Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1037/20.9T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: INCOMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAIS JUDICIAIS
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RP202509301037/20.9T8AVR.P1
Data do Acordão: 09/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Conforme decorre do art. 97º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, a violação das regras de competência, quando circunscrita à ordem dos tribunais judiciais, apenas pode ser invocada pelas partes ou suscitada pelo juiz até ser proferido o despacho saneador ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final, após o que, não tendo sido suscitada, se sana o vício, tornando-se o tribunal competente se o não fosse.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 1037/20.9 T8AVR.P1

Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz 2

Apelação

Recorrente: “A..., Lda.”

Recorridos: AA e outros

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadoras Raquel Lima e Anabela Andrade Miranda

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

A autora “A..., Lda.”, em 12.3.2020, intentou ação contra os réus AA, BB e CC, peticionando, a final, que fossem os mesmos condenados a restituir-lhe a quantia de 41.423,33€, acrescida de juros vencidos, no valor de 8.293,75€, e dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento.

Fundamentou o seu pedido com base no enriquecimento sem causa, referindo, em síntese, que:

- O capital social da sociedade autora encontra-se dividido da seguinte forma: uma quota de valor nominal de 2.000,00€, pertencente a AA; uma quota de valor nominal de 2.000,00€, pertencente a DD; uma quota de valor nominal de 500,00€, pertencente a EE; uma quota de valor nominal de 500,00€, pertencente a FF;

- A sociedade autora adquiriu, por trespasse, a BB e CC, o estabelecimento comercial designado “A...”, sito na Rua ..., ... ...;

- A gerência da sociedade autora esteve entregue, até 24.5.2014, a AA;

- AA foi destituído do cargo de gerente por sentença proferida no âmbito do Proc. n.º 2424/15.0T8AVR, que correu termos no Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro;

- O valor de 41.423,33€, referente aos fechos de TPA (Terminal de Pagamento Automático) do período compreendido entre 1.3.2008 e 27.3.2008, não entrou na conta bancária da sociedade autora;

- Tal quantia entrou em conta bancária titulada pelos réus AA e BB, que dela se apropriaram ilegitimamente;

- Atento o regime de bens do casamento entre BB e CC – comunhão de adquiridos - presume-se o proveito comum do casal.

O réu AA veio contestar, impugnando a factualidade alegada e invocando:

- o erro na forma do processo;

- a inadmissibilidade da ação por enriquecimento sem causa;

- a prescrição da ação por enriquecimento sem causa.

Os réus BB e CC contestaram e reconviram, invocando:

- a ilegitimidade do réu CC;

- a inadmissibilidade da ação por enriquecimento sem causa;

- a prescrição da ação por enriquecimento sem causa.

A sociedade autora apresentou réplica pronunciando-se no sentido da improcedência das exceções alegadas.

Realizou-se audiência prévia, em 9.6.2021, tendo sido proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente o pedido formulado relativamente ao réu AA e se declarou o tribunal competente em razão da matéria.

Identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

Em 28.2.2025 foi proferido o seguinte despacho:

“Antes de mais, notifique as partes para se pronunciarem sobre a eventual incompetência material deste Tribunal, considerando que, s.m.o., não estamos perante acção enquadrável no disposto no art. 128º da Lei da Organização do Sistema Judiciário.”

A autora, em 17.3.2025, pronunciou-se nos seguintes termos:

“1. Previamente à apresentação da presente ação, a Autora apresentou a juízo uma ação com identidade de pedido e partes, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Cível de Aveiro - Juiz 2, sob o número de processo 1724/18.1T8AVR,

2. No âmbito da qual foi decidido, que se cita:

“Pelo exposto, julgo verificada a excepção dilatória de incompetência material, declarando o presente Tribunal incompetente para a apreciação da presente acção.

Em consequência e nos termos previstos pelos artigos 96.º, alínea a), 99.º, nº 1, 576.º, nº 2, e 577.º, alínea a), todos do CPC, absolvo os réus da instância.”

3. Na medida em que o Douto Tribunal entendeu que o objeto da ação comportava o exercício de direitos sociais, e, como tal, da competência dos tribunais do comércio.

4. Ora, no âmbito da presente ação, foi proferido despacho saneador a 09/06/2021, que conheceu dos pressupostos processuais da ação,

5. Tendo os autos seguido os seus regulares termos, nomeadamente no âmbito da realização de diligências probatórias, das quais se destaca uma perícia colegial.

6. Neste sentido, não se alcança o fundamento para eventual incompetência material do Douto Tribunal.”

Em 24.3.2025 foi proferida decisão que julgou verificada a exceção dilatória da incompetência absoluta, em razão da matéria, e, em consequência, absolveu os réus da instância.

Inconformada com esta decisão interpôs recurso a autora, que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. POR SENTENÇA PROFERIDA A 24/03/2025 (E DA QUAL A RECORRENTE SE CONSIDERA NOTIFICADA A 28/03/2025), NO ÂMBITO DA AÇÃO DE PROCESSO COMUM, COM FUNDAMENTO EM ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, COM O NÚMERO DE PROCESSO 1037/20.9T8AVR, A CORRER TERMOS NO JUÍZO DE COMÉRCIO DE AVEIRO – JUIZ 2, DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE AVEIRO, FOI JULGADA VERIFICADA A EXCEÇÃO DILATÓRIA DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA, EM RAZÃO DE MATÉRIA, E, EM CONSEQUÊNCIA, DECIDE PELA ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS BB E CC DA INSTÂNCIA.

II. MANIFESTA-SE A ÓBVIA DISCORDÂNCIA DA RECORRENTE RELATIVAMENTE AO ENTENDIMENTO EXPRESSO NA DECISÃO RECORRIDA, POIS QUE A MESMA PADECE DE DIVERSOS VÍCIOS E ERROS DE DIREITO, BEM COMO DE DIVERSAS NULIDADES, QUE INFRA SE ELENCAM E QUE, SALVO DEVIDO RESPEITO POR MELHOR OPINIÃO, SEMPRE LEVARÃO À SUA ANULAÇÃO OU REVOGAÇÃO.

III. ENQUANTO DECISÃO FINAL DA CAUSA, A SENTENÇA RECORRIDA NÃO SE PRONUNCIA EXPRESSAMENTE SOBRE A RECONVENÇÃO APRESENTADA PELOS RECORRIDOS PELO QUE APENAS SE PODE PRESUMIR, POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO, QUE A DECISÃO SOBRE A INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA É EXTENSÍVEL À DECISÃO SOBRE O PEDIDO RECONVENCIONAL, EM VIRTUDE DO CONTEÚDO DO DESPACHO PROFERIDO A 28/02/2025, E NAS MENÇÕES, NA SENTENÇA RECORRIDA, AO VALOR DA CAUSA E AO APROVEITAMENTO OS ACTOS PRATICADOS ATÉ AO MOMENTO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ART. 99º N.º 2 DO CPC.

IV. CONSIDERANDO QUE: AS PARTES FORAM NOTIFICADAS PARA SE PRONUNCIAR SOBRE A INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL, TENDO A SENTENÇA RECORRIDA POSTO TERMO À CAUSA, NADA MAIS DETERMINANDO QUANTO AO PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS; E QUE A DECISÃO SOBRE A CAUSA E CUSTAS ENGLOBA O VALOR DO PEDIDO PRINCIPAL E RECONVENÇÃO,

V. O TRIBUNAL DEIXOU DE SE PRONUNCIAR SOBRE QUESTÃO QUE DEVESSE APRECIAR, O QUE, NOS TERMOS DA ALÍNEA D) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 615.º DO CPC, DETERMINA A NULIDADE DA SENTENÇA.

VI. SEM PREJUÍZO DO SUPRA EXPOSTO, O PROSSEGUIMENTO DA CAUSA DE RECONVENÇÃO, AINDA QUE DE FORMA MERAMENTE IMPLÍCITA, O QUE NÃO SE CONCEDE, DETERMINARIA UM EVIDENTE DECISÃO SURPRESA, O QUE IGUALMENTE CONSTITUIRIA A VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO NÚMERO 3 DO ARTIGO 3.º DO CPC.

VII. OS FUNDAMENTOS SUPRAEXPOSTOS DETERMINAM, AINDA, QUE, CASO NÃO SE ENTENDA PELA DETERMINAÇÃO GLOBAL DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA, SEMPRE OCORRERIA UMA AMBIGUIDADE OU OBSCURIDADE QUE TORNA A DECISÃO ININTELIGÍVEL, DETERMINANDO A NULIDADE DA SENTENÇA, NOS TERMOS DA ALÍNEA C) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 615.º DO CPC.

VIII. FACE AO DISPOSTO NO NÚMERO 2 DO ARTIGO 97.º, A SENTENÇA RECORRIDA DECIDE PELA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL, SEM QUE DISCORRA SOBRE A COMPETÊNCIA A QUE AO CASO CONCRETO SERIA ATRIBUÍDA, O QUE DETERMINA A NÃO ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE DIREITO QUE JUSTIFICAM A DECISÃO, O QUE CONSTITUI A NULIDADE PREVISTA NA ALÍNEA B) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 615.º CPC.

IX. A FUNDAMENTAÇÃO CONSTANTE DA SENTENÇA RELATIVAMENTE AO REGIME APLICÁVEL AO CONHECIMENTO OFICIOSO DA EXCEÇÃO DE IMCOMPETÊNCIA ABSOLUTA É APENAS ALUDIDO DE FORMA TABELAR, O QUE DETERMINA, IGUALMENTE, UMA NULIDADE PELA OPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO, NOS TERMOS PREVISTOS NA ALÍNEA C) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 615.º CPC, O QUE EXPRESSAMENTE SE INVOCA.

X. A SENTENÇA, DATADA DE 24/03/2025, CONHECEU OFICIOSAMENTE, AO ABRIGO DO ARTIGO 97.º CPC, “A VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE COMPETÊNCIA EM RAZÃO DE MATÉRIA QUE APENAS RESPEITEM AOS TRIBUNAIS JUDICIAIS” APÓS TER SIDO PROFERIDO DESPACHO SANEADOR NOS PRESENTES AUTOS, A 09/06/2021.

XI. EM TODO O CASO, DEMONSTRA-SE IRRELEVANTE QUE O DESPACHO SANEADOR EM CAUSA TENHA CONCLUÍDO, DE FORMA TABELAR, PELA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL, UMA VEZ QUE, NÃO SENDO ATRIBUÍDA A COMPETÊNCIA A UM TRIBUNAL DE OUTRA ORDEM JURISDICIONAL (SOBRE A QUAL A SENTENÇA SE REVELA OMISSA), O TRIBUNAL RECORRIDO NÃO PODERIA CONHECER OFICIOSAMENTE DESSA VIOLAÇÃO EM MOMENTO POSTERIOR AO DESPACHO SANEADOR.

XII. A JURISPRUDÊNCIA PARA A QUAL A SENTENÇA RECORRIDA REMETE, EM EXCLUSIVO A FUNDAMENTAÇÃO, QUANTO À POSSIBILIDADE DE CONHECER DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA, REVELA-SE INAPLICÁVEL AO CASO CONCRETO, ATENTO O DISPOSTO NO ARTIGO 97.º/2/CPC, POIS QUE AQUELA JURISPRUDÊNCIA CONSTITUÍA A VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE COMPETÊNCIA EM RAZÃO DE MATÉRIA QUE NÃO RESPEITAM, EM EXCLUSIVO, AOS TRIBUNAIS JUDICIAIS, E APENAS REMETIA PARA OUTRA JURISPRUDÊNCIA RELATIVA QUESTÕES DE ILEGITIMIDADE E DE FALTA DE PERSONALIDADE JUDICIÁRIA.

XIII. A INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA APENAS PODE SER SUSCITADA ATÉ SER PROFERIDO DESPACHO SANEADOR, APÓS O QUE, NÃO TENDO SIDO SUSCITADA, SE SANA O VÍCIO, TORNANDO-SE O TRIBUNAL COMPETENTE SE NÃO O FOSSE, SENDO IRRELEVANTE A CIRCUNSTÂNCIA DE QUE, CONFORME CONSTA DA SENTENÇA, O DESPACHO SANEADOR MERAMENTE TABELAR NÃO FAZER CASO JULGADO.

XIV. TAL DETERMINA A INCORRETA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO APLICÁVEL CONSTANTE DA SENTENÇA RECORRIDA, DEVENDO, COMO TAL, SER A MESMA ANULADA, NOS TERMOS CONJUGADOS DO ARTIGO 97.º/2 E 639.º, AMBOS DO CPC.

XV. A INCORRETA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO APLICÁVEL COMPORTA AINDA A VERIFICAÇÃO DA NULIDADE DA DECISÃO POR EXCESSO DE PRONÚNCIA, NOS TERMOS DA ALÍNEA D) DO NÚMERO 1 DO ARTIGO 615.º DO CPC, UMA VEZ QUE O TRIBUNAL RECORRIDO, EM VIOLAÇÃO DO ARTIGO 97.º/2 DO CPC, APRECIOU UMA QUESTÃO DE DIREITO QUE, NÃO TENDO SIDO INVOCADAS PELAS PARTES, NÃO ERA PASSÍVEL DE SER CONHECIDA OFICIOSAMENTE, CONFORME RESULTA DA ANÁLISE AO REGIME DO ARTIGO 97.º DO CPC.

XVI. A PRESENTE AÇÃO FOI ANTECEDIDA POR OUTRA AÇÃO, QUE CORREU TERMOS NO JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE AVEIRO - JUIZ 2, SOB O NÚMERO DE PROCESSO 1724/18.1T8AVR, QUE PARTILHA COM A PRESENTE CAUSA A IDENTIDADE DE PEDIDOS E SUJEITOS, E NA QUAL FOI DETERMINADO A INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA EM RAZÃO DE MATÉRIA, ATRIBUINDO A EXPRESSA COMPETÊNCIA DOS JUÍZOS DE COMÉRCIO, RELATIVAMENTE À QUAL TODOS OS RÉUS DAQUELA AÇÃO SE CONFORMARAM COM O SEU CONTEÚDO, TENDO SIDO IMPLICITAMENTE ACOLHIDO PELOS MESMOS NO ÂMBITO DO PRESENTE PROCESSO.

XVII. TAL DEMONSTRA-SE RELEVANTE NA MEDIDA EM QUE A SENTENÇA RECORRIDA, AO CONCLUIR QUE O DESPACHO SANEADOR “NÃO SE PRONUNCIOU EXPRESSAMENTE SOBRE ESTA QUESTÃO, LIMITANDO-SE A CONCLUIR, DE FORMA TABELAR, PELA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL”, REVELA-SE, ILEGAL, DECORRENTE DE UMA APRECIAÇÃO INSUFICIENTE DO CONTEÚDO E EXTENSÃO DOS ATOS PROCESSUAIS QUE ANTECEDEM A SENTENÇA RECORRIDA, E DA INCORRETA INTERPRETAÇÃO DA NORMATIVIDADE APLICÁVEL

XVIII. A ATA DA AUDIÊNCIA PRÉVIA DE 09/06/2021 EVIDENCIA A OPORTUNIDADE DAS PARTES PARA DISCUTIR E SE PRONUNCIAR SOBRE OS TERMOS DE DIREITO DO LITÍGIO E À DECISÃO SOBRE AS EXCEÇÕES SUSCITADAS, SENDO QUE, FINDO O DESPACHO SANEADOR, FOI “CONCEDIDA A PALAVRA AOS ILUSTRES MANDATÁRIOS DAS PARTES E PELOS MESMO FOI DITO NÃO TEREM RECLAMAÇÕES”, TENDO-SE ASSIM PRETERIDO O MOMENTO PROCESSUALMENTE IDÓNEO À DISCUSSÃO DE QUAISQUER EVENTUAIS EXCEÇÕES QUE POSSAM ENFERMAR OS AUTOS.

XIX. O DESPACHO SANEADOR ABORDOU, INDIVIDUALMENTE, O VALOR DA CAUSA, A RECONVENÇÃO, E OS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS (NO QUAL SE INCLUI A COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL RECORRIDO), TENDO NO SEU FIM SIDO PORMENORIZADAMENTE DETALHADO O PROSSEGUIMENTO DA CAUSA FACE AOS RECORRIDOS, DEFINIDO O OBJETO DO LITÍGIO E DOS TEMAS DA PROVA, O QUE CONTRARIA O CARÁCTER MERAMENTE TABELAR DA DECISÃO DE INCOMPETÊNCIA.

XX. PARA ALÉM DA DEFINIÇÃO DO OBJETO DO LITÍGIO E DOS TEMAS DA PROVA, NUMA REFLEXÃO DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO FORMAL, O TRIBUNAL RECORRIDO PROCEDEU, NO SEU DESPACHO SANEADOR, À CONCESSÃO DO “PRAZO DE 10 DIAS PARA OFERECIMENTO OU RENOVAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA”,

XXI. NA SEQUÊNCIA DA QUAL RESULTOU DEMONSTRADO VIA RELATÓRIO PERICIAL DATADO DE 16/10/2023, QUE OS VALORES PETICIONADOS PELA AUTORA NOS PRESENTES AUTOS NÃO FORAM CREDITADOS NUMA CONTA BANCÁRIA DA SUA TITULARIDADE, MAS SIM NUMA CONTA DA TITULARIDADE DA RÉ BB, CONFORME RESPOSTA AOS QUESITOS 2., 3., E 4. DAQUELE RELATÓRIO.

XXII. TAL SUCESSÃO CRONOLÓGICA RELATIVA À PRODUÇÃO DE PROVA REVELA DETERMINANTE PREPONDERÂNCIA FACE À DECISÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA CONSTANTE DA SENTENÇA, POIS QUE: POR UM LADO, A MANUTENÇÃO DA MESMA DETERMINARIA INÚTIL TODA A PROVA PRODUZIDA, O QUE CONSUBSTANCIARIA UMA VIOLAÇÃO EXPRESSA NO PRINCÍPIO DA LIMITAÇÃO DE ATOS, PREVISTO NO ARTIGO 130.º DO CPC, E A VIOLAÇÃO DO DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL E ADEQUAÇÃO FORMAL;

XXIII. POR OUTRO LADO, A PRESENTE AÇÃO, À DATA DA SUA INTERPOSIÇÃO, FOI CONFIGURADA FACE A TRÊS RÉUS, NA MEDIDA EM QUE O RÉU AA, ENTRETANTO ABSOLVIDO, ERA O GERENTE DA ORA RECORRENTE NO MOMENTO DO TRESPASSE DO ESTABELECIMENTO QUE A MESMA EXPLORA, QUE ERA DA ANTERIOR TITULARIDADE DOS RECORRIDOS, E A FACTUALIDADE ALEGADA PELAS PARTES ENCONTRA-SE ALICERÇADA ENTRE SI FACE AOS DIVERSOS RÉUS.

XXIV. NO MOMENTO EM QUE É APRESENTADA A PETIÇÃO INICIAL, DESCONHECE-SE QUAL O DESTINO DOS VALORES PETICIONADOS PELA AUTORA, ORA RECORRENTE, E QUEM DELES DIRETAMENTE BENEFICIOU, SENDO QUE APENAS DECORRENDO DOS ELEMENTOS DE PROVA DOS PRESENTE AUTOS, QUE OS VALORES PETICIONADOS PELA AUTORA NOS PRESENTES AUTOS NÃO FORAM CREDITADOS NUMA CONTA BANCÁRIA DA SUA TITULARIDADE, MAS SIM NUMA CONTA DA TITULARIDADE DA RECORRIDA, CONFORME RESPOSTA AOS QUESITOS 2., 3., E 4. DAQUELE RELATÓRIO.

XXV. NESTES TERMOS, A AFERIÇÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL É FEITA COM BASE NA RELAÇÃO, TAL COMO A CONFIGURA O AUTOR, OU SEJA, NOS PRECISOS TERMOS EM QUE FOI PROPOSTA A AÇÃO, PELO QUE A SENTENÇA RECORRIDA NÃO ATENDEU, COMO LHE COMPETIA, À CONFIGURAÇÃO DA AÇÃO TAL COMO CONFIGURADA PELA RECORRENTE NA SUA PETIÇÃO INICIAL, E A CONFIGURAÇÃO QUE RESULTOU DA PRODUÇÃO DE PROVA,

XXVI. TAL DETERMINA IGUALMENTE A INCORRETA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO APLICÁVEL, DEVENDO, COMO TAL, SER A MESMA ANULADA, NOS TERMOS CONJUGADOS DO ARTIGO 96.º E 639.º, AMBOS DO CPC.

XXVII. O SUPRA ENUNCIADO INTRODUZ NA SENTENÇA RECORRIDA, POR CONSEQUÊNCIA, UM CARÁCTER DE SURPRESA, EM VIOLAÇÃO DAS LEGÍTIMAS EXPECTATIVAS DA RECORRENTE, POIS QUE A MESMA VÊ A SUA PRETENSÃO DESATENDIDA POR UMA CONSEQUÊNCIA ABSOLUTAMENTE IMPREVISÍVEL FACE À CONFIGURAÇÃO DA AÇÃO.

XXVIII. PARA MAIS, ENCONTRANDO-SE CRISTALIZADAS, DE FORMA INDEPENDENTE, QUER A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL, QUER A DEFINIÇÃO DOS SUJEITOS E O OBJETO DO LITÍGIO, A DECISÃO DE ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA ATENTA CONTRA O SEU DIREITO AO ACESSO AO DIREITO E TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA.

XXIX. ESTE DIREITO SEGUE IGUALMENTE PREJUDICADO QUANDO CONSIDERADO QUE A DECISÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA NO ÂMBITO DO PROCESSO 1724/18.1T8AVR, DETERMINA A COMPETÊNCIA MATERIAL PARA CONHECER DOS PEDIDOS FORMULADOS PELA RECORRENTE, A UM JUÍZO DE COMÉRCIO E, QUANDO APRESENTADO A ESSE JUÍZO, COMO O FOI NO PRESENTE PROCESSO,

XXX. O TRIBUNAL RECORRIDO PROFERE AGORA UMA DECISÃO QUE DETERMINA IGUALMENTE A SUA INCOMPETÊNCIA MATERIAL, SEM SEQUER SE PRONUNCIAR SOBRE O TRIBUNAL QUE DEVERIA SER COMPETENTE, O QUE CONSTITUI UM RESULTADO JURÍDICO E JURISDICIONAL DE MANIFESTA INJUSTIÇA PARA A RECORRENTE, POIS QUE AS DECISÕES RECEBIDAS POR ESTA A ATIRAM PARA UM EXERCÍCIO CIRCULAR DO SEU ACESSO AO DIREITO, O QUE CONSUBSTANCIA UMA MANIFESTA PARALISIA DESSE DIREITO.

XXXI. PELAS RAZÕES SUPRAEXPOSTAS, A SENTENÇA RECORRIDA VIOLA O DIREITO CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADO DE ACESSO AO DIREITO E DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA, PREVISTO NO ARTIGO 20.º DA CRP, POR, SIMULTANEAMENTE, VIOLAR O DIREITO DA RECORRENTE A OBTER, MEDIANTE UM PROCESSO EQUITATIVO, UMA DECISÃO RELATIVA AOS PEDIDOS FORMULADOS, PREJUDICADA PELAS DECISÕES INCOMPATÍVEIS DOS DOIS TRIBUNAIS QUE DETERMINARAM A INCOMPETÊNCIA MATERIAL PARA CONHECER DOS PEDIDOS FORMULADOS PELA AUTORA.

XXXII. OCORRE A VIOLAÇÃO DE UM PRAZO RAZOÁVEL PARA OBTENÇÃO DA DECISÃO, NA MEDIDA EM QUE, NO ÂMBITO DOS PRESENTES AUTOS, TENDO SIDO PROFERIDO DESPACHO SANEADOR QUE DETERMINOU A COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL RECORRIDO, A 09/06/2021, APENAS A 24/06/2025 FOI PROFERIDA A DECISÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DE QUE SE RECORRE, INUTILIZANDO, NÃO APENAS QUASE QUATRO ANOS, MAS IGUALMENTE TODOS OS CUSTOS ASSOCIADOS À PRODUÇÃO DE PROVA (NESTE CASO, PERÍCIA COLEGIAL), O QUE CONSTITUI NOVA VIOLAÇÃO DO DIREITO DE ACESSO AO DIREITO E TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA.

XXXIII. POR TUDO O SUPRA EXPOSTO, DEVE A DECISÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA, COM ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS DA INSTÂNCIA SER REVOGADA, POR OFENSA AOS PRINCÍPIOS SUPRA INVOCADO, DEVENDO SER IGUALMENTE ORDENADO O NORMAL PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS.

Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.

O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

A Mmª Juíza “a quo” consignou o seguinte no tocante às nulidades arguidas:

“Veio a Autora recorrer da sentença proferida sob a refª 137905025, alegando, além do mais, que o Tribunal não se pronunciou expressamente sobre o destino da reconvenção apresentada pelos Réus, concluindo, nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 615.º do CPC, pela nulidade da sentença.

Assiste razão à Autora, pelo que se impõe suprir a nulidade em causa, o que se fará de seguida.

Nos termos previstos no art. 266º n.º 6 do CPC, a improcedência da acção e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor.

Contudo, in casu, as considerações expendidas na sentença proferida sob a refª 137905025 no que concerne à incompetência material do Juízo de Comércio para julgar os presentes autos aplicam-se, ipsis verbis, ao pedido reconvencional.

Pelo exposto, decide-se julgar verificada a excepção dilatória da incompetência absoluta, em razão da matéria, também por referência ao pedido reconvencional, e, em consequência, decide-se absolver a A./Reconvinda da instância reconvencional.

Custas da reconvenção pelos Reconvintes – cfr. art. 527º do CPC.

Quando na sentença proferida sob a refª 137905025 se diz “Custas a cargo da Autora – cfr. art. 527º do CPC” deverá ler-se “Custas da acção a cargo da Autora – cfr. art. 527º do CPC”.

A presente decisão é complemento e parte integrante da sentença proferida sob a refª 137905025.

Notifique.

Quanto ao demais alegado em sede de recurso, afigura-se-nos que, s.m.o, não se verificam as demais nulidades invocadas, mostrando-se a decisão devidamente fundamentada e inexistindo qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão ou qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Não é possível alterar o decidido, a não ser em sede de recurso, atento o disposto no art. 613º n.º 1 do CPC, sendo certo que não estamos perante, s.m.o., situação enquadrável no disposto no art. 614º do CPC.[1]

Cumpre então apreciar e decidir.


*


FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


*


A questão a decidir é a seguinte:

Apurar se é possível conhecer oficiosamente da violação das regras de competência em razão da matéria, respeitantes apenas aos tribunais judiciais, após a prolação de despacho saneador tabelar quanto a essa competência.


*


Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.


*


Passemos à apreciação do mérito do recurso.

1. Na decisão recorrida a Mmª Juíza “a quo”, sem que a questão tivesse sido suscitada nos autos, e muito embora já tivesse sido proferido despacho saneador, em que fora emitida uma declaração genérica de competência do tribunal em razão da matéria, decidiu colocá-la.

Apreciando-a, depois de ter facultado às partes o contraditório, viria a concluir no sentido da procedência da exceção dilatória da incompetência absoluta, em razão da matéria, e, em consequência, absolveu os réus da instância.

A Mmª Juíza “a quo”, a propósito desta questão, escreveu, para além do mais, o seguinte:

“Subsumindo-nos ao caso concreto, (…), a Autora fundamenta o seu pedido com base no enriquecimento sem causa dos réus, sendo certo que os RR. BB e CC não são, nem nunca foram sócios e/ou gerentes da sociedade Autora.

O pedido formulado em relação ao Réu AA foi já julgado improcedente.

É, assim, manifesto que não estamos, s.m.o., perante uma acção relativa ao exercício de direitos sociais, não se enquadrando os presentes autos em mais nenhuma das situações previstas no art. 128º da L.O.S.J.”

Mas antecedendo esta conclusão, fez-se na decisão recorrida um largo excurso jurisprudencial e doutrinal, sobre o conceito “exercício de direitos sociais” delimitador da esfera de competência dos juízos de comércio nos termos do art. 128º, nº 1, al. c) da LOSJ [Lei da Organização do Sistema Judiciário], que seria inteiramente pertinente se não se colocasse antes uma outra questão, advinda da redação do art. 97º, nº 2 do Cód. Proc. Civil.

2. Dispõe-se o seguinte neste artigo:

«A violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final.”

Pronunciando-se sobre este preceito escrevem LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 227):

“O nº 2 consagra uma restrição à referida regra geral sobre a oportunidade da arguição e suscitação da incompetência absoluta, aplicável nos casos de incompetência em razão da matéria que respeite apenas aos tribunais judiciais, ou seja, nos casos em que a ação seja instaurada em determinado tribunal judicial com preterição da competência de outro tribunal judicial, sem confronto, pois, entre tribunais pertencentes a diferentes ordens judiciais.

Nestes casos, a incompetência só pode ser suscitada até ser proferido despacho saneador, ou, a ele não havendo lugar, até ao início da audiência final, após o que, não tendo sido suscitada, se sana o vício, tornando-se o tribunal competente se o não fosse.”[2]

É assim mais gravoso o regime da incompetência quando está em causa a contraposição dos tribunais judiciais aos outros tribunais, do que quando essa contraposição se verifica entre os tribunais de 1ª instância.[3]

Por seu turno, sobre esta questão escrevem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., pág. 132):

“Este regime[4] modifica-se quando se trate de incompetência material circunscrita à ordem dos tribunais judiciais (situação tida por menos grave do que a prevista no nº 1). Apenas pode ser invocada pelas partes ou suscitada pelo juiz até ser proferido o despacho saneador (podendo, é claro, integrar o próprio despacho saneador) ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final.”[5]

3. Na decisão recorrida, a Mmª Juíza “a quo” não considerou esta norma, tendo, no entanto, salientado que o despacho saneador não se pronunciou expressamente sobre a questão da competência material, limitando-se a concluir, de forma tabelar, pela sua verificação.

Depois em abono da sua posição, e no sentido de poder ainda conhecer de uma eventual incompetência material, citou o Acórdão do STJ de 19.5.2021, p. 713/19.3T8BJA.E1.S1 (CHAMBEL MOURISCO), disponível in www.dgsi.pt., onde se escreveu o seguinte no respetivo sumário:

“Não tendo, em sede de despacho saneador, a questão da competência do tribunal em razão da matéria sido concretamente apreciada, a afirmação de que «O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia» consubstancia uma decisão genérica, pelo que nos termos do art.º 595.º, n.ºs 1, al. a) e 3 do CPC, tal despacho não constitui caso julgado formal, podendo o Juiz voltar a pronunciar-se, concreta e fundadamente, a título oficioso, sobre as exceções que, no saneador, não tenham sido objeto de apreciação fundada.”

E é escudada neste aresto do Supremo Tribunal de Justiça, sublinhando a pronúncia tabelar sobre a competência material no despacho saneador, que a 1ª Instância declara depois os juízos do comércio incompetentes para o conhecimento dos presentes autos, absolvendo os réus da instância.

A decisão seria certamente correta se estivesse em apreciação uma situação de contraposição de competência entre tribunais pertencentes a ordens judiciais diferentes, como seria a que se verificaria, por exemplo, entre os juízos do comércio e os tribunais administrativos.

Nessa hipótese, a regra a seguir seria a do art. 97º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, donde decorreria a possibilidade de suscitar oficiosamente a questão da incompetência absoluta do tribunal enquanto não houvesse sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.

Ora, é esta a situação que ocorre no caso apreciado no Ac. STJ de 19.5.2021, onde a Mmª Juíza “a quo” se ancorou para decidir como decidiu. Aí a questão de competência material envolvia, por um lado, os tribunais administrativos e, por outro, os tribunais de trabalho, ou seja tribunais de ordens judiciais diferentes, daí fluindo que uma decisão sobre competência meramente tabelar em sede de despacho saneador, não constituindo caso julgado formal, não impedia o tribunal de posteriormente voltar a pronunciar-se, a título oficioso, sobre essa mesma competência.[6]

Porém, aqui, na situação “sub judice”, a contraposição de competência surge entre os juízos de comércio e os juízos cíveis, ou seja concerne apenas à ordem dos tribunais judiciais.

Sendo assim, não poderá deixar de se ter em atenção o estatuído no art. 97º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, acima citado, do qual resulta que reportando-se a violação das regras de competência em razão da matéria apenas a tribunais judiciais, como aqui sucede, a mesma só pode ser conhecida oficiosamente até ser proferido despacho saneador ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final.

Como o despacho saneador já fora proferido, em 9.6.2021, estava, mesmo sendo este tabelar, vedado à Mmª Juíza “a quo” suscitar, “ex officio”, a questão da incompetência material dos juízos do comércio.

Por conseguinte, ainda que a argumentação produzida na decisão recorrida no sentido de justificar a incompetência dos juízos do comércio para os presentes autos se possa mostrar acertada, não pode esta ser considerada, face ao que decorre do disposto no referido art. 97º, nº 2 do Cód. Proc. Civil.

Normativo que, como temos vindo a expor, impõe a revogação da decisão proferida pela 1ª Instância, revogação essa admitida pela própria Mmª Juíza “a quo” no despacho que proferiu para os efeitos do art. 617º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, onde em nota de rodapé escreveu que, melhor ponderando, se lhe afigura que poderá assistir razão à recorrente.

Procede, pois, o recurso interposto pela sociedade autora, devendo os autos prosseguir a sua tramitação.


*


Quanto a todas as outras questões colocadas em sede de recurso que se reconduzem essencialmente à arguição de nulidades, em particular as de excesso de pronúncia e de oposição entre os fundamentos e a decisão, bem como à alegação de afronta a princípios constitucionais, como sejam os do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, a sua apreciação mostra-se prejudicada nos termos do art. 608º, nº 2, 1ª parte do Cód. Proc. Civil.


*


Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil):

………………………………………………...

………………………………………………...

………………………………………………...


*


DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela autora “A..., Lda.” e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e determina-se o prosseguimento dos autos.

Sem custas.

Porto, 30.9.2025.

Eduardo Rodrigues Pires

Raquel Lima

Anabela Andrade Miranda

_________________________

[1] Ainda que, melhor ponderando, se nos afigure que poderá assistir razão à recorrente.
[2] Sublinhado nosso. 
[3] Cfr. LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, ob. cit., pág. 165. 
[4] O do art. 97º, nº 1 do CPC.
[5] No mesmo sentido se pronunciou o Ac. Rel. Porto de 3.11.2010, p. 4937/08.0 TBGDM.P1 (TELES DE MENEZES), disponível in www.dgsi.pt.
[6] A contraposição, neste caso, entre a competência dos tribunais administrativos e dos tribunais de trabalho é melhor evidenciada no antecedente Acórdão da Relação de Évora de 17.12.2020, proc. 713/19.3T8BJA.E1 (MOISÉS SILVA), disponível in www.dgsi.pt.