Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA JOANA GRÁCIO | ||
Descritores: | INCIDENTE DE RECUSA PRÁTICA DE ATOS PROCESSUAIS SEM A PRESENÇA DOS DEMAIS JUÍZES DO ARGUIDO DO DEFENSOR E DO MINISTÉRIO PÚBLICO NULIDADE INSANÁVEL PARCIALIDADE E FALTA DE ISENÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20250409172/17.5T9AMT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/09/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE O INCIDENTE DE RECUSA | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A recusa de juiz e o afastamento do princípio fundamental do juiz natural só em situações extraordinárias pode proceder. II - Se os autos apenas revelam que o juiz recusado em determinada diligência aligeirou o formalismo legal, tendo em vista perceber que prova podia ser adequada ao cabal esclarecimento da verdade material, apesar dessa conduta ser criticável, não revela motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. III - É no âmbito da impugnação das decisões que se esgrimem os argumentos sobre o correcto ou incorrecto julgamento realizado. IV - No final do julgamento, não se conformando com a decisão que venha a ser proferida, caso lhe seja desfavorável, o requerente tem a possibilidade de impugná-la, mostrando-se gravada a prova produzida por forma a que possa ser avaliada em instância de recurso a correcção da avaliação realizada pelo Tribunal a quo. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 172/17.5T9AMT-A.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Central Criminal de Penafiel – Juiz 2
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 172/17.5T9AMT, a correr termos Juízo Central Criminal de Penafiel, Juiz 2, o arguido AA veio, ao abrigo dos arts. 43.º e 44.º, n.º 1, do CPPenal, deduzir incidente de recusa contra o Juiz de Direito BB, a exercer funções de Juiz Presidente nos autos mencionados. Alega, para tanto e em síntese, que no dia 07-01-2025, data agendada para sessão de julgamento no âmbito do referido processo, foi chamado ao gabinete do requerido onde foi informado que a audiência de julgamento não se iria realizar naquele dia por motivo de doença da Exma. Colega que integrava o Tribunal Colectivo e que, por tal razão, estava ausente. Nesse acto estavam presentes, para além do requerente, os seus Advogados, subscritores do requerimento em apreço, uma Senhor Funcionária e a testemunha CC, já inquirida no decurso da audiência de julgamento. O Senhor Magistrado do Ministério Público não se encontrava presente. De seguida, prossegue o requerente, o requerido, dirigindo-se à testemunha presente, informou-a que iria ser inquirida de novo em face de novos documentos que o Tribunal havia solicitado à Unidade Local de Saúde ..., questionando-a sobre o local onde o Hospital arquivava tais documentos, bem como sobre o motivo pelo qual o Hospital apenas teria parte dos documentos e não a totalidade. Mais questionou a testemunha «sobre matéria factual que se prende com o objeto do processo crime: nomeadamente, o momento em que, no Hospital, tinha entrado em vigor o sistema ... para controlo de assiduidade dos funcionários, bem como quem inseria o horário do Arguido nesse mesmo sistema, entre o mais.» Alega ainda o requerente que «[d]epois de obter resposta às questões colocadas, o Exmo. Senhor Juiz Presidente informou, ainda, aquela testemunha de que tinha ordenado a inquirição de outras duas pessoas na qualidade de testemunhas, identificando-as perante a testemunha e perguntando-lhe se as conhecia (ao que a testemunha respondeu que sim) e sobre quais as funções das mesmas (ao que a testemunha também respondeu).» 20. De seguida, dirigindo-se aos defensores signatários e ao Arguido – mas mantendo-se a testemunha CC no gabinete –, o Exmo. Senhor Juiz Presidente questionou o Arguido sobre se tinha alterado a sua decisão quanto à proposta que aquele lhe havia feito antes do início da primeira sessão da audiência de julgamento, naquele mesmo gabinete: confessar integralmente e sem reservas todos os factos, com a respetiva atenuação da pena. 21. Face à (repetição da) resposta em sentido negativo – verbalizada pelo Defensor, em nome do Arguido –, o Exmo. Senhor Juiz Presidente afirmou (na presença da testemunha CC, reitera-se) ser entendimento do Tribunal que os factos descritos na acusação tinham sido praticados pelo Arguido. 22. Na verdade – acrescentou o Exmo. Senhor Juiz Presidente –, era intenção do Tribunal comunicar-lhe uma alteração substancial dos factos e/ou uma alteração da qualificação jurídica, mas que sempre culminaria na condenação do Arguido. 23. Tudo isto, sublinha-se, na presença da testemunha CC – que iria, ainda, ser inquirido pelo Tribunal – e, repete-se, na ausência do Senhor Magistrado do Ministério Público. 24. O Exmo. Senhor Juiz Presidente acrescentou, ademais, que se encontrava a “picar” dia por dia as entradas e saídas do Arguido, tendo encontrado incongruências, dando, inclusive, exemplos concretos – na presença da testemunha CC.» O requerente prossegue alegando ainda que nesse mesmo dia, após os mencionados intervenientes terem saído do gabinete do requerido, estiveram ali presentes as testemunhas DD e EE, a quem foram mostrados documentos e exposto o objecto do processo e das inquirições em julgamento, tendo nesse data sido proferido despacho pelo requerido onde referiu que «ao ser explicada às testemunhas DD e EE das razões que levaram a que, tão em cima da hora, fossem convocadas para prestar depoimento, deram conta que talvez fosse útil a reinquirição da testemunha FF, posto que o mesmo já se encontrava a trabalhar no Centro Hospitalar ..., E.P.E. antes da introdução generalizada do .... Pelo exposto e uma vez que a sua reinquirição se poderá revelar útil à descoberta da verdade e boa decisão, ao abrigo do disposto no artigo 340.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Penal, determina-se a reinquirição de FF, a qual deverá ser notificada para comparecer no tribunal na data e hora agendados para a continuação da audiência de julgamento.”» Concluiu o requerente que pelo requerido, Juiz Presidente no julgamento do processo, foram praticados actos processuais que careciam da presença dos restantes Juízes, do Arguido, do Defensor e do Ministério Público, o que consubstancia uma nulidade insanável. Mais concluiu que o requerido informou previamente as testemunhas do objecto da sua inquirição e manifestou à testemunha CC o seu entendimento quanto a alegadas incongruências nos horários e registos praticados pelo arguido e bem assim a sua pretensão de o condenar, revelações que retiram inevitavelmente a espontaneidade ao depoimento daquelas testemunhas, tudo em oposição ao disposto nos arts. 96.º e 138.º, n.º 2, do CPPenal. Considera, assim, que a conduta do requerido atenta contra os arts. 3.º e 5.º do Código de Conduta do Conselho Superior da Magistratura, aprovado na sessão do plenário de 23-06-2020, que consagram que o magistrado judicial, no exercício da sua função de julgar, deve atuar de forma imparcial e isenta, de modo a assegurar a igualdade das partes e demais intervenientes processuais, e ainda o art. 6.º - C dos Estatutos dos Magistrados Judiciais (Lei 21/85, de 30-07), segundo o qual recai sobre o magistrado judicial um dever de imparcialidade. Mais entende que o requerido «apresenta um evidente viés, ou mesmo preconceito, contra o aqui arguido, não se coibindo de verbalizar a sua intenção de condenar o arguido quando a prova não estava totalmente produzida» e que o mesmo «já fechou todas as possibilidades de valoração da prova que se venha eventualmente a produzir em juízo, bem como já deixou claro que desconsiderará qualquer defesa que o arguido venha a apresentar no processo». Não pode, em seu entender, «deixar de haver dúvidas (…) sobre a parcialidade do Exmo. Senhor Juiz Presidente, bem como sobre a falta de condições deste para prosseguir com a audiência de julgamento em curso e para julgar, de forma isenta e imparcial» o requerente. Requer, por isso, a procedência do incidente de recusa e que, em consequência, seja decretada a cessação da intervenção do Exmo. Senhor Juiz Presidente, nos termos dos arts. 43.º, n.ºs 1 e 3, e 46.º do CPPenal, devendo o mesmo ser afastado dos presentes autos e substituído. Apresentou prova documental e testemunhas.
O requerimento a que nos vimos referindo foi apresentado no Tribunal a quo, tendo o requerido, pronunciando-se sobre o mesmo, consignado a 21-02-2025, entre o mais, que «[a] audiência de discussão e julgamento teve a sua primeira sessão no dia 13 de junho de 2024, decorrendo ainda por várias sessões, a saber (cf. fls. 36 a 46 da certidão que se junta): – 9 de julho de 2024; – 25 de setembro de 2024; e – 9 de outubro de 2024, data em que foram proferidas alegações, sendo então designada data para a leitura do Acórdão o dia 6 de novembro; 6.º Como se pode ver das respetivas atas, crê o signatário que as mesmas decorreram sem incidentes; 9.º Após o dia 9 de outubro, data em que foram proferidas as alegações (…), resultou para o Tribunal Coletivo a possibilidade de a factualidade descrita no libelo acusatório não coincidir inteiramente com a que poderia extrair-se da análise de tais elementos probatórios; (…) 12.º Na sequência do descrito (…), no âmbito da análise dos elementos de prova constantes do processo, no dia 5 de novembro de 2024, segunda feira, véspera do dia agendado para a continuação do julgamento, pelas razões que aí se mostram explanadas e na sequência de deliberação do Tribunal Coletivo, foi proferido o despacho que se mostra a fls. 284 da certidão enviada, onde, em síntese, – se solicitam alguns elementos documentais, em falta no processo, à Unidade Local de Saúde ... (respeitantes a, apenas, alguns meses relativos à assiduidade do arguido); e – se agenda nova data para a continuação da audiência de julgamento (22 de novembro), o que se fez procurando, previamente, conciliar com a agenda do Ilustre patrono do Arguido; 13.º Na sequência do despacho aludido em 12.º, foram juntos os documentos cuja cópia se ora junta (cf. fls. 285 a 298 da certidão), assinados por “EE” e “DD”; 14.º Entendendo-se que a documentação remetida não correspondia ao solicitado, a 13 de novembro de 2024, reiterou-se pelo solicitado em 12.º (cf. fls. 299 da certidão); 15.º Em resposta ao solicitado em 14.º, a Unidade Local de Saúde ... remeteu, por correio eletrónico enviado por “EE”, a 18 de novembro último, a documentação que se mostra a fls. 300 a 315 da certidão remetida; (…) 17.º Ora, sendo, entretanto, juntos novos documentos (…) o Tribunal Coletivo, no confronto dos mesmos, entendeu que se tornavam necessárias novas diligências de prova, razão pela qual proferiu, a 6 de janeiro de 2024 (véspera da sessão agendada nos termos referidos em 16.º), o seguinte o despacho com a ref. 97359530: “1. Considerando os documentos juntos pela Unidade Local de Saúde ..., E.P.E. com a ref. 10070059 de 12.11.2024 (fls. 1359-1372) e com a ref. 10085853 de 18.11.2024 (fls. 1374 a 1388), atendendo a que os mesmos não satisfizeram o que foi solicitado àquela entidade, mas não descurando as explicações dadas na ref. 10085853 de 18.11.2024 (fls. 1374), na sequência de deliberação do Tribunal Coletivo nesse sentido, impõe-se, ao abrigo do disposto no artigo 340.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Penal e tendo em vista a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, proceder à inquirição de – DD, Diretora do Serviço de Gestão de Recursos Humanos (fls. 1360); – EE, Assistente Técnica do Serviço de Gestão de Recursos Humanos (fls. 1359); e – CC, já identificado no processo, o que se determina.” 2. Tendo em vista o acima determinado, determina-se que se proceda à notificação, por meio expedito, das pessoas acima indicadas para comparecer no tribunal no dia e hora já designados para a continuação da audiência de julgamento. 3. Informe o Ministério Público e o Arguido, este no ilustre patrono.” (…) 22.º Nesse dia 7, e só pela manhã, tomou-se conhecimento de que a continuação da audiência de julgamento agendada não poderia ter lugar, numa vez que a Exma. Senhora Juíza que integrava o Tribunal Coletivo se encontrava doente, razão pela qual importava, no entender do signatário: – dar uma explicação às pessoas que, na véspera e inesperadamente, haviam sido convocadas para comparecer no Tribunal, das razões para a sua súbita convocação e, além disso, da razão pela qual não haviam sido inquiridas; e – designar nova data, o que haveria de ser feito procurando conciliar a agenda com a do Patrono do Arguido; 23.º Desconhece o signatário se foi efetuada ou não a chamada a que se alude no artigo 239.º do Código de Processo Penal, sendo certo que foi informado que apenas se encontravam presentes o arguido, a sua equipa de defensores e a testemunha CC — pessoas que o signatário reconheceu — estando a faltar as convocadas DD e EE; 24.º Em face do descrito em 22.º e 23.º, num gesto que o signatário pretendeu que fosse de mera cortesia e acompanhada de uma Senhora Oficial de Justiça — a Exma. Senhora GG — pediu àquelas pessoas que o acompanhassem ao gabinete; 25.º Refira-se que o signatário não sentiu necessidade de chamar o Senhor Magistrado do Ministério Público porquanto se tratava apenas de reagendar a continuação do julgamento e tal seria, necessariamente, feito em data disponível na agenda do signatário que, salvo imprevistos excecionais, coincide com a do signatário, uma vez que lhe cabe assegurar os julgamentos referentes ao Juiz 2 do Juízo Central Criminal de Penafiel (cf. fls. 2 da Ordem de Serviço da Senhora Coordenadora do Ministério Público da Comarca de Porto Este n.º 14/2015, datado de 3 de setembro de 2015). 26.º Relativamente ao que se passou no gabinete do signatário (…): a) É falso que, em algum momento, o signatário tivesse afirmado que o processo culminaria com a condenação do arguido; b) É falso que, em algum momento, tivesse feito alguma “proposta” de o mesmo confessar integralmente e sem reservas, em troca da “respetiva atenuação da pena”; c) O signatário limitou-se a questionar o Patrono do arguido se este, arguido, iria manter a posição processual até aí mantida (não prestar declarações), não obstante a prova, entretanto, já produzida, tendo obtido do patrono a resposta de que seria sua intenção manter aquela sua posição; e d) É falso que tenha afirmado ser intenção do Tribunal comunicar ao arguido qualquer alteração substancial dos factos, reconhecendo, na sequência do que se referiu em 10.º, existir a possibilidade de proceder-se à comunicação que alude o artigo 358.º do Código de Processo Penal; e e) Em nenhum momento qualquer das pessoas presentes, maxime o Arguido ou qualquer dos 3 ilustres Advogados [e que subscrevem o Requerimento de Recusa] que compunham a equipa de defesa do arguido, manifestou, por gestos ou palavras, qualquer discordância, desconforto ou protesto para com o que, nesse momento e na sua presença, o signatário havia dito ou feito; f) Aliás, da leitura do Requerimento de Recusa apresentado, não vê o signatário que o Arguido ou qualquer dos 3 ilustres Advogados que subscrevem tal requerimento — os mesmos que estiveram presentes no gabinete do signatário — tenham, nesse momento (isto é, ainda no interior do gabinete do signatário) manifestado qualquer tipo de discordância, desconforto ou protesto relativamente a qualquer palavra, gesto ou atitude que o aqui signatário tenha dito ou tomado. 28.º Quanto à segunda questão — ter o signatário exposto às testemunhas, sem a presença dos demais sujeitos processuais, “não só aquele que era o objeto do processo, como informou especificamente sobre os factos que compõem o objeto das respetivas inquirições”, “eventualmente exposto a atual convicção do Tribunal sobre tais factos — cabe referir o seguinte: a) No próprio dia 7 de janeiro, foi proferido o seguinte despacho (ref. 97382022, que consta de fls. 324 da certidão ora junta): “1. Uma vez que a Senhora Juíza que integra o Tribunal Coletivo se encontra doente — o que apenas no dia de hoje, pela manhã, comunicou — não resta outra alternativa que não seja designar outra data para a continuação da audiência de julgamento. Pelo exposto, para continuação da audiência de julgamento, designa-se o próximo dia 5 de fevereiro, pelas 9.30 horas, neste Tribunal. 2. Consigna-se o seguinte: – os motivos do adiamento foram comunicados pelo signatário a todos dos intervenientes processuais que, para o efeito foram conduzidos ao meu gabinete de trabalho, num primeiro momento o arguido, a sua equipa de defensores e a testemunha CC e, após a saída destes, das testemunhas DD e EE; – a data e hora acima indicadas obtiveram a anuência do ilustre patrono do arguido; 3. Mais se consigna que, ao ser explicada às testemunhas DD e EE das razões que levaram a que, tão em cima da hora, fossem convocadas para prestar depoimento, deram conta que talvez fosse útil a reinquirição da testemunha FF, posto que o mesmo já se encontrava a trabalhar no Centro Hospitalar ..., E.P.E. antes da introdução generalizada do .... Pelo exposto e uma vez que a sua reinquirição se poderá revelar útil à descoberta da verdade e boa decisão, ao abrigo do disposto no artigo 340.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Penal, determina-se a reinquirição de FF, a qual deverá ser notificada para comparecer no tribunal na data e hora agendados para a continuação da audiência de julgamento.” b) E efetivamente, como deixou expressamente consignado o signatário no despacho, as testemunhas DD e EE foram, escassos minutos após a saída das demais pessoas, conduzidas ao gabinete do signatário pela Senhora Oficial de Justiça GG — que permaneceu no gabinete com as mesmas — e aí lhes foram explicadas as razões da sua convocação e da sua não inquirição, justamente para que não pensassem que estavam perante um puro capricho arbitrário por parte do Tribunal; c) Relembre-se que, como se referiu em 13.º e 15.º, aquelas testemunhas surgiam a subscrever documentação que foi junta ao processo depois das alegações; (…) O requerido informou ainda que «no passado dia 23 de janeiro de 2025, isto é, passados mais de 15 dias após o ocorrido no gabinete do signatário (a 7 de janeiro), subscrito pelos Ilustres Advogados que ali estiveram presentes, o Arguido apresentou um requerimento em que, reproduzindo boa parte do que neste Requerimento de Recusa alega, considerou que “devem os despachos com as referências citius 97382022 (na parte respeitante ao segundo parágrafo do ponto 3) (…) e 97359530 (…) ser revogados e, consequentemente, devem ser dadas sem efeito as notificações das testemunhas CC, DD, EE e FF, o que mais se requer” (…). 32.º O referido requerimento mereceu, por parte do Tribunal Coletivo, o seguinte despacho, proferido na audiência de julgamento que decorreu no dia 5 de fevereiro de 2025 (…): “Ref.ª 10260799 de 23.1.2025 – fls. 1407 a 1413: A inquirição das testemunhas indicadas na ref. 97359530 de 7.1.2025 resulta, tal como se intui do despacho ali referido, exclusivamente de as mesmas poderem aportar elementos úteis à descoberta da verdade e boa decisão da causa, designadamente por força da documentação junta a fls. 1359 a 1372 e fls. 1374 a 1389 e cuja valoração, oportunamente, o Tribunal Coletivo fará. Pelo exposto, mantendo-se esse interesse, determina o Tribunal Coletivo, nos termos do disposto no artigo 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a inquirição das aludidas testemunhas indeferindo-se assim o requerido pelo arguido; 33.º Ainda nessa sessão da audiência de julgamento, tal como consta da respetiva ata, o arguido manifestou o propósito de prestar declarações, solicitando nova data para tal efeito, o que lhe foi permitido, designando-se o dia 24 de fevereiro, pelas 14.00 horas, para a continuação da audiência de julgamento (cf. a ata da audiência de julgamento que se mostra a fls. 333 a 334 da certidão que se junta). 34.º Até à presente data, não foi interposto recurso do despacho aludido em 31.º; Finaliza manifestando o entendimento de que, «em momento algum, designadamente no dia 7 de janeiro de 2025, foi parcial ou adotou qualquer comportamento, processual ou extraprocessual, que, de algum modo, justifique que o Arguido e aqui Requerente, mais de um mês depois, isto é, 18 de fevereiro, venha suscitar o presente incidente de recusa ou que nele gerasse, ou na comunidade, a suspeita de não atuar ou poder não atuar na tramitação deste processo com imparcialidade.» Apresentou prova documental e uma testemunha. * Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação do Porto para que, nos termos do art. 45.º do CPPenal, fosse proferida decisão. * Com vista no processo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação do Porto entendeu que «[a] intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade” (artigo 43º n.º 1 do CPP). Entende o M. Público que o ocorrido no dia 7/1/2025 foi um mero ato de cortesia, não sendo necessária a presença do M. Público. Como se realça no Ac. da Relação de Guimarães de 16.03.2009 (citado no Ac. da Relação do Porto de 12/10/2016, proc. 380/12.5PASTS.P2, www.dgsi.pt), “As meras discordâncias jurídicas com os atos processuais praticados ou com a sua ortodoxia, a não se revelar presciente, através deles, ofensa premeditada das garantias de imparcialidade, só por via de recurso podem e devem ser manifestadas e não através de petição de recusa.”. As alegações do arguido são puramente subjetivas e não têm relevo por forma a conferir aptidão para gerar num cidadão médio desconfiança sobre a imparcialidade do Mº Juiz. A lei prevê mecanismos processuais para impugnar as decisões judiciais com as quais se não concorde, não sendo estas, objetivamente, motivo suficiente para fundamentar o pedido de recusa, senão, estaria aberto o caminho para, ao mínimo pretexto, contornar o princípio do juiz natural constitucionalmente consagrado (art. 32º, nº, 9 da Constituição).» * Foi produzida prova e foram colhidos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do pedido. Apreciando. O art. 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa estabelece como uma das garantias do processo penal o princípio do juiz natural, consagrando o direito fundamental ao julgamento de qualquer causa por tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior. Tal direito pode, excepcionalmente, ser derrogado quando a própria imparcialidade do juiz, assegurada pelo n.º 1 do mesmo preceito, possa ser posta em causa. Neste sentido, exige o art. 43.º do CPPenal que a recusa de um juiz tenha por fundamento motivo, sério e grave, adequado a gerar a desconfiança sobre a sua imparcialidade.
Conforme se descreve no Acórdão da Relação de Évora de 16-05-2017[1], que aqui se reproduz dada a clareza da exposição, a imparcialidade pode assumir duas diferentes dimensões. «No plano subjectivo, a imparcialidade tem a ver com a posição pessoal do juiz, o que ele pensa no seu foro íntimo perante um determinado acontecimento da vida real e se internamente tem algum motivo para o favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro, impondo-se, em regra, a demonstração da predisposição do julgador para favorecer ou desfavorecer um interessado na decisão e, por isso, presumindo-se a imparcialidade até prova em contrário (Ireneu Cabral Barreto, in “CEDH Anotada”, Coimbra Editora, 2005, pág. 155). Porém, para se afirmar a ausência de qualquer preconceito em relação ao thema decidendum ou às pessoas afectadas pela decisão, não basta a visão subjectiva, sendo imprescindível uma apreciação objectiva, alicerçada em garantias bastantes de a intervenção do juiz não gerar qualquer dúvida legítima, como tem sido realçado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Na perspectiva objectiva - em que são relevantes as aparências, que podem afectar, não rigorosamente a boa justiça, mas a compreensão externa sobre a garantia da boa justiça, que o seja mas também pareça ser, numa fenomenologia de valoração entre o “ser” e o “dever ser” -, transparecem sobretudo considerações formais (orgânicas e funcionais), ligadas ao desempenho processual pelo juiz de funções ou de prática de actos próprios da competência de outro órgão, mas devendo ser igualmente consideradas outras posições relativas que possam, por si mesmas e independentemente do plano subjectivo do foro interior do juiz, fazer suscitar dúvidas, receio ou apreensão, razoavelmente fundadas pelo lado relevante dessas aparências, sobre a imparcialidade do juiz. A construção conceptual da imparcialidade objectiva está em concordância com a concepção moderna da função de julgar e com o reforço, nas sociedades democráticas de direito, da legitimidade interna e externa do juiz, conforme se expendeu no acórdão do STJ de 13.04.2005, no proc. n.º 05P1138 (in www.dgsi.pt). Em qualquer das dimensões (subjectiva ou objectiva), o que está em causa é sempre a preservação da confiança que os tribunais devem oferecer. O motivo sério e grave a que alude o referido art. 43.º, n.º 1, como fundamento para a escusa, há-de ser, pois, aquele adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, pelo que haverá de resultar da valoração objectiva das concretas circunstâncias invocadas, a partir do senso e da experiência do homem médio pressuposto pelo direito.»
No caso em apreço, as razões que o arguido requerente apresenta para fundamentar o incidente de recusa do Senhor Juiz de Direito, aqui requerido, prendem-se com a imparcialidade objectiva do visado, cuja conduta no dia 07-01-2025 critica, já que contrária às boas práticas da função, concretamente às previstas nos arts. 96.º(oralidade dos actos) e 138.º, n.º 2, (regras da inquirição) ambos do CPPenal, nos arts. 3.º e 5.º do Código de Conduta do Conselho Superior da Magistratura, aprovado na sessão do plenário de 23-06-2020, que consagram que o magistrado judicial, no exercício da sua função de julgar, deve atuar de forma imparcial e isenta, de modo a assegurar a igualdade das partes e demais intervenientes processuais, e ainda no art. 6.º - C dos Estatutos dos Magistrados Judiciais (Lei 21/85, de 30-07), segundo o qual recai sobre o magistrado judicial um dever de imparcialidade. Contudo, na parte final do seu requerimento procura realçar a imparcialidade subjectiva da conduta do requerido, imputando-lhe «um evidente viés, ou mesmo preconceito, contra o aqui arguido, não se coibindo de verbalizar a sua intenção de condenar o arguido, quando a prova não se encontra totalmente produzida.» Independentemente das condutas apuradas, que adiante analisaremos, importa esclarecer que nada do que vem alegado quanto ao comportamento do requerido integra a vertente subjectiva da imparcialidade, que aparentemente o requerente procura salientar no final do seu requerimento. Com efeito, a imparcialidade subjectiva, mais do que uma criticável conduta processual, em termos profissionais e deontológicos, revela uma atitude íntima, pessoal, do requerido perante a situação que lhe cabe apreciar e que tem a ver com as mais profundas convicções sobre a vida, a organização em sociedade, os relacionamentos humanos e o seu olhar sobre o outro, que, à partida, ou seja, mesmo antes do julgamento começar, poderá condicionar a sua visão dos factos e a solução sobre o desfecho do processo, afastando de forma inequívoca os critérios da lei. Estabelecidos estes critérios delimitadores, facilmente percebemos que os factos alegados pelo requerente e trazidos à apreciação deste Tribunal de 2.ª Instância para pôr em causa a imparcialidade do requerido respeitam unicamente à sua vertente objectiva, decorrente do comportamento processual do visado. Feita esta delimitação, vejamos, com base nos documentos juntos aos autos, na prova testemunhal produzida e até da consulta citius do processo original, a factualidade e as incidências processuais apuradas com relevo para a decisão do presente incidente: - O requerido, Juiz de Direito, BB, é o titular do Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, n.º 172/17.5T9AMT, que lhe foi distribuído, exercendo, por isso, as funções de Juiz Presidente na audiência de julgamento; - O requerente é arguido nesse processo, onde foi acusado da prática, em concurso efetivo e na forma continuada, de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art. 382.º do CPenal, por referência ao art. 386.º, n.º 1, als. a) e g), do mesmo diploma legal, e de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 5, da Lei do Cibercrime, imputação que foi mantida em sede de decisão instrutória; - A audiência de julgamento teve início no dia 13-06-2024, tendo o arguido declarado não pretender prestar declarações, sendo ainda realizadas sessões nos dias 09-07-2024, 25-09-2024 e 09-10-2024, data em que foram proferidas as alegações e designado dia para a leitura do acórdão (06-11-2024); - No dia 05-11-2024 foi proferido o seguinte despacho assinado pelo requerido: «1. Quando o Tribunal se preparava para acertar algumas matérias ainda em sede de deliberação, para subsequente elaboração do Acórdão, verificamos que não constam do processo alguns elementos documentais que, à primeira vista, se mostram necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. Por outro lado, de acordo com informação documental constante do processo — cf. o teor de fls. 1263 — o registo de assiduidade do arguido era efetuado, até 30 de setembro de 2016, por folha de ponto em papel, passando a ser, depois, realizado através do sistema .... Assim, considerando o disposto no artigo 340.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Penal e na sequência de deliberação do Tribunal Coletivo nesse sentido, a) Solicite à Unidade Local de Saúde ... – Hospital ... que, com urgência, remeta cópia certificada das folhas de ponto da assiduidade assinadas por AA, médico que aí exerce funções no serviço de imagiologia, respeitantes aos seguintes meses: – abril de 2012; – setembro de 2013; – julho de 2014; e – desde dezembro de 2014 a 30 de setembro de 2016; b) Solicite ainda à Unidade Local de Saúde ... – Hospital ... que, com urgência, remeta cópia certificada da “folha de assiduidade” retirada do sistema ... de AA, médico que aí exerce funções no serviço de imagiologia, respeitante ao mês de dezembro de 2017. Remeta cópia de fls. 1263. 2. Na decorrência da decisão acima referida, claro se torna que não será possível continuar a audiência de julgamento no dia de amanhã, que assim, se dá sem efeito e, para continuação da audiência de julgamento, designa-se o próximo dia 22 de novembro, pelas 14.00 horas, neste Tribunal. Consigna-se que a data acima indicada foi previamente consensualizada com a ilustre Patrona do arguido a qual ainda se comprometeu a comunicar ao arguido a alteração da data.» - No dia 13-11-2024 foi proferido o seguinte despacho assinado pelo requerido: «Ref. 10070059 de 12.11.2024 (fls. 1359-1372): As informações remetidas não satisfazem o solicitado. Com efeito, foi solicitado o seguinte: a) Solicite à Unidade Local de Saúde ... – Hospital ... que, com urgência, remeta cópia certificada das folhas de ponto da assiduidade assinadas por AA, médico que aí exerce funções no serviço de imagiologia, respeitantes aos seguintes meses: – abril de 2012; – setembro de 2013; – julho de 2014; e – desde dezembro de 2014 a 30 de setembro de 2016; b) Solicite ainda à Unidade Local de Saúde ... – Hospital ... que, com urgência, remeta cópia certificada da “folha de assiduidade” retirada do sistema ... de AA, médico que aí exerce funções no serviço de imagiologia, respeitante ao mês de dezembro de 2017.” Ora, nada do que foi solicitado foi remetido ao processo. Assim sendo, renovando-se o despacho com a ref. 96812783 de 5.11.2024 — ponto 1 (fls. 1357), a) Solicite à Unidade Local de Saúde ... – Hospital ... que, com urgência, remeta cópia certificada das folhas de ponto da assiduidade assinadas por AA, médico que aí exerce funções no serviço de imagiologia, respeitantes aos seguintes meses: – abril de 2012; – setembro de 2013; – julho de 2014; e – desde dezembro de 2014 a 30 de setembro de 2016; b) Solicite ainda à Unidade Local de Saúde ... – Hospital ... que, com urgência, remeta cópia certificada da “folha de assiduidade” retirada do sistema ... de AA, médico que aí exerce funções no serviço de imagiologia, respeitante ao mês de dezembro de 2017. Remeta cópia de fls. 303 (a título de exemplo do solicitado em a)) e cópia de fls. 302 (a título de exemplo do solicitado em b)). Remeta, tal como já se havia feito anteriormente, cópia do presente despacho.» - Na sessão de audiência de julgamento do dia 22-11-2024 não foi produzida prova, pois foi proferido o seguinte despacho pelo Senhor Juiz Presidente: «Atendendo a que ainda decorre o prazo para análise dos documentos juntos, designa-se para continuação da audiência de julgamento, o próximo dia 13 de dezembro, pelas 13.45 horas, concedendo-se 5 (cinco) dias para a defesa requerer o que por bem achar quanto aos documentos ora juntos.» - Essa data veio a ser adiada por impossibilidade do Ministério Público e posteriormente por indisponibilidade da Ilustre Advogada do arguido para uma segunda data entretanto agendada, sendo por fim consensualizado o dia 07-01-2025, pelas 09h30, para continuação da audiência de julgamento; - No dia 06-01-2025 foi proferido o seguinte despacho assinado pelo requerido: «1. Considerando os documentos juntos pela Unidade Local de Saúde ..., E.P.E. com a ref. 10070059 de 12.11.2024 (fls. 1359-1372) e com a ref. 10085853 de 18.11.2024 (fls. 1374 a 1388), atendendo a que os mesmos não satisfizeram o que foi solicitado àquela entidade, mas não descurando as explicações dadas na ref. 10085853 de 18.11.2024 (fls. 1374), na sequência de deliberação do Tribunal Coletivo nesse sentido, impõe-se, ao abrigo do disposto no artigo 340.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Penal e tendo em vista a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, proceder à inquirição de – DD, Diretora do Serviço de Gestão de Recursos Humanos (fls. 1360); – EE, Assistente Técnica do Serviço de Gestão de Recursos Humanos (fls. 1359); e – CC, já identificado no processo, o que se determina. 2. Tendo em vista o acima determinado, determina-se que se proceda à notificação, por meio expedito, das pessoas acima indicadas para comparecer no tribunal no dia e hora já designados para a continuação da audiência de julgamento. 3. Informe o Ministério Público e o Arguido, este no ilustre patrono.» - No dia 07-01-2025, pelas 09h30, não se encontrava presente, por motivo de doença, uma Senhora Juiz-Adjunta, impondo-se o adiamento da sessão de julgamento para aquela data agendada, diligência que o requerido resolveu levar a cabo no seu gabinete, ao mesmo se deslocando quem se encontra presente no Tribunal àquela hora, a saber, o arguido e os seus três Ilustres Advogados e a testemunha CC (já inquirido na sessão de 13-06-2024), que foram conduzidos pela Senhora Funcionária GG, Escrivã Adjunta; - No seu gabinete, onde estavam presentes todos os identificados no ponto anterior, incluindo a Senhora Funcionária, e na ausência do Ministério Público, o requerido explicou o motivo do adiamento e indicou a nova data para continuação da audiência de julgamento; - No mesmo acto, o requerido informou os Senhores Advogados que o Colectivo de Juízes havia estado a picar os documentos e que encontrou algumas discrepâncias, questionando-os se o arguido ia manter a posição que assumiu no início do processo, tendo sido respondido que sim; - Após saírem, e porque, entretanto, chegaram ao Tribunal as testemunhas DD e EE, as mesmas formam também conduzidas ao gabinete do Senhor Juiz para lhes ser comunicado o adiamento, aí se encontrando e permanecendo a Senhora Funcionária que as acompanhou. - O requerido comunicou então às referidas testemunhas a razão do adiamento e a nova data para continuação da audiência de julgamento e depois questionou-as sobre se o nome que estava em documentos dos autos era o delas e sobre há quanto tempo trabalhavam no Hospital e qual a sua função, mostrando dois documentos respeitantes ao controlo de assiduidade, um de acordo com um sistema mais antigo e outro respeitante ao sistema actual, designado ..., perguntando-lhes o que queria dizer uma sigla inscrita neste último documento, - O requerido foi informado pelas testemunhas que havia um manual do sistema ..., que podiam levar para o Tribunal quando fosse realizada a sua inquirição, e que as pessoas mais habilitadas a falar sobre o controlo de assiduidade e o sistema implementado seriam CC e FF, após o que as testemunhas se retiraram; - Ainda nesse dia 07-01-2025 o requerido proferiu o seguinte despacho: «1. Uma vez que a Senhora Juíza que integra o Tribunal Coletivo se encontra doente – o que apenas no dia de hoje, pela manhã, comunicou – não resta outra alternativa que não seja designar outra data para a continuação da audiência de julgamento. Pelo exposto, para continuação da audiência de julgamento, designa-se o próximo dia 5 de fevereiro, pelas 9.30 horas, neste Tribunal. 2. Consigna-se o seguinte: – os motivos do adiamento foram comunicados pelo signatário a todos dos intervenientes processuais que, para o efeito foram conduzidos ao meu gabinete de trabalho, num primeiro momento o arguido, a sua equipa de defensores e a testemunha CC e, após a saída destes, das testemunhas DD e EE; – a data e hora acima indicadas obtiveram a anuência do ilustre patrono do arguido; 3. Mais se consigna que, ao ser explicada às testemunhas DD e EE das razões que levaram a que, tão em cima da hora, fossem convocadas para prestar depoimento, deram conta que talvez fosse útil a reinquirição da testemunha FF, posto que o mesmo já se encontrava a trabalhar no Centro Hospitalar ..., E.P.E. antes da introdução generalizada do .... Pelo exposto e uma vez que a sua reinquirição se poderá revelar útil à descoberta da verdade e boa decisão, ao abrigo do disposto no artigo 340.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Penal, determina-se a reinquirição de FF, a qual deverá ser notificada para comparecer no tribunal na data e hora agendados para a continuação da audiência de julgamento.» - O requerente, por requerimento entrado em juízo no dia 23-01-2025 e de conteúdo idêntico ao que aqui se aprecia, solicitou que «os despachos com as referências citius 97382022[2] (na parte respeitante ao segundo parágrafo do ponto 3) e 97359530[3] (…) [fossem] revogados e, consequentemente, (…) [que fossem] dadas sem efeito as notificações das testemunhas CC, DD, EE e FF », por considerar que «a conduta do Exmo. Senhor Juiz Presidente prejudicou a espontaneidade das testemunhas acima identificadas e condicionou-as, pelo que a respetiva inquirição pode impactar de forma séria o decurso do julgamento e a produção da prova em falta» e que tal prova «sempre será impossível de valorar por violação das normas prescritas para a produção de depoimentos em processo penal». - Tal pretensão foi indeferida por despacho proferido em acta da sessão de julgamento realizada a 05-02-2025, em que foram ouvidas as testemunhas DD, EE e FF; - Na acta dessa mesma sessão de julgamento de 05-02-2025, após audição das testemunhas referidas, mostra-se consignado o seguinte: «De seguida, a requerimento dos mesmos, a audiência foi suspensa por alguns minutos para os ilustres patronos poderem conferenciar com o arguido. Reiniciados os trabalhos, o ilustre patrono do arguido requereu que fosse agendada nova data para o arguido prestar declarações com base no artigo 343.º, n.º 3, do Código de Processo Penal», pretensão que foi deferida pelo Colectivo de Juízes, ficando designado para o efeito o dia 24-02-2025; - O requerimento de recusa que se aprecia deu entrada a 18-02-2025, tendo o requerido, por despacho de 19-02-2025, dado sem efeito a diligência agendada para o dia 24-02-2025.
Perante estes factos e a tramitação processual que foi possível apurar, duas ilações podem ser de imediato enunciadas. Primeiro, não se demonstrou na sua globalidade a factualidade invocada pelo requerente. Segundo, o requerente, para além do afastamento do Senhor Juiz Presidente que vem conduzindo a audiência de julgamento, pretende que alguma prova não seja ponderada, procurando quer impedir a sua produção (requerimento de 23-01-2023), quer pôr em causa a sua validade (através do requerimento em apreço). Ora, este último desiderato é processualmente inadmissível, competindo sempre ao Tribunal de julgamento, com ou sem deferimento do incidente de recusa, avaliar a prova produzida e a imparcialidade ou comprometimento das testemunhas. O princípio do juiz natural procura, de forma semelhante, salvaguardar quem, aleatoriamente foi seleccionado para julgar determinado processo, protegendo também a garantia de imparcialidade dos Tribunais de interferências externas. Nesse sentido, como bem se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-03-2025 que apreciou o pedido de escusa apresentado pela Exma. Colega a quem foi em primeira linha distribuído o presente incidente de recusa, «o «juiz natural» só deve ser afastado quando a garantia da sua imparcialidade e isenção o impuser, isto é, quando se verifiquem circunstâncias assertivas e claramente definidas, sérias e graves, reveladoras de que o juiz aleatoriamente pré-definido como competente para determinada causa deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção.»[4] Nesse mesmo aresto, citando um outro acórdão desse mesmo Alto Tribunal, de 13-04-2005[5], aprofunda-se o sentido da imparcialidade objectiva – vertente da questão que, como já vimos, é a que está em causa na presente decisão –, afirmando-se que «[a] imparcialidade objetiva apresenta-se, assim, como um conceito que tem sido construído muito sobre as aparências, numa fenomenologia de valoração com alguma simetria entre o "ser" e o "parecer". Por isso, para prevenir a extensão da exigência de imparcialidade objetiva, que poderia ser devastadora, e para não cair na "tirania das aparências" (cfr., Paul Martens, "La tyrannie des apparences", "Revue Trimestrielle des Droits de L´Homme", 1996, pag. 640), ou numa tese maximalista da imparcialidade, impõe-se que o fundamento ou motivos invocados sejam em cada caso, apreciados nas suas próprias circunstâncias, e tendo em conta os valores em equação - a garantia externa de uma boa justiça, que seja mas também pareça ser.» Impõe-se, assim, perceber se a intervenção do Senhor Juiz recusado ao longo do processo e tendo em atenção a factualidade e incidências apuradas corre o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. E a resposta, desde já adiantamos, é negativa. Os factos apurados revelam que o Senhor Juiz recusado procurou ao longo do processo alcançar a verdade dos factos, evidenciando da sua conduta que actuou em prol da descoberta da verdade e não com qualquer outro propósito. Veja-se que numa fase inicial chegou a estar marcada a leitura do acórdão, mas o Tribunal a quo entendeu que precisava de produzir mais prova, revelando não ser leviano nas decisões que tem de tomar, antes preocupado com a descoberta da verdade, como lhe compete. A conduta do Senhor Juiz recusado no dia 07-01-2025 pode ser criticável, já que, não estando na sala de audiência, nem na presença dos demais Juízes-Adjuntos que consigo compunham o Tribunal Colectivo, nem do Ministério Público, devia ter-se limitado ao adiamento da diligência (onde de qualquer forma devia estar o Ministério Público). Não foi isso que fez, é verdade, mas os factos e incidências acima descritos revelam que no dia 07-01-2025, no seu gabinete, o requerido procurou agilizar a produção de prova que ainda tinha de realizar em futura sessão de audiência de julgamento para cabal descoberta da verdade, procurando perceber junto das testemunhas presentes no seu gabinete que outros elementos probatórios seriam adequados à descoberta da verdade e junto do arguido se este iria ou não contribuir para esse fim. Não o devia ter feito, antes devendo ter aguardado pela sessão de audiência de julgamento que nessa data designou para então, e na presença de todos os intervenientes, saber junto das testemunhas CC, DD e EE que outros elementos de prova, documental ou testemunhal, poderiam ajudar o Colectivo de Juízes na descoberta da verdade, e se o arguido, que até agora usou do seu legítimo direito ao silêncio, pretendia prestar algum esclarecimento. Essa conduta revela apenas e tão-somente que o requerido foi precipitado, mas não que o seu desempenho como juiz foi parcial, designadamente em desfavor do arguido. E o contexto em que vivemos, com a crescente pressão sobre as pendências e a realização de uma Justiça célere, potencia seguramente condutas deste este género, que, não obstante, devem ser evitadas. Por outro lado, o facto de pelo requerido ser comunicado que foram encontradas incongruências na documentação compulsada não encerra em si qualquer juízo de parcialidade relativamente à resolução do caso. É uma mera constatação, para cuja dilucidação o arguido poderá ou não querer contribuir. Repare-se, ainda, que, como bem refere o requerente na sua exposição, citando acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa «o processo de decisão do juiz não se inicia apenas depois de terminadas as alegações orais, pois, inevitavelmente, ele vai analisando e confrontando os diversos depoimentos e fazendo juízos sobre a credibilidade de cada um deles, mas o importante é que, até ao final das alegações, não feche o espírito à possibilidade de valorar todas as contribuições para a prova, quer confirmem ou infirmem os juízos que foi fazendo», sendo que «as regras da boa prudência aconselham que o juiz a não revele os seus juízos». No caso em apreço, o Tribunal a quo já tinha seguramente alguma ideia sobre os factos sob julgamento, pois até chegou a estar agendada data para leitura do acórdão. Ao perceber que a prova até então produzida era insuficiente para uma solução definitiva, o Tribunal Colectivo tinha plena noção do que ainda faltava esclarecer, mas isso nada tem a ver com falta de imparcialidade: o tribunal tem obrigação de esclarecer até onde lhe for possível em termos probatórios a verdade do caso concreto. Nada do que foi dito ou feito pelo Senhor Juiz requerido – não obstante, saliente-se, seja criticável algum aligeiramento e informalidade que introduziu no rigor processual que devia ter prosseguido no dia 07-01-2025 ao realizar o adiamento da sessão para essa data agendada – pode correr o risco de ser considerado suspeito, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. A imagem exterior da sua conduta conduz ao reconhecimento público da sua imparcialidade como juiz. Não basta o convencimento subjectivo por parte do requerido quanto à falta de imparcialidade do Juiz para que se tenha por boa a suspeição imputada. E se o aligeiramento dos formalismos legais verificado no dia 07-01-2025, no gabinete do requerido, é criticável, não se pode, em contraposição, deixar de louvar o desempenho do Colectivo de Juízes em procurar o cabal esclarecimento dos factos e a verdade do caso concreto através da produção suplementar de prova, como é sua obrigação, o que revela, contrariamente ao invocado pelo requerente, que o Tribunal do julgamento, que é integrado pelo requerido, não tem qualquer pré-juízo ou preconceito formado contra o arguido e que a sua actuação é no caso concreto imparcial, sendo essa também a imagem que externamente perpassa. No final do julgamento, não se conformando com a decisão que venha a ser proferida, caso lhe seja desfavorável, o aqui requerente tem a possibilidade de impugná-la, mostrando-se gravada a prova produzida por forma a que possa ser avaliada em instância de recurso a correcção da avaliação realizada pelo Tribunal a quo. É no âmbito da impugnação das decisões que se esgrimem os argumentos sobre o correcto ou incorrecto julgamento realizado. A recusa de juiz e o afastamento do princípio fundamental do juiz natural só em situações extraordinárias, que não têm paralelo com o caso concreto, pode proceder. Assim, há que concluir que não se demonstrou em concreto qualquer motivo sério e grave para duvidar da imparcialidade do Senhor Juiz requerido, devendo improceder o presente incidente de recusa. * Decisão: Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o presente incidente de recusa apresentado pelo arguido AA contra o Juiz de Direito BB. Custas pelo requerente, fixando-se em 3 UC’s a taxa de justiça devida (art. 7.º, n.º 4, e da Tabela II do Regulamento das Custas Processuais ex vi art. 524.º do CPPenal). Notifique ao requerente e ao requerido e comunique ao processo principal. |