Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2128/22.7T8VLG-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
CLÁUSULA PENAL COMPULSÓRIA
EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO POSITIVO POR OUTREM
Nº do Documento: RP202510132128/22.7T8VLG-C.P1
Data do Acordão: 10/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A sanção pecuniária compulsória prevista no nº 1 do artigo 829º-A do Código Civil é uma figura jurídica que possui aplicação subsidiária, apenas podendo ser utilizada nas situações onde a execução específica não possa ter lugar, limitando-se, pois, às obrigações de caráter pessoal, isto é, às obrigações cujo cumprimento exige a intervenção insubstituível do devedor.
II - Reveste natureza de cláusula penal compulsória a cláusula plasmada em transação judicialmente homologada na qual se estipulou que “O réu se compromete ao pagamento de uma multa diária, no valor de 100€ (cem euros) por cada dia de incumprimento do prazo aqui estabelecido para a realização das obras até à respetiva conclusão”.
III - Verificando-se o inadimplemento dessa prestação de facto positivo fungível, optando o exequente pela propositura de ação executiva para prestação desse facto por outrem, o executado deixa de poder cumprir, de motu proprio, a prestação a que estava adstrito, já que, a partir desse momento, não pode afirmar-se que o cumprimento da obrigação continue na sua disponibilidade.
IV - Por essa razão, desde o assinalado momento, a penalidade estabelecida na mencionada cláusula penal deixa de ser exigível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2128/22.7T8VLG-C.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Valongo, Juízo de Execução, Juiz 2

Relator: Miguel Baldaia Morais

1ª Adjunta Desª. Ana Paula Amorim

2ª Adjunta Desª. Teresa Pinto da Silva


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SUMÁRIO

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I- RELATÓRIO

AA intentou a presente ação executiva contra Condomínio ..., sito na Rua ..., ..., e Rua ..., ..., em ..., apresentando como título executivo a sentença homologatória da transação celebrada entre as partes na ação declarativa que, sob o nº ..., correu termos pelo Juízo Local Cível de Gondomar, subordinada às seguintes cláusulas:

«1ª. O Réu considera-se responsável pelos danos identificados no relatório pericial junto aos autos.

2ª. O Réu aceita proceder às seguintes reparações:

a) Reparação no terraço:

Proceder ao levantamento das lajetas, com retificação do material impermeabilizante, nomeadamente nas zonas de ligação de materiais, rasgos periféricos, orifício do tubo de queda de águas pluviais e pontos singulares, com posterior reposição de material e lajetas de pavimento;

b) Reparações no interior (dois quartos e respetivo hall de entrada):

Proceder à limpeza e aplicação de verniz nas guarnições e rodapé afetados, picagem das zonas de paredes e tetos afetados pelas infiltrações e reparação com acabamento igual ao existente de forma a obter uma superfície uniforme e pintar com a respetiva aplicação de uma demão de primário com uma dose de aditivo de anti fungos e duas demãos de tinta acabamento.

3ª. Estas obras serão realizadas no prazo de 15 dias, iniciando-se no próximo dia 2 de novembro, no que concerne às obras a realizar no interior pressupõe-se que o nível de humidades existentes permita a sua realização.

4ª. O custo de execução destas obras será suportado pelo condomínio não havendo lugar a quotização extra para o efeito.

5ª. A realização destas obras será levada a cabo pela empresa de construção A..., Lda.

6ª. O réu compromete-se a acionar a garantia de boa execução de obra no âmbito da empreitada realizada em agosto de 2018 pela empresa B..., Lda.

7ª. O réu compromete-se ao pagamento de uma multa diária, no valor de 100€ (cem euros) por cada dia de incumprimento do prazo aqui estabelecido para a realização das obras até à respetiva conclusão.”

No requerimento executivo alega que “as obras não foram efetuadas (…) pelo que o exequente pretende que a obra seja efetuada por outrem e desconhecendo os custos para a realização das obras, ao abrigo do disposto no artigo 870º. do CPC, requer a V/Exª. que se digne ordenar a nomeação de um perito para avaliar o custo das obras identificadas no título executivo”, mais declarando liquidar “o montante fixado a título de sanção pecuniária até à data mais recente, isto é, 23 de março de 2022, sendo o valor calculado a este título de 3.180€”.

Os autos prosseguiram os seus termos, sendo que, em 22 de dezembro de 2024, o exequente apresentou requerimento no qual alega que “uma vez que a executada ainda não efetuou as obras até ao dia 20 de dezembro de 2024, a atualização do montante devido a título de sanção pecuniária compulsória, até tal dia, cifra-se em €103.380,00”.

Conclusos os autos foi proferido despacho no qual, na parte que ora releva, se deixou consignado que: « (…) Como se vê do nº 1 do artigo 829-A do C.C. a sanção pecuniária em causa só é aplicável nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, e mesmo assim desde que o cumprimento destas não exija especiais qualidades científicas ou artísticas do devedor.

Não é o caso dos autos, nem a sanção em causa foi fixada pelo Tribunal a pedido do credor.

Na verdade, como resulta do disposto no artº. 1248º. nº. 1 do C.C., a “transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões”, as quais, nos termos do nº. 2 do mesmo artº. “podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido”.

A sentença homologatória não constitui resposta ao pedido formulado pelo autor na acção. Sendo uma sentença de mérito, não o é por ter conhecido do pedido do A. ou do R., mas porque absorve o conteúdo do negócio jurídico em que se traduz a transação, condenando e absolvendo nos termos exatamente pretendidos e resultantes das concessões reciprocas das partes em que aquela se traduz. Do que se retira que, havendo homologação, a sentença é proferida em conformidade com a vontade das partes e não mediante aplicação do direito objetivo aos factos provados, tutelando o direito subjetivo ou o interesse juridicamente protegido que, em conformidade, se verifique existir.

Do que se conclui que não estamos aqui perante a sanção pecuniária compulsória prevista no artº. 829º-A do CC, mas antes perante a fixação de uma pena convencional (…).

A cláusula 7ª. fixada na sentença dada à execução é claramente de natureza compulsória, porquanto tem como finalidade pressionar o devedor a cumprir, o que se retira desde logo do valor fixado.

Não tendo o executado realizado as obras a que se havia obrigado nos prazos fixados e pretendendo executar a sentença, podia o exequente formular diversos pedidos, a saber:

a) Cumprimento pelo devedor;

b) Cumprimento por terceiro;

c) Indemnização pelo prejuízo que lhe está a ser causado pela falta de realização da prestação – optando por esta forma de cumprimento findo o prazo de oposição ou julgada esta improcedente, procede-se à conversão da execução, passando a seguir os termos da execução para pagamento de quantia certa;

d) Indemnização moratória;

e) Sanção pecuniária compulsória.

O exequente veio requerer a prestação de facto por outrem, pedindo ainda o pagamento da multa fixada na cláusula 7ª. da sentença dada à execução, que liquidou até ao dia 23 de março de 2022.

Face à opção do exequente de requerer a prestação de facto por outrem, legítima porquanto estamos perante uma prestação de facto positiva de natureza fungível – cfr. artº. 868º. nº. 1 do CPC - deixou de estar na disponibilidade do executado a realização das obras em causa. Deixando as obras em causa de poder ser feitas pelo executado, devendo ser feitas pelo exequente, por si ou a seu mando, conclui-se (…) que a sanção pecuniária compulsória deixa de ser exigível dos devedores quando, pela instauração da execução, os credores exequentes manifestam a intenção de que tal prestação de facto positivo a que está associada seja realizada por outrem. É que o pagamento da sanção pecuniária compulsória pressupõe a realização da prestação pelos executados, e não por outrem (não sendo a pretensão da realização da prestação por outrem teleologicamente compatível com a pretensão do pagamento da quantia devida como sanção pecuniária compulsória).

Visando a cláusula dos autos que o devedor cumpra voluntariamente a prestação a que se obrigou, a partir do momento em que o exequente opta pela prestação de facto por outrem é porque já não quer que seja o réu/executado a levar a cabo essa prestação. E não querendo que seja o réu/executado a fazer as obras, a cláusula penal coercitiva deixa de produzir efeitos. Não estando o cumprimento da obrigação principal na mão do executado a exigência do pagamento de uma multa por atraso no cumprimento para além do momento da apresentação do pedido de execução da prestação do facto por outrem é inadmissível - cfr. art. 334º do C.C.

Acresce que, como resulta do disposto no artº. 871º. do CPC “Mesmo antes de terminada a avaliação ou a execução regulada no artigo anterior, pode o exequente fazer, ou mandar fazer sob sua orientação e vigilância, as obras e trabalhos necessários para a prestação do facto, com a obrigação de prestar contas”, pelo que já há muito o exequente podia ter efetuado as obras em causa, pois que a realização das mesmas já não incumbe ao executado, a não ser que as partes acordem em sentido contrário.

Temos, assim, que o exequente apenas tem direito a receber por força da cláusula penal estabelecida na cláusula 7ª. da transação homologada pela sentença dada à execução, para além do valor peticionado no requerimento executivo, o valor de € 4.200,00.

Termos em que se indefere o requerido (…)».

Inconformado com tal despacho, veio o exequente interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

-Na decisão recorrida manifesta-se;
i) Nas duas últimas alíneas da penúltima página “Não estando o cumprimento da obrigação principal na mão do executado”.
Não intuindo o exequente esta asserção plasmada na decisão, pois, o pressuposto de toda a transação seria o cumprimento da obrigação principal por parte do executado.
A transação efetuada seria no pressuposto que era o executado a cumprir com a obrigação, podendo e devendo ainda com a execução em curso cumpri-la.
ii) Na última página do despacho, linha 6, “há muito o exequente podia ter efetuado as obras em causa”.
Não poderia o exequente ter efetuado as obras porque as mesmas não se esgotam no interior da sua fração (cláusula 2ª alínea b) da transação), mas também na reparação do terraço (cláusula 2º alínea a) da transação) que se trata de uma parte comum e à qual o exequente não tem disponibilidade para aceder de forma livre.
A decisão recorrida ancorou-se quase integralmente num Acórdão do STJ de 27 de Outubro de 2022 e toda a decisão orientou-se pelo mesmo sem que tenha sido alvo, como devia, da aplicação de um normativo jurídico, não obstante a mesma tecer no seu início algumas considerações jurídicas sobre os institutos de sanção pecuniária compulsória prevista no artº 829º-A nº 1 do CC e a sanção devida a título de cláusula penal prevista no artigo 811º do mesmo diploma.
De forma assumida, quando refere; “conclui-se, como se concluiu no Ac. STJ de 27 de Outubro de 2022”, não deixando o Tribunal “a quo” de fazer constar que naquele caso estava em causa uma sanção pecuniária compulsória e no caso dos autos uma cláusula penal.
Mais dizendo “que a situação não deixa de ser paralela à dos presentes autos”, o que não é rigoroso, porque se tratam de dois institutos jurídicos diferentes.
Para além disso, no aludido aresto, o Supremo Tribunal apreciou também a conduta de abuso de direito dos aí exequentes pelo facto de terem aguardado um número de dias para intentarem a execução e neste processo essa situação jamais ocorreu.
Se existiu abuso do direito foi do executado que veio instaurar embargos de executado alegando cumprimento da prestação de facto, que nunca aconteceu, tendo sido os mesmos julgado improcedentes.
Se o montante liquidado atingiu um valor avultado porque a execução da obra acordada não ocorreu, foi por total inércia e desleixo do executado.
Entendeu o Tribunal recorrido que até à data da instauração da execução deverá ser calculado o montante diário que as partes acordaram na cláusula 7ª da transação e que quando a mesma dá entrada, tal valor deixa de poder ser liquidado, cessando nesse momento.
Se optarmos por esse raciocínio a um limite do absurdo, em tese, o exequente, aguardaria o máximo de tempo possível até instaurar a execução para que o volume monetário a liquidar fosse o mais alto possível, o que poderia ter cobertura legal atento o decidido pelo Tribunal “a quo”.
Acresce ainda que o incumprimento do executado aliado à forma que o exequente teria para fazer cumprir a transação, sempre passaria por recorrer ao artigo 870º do CPC, não podendo deixar o processo executivo seguir o seu curso com uma forma processual padronizada.
Sucede que com a instauração da ação executiva não cessa o incumprimento do executado nos presentes autos (aliás, como não se retira do teor dos embargos que apresentou e do destino que os mesmos tiveram), devendo seguir-se a penhora de bens até que exista crédito para que as obras se possam realizar por terceiros.
Enquanto o processo perdura, não termina o incumprimento do executado que sempre poderia e deveria efetuar as obras, mantendo-se numa situação de incumprimento, independentemente da instauração da execução.
A cláusula 7º da transação dada à execução foi estabelecida por acordo das partes e é devida ao abrigo do disposto no artigo 811º do CC (como a sentença o refere), devendo ser interpretada como tal.
A sua interpretação é clara, não deixando o seu elemento literal margem para qualquer dúvida.
Se alguma dúvida existisse quanto a isso, a mesma seria dissipada pelo facto do próprio executado não questionar sequer essa liquidação, como refere a sentença no seu parágrafo 3 quando refere e com verdade “Notificado o executado de ambos os requerimentos nada veio dizer”.
Nem o próprio executado vem questionar a cláusula a que acordou na transação dada à execução.
Desta feita, entende o exequente que não poderia o Tribunal substituir-se às partes e alterar uma transação validamente celebrada que não foi colocada em causa pelo executado ao nível da interpretação, ou a qualquer falta ou vício da vontade.
O exequente com a liquidação efetuada está simplesmente a cumprir o acordo que celebrou com o executado.
A opção pela liquidação do Tribunal recorrido pelo cálculo do montante diário até à data da instauração da execução violou os artigos 236º, 405 e 811º do CPC.
Caso assim não se entenda;
Apesar da decisão recorrida não discorrer sobre a possibilidade de aplicação do artigo 812º do CPC, reduzindo o montante acordado na cláusula penal, entende o exequente que o Tribunal não poderia socorrer dessa faculdade de forma oficiosa, pois o montante definido foi um valor livremente acordado pelas partes e não elegido ao abrigo de um contrato de adesão ou até mesmo definido numa sentença.
Para o caso deste Tribunal de recurso optar pela redução do montante definido na cláusula 7ª a título de cláusula penal, com recurso a juízos de equidade, deverá observar e nortear-se, entre outros, com os seguintes pressupostos: -O incumprimento reiterado; -a instauração de oposição por embargos de executado julgados improcedentes; - o valor necessário para efetuar as obras acordadas vieram a revelar-se em perícia efetuada não ser de montante elevado que justificasse dificuldades económicas.
Termos em que deverá o presente recurso ser admitido, julgado procedente e, consequentemente, revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que efetue a liquidação da cláusula penal estabelecida na cláusula 7ª da transação dada à execução até à data em que a obra mencionada na aludida transação se conclua, tal como é de justiça.

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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Após os vistos legais, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a questão solvenda é a de saber se terá, ou não, direito de exigir do executado o pagamento do montante diário de €100,00 a título de “multa” estabelecida na cláusula 7ª da transação homologada pela sentença que constituiu o título executivo, montante esse a contabilizar desde o momento em que a obra mencionada nessa transação deveria ser executada até à data em que a mesma se mostre definitivamente concluída.


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III. FUNDAMENTOS DE FACTO

A materialidade a atender para efeito da apreciação do objeto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório.


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IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Como se deu nota, no âmbito da ação declarativa que o ora exequente intentou contra o ora executado - que correu termos, sob o nº ..., pelo Juízo Local Cível de Gondomar -, veio a ser firmada transação (homologada por sentença que constitui o título executivo que suporta a presente ação executiva), na qual ficou a constar, para além do mais, que “O réu compromete-se ao pagamento de uma multa diária, no valor de 100€ (cem euros) por cada dia de incumprimento do prazo aqui estabelecido para a realização das obras[2] até à respetiva conclusão”.

No termo do prazo previsto para a execução das obras [16 de novembro de 2021] o réu ainda não as havia realizado, vindo o exequente instaurar, em 3 de maio de 2022, a presente ação executiva para prestação de facto, declarando expressamente no requerimento executivo que “pretende que a obra seja efetuada por outrem e desconhecendo o custo para a realização das obras, ao abrigo do disposto no artigo 870º do CPC, requer que se digne ordenar a nomeação de um perito para avaliar o custo das obras identificadas no título executivo”, acrescentando que “liquida-se o montante fixado a título de sanção pecuniária até à data mais recente, isto é, 23 de março de 2022. Pressuposto é que a obra deveria iniciar-se no dia 2 de novembro de 2021 e até ao dia 28 de abril de 2022 ainda não aconteceu. Pelo que, no momento, o valor calculado a este título é de €3.180,00.

Tal valor deverá ser alvo de atualização enquanto a situação de incumprimento por parte do réu persistir”.

Os autos prosseguiram os seus termos, sendo que, em 22 de dezembro de 2024, o exequente apresentou requerimento no qual alega que “uma vez que o executado ainda não efetuou as obras até ao dia 20 de dezembro de 2024, a atualização do montante devido a título de sanção pecuniária compulsória, até tal dia, cifra-se em €103.380,00”.

Pronunciando-se sobre essa liquidação o decisor de 1ª instância considerou que a “multa” prevista na transcrita cláusula 7ª não constitui uma sanção pecuniária compulsória, mas antes uma “pena convencional destinada apenas e só a pressionar o devedor ao cumprimento”, razão pela qual, tendo o exequente optado por instaurar, em 3 de maio de 2022, ação executiva para prestação do facto por outrem “deixou de estar na disponibilidade do executado a realização das obras em causa, devendo ser feitas pelo exequente, por si ou a seu mando, concluindo-se que [a aludida penalidade] deixou de ser exigível ao devedor/executado”.

Na sequência desse entendimento, no despacho recorrido procedeu-se à liquidação da “pena convencional” no montante de €4.200,00, correspondente ao somatório dos dias [42] que mediaram entre o momento até ao qual o exequente havia liquidado essa penalidade (isto é, 23 de março de 2022) e a data da apresentação do requerimento executivo onde optou pela prestação do facto por outrem (3 de maio de 2022).

O exequente/apelante rebela-se contra esse segmento decisório advogando que o incumprimento do executado se mantém até que a obra se realize, motivo pelo qual enquanto esse facto não se concretize será devida a “multa” estabelecida na aludida cláusula 7ª.

Que dizer?

No caso sub judicio resulta claro que o objeto da obrigação exequenda é uma prestação de facto fungível - concretamente a execução das obras definidas na cláusula 2ª da aludida transação -, como, aliás, o próprio exequente reconhece no requerimento executivo que apresentou, impetrando que “a obra seja efetuada por outrem”.

Nessas circunstâncias, a “multa” estabelecida na transação judicial não pode ser juridicamente qualificada como sanção pecuniária compulsória[3] - como a catalogou o exequente no requerimento com que deu início à ação executiva -, posto que, como deflui do nº 1 do art. 829º-A do Cód. Civil, esta é uma figura que possui aplicação subsidiária, apenas podendo ser utilizada nas situações onde a execução específica não pode ter lugar, limitando-se, pois, às obrigações de caráter pessoal, isto é, às obrigações cujo cumprimento exige a intervenção insubstituível do devedor, o que, como se referiu, não é o caso da obrigação exequenda.

Analisando a referida cláusula 7ª à luz dos critérios hermenêuticos que regem em matéria de interpretação da declaração negocial, temos que o escopo que presidiu à consagração da “multa” nela prevista foi o de estipular um meio de coerção destinado, fundamentalmente, a compelir o réu à realização das obras a que se obrigou.

Nesse contexto, tal penalidade (dada a fungibilidade da prestação) consubstancia antes uma cláusula penal, sendo que, como a este propósito tem sido sublinhado na doutrina[4], o conceito amplo dessa cláusula acessória plasmado na lei substantiva (cfr. art. 810º do Cód. Civil) engloba cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsórias: nas primeiras (cláusulas penais indemnizatórias), o acordo das partes tem por exclusiva finalidade liquidar a indemnização devida em caso de incumprimento definitivo, de mora ou cumprimento defeituoso; nas segundas (cláusulas penais compulsórias), o acordo das partes tem por finalidade compelir o devedor ao cumprimento, ou seja, funciona como meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação.

Sob esse enfoque afigura-se-nos que a transcrita cláusula 7ª assume natureza de cláusula penal de cariz compulsório, na justa medida em que teve como finalidade compelir o réu e ora executado ao cumprimento da prestação debitória em que ficou constituído por mor da dita transação judicial, ou seja, a “multa” aí contemplada teve, assim, em vista, não propriamente indemnizar o credor/exequente pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor/executado a cumprir, vencendo uma eventual resistência ou negligência na execução dos trabalhos a que se vinculou.

Aqui chegados, coloca-se, então, a questão de saber em que moldes deve ser liquidada essa “multa”, sendo que, como se referiu, é essencialmente neste ponto que o apelante diverge do sentido decisório acolhido no despacho sob censura, o que se volve em apurar se tal penalidade pode, ou não, ser contabilizada depois de o credor/exequente requerer que a prestação seja prestada por terceiro e não pelo devedor/executado.

Vejamos o regime legal.

Postula o art. 868º que se o devedor estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor, se a prestação for fungível, pode requerer que a mesma seja prestada por outrem, requerendo a nomeação de perito que avalie o custo da prestação, observando-se os demais termos previstos nos arts. 870º a 873º, isto é, a execução prossegue como execução para pagamento de quantia certa, tendo em vista obter o valor necessário para custear a prestação por terceiro.

A este respeito tem-se discutido se na hipótese de o credor/exequente optar pela prestação por outrem pode ainda o executado prestar o facto.

Trata-se de uma questão que não tem obtido uma resposta unívoca, afigurando-se-nos – na esteira do posicionamento adrede sustentado, entre outros, por ANSELMO DE CASTRO[5] e LOPES CARDOSO[6] – que a partir do momento em que o exequente opta pela propositura da ação executiva para prestação do facto por outrem, o executado já não poderá, de motu proprio, cumprir a prestação a que estava adstrito. Portanto, a partir desse momento não pode, summo rigore, afirmar-se que o cumprimento da obrigação continue na disponibilidade do devedor.

Assim sendo, tendo - como se assinalou - a ajuizada “penalidade” como desiderato compelir o devedor ao cumprimento da prestação, deixando esse cumprimento de estar na sua disponibilidade, deixa, por isso, de fazer sentido que a mesma opere, posto que a opção manifestada pelo exequente de prestação do facto por outrem corresponde como que a uma “renúncia” à realização do facto (fungível) pelo executado. É que, na sua economia, a “multa” estabelecida na transação judicialmente homologada só tem razão de ser enquanto e na medida em que pode ter como pressuposto a intervenção e participação pessoal do executado, em função do atraso que revele na realização da prestação, e não por outrem à custa deste. A partir do momento em que o exequente manifesta o propósito de que a prestação seja efetuada por outrem que não o executado desapareceu o pressuposto da sanção em apreço, não podendo continuar a pressionar-se – por essa via - o executado ao cumprimento, dada a irrelevância da sua vontade para esse efeito.

Portanto, nesse contexto, o problema, ao invés do que argumenta o apelante, não é de eventual redução da cláusula penal, mas antes, e verdadeiramente, da sua inexigibilidade ou ineficácia a partir do momento em que o cumprimento da obrigação de facere deixou de estar na disponibilidade do executado[7].

Como assim, na esteira das considerações anteriormente tecidas, a liquidação da “multa” em causa teve como dies ad quem o momento da propositura da ação executiva, mostrando-se, pois, corretamente apurado o valor de €4.200,00 mencionado no ato decisório sob censura[8].

Impõe-se, por conseguinte, a improcedência do recurso.


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V- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas do recurso a cargo do apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).


Porto, 13.10.2025
Miguel Baldaia de Morais
Ana Paula Amorim
Teresa Pinto da Silva
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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Obras essas que se traduzem em: (a) Reparação no terraço - proceder ao levantamento das lajetas, com retificação do material impermeabilizante, nomeadamente nas zonas de ligação de materiais, rasgos periféricos, orifício do tubo de queda de águas pluviais e pontos singulares, com posterior reposição de material e lajetas de pavimento; (b) Reparações no interior (dois quartos e respetivo hall de entrada) -proceder à limpeza e aplicação de verniz nas guarnições e rodapé afetados, picagem das zonas de paredes e tetos afetados pelas infiltrações e reparação com acabamento igual ao existente de forma a obter uma superfície uniforme e pintar com a respetiva aplicação de uma demão de primário com uma dose de aditivo de anti fungos e duas demãos de tinta acabamento.
[3] Sobre a natureza e razão de ser desta sanção vide, por todos, PINTO MONTEIRO, in Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, págs. 198 e seguintes, BRANDÃO PROENÇA, in Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 2ª edição, Universidade Católica Editora, págs. 204 e seguinte e CALVÃO DA SILVA, in Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra Editora, 1987, págs. 394 e seguintes.
[4] Cfr., por todos, PINTO MONTEIRO, ob. citada, págs. 44 e seguintes, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 10ª edição, Almedina, pág. 793 e PINTO DE OLIVEIRA, Cláusulas acessórias ao contrato, 2ª edição, Almedina, págs. 64 e seguinte.
[5] In A Ação Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 374.
[6] In Manual da Ação Executiva, 3ª edição, Almedina, pág. 687 e seguinte. Em sentido próximo se pronunciam TERESA MADAIL et al., Linhas mestras da execução para prestação de facto, Almedina, 2019, págs. 28 e seguinte e VIRGÍNIO RIBEIRO/SÉRGIO REBELO, A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, pág. 642.
[7] Em sentido análogo (ainda que a respeito da sanção pecuniária compulsória) se tem pronunciado a jurisprudência, de que constituem exemplo, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19.09.2019 (processo nº 939/14.6T8LOU-H.P1.S1) e de 27.10.2022 (processo nº 1458/21.8T8LOU-B.P1.S1) - ambos acessíveis em www.dgsi.pt -, aí se afirmando que tal sanção deixa de ser exigível dos devedores quando na instauração da execução os credores optem pela realização da prestação por outrem que não pelos executados/devedores, na justa medida em que a opção pela prestação por outrem significa uma renúncia dos exequentes à prestação pelos executados a partir da instauração da execução.
[8] Neste conspecto não seria sequer despiciendo ressaltar que relativamente ao pedido formulado pelo exequente no sentido de ser fixado em, pelo menos, €103.380,00 o valor devido a título de “multa”, poderia até ser equacionada a neutralização dessa pretensão através do instituto do abuso de direito, já que, como resulta dos autos, o custo total das obras em causa foi estimado em €3.800,00, acrescido de IVA à taxa legal (cfr. despacho prolatado em 31 de outubro de 2024).