Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
706/21.0PAESP.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOS PRAZERES SILVA
Descritores: EXERCÍCIO DA ACÇÃO PENAL
CRIME DE NATUREZA PÚBLICA
CRIMES DE NATUREZA PARTICULAR
MINISTÉRIO PÚBLICO
LEGITIMIDADE
CRIME DE MAUS TRATOS
CONCEITO
CRIME COMPLEXO
CONCURSO APARENTE
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DE FACTOS
CONTRADITÓRIO
RECURSO
Nº do Documento: RP20251008706/21.0PAESP.P1
Data do Acordão: 10/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA ARGUIDA E CONCEDIDO PROVIMENTO AO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A legitimidade do MP para o exercício da ação penal mantém-se no caso de o processo se iniciar para procedimento criminal pela prática de crime de natureza pública e, deduzida a acusação pelo crime de maus tratos (art 152-A, n.º1, do CP), prosseguir, sob tal imputação criminal, até ao encerramento da produção da prova em audiência, vindo nesse momento processual a reduzir-se para o crime de injúria (art 181.º, n.º1, do CP).
II - Tal situação não é coincidente com a debatida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2024.
III - De resto, segundo a interpretação que fazemos do Acórdão n.º 9/2024, a manutenção da legitimidade do Ministério Público - no caso em que a acusação pública por crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, do Código Penal, não resulta inteiramente provada mas dela são considerados provados factos integrantes do crime de injúria p. e p. no artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal- não depende sempre da verificação cumulativa de apresentação de queixa, constituição de assistente e adesão à acusação pública, mas antes quando verificados tais requisitos, não se exige ou dispensada fica a dedução de acusação particular, o que constituía o objeto da questão a dirimir.
IV - As condutas agressoras perpetradas pela arguida, professora do ensino básico em exercício de funções e por causa delas, visando os alunos, menores de 6/7 anos de idade, quando sob a sua orientação e cuidado se encontravam, revelam a especial censurabilidade e perversidade exigidas no tipo qualificado de ofensa à integridade física (artigo 145.º, n.º 1, alínea a), com referência à alínea c), do n.º 2, do artigo 132.º, ambos do Código Penal), atendendo à inequívoca situação de fragilidade, derivada da sua idade, em que as vítimas se encontravam, sem qualquer capacidade de reação, defesa ou proteção face à atitude da arguida.
V - A natureza complexa do crime de maus tratos e a amplitude de situações de diversa índole que podem ser abrangidas no conceito de maus tratos físicos e psicológicos, autoriza a consideração de que não só a ofensa à integridade física simples mas também outras modalidades mais graves, e especificamente a ofensa à integridade física qualificada, podem ser aglutinadas no crime de maus tratos, ressalvando a lei a punição de acordo com a disposição legal que prevê a pena mais grave [cf. parte final do n.º 1, do artigo 152.º-A do Código Penal], em expressa aplicação do princípio da subsidiariedade.
VI - A incriminação inicial pelo tipo de crime de maus tratos, previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, constante da acusação e da pronúncia, abrangendo em concurso aparente outros ilícitos, é passível de degradação para algum ou alguns desses ilícitos, e, assim sucede com o crime de ofensa à integridade física, incluindo na modalidade qualificada, o que pode dar lugar à condenação por este último tipo de crime, se arredada a responsabilidade criminal pelo primitivo ilícito.
VII - A comunicação exigida pela lei no artigo 358.º, n.º 3, do CPP destina-se a prevenir o arguido para a eventualidade de o tribunal vir a proceder a subsunção jurídica dos factos diversa daquela que correspondia à incriminação vertida no despacho de acusação ou de pronúncia, a fim de permitir o exercício do contraditório, concedendo-lhe, se o pretender, prazo para preparar a sua defesa em atenção àquela eventual alteração da qualificação jurídica dos factos.
VIII - Não se verificam os pressupostos da aplicação do n.º 3, do artigo 424.º, do Código Processo Penal, na situação em que o recurso interposto pelo MP visa a revogação do decidido e a condenação da arguida pelo tipo de crime qualificado de crime de ofensa à integridade física, dado que já se encontra advertida pelo aludido recurso da possibilidade de alteração da qualificação jurídica dos factos.
IX - Em decorrência, foi amplamente concedido o exercício do contraditório à arguida quanto à aludida qualificação jurídica dos factos, tendo a mesma se pronunciado expressamente sobre a matéria, debatendo e contraditando os argumentos jurídicos trazidos ao processo na instância de recurso.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 706/21.0PAESP.P1

Relatora: Maria dos Prazeres Silva

1.ª Adjunta: Paula Cristina Jorge Pires

2.ª Adjunta: Liliana Páris Dias

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO

1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, por acórdão de 07-03-2025 (Referência: 137612380) foi decidido o seguinte:

a) ABSOLVER a arguida AA da prática de:

- 7 [sete] crimes de maus tratos, do tipo previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal,

- 5 [cinco] crimes de denúncia caluniosa, do tipo previsto e punido pelo artigo 365.º, n.º 1, do Código Penal;

b) CONDENAR a arguida AA pela prática de:

- um crime de ofensa à integridade física simples, do tipo previsto e punido pelo artigo 143.º, nº 1, do Código Penal, [na pessoa do aluno BB], na pena de 80 [oitenta] dias de multa à razão diária de 8,00€ [oito euros].

- um crime de ofensa à integridade física simples, do tipo previsto e punido pelo artigo 143.º, nº 1, do Código Penal, [na pessoa da aluna CC], na pena de 80 [oitenta] dias de multa à razão diária de 8,00€ [oito euros].

- um crime de ofensa à integridade física simples, do tipo previsto e punido pelo artigo 143.º, nº 1, do Código Penal, [na pessoa do aluno DD], na pena de 80 [oitenta] dias de multa à razão diária de 8,00€ [oito euros].

- dois crimes de ofensa à integridade física simples, do tipo previsto e punido pelo artigo 143.º, nº 1, do Código Penal, [na pessoa do aluno EE], na pena de 80 [oitenta] dias de multa à razão diária de 8,00€ [oito euros].

- um crime de ofensa à integridade física simples, do tipo previsto e punido pelo artigo 143.º, nº 1, do Código Penal, [na pessoa da aluna FF], na pena de 80 [oitenta] dias de multa à razão diária de 8,00€ [oito euros].

- um crime de ofensa à integridade física simples, do tipo previsto e punido pelo artigo 143.º, nº 1, do Código Penal, [na pessoa do aluno GG], na pena de 80 [oitenta] dias de multa à razão diária de 8,00€ [oito euros].

- um crime de ofensa à integridade física simples, do tipo previsto e punido pelo artigo 143.º, nº 1, do Código Penal, [na pessoa do aluno HH], na pena de 80 [oitenta] dias de multa à razão diária de 8,00€ [oito euros].

- um crime de injúria, do tipo previsto e punido pelo artigo 181.º, nº 1, do Código Penal, [na pessoa do aluno BB], na pena de 40 [quarenta] dias de multa à razão diária de 8,00€ [oito euros].

- um crime de injúria, do tipo previsto e punido pelo artigo 181.º, nº 1, do Código Penal, [na pessoa do aluno GG], na pena de 40 [quarenta] dias de multa à razão diária de 8,00€ [oito euros].

- um crime de injúria, do tipo previsto e punido pelo artigo 181.º, nº 1 do Código Penal, [na pessoa do aluno EE], na pena de 40 [quarenta] dias de multa à razão diária de 8,00€ [oito].

- um crime de injúria do tipo previsto e punido pelo artigo 181.º, nº 1, do Código Penal, [na pessoa do aluno HH], na pena de 40 [quarenta] dias de multa à razão diária de 8,00€ [oito euros].

- concurso de crimes suprarreferidos, na pena única de 350 [trezentos e cinquenta] dias de multa à razão diária de 8,00€ [oito euros].

c) Julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil e, em consequência, condenar a demandada civil, AA, a pagar:

- à demandante, CC, o montante de 500,00€ (quinhentos euros), pelos danos não patrimoniais sofridos pela prática do crime de ofensa à integridade física simples;

- ao demandante, BB, o montante de 500,00€ (quinhentos euros), pelos danos não patrimoniais sofridos pela prática do crime de ofensa à integridade física simples e 500,00€ (quinhentos euros) pelos danos sofridos pela prática do crime de injúria;

- ao demandante, DD, o montante de 500,00€ (quinhentos euros), pelos danos não patrimoniais sofridos pela prática do crime de ofensa à integridade física simples;

- ao demandante, GG, o montante de 500,00€ (quinhentos euros), pelos danos não patrimoniais sofridos pela prática do crime de ofensa à integridade física simples e 500,00€ (quinhentos euros) pelos danos sofridos pela prática do crime de injúria;

- à demandante, EE, o montante de 500,00€ (quinhentos euros), pelos danos não patrimoniais sofridos pela prática do crime de ofensa à integridade física simples e 500,00€ (quinhentos euros) pelos danos sofridos pela prática do crime de injúria;

- ao demandante, HH, o montante de 500,00€ (quinhentos euros), pelos danos não patrimoniais sofridos pela prática do crime de ofensa à integridade física simples e 500,00€ (quinhentos euros) pelos danos sofridos pela prática do crime de injúria.


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2. Inconformados com o acórdão condenatório, interpuseram recursos a arguida AA e o Ministério Público, que remataram com as Conclusões a seguir transcritas.

RECURSO ARGUIDA AA

CONCLUSÕES:

1. Realizada audiência de discussão e julgamento, o Tribunal “a quo”, entendeu que os factos apurados não permitiam considerar a atuação da arguida como integradora da prática dos crimes de maus tratos porque vinha pronunciada, bem como entendeu não estarem reunidos os pressupostos objetivos e subjetivos do cometimento pela arguida dos crimes de denúncia caluniosa, antes considerando que a arguida praticou sete crimes de ofensa à integridade física simples e quatro crimes de injúria.

2. Comete o crime de ofensa à integridade física simples quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, sendo punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.

3. O procedimento criminal pela eventual prática do crime de ofensa à integridade física depende de queixa, salvo quando a ofensa seja cometida contra agentes das forças e serviços de segurança, no exercício das suas funções ou por causa delas.

4. Comete o crime de injúria quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração.

5. O procedimento criminal pelo crime de injúria depende de queixa e de acusação particular.

6. Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas deem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo, considerando-se feita ao Ministério Público a queixa dirigida a qualquer outra entidade que tenha a obrigação legal de a transmitir àquele.

7. Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular.

8. A punição efetiva de um facto depende não apenas do preenchimento de exigências substantivas, mas também da verificação de condições de procedimento. Salvo em casos excecionais, sem queixa o procedimento não pode iniciar-se e, caso se tenha iniciado, não pode prosseguir.

9. O Código Penal é omisso quanto à forma que a queixa deve assumir, “devendo entender-se que ela pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por certo facto”.

10. Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, sendo que se o ofendido for menor de 16 anos ou não possuir discernimento para entender o alcance e o significado do exercício do direito de queixa, este pertence ao representante legal.

11. No caso em apreço, dos sete menores que o Tribunal “a quo” considerou terem sido vitimas de um crime ofensa à integridade física – considerando quatro deles igualmente vítimas de um crime de injúria - apenas as progenitoras e legais representantes de dois deles apresentaram queixa, manifestando a vontade de instauração de procedimento criminal contra a arguida.

12. Em momento algum os progenitores e legais representantes de cada um dos restantes cinco menores DD, EE, FF, GG e/ou HH, apresentaram qualquer queixa contra a arguida, imputando-lhe a prática dos factos em causa no presente processo e manifestando a vontade de ver insaturado procedimento criminal contra esta, pela prática desses mesmos factos.

13. Do teor do auto de denuncia de fls. 2 e 3 resulta que no dia 15.10.2021 compareceu na esquadra ... da P.S.P., a D. II, que, na qualidade de mãe e encarregada de educação do seu filho menor, BB, declarou desejar procedimento criminal contra AA, por esta, em janeiro de 2020, designadamente em 10.01.2020, cerca das 12.00 horas, ter agredido aquele seu filho com várias palmadas na cabeça.

14. Do auto de noticia de fls. 6 do apenso, consta que, igualmente no dia 15.10.2021, compareceu naquela mesma esquadra ... da P.S.P., a D. JJ, na qualidade de mãe e encarregada de educação da sua filha menor, CC, que declarou desejar procedimento criminal contra AA, por esta, em janeiro de 2020, mais concretamente em 13.01.2020, cerca das 103.30 horas, ter agredido aquela sua filha.

15. O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, devendo no caso de serem vários os titulares do direito de queixa, contar-se o prazo autonomamente para cada um deles.

16. O disposto nos artigos do título IV do livro I do Código Penal, cuja epígrafe é “Queixa e acusação particular” é correspondentemente aplicável aos casos em que o procedimento criminal depender de acusação particular.

17. O prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa termina às 24 horas do dia que corresponda, no sexto mês seguinte, ao dia em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores.

18. As queixas formalizadas pelas legais representantes de cada um dos dois únicos menores que o fizeram, BB e CC, (enquanto titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação) foram ambas, e cada uma delas, apresentadas em 15 de outubro de 2021, ou seja, já depois de, há muito, decorrido o prazo de 6 meses, sobre a alegada prática dos factos, do seu conhecimento e da sua autora.

19. Cada um dos ofendidos e dos seus legais representantes tomou conhecimento dos factos e da identidade da sua autora ainda no decurso do mês de janeiro de 2020, até porque as identificadas progenitoras que deduziram queixa, D. II e a D. JJ, foram inquiridas no âmbito do processo disciplinar que correu termos no Agrupamento de Escolas ..., respetivamente, nos dias 16.01.2020 e 22.01.20202, pelo que o respetivo direito de queixa caducou/extinguiu-se, pelo menos, nos dias 16.07.2020, e 22.07.2020.

20. As progenitoras e legais representantes dos restantes cinco menores também foram ouvidas e prestaram declarações naquele mesmo processo disciplinar, todas e cada uma delas, em meados do mês de janeiro de 2020.

21. No caso concreto, não pode o direito de queixa considerar-se validamente exercido na ocasião em que as progenitoras de alguns menores, em meados de janeiro de 2020, participaram os factos em causa à Direção do Agrupamento de Escolas ..., pois não só esta não constitui qualquer órgão de polícia criminal, como de tal comunicação não consta expressamente, nem se pode extrair, que aquelas legais representantes dos menores manifestaram, de forma inequívoca, vontade de procedimento criminal contra a autora dos factos assim comunicados, o que relevaria para julgar atempadamente exercido o respetivo direito de queixa.

22. A qualquer momento se podem e devem retirar as consequências do facto de a queixa não existir ou não ser juridicamente relevante.

Quando esta situação ocorre falta um pressuposto do procedimento, logo da condenação.

23. No caso dos presentes autos não foi tempestivamente apresentada qualquer queixa por quem tinha legitimidade para o fazer, pelo que se impõe a conclusão de que o Ministério Público carece de legitimidade para promover o presente processo, faltando um pressuposto essencial para a condenação da arguida.

24. Em consequência da falta do exercício tempestivo do direito de queixa pelos seus titulares, in casu, pelos legais representantes dos menores, e constituindo a queixa condição de procedibilidade relativamente quer ao crime de ofensa à integridade física simples, quer ao crime de injúria, o Ministério Público carece de legitimidade para promover o processo penal, o que determinará necessariamente a absolvição da arguida da instância quanto aos crimes de ofensa à integridade física simples e quanto aos crime de injúria apurados.

25. A indemnização de perdas e danos emergentes de crime, deve aferir-se em função do disposto na lei civil, e não podendo ser a arguida condenada pela prática de um qualquer facto ilícito típico criminoso, esta não se constituiu na obrigação de indemnizar, devendo os pedidos de indemnização civil formulados ser julgados totalmente improcedentes, com a consequente absolvição da demandada do peticionado.

26. O acórdão ora objeto de recurso fez uma incorreta aplicação da Lei e do Direito, violando, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos artigos 113.º, nºs 1 e 4, 115.º, n.º 1, 117.º, 143.º, n.ºs 1 e 2, 181.º, n.º 1 e 188.º, n.º 1, todos do Código Penal, e nos artigos 49.º, n.º 1, e 50.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, pelo que deve ser revogado.

Termos em que

Deve ser revogado o douto acórdão recorrido, substituindo-se por outro que absolva a arguida/Recorrente da prática dos crimes de ofensa à integridade física simples e de injúria pelos quais foi condenada.

Assim se fará, como sempre,

JUSTIÇA!

RECURSO MINISTÉRIO PÚBLICO

CONCLUSÕES:

1. AA, apesar de corretamente absolvida da prática de sete crimes de Maus Tratos p. e p. no artigo 152º-A/1-a) do CP não foi condenada, como devia, perante os factos provados nos parágrafos §1, §3, §5, §6, §7, §8, §9, §10, §11, pela comissão, em concurso efetivo, de sete crimes de Ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos art.s 143º/1, 145º/1-a) e 2, com referência ao art. 132º/2-c) do CP - delitos que se encontravam em relação de concurso aparente com aquele outro - o que redundou na violação dos preceitos derradeiramente indicados;

2. O bloco factológico supra citado demonstra que a arguida protagonizou, em contexto de sala de aula, em múltiplas ocasiões, agressões corporais nos seus alunos, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH numa evidente desproporção de forças, ela, adulta, eles crianças com apenas seis anos de idade, privadas de capacidade de defesa ou de resistência, ante a referida condição etária, e que se encontravam plena fase de desenvolvimento físico, emocional e cognitivo, tudo isto empolando o grau de censurabilidade para um patamar superior;

3. Identicamente e em concomitância, se verifica uma particular e intensa “perversidade”, imediatamente evidenciada na motivação subjacente às agressões - relembre-se, sucediam devido à distração dos alunos e a dificuldades de aprendizagem destes - em que AA investida do seu múnus de docente e prevalecendo de tal, implantou um clima de terror, como representou e quis, produzindo nos discentes assim vitimizados - cuja segurança e bem-estar deveria garantir -, sentimentos de medo e de vergonha - note-se que ninguém gosta ser sovado, muito menos perante o olhar de terceiros - não se coibindo de o encetar mesmo perante alunos com necessidades educativas especiais, como sucedida com menor HH;

4. A conduta apurada e elevada ao quadro probatório máximo, revela traços de personalidade inquietantes, de instrumentalização da posição de poder para domínio e humilhação de seres indefesos;

5. Muito impressivamente, resultou provado que a arguida atuou “com o propósito de maltratar e molestar física e psicologicamente os menores seus alunos, entregues à sua responsabilidade com o dever de os educar e proteger, ofendendo-os na sua honra e consideração, amedrontando-os, molestando os seus corpos, a sua liberdade e desenvolvimento académico e ofendendo também os seus sentimentos de timidez e vergonha perante os seus pares (…) Sabia que atuava dentro da sala de aulas, causando aos ofendidos medo, inquietação e insegurança e que, ao dirigir-se aos alunos nos termos em que o fez, os humilhava perante os colegas (…) Sabia, por ser professora dos ofendidos, que durante o período em que permaneciam na escola estes sete menores se encontravam sob a sua responsabilidade, direção e educação, e que devido à sua idade não tinham capacidade para se defenderem das agressões e humilhações de que eram vítimas. (…) A arguida sabia que ao atuar nos termos suprarreferidos molestava fisicamente os alunos de tenra idade, com 6 anos, frágeis e indefesos, os quais iniciavam um novo ciclo de ensino, sendo sua obrigação protegê-los de comportamentos lesivos do seu desenvolvimento académico, autonomia e aprendizagem, e atuou indiferente à idade dos menores, querendo assim proceder, provocando-lhes dor física, psicológica e emocional, e bem assim, ao facto de o fazer dentro da sala de aulas.- cfr. §7 a §10 dos factos provados [negrito nosso];

6. Ante o referido universo fáctico, encontra-se, a nosso ver, completamente perfetibilizado, porquanto preenchidos os seus elementos típicos, objetivo e subjetivo e também o tipo de culpa dolosa, o crime de Ofensa à integridade física qualificada pelo qual a arguida deverá ser condenada, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efetivo, por sete delitos, tantos quantos o número das vítimas - cfr. art. 30º/1 e 3 do CP;

7. AA foi absolvida, devido a contradição insanável da fundamentação [cfr. art. 410º/2-b)- do CPP] da prática de cinco crimes de Denúncia Caluniosa, p. e p. no art. 365º/1 do CP.

8. Existe uma incompatibilidade lógica absoluta entre os factos assentes, descritos nos parágrafos §6, §7, §10, §11 e o agregado não provado sob as alíneas “J” e “K” e, outrossim, mais particularmente, entre o inserto no §22 in fine dos factos provados e a alínea “L” dos factos não provados;

9. A partir do momento em que se admite que AA agrediu fisicamente as crianças, torna-se racionalmente insustentável afirmar que a mesma, quando realiza a queixa, não estivesse elucidada que as afirmações dos pais dos alunos a esse respeito fossem verdadeiras;

10. A antinomia é por demais evidente e fatal: por um lado, confirma-se que a arguida praticou atos de violência física e psicológica sobre os alunos, com dolo direto e pleno conhecimento da ilicitude, mas, por outro lado, afirma-se que, ao apresentar queixa contra os pais das crianças — por estes denunciarem precisamente tais comportamentos —, a arguida não saberia estar a imputar-lhes falsidades, nem que nem atuava com o intuito de os perseguir criminalmente;

11. Acresce que, aceitar positivamente que “Pelos factos descritos deseja procedimento criminal contra os suspeitos e ficou ciente dos trâmites legais a seguir” - cfr. §22 dos factos provados in fine - contrasta radicalmente com o entender não provado que “A arguida agiu com a intenção concretizada de que fosse instaurado procedimento criminal - cfr. §L dos factos não provado.

12. Importa à luz do disposto no art. 431º-a) do CPP mobilizar para categoria positiva, os factos vertidos nas alíneas J), K), L), os quais concatenados com a factualidade primitivamente recebida por assente, preenchem o tipo objetivo e subjetivo de ilícito do art. 365º/1 do CP, impondo-se, a estas luzes, condenar AA pela comissão, em autoria imediata na forma consumada e em concurso efetivo de cinco crimes de Denúncia Caluniosa, na procedência da acusação pública e da pronúncia.

PELO EXPOSTO,

deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, nos termos aduzidos,

como é de LEI!


*

3. Na resposta que apresentou o Ministério Público alegou:

A República já exerceu a sua competência fiscalizadora do acórdão em crise, interpondo recurso.

Como então se argumentou, a factualidade havida por provada, mormente nos parágrafos §1, §3, §5, §6, §7, §8, §9, §10, §11, enquadra-se nos conceitos de “especial censurabilidade e perversidade”, motivo pelos quais as agressões corporais aos menores BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH preenchem os elementos típicos, objetivos e subjetivos, do crime de Ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos art.s 143º/1, 145º/1-a) e 2, com referência ao art. 132º/2-c) do CP

Trata-se de um crime de natureza pública, a significar que a investigação e promoção da correspondente ação penal, incumbe, em homenagem do Princípio da Oficialidade, ao Ministério Público, sem carência de prévia manifestação de vontade do ofendido para o efeito - cfr. art. 48º do CPP.

Passemos para o crime de Injúria.

A estrutura complexa do interesse protegido no art. 152º-A do CP - a saúde, nas suas refrações, física, psíquica e mental - contempla o desvalor traduzido pela violação de um conjunto heterogéneo de bens jurídicos, os quais, se atomisticamente considerados, poderiam integrar, entre o mais, o delito retro mencionado.

In casu, a autonomização do crime de Injúria resulta da ausência de prova do crime de Maus tratos, tendo a configuração normativa ao longo do processo até ao julgamento, sido precisamente neste último, cuja natureza é eminentemente pública, logo, desnecessitada de queixa ou de acusação particular.

Já o crime de Injúria configura um ilícito de natureza particular, impondo, nessa medida, ao ofendido, que além de apresentar queixa e se constitua assistente e deduza acusação particular - art.s 50º/1, 68º/2, 246º/4 e 285º, todos do CPP e art.s 180º/1 e 188º do CP.

Quid iuris se tal tramitação não foi observada, considerando as aludidas especificidades emergentes da mencionada relação de concurso.

Esta questão foi solucionada e já uniformizada pela Suprema Instância pátria, quanto ao crime de Violência Doméstica, p. e p. no art. 152º/1 do CP, nos seguintes termos:

«O Ministério Público mantém a legitimidade para o exercício da ação penal e o assistente a legitimidade para a prossecução processual, nos casos em que, a final do julgamento, por redução factual de acusação pública por crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, do Código Penal, são dados como provados os factos integrantes do crime de injúria p. e p. no artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, desde que o ofendido tenha apresentado queixa, se tenha constituído assistente e aderido à acusação do Ministério Público.» - AUJ 131/2024, in DR Série I de 2024-07-09

Cremos que a ratio recidendi deste veredito deverá valer para o caso concreto e dele retirar as necessárias consequências, unicamente quanto ao crime de injúria, p. e p. no art. 181º/1 do CP.

Como é de justiça e de LEI!

4. Na resposta que apresentou AA formulou as seguintes

CONCLUSÕES:

1. Sempre que haja alteração da qualificação jurídica dos factos há que dar oportunidade ao arguido para salvaguardar os seus direitos de defesa e lhe ser proporcionado o exercício do direito ao contraditório.

2. No caso dos autos, na continuação da audiência de discussão e julgamento, ocorrida em 27.02.2025, o Tribunal a quo proferiu decisão determinando uma alteração da qualificação jurídica dos factos, que integrariam “a prática de: sete crimes de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143, n.º 1, do Código Penal, quatro crimes de injúria p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal”.

3. Nessa ocasião todos os presentes, incluindo o Digno Magistrado do Ministério Público, concordaram com aquele entendimento do Tribunal, e, por isso, não manifestaram qualquer oposição a tal decisão.

4. A aceitar-se agora a alteração da qualificação jurídica pretendida pelo M.P. tal significaria omitir a efetiva possibilidade de a arguida discutir, contestar e valorar adequadamente os novos factos agora trazidos à colação pelo M.P. para fundamentar essa agravação da qualificação jurídica, não se estando a assegurar o pleno exercício do direito de defesa da arguida em toda a sua extensão, de modo a proporcionar-lhe que se pronuncie sobre a nova qualificação que não tinha sido ponderada.

5. Essa omissão deverá determinar a proibição do Tribunal “Ad quem” valorar as provas subtraídas ao contraditório e não considerar as circunstâncias alegadamente qualificativas das agressões dadas como levadas a cabo pela arguida.

6. Uma diferente qualificação, do artigo 143, n.º 1 para o artigo 145, n.º 1, alínea a) e n.º 2, ambos do Código Penal, com apelo a circunstâncias agravantes qualificativas, não mencionadas ainda em qualquer decisão proferida no processo, não significa repor uma qualificação, de que a arguida já tivesse tido oportunidade de se defender, em toda a sua extensão, estando vedada a possibilidade de surpreender a arguida com recurso a uma circunstância qualificativa ainda não invocada, pelo que não pode ser admitida nem apreciada em sede de recurso.

7. As circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º do Código Penal são elementos da culpa, enquanto suscetíveis de, entre outras, revelar a especial censurabilidade ou perversidade do arguido, uma vez que o legislador enveredou pela técnica dos exemplos-padrão como fundamento para a afirmação de uma culpa agravada.

8. Não basta o preenchimento objetivo de uma qualquer ou de várias das alíneas do nº 2 do art. 132º, ou de qualquer outra circunstância substancialmente análoga às aí descritas, para que o tipo qualificado de homicídio esteja preenchido. É sempre necessário que, além do preenchimento objetivo de pelo menos uma dessas alíneas ou de circunstância substancialmente análoga, também se proceda à autónoma comprovação da existência de uma especial censurabilidade ou especial perversidade do agente.

9. O que releva e está pressuposto na qualificação, é sempre a manifestação de um especial e acentuado «desvalor de atitude», que traduz e que se traduz na especial censurabilidade ou perversidade, e que conforma o especial tipo de culpa.

10. No caso dos autos, provou-se que no período compreendido entre meados do mês de setembro de 2019 e do mês de janeiro de 2020, em dias não concretamente apurados, no interior da sala de aulas, a arguida:

- desferiu uma pancada com o livro escolar do menor na zona da nuca na cabeça do aluno BB;

- desferiu uma bofetada com a mão na face do aluno GG;

- no dia 13 de janeiro de 2020, desferiu duas bofetadas com as mãos em ambas as bochechas da face da aluna CC;

- desferiu pancada, utilizando a mão, na cabeça do aluno DD, bem como uma pancada com o livro da professora, atingindo-o na zona da nuca na sua cabeça;

- em uma ocasião, desferiu pancadas com a mão na zona da nuca da cabeça do aluno EE;

- desferiu uma pancada, utilizando ambas as mãos, nas bochechas da face da aluna FF; e,

- desferiu um estalo com uma mão no aluno HH.

11. No caso em apreço, foi dado como provado que, em consequência dos comportamentos da arguida, estes alunos sofreram dores nas suas faces, chegando alguns deles a chorar, ainda que sem necessidade de assistência hospitalar.

12. O resultado da ação da arguida, “corporalmente considerada”, é “de reduzida monta”, (conforme é reconhecido pelo Digno Magistrado do M.P. nas suas alegações de recurso).

13. Inexiste a especial censurabilidade ou perversidade do agente, pois que o sofrimento físico ou psíquico não ultrapassa, pela sua intensidade ou duração a medida de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima.

14. A arguida não atuou em circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade, não se verificando os pressupostos da alínea c), do nº 1, do artigo 132º do Código Penal, ou qualquer outra circunstância valorativamente análoga às elencadas nessa norma legal.

15. Não se encontram verificados os pressupostos da pretendida qualificativa para a condenação da arguida pelo crime previsto e punido pelo artigo 145º, nº 1, alínea a), e nº 2, do Código Penal.

16. Verifica-se contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal.

17. A decisão de absolver a arguida da eventual prática dos cinco crimes de denuncia caluniosa não assenta em qualquer alegada contradição entre factos dados como provados e aqueles que não resultaram provados.

18. A decisão do Tribunal a quo assentou na sua conclusão de que na queixa que apresentou a arguida não imputou qualquer facto concreto aos denunciados, assentando tal conclusão na matéria constante do ponto 22, 24 e 30 dos factos dados como provados.

19. O tipo legal do crime de denúncia caluniosa exige a denúncia ou simples “lançamento de suspeita” contra alguém, por qualquer meio, imputando-lhe factos concretos, suscetíveis de desencadear procedimento contra si.

20. O Tribunal a quo concluiu que a arguida não imputou aos denunciados qualquer facto concreto, uma vez que:

- na sua queixa se limitou a referir que os suspeitos têm caluniado e difamado a denunciante com emails enviados à Direcção da Escola onde trabalha e estes continuam a pressionar a escola para que esta deixe de leccionar na escola, mesmo não sendo neste momento professora dos filhos dos suspeitos, desejando procedimento criminal contra os suspeitos pelos factos descritos; e,

- quando foi inquirida como denunciante, a arguida confirmou na íntegra todo o conteúdo do auto de denuncia que formalizou e que deu origem ao inquérito, por os factos denunciados corresponderem à verdade, sentindo-se, em face do exposto, caluniada, difamada e injuriada e vitima de bullying.

21. Atendendo ao teor da matéria dada como provada e daquela que não resultou provada, não existe qualquer contradição insanável da fundamentação do acórdão, muito menos qualquer contradição que permita questionar a bondade e o mérito da decisão tomada de absolver a arguida da prática dos cinco crimes de denuncia caluniosa em virtude da fundamentação de tal decisão assentar na conclusão alcançada pelo Tribunal “a quo”, que a arguida não imputou qualquer facto concreto aos denunciados, e que, por essa razão, não se encontram reunidos os pressupostos objetivos e subjetivos do cometimento pela arguida do crime de denúncia caluniosa.

Termos em que o recurso a que ora se responde não deve merecer provimento.

Assim se fará, como sempre

JUSTIÇA!


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5. Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no qual secundando as motivações do recurso do Ministério Público, invoca o Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 5 de Fevereiro de 2025 (Processo n.º 37/23.1GFPNF.P1), e pugna pela procedência do recurso do Ministério Público e pela improcedência do recurso da arguida.

*

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a recorrente AA apresentou resposta ao parecer, na qual manteve o alegado na motivação de recurso por si formulada e na resposta ao recurso do Ministério Público.

*

7. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

*

****


II. FUNDAMENTAÇÃO

1. ACÓRDÃO RECORRIDO

FACTOS PROVADOS

1. No ano de 2019, a arguida AA exercia as funções de professora no Agrupamento de Escolas ..., em ..., lecionando ao 1.º ano da Escola ..., sita na Rua ..., em ..., concelho ....

2. No ano letivo 2019/2020, a arguida deu aulas à turma B do 1.º ano da qual faziam parte vinte e três alunos, entre os quais os seguintes sete menores:

i. BB, nascido em ../../2013,

ii. CC, nascida em ../../2013,

iii. DD, nascido em ../../2013,

iv. EE, nascido em ../../2012,

v. FF, nascida em ../../2013,

vi. GG, nascido em ../../2013, e,

vii. HH, nascido em ../../2013.

3. A arguida exerceu as funções de docência àqueles menores no período compreendido entre meados do mês de setembro de 2019 e do mês de janeiro de 2020 até que lhe foi instaurado o processo disciplinar n.º ... pelo Agrupamento de Escolas no qual exercia funções, no âmbito do qual foi afastada da docência a estes menores.

4. Nesse processo disciplinar concluiu-se que a arguida violou normas funcionais, nomeadamente os deveres de zelo e correção e, em consequência, em sede de recurso, a DGESTE da DSR Norte aplicou-lhe a pena disciplinar de suspensão por 30 dias suspensa na sua execução por um ano, continuando a exercer funções de docência no ensino básico até à presente data.

5. No período supra, em dias não concretamente apurados, no interior da sala de aulas, a arguida:

- desferiu uma pancada com o livro escolar do menor na zona da nuca na cabeça do aluno BB, atingindo-o perto das orelhas, e chamou-o, pelo menos uma vezes, de “burro”,

- desferiu uma bofetada com a mão na face do aluno GG, por este não estar atento, responder errado às perguntas, bem como o apelidou de “deficiente e burro”.

- no dia 13 de janeiro de 2020, após dizer à aluna CC que tinha escrito os números grandes demais, disse-lhe “vai haver batata frita”, desferiu duas bofetadas com as mãos em ambas as bochechas da face desta aluna, de tal forma que fez barulho e provocou dores, mas a menor susteve o choro por recear que a arguida lhe batesse mais,

- após o menor errar a resposta a uma pergunta, desferiu pancada, utilizando a mão, na cabeça do aluno DD, bem como uma pancada com o livro da professora, atingindo-o na zona da nuca na sua cabeça e chamou-o de “mentiroso”,

- em pelo menos em uma ocasião, desferiu pancadas com a mão na zona da nuca da cabeça do aluno EE e chamou-o de “burro”,

- a arguida desferiu uma pancada, utilizando ambas as mãos, nas bochechas da face da aluna FF,

- em quantidades não concretamente apuradas, mas pelo menos uma vez, apelidou o aluno HH de “burro e deficiente” quando este manifestava dificuldades de aprendizagem, não conseguia completar o trabalhos e errava nas respostas, apesar de ser do conhecimento da arguida que este tinha necessidades educativas especiais, desferiu um estalo com uma mão.

6. Em consequência dos comportamentos da arguida, estes alunos sofreram dores nas suas faces, chegando alguns deles a chorar, ainda que sem necessidade de assistência hospitalar, viveram um clima de medo da arguida, sofrimento, angústia, intranquilidade, insegurança, tristeza, fragilidade e humilhação, receio de irem para a escola, sem capacidade de reagir à atuação da arguida dada a sua tenra idade, temendo que a mesma os voltasse a molestar nos seus corpos caso colocassem dúvidas ou errassem em qualquer uma das tarefas escolares, temendo ainda que a arguida lhes dirigisse expressões que atentassem contra a sua honra e consideração como seres humanos, alunos e crianças.

7. A arguida, não obstante ter mais de 30 anos de serviço, atuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de maltratar e molestar física e psicologicamente os menores seus alunos, entregues à sua responsabilidade com o dever de os educar e proteger, ofendendo-os na sua honra e consideração, amedrontando-os, molestando os seus corpos, a sua liberdade e desenvolvimento académico e ofendendo também os seus sentimentos de timidez e vergonha perante os seus pares.

8. Sabia que atuava dentro da sala de aulas, causando aos ofendidos medo, inquietação e insegurança e que, ao dirigir-se aos alunos nos termos em que o fez, os humilhava perante os colegas.

9. Sabia, por ser professora dos ofendidos, que durante o período em que permaneciam na escola estes sete menores se encontravam sob a sua responsabilidade, direção e educação, e que devido à sua idade não tinham capacidade para se defenderem das agressões e humilhações de que eram vítimas.

10. A arguida sabia que ao atuar nos termos suprarreferidos molestava fisicamente os alunos de tenra idade, com 6 anos, frágeis e indefesos, os quais iniciavam um novo ciclo de ensino, sendo sua obrigação protegê-los de comportamentos lesivos do seu desenvolvimento académico, autonomia e aprendizagem, e atuou indiferente à idade dos menores, querendo assim proceder, provocando-lhes dor física, psicológica e emocional, e bem assim, ao facto de o fazer dentro da sala de aulas.

11. A arguida agiu sempre de forma deliberada, livre e conscientemente, indiferente ao sofrimento dos menores ofendidos, bem sabendo que tais condutas são proibidas e punidas por lei penal como crime.

Do processo …

12. No ano de 2019, a arguida AA exercia as funções de professora no Agrupamento de Escolas ..., em ..., lecionando ao 1.º ano da Escola ..., sita na Rua ..., em ..., concelho ....

13. No ano letivo 2019/2020, a arguida deu aulas à turma B do 1.º ano da qual faziam parte vinte e três alunos, entre os quais os seguintes sete menores:

i. BB, nascido em ../../2013,

ii. CC, nascida em ../../2013,

iii. DD, nascido em ../../2013,

iv. EE, nascido em ../../2012,

v. FF, nascida em ../../2013,

vi. GG, nascido em ../../2013, e,

vii. HH, nascido em ../../2013.

14. Os ofendidos KK e JJ são pais de CC, os ofendidos LL e II são pais de BB e a ofendida MM é mãe de DD.

15. Por despacho datado de 08 de Março de 2020, foi instaurado à arguida AA processo disciplinar, que correu termos sob o nº ..., pelo Agrupamento de Escolas ....

16. No âmbito das diligências efectuadas no âmbito do referido processo disciplinar, vieram a ser dados como provados os seguintes factos:

“A docente, durante as actividades lectivas de que é responsável – é professora titular da turma B do 1º no da Escola ... -, durante o primeiro período procedeu, nos termos que seguidamente se transcreve dos autos de cada um dos inquiridos, assim:

17. Praticou actos de contacto físico, com um ou mais alunos, na sala de aula da turma 1B da Escola ..., durante o primeiro período e em datas que os alunos não conseguem indicar, a saber:

- BB – que lhe batera muitas vezes com a mão, com força, e duas com um livro, uma com força e outra devagar;

- GG – lhe tinha batido, tendo respondido que sim, que batera na cara com mão e que lhe doera muito;

- GG – que vira apenas a um aluno chamado BB e a outra menina;

- CC, que era “muito tímida no falar”, que batera com a mão;

- CC – que lhe batera com as duas mãos na cara e que lhe doera muito;

- DD – que lhe batera na cabeça com a mão e que doera um pouco;

- EE – que lhe batera na cabeça com a mão e que lhe doera um pouco;

- FF – lhe tinha batido, nas faces, com as duas mãos e que lhe doera pouco;

- FF – que fora no DD, no GG e no BB; que a este último lhe batera com um livro na cabeça;

- HH – já lhe tinha batido na cabeça com um conjunto de folhas, tendo, no gesto, roçado um pouco num dos olhos;

- HH – que vira bater nas mãos do GG, dando uma sapatada com as mãos, porque estava a partir os bicos do lápis;

- NN – que fora com a mão, no BB e no GG, nas mãos destes alunos e com força, tendo os alunos chorado;

- OO – que fora com a mão, no GG, na cara do aluno e com força, tendo o aluno quase chorado;

18. Contacto esses efectuados (…) directamente com uma, com as duas mãos, ou indirectamente com outro (s) objecto (s) na cabeça dos alunos (de realçar, no caso de contacto directo com as duas mãos, a ação conhecida por todos os alunos como “batatas fritas”: contacto das duas mãos da docente com as duas faces dos alunos, simulando palmas na cara dos alunos, que para uns foi mera brincadeira que não magoou r para outros como tendo “doído muito”, mas para outros como agressão, com um livro, com um conjunto de folhas de papel, sapatada numa das mãos de um aluno que apresentava um comportamento de má utilização do material escolar e recusa de cumprimento de tarefas (destruição de material escolar e recusa e cumprimento de tarefas (…)”.

19. No âmbito do mesmo, por decisão proferida em 27 de Março de 2020, foi aplicada à arguida a sanção disciplinar de repreensão escrita e, posteriormente, na sequência de recurso hierárquico, foi aquela decisão revogada e aplicada, por decisão proferida em 12 de Agosto de 2020, pela Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares, Direcção de Serviços da Região Norte, no âmbito do processo nº …, a sanção disciplinar de suspensão pelo período de 30 (trinta) dias, suspensa na sua execução pelo período de 01 (um) ano.

20. De tal decisão foi a arguida devidamente notificada, em 20 de Agosto de 2020, tendo a mesma ficado ciente do seu teor, designadamente dos factos dados como provados no âmbito do referido processo disciplinar.

21. A arguida não recorreu nem impugnou judicialmente a decisão proferida, que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão pelo período de 30 dias, tendo a mesma transitado em julgado.

22. Sucede que, no dia 01 de Outubro de 2021, cerca das 14.50 h., a arguida dirigiu-se à esquadra policial da PSP ..., e ali, perante o agente PP, que lavrou o respectivo auto de denúncia, apresentou queixa contra os ofendidos KK, JJ, LL, II e MM, dando conta dos seguintes factos:

“É professora na Escola ... e foi professora dos filhos dos suspeitos há dois anos atrás;

Nessa altura foi acusada pelos suspeitos de agredir os filhos dos suspeitos e de ser racista e xenófoba;

Houve um processo disciplinar movido à denunciante e no final foi declarada inocente;

Desde essa altura os suspeitos têm caluniado e difamado a denunciante com emails enviados à Direcção da Escola onde trabalha e estes continuam a pressionar a escola para que esta deixa de leccionar na escola, mesmo não sendo neste momento professora dos filhos dos suspeitos;

Pelos factos descritos deseja procedimento criminal contra os suspeitos e ficou ciente dos trâmites legais a seguir”.

23. Tal denúncia deu origem ao processo de inquérito nº …, onde foi realizada a respectiva investigação aos ilícitos denunciados, pelos Serviços do Ministério Público de Espinho.

24. No dia 17 de Março de 2022, cerca das 16.15 h., na PSP ..., a arguida AA foi inquirida como denunciante no âmbito do supra mencionado inquérito, tendo dado conta do seguinte: “Confirma na íntegra todo o conteúdo do auto de denúncia que formalizou e que deu origem ao presente inquérito, por os factos denunciados corresponderem à verdade.

25. Refere que à data dos factos denunciados, quer actualmente, é professora na Escola ..., do ..., referindo que no ano lectivo de 2019/2020, foi professora do 1º ano, da turma dos filhos dos denunciados.

26. No decurso do referido ano letivo, os denunciados KK, JJ, progenitores da aluna CC, LL, II, progenitores do aluno BB e QQ, progenitora do aluno DD, sem qualquer fundamento, acusaram a depoente/lesada/ofendida de ter agredido os filhos dos mesmos, bem como outros alunos da mesma turma.

27. Que mesmo sem qualquer tipo de fundamento, a escola/agrupamento escolar, entendeu abrir um processo de averiguações, seguindo os termos normais neste tipo de casos, cujo processo foi concluído/arquivado, sendo ilibada das acusações que lhe foram movidas.

28. Esclarece que no decorrer do referido processo de averiguações, situação extensível sensivelmente por mais um ano, esteve de baixa psicológica na sequência das acusações que lhe foram imputadas, facto que a deixou bastante debilitada a nível psicológico/emocional.

29. Quando retomou a sua actividade de forma normal, foi confrontada com os emails identificados a fls. 6, 7 e 8, enviados pelos denunciados ao referido agrupamento escolar, com o título: insegurança na escola, cujo conteúdo dos emails a deixou totalmente perplexa/desgostosa, uma vez que já não era professora dos alunos citados.

30. Em face do exposto, sente-se caluniada, difamada e injuriada, sentindo-se também vítima de bullying”.

31. Os ofendidos KK, JJ, LL, II e MM foram constituídos como arguidos no referido inquérito e, nessa qualidade, foram interrogados e prestaram declarações nele.

32. Em 23 de Abril de 2022 foi proferido despacho de arquivamento no âmbito do inquérito nº …, por carência de indícios, relativamente aos ilícitos ali denunciados, passíveis de consubstanciar a prática dos crimes de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180º, nº 1, e 184º, ambos do Código Penal, e de perseguição, previsto e punido pelo artigo 154º-A, nº 1, do Código Penal.

33. A arguida conhecia perfeitamente o teor dos factos dados como provados no processo disciplinar que lhe foi instaurado pelo Agrupamento de Escolas ....

Do Pedido de Indemnização Civil de BB

34. Com a aludida conduta, a demandada provocou ao demandante dores e sofrimento físico.

35. A demandada ofendeu, também, a honra do demandante.

36. Por força da atuação da demandante, o demandado passou a sofrer de insegurança e timidez, quer no contexto escolar, quer nos contextos familiar e social.

37. Deixou de querer ir à escola e chorava sempre que os seus pais ali o levavam.

38. Tendo estes de procurar acalmar e convencer o menor a ficar na escola.

Do Pedido de Indemnização Civil de DD

39. Com a aludida conduta, a demandada provocou ao demandante dores e sofrimento físico.

40. A demandada ofendeu, também, a honra do demandante.

41. Por força da atuação da demandante, o demandado passou a sofrer de insegurança e timidez, quer no contexto escolar, quer nos contextos familiar e social.

42. Deixou de querer ir à escola e chorava diariamente sempre que os seus pais ali o levavam.

43. Tendo estes de procurar acalmar e convencer o menor a ficar na escola.

Do Pedido de Indemnização Civil de GG

44. Com a aludida conduta, a demandada provocou ao demandante dores e sofrimento físico.

45. A demandada ofendeu, também, a honra do demandante.

46. Por força da atuação da demandante, o demandado passou a sofrer de insegurança e timidez, quer no contexto escolar, quer nos contextos familiar e social.

47. Deixou de querer ir à escola e chorava sempre que os seus pais ali o levavam.

48. Tendo estes de procurar acalmar e convencer o menor a ficar na escola.

49. Ainda atualmente o demandante padece de enurese.

50. O demandante vivenciou episódios involuntários de perda de urina e de vazamento de fezes no contexto escolar.

51. Passando, por isso, a levar mudas de roupa para a escola e mudando-a efetivamente aquando de tais episódios.

52. A ocorrência dos referidos episódios provocaram ao demandante sentimento de vergonha perante os seus pares de escolar.

53. E deixaram-no triste e afetaram negativamente a sua autoestima.

54. O demandante passou a frequentar consultas de psicologia junto da Sra. Psicóloga RR, desde 19.11.2019 até aos dias de hoje.

55. Entre a indicada data e o final do ano de 2022 o demandante frequentou a consulta da Sra. Psicóloga à razão de uma vez por semana.

56. E no ano de 2023, até à data de dedução do presente pedido, as consultas passaram a ter uma frequência quinzenal.

57. Entre 19.11.2019 e a presente data o demandante compareceu em 180 consultas (7 no ano de 2019, 156 nos anos de 2020, 2021 e 2022 (52 semanas*3) e 17 no ano de 2023 (2*8 meses +1).

58. O demandante pagou à Sra. Psicóloga a quantia de 25,00€ por cada consulta.

59. Tendo gastado na remuneração daquela a quantia global de 4.500,00€.

60. O demandante necessitará de continuar a frequentar a consulta de psicologia futuramente.

61. O demandante, desde o ano de 2019, passou a tomar medicação diária para tratamento da enurese e da encoprese.

62. O que ainda sucede presentemente no que respeita à enurese e sucederá, também, futuramente.

63. O demandante despendeu em aquisição de medicação a quantia de, pelo menos, 500,00€.

Do Pedido de Indemnização Civil de EE

64. Com as agressões sofridas causaram dores no demandante.

65. O demandante viveu num clima de medo da arguida, sofrimento, angústia, intranquilidade, insegurança, tristeza, humilhação e receio de ir para a escola pois tinha medo que a professora voltasse a bater-lhe ou lhe dirigisse expressões que atentassem contra a sua honra e consideração.

Da contestação

66. Desde a ocasião do falecimento do último dos seus progenitores, no caso o seu pai, cujo óbito ocorreu em meados do ano de 2014, a arguida vem vivendo num estado de depressão psicológica.

67. Anomalia psíquica essa que se agravou, substancialmente, a partir de Janeiro de 2020, como resultado das acusações que foi alvo e que estiveram na origem do processo disciplinar e do presente processo.

68. Tendo-lhe sido diagnosticado, pela Dr. SS, chefe do Serviço em Psiquiatria ..., do Grupo Hospital ..., “um quadro psiquiátrico compatível com o diagnóstico de Perturbação mista depressiva e ansiosa” (cfr. docs. n.ºs 1 e 2)

69. Encontrando-se, por isso, “sem condições para o exercício da sua atividade profissional”.

70. Por esse motivo, a arguida encontra-se de baixa médica, desde meados de Janeiro de 2020, tendo apenas interrompido essa baixa médica em Setembro de 2021, quando tentou, sem sucesso, regressar à escola e ao exercício da sua atividade profissional, retornando, quase de imediato, à situação de baixa médica.

71. Sendo que, a arguida foi observada em consulta de psiquiatria no Hospital 1..., ..., logo em 18.02.2020, tendo, então sido constatado pela Dr. TT, médica de psiquiatria nesse hospital que aquela “apresentava queixas e sintomas compatíveis com quadro de Transtorno do Adaptação com reação emocional mista de depressão e ansiedade, desencadeado e mantido pela existência de problemas profissionais de difícil resolução”.

72. Encontrando-se, naquela ocasião sob tratamento psicofarmacológico.

73. Referindo “não se encontrar com capacidade para desempenhar as suas funções laborais habituais”.

74. Tendo, por isso, continuado a ser seguida, de forma regular, pela mencionada Dr.ª TT, pelo menos até 04 de Maio de 2021, ocasião em que apresentava queixas e sintomas compatíveis com o quadro relatado em 21.07.2020, embora se encontrasse melhor do seu quadro clinico, necessitando de “mais um período de baixa médica para consolidação dessas melhorias”.

75. Em 07.03.2023, a Prof.ª Dr.ª UU, médica de Psiquiatria, também no Hospital 1... – ..., certificava que a arguida “necessita de acompanhamento regular em consulta de psicologia clínica para terapia cognitiva”.

76. Com data de 26.09.2023, a referida Prof. Dr.ª UU, declarava que a arguida mantinha tratamento com fluoxetina e amitriptilina, mantendo-se “a situação vivencial desencadeante da mal-adaptação e sintomas ansiosos-depressivos…” apresentando a doente “marcada dificuldade e incapacidade para o desempenho da sua atividade com professora”.

77. Também a Dr.ª VV, médica de família na Unidade de Saúde ..., informava, em 12.07.2023, que a arguida “se encontra incapaz para o trabalho por apresentar agravamento da sua depressão… tendo alterado a sua medicação e aconselhado suspender temporariamente a atividade laboral”.

78. Reiterando a supra mencionada Dr.ª VV, com data de 21.11.2023 e 06.06.2024 que a arguida mantem incapacidade para o trabalho por se encontrar com depressão grave, sendo acompanhada por psiquiatria.

79. Tudo razões pelas quais, as Juntas Médicas da ADSE, em 11.05.2021, 03.10.2023 e 04.12.2023, “tendo como fundamento a observação clínica, os elementos auxiliares de diagnóstico e o(s) relatório(s) no processo, deliberou, por unanimidade … Eventual incapacidade permanente…”

80. As Juntas Médicas, igualmente, da ADSE, realizadas, respetivamente, em 18.06.2023, 26.02.2024 e 23.04.2024, “tendo como fundamento a observação clínica, os elementos auxiliares de diagnóstico e o(s) relatório(s) no processo, deliberou, por unanimidade … Impossibilidade de regresso ao serviço.”

81. A anomalia psíquica de que a arguida padecia e padece e, que como se disse, se agravou desde Janeiro de 2020, originou nesta alterações de comportamento, inclusive na relação com os aqui ofendidos.

Relativamente às condições sociais, pessoais e profissionais da arguida, apurou-se:

82. AA reside em agregado unifamiliar desde o divórcio ocorrido em 2015, do relacionamento de matrimónio mantido durante 31 anos e do qual tem uma filha, de 37 anos, autonomizada, a residir e a trabalhar em Lisboa.

83. A arguida sempre manteve a residência na morada indicada nos autos, desde a infância, onde residiu com os progenitores e o irmão mais novo.

84. Os progenitores, entretanto falecidos, mantiveram como atividade laboral uma mercearia local no referido contexto residencial, no R/C da moradia. Após a morte dos progenitores, o irmão da arguida permaneceu a residir no 1º andar da moradia e a arguida manteve-se a residir em habitação/moradia semelhante, construída no mesmo terreno, enquadramento que se mantém.

85. As interações familiares foram descritas como normativas, positivas e apoiantes, contando a arguida com o apoio da família de origem e constituída.

86. A arguida trabalha como professora de ensino básico desde 1984, com situação contratual de efetividade, estando afeta à Escola Básica ... (encerrada), atual Escola 1..., do Agrupamento de Escolas ..., em ..., desde há 23 anos.

87. Encontra-se de baixa médica desde fevereiro de 2023, por força da instabilidade pessoal e emocional decorrente do presente processo, a auferir o valor ilíquido de €1990.79 (atribuído pela ADSE).

88. A arguida desempenhava funções de professora de ensino básico (1º ciclo), na Escola Básica ....

89. Aufere o vencimento ilíquido de €3320.22, acrescido do respetivo subsídio de alimentação, a perfazer o vencimento liquido médio mensal de €2000.

90. Valor dos rendimentos líquidos da arguida: €2000;

91. Valor dos rendimentos líquidos do agregado: €2000

92. Valor total das despesas/encargos fixos do agregado: 1150€.

93. AA testemunha percurso e inserção normativa, sendo a própria e o agregado de origem conhecidos no meio, pelo negócio próprio dos progenitores, em que a arguida e o irmão sempre colaboraram.

94. A arguida apresenta inserção discreta, tida como pessoa prestável, sendo conhecida a sua atividade laboral como professora, merecendo reconhecimento positivo no meio social e profissional.

95. No meio profissional a arguida foi descrita como profissional pautada por competência pedagógica e de ensino, rigor e afetividade, quer com os alunos como restante comunidade escolar. Regista dedicação e envolvimento profissional reconhecido no Agrupamento de Escolas em apreço, com participação em atividades alargadas e suplementares relacionadas com a sua atividade laboral.

96. No presente, por se encontrar de baixa médica, a arguida conta com quotidiano estruturado em função da gestão doméstica e convivialidade familiar, mantendo ajustada integração familiar e sociocomunitária nos meios em que se move.

97. A arguida é seguida na USF ..., registando problemas de saúde de natureza crónica (gastrointestinal e pele), onde cumpre medicação, com beneficio clínico. A par tem sido seguida no âmbito do presente processo, por manifestações de natureza depressiva e ansiosa, quer na unidade de saúde local, como em consulta de psiquiatria em hospital privado local (Hospital ..., ...). Cumpre medicação psiquiátrica, reconhecendo necessidade e benefício clínico.

98. A arguida registava o seguimento clínico para os problemas de saúde crónicos, pese embora sem a componente de instabilidade emocional que tem vindo a instalar-se desde a presente situação processual.

99. O presente processo representa o primeiro confronto da arguida com o sistema da administração da justiça penal, sendo que AA encara com preocupação, vergonha e ansiedade a sua constituição como arguida.

100. Perceciona a presente situação como acontecimento injusto e refere incompreensão face ao presente processo.

101. Decorrente da presente condição processual, a arguida tem vindo a registar sintomatologia clínica compatível com manifestação depressiva e ansiosa, com consequente incapacidade laboral. Denota evitamento face aos contextos escolares, com sofrimento emocional e pessoal.

102. A arguida não tem antecedentes criminais.

FACTOS NÃO PROVADOS

A. No primeiro período desse ano letivo e até meados de janeiro de 2020, no horário escolar e na sala de aulas, a arguida, no interior da sala de aulas, isolava os alunos pelas suas dificuldades de aprendizagem, dificuldades em expressarem-se corretamente na língua portuguesa, de realizarem algumas das tarefas escolares e, por diversas vezes em data não apurada, disse a esses sete alunos que os estrangeiros faziam muito barulho, a culpa da crise em Portugal era dos estrangeiros que estavam a invadir o país e que eles deveriam ir para a terra deles, não respeitando as suas culturas, chegando a deixa-los sozinhos na sala de aulas sem qualquer adulto a supervisioná-los.

B. Em data não concretamente apurada, a arguida desferiu pancadas com o livro escolar do menor na zona da nuca na cabeça do aluno BB.

C. Diariamente, desferiu fortes bofetadas com a mão na face do aluno GG e pancadas na cabeça com o livro escolar por este não estar atento, colocou-o de castigo ao fundo da sala isolado dos colegas, aterrorizando este menor de tal forma que não conseguia conter a urina e as fezes na sala de aulas e a arguida não o deixava ir á casa de banho apesar de pedir.

D. em várias ocasiões, desferiu pancadas, utilizando a ambas as mãos, nas bochechas da face da aluna FF e chegou a obriga-la a sentar-se no chão junto à porta como castigo, de tal forma que a menor ficou com medo de ler e de errar nas respostas às perguntas feitas pela professora, e,

E. Em várias ocasiões, desferiu bofetadas ao aluno HH com as mãos em ambas as bochechas da face deste e pancadas com um conjunto de folhas na cabeça deste, com as quais roçou na zona dos olhos, provocando um arranhão na sua face, e chegou a isolá-lo dos restantes alunos de tal forma que este menor ficou com medo de colocar dúvidas à arguida por recear que esta lhe batesse mais.

F. Apesar da progenitora do aluno GG explicar à arguida que o seu filho padecia de encoprose e enurese, esta recusou-se a falar com a psicóloga deste menor para o ajudar, de forma coordenada com a sua psicóloga, e recusou as suas justificações das faltas em virtude dessa condição de saúde.

G. Em consequência destes atos, o menor GG sofreu de encoprose, enurese, dificuldades na gestão das emoções, rejeição escolar, dificuldades na aprendizagem e de adaptação a nova realidade e recebeu assistência médica e psicológica.

H. Apesar desse afastamento, a arguida, após um período de baixa médica, regressou à referida escola no início do ano letivo 2021/2022 e quando se cruzava pelo menos com os ofendidos BB e CC, olhava-os nos olhos, intimidando-os e o ofendido DD escondia-se da arguida por ter medo dela.

I. Sabia que arguida que os inferiorizava face às suas origens estrangeiras, isolando-os e quis assim atuar.

J. Os factos que a arguida denunciou contra os ofendidos KK, JJ, LL, II e MM não correspondiam à verdade, o que a arguida bem sabia.

K. Ao apresentar queixa na PSP e ao prestar depoimento no âmbito do inquérito nos termos em que o prestou, a arguida bem sabia que imputava aos ofendidos KK, JJ, LL, II e MM a prática de factos que não correspondiam à verdade perante uma autoridade policial e que originava sobre aqueles a suspeita de terem cometido infrações de natureza criminal.

L. A arguida agiu com a intenção concretizada de que fosse instaurado procedimento criminal contra KK, JJ, LL, II e MM, apesar de saber que os factos que denunciou não tinham ocorrido e não eram verdadeiros.

M. A arguida agiu ainda com o propósito concretizado de ofender a honra, bom nome e consideração dos ofendidos KK, JJ, LL, II e MM, bem sabendo que o teor das palavras que utilizou na queixa e depoimento prestado eram aptas a atingir esse resultado.

Do Pedido de Indemnização Civil de BB

N. Que o demandante chorava diariamente sempre que os seus pais ali o levavam.

O. Tendo estes, diariamente, de procurar acalmar e convencer o menor a ficar na escola.

P. O demandante chorava diariamente e os pais diariamente tinha de acalmar e convencer o menor a ficar na escola.

Q. O demandante passou a ter receio de se cruzar com a demandada.

R. Em geral, o demandante tornou-se numa criança nervosa e com dificuldades de concentração.

Do Pedido de Indemnização Civil de DD

S. O demandante passou a ter receio de se cruzar com a demandada.

T. O demandante ainda atualmente verbaliza junto dos seus pais os episódios que vivenciou na escola com a demandada, exprimindo o receio que então sentiu.

Do Pedido de Indemnização Civil de GG

U. O demandante passou a ter receio de se cruzar com a demandada.

V. Por força da atuação da demandada, o demandante sofreu de encoprese e de enurese, tendo necessitado – e ainda necessitando atualmente – de assistência médica e psicológica.

W. A frequência de consulta de psicologia e a toma de medicação pelo demandante são causa direta e necessária da conduta da demandada.

Do Pedido de Indemnização Civil de EE

X. O demandante sentiu que foi inferiorizado face às suas origens estrangeiras e dificuldades.

Do Pedido de Indemnização Civil de MM

Y. Ao actuar como descrito na acusação pública, a demandada ofendeu o bom nome, a honra e a consideração da demandante.

Do Pedido de Indemnização Civil de LL

Z. Ao actuar como descrito na acusação pública, a demandada ofendeu o bom nome, a honra e a consideração da demandante.

Do Pedido de Indemnização Civil de JJ

AA. Ao actuar como descrito na acusação pública, a demandada ofendeu o bom nome, a honra e a consideração da demandante.

Do Pedido de Indemnização Civil de KK

BB. Ao actuar como descrito na acusação pública, a demandada ofendeu o bom nome, a honra e a consideração da demandante.

Do Pedido de Indemnização Civil de II

CC. Ao actuar como descrito na acusação pública, a demandada ofendeu o bom nome, a honra e a consideração da demandante.

Da Contestação:

DD. A arguida apenas apresentou aquela queixa por se sentir injustiçada com as acusações que era alvo e por sentir que a estavam a tentar impedir de exercer a sua atividade profissional, e

EE. Essencialmente porque, devido à anomalia psíquica de que a arguida padece – e padecia já naquela data de Outubro de 2021 – a mesma não conseguiu compreender que no âmbito do mencionado processo lhe havia sido aplicada uma sanção disciplinar, ainda que suspensa na sua execução.

FF. Implica que a arguida apresente dificuldades em compreender informações que lhe são transmitidas ou factos concretos que acontecem na sua vivência quotidiana.

GG. Origina que a arguida tenha, frequentemente, uma perceção distorcida da realidade.

HH. Devido à anomalia psíquica de que padecia, e padece, a arguida não conseguiu compreender que lhe tinha sido aplicada uma sanção disciplinar, embora suspensa na sua execução, no âmbito daquele processo disciplinar instaurado.

II. Por força de tal anomalia psíquica, a arguida, encontrava-se, no momento da prática dos factos em apreço nos presentes autos, num estado em que não era capaz de avaliar a ilicitude desses factos ou de determinar a sua atuação em conformidade com essa avaliação.

JJ. Como consequência de tal anomalia psíquica, a arguida ainda que conseguisse, no momento da prática do facto, avaliar a ilicitude do mesmo e/ou determinar‐se de acordo com essa avaliação, tinha essa capacidade de avaliação e/ou de determinação sensivelmente diminuída.

KK. A arguida agiu, pois, devido à anomalia psíquica de que padece sem culpa.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

Na formação da sua convicção o Tribunal analisou de forma livre, crítica e conjugada, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127.° do Código de Processo Penal.

l. No que se refere à prova documental foi relevante:

● A certidão de fls. 11 a 83;

● Cópia do processo disciplinar junto como apenso nº 1;

● Certidão de fls. 101 a 116;

● Informação de fls. 187 a 195;

● Cópia do despacho final de inquérito proferido no NUIPC 706/21.0PAESP de fls. 230 a 234.

● Documentação clínica junta pela arguida na contestação e que confirma a doença que padeceu do foro psiquiátrico, assim como os períodos de tempo em que se encontrou inativa de baixa médica.

● Relatório clínico de GG junto a fls. 298, no qual é-lhe diagnosticado hiperatividade e défice de atenção, assim baixa tolerância à frustração, com comportamento de oposição, sobretudo em contexto familiar, com dificuldade na imposição de regras e limites por parte da família.

● Relatório clínico de HH junto a fls.321, no qual é-lhe diagnosticado hiperatividade e défice de atenção, assim como perturbação do desenvolvimento intelectual.

● Relatório relativo ao aluno GG junto a fls. 567, no qual consta que o aluno padece de défice de atenção, rejeita a língua portuguesa e executar qualquer tarefa. Consta ainda um elevado número de faltas injustificadas dadas fls. 576v.

2. Para dar como provada a factualidade dada como provada, alicerçámos a nossa convicção na aludida prova documental e nas declarações para memória futura prestadas pelos menores, CC, BB, DD, GG, EE, HH, conjugadas com o depoimento das testemunhas, II [mãe do BB], JJ [mãe da CC], WW [mãe do EE], MM [mãe do DD], XX [mãe do GG], YY [mãe do HH], ZZ [mãe da FF].

Os menores relataram nas suas declarações as agressões físicas perpetradas sobre si pela arguida e as expressões utilizadas por aquela. A sua descrição, não obstante a sua tenra idade e as dificuldades inerentes, não deixaram de citar as expressões injuriosas que a arguida lhes dirigia e as agressões de que foram alvo.

No que concerne às agressões, identificaram-nas no modo e no lugar. Concretamente as bofetadas na face – batata frita - e as pancadas com folhas ou livro na zona da cabeça.

Referiram ainda as expressões injuriosas que a arguida lhes dirigia, mormente, burro e deficiente.

Para além do relato objetivo, os menores não deixaram de responder a todas as questões que lhe foram colocadas pelo Tribunal e pelos demais sujeitos processuais, explicando a sua ocorrência, por regra, por dificuldades, erros de aprendizagem ou indisciplina.

Estes relatos dos menores foram ainda apoiados pelo depoimentos indiretos e credíveis prestados pelas testemunhas, II [mãe do BB], JJ [mãe da CC], WW [mãe do EE], MM [mãe do DD], XX [mãe do GG], YY [mãe do HH], ZZ [mãe da FF], não obstante nenhuma das testemunhas ter presenciado as agressões em sala de aula, os seus conhecimentos permitem infirmar a sua ocorrência. Desde logo, as testemunhas são todas mães dos menores e de forma objetiva, isenta, não obstante a relação familiar, confirmaram aquilo que os menores no seio familiar acabaram por lhes contar e que coincide com os seus relatos.

Concretamente, II, confirmou que o seu filho lhe contou que a professora o agrediu com um livro e o apelidou de burro. Que agrediu os restantes colegas na cara com duas mãos e que apelidava de batata frita. Confirmou ainda a reação do seu filho que recusava ir à escola.

JJ, confirmou que a filha lhe deu conta que a professora era agressiva com os colegas e tinha visto agrediu alguns alunos, na cara ou cabeça, designadamente, o GG, BB, EE e FF, HH. Que fazia batata frita na cara deles e que correspondia a uma bofetada com ambas as mãos na face. Afirmou que a 3 de dezembro de 2019 foram falar com a professora e que confirmou que batia nos alunos porque funcionava, na mesma reunião encontravam-se também as mães dos alunos BB, EE FF e do DD.

Confirmou que a filha lhe deu conta que foi agredida em 13 de janeiro de 2020 quando estava a fazer um exercício e que bateu com as duas mãos.

WW, afirmou que o seu filho confirmou que a professora lhe bateu na cabeça e lhe chamou de burro, justificando que o facto de não entender as palavras. Também confirmou a existência da agressão no rosto, a que apelidava de batata frita. Também participou na reunião em que a professor confirmou que a tapa funcionava.

MM, no dia 13 de novembro foi e viu o filho a chorar no recreio e que lhe disse que a professora lhe tinha batido com uma pancada na cabeça. Deu o recado à auxiliar a dizer que queria falar com ela. Confirmou ainda que o seu filho passou a ter medo e tinha dificuldade de aprender.

XX, confirmou que o seu filho não queria ir à escola e ficava nervoso nunca lhe conta de qualquer agressão, apenas falou com a psicóloga que passou a frequentar todas as semanas e que ainda frequenta. Afirmou que o filho passou a sofrer de enurese e encoprese apenas naquele ano escolar e que agora já não sofre de qualquer doença.

YY, confirmou que viu um arranhão no olho e que o mesmo lhe disse que foi um corte de papel. Por esse motivo foi falar com a professa e que esta lhe terá dito que tinha passado umas folhas na cabeça, mas que o arranhão na face tinha acontecido sem qualquer intenção. Afirmou que o seu filho tem dificuldades de aprendizagem, problema agora diagnosticado. Confirmou os sentimentos manifestados pelo filho em face da conduta da arguida. Também participou na reunião com as outras mães, na qual a professora confessou que batia.

ZZ, que a filha lhe contou que foi agredida com a apelidada batata frita, uma vez, por ter dificuldade em ler. Confirmou os sentimentos manifestados pela filha em face da conduta da arguida. Também participou na reunião com as outras mães, na qual a professora confessou que batia.

Para dar como provado o estado de saúde do menor GG, valorámos o depoimento de RR, psicóloga, que atendeu o menor em consulta entre novembro de 2019 até dezembro de 2022, confirmou ainda o custo e a periocidade das consultas. Afirmou que o menor demonstrava alterações emocionais e recusa em ir à escola.

Inevitavelmente, as declarações da arguida, na parte em que negou as agressões e as expressões, por contrarias ao supra referido, não lograram convencer o tribunal, não obstante, não deixou de confirmar que tocou com umas folhas no HH e que a mãe foi falar com ela relativamente a este facto, tendo-lhe explicado que não se tratou de qualquer agressão mas apenas uma chamada de atenção.

A restante prova testemunhal não relevou qualquer interesse para o que constitui o objeto do processo ou que permitisse contrariar os factos dados como provados.

4. A situação pessoal, profissional e familiar da arguida resultou do teor do relatório social junto com a referência 16066963.

5. A ausência de antecedentes criminais mostra-se certificados no CRC junto com a referência 169418267.


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6. Os restantes factos constantes da acusação e dos pedidos cíveis resultaram não provados em face da ausência de prova. Desde logo, porque os menores não os confirmaram, nem a arguida os confessou, nem resultaram suportados na restante prova testemunha.

Com efeito, o menor BB, nas suas declarações, não confirmou qualquer agressão com um livro. Acresce que o tribunal não ficou ainda convencido que a arguida tenha agredido o menor HH com um conjunto de folhas na cabeça do menor, com as quais roçou na zona dos olhos, provocando um arranhão na sua face, mas que se tenha tratado de uma chamada de atenção e que inadvertidamente acabou por provocar um arranhão.

Por seu turno, a menor FF também não confirmou que a arguida, mais do que uma vez, lhe desferiu pancadas utilizando ambas as mãos nas bochechas da face ou que a obrigou a sentar-se no chão junto à porta como castigo.

Acresce que da prova testemunha, desde logo, das declarações dos menores não resulta demonstrado que a arguida dividisse os menores atendendo à sua nacionalidade ou mesmo que isolasse os alunos que tivessem dificuldades de aprendizagem. Aliás, resultou demonstrado o contrário relativamente ao HH que tinha dificuldades de aprendizagem e ficou demonstrado que se posicionado à frente na sala de aula, como foi confirmado pelos alunos AAA e BBB. Ficou ainda demonstrado que a disposição da sala também variava entre a disposição em fila e em U, como também foi confirmado pelas assistentes operacionais, CCC e DDD, assim como pela professora de apoio EEE e pela Diretora do Agrupamento FFF. Sendo certo que a formação em U inviabiliza qualquer tipo de descriminação. O próprio aluno EE afirmou nas suas declarações, quando questionado, que os alunos estavam todos misturados.

Se bem que o facto em si não tenha relevância criminal, também não ficou demonstrado que a arguida tenha recusado a falar com a psicóloga do aluno GG ou que se tenha recusado a justificar as faltas por razões de saúde [do relatório de fls. 576v consta várias faltas justificadas]. Aliás, a psicóloga do Agrupamento Escolar, Dra. GGG, afirmou que a arguida lhe solicitou apoio para o aluno GG, tendo, inclusive, reunido com a arguida e a mãe do menor. Confirmou, ainda, que a arguida mostrou interesse e cuidado em resolver os problemas do aluno. Tendo mobilizado uma assistente operacional para o ajudar de uma forma mais eficaz com o problema.

Da prova produzida, designadamente, dos relatórios médicos juntos e da prova testemunhal, não foi impossível ao tribunal estabelecer um nexo causal entre os problemas de saúde do menor GG com o comportamento da arguida. Com efeito, ficou demonstrado através do depoimento objetivo e isento das duas assistentes operacionais que tinham a responsabilidade de limpar o menor, HHH e III, que o GG já na pré-primária tinha problema em reter as fezes e a urina. A assistente operacional que depois passou a tratar o menor na escola primaria também confirmou que o menor, logo no início do ano letivo, já não controlava as fezes e a urina. Por fim, do depoimento da psicóloga que acompanhava o menor também não é possível retirar tal conclusão, na medida em que apenas começou acompanha-lo desde novembro de 2019, desconhecendo o que se passou anteriormente.

Nenhum dos menores confirma de forma objetiva que a arguida os tenha intimidado após o regresso ao serviço.

Por fim, as declarações dos menores não foram objetivas e circunstanciadas, designadamente, no que concerne ao tempo e à quantidades das agressões físicas e verbais. O que é perfeitamente compreensível atenta a sua tenra idade e em face ao tempo decorrido entre a data em que ocorreram os factos e a data em foram recolhidas as declarações, cerca de quatro anos. Nas suas declarações não é possível retirar a quantidade em que os factos ocorreram, se uma ou uma dezena. Os menores de uma forma geral [com exceção da CC] não explicam em que circunstância concreta é que tiveram lugar as agressões físicas ou verbais. A título de exemplo, veja-se as declarações do menor GG que afirma que a professora o agredia todos os dias, o que, objetivamente, não ocorreu tendo até sido confrontado pela Mmª Juiz de Instrução Criminal.

Do teor do relatório pericial, junto com a referência 16671818, confirma que a arguida apresentava um quadro clínico compatível com o diagnóstico de Perturbação Persistente do Humor também conhecida como Distimia, mas nega qualquer estado de inimputabilidade, porquanto, tal patologia não diminuía nem excluía as suas capacidades cognitivas.

Resulta ainda total ausência de prova relativamente aos elementos subjetivos do crime de denúncia caluniosa, na medida em que inexiste qualquer facto concreto denunciado.


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2. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões formuladas pelo recorrente, a partir da motivação do recurso, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso.

No caso presente, os recursos suscitam as questões seguidamente enunciadas.

Recurso AA

Ilegitimidade do Ministério Público [crimes de ofensa à integridade física e de injúria].

Recurso Ministério Público

Impugnação da matéria de facto [crimes de denúncia caluniosa];

subsunção jurídica dos factos [tipo de crime qualificado de ofensa à integridade física].

A precedência lógica das questões submetidas à apreciação deste tribunal indica que primeiramente se deva proceder ao conhecimento do recurso de AA, dado neste se colocar em debate a presença de condição de procedibilidade que interfere com a viabilidade e subsistência da decisão condenatória inserta no acórdão recorrido. No entanto, o conhecimento da questão de subsunção jurídica dos factos provados ao tipo de crime qualificado de ofensa à integridade física, suscitada no recurso do Ministério Público, pode prejudicar, em parte, a apreciação daquela questão.

Por outro lado, no âmbito do recurso do Ministério Público a precedência lógica das matérias submetidas a apreciação deste tribunal indica que deve principiar-se pelo conhecimento da impugnação da matéria de facto. Contudo, a impugnação refere-se somente aos factos relativos aos imputados crimes de denúncia caluniosa, por isso, tal questão interfere unicamente com a decisão absolutória relativa a esses ilícitos inserta no acórdão recorrido, em nada contendendo com a manutenção ou não do decidido no que respeita aos crimes de ofensa à integridade física e de injúria.

Tudo ponderado, proceder-se-á primeiramente ao conhecimento das matérias relativas aos crimes de ofensa à integridade física e de injúria colocados nos dois recursos, segundo a ordem lógica já assinalada, passando-se seguidamente à apreciação das matérias relativas aos crimes de denúncia caluniosa.

Após o que se extrairão as devidas ilações lógicas, decidindo-se sobre a necessidade ou não de determinação de penas concretas a aplicar à arguida, assim como de indemnizações a atribuir aos lesados.

a) Subsunção jurídica dos factos [tipo de crime qualificado de ofensa à integridade física]

O Ministério Público revela-se inconformado com a decisão tomada em sede de enquadramento jurídico dos factos, no que respeita à factualidade relativa às apuradas agressões físicas infligidas pela arguida AA, na qualidade de professora do ensino básico, aos alunos BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH.

Nesse sentido, alega que, não suscitando óbice algum ao afastamento da subsunção jurídica da conduta da arguida no tipo de crime de maus tratos, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, efetivado no acórdão recorrido, entende, porém, que a atuação descrita nos pontos 1, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 dos factos provados, mais do que preencher a norma matricial do artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, integra o tipo qualificado de ofensa à integridade física, da previsão do artigo 145.º, n.º 1, alínea a), com referência à alínea c), do n.º 2, do artigo 132.º, ambos do Código Penal, por revelar especial censurabilidade e perversidade.

Alega ainda que a elevação da censurabilidade do comportamento para um patamar superior resulta de a atuação da arguida se materializar, na prática, em contexto de sala de aula, de agressões corporais aos seus alunos, numa evidente desproporção de forças, ela, adulta, eles crianças com apenas seis anos de idade, privadas de capacidade de defesa ou de resistência, ante a referida condição etária, e que se encontravam numa fase crucial do seu desenvolvimento físico, emocional e cognitivo. Por seu turno, a existência de uma intensa perversidade evidencia-se na motivação subjacente às agressões - relembre-se, sucediam devido à distração dos alunos e a dificuldades de aprendizagem destes - em que AA investida do seu múnus de docente e prevalecendo de tal, implantou um clima de terror, como representou e quis, produzindo nos discentes assim vitimizados - cuja segurança e bem-estar deveria garantir -, sentimentos de medo e de vergonha - note-se que ninguém gosta ser sovado, muito menos perante o olhar de terceiros - não se coibindo de assim agir mesmo perante alunos com necessidades educativas especais, como sucedida com menor HH.

Em consequência, requer, a final, a condenação da arguida pela prática de sete crimes de ofensa à integridade física qualificada, do tipo p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, alínea a), com referência à alínea c), do n.º 2, do artigo 132.º, ambos do Código Penal.

Contra tal entendimento se manifesta a arguida AA, defendendo que inexiste especial censurabilidade ou perversidade, pois que o sofrimento físico ou psíquico não ultrapassa, pela sua intensidade ou duração a medida de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima, atento que se provou que no período compreendido entre meados do mês de setembro de 2019 e do mês de janeiro de 2020, em dias não concretamente apurados, no interior da sala de aulas, a arguida:

- desferiu uma pancada com o livro escolar do menor na zona da nuca na cabeça do aluno BB;

- desferiu uma bofetada com a mão na face do aluno GG;

- no dia 13 de janeiro de 2020, desferiu duas bofetadas com as mãos em ambas as bochechas da face da aluna CC;

- desferiu pancada, utilizando a mão, na cabeça do aluno DD, bem como uma pancada com o livro da professora, atingindo-o na zona da nuca na sua cabeça;

- em uma ocasião, desferiu pancadas com a mão na zona da nuca da cabeça do aluno EE;

- desferiu uma pancada, utilizando ambas as mãos, nas bochechas da face da aluna FF; e,

- desferiu um estalo com uma mão no aluno HH.

Pelo que a arguida não atuou em circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade, não se verificando os pressupostos da alínea c), do nº 1, do artigo 132º do Código Penal, ou qualquer outra circunstância valorativamente análoga às elencadas nessa norma legal.

Perante tais alegações, encontra-se pacificamente estabilizada a decisão de não subsumir a apurada conduta da arguida AA ao tipo de crime de maus tratos, imputado inicialmente na acusação pública e depois confirmado no despacho de pronúncia, debate-se, agora, se a provada atuação da mesma arguida, corporizada em agressões físicas, com repercussões no bem-estar psicológico e emocional dos visados, para além do preenchimento do tipo matricial de crime de ofensa à integridade física, integra ainda a tipicidade do crime qualificado, tendo por referência o exemplo padrão previsto na alínea c), do n.º 2, do artigo 132.º, do Código Penal.

Vejamos.

A ofensa à integridade física simples ou grave é qualificada, nos termos previstos no artigo 145.º, n.º 1, do Código Penal, se for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente. Estabelece o n.º 2 do mesmo preceito legal que são suscetíveis de revelar tal censurabilidade ou perversidade, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2, do artigo 132.º do Código Penal.

A censurabilidade especial está associada ao modo de execução, pressupondo que as circunstâncias em que o agente atuou sejam de tal modo graves que reflitam uma atitude dele profundamente distanciada em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. A especial perversidade traduz uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada por motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade[1].

De acordo com o entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência, também reconhecido nas peças processuais deste recurso, as circunstâncias caracterizadas no aludido artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal, não são de funcionamento automático, tampouco constituem enumeração taxativa, mas antes integram exemplos-padrão de situações que podem ser reveladoras de censurabilidade ou perversidade acrescidas, que só casuisticamente podem ser aferidas face às especificidades da concreta situação em análise.

Portanto, o preenchimento de alguma das referidas circunstâncias não dispensa a confirmação da efetiva existência, no caso concreto, de censurabilidade ou perversidade aumentadas, em grau ou intensidade, relativamente às supostas no ilícito típico base.

Por outro lado, a inexistência de circunstâncias diretamente previstas no n.º 2 do preceito legal citado não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador[2], exigível é sempre a comprovação de uma imagem global do facto agravada[3].

Contudo, está vedada a subsunção jurídica direta ao tipo qualificado sem convocação dos exemplos-padrão ou de situação valorativamente análoga aos mesmos, por violar o princípio da tipicidade consagrado constitucionalmente[4].

No presente caso, o enquadramento jurídico no tipo qualificado do crime de ofensa à integridade física, na tese do recurso, baseia-se no exemplo-padrão da alínea c), do n.º 2, do artigo 132.º, do Código Penal, reportando-se especificamente à circunstância de o facto ser praticado contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade.

Na categoria de pessoa particularmente indefesa insere-se quem se encontra numa situação de especial fragilidade devido à sua idade precoce ou avançada, deficiência, doença física ou psíquica, gravidez ou dependência económica do agente[5]. Ou seja, enquadra tal classe de vítimas quem se encontra à mercê do agente e se mostra incapaz de esboçar uma defesa minimamente eficaz, sendo tal incapacidade motivada, entre outros fatores, pela idade[6].

Analisadas as concretas circunstâncias apuradas nestes autos, considera-se que pretensão recursória se mostra inteiramente fundada, isto é, a matéria de facto provada fundamenta a subsunção no tipo de crime qualificado de ofensa à integridade física, conforme propugnado no recurso.

A descrição fáctica do comportamento de AA, no exercício da sua atividade profissional de docente do ensino básico, no âmbito da atividade letiva ao 1.º ano, no período situado entre meados de setembro de 2019 e janeiro de 2020, no interior da sala de aula e em pleno decurso dos trabalhos da aula, dirigido contra os alunos:

BB, nascido em ../../2013,

CC, nascida em ../../2013,

DD, nascido em ../../2013,

EE, nascido em ../../2012,

FF, nascida em ../../2013,

GG, nascido em ../../2013,

HH, nascido em ../../2013,

que se encontravam, sob a sua responsabilidade e orientação, e que lhe incumbia educar e proteger, a quem desferiu pancada com o livro escolar na cabeça [BB]; bofetadas na face [GG], duas bofetadas em simultâneo com as mãos em ambas os lados da face [CC], pancada com a mão e com um livro na zona da nuca [DD], pancadas com a mão na zona da nuca [EE], desferiu pancada, utilizando as mãos, em ambas os lados da face [FF], desferiu um estalo com uma mão [HH], em resposta a situações de desatenção e/ou distração dos alunos, e ainda em caso de dificuldades de aprendizagem deles, ademais com significativas repercussões no bem estar psicológico e emocional dos visados- que sofreram medo, angústia, intranquilidade, insegurança, tristeza, fragilidade e humilhação, receio de ir para a escola-, enquadra inequivocamente a tipicidade do ilícito qualificado e especificamente a referida circunstância qualificativa [vd. factos provados 1 a 6].

A imagem global dos factos evidencia a presença de comportamentos violentos perpetrados pela arguida - professora do ensino básico em exercício de funções e por causa delas-, infligidos a menores, com 6/7 anos de idade, seus alunos, que, nas condições concretas suprarreferidas, se encontravam em situação de total fragilidade e impossibilidade de se protegerem e defenderem.

A escolha da arguida de se comportar, do modo descrito e pelos motivos imediatos referidos, denuncia aspetos desvaliosos da sua personalidade que se refletem na desproporcionalidade da atuação que protagonizou em resposta aos comportamentos dos alunos, mostrando incapacidade de gerir as dificuldades inerentes à função educativa que lhe estava confiada, descontrolo face a atitudes naturais de distração e desatenção dos alunos, ainda mais expectáveis naqueles que frequentavam o 1.º ano de escolaridade e logo durante o primeiro período letivo, e inclusivamente perante condutas involuntárias decorrentes de dificuldades de aprendizagem, optando por, em todos os casos, agredir e humilhar quem sabia não ter capacidade de a defrontar e se proteger.

Sendo assim, as circunstâncias concretas que ficaram provadas permitem extrair a ilação de que as condutas agressoras perpetradas pela arguida, visando os alunos, menores de 6/7 anos de idade, quando sob a sua orientação e cuidado se encontravam, revela a especial censurabilidade e perversidade exigidas no tipo qualificado, atendendo à inequívoca situação de fragilidade, derivada da sua idade, em que as vítimas se encontravam, sem qualquer capacidade de reação face à atitude da professora/arguida.

Ademais, também o elemento subjetivo resulta amplamente demonstrado na matéria de facto provada, onde se encontra plasmada a atitude interna da arguida, sob a forma de dolo, que acompanha, completamente e sob todos os aspetos, a materialidade da descrita atuação da mesma [vd. factos provados 7 a 11, com destaque para os pontos 9 e 10, nos segmentos: Sabia, por ser professora dos ofendidos, que durante o período em que permaneciam na escola estes sete menores se encontravam sob a sua responsabilidade, direção e educação, e que devido à sua idade não tinham capacidade para se defenderem das agressões e humilhações de que eram vítimas.; (..) sabia que ao atuar nos termos suprarreferidos molestava fisicamente os alunos de tenra idade, com 6 anos, frágeis e indefesos, os quais iniciavam um novo ciclo de ensino, sendo sua obrigação protegê-los de comportamentos lesivos do seu desenvolvimento académico, autonomia e aprendizagem, e atuou indiferente à idade dos menores, querendo assim proceder, provocando-lhes dor física, psicológica e emocional, (…). ].

Em suma, face ao quadro fáctico apurado conclui-se que a imagem global do facto preenche a tipicidade do ilícito qualificado, tendo por base a ofensa à integridade física simples, isto é, a apurada conduta da arguida deve subsumir-se ao tipo de crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto no artigo 145.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal [1 - Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido:

a) Com pena de prisão até 4 anos no caso do n.º 1 do artigo 143.º;] por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea c), ex vi artigo 145.º, n.º 2, do Código Penal [É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (…)

c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, (…)].

Neste contexto, importa destacar que a gravidade objetiva das agressões físicas e correspetiva dimensão das lesões provocadas aos ofendidos, bem como a extensão das suas consequências interessam para a subsunção jurídica inicial na previsão do artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, mas já não assumem relevo para aferir sobre se as ofensas à integridade física foram produzidas em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade do agente, em vista da previsão do n.º 1 e 2, do artigo 145.º, do Código Penal.

De resto, a extensão das lesões causadas aos ofendidos e a gravidade das respetivas consequências, apuradas no caso concreto, não se mostram idóneas a neutralizar, ou sequer mitigar, o circunstancialismo descrito que justifica a consideração de uma censurabilidade da conduta e perversidade da arguida acrescidas relativamente ao tipo de ilícito base. Donde a alegação produzida nesse sentido por AA, na resposta ao recurso, não constitui óbice ao enquadramento jurídico no tipo de crime qualificado.

Assim, importa concluir que a matéria de facto provada nos pontos 1 a 11 preenche todos os elementos constitutivos, objetivo e subjetivo, do crime de ofensa à integridade física qualificada, do tipo p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, alínea a), com referência à alínea c), do n.º 2, do artigo 132.º, ambos do Código Penal.

Cabe ainda acrescentar que, verificando-se uma realização plúrima do mesmo tipo de crime, que atinge bens jurídicos eminentemente pessoais, deve o número de crimes corresponder ao número de vítimas [cf. artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal], o que na situação em análise equivale a 7 (sete) crimes, por tantas serem as pessoas visadas, nomeadamente BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH.

No plano adjetivo, a arguida AA questiona a admissibilidade de alteração da qualificação jurídica do tipo matricial para o tipo qualificado de ofensa à integridade física, em sede de recurso e atenta a tramitação processual observada nos presentes autos.

Invoca que na primeira instância o tribunal a quo proferiu decisão que determinou uma alteração da qualificação jurídica dos factos, o que realizou na audiência de discussão e julgamento, ocorrida em 27-02-2025, comunicando que os factos descritos na acusação pública integrariam “a prática de: sete crimes de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143, n.º 1, do Código Penal, quatro crimes de injúria p.e.p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal”, e nessa ocasião todos os presentes, incluindo o Magistrado do Ministério Público, concordaram com aquele entendimento do Tribunal, e, por isso, não manifestaram qualquer oposição a tal decisão, e, a existir oposição, logo deveria ter sido deduzida no ato.

Mais alega que não é permitido ao Ministério Público posteriormente pugnar pela condenação da arguida pela prática de crimes mais graves do que aqueles pelos quais foi condenada, ou seja, pretender a condenação por sete crimes de ofensa à integridade física qualificada ao invés dos sete crimes de ofensa à integridade física simples, objeto da condenação proferida em primeira instância, sob pena de violação do direito fundamental ao exercício do contraditório constitucionalmente garantido e consagrado no artigo 32.º, da CRP, dado que a defesa da arguida deve contemplar todas as expectativas admissíveis quanto aos factos a apreciar, assim como à respetiva qualificação jurídica, tendo de lhe ser assegurado o direito de a discutir e dela discordar, através do exercício pleno do contraditório.

Invoca ainda que, a aceitar-se agora a alteração da qualificação jurídica pretendida pelo Ministério Público, tal significaria omitir a efetiva possibilidade de a arguida discutir, contestar e valorar adequadamente os novos factos agora trazidos à colação para fundamentar essa agravação da qualificação jurídica. Tal omissão deverá determinar a proibição do Tribunal “Ad quem” valorar as provas subtraídas ao contraditório e não considerar as circunstâncias alegadamente qualificativas das agressões dadas como levadas a cabo pela arguida.

Acrescenta ainda que a modificação pretendida do artigo 143.º para o artigo 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, ambos do Código Penal, com apelo a circunstâncias agravantes qualificativas, não mencionadas ainda em qualquer decisão proferida no processo, não significa repor uma qualificação, de que a arguida já tivesse tido oportunidade de se defender, em toda a sua extensão, estando vedada a possibilidade de surpreender a arguida com recurso a uma circunstância qualificativa ainda não invocada, pelo que não pode ser admitida nem apreciada em sede de recurso.

·

Para melhor contextualização da matéria em causa, sumarizam-se os elementos processuais relevantes:

a) Na acusação pública de 30-08-2023 (Referência: 128798576) foi imputada à arguida a prática de 7 (Sete) crimes de Maus Tratos, p. e p. pelo artigo 152.º-A, n.º 1 alínea a) do Código Penal;

b) No despacho de pronúncia de 19-02-2024 (Referência: 131647054) foi imputada à arguida a prática de Sete (7) Crimes de Maus Tratos, p. e p. pelo art. 152º-A nº. 1, al. a) do Código Penal.

c) Na audiência de julgamento, no dia 27-02-2025 [cf. ATA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO (Referência: 137459272), foi proferida, na sequência de deliberação do Tribunal Coletivo, a seguinte:

DECISÃO

No decurso da audiência de julgamento e produzida a prova, o Tribunal entende que os factos descritos na douta acusação determinam uma alteração da qualificação jurídica, integrando, no nosso modesto entendimento, a prática de: sete crimes de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º1, do Código Penal, quatro crimes de injúria, p. e p. pelo art.º 181.º, n.º1, do Código Penal.

Pelo exposto, determino a comunicação ao arguido, nos termos e para os efeitos do previsto no art.º 358.º, n.º 1 e 3, do Cód. Processo Penal.

Notifique.

Após ter sido comunicado o despacho ao arguido e ao seu Ilustre Defensor, foi concedido o prazo de 2 dias à defesa para, querendo, se pronunciar.

Nessa audiência o Ministério Público, presente, nada declarou, não tendo sido consignado na ata qualquer comunicação da sua parte.

·

Vejamos.

Desde já se adianta que não assiste razão à arguida quanto a todos os aspetos da argumentação que deduziu, porquanto não existe obstáculo legal à alteração da qualificação jurídica nos termos propugnados no recurso do Ministério Público e, a aceitar-se como correto o enquadramento jurídico proposto em tal peça recursória, pode este tribunal, sem outros condicionalismos, extrair as devidas ilações, nomeadamente proferir correspondente decisão condenatória, sem que seja comprometido ou violado o direito ao contraditório da arguida, aliás, já inclusivamente proporcionado na instância de recurso e nela já plenamente exercido pela mesma, no âmbito da resposta ao recurso.

Em primeiro lugar, cabe assinalar que a relação de concurso aparente, explanada no acórdão recorrido, que intercede entre o crime de maus tratos, do tipo previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, inicialmente imputado à arguida, e, entre outros, os crimes de ofensa à integridade física e de injúria, na modalidade simples, respetivamente p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, e 181.º, n.º 1, ambos do Código Penal, também se verifica, para o que ora interessa, relativamente ao tipo qualificado de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, como quanto ao crime agravado de injúria previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, e 188.º, do Código Penal [conforme fora assinalado no despacho de pronúncia de 19-03-2024 (Referência: 131647054)].

A natureza complexa do crime de maus tratos e a amplitude de situações de diversa índole que podem ser abrangidas no conceito de maus tratos físicos e psicológicos, autoriza a consideração de que não só a ofensa à integridade física simples mas também outras modalidades mais graves, e especificamente a ofensa à integridade física qualificada, podem ser aglutinadas no crime de maus tratos, ressalvando a lei a punição de acordo com a disposição legal que prevê a pena mais grave [cf. parte final do n.º 1, do artigo 152.º-A do Código Penal], em expressa aplicação do princípio da subsidiariedade[7].

Portanto, a incriminação inicial pelo tipo de crime de maus tratos, previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, constante da acusação e da pronúncia, abrangendo em concurso aparente outros ilícitos, é passível de degradação para algum ou alguns desses ilícitos, e, assim sucede com o crime de ofensa à integridade física, incluindo na modalidade qualificada suprarreferida, o que pode dar lugar à condenação por este último tipo de crime, se arredada a responsabilidade criminal pelo primitivo ilícito.

Nessa situação, trata-se de uma modificação para minus da tipologia de crime, decompondo-se os maus tratos e reduzindo-se a um dos ilícitos abrangidos, designadamente ao tipo qualificado de ofensa à integridade física, previsto no artigo 145.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, ao qual corresponde punição menos gravosa [o novo crime é punível com pena de prisão até 4 anos; o crime inicial é punível com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.].

Por outro lado, a subsunção jurídica operada no acórdão recorrido pode ser sujeita a escrutínio por meio de recurso, como o foi no caso presente, e a tal não obsta a circunstância de, em primeira instância, ter sido realizada uma alteração da qualificação jurídica dos factos relativamente à incriminação vertida na acusação e confirmada no despacho de pronúncia, com observância prévia do condicionalismo legal previsto no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código Processo Penal.

Ou seja, o enquadramento jurídico do apurado comportamento da arguida realizado pelo tribunal da primeira instância, porque resultante de uma alteração da qualificação jurídica dos factos, ao abrigo do artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código Processo Penal, não se torna definitivo e vinculativo para o tribunal superior.

Ademais, a ausência de exteriorização, por parte do Ministério Público, do respetivo entendimento quanto à nova qualificação jurídica dos factos, na data em que foi realizada, pelo tribunal a quo, a comunicação de alteração, não indica aceitação ou não oposição à decisão tomada pelo tribunal, tampouco lhe era exigível que se pronunciasse sobre o decidido ou expressasse a sua opinião sobre a específica nova qualificação jurídica transmitida no despacho.

A comunicação exigida pela lei e efetivada em cumprimento do citado normativo destina-se a prevenir o arguido para a eventualidade de o tribunal vir a proceder a subsunção jurídica dos factos diversa daquela que correspondia à incriminação vertida no despacho de acusação ou de pronúncia, a fim de permitir o exercício do contraditório, concedendo-lhe, se o pretender, prazo para preparar a sua defesa em atenção àquela eventual alteração da qualificação jurídica dos factos.

Sendo assim, no caso presente, ao Ministério Público não ficou vedada a discussão sobre a matéria da subsunção jurídica dos factos, por via do recurso do acórdão, em decorrência de nada ter declarado aquando da comunicação feita pelo tribunal da primeira instância sobre a modificação da qualificação jurídica dos factos.

Além disso, a consideração da possibilidade de, na presente decisão, subsumir os factos provados ao tipo legal de crime qualificado de ofensa à integridade física não envolve a valoração de novos factos ou circunstâncias, mas apenas se atém à matéria fixada no acórdão recorrido.

Finalmente, a ponderação do preenchimento da qualificativa prevista na alínea c), do n.º 2, do artigo 132.º, do Código Penal, justificando a subsunção no tipo de crime previsto no artigo 145.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, não surge inovatoriamente neste acórdão nem decorre de alteração da qualificação jurídico-penal oficiosamente efetuada por este tribunal[8], mas ao invés foi suscitada no recurso interposto pelo Ministério Público, em prejuízo dos interesses do arguido (cfr. artigo 409.º, n.º 1, do Código Processo Penal), isto é, foi suscitada na instância de recurso pelo Ministério Público tendo em vista a agravação do decidido em primeira instância, sob o ponto de vista dos interesses da arguida, portanto por quem tem legitimidade para tal efeito, sendo do conhecimento da arguida desde a admissão do recurso na primeira instância [refira-se, aliás, que o enquadramento jurídico que o Ministério Público defende no recurso tem correspondência com a orientação inicial da investigação, de acordo com o despacho do Ministério Público de 07-12-2021[9] e reiterado no despacho de 07-12-2021[10], em que se reportam crimes de ofensa à integridade física qualificada, por virtude de as vítimas serem pessoas particularmente indefesas em razão da idade, entendimento que veio a ser revisto posteriormente no despacho de 10-05-2023[11], em que se refere a suspeita de prática de crimes de maus tratos, ainda que não tenha sido totalmente arredada a qualificação jurídica inicial como decorre do despacho de 13-06-2023[12] e do subsequente despacho de 20-06-2023[13] onde se referem os dois tipos de crimes, sendo depois proferida a acusação pública de 30-08-2023 nos termos já referidos supra].

Consequentemente, não se verificam os pressupostos da aplicação do n.º 3, do artigo 424.º, do Código Processo Penal[14], isto é, não cabe a este tribunal prevenir a arguida da eventualidade de condenação pelo tipo qualificado de crime de ofensa à integridade física, do que já se encontra advertida mediante o recurso interposto pelo Ministério Público, visando a revogação do decidido e precisamente a condenação da arguida pelo cometimento de 7 (sete) crimes daquele tipo, sendo esta interpretação conforme ao juízo de constitucionalidade que decorre do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 394/2022, por não se tratar da aplicação pelo tribunal de recurso de «norma agravante do crime não anteriormente suscitada no processo»[15].

Em decorrência, foi amplamente concedido o exercício do contraditório à arguida AA quanto à aludida qualificação jurídica dos factos e, como se referiu supra, já a arguida se pronunciou expressamente sobre a matéria, debatendo e contraditando os argumentos jurídicos trazidos ao processo na instância de recurso, mais explanando o seu entendimento sobre o tema, isto é, exerceu plenamente o seu direito ao contraditório, pelo que, em tal circunstancialismo, prejuízo algum advém para a sua defesa de se operar, nesta decisão, a subsunção jurídica proposta no recurso do Ministério Público, em reapreciação do decidido no acórdão recorrido.

Nesta conformidade, procede, nesta parte, o recurso do Ministério Público, impondo-se revogar o acórdão recorrido, e condenar a arguida pela prática de sete crimes de ofensa à integridade física qualificada, do tipo p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, alínea a), com referência à alínea c), do n.º 2, do artigo 132.º, ambos do Código Penal.

b) Ilegitimidade do Ministério Público [crimes de ofensa à integridade física e de injúria].

Insurge-se a recorrente AA contra a decisão condenatória, pelos crimes de ofensa à integridade física e de injúria, com base na verificação de falta de pressuposto processual - legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal-, invocando que os ofendidos não apresentaram queixa ou não o fizeram tempestivamente.

Nesse sentido, alega que somente as mães e encarregadas de educação dos menores BB e CC, enquanto representantes legais dos seus filhos menores, em 15-10-2021, manifestaram desejo de procedimento criminal contra a arguida AA, pela prática de agressões físicas àqueles menores, respetivamente, em 10-01-2020 e 13-01-2020, sendo que, em ambos os casos, tinham decorrido mais de seis meses desde as datas dos factos e do seu conhecimento quando tal manifestação de vontade teve lugar.

Conclui que, inexistindo outras queixas e sendo aquelas extemporâneas, atento o disposto no artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal, estava vedado ao tribunal a quo proferir condenação quer quanto ao crime de ofensa à integridade física quer quanto ao crime de injúria, por falta de uma condição de procedibilidade quanto a ambos os ilícitos, por isso, deve ser revogada a decisão e absolvida a arguida dos crimes pelos quais foi condenada, assim como da indemnização imposta.

Por seu turno, o Ministério Público contrapõe na resposta que, tendo presente o desenvolvimento do processo e a não demonstração do tipo de crime de maus tratos, a questão somente se coloca no que respeita ao crime de injúria, posto que as ofensas à integridade física devem, na sua ótica, subsumir-se ao tipo de crime qualificado, que é crime público, e quanto ao outro tipo de crime, de natureza particular, a questão encontra-se solucionada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 9/2024, dele devendo retirar-se as necessárias consequências para o caso concreto, aditando, nesta instância, ainda o Ministério Público o sentido decisório do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto prolatado em 05-02-2025, no processo n.º 37/23.1GFPNF.P1.

Na sequência do decidido no ponto antecedente, o âmbito da presente questão circunscreve-se, agora, à matéria dos crimes de injúria, mostrando-se prejudicada quanto aos crimes de ofensa à integridade física, por virtude da correção da subsunção jurídica supra realizada, uma vez que o tipo de crime de ofensa à integridade física qualificada assume natureza pública.

No que respeita aos crimes de injúria, o tribunal a quo, partindo da existência de concurso aparente com o crime de maus tratos imputado na acusação pública, e uma vez afastada a subsunção a este último tipo de crime, procedeu à autonomização das condutas que entendeu preencherem a previsão do crime de injúria, tendo proferido condenação relativamente a 4 (quatro) crimes desse tipo, cometidos nas pessoas de BB, GG, EE e HH, sem que tenha adiantado os fundamentos em que baseou a consideração de subsistir legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal, em face do processado antecedente e da modificação operada.

Vejamos.

A ação penal em regra não depende de impulso do titular dos interesses protegidos pela incriminação, de acordo com o princípio geral da oficialidade, segundo o qual a iniciativa de investigar a prática de uma infração e a decisão de a submeter a julgamento cabe a uma entidade pública, estadual[16], competindo ao Ministério Público exercer a ação penal, conforme norma constitucional plasmada no artigo 219.º, n.º 1, da CRP.

A legitimidade conferida ao Ministério Público para promover o processo penal, nos termos do artigo 48.º do Código Processo Penal, comporta as restrições decorrentes das disposições dos artigos 49.º a 52.º do mesmo Código.

Assim, quando o procedimento criminal depender de queixa do ofendido ou de outras pessoas [entendendo-se como tal a manifestação inequívoca do desejo de ser instaurado e prosseguir procedimento criminal contra outra pessoa][17] é necessário que essas pessoas comuniquem o facto ao Ministério Público e exprimam a sua vontade de que se verifique procedimento, para que seja instaurado e prossiga o processo penal, nos termos do artigo 49.º, n.º 1, do Código Processo Penal. Além disso, quando depender de acusação particular, torna-se ainda necessário que, para além da queixa, o ofendido se constitua assistente e deduza acusação particular, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Processo Penal.

Nessas situações, a legitimidade do Ministério Público para promover a ação penal está condicionada à apresentação de queixa por parte do ofendido, ou de outra pessoa a quem a lei reconheça o direito de a apresentar, nos casos em que exista disposição legal expressa que exija o preenchimento de tal requisito, trata-se dos denominados crimes semipúblicos, que constituem uma limitação ao princípio da oficialidade[18]. Acresce ainda, nos casos em que a lei expressamente o exija, ou seja, nos designados crimes particulares, a necessidade de dedução de acusação particular por parte do assistente, o que constitui já uma exceção ao princípio da oficialidade[19].

A prossecução processual fora do condicionalismo legal quando exigido, nomeadamente sem queixa prévia, determina a ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal[20].

A titularidade do direito de queixa cabe ao ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, e no caso de o ofendido ser menor de 16 anos (ou não possua discernimento para entender o respetivo alcance e o significado) o exercício do direito de queixa pertence ao representante legal (e, na sua falta, às pessoas indicadas sucessivamente nas alíneas do n.º 2, do artigo 113.º do Código Penal, podendo qualquer uma dessas pessoas apresentar queixa independentemente das restantes), conforme regula o citado artigo 113.º, n.ºs 1 e 4 do Código Penal.

Ainda nas situações em que o procedimento criminal depender de queixa, o Ministério Público pode dar início ao procedimento (no prazo de seis meses a contar da data em que tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores), sempre que o interesse do ofendido o aconselhar e este for menor, como preceitua o n.º 5, alínea a), do mencionado artigo 113.º, do Código Penal. Contudo, o Ministério Público tem de fundamentar no processo a opção tomada ao abrigo de tal normativo, ou seja, devem constar do processo as razões de tal iniciativa tomada oficiosamente pelo Ministério Público[21].

A apresentação da queixa está sujeita ao prazo estabelecido no artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal, isto é, ao prazo de seis meses a contar da data em que o titular do direito de queixa tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores.

Contudo, sendo o ofendido menor de 16 anos, na hipótese de o representante legal não apresentar queixa nem o Ministério Público oficiosamente dar início ao procedimento, pode ainda o ofendido exercer o direito de queixa a partir da data em que perfizer 16 anos, extinguindo-se tal direito no prazo de seis meses a contar da data em que perfizer 18 anos, como decorre das normas dos artigos 113.º, n.º 6, e 115.º, n.º 2, do Código Penal.

De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2012[22], o prazo para o exercício do direito de queixa é um prazo de caducidade, visto que a instância processual não se iniciou, depende da queixa, que é condição de procedibilidade, sendo o exercício do direito de queixa, um ato extrajudicial não um ato processual que radica na vontade do titular legítimo.

O não exercício do direito de queixa pelo seu titular no aludido prazo legal determina a extinção de tal direito (cf. artigo 115.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).

Presente o quadro normativo indicado, importa contextualizar que, na situação em análise, a legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal nunca esteve em causa até à alteração da qualificação jurídica dos factos pelo tribunal a quo. Outrossim, a tramitação processual observada até à fase do julgamento foi sempre orientada sob o pressuposto de a conduta indiciada e imputada à arguida AA ser subsumível à prática de crimes de natureza pública (crimes de ofensa à integridade física qualificada/crimes de maus tratos), pelo que, nesse condicionalismo, relevância alguma assumiu a existência ou não de queixa.

Sucede que, arredado o preenchimento do crime de maus tratos, a valorização autónoma de condutas ilícitas subsumíveis a tipos de crime consumidos pelo crime primeiramente imputado à arguida, deu lugar à questão ora suscitada em recurso.

Como se referiu, em causa está a subsistência ou não de legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal relativamente aos crimes de injúria, do tipo p. e. p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, cometidos nas pessoas dos menores BB, GG, EE e HH, pelos quais foi condenada a arguida.

Certo é que os autos não integram a formalização de queixa ou denúncia, por parte dos referidos ofendidos ou seus representantes legais, contra AA para procedimento criminal pelo cometimento de crimes de injúria.

As denúncias que deram origem ao processo n.º 706/21.0PAESP.P1 e ao processo n.º 705/21.2 PAESP (apenso A, incorporado no primeiro), ambas datadas de 15-10-2021, respetivamente apresentadas por II e JJ, contra AA, referem-se a agressões físicas contra BB e CC.

Na sequência do despacho proferido, no âmbito do processo n.º 706/21.0PAESP.P1, pelo Ministério Público em 07-12-2021 (Referência: 119122073), já supracitado, a investigação ampliou-se para apuramento de comportamentos imputados à então suspeita AA, dirigidos contra os menores GG, CC, DD, EE, FF e HH, relativamente a crimes de ofensa à integridade física qualificada, em razão da(s) vítima(s) serem pessoas particularmente indefesas em razão da idade.

Findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de acusação de 30-08-2023 (Referência: 128798576), confirmado depois no despacho de pronúncia de 19-02-2024 (Referência: 131647054), em que estava imputado à arguida AA o cometimento de 7 (sete) crimes de maus tratos, p. e p. pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a) do Código Penal, sendo incluídos em tais despachos factos que, autonomizados, são suscetíveis de integrar a prática de crimes de injúria, do tipo p. e. p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.

Depois, entre os visados pelos crimes de injúria objeto de condenação, somente BB e HH, representados pelas respetivas progenitoras, foram admitidos a intervir nos autos como assistentes, por despachos, respetivamente, de 20-05-2022 (Referência: 121904675) e de 19-10-2023 (Referência: 129589334).

Além disso, BB, representado pela mãe, deduziu acusação particular, em 15-09-2023 (Referência: 15034307), na qual declarou: O assistente adere à acusação pública nos termos do disposto no artigo 284.º, n.º 2, al. a) do CPP.; e HH deduziu acusação particular, em 20-09-2023 (Referência: 15053546), na qual, além de declarar que subscreve na íntegra e aqui dá por reproduzida para todos os efeitos legais a douta acusação pública proferida nos presentes autos, conclui pela imputação à arguida, entre o mais, da prática de um crime de injúria agravado, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, e artigo 188.º, do Código Penal, que no despacho de pronúncia se veio a considerar não ser autonomizável, encontrando-se em concurso aparente com o crime de maus tratos[23].

Os menores GG e EE não deduziram acusação ou adesão à acusação pública, nem tal lhes era admissível, uma vez que não se constituíram assistentes, tendo formulado pedido de indemnização civil, respetivamente em 15-09-2023 (Referência: 15034307), e em 19-09-2023 (Referência: 15088949), peças processuais em que respetivamente declararam expressamente o seguinte: dá-se aqui por integralmente reproduzida a matéria de facto constante da acusação pública deduzida nos autos; dá aqui por inteiramente reproduzida a Douta acusação do Ministério Público.

Perante a tramitação processual descrita não subsistem dúvidas de que, na atualidade, face à natureza particular dos crimes de injúria autonomizados e subsistentes, não estão perfetibilizados os requisitos que condicionam a legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal.

Contudo, face à qualificação jurídica dos factos durante o inquérito e que se manteve até ao encerramento da produção de prova em audiência de julgamento, sempre o processo prosseguiu com plena legitimidade do Ministério Público.

Ademais, não é este o momento processual próprio para se aferir da presença de requisitos cuja verificação necessariamente só poderia ter tido lugar em momento pregresso.

A propósito da queixa, como condição de procedibilidade, e da acusação particular, como condição de perseguibilidade, subscreve-se o entendimento doutrinário [André Teixeira dos Santos, in “Queixa, participação e acusação particular versus crime público convolado em crime particular em sentido amplo por força de redução dos factos objeto do processo”, in RMP, n.º 173, pags 137-138], citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2024, de 9 de julho[24], de que têm de estar presentes no momentos temporais próprios, ou nos tempos chave a que se reportam. Isto é, a queixa e a participação, enquanto conditio sine qua non do processo, têm de existir no seu início, antes de se encetar diligências de investigação e probatórias, sem prejuízo das medidas cautelares e de polícia. Já a acusação particular tem de se verificar no final do inquérito. É nesses momentos-chave que cumpre aferir se o crime objeto do processo reclama o preenchimento dessas condições. Ultrapassado o marco temporal a que se reporta a condição de procedibilidade, os actos praticados posteriormente são válidos. Logo, deduzida uma acusação por crime público, se no julgamento este crime for convolado em crime particular, por somente se terem provado os factos descritos na acusação pública respeitantes a este crime contra a honra, poderá ocorrer a condenação [...].

E, seguindo tal raciocínio, não cabe no momento processual vigente destes autos retomar a questão da procedibilidade ou da legitimidade do Ministério Público para a prossecução do processo, condições ou requisitos já adquiridos anteriormente.

Importa assinalar que a situação verificada nos presentes autos não é coincidente com a debatida no suprarreferido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tampouco corresponde exatamente à concreta situação tratada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto prolatado em 05-02-2025, no processo n.º 37/23.1GFPNF.P1[25].

Nesse sentido, realça-se que, apesar de relatar várias outras situações, objeto de diferente tratamento jurisprudencial, em que se debateu a persistência ou não de legitimidade do Ministério Público para a ação penal quanto a crimes autonomizados após se não demonstrar o crime de violência doméstica, o AUJ n.º 9/2024 delimitou com precisão o seu objeto, nos termos seguintes: Tendo sido o arguido acusado pelo Ministério Público pela prática de crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, do CP, com base em múltiplos factos atentatórios da dignidade pessoal, da integridade física e da honra do ofendido, verificando-se, a final do julgamento, não poder o arguido ser condenado por falta de prova dos elementos típicos de tal crime, pode o processo prosseguir, em convolação para crime de injúria, p. e p. no art. 181.º, n.º 1, do CP, perante a prova de todos os seus elementos típicos e uma vez que o ofendido, em tempo próprio, apresentou queixa, se constituiu assistente, acompanhou a acusação pública e persiste em vontade inequívoca de prosseguimento dos autos?.

Ou seja, mesmo sem acusação particular deduzida, (por, ao tempo, desnecessária), mantém-se a legitimidade do MP e do ofendido/assistente para prosseguirem a acusação num crime de natureza particular?, mais sublinhou: De registar, porém, que a resposta que aqui o Supremo Tribunal de Justiça é convocado a dar é a das soluções opostas no direito entre os dois acórdãos e não aqueloutras, diferentes, que com nuances distintas se surpreendam. É nessa latitude e delimitação que o STJ responderá e não mais do que isso. Em suma: na inexistência de adicional obstáculo processual, a falta de dedução de acusação particular constitui obstáculo ao prosseguimento dos autos? (…) a única questão hic et nunc a resolver é a de saber se a falta de acusação particular impede o avanço do processo para condenação do arguido pelo minus de injúria. [realce nosso]

Por conseguinte, a questão suscitada no presente recurso não encontra correspondência com a decidida no AUJ n.º 9/2024, não sendo a jurisprudência ali fixada diretamente aplicável in casu.

De resto, segundo a interpretação que fazemos do Acórdão n.º 9/2024, a manutenção da legitimidade do Ministério Público - no caso em que a acusação pública por crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, do Código Penal, não resulta inteiramente provada mas dela são considerados provados factos integrantes do crime de injúria p. e p. no artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal- não depende sempre da verificação cumulativa de apresentação de queixa, constituição de assistente e adesão à acusação pública, mas antes quando verificados tais requisitos, não se exige ou dispensada fica a dedução de acusação particular, o que como se assinalou constituía o objeto da questão a dirimir[26].

No entanto, extrai-se do mesmo Aresto, com interesse para o caso concreto, a argumentação relativa à situação de sucessão de leis penais, em que se opera a mudança de natureza do crime, designadamente passando de crime público a semipúblico ou particular público, caso em que a aplicação da lei nova processual não poderá fazer questionar a posteriori a legitimidade do MP para iniciar e promover a acção penal[27]. Como se refere no Acórdão, não sendo caso de sucessão de leis penais, os fundamentos da manutenção de legitimidade do Ministério Público para prosseguir com o processo são aqui igualmente válidos e procedentes. “O que já se iniciou, iniciado está; o que já se produziu, produzido está.” Dito de outra forma, o Ministério Público, que já a tinha porque o processo foi iniciado sem anomalia e de forma válida e eficaz, mantém a sua legitimidade para prosseguir o processo.”.

Por outro lado, interessa ainda a ponderação que se retira sobre a atitude processual do ofendido/assistente de que resulte a manifestação inequívoca de prossecução penal do arguido pelos concretos factos autonomizados, o que também se verifica, no presente caso, em face da expressa remissão para a acusação pública, onde se encontravam incluídos os factos relativos a tal ilícito, que todos os visados pelo crime de injúria efetuaram nas suas intervenções processuais subsequentes, como relatado supra, persistindo ainda nessa mesma vontade depois de comunicada a alteração da qualificação jurídica.

Sendo assim, considera-se que a alteração posterior da natureza do crime público para particular, decorrente da mudança de qualificação jurídica operada pelo tribunal finda a produção da prova, não afeta a legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal, que se mantém.

Improcede, pois, esta questão recursiva.

c) Impugnação da matéria de facto [crimes de denúncia caluniosa]

O recorrente Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto relativa aos factos não provados dos pontos J, K e L.

Como se sabe, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias:

• impugnação restrita, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento;

•impugnação ampla, com base em erro de julgamento, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do Código Processo Penal, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência.

A impugnação deduzida no presente recurso situa-se no âmbito restrito, por isso, rege-se pela disciplina do artigo 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, sendo importante sublinhar que a indagação e confirmação da presença dos vícios decisórios tem de resultar do teor da decisão, por si só considerada e/ou com apelo a regras de experiência comum, por isso, somente a falha, o erro, a omissão ou a contradição percetíveis e detetáveis no próprio texto da decisão, sem necessidade de valoração de elementos externos, permitem declarar a existência do respetivo vício.

O vício decisório previsto na alínea b), do n.º 2, do artigo 410.º, do Código Processo Penal, consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os factos não provados ou entre a fundamentação e a decisão[28].

Ao nível dos factos a contradição insanável ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, quando se mostre inconciliável entre si a matéria de facto provada e não provada, e ainda quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir.

Em sede de fundamentação verifica-se contradição insanável quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta, ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados.

Na tese do recurso, o acórdão recorrido padece do vício de contradição insanável da fundamentação de facto, porquanto existe incompatibilidade lógica absoluta entre a decisão tomada quanto aos factos não provados J e K e a decisão tomada quanto aos factos provados 5 [note-se que a alegação contém a transcrição integral deste facto 5, ao que adita a primeira parte do facto provado 6 até assistência hospitalar, mas indica globalmente o ponto 6 dos factos provados, tratando toda a matéria como sendo correspondente ao facto provado 6], 6, 7, 10 e 11, e bem assim porque a decisão do facto provado 22 contrasta radicalmente com a decisão do facto não provado L, sendo em ambas as situações possível eliminar o vício mediante a transição dos factos J, K e L para a matéria provada, a operar nesta instância, ao abrigo do disposto nos artigos 426.º, n.º 1, e do artigo 431.º, alínea c), do Código Processo Penal.

Ademais, considerando que os factos, após a pretendida modificação, preenchem, na íntegra, o tipo objetivo e subjetivo de ilícito previsto no artigo 365.º, n.º 1, do Código Penal, o recorrente Ministério Público requer, a final, a condenação da arguida pela prática de cinco crimes de denúncia caluniosa, do tipo previsto e punido na aludida norma incriminadora, na procedência da acusação pública e da pronúncia.

Contra tal entendimento se manifesta a arguida, alegando que a decisão de absolvição da prática dos imputados crimes de denúncia caluniosa não assentou na alegada contradição entre os factos provados e não provados, que não existe, mas antes se baseou na ausência de imputação de factos concretos na queixa que originou o processo criminal contra os pais dos alunos, assentando tal conclusão na matéria constante do ponto 22, 24 e 30 dos factos dados como provados.

Vejamos.

No acórdão recorrido considerou-se provado que:

- a arguida AA exercia as funções de professora no Agrupamento de Escolas ..., em ..., lecionando ao 1.º ano da Escola ..., sita na Rua ..., em ..., concelho ..., e nessas condições deu aulas à turma B do 1.º ano, da qual faziam parte, entre outros, os menores: BB (nascido em ../../2013), CC (nascida em ../../2013) e DD (nascido em ../../2013);

- nessas circunstâncias, no período compreendido entre meados do mês de setembro de 2019 e do mês de janeiro de 2020, em dias não concretamente apurados, no interior da sala de aulas, entre o mais, a arguida:

- desferiu uma pancada com o livro escolar do menor na zona da nuca na cabeça do aluno BB, atingindo-o perto das orelhas, e chamou-o, pelo menos uma vezes, de “burro”,

- no dia 13 de janeiro de 2020, após dizer à aluna CC que tinha escrito os números grandes demais, disse-lhe “vai haver batata frita”, desferiu duas bofetadas com as mãos em ambas as bochechas da face desta aluna, de tal forma que fez barulho e provocou dores, mas a menor susteve o choro por recear que a arguida lhe batesse mais,

- após o menor errar a resposta a uma pergunta, desferiu pancada, utilizando a mão, na cabeça do aluno DD, bem como uma pancada com o livro da professora, atingindo-o na zona da nuca na sua cabeça e chamou-o de “mentiroso”;

- em consequência de tais comportamentos, os alunos sofreram dores nas suas faces, (…), viveram um clima de medo da arguida, sofrimento, angústia, intranquilidade, insegurança, tristeza, fragilidade e humilhação, receio de irem para a escola, sem capacidade de reagir à atuação da arguida dada a sua tenra idade, temendo que a mesma os voltasse a molestar nos seus corpos caso colocassem dúvidas ou errassem em qualquer uma das tarefas escolares;

- apesar de ter mais de 30 anos de serviço, atuou de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de maltratar e molestar física e psicologicamente os menores seus alunos, entregues à sua responsabilidade com o dever de os educar e proteger, ofendendo-os na sua honra e consideração, amedrontando-os, molestando os seus corpos, a sua liberdade e desenvolvimento académico e ofendendo também os seus sentimentos de timidez e vergonha perante os seus pares;

- sabia que atuava dentro da sala de aulas, causando aos ofendidos medo, inquietação e insegurança;

- sabia, por ser professora dos ofendidos, que durante o período em que permaneciam na escola os menores se encontravam sob a sua responsabilidade, direção e educação, e que devido à sua idade não tinham capacidade para se defenderem das agressões e humilhações de que eram vítimas.

- sabia que molestava fisicamente os alunos de tenra idade, com 6 anos, frágeis e indefesos, (…);

- agiu sempre de forma deliberada, livre e conscientemente, indiferente ao sofrimento dos menores ofendidos, bem sabendo que tais condutas são proibidas e punidas por lei penal como crime.

Em síntese, os factos descritos, colhidos da matéria provada nos pontos 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11, elucidam que a arguida, enquanto professora dos menores BB, CC e DD, no exercício da função docente e no interior da sala de aula, agrediu fisicamente os mesmos alunos, atingindo-os no corpo, com a mão e/ou com um livro, ciente das suas funções, de que os molestava fisicamente e de que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.

Além disso, considerou-se ainda provado no acórdão recorrido que:
- em 08 de Março de 2020, foi instaurado processo disciplinar a AA, no âmbito do qual ficou demonstrado que a docente, durante as atividades letivas, no primeiro período, na sala de aula da turma B do 1º ano da Escola ..., entre o mais, praticou atos de contacto físico, com um ou mais alunos, nomeadamente:

BB – que lhe batera muitas vezes com a mão, com força, e duas com um livro, uma com força e outra devagar;

CC – que lhe batera com as duas mãos na cara e que lhe doera muito;

DD – que lhe batera na cabeça com a mão e que doera um pouco;

Contactos efetuados diretamente com uma, com as duas mãos, ou indiretamente com outro objeto na cabeça dos alunos (…), com um livro, com um conjunto de folhas de papel (…);

- por decisão de 27-03-2020, foi aplicada à arguida a sanção disciplinar de repreensão escrita e, posteriormente, na sequência de recurso hierárquico, foi aquela decisão revogada e aplicada, por decisão proferida em 12 de Agosto de 2020, a sanção disciplinar de suspensão pelo período de 30 (trinta) dias, suspensa na sua execução pelo período de 01 (um) ano.

- a arguida foi notificada em 20-08-2020 da decisão e ficou ciente do seu teor;

- não recorreu nem impugnou judicialmente a decisão proferida, que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão pelo período de 30 dias, tendo a mesma transitado em julgado.

- no dia 01-10-2021, na esquadra da PSP ..., apresentou queixa contra:

KK e JJ, pais de CC,

LL e II, pais de BB, e

MM, mãe de DD;

dando conta dos seguintes factos:

“É professora na Escola ... e foi professora dos filhos dos suspeitos há dois anos atrás;

Nessa altura foi acusada pelos suspeitos de agredir os filhos dos suspeitos e de ser racista e xenófoba;

Houve um processo disciplinar movido à denunciante e no final foi declarada inocente;

Desde essa altura os suspeitos têm caluniado e difamado a denunciante com emails enviados à Direcção da Escola onde trabalha e estes continuam a pressionar a escola para que esta deixa de leccionar na escola, mesmo não sendo neste momento professora dos filhos dos suspeitos;

Pelos factos descritos deseja procedimento criminal contra os suspeitos e ficou ciente dos trâmites legais a seguir”.

- Tal denúncia deu origem ao processo de inquérito nº 666/21.8PAESP, onde foi realizada a respetiva investigação aos ilícitos denunciados;

- No dia 17-03-2022, na PSP ..., inquirida como denunciante no âmbito de tal inquérito, AA referiu:

“- Confirma na íntegra todo o conteúdo do auto de denúncia, por os factos denunciados corresponderem à verdade.

- os denunciados, sem qualquer fundamento, acusaram-na de ter agredido os filhos dos mesmos, bem como outros alunos da mesma turma.

- sem qualquer tipo de fundamento, a escola/agrupamento escolar, entendeu abrir um processo de averiguações, seguindo os termos normais neste tipo de casos, cujo processo foi concluído/arquivado, sendo ilibada das acusações que lhe foram movidas.

- no decorrer do processo de averiguações, sensivelmente por mais um ano, esteve de baixa psicológica na sequência das acusações que lhe foram imputadas, facto que a deixou bastante debilitada a nível psicológico/emocional.

- quando retomou a sua atividade foi confrontada com os emails identificados a fls. 6, 7 e 8, enviados pelos denunciados ao referido agrupamento escolar, com o título: insegurança na escola, cujo conteúdo dos emails a deixou totalmente perplexa/desgostosa, uma vez que já não era professora dos alunos citados;

- Em face do exposto, sente-se caluniada, difamada e injuriada, sentindo-se também vítima de bullying”.

- AA conhecia perfeitamente o teor dos factos dados como provados no processo disciplinar que lhe foi instaurado.

- no inquérito foram constituídos arguidos e, nessa qualidade, interrogados KK, JJ, LL, II e MM.

- em 23-04-2022 foi proferido despacho de arquivamento no âmbito do referido inquérito, por carência de indícios, relativamente aos denunciados crimes de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, e 184.º, do Código Penal, e de perseguição, p. e p. pelo artigo 154.º-A, n.º 1, do Código Penal.

Em síntese, os factos descritos, colhidos da matéria provada nos pontos 14 a 33, elucidam que, depois de ter sido alvo de procedimento disciplinar no qual foi sancionada com suspensão pelo período de 30 (trinta) dias, suspensa na sua execução pelo período de 01 (um) ano, com fundamento, entre mais, em ter praticado agressões físicas aos alunos BB [batera muitas vezes com a mão, com força, e duas com um livro, uma com força e outra devagar], CC [batera com as duas mãos na cara e que lhe doera muito], DD [batera na cabeça com a mão e que doera um pouco], decisão de cujo conteúdo estava ciente e que não impugnou, AA apresentou queixa contra os pais dos referidos menores, atribuindo-lhes a imputação infundada de ela ter agredido os filhos dos mesmos e de, por esse motivo, ter sido instaurado processo de averiguações na escola, que foi arquivado, sendo ela declarada inocente [reafirmando mais tarde quando inquirida que foi ilibada das acusações que lhe foram movidas], mais afirmando que os suspeitos têm caluniado e difamado através de emails remitidos para Direção da Escola. Nesse inquérito declarou ainda que na sequência das acusações de que foi alvo sentiu-se debilitada a nível psicológico/emocional, por isso, esteve de baixa, além disso, quando retomou a sua atividade foi confrontada com emails enviados pelos denunciados ao agrupamento escolar, com o título: insegurança na escola, o que a deixou totalmente perplexa/desgostosa, uma vez que já não era professora dos alunos citados. Mais relatam que no inquérito foram constituídos arguidos e, nessa qualidade, interrogados os denunciados, vindo a ser proferido despacho de arquivamento, por carência de indícios, relativamente aos crimes de difamação agravada e de perseguição.

Assim, a factualidade provada, sumariamente narrada, expressa inequivocamente que a arguida AA agrediu fisicamente, entre outros, os menores filhos de KK e JJ, LL e II, MM, o que fez conscientemente e não podia ignorar. Por esse motivo, entre outros, foi objeto de procedimento disciplinar, em que as agressões foram consideradas provadas, foi condenada com sanção disciplinar, do que ficou ciente e não impugnou. Apesar disso, em data posterior, apresentou queixa na esquadra da PSP ... contra os indicados progenitores dos seus alunos, manifestando desejo de procedimento criminal contra os mesmos, com base em terem os denunciados acusado, infundadamente, a denunciante de agredir os filhos deles, mais afirmando ter sofrido, em consequência, um processo disciplinar, onde foi considerada inocente, apesar de ciente dos factos dados como provados e do desfecho do processo disciplinar de que foi alvo.

Estes factos positivamente demonstrados são lógica e objetivamente inconciliáveis com a matéria não provada sob os pontos J e K, donde resulta que não se provou que os factos por ela denunciados não tem correspondência com a realidade, ou seja, não se provou que são irreais os factos que AA atribuiu aos denunciados KK e JJ, LL e II, MM, e ainda que a arguida bem o sabia.

Evidentemente que, provadas as agressões aos menores, a denúncia feita por AA de que os pais desses menores a acusaram, sem fundamento, de ter praticado tais agressões só pode não corresponder à verdade. As agressões existiram, por isso, a afirmação de que os pais imputaram à arguida agressões que ela não praticou corresponde à denúncia de factos falsos ou irreais. E não pode conceber-se que, nessas circunstâncias, a arguida não sabia estar a denunciar factos falsos.

Para além disso, é ainda absolutamente inconciliável que a arguida estava ciente dos factos provados e do desfecho do processo disciplinar de que foi alvo e, ao mesmo tempo, que não sabia que as informações por ela dadas no inquérito sobre o mesmo processo não correspondiam à realidade.

Igualmente se evidencia a total incompatibilidade entre a matéria provada sobre a apresentação de denúncia na esquadra da PSP, com expressa manifestação de desejo de procedimento criminal contra os pais dos menores, com base no relato dos factos que sabia falsos, e a consideração de não se ter provado que agia assim com intenção de provocar que fosse instaurado procedimento criminal contra aqueles por factos não verdadeiros.

Sendo assim, existe notória e manifesta contradição insanável entre os factos não provados J, K,L e os factos provados 5, 6, 7, 10, 11, 14 a 33.

Ademais, a presença do mesmo vício afeta a decisão tomada quanto ao ponto M da matéria não provada - que completa a exposição feita nos pontos antecedentes, sendo proveniente da acusação pública[29] e depois mantido no despacho de pronúncia[30]-, que igualmente é inconciliável com a factualidade provada já analisada, sendo tal vício de conhecimento oficioso deste tribunal[31].

Da motivação da decisão de facto consta, a propósito da matéria não provada ora em análise, o seguinte: Resulta ainda total ausência de prova relativamente aos elementos subjetivos do crime de denúncia caluniosa, na medida em que inexiste qualquer facto concreto denunciado.

Contudo, a matéria de facto em causa, não sendo objeto de confissão por parte da arguida [o que se extrai também do segmento da motivação de facto vertida no acórdão: Inevitavelmente, as declarações da arguida, na parte em que negou as agressões e as expressões, por contrarias ao supra referido, não lograram convencer o tribunal, não obstante, não deixou de confirmar que tocou com umas folhas no HH e que a mãe foi falar com ela relativamente a este facto, tendo-lhe explicado que não se tratou de qualquer agressão mas apenas uma chamada de atenção.], decorre da ponderação do comportamento exterior e objetivo da arguida, levando em conta a formação académica dela, em face das regras da experiência comum e da normalidade da vida.

Assim sendo, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 426.º, n.º 1, e 431.º, alínea c), do Código Processo Penal, importa proceder à eliminação do assinalado vício decisório, determinando que os factos dos pontos J, K, L e M da matéria não provada passem a integrar a matéria de facto provada, assumindo a numeração: 33-A, 33-B, 33-C e 33-D.

Em decorrência da modificação factual operada, cabe, agora, proceder à subsunção jurídica dos factos provados 12 a 33-D.

Com base em tais factos, está imputada a prática, pela arguida, de cinco crimes de denúncia caluniosa, do tipo p. e p. no artigo 365.º, n.º 1, do Código Penal.

Analisada a factualidade provada, considera-se que integra todos os elementos constitutivos do referido crime, que se consumou contra cinco pessoas, justificando a imputação do mesmo número de crimes.

O elemento objetivo do tipo de crime preenche-se com a denúncia ou o lançamento de suspeita da prática de crime, contra determinada pessoa, identificada ou identificável, por forma a permitir a instauração de procedimento criminal contra a mesma, com fundamento em factos falsos.

Exige-se que a denúncia ou suspeita seja, no seu conteúdo essencial, falsa, não sendo imperioso que a falsidade seja total[32]. A denúncia é caluniosa mesmo que seja parcialmente verdadeira[33].

Para a consumação do crime basta que a comunicação chegue ao conhecimento da autoridade ou do público, não sendo necessária a efetiva instauração do procedimento contra o visado[34].

No que respeita ao elemento subjetivo, somente é punível a conduta dolosa, sendo o dolo qualificado por duas exigências cumulativas, o agente tem de atuar com a consciência da falsidade da imputação e, bem assim, tem o fazer com a intenção de instauração de procedimento contra o visado[35].

No caso presente, a apurada conduta da arguida AA preenche indubitavelmente os elementos típicos referidos, como se retira das considerações antecedentes sobre a materialidade da ação por ela desenvolvida, conjugadamente com a vertente subjetiva que agora se consolidou como provada, não se justificando reiterar o já afirmado.

Importa, ainda assim, esclarecer que, contrariamente ao entendimento plasmado no acórdão recorrido, a descrição da conduta da arguida, vertida na acusação e reiterada na pronúncia, não é omissa de factualidade, por não resultar que a arguida tenha imputado qualquer facto concreto na queixa que apresentou e deu origem à instauração de procedimento criminal.

Conforme amplamente explanado, a arguida denunciou perante a autoridade policial competente factos concretos que atribuiu aos visados, factos que sabia falsos, sendo sua intenção concretizada que essas pessoas, que identificou, fossem perseguidas criminalmente por tais factos.

Nessas circunstâncias, a arguida declarou perante a autoridade policial que foi acusada pelos suspeitos de agredir os filhos dos suspeitos (…), que houve um processo disciplinar movido à denunciante e no final foi declarada inocente, sendo desde então vítima da atuação dos suspeitos que a têm caluniado e difamado com emails enviados à Direcção da Escola onde trabalha e estes continuam a pressionar a escola para que esta deixa de leccionar na escola, mesmo não sendo neste momento professora dos filhos dos suspeitos. E tal reiterou, quando inquirida como denunciante, expressando que os denunciados sem qualquer fundamento, [a] acusaram de ter agredido os filhos dos mesmos, bem como outros alunos da mesma turma, sendo também, sem qualquer tipo de fundamento, aberto processo de averiguações pela escola, que veio a ser arquivado, sendo ilibada das acusações que lhe foram movidas.

Perante a matéria descrita revela-se nitidamente que carece de fundamento a consideração produzida no acórdão recorrido, pois inexiste a apontada omissão de imputação de factos concretos pela arguida aos denunciados, aliás, também assim o não considerou o Ministério Público titular do inquérito, que deu continuidade à denúncia, determinando a investigação dos factos denunciados, e veio a proferir despacho de arquivamento, por falta de indícios dos crimes de difamação e perseguição denunciados.

Pelo que não existe o apontado óbice ao preenchimento dos elementos típicos do ilícito referido.

Resta assinalar que entre os bens jurídicos tutelados pela incriminação inserem-se a honra e a liberdade da pessoa visada, para além da realização da justiça[36].

Como se declara no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2006[37], a denúncia caluniosa assume, (…) uma natureza pluridimensional. Porquanto o bem jurídico protegido com a incriminação da denúncia caluniosa é, desde logo, a realização da justiça, mas a esfera de protecção da incriminação da denúncia caluniosa abrange ainda o bom nome, a honra e consideração do caluniado. Salvaguarda-se, pois, a personalidade moral, dignificando-se a pessoa, valor essencial, com expressa consagração constitucional.

Sendo assim, atenta a referida dimensão pessoal do bem jurídico também tutelado na incriminação, a violação do bom nome, a honra e consideração de cada um dos caluniados importa a consumação do número de ilícitos correspondente ao número de vítimas, apesar de se consumar na mesma data e por meio de um mesmo ato de denúncia [cf. artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal].

Nesta conformidade, procede, quanto a este aspeto, o recurso do Ministério Público, impondo-se revogar o acórdão recorrido, e condenar a arguida pela prática de cinco crimes de denúncia caluniosa, do tipo p. e p. pelo artigo 365.º, n.º 1, do Código Penal.

d) Consequências do decidido supra neste acórdão

Resulta do que ficou decidido que se mantém inalterado o segmento decisório do acórdão recorrido que condenou a arguida AA, pela prática de 4 (quatro) crimes de injúria, do tipo previsto e punido pelo artigo 181.º, nº 1, do Código Penal, nas penas de 40 [quarenta] dias de multa à razão diária de 8,00€ [oito euros], por cada um dos crimes.

Por outro lado, não se mantém o decidido quanto aos crimes de ofensa à integridade física e de denúncia caluniosa.

Assim, cumpre seguidamente proceder à determinação das penas parcelares correspondentes aos crimes de ofensa à integridade física qualificada e de denúncia caluniosa considerados demonstrados, bem como à fixação da pena do concurso de crimes, em conformidade com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2016[38].

Escolha e medida das penas parcelares

De acordo com o disposto no artigo 70.º do Código Penal, quando existe a alternativa de fixação de pena privativa e pena não privativa da liberdade a escolha da pena deve recair prioritariamente sobre a última, salvo se as necessidades de prevenção não resultarem suficientemente satisfeitas mediante a imposição da mesma pena, caso em que se exige a fixação de prisão.

Assim, as finalidades preventivas da pena - prevenção geral e especial- são determinantes no momento da escolha inicial por uma das penas aplicáveis, não operando, nessa sede, considerações da culpa.

A preferência legal incide sobre a pena não privativa da liberdade que somente deve ser afastada na presença de razões de prevenção especial de socialização que se não satisfaçam com tal pena e, bem assim, quando irremediavelmente seja colocada em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias[39].

A determinação da pena concreta tem como critérios fundamentais a culpa e a prevenção, como decorre do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal.

A ponderação das necessidades de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena; por seu lado, a consideração da culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limite as exigências de prevenção[40].

A prevenção enquanto princípio regulativo da medida da pena tem correspondência com o sentido que lhe é atribuído em matéria de finalidades da punição, ou seja, abrange a prevenção geral e a prevenção especial[41] (cf. artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal).

A prevenção geral positiva ou de integração, finalidade primeira da aplicação da pena, constitui o objetivo de tutela dos bens jurídicos, que fornece um critério de necessidade da pena a avaliar no caso concreto, estabelecendo uma moldura que tem por limites a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico[42].

Dentro dos limites da moldura fornecida pela prevenção geral operam as necessidades de prevenção especial de socialização que indicam a medida exata da pena concreta (artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal).

Por seu lado, a culpa, como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos, atua como limite inultrapassável das exigências de prevenção[43], ou seja, como limite máximo da pena quaisquer considerações preventivas, mormente de necessidades de prevenção geral, garantindo que o condenado não possa servir de instrumento de tais exigências (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal).

Na determinação do quantum da pena intervêm os elementos que resultem apurados no caso concreto e sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e/ou da culpa, desde que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infração do princípio da proibição da dupla valoração, nomeadamente os fatores enumerados do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal.

Em qualquer caso a determinação da concreta medida da pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade, relativamente à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente[44].

Crimes de ofensa à integridade física qualificada

A moldura penal aplicável é de pena de prisão até 4 anos (cf. artigo 145.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal), sendo o limite mínimo da prisão correspondente ao mínimo legal de um mês (cf. artigo 41.º, n.º1, do Código Penal).

Na dosimetria das penas importa considerar como fatores concretos relevantes:

Relativamente às circunstâncias dos crimes

A gravidade das agressões perpetradas pela arguida nas pessoas dos alunos

BB,

CC,

DD,

EE,

FF,

GG,

HH,

descritas no facto provado 5, consistentes em: pancada com o livro escolar do menor na zona da nuca na cabeça do aluno BB; uma bofetada com a mão na face do aluno GG, duas bofetadas com as mãos em ambas as bochechas da face da aluna CC; pancada, utilizando a mão, na cabeça do aluno DD, bem como uma pancada com o livro da professora, atingindo-o na zona da nuca na sua cabeça; fortes pancadas com a mão na zona da nuca da cabeça do aluno EE; uma pancada, utilizando ambas as mãos, nas bochechas da face da aluna FF; um estalo com uma mão no aluno HH.

Também a extensão das consequências provocadas nas vítimas narradas no facto provado 6, incluindo além de dores físicas e em alguns casos choro, também sentimentos de medo, tristeza, insegurança e angústia.

No que respeita às condições pessoais da arguida

Completou 65 anos de idade (nasceu a ../../1960).

Dos factos provados nos pontos 82 a 101 destaca-se que:

- vive sozinha;

- exerce atividade de professora do ensino básico desde 1984;

- aufere o vencimento líquido médio mensal de €2000;

- no meio profissional é considerada dotada de competência pedagógica e de ensino, rigor e afetividade, com os alunos e a restante comunidade escolar;

- tem seguimento clínico para problemas de saúde crónicos;

- tem vindo a registar sintomatologia clínica compatível com manifestação depressiva e ansiosa, com consequente incapacidade laboral.

Relativamente ao comportamento anterior da arguida

Não tem antecedentes criminais.

Em face da natureza das condutas protagonizadas pela arguida e dirigidas contra os alunos, independentemente da idade deles já considerada para efeito de qualificação das ofensas à integridade física, no contexto apurado, graduam-se como elevadas as exigências de prevenção geral, sendo as exigências de prevenção especial também acentuadas face aos traços de personalidade que os atos delituosos espelham, mostrando-se mitigadas pelo percurso de vida anterior da arguida, sem registo de antecedentes criminais, e pela sua integração social e profissional, em que se regista, sem embargo dos factos em análise, que lhe são reconhecidas qualidades profissionais.

Tudo ponderado, considerando que não se impõem razões para distinguir as condutas perpetradas contra cada um dos alunos, julga-se justa, adequada e proporcionada a pena de 5 (cinco) meses de prisão, para punição de cada um dos crimes.

Crimes de denúncia caluniosa

A moldura penal correspondente é de pena de prisão até 3 anos ou pena de multa (cf. artigo 365.º, n.º 1, do Código Penal).

Considerada a dimensão e gravidade das imputações produzidas pela arguida na queixa que apresentou, enquadradas no contexto vivencial da arguida na data dos factos e tendo em conta o seu comportamento anterior, julga-se não existir motivo para afastar a preferência legal pela pena de multa, que se mostra idónea e suficiente para satisfazer as exigências preventivas.

Pelo que se opta pela aplicação de pena de multa, que tem o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360 dias, sendo a taxa diária a fixar entre 5€ (cinco euros) e 500€ (quinhentos euros), em função da situação económica e financeira da arguida e dos seus encargos pessoais (cf. artigo 47.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).

Na dosimetria das penas importa considerar como fatores concretos relevantes a circunstância de a arguida ter no mesmo ato formalizado denúncia caluniosa contra os cinco ofendidos, decorrido cerca de um ano e dois meses após ter sido sujeita a sanção disciplinar por virtude das condutas cometidas contra os alunos, tendo mantido a imputação falsa quando inquirida como denunciante.

Além disso, ponderam-se as condições pessoais e comportamento anterior já assinalados supra.

Neste âmbito, as exigências preventivas graduam-se em patamar elevado no que respeita às necessidades de prevenção geral e em ponto médio as necessidades de prevenção especial, face à conduta pregressa, idade e condições pessoais da arguida.

Tudo ponderado, não subsistindo motivos para fixar penas diferenciadas, julga-se justa, adequada e proporcionada a pena de 130 (cento e trinta) dias de multa à taxa diária de 8 €(oito euros), atenta a situação económica da arguida, para punição de cada um dos crimes.


*

Medida da pena única

Relativamente à punição do concurso de crimes prevê a lei que a moldura penal aplicável é fixada entre o resultado da soma das penas parcelares aplicadas e a pena parcelar mais elevada, não podendo exceder 25 anos de prisão e 900 dias de multa.

Dentro dos limites assim definidos determina-se a pena conjunta, em função dos parâmetros fundamentais da culpa e da prevenção, critérios gerais e comuns à fixação das penas parcelares, e ainda em função do critério especial consistente na avaliação conjunta da personalidade do agente e do seu comportamento global, conforme decorre das normas dos artigos 71.º, n.º 1, e 77.º do Código Penal.

Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios referidos (cf. artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal).

Com a fixação da pena conjunta pretende-se punir o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas principalmente pelo respetivo conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente.

No caso presente, face à medida das penas parcelares supra fixadas e ainda das penas de multa fixadas no acórdão recorrido quanto aos crimes de injúria, que são objeto de cúmulo jurídico, a moldura aplicável ao concurso de crimes situa-se quanto às penas de prisão entre 5 meses (limite mínimo) e 35 meses (limite máximo), no que respeita às penas de multa entre 130 dias (limite mínimo) e 810 dias (limite máximo).

Avaliada a gravidade do ilícito global aliada à personalidade da arguida revelada no conjunto dos factos, sendo elevadas as exigências preventivas, as necessidades de prevenção geral em razão da natureza dos ilícitos e as necessidades de prevenção especial de socialização em face do número e diversidade de atos ilícitos, bem como do número de vítimas, considera-se, justa e adequada, a pena única de 1 (um) ano de prisão e de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de 8€ (oito euros).


*

Pena de substituição

Atenta a duração da pena única de prisão, verifica-se o pressuposto formal para a aplicação da pena de substituição prevista no artigo 50.º do Código Penal.

Decorre da citada norma que a opção pela suspensão da pena de prisão assenta na previsão de que, por meio da mesma, serão alcançadas, adequada e suficientemente, as finalidades da punição, tendo em conta as circunstâncias do crime, a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior, ou seja, depende da formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do arguido, baseado na expectativa fundada de que a socialização em liberdade se conseguirá realizar[45].

Quando verificados os respetivos pressupostos legais, ao tribunal incumbe o poder-dever de substituir a pena de prisão por suspensão de execução da prisão, conforme entendimento uniforme da doutrina[46] e da jurisprudência[47].

A esta pena de substituição está associado um sentido pedagógico e reeducativo, norteado pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime[48].

Na ponderação sobre a viabilidade e adequação da suspensão da execução da prisão não intervêm considerações sobre a culpa do agente, mas antes prevalecem juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do arguido perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias de facto. Sempre que os mencionados fatores permitam ao julgador prever que são fundadas as expectativas de confiança na prevenção da reincidência[49] e, em concordância, se revelem satisfeitas as exigências de prevenção geral[50], deve tal pena substitutiva ser escolhida, atentas as disposições conjugadas dos artigos 40.º, n.º 1, e 50.º, n.º 1, do Código Penal.

No caso presente, atentas as características da atividade criminosa, visto o comportamento anterior da arguida, sem antecedentes criminais, e considerada a sua inserção familiar e profissional, conclui-se pela viabilidade e adequação da pena suspensa para alcançar a satisfação das finalidades punitivas da pena[51].

Considerando a natureza do comportamento delituoso e a conexão com a atividade profissional da arguida, entende-se que a pena suspensa deve ser sujeita a regime de prova cumulada com a obrigação de frequência de programas adequados à prevenção de comportamentos violentos, mediante o apoio e fiscalização dos Serviços de Reinserção Social, fixando-se a duração da suspensão em dois anos [cf. artigos 50.º, n.º 2, 51.º, n.º 4, 52.º, n.º 1, alínea b), e 53.º, todos do Código Penal].


*

Indemnizações [crimes de denúncia caluniosa]

MM, LL, JJ, KK, II deduziram pedidos de indemnização civil, requerendo a condenação de AA a pagar a cada um dos demandantes a quantia de 900,00€, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a notificação do pedido até integral pagamento, a título de reparação por danos não patrimoniais, decorrentes da prática do crime de denúncia caluniosa.

No acórdão recorrido, após considerações jurídicas gerais sobre o direito a indemnização e os critérios de fixação do quantum indemnizatório, o tribunal a quo expôs e decidiu nos termos seguintes: (…)

Analisemos então se in casu estão preenchidos todos os requisitos necessários para fazer operar o instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos ou aquiliana começando pelos pedidos que têm como suporte a prática do crime de denúncia caluniosa. Não tendo resultado provado qualquer conduta da arguida/demandada que tenha constituído a prática de um facto ilícito típico criminoso [artigo 71.º do Código Penal], aquele não se constituiu na obrigação de a indemnizar.

Nesta medida, impõe-se julgar os pedidos de indemnização civil formulados totalmente improcedentes, com a consequente absolvição da demandada do peticionado.

Conforme se extrai do excerto transcrito, o tribunal a quo determinou a absolvição dos pedidos de indemnização civil suprarreferidos em decorrência da absolvição dos imputados crimes de denúncia caluniosa.

Ora, alterados os pressupostos da decisão tomada pelo tribunal a quo quanto aos pedidos de indemnização civil, no âmbito do conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público, impõe-se o dever de retirar da procedência de tal recurso as consequências para toda a decisão, nos termos previstos no artigo 403.º, n.º 3, do Código Processo Penal.

Assim, importa apreciar, neste momento, a matéria dos pedidos de indemnização civil, julgados improcedentes em consequência do segmento decisório do acórdão recorrido, que deve ser revogado, na procedência do presente recurso.

Como resulta do artigo 129.º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.

A indemnização civil por factos ilícitos regula-se, no que respeita aos seus pressupostos e na determinação do respetivo quantitativo, pelas normas dos artigos 483.º, 496.º, 562.º a 566.º, todos do Código Civil.

A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais encontra-se circunscrita àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, conforme prescreve o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil.

O montante da indemnização para reparação destes danos deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do agente, à sua situação económica e à do lesado, bem como às demais circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, nos termos dos artigos 496.º, n.º 3, e 494.º do Código Civil[52].

De notar ainda que, em sede de danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente[53].

No caso presente, não subsistem dúvidas quanto à obrigação de indemnizar a cargo da demandada AA, porque verificados todos pressupostos legais [a) o facto do agente; b) a ilicitude; c) o nexo de imputação do facto ao lesante a título de culpa; d) o dano; e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima].

Os danos a ressarcir são unicamente de natureza não patrimonial, consistem em prejuízos para o bom nome e honra dos demandantes, em decorrência da apresentação pela demandada de denúncia criminal contra os mesmos, com base em factos sem correspondência com a realidade, e que ela sabia falsos.

Trata-se de danos que se extraem da factualidade provada, merecendo reparação, à luz da norma do artigo 496.º do Código Civil.

Ponderados os critérios legais, atenta a gravidade da conduta com repercussão na honra dos visados e o grau de culpa da demandada, vista a condição socioeconómica da demandada, considera-se justo e equitativo fixar no valor de €700,00 a indemnização devida a cada um dos demandantes para compensar os danos por eles sofridos.

Aos quantitativos fixados acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente decisão até integral pagamento.


-

Nestes termos e concluindo, o recurso da arguida AA improcede na totalidade, e o recurso do Ministério Público procede na totalidade.

****

III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em:

a) negar provimento ao recurso interposto por AA.


*

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

**

b) conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência, decidem:

- revogar o acórdão recorrido nos segmentos absolutório relativo aos crimes de denúncia caluniosa (artigo 365.º, n.º1, do Código Penal) e condenatório relativo aos crimes de ofensa à integridade física simples (artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal);

- determinar a modificação da matéria de facto nos termos enunciados supra.

- Condenar a arguida AA:

i.pela prática de 7 (sete) crimes de ofensa à integridade física qualificada, do tipo p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, alínea a), com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea c), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, correspondente a cada um dos crimes;

ii.pela prática de 5 (cinco) crimes de denúncia caluniosa, do tipo p. e p. pelo artigo 365.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa à taxa diária de 8 € (oito euros), correspondente a cada um dos crimes;

iii.pelo concurso de crimes, em cúmulo jurídico das penas suprarreferidas e das penas impostas no acórdão recorrido [pela prática de 4 (quatro) crimes de injúria, do tipo p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal] na pena única de 1 (um) ano de prisão suspensa na sua execução, pelo período de dois anos, sujeita a regime de prova e subordinada à obrigação de a arguida frequentar programas adequados à prevenção de comportamentos violentos, mediante o apoio e fiscalização dos Serviços de Reinserção Social, e de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de 8€ (oito euros).

- Condenar a demandada AA no pagamento a cada um dos demandantes MM, LL, JJ, KK, II, de indemnização no valor de €700,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente decisão até integral pagamento.

- Manter quanto ao mais decidido o acórdão recorrido.


*

Sem custas.

***
Porto, 08 de outubro de 2025
Maria dos Prazeres Silva
Paula Pires
Liliana de Páris Dias
_________________
[1] Cfr. Teresa Serra, HOMICÍDIO QUALIFICADO TIPO DE CULPA E MEDIDA DA PENA, Almedina, 2003, págs. 63 e 64.
[2] Cfr. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 26;
[3] Cfr. Figueiredo Dias, ob. citada, pág. 26; Vd., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2015, proc. 185/13.6GCALQ.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 852/2014, de 10-12-2014, publicado no Diário da República n.º 48/2015, Série II de 10-03-2015, que decidiu: «Julgar inconstitucional a norma retirada do n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal, na relação deste com o n.º 2 do mesmo preceito, quando interpretada no sentido de nela se poder ancorar a construção da figura do homicídio qualificado, sem que seja possível subsumir a conduta do agente a qualquer das alíneas do n.º 2 ou ao critério de agravação a ela subjacente, por violação dos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade penais, garantidos pelo artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa;».
[5] Vd. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 6.ª edição atualizada, pág. 686.
[6] Vd., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-11-2015, proc. 119/14.0JAPRT.P1.S1; Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 19-06-2019, proc. 7886/15.2TDLSB.L1-3, disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 6.ª edição atualizada, pág. 697, Há uma relação de concurso aparente (subsidiariedade expressa) entre o crime de maus-tratos e os crimes de ofensas corporais, contra a liberdade pessoal e contra a liberdade e autodeterminação sexual que sejam puníveis com pena mais grave do que prisão de 5 anos (…).
Também Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, 2.ª Edição, pág. 443.
[8] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/95, de 6 de julho, publicado no Diário da República n.º 154/1995, Série I-A de 1995-07-06, que fixou a seguinte jurisprudência: O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus.
[9] Vd. Despacho proferido no inquérito pelo Ministério Público de 07-12-2021 (Referência: 119122073), do seguinte teor:
Como decorre do processo disciplinar, para além de BB, existem outras vítimas dos comportamentos imputados à suspeita AA, nomeadamente:
GG
CC
DD
EE
FF
HH.
Posto isto, prima facie, está-se perante crimes de ofensa à integridade física qualificada, em razão da(s) vítima(s) serem pessoas particularmente indefesas em razão da idade, não dependente de queixa (sem prejuízo de, em razão de cada uma das condutas, se aferir posteriormente, em concreto se existe a especial censurabilidade ou perversidade para tal qualificação).
Assim, deverá o opc aferir da identificação concreta das vítimas, seus representantes legais e proceder à inquirição destes (deixando a inquirição dos menores para ser efetuada neste DIAP, eventualmente em sede de declarações para memória futura).
Mais deverão aferir se foram efetuadas participações criminais autónomas quanto a estes factos. (…) [realce nosso]
[10] Vd. Despacho proferido no inquérito pelo Ministério Público de 16-03-2022 (Referência: 120813807) do seguinte teor:
Como se fez constar no despacho antecedente, está-se perante crimes de ofensa à integridade física qualificada perpetradas sobre os menores GG, CC, DD, EE, FF, HH que, em razão idade são pessoas particularmente indefesas, o que atribui caráter público à investigação sem prejuízo de, em razão de cada uma das condutas, se aferir posteriormente, em concreto se existe a especial censurabilidade ou perversidade para tal qualificação).
Pelo exposto, o inquérito apresentado é mais um menor que terá sido alvo de atos da denunciada e que interessa proceder à investigação conjunta.
Pelo exposto, verificada a conexão objetiva e subjetiva, determina-se a sua apensação nos termos do artigo 24.º, n.º 1, al. b) e 25.º do Código de Processo Penal (pese embora o inquérito apresentado seja o mais antigo, devendo ter sido distribuído e este apenso àquele, o que resultaria numa distribuição meramente formal, sem utilidade, pelo que não se determina).(…) [realce nosso]
[11] Vd. Despacho proferido no inquérito pelo Ministério Público de 10-05-2023 (Referência: 127276905 ) do seguinte teor:
Atenta a proximidade da residência da denunciada, em 20 dias, neste DIAP, proceda à constituição da mesma como arguido com sujeição a TIR e a interrogatório relativamente aos factos participados contra a mesma para comunicação dos elementos de prova dos quais decorrem fundadas suspeitas da prática de vários crimes de maus tratos p. e p. pelo artigo 152.º-A, n.º 1 al. a) do CP.
[12] Vd. Despacho proferido no inquérito pelo Ministério Público de 13-06-2023 (Referência: 127861176) do seguinte teor: (…)
DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
Investigam-se neste inquérito os factos participados nos autos suscetíveis de integrar a prática de vários crimes de maus tratos, e eventualmente ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 152.º-A, n.º 1 al. a) e 143.º, n.º 1, 145.º, nºs 1 al. a) e 2 e 132.º, n.º 1 al. c), e), f) e m), todos do Código Penal. (…) [realce nosso]
[13] Vd. Despacho proferido no inquérito pelo Ministério Público de 20-06-2023 (Referência: 127925147 ) do seguinte teor:
No âmbito dos presentes autos, encontram-se em investigação a prática de vários crimes de maus tratos, e eventualmente ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 152.º-A, n.º 1 al. a) e 143.º, n.º 1, 145.º, nºs 1 al. a) e 2 e 132.º, n.º 1 al. c), e), f) e m), todos do Código Penal.(…)
[14] Cfr. Helena Morão e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Processo Penal, 5.ª edição atualizada, pág. 705, Por fim, se a alteração resulta da posição do MP expressa nas conclusões do recurso ou no visto ou da posição do assistente expressa nas conclusões do seu recurso, a alteração já é conhecida do arguido, pois ele foi oportunamente notificado para responder ao recurso e, havendo-o, ao visto e, portanto, também aqui se não justifica um dever adicional de comunicação. (…) Assim, o dever de comunicação ao arguido previsto nos termos do n.º 3 não se verifica quando a alteração da qualificação jurídica ou a alteração não substancial dos factos (…) c. tenha derivado das conclusões do recurso ou do visto do MP; (…).[realce nosso]
Vd. Também António Latas/Pedro Soares de Albergaria, Comentário Judiciário do Código Processo Penal, tomo V, págs. 283 e 284.
[15] Vd. Acórdão publicado no Diário da República n.º 126/2022, Série II de 2022-07-01, que decidiu: Julgar inconstitucional, por violação dos n.ºs 1 e 5 do artigo 32.º da Constituição, a interpretação extraída do artigo 424.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, no sentido de que, nos casos de aplicação de norma agravante do crime não anteriormente suscitada no processo, não há o dever de o tribunal notificar o arguido e de lhe dar oportunidade para se pronunciar.
Do mesmo Aresto destaca-se o segmento: De tudo o que ficou até agora dito pode concluir-se que, apesar de assistir às relações a faculdade de, ao conhecerem de direito, qualificarem livremente os factos demonstrados em primeira instância, designadamente através da aplicação de «norma agravante do crime do crime não anteriormente suscitada no processo», o exercício dessa faculdade encontra-se sujeito, por força da Constituição, a um duplo limite: não pode redundar na agravação da espécie ou medida da pena concretamente aplicada ao arguido, quando único recorrente; e não pode ser exercida sem que a este tenha sido previamente assegurada a possibilidade de se pronunciar sobre essa alteração.
[16] Vd. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 2016, pág. 60.
[17] Na definição de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 666, queixa, «é o requerimento, feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do respetivo direito (em regra o ofendido), exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada».
[18] Cf. Maria João Antunes, ob. citada, pág. 61, dado que ao Ministério Público compete encerrar o inquérito, arquivá-lo ou deduzir acusação.
[19] Cf. Maria João Antunes, ob. citada, pág. 61, tendo em conta que ao assistente cabe, no final do inquérito, decidir sobre a dedução de acusação.
[20] Vd. João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código Processo Penal, Tomo I, pág. 526.
[21] Vd. João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código Processo Penal , Tomo I, pág. 526; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-04-2014, proc. 261/12.2GDVFR.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[22] Acórdão publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 98, de 21-05-2012, que fixou a seguinte jurisprudência «O prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, nos termos do artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal, termina às 24 horas do dia que corresponda, no 6.º mês seguinte, ao dia em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores; mas, se nesse último mês não existir dia correspondente, o prazo finda às 24 horas do último dia desse mês.»
[23] No aludido despacho consignou-se:
Por último, uma palavra sobre o enquadramento jurídico efectuado na Acusação deduzida pelo Assistente a fls. 488 e segs., para referir que entre os imputados crimes de Maus Tratos e de Ofensa à Integridade Física e de Injúria ocorre uma relação de concurso aparente e não efectivo, pelos que estes não devem, nem podem, ser autonomizáveis, sendo que os mesmos integram parte da factualidade da Acusação Pública e que preenche o tipo legal de crime de Maus Tratos, sendo que inexiste qualquer prova indiciaria da factualidade que poderia consubstanciar a imputada prática do Crime de Coacção.
[24] Publicado no Diário da República n.º 131/2024, Série I de 2024-07-09, que fixou a seguinte jurisprudência: “O Ministério Público mantém a legitimidade para o exercício da ação penal e o assistente a legitimidade para a prossecução processual, nos casos em que, a final do julgamento, por redução factual de acusação pública por crime de violência doméstica p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, do Código Penal, são dados como provados os factos integrantes do crime de injúria p. e p. no artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, desde que o ofendido tenha apresentado queixa, se tenha constituído assistente e aderido à acusação do Ministério Público.”
[25] Publicado em www.dgsi.pt., convocado pelo Ministério Público no Parecer.
[26] Neste sentido aponta o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-02-2025, processo n.º 37/23.1GFPNF.P1, que a ora relatora subscreveu como 2.ª Adjunta, e em sentido oposto se manifestou o voto de vencido no mesmo consignado pelo 1.º Adjunto.
[27] Cf. António Gama, Comentário Judiciário do Código Processo Penal, Tomo I, pág. 516, citado no AUJ n.º 9/2024.
[28] Cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., pág. 77.
[29] Cf. Acusação de 29-12-2023 (Referência: 130484357), Processo: 639/22.3T9ESP [correspondente ao Apenso B].
-18º-
A arguida agiu ainda com o propósito concretizado de ofender a honra, bom nome e consideração dos ofendidos KK, JJ, LL, II e MM, bem sabendo que o teor das palavras que utilizou na queixa e depoimento prestado eram aptas a atingir esse resultado.
[30] Cf. Despacho de Pronúncia de 19-03-2024 (Referência: 132200387), Processo: 639/22.3T9ESP [correspondente ao Apenso B].
[31] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, publicado no Diário da República, Série I-A de 1995-12-28, que fixou a seguinte jurisprudência: É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.
[32] Vd. Manuel Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal , Tomo III, 2001, págs. 536 e 540.
[33] Vd. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 6.ª edição atualizada, pág. 1291.
[34] Vd. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. citada, pág. 1292.
[35] Vd. Manuel Costa Andrade, ob. citada, págs. 548.
[36] Vd. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. citada, pág. 1290.
[37] Publicado no Diário da República, Série I, 28-11-2006, que fixou a seguinte jurisprudência: «No crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo artigo 365.º do Código Penal, o caluniado tem legitimidade para se constituir assistente no procedimento criminal instaurado contra o caluniador.»
[38] Publicado no Diário da República, Série I, de 22-02-2016, que fixou a seguinte jurisprudência: “Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal”.
[39] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 331/3.
[40] Cf. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2018, pág. 43.
[41] Cf. Maria João Antunes, ob. citada, pág. 43.
[42] Cf. Maria João Antunes, ob. citada pág. 45.
[43] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-07-2015, proc. 315/11.2JELSB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[44] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-04-2019, proc. 765/15.5T9LAG.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, No Ac. nº 632/2008 de 23-12-2008, do Tribunal Constitucional, pode ler-se: “Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93):
«O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:
-Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);
-Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);
-Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»
[45] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, CJ/STJ, tomo II/98, pág. 237.
[46] Vd. Maria João Antunes, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 57.
[47] Vd., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2007, proc. 07P617, disponível em www.dgsi.pt.
[48] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2015, proc. 285/07.1 JABRG-F.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[49] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-2003, proc. 03P2131, disponível em www.dgsi.pt.
[50] Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 227, As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outo lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.
[51] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-09-2021, proc. 107/19.0SGLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[52] Cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra, 1991, págs. 484 e 485.
[53] Cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7.ª edição, Coimbra, 1991, pág. 602.