 149.º n.º 3 do Código Civil), o tribunal pode determinar a modificação ou o levantamento das medidas que tenham sido aplicadas ao beneficiário, sempre que a evolução da situação de saúde ou de hábitos do mesmo o justifique.
Pode, ainda, justificar-se a remoção do acompanhante e a sua substituição.
No caso dos autos, não se registaram alterações na situação clínica do beneficiário, que determinaram o decretamento da medida de acompanhamento nos autos.
O mesmo continua impossibilitado, por razões de saúde, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres.
Afigura-se, por isso, ser necessária a manutenção das medidas de acompanhamento decretadas nos autos ao beneficiário, a fim de assegurar o seu bem-estar e o pleno exercício de todos os seus direitos, quer pessoais, quer patrimoniais.
Ao acompanhante continuará, assim, cometida a representação geral do beneficiário (artigo 145.º n.º 2 alínea b) e n.º 4 e artigos 1927.º e segs. do Código Civil), a administração total de bens (artigo 145.º n.º 2 alínea c) e n.º 5 e artigos 1967.º e segs. do Código Civil), com limitação do direito pessoal de casar, constituir uniões de facto, perfilhar, adotar, testar e votar (artigo 147.º n.º 2 do Código Civil), medidas que se reputam ajustadas e indispensáveis a cumprir aquela função.
Para o exercício do cargo de acompanhante e perante a falta de escolha do beneficiário, atenta a realidade sócio-económica do beneficiário, a pessoa maior e no pleno exercício dos seus direitos que melhor salvaguarda o interesse imperioso do beneficiário, dentre as elencadas no n.º 2 do artigo 143.º do Código Civil, continua a ser o Sr. Diretor da Casa de Saúde ..., onde se encontra fixada a residência do beneficiário.
Por outro lado, não se descortinam razões que justifiquem alterações à composição do Conselho de Família do beneficiário.
Ainda, por outro lado, atenta a condição irreversível da afetação de que o beneficiário padece, entende-se que o prazo de revisão da medida de acompanhamento deverá ser fixada no período de 5 anos, sem prejuízo de ser revista a qualquer altura, sempre que alguma circunstância superveniente o justifique”.
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Nesse mesmo dia 27/01/2025 o beneficiário representado pelo defensor oficioso requereu que o Acompanhante fosse notificado, para informar nos autos:
“a) A adaptação do Beneficiário à instituição que integra.
b) A evolução médica da condição de que padece.
c) Os contactos familiares, ocorridos ao longo de todo o período de internamento, com identificação dos mesmos, bem como o laço de parentesco / afinidade ou grau de amizade em causa”.
Este requerimento mereceu o despacho de 5-02-25 com o seguinte teor:
A notificação realizada ao acompanhante determinada a 08/01/2025 visou já que o mesmo informasse os autos de todas e quaisquer circunstâncias conhecidas que relevassem para a revisão da medida de acompanhamento decretada nos autos, bem assim para revisão de todas as questões conexas que com aquela medida se encontram.
Pelo que, salvo o devido respeito, o agora requerido pelo Ilustre Defensor Oficioso configura uma redundância processual que não se mostra suscetível de alterar a decisão já proferida a 27/01/2025.
Em consequência, indefere-se o requerido pelo Ilustre Defensor Oficioso.
Desta decisão foi interposta apelação pelo defensor do beneficiário que formulou as seguintes conclusões:
Não pode o Recorrente conformar-se com o douto despacho proferido pelo tribunal a quo que, no âmbito da revisão da medida de acompanhamento, indeferiu o pedido de diligências essenciais, com vista a ser aferido o enquadramento e evolução da frágil rectaguarda social e familiar do beneficiário.
2º Nessa sequência, no dia 21 de Janeiro de 2025, o acompanhante (director da instituição), fez chegar aos autos a seguinte informação médica:
“Sobre o utente acima identificado informo que se mantém internado acompanhado pelo médico da Casa de Saúde e o seu estado de saúde continua sem alterações, pelo que não existe necessidade de alterar as medidas de Maior Acompanhado.”
3º Por seu turno, no dia 27 de Janeiro de 2025, o defensor signatário requereu as sobreditas diligências seguintes diligências, que foram indeferidas, insurgindo-se o beneficiário contra tal decisão, pois que o mesmo não acautela, de forma alguma, o seu interesse.
4º Durante a tramitação dos autos principais, o defensor signatário, em articulação com as técnicas da segurança social, que acompanhavam o jovem AA, pugnou para que o mesmo viesse a ser internado na Casa de Saúde ..., intento que logrou obter.
5º Na verdade, este não apresentava qualquer rectaguarda familiar, não sendo conhecidos, naquela data, quaisquer familiares, hábitos de trabalho, estando entregue a si próprio e à caridade dos vizinhos, situação que, em face da sua jovem idade, demonstrava um isolamento inusitado.
6º Contudo, decorrido um período razoável de internamento, torna-se necessário apurar se, com a ausência do seu meio residencial, os seus familiares, vizinhos e eventuais amigos, o vieram a procurar.
(…)
8º Por outro lado, para além da informação, apresentada pelo acompanhante, ser meramente tabelar, enferma de carácter conclusivo (“o seu estado de saúde continua sem alterações”).
9º Contudo, existem duas questões, cuja averiguação se impunha.
1º- Se a família de origem do beneficiário estabeleceu contacto com a instituição onde se encontra internado, dada a total falta de rectaguarda familiar que o mesmo apresentava.
De facto, tal informação, torna-se premente, para se apurar se os elos familiares poderão vir a ser restabelecidos e, quiçá, depois de estes mostrarem verdadeiro interesse, pelo seu acompanhamento, virem, em fase ulterior, a integrar o Conselho de Família.
2º- Por outro lado, o signatário desconhece como decorreu a adaptação à instituição que integrou, se esta constituiu uma mais-valia para a sua segurança e bem-estar, bem como a evolução da sua doença, nomeadamente se, da interacção médica e medicamentosa, tal evolução foi assinalável, sem prejuízo de tal doença se manter.
10º A informação prestada pelo acompanhante é manifestamente insuficiente, para se perceber tudo o quanto fica descrito, recusando-se o defensor signatário a ter um papel passivo perante um caso social de enorme gravidade, que exige um aprofundamento do seu contexto actual, com vista a que fique assegurado o seu contexto futuro.
11º Daqui resulta que o tribunal a quo descurou o pedido de elementos essenciais para se aferir da concreta evolução do Recorrente, bem como, na esteira do Acórdão da Relação de Guimarães, de 17/10/2024, Processo n.º 62/14.3TBMLG-A.G1, nem sequer se procedeu à sua audição, como se impunha.
12º Houve, assim, a preterição de uma diligência que a lei impunha, pelo que a consequência jurídica da omissão da audição do beneficiário, tem sido entendido pela jurisprudência, que a omissão de tal acto enferma da nulidade prevista no art.º 195º, nº 1, 2ª parte, do CPC (cfr. art.º 897º, nº 2 do CPC), por ter influência no exame e decisão da causa.
13º (…) o meio próprio para a impugnar é o recurso (neste sentido, entre outros, Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 393),
- Pelo exposto, deverá ser declarada a nulidade do art.º 195º n.º 1, 2ª parte do Código de Processo Civil, bem como foi violado o disposto nos artigos 155º do Código Civil e 432º do Código de Processo Civil.
Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a decisão proferida, a qual deve ser substituída por outra em que sejam admitidos os meios de prova requeridos.
O MP respondeu a sustentar a decisão recorrida. tendo formulado as seguintes conclusões
Entende o MºPº, neste momento, não haver necessidade de rever a manutenção da medida de acompanhamento decretada porque essa revisão foi feita em 27-1-2025 e não foram comunicados quaisquer factos ou circunstâncias supervenientes que imponham nova revisão;
2- Deve por isso a decisão de 27-10-2025 ser mantida
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Nada obsta ao mérito.
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OBJECTO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões do recorrente a única a questão a decidir é a de saber se a decisão de revisão da medida decretada deveria ser obrigatoriamente precedida de diligências destinadas a esclarecer concretamente a atual situação do beneficiário nomeadamente (i) quanto à sua adaptação à instituição (ii) evolução médica da condição de que padece (iii) contactos familiares, ocorridos ao longo de todo o período de internamento, com identificação dos mesmos, bem como o laço de parentesco / afinidade ou grau de amizade em causa (iv) e bem assim da sua audição .
O MÉRITO DO RECURSO:
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se por reproduzida a factualidade supra.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
I
Da necessidade/ utilidade das diligências probatórias requeridas
I.1 Como é consabido, com a Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, foram revogados os institutos da interdição e inabilitação e, em sua substituição, foi introduzido o instituto do maior acompanhado.
A necessidade de alteração legislativa resultou de imperativos constitucionais e de obrigações internacionais do Estado Português após adesão à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque em 30 de Março de 2007 e ao respetivo Protocolo Adicional, diplomas com entrada em vigor na nossa ordem jurídica em 3 de Maio de 2008.
Tais diplomas consagram como princípios fundamentais, nomeadamente, que todas as pessoas com deficiência, sem exceção, têm capacidade jurídica, em condições de igualdade com as outras, em todos os aspetos da vida, que a pessoa com deficiência deve ser apoiada nas suas decisões relativas ao exercício da capacidade jurídica e tem o direito a participar ativamente em todas as decisões que lhe digam respeito a nível pessoal, familiar e económico.
Consagram o direito do cidadão a ser ouvido sobre todas as questões que sejam decididas, por qualquer autoridade, sobre a sua capacidade jurídica e que as medidas de apoio devem ser absolutamente necessárias, proporcionais e flexíveis de acordo com o critério das suas necessidades individuais. Neste sentido ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/12/2020, processo 5095/14.7CLRS.L1.S1, e acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/06/2020, processo 2669/19.3T8PDL-A.L1-7 e de 04/02/2020, processo 3974/17.9T8FNC.L1.7,ambos em www.dgsi.pt).
II
O processo especial para decretamento/revisão da medida de acompanhamento de maior, está regulado no artigo 891º e ss do Código de Processo Civil (diploma a que doravante pertencem todas as normas indicadas sem outra menção).
É um processo especial, urgente e de jurisdição voluntária regulado nos artigos 891º e ss, cabendo ao juiz os poderes de investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações que entenda por pertinentes para a boa decisão da causa, conforme, (artigo 986.º, n.º 2) e “adotar a solução que julgue mais conveniente e oportuna” (artigo 987º).
III
Quanto à concreta situação dos autos estabelece o art.º 155.º do CC, que o tribunal revê as medidas de acompanhamento em vigor de acordo com a periodicidade que constar da sentença e, no mínimo, de cinco em cinco anos.
Por sua vez, o art.º 904.º, n.º 3, prevê que ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes (…).
Isto posto e quanto à questão de saber se o tribunal deveria ter ordenado oficiosamente as diligências destinadas a apurar quanto ao maior acompanhado (i) quanto à sua adaptação à instituição (ii) evolução médica da condição de que padece (iii) contactos familiares, ocorridos ao longo de todo o período de internamento, com identificação dos mesmos, bem como o laço de parentesco / afinidade ou grau de amizade em causa, importa referir que tanto a aplicação de uma medida de acompanhamento como a sua revisão devem ser fundamentadas de facto e de direito, vejamos.
É certo que é ao tribunal que compete a decisão de determinar quais as diligências que oficiosamente deve ou não deve designar. Trata-se de um juízo de oportunidade e de conveniência, do juiz da causa (artigo 986/2), no entanto, para proferir a sentença de revisão da medida, no que toca à fundamentação de facto o tribunal averiguará se a sua imposição atento o momento da revisão da medida ainda é necessária, se ainda é adequada se ainda é proporcional, e se, se justifica, em face do concreto estado de saúde, deficiência e/ou comportamental que o maior apresenta e bem assim todas as demais circunstâncias relevantes para o caso.
Ora, na sentença sub iudice constata-se que o tribunal deu como assentes os factos constantes da anterior sentença que decretou a medida, reproduzindo-a; tendo-se limitado na fundamentação decisória fazer constar que: “No caso dos autos, não se registaram alterações na situação clínica do beneficiário, que determinaram o decretamento da medida de acompanhamento nos autos. O mesmo continua impossibilitado, por razões de saúde, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres”.
Por outro lado o único meio de prova trazido a este apenso de revisão da medida autos foi a declaração do acompanhante que juntou a declaração médica supra indicada.
Tendemos, por isso, a concordar com o recorrente quando sustenta que se trata de meio de prova que deve ser complementado/atualizado, nomeadamente com declarações mais exaustivas relativamente ao bem estar e inserção do acompanhado na instituição e designadamente outros apoios familiares e sociais de que porventura o acompanhado possa beneficiar.
Daí que se imponha, nesta sede de, pelo menos, proceder à audição do acompanhante, pois esta audição é indispensável para fundamentar/motivar a matéria de facto atualizada, sendo certo que em face da patologia de que sofre o acompanhado e sua irreversibilidade (cfra ponto 6 e 7 da sentença que decretou a medida) não se vislumbra qual a utilidade de diligenciar por melhores esclarecimentos médicos pois a declaração junta aos autos é clara no sentido de que não houve qualquer alteração.
IV
Da audição obrigatória do acompanhado.
Nesta sede exclusiva de omissão de audição obrigatória do acompanhado, nos presentes autos em que a parte teve conhecimento da omissão, apenas com a notificação da sentença, o meio adequado à remoção do vício seria o recurso da sentença com essa precisa causa, que constitui nulidade da sentença artigo 615º alínea d), donde que, não tendo havido recurso da sentença obviamente que se não poderia conhecer desta suscitada nulidade (cfra neste sentido, Alberto dos Reis, comentário ao código de processo civil II, pp 507 e, Paulo Faria e Nuno Lemos Jorgehttps://julgar.pt/wp-content/uploads/2024/09/As-outras-nulidades-da-senten%C3%A7a-c%C3%ADvel-1.pdf,
Todavia, atento que o destino dado ao recurso interposto da decisão que negou os meios de prova complementares afeta a sentença proferida com a consequente nulidade do julgamento, entende-se, enquanto tal que por via dessa afetação, não poderá sequentemente o tribunal deixar de conhecer também da questão colocada no recurso da obrigatoriedade de audição do acompanhado.
V
Nesta sede, não obstante, os largos poderes conferidos ao juiz no âmbito da jurisdição voluntária a jurisprudência tem vindo a entender de modo pacífico que no caso de aplicação da medida mas também da sua revisão é obrigatória a audição pessoal do maior acompanhado. Ver a este respeito o Acórdão deste Tribunal de 23-05-2024, processo 5920/23.1T9VNG.P1, no qual foi Relatora a aqui Exma Desembargadora 2ª Adjunta, consultável in dgsi, para cujos fundamentos se remete.
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.11.2022, proc. n.º 1354/20.8T8VFX-A.L1-7 in www.dgsi.pt e Impressivamente escreveu-se a este respeito e nesta mesma senda no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.03.2023 proferido no Processo 359/22.9T8MFR.L1-7, in www.dgsi.pt (…) A audição de beneficiário/a não pode nunca ser dispensada, servindo – como mínimo – para fazer a constatação direta pelo Tribunal (ou, se se preferir, a comprovação judicial) da situação de impossibilidade de comunicar/entender em que se encontra o/a beneficiário/a e, nesse caso, tal far-se-á constar em ata (…) A história que subjaz ao artigo 897.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (conjugado com o artigo 139.º, n.º 1, do Código Civil) e os termos que são utilizados, não deixam margem a dúvidas razoáveis, quanto ao objetivo do legislador, perfeitamente expresso (“audição pessoal e direta”, “Em qualquer caso” e “sempre”, colocadas na mesma frase e no mesmo artigo estão lá para dizer que o objetivo é de essa diligência nunca possa ser dispensada, ficando vedada ao Tribunal essa possibilidade): o legislador quer, exige, manda, sem exceções, que haja um contacto direto entre o juiz/a e o/a visado/a pela medida restritiva da sua capacidade civil que o processo de acompanhamento de menor visa aplicar-lhe. Sempre. Não constitui um ato inútil a constatação (que traduz a concretização do princípio da imediação) pelo/a Juiz/a de que a pessoa em causa está impossibilitada de estabelecer uma comunicação, de lhe responder e de corresponder às perguntas que lhe seriam formuladas). Esta constatação, este contacto direto, tem de estabelecer-se, porque essa é – no caso – a relevante função que cabe ao Tribunal na putativa defesa dos interesses de um/a cidadão/ã que está em vias de ser objeto de uma restrição aos seus direitos.
Neste mesmo entendimento num caso de revisão de medida de acompanhamento decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.12.2024 processo 5403/19.4T8SNT.1.L1-8, in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “Ora, do teor do nº 2 do art.º 897º do CPC, designadamente das expressões” Em qualquer caso” e “sempre”, resulta claramente que a audição pessoal do beneficiário é uma diligência imperativa a realizar no âmbito do processo de acompanhamento de maior.
Trata-se de uma exceção ao juízo de conveniência sobre as provas a produzir que vem previsto no nº1 do preceito. E, atenta a sua finalidade, que vem descrita no nº 1 do art.º 898º do CPC como sendo a de averiguar a situação do beneficiário, e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas, bem se compreende que se trate de diligencia obrigatória.
É que o contacto direto entre o beneficiário e o Juiz é basilar para a perceção da situação do beneficiário, pois ainda que este não responda às perguntas que o Juiz lhe formule, ou responda com limitações, o Juiz atesta presencialmente essa situação, a par com outras, como os gestos ou postura do beneficiário, permitindo-lhe uma efetiva e empírica leitura sobre a necessidade de aplicação de medida de acompanhamento. Esse contacto direto não pode, pois, ser substituído por outros meios de prova, designadamente relatórios médicos, cujo cariz é eminentemente técnico”.
(…)
Por outro lado, o resultado da anterior audição pessoal do beneficiário não pode ser invocado para se dispensar nova audição, desta feita em sede de revisão de medida, pois só esta nova audição permite percecionar a situação atual do beneficiário”.
(…)
V
Militamos nesta jurisprudência que entende “que o art.º 904 nº 3 do CPC, ao remeter para a tramitação prevista nos arts. 892º a 900º, impõe a obrigatoriedade de audição pessoal do beneficiário nos termos previstos no art.º 897 nº2 do CPC, não se podendo considerar que a expressão “com as necessárias adaptações e na medida do necessário” presente no nº 3 do referido art.º 904º seja apta a afastar uma diligencia que a lei trata como obrigatória”.
Sendo que a revisão da medida de acompanhamento não prescinde da obrigatória a audição do acompanhado nos termos referidos.
Conclui-se em tais termos expostos pela oportunidade e necessidade de diligência complementar de audição do acompanhante em ordem a apurar e a fundamentar factualmente a atual situação do beneficiário e bem assim da obrigatoriedade de audição pessoal do beneficiário nesta sede de revisão de medida, acolhendo-se pois o recurso com a consequente anulação da sentença proferida.
SEGUE DELIBERAÇÃO
PROVIDO O RECURSO. REVOGADO O DESPACHO RECORRIDO COM A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DA SENTENÇA PROFERIDA NOS AUTOS DETERMINANDO-SE QUE (SEM PREJUÍZO DE OUTRAS DILIGÊNCIAS QUE SE JULGUEM OPORTUNAS) SE PROCEDA À TOMADA DE DECLARAÇÕES AO ACOMPANHANTE NOMEADO AO BENEFICIÁRIO E À AUDIÇÃO DO ACOMPANHADO.
Sem custas (alínea h) e l do nº 2 do artigo 4 do RCP)

Porto, 10 de abril, de 2025
Isoleta de Almeida Costa
Isabel Peixoto Pereira
Isabel Ferreira