Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12300/23.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUTITE PIRES
Descritores: ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
LEGITIMIDADE PROCESSUAL
LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
Nº do Documento: RP2025071012300/23.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A sentença é nula quando os fundamentos nela invocados conduzem, logicamente, não ao resultado expresso da decisão, mas a resultado oposto ou pelo menos diferente.
II - A legitimidade processual tem a ver com a posição relativa das partes face à relação material controvertida tal como é configurada pelo autor na petição inicial.
III - Com ela não se confunde a legitimidade substancial ou substantiva, em que está em causa a efectividade da tal relação material, que poderá coexistir ou não com aquela, pressupondo a aferição da existência ou não dessa efectividade já o conhecimento do mérito da causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 12300/23.7T8PRT.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível do Porto – Juiz 1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto.

I. RELATÓRIO

AA e BB propuseram acção declarativa comum contra “A..., Lda.”.

Alegaram que são proprietários da fracção autónoma “H”, situada em edifício do qual a R. é administradora do condomínio.

Invocaram a existência de infiltrações e humidades na fracção autónoma sua propriedade, causadas pela entrada de água a partir de um terraço de cobertura do edifício onde tal fracção se insere.

Mais deram conta que a R. Administradora do condomínio, não obstante ter sido interpelada para o efeito, não levou a cabo qualquer diligência com vista a debelar tais entradas de água.

Pedem, assim, a condenação da R.:

a) A realizar, a suas expensas e no prazo de 30 dias, obras de reparação do terraço que serve de cobertura à fracção “H”, de forma a pôr termo às infiltrações de água e humidades que invadem a identificada fracção, repondo a situação existente antes da ocorrência das infiltrações;

b) A realizar, a suas expensas e no prazo de 30 dias, contados do términus das obras referidas no ponto anterior, todas as obras necessárias à reparação/eliminação definitiva de todos os problemas/patologias existentes na fracção “H”, bem como aqueles que surjam na pendência da presente acção;

c) A reparar, a suas expensas, todos e quaisquer danos que venham a ser provocados na fracção “H” por causa da realização das obras necessárias à eliminação definitiva de todos os problemas/patologias existentes e consequentes danos provocados pelas diferenças que resultem para o imóvel, nomeadamente, a nível da cor das paredes e tectos;

d) A pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, o montante de 100 €, por cada dia que passe desde os prazos estipulados para a realização das referidas obras sem que a Ré conclua as mesmas;

e) A indemnizar os Autores pelos prejuízos sofridos no caso de as obras não serem concluídas naqueles prazos, a liquidar em execução de sentença;

Ou, caso assim não se entenda, pedem os AA. que:

f) Seja a Ré condenada a pagar-lhes quantia, a liquidar em sede de execução de sentença, correspondente ao valor que terão (os AA.) de suportar para eliminar as patologias/problemas da identificada fracção, valor que nunca poderá ser inferior a 5 250 €;

Finalmente, pedem os AA que:

g) Seja a Ré condenada a pagar-lhes a quantia de 2 500 € a título de danos morais sofridos, designadamente, o incómodo gerado pela situação invocada.

A Ré não contestou.

Por despacho de fls. 3.10.2023, foram considerados confessados os factos articulados pelos AA..

Os AA. apresentaram alegações.

Foi, após, proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a R. “A..., Lda.”:

1) A realizar, a suas expensas, obras de reparação do terraço que serve de cobertura à fracção “H” do prédio urbano sito na Travessa ..., ..., por forma a pôr termo às infiltrações de água e humidades que invadem a identificada fracção, no prazo de 30 (trinta) dias;

2) A realizar, a suas expensas, as obras necessárias à reparação/eliminação definitiva de todos os problemas/patologias, mencionados nos “factos provados” nºs. 3, 4 e 5, existentes na fracção “H”, no prazo de 30 (trinta) dias após o término das obras no terraço referidas em 1); e

3) A pagar a cada um dos AA. AA e BB a quantia de 1 000 € (mil euros) - no total de 2 000 € (dois mil euros) -, acrescida de juros à taxa legal civil a contar da presente data.

Mais absolvo a R. dos restantes pedidos formulados pelos AA..

As custas – aqui incluindo as de parte - ficam a cargo dos AA. e da R., na proporção dos respectivos decaimentos, os quis se fixam, segundo um juízo de equidade, em 30% e em 70%, nos termos do art. 527º, nº 1 e 2, do CPC e 566º, nº 3, do CC.

Registe e notifique”.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Ré recurso de apelação para esta Relação, findando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“I - Até ao passado dia 30 de Novembro de 2023 a, aqui, Apelante desconhecia por completo a existência deste processo e de que, contra si, havia sido instaurada uma ação judicial, nunca tendo sido regularmente citada para os seus termos, nem tendo tomado conhecimento da mesma fosse de que forma fosse.

II. Efetivamente, a citação expedida para a morada da sede da Apelante em Julho de 2023, nunca deu entrada na mesma, nem foi recebida por qualquer trabalhador ou representante da Apelante.

III. A Apelante desconhece a pessoa que assina o AR da citação, sabendo, porém, que a mesma não é, nem nunca foi, sua trabalhadora ou representante legal, como, de resto, resulta dos documentos e certidão já juntos aos autos.

IV. A Apelante desconhece as razões que levaram os CTT a entregar a citação fora da morada indicada na missiva e a pessoa que não trabalha, nem representa a Apelante, no entanto, naturalmente, tal questão ultrapassa-a e não é da sua responsabilidade, já que, no dia em questão, os escritórios da Apelante estavam abertos e com os seus trabalhadores a laborar, pelo que, estava apta a receber a citação, sem problemas.

V. Apenas com a notificação da sentença em 30 de Novembro passado é que a Apelante tomou conhecimento da existência do processo e da condenação de que no mesmo havia já sido objeto.

VI. De igual forma, e mesmo não tendo a citação sido entregue na sede da Apelante a pessoa que ali trabalhasse ou que representasse a Apelante, deveria ter sido a Apelante notificada nos termos do artigo 233.º do CPC, o que, não se tendo verificado, levou a que a situação descrita não fosse detetada ainda em prazo para contestar.

VII. Verifica-se que, a aqui, Apelante, não foi citada, nem na pessoa do seu legal representante, nem na pessoa de qualquer empregado que se encontrasse na sede da Apelante.

VIII. Desde logo porque, a citação em questão, nunca foi entregue a ninguém no interior da sede da Apelante.

IX. Nem foi, posteriormente, notificada da entrega de citação a terceiro.

X. Sendo que, a referida subscritora do AR, CC, não é, nem nunca foi trabalhadora ou representante legal da Apelante, nem nunca esteve no interior do seu estabelecimento, desconhecendo a Apelante, por completo, tal pessoa.

XI. Nem a subscritora CC procedeu à entrega à Apelante, a algum dos seus trabalhadores ou representantes, da citação que lhe foi entregue, nem deu conhecimento da mesma, fosse de que forma fosse, à Apelante.

XII. Tais factos, objetivamente, impediram a Apelante de se defender, designadamente, apresentando a sua contestação e o seu requerimento de prova, interferindo, de forma decisiva, no desfecho da ação e penalizando ilegitimamente a Apelante, que viu ser dada por provada a factualidade alegada na petição inicial e, consequentemente, a sua condenação no pedido.

XIII. De igual forma, tais factos, não podem ser imputados à Apelante, que não contribuiu para a situação de maneira nenhuma, não lhe podendo ser assacadas responsabilidades ou imputadas consequências por não lhe terem entregue na sua sede uma comunicação que lhe era destinada.

XIV. Pelo que, nos termos sobreditos, verifica-se a falta de citação da Apelante, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º do CPC.

XV. De igual forma, a omissão da notificação a que alude o artigo 233.º do CPC se revela numa nulidade processual, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 191.º do CPC.

XVI. Seja pela falta de citação, ou pela nulidade da citação alegadas, impõem-se a sua declaração e a anulação de todo o processado subsequente à petição inicial, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 187.º do CPC.

Por outro lado,

XVII. Além das nulidades atrás alegadas, a sentença recorrida padece também de manifesta nulidade por contradição entre a decisão e os seus fundamentos e por manifesta obscuridade e ambiguidade da decisão, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

XVIII. Isto porque, por um lado, dá-se por provado que a Apelante era somente a administradora do condomínio em causa nos autos e, por outro lado, acaba-se a condenar pessoalmente a Apelante a ressarcir os danos alegados na petição inicial como se a mesma fosse a responsável pelos mesmos.

XIX. Os próprios Autores o assumem (artigo 2.º da petição inicial) e, de resto, dá-se por provado no ponto 2 da secção “Factos provados” da douta sentença recorrida que “A Ré é administradora do condomínio identificado prédio onde se integra a indicada fração “H” propriedade dos Autores.”. O que é, efetivamente, verdade e que, igualmente, determina, em definitivo, a qualidade da, aqui, Apelante nos presentes autos: que não participa dos mesmos a título próprio ou pessoal mas, antes, enquanto representante do condomínio em questão e, somente, nessa qualidade.

XX. A lei confere à, aqui, Apelante a obrigação de representar em juízo o condomínio por si administrado, no entanto, é o condomínio propriamente dito quem detém a legitimidade passiva e quem pode ser condenado nesta sede, jamais a sua administradora a dado momento temporal. Isto é, a, aqui, Apelante, não responde perante os Autores com o seu património pela existência de danos na fração dos Autores provenientes de zonas comuns, ou por qualquer um dos motivos em causa nos presentes autos.

XXI. O responsável por tais danos, a existirem - o que se rejeita – será sempre e somente o próprio condomínio, isto é, o conjunto de condóminos que, por simplicidade processual, podem ser representados em juízo pela administração, conferindo a lei capacidade judiciária ao condomínio, precisamente para esse fim.

XXII. O condomínio possui capacidade judiciária e só este pode ser demandado por danos provocados pelas partes comuns do prédio em causa nos autos na fração dos Autores. Não é a pessoa ou sociedade que, a dado momento na história do condomínio, representa o mesmo assumindo a função de sua administradora que responde pessoalmente por danos provocados pelas partes comuns do prédio seja em quem for.

XXIII. A factualidade dada por provada implica, necessariamente, a impossibilidade de condenação a título pessoal da Apelante, já que, se se reconhece a sua qualidade de mera administradora do condomínio em questão, não se pode concluir, decidindo pela sua condenação a título pessoal na reparação de partes de um prédio que não é seu ou em indemnizações (ou reparações) em virtude de danos que não foram por si provocados.

XXIV. É manifestamente claro que a, Apelante, jamais poderá ser condenada a título pessoal pelos factos que estão em causa nos autos e que a matéria provada isso mesmo implicaria, pelo que, é manifesta a ambiguidade e obscuridade da decisão a este respeito. Estando, de resto, a mesma em clara contradição com os factos provados e até com a fundamentação jurídica da sentença.

XXV. Motivo pelo qual, e sem prejuízo de outras nulidades já alegadas, a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, com todas as consequências legais que têm que ser extraídas de tal facto e sem prejuízo das demais nulidades já alegadas.

Por fim,

XXVI. Embora logo na sua petição inicial os Autores confessem que a Apelante mais não é do que a administradora do condomínio do prédio em causa nos autos, certo é que, não é nessa qualidade que a demandam, o que, admitindo-se poder tratar-se de lapso, é um lapso da maior relevância e com consequências graves para a Apelante.

XXVII. Não obstante a configuração da ação, certo é que, a mesma, é intentada contra a Apelante A... e não contra o condomínio ou, no mínimo, contra a Apelante na qualidade de administradora de condomínio, de forma a que, o eventual título executivo pudesse ser utilizado contra o único hipotético responsável: o condomínio.

XXVIII. A Apelante nem na configuração dada à causa de pedir pelos Autores poderia ser objeto de qualquer condenação pois, à mesma, não podem ser imputados nenhum dos danos em causa nos autos.

XXIX. Confessadamente, os Autores reconhecem que a Apelante é meramente a administradora do condomínio. Não podendo, por isso, ser condenada por danos provocados por bens que não são seus, nem pelos quais responde juridicamente.

XXX. Não se alega um único facto que justifique a presença da Apelante, a título pessoal, nos presentes autos.

XXXI. A parte passiva da ação deveria ser o Condomínio em causa nos autos representado pela sua administradora. E não se trata de uma mera formalidade ou preciosismo de linguagem. Condomínio esse que, como se referiu, dispõe de capacidade judiciária para estar em juízo.

XXXII. Portanto, nem na tese dos Autores, a, aqui, Apelante (pessoalmente considerada) seria parte legítima.

XXXIII. Efetivamente, os próprios Autores alegam e reconhecem que a única relação da Apelante com a causa de pedir é indireta e meramente funcional, em virtude do cargo que a mesma ocupa de administradora do condomínio.

XXXIV. Não lhe imputam qualquer facto sequer suscetível de configurar uma imputação de responsabilidade pessoal.

XXXV. É manifesto que os Autores pretendiam demandar o condomínio do seu prédio, representado pelo seu administrador, e não, obviamente, a sociedade Apelante que nada tem que ver com a situação em causa nos autos, nem poderia, evidentemente, ser responsabilizada com o seu património pela indemnização de danos que, na própria tese dos Autores, não foram por esta praticados.

XXXVI. Tratando-se de uma ilegitimidade processual, nos termos do disposto no n.º 1 e 3 do art.º 30.º do CPC mas, também, de uma verdadeira ilegitimidade material, nos termos sobreditos. No entanto, enquanto ilegitimidade processual, a ilegitimidade passiva consubstancia uma exceção dilatória, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 577.º do CPC. Exceção dilatória essa que, nos termos do disposto no art.º 578.º do CPC é de conhecimento oficioso, podendo – e devendo, dizemos nós – ser a mesma conhecida e declarada mesmo em sede de recurso, absolvendo-se, assim, a Apelante da instância.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão deve a presente apelação ser dada por provada e julgada procedente e, em consequência, deve:

1 – Ser declarada a falta de citação da Apelante, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 188.º do CPC; ou, sempre que assim não se entenda,

2 – Ser declarada a nulidade da citação, nos termos do artigo 191.º do CPC; ou, sempre que assim não se entenda,

3 – Ser declarada a nulidade da sentença recorrida por contradição entre a fundamentação e a sua decisão, e pela existência de obscuridade e ambiguidade na decisão proferida, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC; ou, sempre que assim não se entenda,

4 – Ser julgada procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da Apelante, e, consequentemente, a mesma ser absolvida da instância, nos termos da alínea e) do artigo 577.º e do artigo 578.º do CPC”.

Os recorridos apresentaram contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso.

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, foi proferida decisão singular pela ora relatora que, relativamente à questão da invalidade/falta de citação da Ré, por esta suscitada em sede de recurso, determinou a remessa dos autos à primeira instância para aí ser apreciada a aludida questão.

Baixando os autos à primeira instância, foi nela proferida decisão que julgou improcedente a invocada falta de citação da Ré e indeferiu a requerida anulação dos termos processuais subsequentes à petição inicial.

Remetidos os autos de recurso de novo a este tribunal, foram colhidos os vistos legais.

Cumpre, assim, apreciar.

II. OBJECTO DO RECURSO

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:

- se a sentença padece de nulidade;

- se se verifica a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da recorrente.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Em primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:

1 - Os Autores são donos e legítimos proprietários de uma fracção autónoma designada pela letra “H”, tipologia T1, com entrada pelo n.º ...0, e lugar de aparcamento na cave, designado pela mesma letra, que faz parte integrante do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, com duas frentes, R/C e três andares, destinado a habitação, sito na Travessa ..., ..., freguesia ..., concelho do Porto, descrito na matriz sob o artigo ...21.

2 - A Ré é administradora do condomínio do identificado prédio onde se integra a indicada fracção “H”, da propriedade dos Autores

3 - Em Abril de 2023, na fracção “H” dos AA., começaram a surgir e a alastrar fissuras e densas manchas de humidade no tecto e paredes do quarto, da cozinha e da sala, provocadas por infiltrações/fugas de água que provêm das partes comuns do edifício superiores à fracção “H” da Autora, designadamente, do terraço do prédio que serve de cobertura à referida fração.

4 - Por toda a fracção dos AA., à excepção do “WC” e do “hall” de entrada, porque são as únicas áreas que não se encontram cobertas pelo terraço, existem:

- grandes manchas escuras e fissuras nos tectos devido a humidades e infiltrações; e

- humidades nas paredes interiores, com tinta a descascar e “empolamentos” ou “bolhas” de tinta nas áreas mais afetadas.

5 - Na área da cozinha, em particular, para além das fissuras, das infiltrações e das manchas de humidade no tecto e nas paredes, cai água do tecto junto às lâmpadas.

6 - No dia 20 de Abril de 2023, os autores interpelaram a Ré, através do seu mandatário, mediante carta registada com aviso de recepção, junta como doc. nº 18 à petição, requerendo à Ré o tratamento/reparação das infiltrações, provenientes do terraço/cobertura, mais concedendo o prazo de 30 dias para a Ré proceder às reparações que fossem necessárias no terraço/cobertura.

7 - Todavia, a Ré não respondeu à missiva enviada, nem procedeu à realização de quaisquer obras de conservação/manutenção no terraço.

8 - Sem resposta e com as humidades/infiltrações a alastrarem-se na sua fracção, os Autores interpelaram novamente a Ré, em 5 de Junho de 20203, através do seu mandatário e mediante carta registada com aviso de recepção, junta como doc. 19 à petição, insistindo com a Ré sobre a resolução dos problemas com as infiltrações no terraço, alertando-a ainda, caso não os resolvesse de imediato, avançaria com a competente acção judicial de forma a compelir a Ré à cumprir com a sua obrigação, ou seja, reparar a cobertura e todos os danos da fracção dos Autores.

9 – A Ré a respondeu a 27 de Junho de 2023, através de um “e-mail” enviado ao mandatário dos Autores, no qual informou que se estava a “empenhar” no assunto, mais anexando a Acta da Assembleia de Condóminos realizada a 26 de Abril de 2023 pedida pelos Autores.

10 - No ponto 2 da referida Acta de 26 de Abril de 2023, junta como doc. nº 21 à petição, ficou decidido que relativamente à fracção “H” dos Autores, iria a Ré solicitar “(…) três orçamentos para levantamento das patologias, quer dos terraços ao nível do R/C e do 3º andar, quer do telhado e fachada traseira”.

11 - Todavia, passado dois meses, nada foi feito pela Ré.

12 – Por força das infiltrações e humidades que afectam a fracção “H”, os Autores evitam convidar os seus amigos a casa por causa do aspecto que a mesma apresenta.

13 – Por força das infiltrações e humidades que afectam a fracção “H”, os AA. sentiram stress e aborrecimento.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

1. Questão prévia.

No recurso interposto, invocou a Ré/Recorrente falta/nulidade da sua citação, sem que antes, perante o tribunal onde tenham alegadamente sido cometidas aqueles vícios ou irregularidades, os tenha arguido.

Como se escreveu na decisão singular então proferida pela ora relatora, “Ocorrendo falta ou nulidade de citação, como sobejamente invoca agora a recorrente, devia ter arguido qualquer dos vícios, sob pena de os mesmos ficarem sanados pelo decurso do prazo, no processo em que os mesmos ocorreram, podendo, caso a reclamação fosse desatendida, e só então, interpor recurso da respectiva decisão.

Em resumo: só a decisão proferida sobre a nulidade é passível de recurso.

Cabe, por isso, à parte interessada no reconhecimento dos vícios decorrentes da falta ou nulidade da citação argui-los no processo onde foram cometidas ou omitidas as formalidades que a eles deram origem, só posteriormente podendo impugnar recursivamente a decisão que haja indeferido a reclamação da nulidade.

No caso vertente, a apelante não suscitou perante o tribunal recorrido a falta ou nulidade da sua citação. Ao invés, socorreu-se do recurso para esta Relação para invocar nulidade processual decorrente da falta de citação e, ao que se julga, subsidiariamente, também o vício de nulidade da citação.

Ao proceder assim, incorreu a recorrente em erro no meio processual, previsto no artigo 193.º do Código de Processo Civil[1].

Este erro é susceptível de correcção oficiosa, como resulta do n.º 3 do mencionado normativo, com o máximo aproveitamento dos actos já praticados.

Haverá, por conseguinte, que determinar a convolação do recurso de apelação em incidente de arguição de nulidades processuais, ordenando-se, para esse efeito, a remessa dos autos à primeira instância[2], que apreciará, entre o mais, a tempestividade da arguição das nulidades invocadas pela apelante, ficando, deste modo, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela recorrente”.

E, tendo, em conformidade, se determinado a remessa dos autos à primeira instância para aí serem apreciadas aquelas nulidades, foi nela proferida decisão que as julgou improcedentes.

Tal decisão, que o caso julgado formado sobre ela tornou definitiva, não será, por isso, aqui objecto de sindicância.
2. Da invocada nulidade da sentença.
Alega a apelante que “a sentença recorrida padece também de manifesta nulidade por contradição entre a decisão e os seus fundamentos e por manifesta obscuridade e ambiguidade da decisão, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC”.
Dispõe o n.º 1 do artigo 615.º do aludido diploma:
“ É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
A nulidade da sentença - ou de despacho - constitui vício intrínseco da decisão, desde que ocorra alguma das circunstâncias taxativamente previstas no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que, pela sua gravidade, comprometem a sentença ou o despacho qua tale.
Como o n.º 1 do artigo 668.º do anterior diploma, também o n.º 1 do artigo 615.º do actual Código de Processo Civil contém uma enumeração taxativa das causas de nulidade da sentença[3], nelas não se inserindo o designado erro de julgamento, que apenas pode ser atacado por via de recurso, quando o mesmo for legalmente admissível[4].
No primeiro segmento da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º enquadra-se o vício da sentença em que ocorra oposição entre os seus fundamentos e a decisão. A nulidade resultará dos próprios termos da sentença e está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artigos 154.° e 607.°, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil, de fundamentar as decisões e, por outro, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a consequência ou conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor). Esta oposição é a que se verifica no processo lógico, que das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas, este extrai a decisão a proferir[5].
Não se cuida, no vício contemplado na referida alínea, de indagar se existe contradição/oposição entre a decisão que julga a matéria de facto e os fundamentos que a motivaram, como sucede na hipótese delineada pelo anterior artigo 653.º da lei adjectiva, mas antes de averiguar se essa oposição ocorre entre a decisão que aprecia a matéria controvertida e os fundamentos quer de facto, quer de direito que contribuíram para essa mesma decisão.
Numa perspectiva silogística da sentença, a decisão nela contida deve estar numa relação lógica e coerente com as respectivas premissas, que a haverão de anteceder, sendo aquela o resultado natural decorrente das mesmas.
Isto é, “a decisão tem como antecedentes lógicos os fundamentos de direito (premissa maior) e os fundamentos de facto (premissa menor), não podendo o sentido da decisão achar-se em contradição ou oposição com os fundamentos, o que sucede sempre que na construção da sentença os fundamentos expressos pelo juiz, necessariamente, haveriam de conduzir a uma solução de sentido antagónico: a proposição final (conclusão) revela-se incompatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), o que traduz um vício de raciocínio. A nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão[6].
Configura-se a nulidade tipificada no citado preceito quando “o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”[7].
Ou seja: “…se os fundamentos invocados conduzem logicamente, não ao resultado expresso da decisão, mas a resultado oposto ou pelo menos diferente, em última análise a decisão carece de fundamento[8].
Precisa, também a propósito do vício em análise, Lebre de Freitas[9]: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se”.
Quanto à “ambiguidade ou obscuridade que torne a sentença ininteligível”, vício a que se refere o segundo segmento do mencionado normativo, ele ocorre “quando não seja percetível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade) ou ela encerre um duplo sentido (ambiguidade), sendo ininteligível para um declaratário normal[10].
Segundo o Prof. Alberto dos Reis[11], a “(…) sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes”, explicitando que “(…) num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos”, adiantando ainda ser “(…) evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade” por “(…) se a determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz”.
Sinteticamente, poderá afirmar-se que ocorre obscuridade quando não seja perceptível o pensamento do julgador traduzido na parte decisória, verificando-se ambiguidade quando ela comportar mais do que uma interpretação.
Segundo o acórdão do S.T.J. de 11.4.2002,[12]só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exacto não pode alcançar-se. A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo [...].
Mas deve ter-se em conta que o haver-se decidido bem ou mal, de forma correcta ou incorrecta, em sentido contrário ao preconizado pela requerente, é coisa totalmente diversa da existência de obscuridade ou ambiguidade do acórdão [...]”.Em todo o caso, a ambiguidade e a obscuridade só invalidam a sentença se e na medida em que qualquer uma daquelas patologias a tornem ininteligível.
Alega a recorrente: “[...], por um lado, dá-se por provado que a Apelante era somente a administradora do condomínio em causa nos autos e, por outro lado, acaba-se a condenar pessoalmente a Apelante a ressarcir os danos alegados na petição inicial como se a mesma fosse a responsável pelos mesmos”.
É certo ter a sentença aqui sindicada condenado a apelante quando teve como provado que “A Ré é administradora do condomínio do identificado prédio onde se integra a indicada fracção “H”, da propriedade dos Autores”- ponto 2.º dos factos provados.
Porém, também, de forma lógica e coerente[13], a mesma sentença justifica tal condenação da Ré, aqui apelante, socorrendo-se, entre o mais, dos seguintes fundamentos: “No caso concreto, estará em causa, nos termos do art. 486º do CC, uma omissão da administração do condomínio, precisamente, a de não ter actuado no sentido de conservar e reparar as partes comuns (o referido terraço) do edifício onde se encontra integrada a fracção dos AA..
Nos termos do mencionado art. 486º, tal omissão deverá importar a violação de um dever de agir, imposto por lei ou negócio jurídico, que torne a omissão ilícita.
Tendo a administração do condomínio, por impulso dos AA., ficado a saber da existência daquelas infiltrações na fracção e que esta se encontrava danificada (cfr. “factos provados” nºs 6 a 8), tem de considerar que sobre aquela impendia, por força da lei – o mencionado art. 1436º, nº 1, al. g), do CC -, o dever de actuar no sentido de reparar a anomalia do terraço e de repor as condições normais de utilização quer do edifício, quer da fracção.
Com efeito, estamos perante uma manifestação dos chamados deveres de prevenção no tráfego jurídico. Tais deveres impõem a quem está em condições de evitar os danos que actue de forma a evitar que outrem sofra prejuízos desnecessários. Este dever de vigilância encontra-se plenamente consagrado no art. 493º, nº 1, do CC, que estipula que quem tiver a seu cargo coisa imóvel com o dever de a vigiar responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Igual conclusão se retira do art. 492º, nº 1, do CC, que responsabiliza o proprietário ou possuidor de edifício pela sua ruína, gerada por defeito de conservação, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que, mesmo com a diligencia devida, se não teriam evitado os danos.
No caso, a actuação da administradora do Condomínio insere-se no nº 2 deste preceito, pois era a pessoa, obrigada por lei e por negócio jurídico (designadamente, o contrato de prestação de serviço celebrado com o Condomínio), a conservar o edifício, em lugar do proprietário ou possuidor, pois os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação daquela parte comum”.
Assim, no caso em apreço, não se detecta na sentença aqui escrutinada qualquer vício de raciocínio que a invalide, sendo que a circunstância da solução jurídica, decorrente da interpretação dos factos não se ajustar à pretendida pelo recorrente não se reconduz à nulidade tipificada no primeiro segmento da alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Soçobra, como tal, este argumento recursivo.
3. Da (i)legitimidade da Ré.
Invoca a apelante ser parte ilegítima na acção que os Autores propuseram contra si, alegando, para o efeito que “A parte passiva da ação deveria ser o Condomínio em causa nos autos representado pela sua administradora”.
Adianta ainda que “nem na tese dos Autores, a, aqui, Apelante (pessoalmente considerada) seria parte legítima” e que “os próprios Autores alegam e reconhecem que a única relação da Apelante com a causa de pedir é indireta e meramente funcional, em virtude do cargo que a mesma ocupa de administradora do condomínio”, concluindo que “É manifesto que os Autores pretendiam demandar o condomínio do seu prédio, representado pelo seu administrador, e não, obviamente, a sociedade Apelante que nada tem que ver com a situação em causa nos autos, nem poderia, evidentemente, ser responsabilizada com o seu património pela indemnização de danos que, na própria tese dos Autores, não foram por esta praticados”.
A noção legal de legitimidade, quer activa, quer passiva, encontra-se plasmada actualmente no artigo 30.º do Código de Processo Civil.
De acordo com o n.º 1, do referido dispositivo, “o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”.
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo esclarece que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção, e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha, precisando o n.º 3 que “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
É histórica a discussão doutrinária acerca do pressuposto processual da legitimidade a partir das teses defendidas por José Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães.
Enquanto que para o primeiro era parte legítima o titular da efectiva relação jurídica controvertida, tal como se configura na realidade, para o segundo a legitimidade deve averiguar-se em face da relação jurídica controvertida, tal como a desenha o autor.
A questão da legitimidade tem a ver com a posição relativa das partes face à relação material controvertida tal como a configura o autor na petição inicial[14], posição que encontrava no nº 3 do pretérito artigo 26.º, que o actual artigo 30.º reproduz, o seu fundamento legal.

Com efeito, “a legitimidade (...) é uma posição das partes em relação ao objecto do processo e tem de aferir-se pelos termos em que o demandante configura o direito invocado e a ofensa que lhe é feita[15].

Vale dizer: não havendo coincidência entre os conceitos de legitimidade processual e legitimidade substantiva, para a determinação da primeira deve considerar-se a relação material controvertida tal como é invocada pelo autor, visto que é sempre impossível averiguar se os autores e os réus são efectivamente sujeitos dessa relação sem que tal averiguação venha a traduzir-s no conhecimento do mérito da causa”[16].

Para Manuel de Andrade[17], “a legitimidade não é (...) uma qualidade pessoal das partes (como a capacidade), mas uma certa posição delas em face da relação material litigada. Ela corresponde, grosso modo, ao conceito civilista de poder de disposição, ampliado, porém, de forma a abarcar, vg., a faculdade de constituir uma dada relação jurídica, e não apenas a de modificar ou extinguir. É o poder de dispor do processo - de o conduzir ou gestionar no papel de parte...”.

Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.06.2015[18], “a filosofia em que assenta esta nova redefinição do paradigma do estabelecimento do critério da legitimidade das partes, na esteira da posição doutrinária de Barbosa de Magalhães [...], na querela que o opôs a Alberto dos Reis, tem por base a consideração de que a questão da titularidade ou pertinência da relação material controvertida se interliga, fortemente, com a apreciação do mérito da causa, ao passo que os pressupostos em que se baseia, quer a legitimidade plural [litisconsórcio], quer a legitimação indirecta [representação ou substituição processual] aparecem, geralmente, destacados do objecto do processo, enquanto questões prévias, condicionando a possibilidade da prolação de decisão sobre o mérito da causa.

É a legitimidade processual aferida pela relação das partes com o objecto da acção, consubstanciada na afirmação do interesse daquelas nesta, podendo acontecer situações em que a esses titulares não seja reconhecida a legitimidade processual, ao passo que, quanto a certos sujeitos, que não são titulares do objecto do processo, pode vir a ser reconhecida essa legitimidade[...].

Assim, a mera afirmação pelo autor de que ele próprio é o titular do objeto do processo não apresenta relevância definitiva para a aferição da sua legitimidade, que, aliás, não depende da titularidade, ativa ou passiva, da relação jurídica em litígio, sendo manifesta a existência de legitimidade processual nas acções que terminam com a improcedência do pedido fundada no reconhecimento de que ao autor falta legitimidade substantiva, pelo que, só em caso de procedência da acção, passa a existir fundamento material para sustentar, «a posteriori», quer a legitimidade processual, quer a legitimidade material, e ainda que, sempre que o Tribunal reconhece a inexistência do objeto da acção ou a sua não titularidade, por qualquer das partes, essa decisão de improcedência consome a apreciação da ilegitimidade da parte, pelo que, de uma forma algo redutora, as partes são consideradas dotadas de legitimidade processual até que se analise e aprecie a sua legitimidade substantiva”.

A construção da legitimidade pressupõe dois conceitos distintos: a legitimidade processual e a legitimidade material ou substantiva.

Como referem Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto[19], “a legitimidade é, no campo do direito material, um conceito de relação – relação entre o sujeito e o objecto do acto jurídico. Encarada essa relação na perspectiva do sujeito, exprime a posição pessoal deste nessa relação, justificativa de que se ocupe juridicamente do objecto (Castro Mendes, Teoria geral do direito civil, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito, 1979, ps. 72-73) e postulando, em regra, a coincidência entre o sujeito do acto jurídico e o interesse por ele posto em jogo (Isabel Magalhães Colaço, Da legitimidade do acto jurídico, BMJ 10, ps. 38 e 78)”.

Esclareciam já Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[20] que “não basta assim saber quem são as partes (em sentido formal) no processo (...). Para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da causa, importa ainda saber quais devem ser as partes em sentido substancial, porque só a intervenção destas em juízo garante a legitimidade para a acção”.

E Castro Mendes[21], contrapondo-a à legitimidade processual, referia a propósito da legitimidade material: “por vezes, a própria lei [...] usa o termo noutro sentido: para designar o complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que invoque”.

E, mais à frente, acrescenta: “Ora, a lei e a doutrina e a linguagem corrente falam em legitimidade para designar essas qualidades subjectivas da titularidade do direito. A falta delas dará lugar, na mesma terminologia, a uma ilegitimidade. [...] Se o tribunal conclui pela ilegitimidade, entra no mérito da causa [...] e profere uma absolvição do pedido”.

No caso em apreço, e estando em causa a legitimidade enquanto pressuposto processual, a Ré é parte legítima passiva face à forma como os Autores configuram a acção.

Os Autores, com efeito, convocam o disposto nos artigos 1436.º, n.º 1 al. g) e 1421.º[22], n.º 1, b), ambos do Código Civil, para fundamentarem o peticionado contra a Ré, enquanto administradora do condomínio do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, com duas frentes, R/C e três andares, destinado a habitação, sito na Travessa ..., ..., freguesia ..., concelho do Porto, descrito na matriz sob o artigo ...21, que integra a fracção autónoma designada pela letra “H”, de que os Autores são proprietários, alegando, entre mais, haverem interpelado aquela para proceder ao tratamento/reparação das infiltrações provenientes do terraço/cobertura do edifício e que estava a provocar fissuras e alastramento de manchas de humidade na fracção dos Autores, sem que a mesma tivesse providenciado pela reparação daquelas anomalias, provenientes de partes comuns do prédio.
É, pois, incontroverso ser a Ré parte legítima, na definição legal da legitimidade processual avocada pelo artigo 30.º do Código do Processo Civil.
Improcede, consequentemente, a invocada arguição da ilegitimidade passiva da Ré.

Deste modo, soçobrando os argumentos recursivos da apelante, improcede o recurso, mantendo-se o decidido.


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Síntese conclusiva:

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Nestes termos, acordam as juízes desta Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a sentença recorrida.

Custas: a cargo da apelante – artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.


Notifique.

Porto, 10.07.2025

Judite Pires

Isabel Ferreira

Maria Manuela Machado

Acórdão processado informaticamente e revisto pela 1.ª signatária.

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[1] Neste sentido, cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 14.07.2020, processo n.º 574/19.2T8LRS.L1-7, www.dgsi.pt.
[2] Cfr., além do citado acórdão da Relação de Lisboa de 14.07.2020, os acórdãos da Relação do Porto de 1.03.2010, processo n.º 151/09.6TTGDM.P1; da Relação de Évora, de 18.10.2012, processo n.º 1027/11.2TTSTB.E1, ambos em www.dgsi.pt.
[3] Cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 137.
[4] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 686.
[5] Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil”, vol. III, página 246.
[6] Acórdão do STJ, 07.05.2008, processo nº 3380/07, www.dgsi.pt.
[7] Alberto dos Reis, ob. cit., vol. V, pág. 141; cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra, ob. cit., pág. 690.
[8] Anselmo de Castro, ob. cit., pág. 142.
[9] “A Acção Declarativa Comum – À Luz do Código do Processo Civil de 2013”, 3ª ed., pág. 333.
[10] Lebre de Freitas, “A Acção Declarativa Comum – À Luz do Código do Processo Civil de 2013”, 3ª ed., pág. 333.
[11] Obra citada, pág. 151.
[12] Processo n.º 01P3821, www.dgsi.pt.
[13] O que não invalida que possa ser discutido o mérito da decisão, podendo o eventual erro na interpretação e enquadramento jurídico dos factos – que não se confunde com a (in)validade da sentença – ser objecto de impugnação recursiva, faculdade que, no caso, a recorrente não exercitou.
[14] Acórdão Relação do Porto, Colectânea de Jurisprudência 1982, 5º, 245.
[15] Acórdão da Relação de Lisboa, 17/11/94, Colectânea de Jurisprudência ano XIX, t. 5, 103.
[16] Acórdão Relação de Coimbra, 1/4/77, Colectânea de Jurisprudência ano II, 292.
[17] Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 84.
[18] Processo n.º 505/07.2TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt.
[19] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, pág. 51.
[20] “Manual de Processo Civil”, 2.ª ed. Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, pág. 132.
[21] “Direito Processual Civil”, II, ed. Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1980, págs. 174 e 175.
[22] A referência ao artigo 1420.º constitui lapso evidente.