Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14067/24.2T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: REPRESENTAÇÃO
PODERES
IMPOSSIBILIDADE OBJETIVA DA PRESTAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
EXCESSIVIDADE
REDUÇÃO
EQUIDADE
Nº do Documento: RP2025071014067/24.2T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Para que o recorrente possa beneficiar do prazo alargado previsto no art. 638º, nº 7 do Cód. Proc. Civil as conclusões do seu recurso terão que envolver impugnação da decisão da matéria de facto com base em depoimentos gravados.
II - Se o mandato forense pode ter por objeto também atos de representação extrajudicial, como sejam a negociação da constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas, nada impede que os poderes de representação conferidos por aquele mandato possam abranger ainda comunicações que se dirijam à modificação ou à cessação de contratos.
III – Numa situação de representação, o representante age, de modo expresso e assumido, em nome do representado, dando a conhecer aos interessados o facto da representação, sendo que o destinatário da conduta tem, então, o direito, nos termos do artigo 260º, n.º 1 do Cód. Civil, de exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos.
IV – Assim, se o destinatário da conduta não exigir a comprovação desses poderes de representação aceitou o representante a praticar o ato.
V – De qualquer modo, se a resolução do contrato fundada em incumprimento operada pelo representante é aceite pelo representado, como o atesta a subsequente propositura de ação executiva, com base em procuração emitida a favor daquele mesmo representante, há que ter como válida e eficaz tal resolução contratual.
VI - Para que a obrigação se extinga ao abrigo do art. 790º, nº 1 do Cód. Civil, a impossibilidade tem de ser objetiva (nem o devedor, nem terceiros, a podem prestar), absoluta (a causa impossibilitante não é superável), total, definitiva e tem ainda de resultar de circunstâncias não imputáveis ao devedor.
VII - O tribunal pode reduzir qualquer cláusula penal, segundo critérios de equidade, ao abrigo do art. 812º, nº 1 do Cód. Civil, mas para que tal ocorra exige-se que a cláusula seja manifestamente excessiva, ou seja que se mostre flagrantemente exagerada ou desproporcionada às finalidades que presidiram à sua estipulação e ao conteúdo do direito que se propõe realizar.
VIII – A cláusula penal em que é ajustado que, em caso de incumprimento do contrato, o devedor fica obrigado a pagar uma indemnização correspondente à totalidade do café não adquirido, ao preço pelo qual este teria sido comprado por aquele ao credor, é manifestamente excessiva.
IX – A redução da cláusula penal deverá ser efetuada de modo a retirar-lhe a manifesta excessividade, sem, porém, prejudicar o seu carácter sancionatório.

(da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 14067/24.2 T8PRT-A.P1

Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – ...

Apelação

Recorrente: AA

Recorrida: “A..., Lda.”

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadores Alberto Taveira e Alexandra Pelayo

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO[1]

O executado AA veio deduzir embargos contra a exequente “A..., Ld.ª”, pretendendo a extinção da instância executiva invocando, em síntese, as exceções da falta, inexequibilidade e inexigibilidade do título, a nulidade da obrigação subjacente, a ineficácia da declaração resolutiva e ainda a nulidade da cláusula penal, face a sua natureza abusiva, com pedido de redução.

Para tanto, invoca, em súmula, que:

. Nunca foram negociadas, comunicadas ou explicadas ao embargante, com a necessária antecedência, de forma a permitir o seu integral e perfeito conhecimento, as cláusulas que integram tais documentos, que nem sequer lhe foram lidas, pelo que se devem considerar excluídas do contrato singular em apreço e da declaração complementar, à luz do disposto nos arts. 5º, 6º e 8º, als. a) e b) do RJCCG [Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais], com destaque para as suas cláusulas quarta, quinta, sexta, sétima, oitava, nona e décima;

. As invocadas declarações resolutivas que a exequente reputa de válidas, não foram recebidas pelo 2º executado, antes e tão só pelo 1º executado e aqui embargante;

. Sendo a exequente, sacadora da letra e parte no contrato, uma sociedade comercial por quotas, na declaração resolutiva não se mostra representada pela sua gerência, mas antes pelo ilustre advogado subscritor do requerimento executivo, Sr. Dr. BB, que subscreveu as missivas juntas aos autos e que não exibiu poderes de representação da exequente, que não se presumem, no que vai além dos meros poderes forenses que constam da procuração, datada de 3.6.2024, pelo que não ocorreu eficaz resolução do contrato ajuizado, conforme as partes, exequente e executados, subscritores do mesmo, estipularam e sendo esta pressuposto do válido preenchimento do título dado à execução, estamos perante um inequívoco preenchimento abusivo do título, o que torna o mesmo inexigível e constitui fundamento dos embargos, à luz do disposto na al. a) do art. 729º do Cód. Proc. Civil, com a decorrente extinção da execução;

.Acresce que o embargante nunca exerceu a gerência de facto da sociedade primeira executada, que sempre esteve cometida ao segundo executado, CC, sendo certo que pode afirmar e provar que o estabelecimento ..., nunca foi objeto de intervenção, nem sequer foi aberto ao publico, por não estar apetrechado e dotado do inerente licenciamento camarário, o que a exequente não ignora nem pode ignorar e frustrou, por facto alheio à vontade do embargante, a realização do objeto contratual, pelo que o contrato em apreço se deve considerar extinto, por impossibilidade objetiva não imputável ao devedor – art. 790º, nº 1 do Cód. Civil.

. A cláusula penal sempre seria nula e proibida, nos termos do disposto no art. 811.º do Cód. Civil e 19º, al. c) do Dec. Lei n.º 446/85, de 25.10., desde logo, por ter ocorrido impossibilidade objetiva que extinguiu a obrigação de aquisição;

. Sem prescindir, nos termos do citado art. 811º do Cód. Civil, o credor não pode exigir, com base no contrato, uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal, pelo valor do café não consumido;

. Ainda que se considerasse que a dita cláusula penal seria válida e aplicável, a despeito da extinção da obrigação, na parte em que a exequente pretende que a indemnização, pelo incumprimento, seria igual ao valor do café não consumido (adquirido) sempre seria manifestamente abusiva e excessiva, na medida em que ao valor dos ganhos ou proventos que a exequente teria com a venda desse café sempre haveria que deduzir as despesas de fornecimento, fiscais e outras;

. De acordo com o disposto nos arts. 563.º e 564.º do Cód. Civil, a obrigação de indemnizar os danos da exequente sempre se reconduziria somente aos lucros que esta retiraria se as quantidades de café fossem efetivamente vendidas ao longo de 72 meses, o que não ocorreu;

. Ao pretender receber tudo como se o contrato tivesse vigorado de facto e sido cumprido, sem que a sua prestação tenha sido realizada, sempre ocorreria um clamoroso e abusivo enriquecimento desta à custa dos executados, destruindo qualquer equilíbrio de prestações entre as partes;

. Mesmo concedendo que o incumprimento não seria isento de responsabilidade, sempre se teria de entender que iria muito além do devido exigir a totalidade da prestação quando não há contraprestação integral, o que o art. 801º do Cód. Civil pressupõe, e sempre imporia a redução da cláusula penal, por excessiva e abusiva, aos seus justos e legais limites, nos termos previstos no art. 812º deste mesmo diploma.

A exequente contestou, impugnando, em síntese, o acima alegado, e pugnando pela improcedência dos embargos de executado.

Foi proferido despacho saneador, que conheceu parcialmente da exceção da falta e inexequibilidade do título, tendo-a julgado improcedente.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observâncias das formalidades legais.

Proferiu-se depois sentença que julgou improcedente a oposição à execução e determinou que a execução prosseguisse os seus ulteriores termos, no que concerne ao executado embargante.

Inconformado com o decidido, interpôs recurso o embargante que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Recorre-se de facto e de Direito da douta sentença com a referência 468812778, proferida neste apenso de embargos de executado que julgou os mesmos improcedentes.

2. Impetrando-se a revogação da decisão de facto no que tange ao item 13 do elenco dos factos provados, atinente à comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais que integram o contrato ajuizado e declaração de preenchimento, que suporta a letra dada à execução e a ampliação da decisão de facto, no que respeita à não abertura do estabelecimento “ B...”, sendo ainda objecto do presente ver revogada a decisão de direito, pela divergente solução preconizada para as questões da (1) nulidade da obrigação subjacente por omissão do dever de comunicação do teor das cláusulas contratuais gerais; (2) da ineficácia da declaração resolutiva, com o decorrente preenchimento abusivo da letra dada à execução e da suas consequências; (3) da não realização do objecto contratual e suas consequências e da nulidade e/ou natureza abusiva da penalidade contratual estipulada e sua redução.

3. O preenchimento da letra dada à execução pela exequente, ora recorrida, teve subjacente o regime consagrado no Contrato e na Autorização reproduzidos em 2 e 3 do elenco dos factos provados na sentença, sendo inequívoco estarem as partes no domínio das relações imediatas, pelo que pode o Recorrente opor à Recorrida todas as exceções fundadas no contrato que justificou a emissão dessa letra, bem como as fundadas no complementar pacto de preenchimento e respetiva violação, com base no qual esta preencheu tal letra emitida em branco.

4. Sendo ainda inequívoco estamos em face de um contrato de adesão, posto que as respectivas cláusulas se mostravam previamente redigidas e elaboradas, sem prévia negociação individual, em bloco, em modelo já existente, o que decorre da singela análise de tal documento e anexa autorização, pelo que o respetivo clausulado, está sujeito à disciplina do D.L. nº 446/85, de 31 de Agosto, com a redacção introduzida pelo D.L. nº 323/2001, de 17 de Dezembro (RJCCG). – ut. artigo 1º do referido diploma, competindo o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes à Recorrida que pretenda prevalecer-se do seu conteúdo, como emerge do nº 3 do preceito em apreço.

5. Isto posto, quanto à decisão de facto, impetra-se a revogação do item 13 do elenco dos factos provados, onde consta que a exequente comunicou ao embargante as cláusulas contratuais que integram os documentos referidos e reproduzidos em 2, 3 e 4 da factualidade provada na sentença.

6. Atendendo à fundamentação da matéria de facto, no ponto em apreço, constante do segundo parágrafo do capítulo intitulado “C. Fundamentação da matéria de facto”, constata-se que a mesma é omissa em relação a tal fundamentação, limitando-se a consagrar que o embargante referiu que não lhe foram explicadas as cláusulas insertas no contrato intitulado de Parceria Comercial e da complementar declaração de autorização de preenchimento da letra, concluindo singelamente não ter sido a primeira vez que o embargante terá intervindo num contrato com a Exequente, pelo que não poderia ficar surpreendido com a existência das cláusulas em causa, razão que levou o tribunal a dar como provada a factualidade descrita em 13.

7. Pelo que se considera ocorrer Nulidade da Decisão de Facto, nesta parte, que se pretende ver declarada, à luz do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea a), do CPC por omissão de fundamentação da decisão e sempre da al. b) do mesmo preceito por contradição e ambiguidade que torna a decisão ininteligível.

8. Sem embargo, das declarações de parte do Embargante, AA, prestadas em audiência, que tiveram lugar em 12.02.2025 e foram objecto de gravação, com início às 14:15 horas e termo às 15:07 horas, merece evidência, no que à matéria do item 13º da decisão de facto concerne, o que consta dos minutos 4.26 ao minuto 5.00 e dos minutos 31,05 a 37,13 da gravação, onde o depoente explicou ter sido solicitado pelo executado CC, verdadeiro gerente de facto da sociedade executada, para comparecer no restaurante o …, onde este se encontrava com o que julga ser um representante da A..., com quem sequer falou, para assinar os documentos em apreço – letra, contrato e declaração de preenchimento – onde o dito CC lhe indicou, apondo o carimbo da C…, que levava consigo e que o embargante sequer conhecia as pessoas da A..., nada tendo negociado com esta em relação a tal contrato, nem lhe tendo sido explicado o negócio e o contrato, tendo após a assinatura abandonado o local, exprimindo arrependimento por ter aposto a sua assinatura em tais documentos.

9. O que legitima e justifica a impugnação do concreto item da matéria de facto considerada provada, a impor que tal matéria seja dada como não provada, antes se considerando provado que “A exequente não comunicou adequada e efectivamente ao embargante as cláusulas que integram os documentos referidos em 2, 3 e 4”.

10. Pretende ainda o Recorrente ver aditada ao elenco da factualidade assente a seguinte matéria: “O estabelecimento do Mercado ..., a que se reporta o contrato, nunca chegou a abrir”, como já consta do penúltimo parágrafo da fundamentação da matéria de facto e se reveste de relevância para a decisão da causa segundo as várias soluções de direito plausíveis.

11. No que tange à solução de direito, na decorrência da esperada revogação do item 13º da decisão de facto, por ausência de prova por parte da Recorrida, conclui-se que a lei comina e sanciona tal ilegalidade e incumprimento dos deveres de comunicação e informação com a exclusão de tais cláusulas dos contratos singulares celebrados, como ocorre no caso vertente, por força do disposto nos artigos 5º, 6º e 8.º, als. a) e b) do RJCCG.

12. O que tudo afecta o preenchimento da letra dada à execução que se deve ter por abusivo, com todas as legais consequências, com evidência para a invalidade e inexequibilidade do título, a impor a revogação da decisão em crise, por erro de interpretação e aplicação dos supra referidos preceitos, com a procedência dos embargos e a extinção da execução, por força do disposto na alínea a), do artigo 729º, “ ex vi” do artigo 731º do CPC.

13. Passando a concluir sobre a segunda questão enunciada na sentença em crise de que se diverge, sem prescindir de quanto se alegou e concluiu, mostra-se assente e documentado que a Recorrida dirigiu aos executados alegadas declarações resolutivas, através de cartas registadas com aviso de recepção, como consta do elenco dos factos provados em 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12, o que é pressuposto do preenchimento da letra e sua exequibilidade, que não foram recebidas.

14. Por outro lado, sendo a exequente e Recorrida, sacadora da letra e parte no contrato, uma sociedade comercial por quotas, constata-se que nas pretensas declarações resolutivas esta não se mostra representada pela sua gerência, antes alegadamente pelo Ilustre Advogado subscritor do Requerimento Executivo, Sr. Dr. BB, que subscreveu as missivas juntas aos autos e que não exibiu poderes de representação da Recorrida, que não se presumem, antes veio a exibir meros poderes forenses gerais, que constam da procuração, junta com o Requerimento Executivo.

15. O que viola o disposto no artigo 163.º do Código Civil que, sob a epígrafe “Representação”, no seu nº 1 estipula que a representação da pessoa colectiva, em juízo e fora dele cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração, ou a quem por ela for designado e no seu nº 2 que a designação de representantes por parte da administração só é oponível a terceiros quando se prove que estes a conheciam.

16. E bem assim, o disposto no artigo 252º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais que estipula que as mesmas são representadas pelos gerentes, ou por mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, cumpridos os legais requisitos de forma, sendo que a aludida procuração forense junta aos autos indica que a sociedade recorrida é representada pelo seu gerente Dr. DD.

17. Donde se conclui que tais declarações/comunicações em apreço constituem actos ineficazes, o que se traduz na não produção dos seus pretendidos efeitos, com prejuízo para o preenchimento da letra de que é pressuposto prévio válida e eficaz resolução.

18. Ora, na douta sentença em crise, a propósito da subscrição das missivas pelo Ilustre Advogado da Recorrida sem dispor de ou exibir procuração para o efeito, invoca-se o disposto no artigo 260º, nº 1 do Código Civil (CC), que consagra uma mera faculdade, patente na expressão “pode”.

19. Importa aqui ter presente a disciplina dos artigos 1157º e seguintes do CC, que regula o mandato e o artigo 67º do Estatuto da Orem dos Advogado (EOA) que estatui sobre o mandato forense, classificado como um subtipo de mandato com representação, máxime a sua alínea b), por inaplicabilidade das demais, onde se consigna que este tipo de mandato pode ter por objecto o exercício do mandato com representação, com poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas.

20. Sendo a procuração o instrumento que corporiza e formaliza o mandato, pelo que os poderes de representação terão que constar expressamente daquela, que assim define e concretiza os poderes representativos por ela conferidos.

21. Nesta conformidade, na divergência do julgado, conclui-se que o Ilustre Advogado da Recorrida não dispunha de válidos poderes para a pretendida resolução, no transe da assinatura e expedição das comunicações, nem posteriormente, com tal objectivo e ainda que os poderes previstos na alínea b), do nº 1, do artigo 67º do EOA, são meramente negociais e não de disposição, como da própria letra da lei decorre.

22. Não sendo o facto de os destinatários, que sequer receberam as missivas, não terem exigido do alegado representante a comprovação dos poderes, que é passível de se poder equiparar à aceitação da prática do acto que só após a recepção das cartas e análise do instrumento de representação se poderiam ter por cognoscíveis.

23. Donde emerge a insofismável conclusão de que não tendo ocorrido válida e eficaz resolução do contrato, pressuposto do preenchimento da letra dada à execução, ocorreu preenchimento abusivo da mesma, com todas as legais consequências, com evidência para a invalidade e inexequibilidade do título.

24. O que igualmente impõe a revogação da decisão recorrida, por erro de interpretação e aplicação dos preceitos nela invocados e nas antecedentes conclusões, com a decorrente procedência dos embargos e extinção da execução, por força do disposto na alínea a), do artigo 729º, “ ex vi” do artigo 731º do CPC.

25. Ainda, e sem prescindir, consta da sentença, embora não se mostre autonomizado no elenco dos factos provados, a merecer o pretérito pedido de ampliação da decisão de facto e decorre do contrato reproduzido em 2 da factualidade provada e da complementar autorização de preenchimento de letra em branco reproduzido em 3 que constituem a relação causal da emissão do título dado à execução, reportar a relação comercial ao estabelecimento sito na Rua ..., ..., no Porto, denominado “ B...”.

26. Que nunca chegou a abrir, razão pela qual nunca foi adquirida qualquer quantidade de café à Exequente, como esta admite nas cartas a que pretende atribuir foros de declaração resolutiva, pelo que o contrato em apreço se deve considerar extinto, por impossibilidade objectiva não imputável ao devedor.- ut. artigo 790º, nº 1 do Código Civil.

27. Por consagrar entendimento diverso, deve a decisão em apreço ser revogada e o contrato julgado extinto, com todas prejuízo para o preenchimento do título, que se deve ter por abusivo. [sic]

28. Caso não se considerem nulas e excluídas do contrato singular ajuizado as cláusulas que o integram, nos termos e com os fundamentos estigmatizados e concluídos no contexto, o que vivamente se refuta, estariam os executados obrigados a adquirir, exclusivamente, em 72 meses de duração contratual, desde 15 de Fevereiro de 2023, a quantidade mensal mínima de 25 kg de café à Exequente.

29. Sendo que a Exequente, ora Recorrida, na pretensa declaração resolutiva, alega a propósito que desde o início do contrato não foi realizada qualquer encomenda de café, o que ocorreu por via da invocada impossibilidade objectiva, que radica na não abertura do estabelecimento ..., como se alinhou.

30. Afirma a recorrida tal legitimar o preenchimento da letra entregue em branco e dada à execução pelo valor de €113.872,45, que louva na cláusula sexta do contrato e sequer líquida.

31. É ostensivo ser a cláusula penal em evidência nula e proibida, nos termos do disposto no artigo 811.º do Código Civil e 19º, al. c) do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, por ter ocorrido impossibilidade objectiva que extinguiu a obrigação de aquisição, ao invés do invocado incumprimento.

32. Sendo que, nos termos do citado artigo 811º do Código Civil, o credor não pode exigir, com base no contrato, uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal, pelo valor do café não consumido, que se mostrava extinta.

33. E mesmo que se considerasse que a dita cláusula penal seria válida e aplicável, a despeito da extinção da obrigação, na parte em que a exequente pretende que a indemnização, pelo incumprimento, seria igual ao valor do café não consumido (adquirido) sempre a mesma teria que ser declarada manifestamente abusiva e excessiva, na medida em que ao valor dos ganhos ou proventos que a Exequente teria com a venda desse café sempre haveria que deduzir as despesas de fornecimento, fiscais e outros, quando sequer teve as despesas de aquisição.

34. Emerge do disposto nos artigos 563.º e 564.º do CC, que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, o que sempre reconduziria os danos da Exequente, aqui Recorrida, aos lucros que esta retiraria se as quantidades de café fossem efectivamente vendidas ao longo de 72 meses, o que não ocorreu.

35. Pelo que é mister concluir que ao pretender receber tudo como se o contrato tivesse de facto vigorado e sido cumprido, sem que a sua prestação tenha sido realizada, sempre ocorreria um clamoroso e abusivo enriquecimento desta à custa dos executados, destruindo qualquer equilíbrio de prestações entre as partes.

36. Mesmo concedendo, por mero imperativo de raciocínio e de patrocínio gratos ao Recorrente e seu mandatário, que o incumprimento não seria isento de responsabilidade, o que vivamente se refuta, nos termos e com os fundamentos já estigmatizados, sempre importa concluir que vai muito além do devido exigir a totalidade da prestação quando não há contraprestação integral, o que o artigo 801º do Código Civil pressupõe, a impor a redução da clausula penal, por excessiva e abusiva, aos seus justos e legais limites, nos termos previstos no artigo 812º do Código Civil.

37. Neste sentido, por paradigmático, invoca-se o doutamente decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.07.2019, cujo sumário se reproduziu no contexto.

Pretende assim a revogação da sentença recorrida.

A embargada apresentou contra-alegações, pronunciando-se pela confirmação do decidido.

Formulou as seguintes conclusões:

1º O Executado AA, interpôs Recurso de Apelação da mui douta Sentença, prolatada nos autos à margem referenciados, através da qual, foram os Embargos de Executado julgados improcedentes, e em consequência, foi determinada a prossecução da Execução nos seus exatos termos.

2º O presente Recurso deve ser liminarmente rejeitado, porquanto padece de manifesta extemporaneidade, o que determina a sua inadmissibilidade, nos termos do artigo 641.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

3º Com efeito, dispõe o artigo 638.º, n.º 1 do CPC que o prazo para interposição de recurso é, em regra, de 30 dias, contado a partir da notificação da decisão, podendo ser alargado por mais 10 dias, quando o Recorrente utilize prova gravada, nos termos do disposto no n.º 7 do mesmo artigo.

4º Com efeito, o artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do CPC estabelece de forma clara e inequívoca que, quando a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se funde em meios probatórios gravados, incumbe ao Recorrente indicar, com exatidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, transcrevendo os excertos que considere relevantes, sob pena de rejeição imediata do recurso nessa parte.

5º Ora, tal ónus não foi, de modo algum, cumprido.

6º O Recorrente, salvo melhor opinião e com o devido respeito, limita-se a indicar de forma genérica os momentos temporais das gravações, sem proceder à transcrição fiel e objetiva dos excertos relevantes, apresentando antes descrições subjetivas e interpretativas do depoimento prestado, o que em nada corresponde à exigência legal de transcrição literal e rigorosa.

7º A jurisprudência tem sido uniforme no sentido de que “transcrever” significa reproduzir, palavra por palavra, o teor do depoimento prestado, sem intervenções pessoais do recorrente, e muito menos sem formulações conclusivas ou valorativas, (Nesse sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo nº 6213/08.0TBLRA.C1, de 17-12-2014, também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº 52/18.3T8GRD.C1.S1, de 18/06/2019, ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo nº 0098533, de 21-02-2001).

8º A omissão do dever de “Transcrever” tem como consequência direta a inaplicabilidade do prazo adicional de 10 dias, que apenas se justifica quando se verifica um efetivo uso técnico e processualmente válido da prova gravada.

9º Não tendo o Recorrente cumprido este requisito essencial, não pode beneficiar da extensão do prazo prevista no artigo 638.º, n.º 7 do CPC, razão pela qual o recurso apenas dispunha do prazo geral de 30 dias para ser interposto.

10º Considerando que a decisão recorrida foi notificada às partes a 24/02/2025, o prazo para interposição do recurso terminou em 31/03/2025.

11º Acresce que o Recurso de Apelação, assenta fundamentalmente na alegada errónea apreciação da matéria de facto, sendo certo que, mesmo quanto ao ponto n.º 13 dos factos dados como provados, o Recorrente não logrou cumprir os requisitos legais exigidos para a impugnação dessa matéria, nomeadamente quanto à correta identificação, transcrição e fundamentação da prova gravada.

12º Por conseguinte, não se mostrando preenchidos os pressupostos legais para que o Recorrente possa beneficiar do alargamento do prazo de interposição de recurso, este deve ser considerado intempestivo, pelo que se impõe a sua rejeição liminar nos termos do artigo 641.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

13º Sem conceder e apenas por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que carecem de fundamento as nulidades da sentença invocadas pelo Recorrente, as quais devem ser integralmente julgadas improcedentes.

14º O Recorrente sustenta que a sentença recorrida está ferida de nulidade, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, por alegadamente a mesma não conter a assinatura do juiz que a proferiu e por, alegadamente, não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

15º Ora, no que respeita à nulidade invocada com base na alínea a), n.º 1 do artigo 615.º do CPC – ausência de assinatura do juiz –, tal alegação é manifestamente infundada, pois basta atentar na própria Sentença para verificar que a mesma se encontra devidamente assinada pelo Juiz de Direito que a proferiu, constando tal assinatura de forma visível e inequívoca.

16º No que tange à invocada nulidade prevista na alínea b) do mesmo preceito legal, a Sentença recorrida contém de forma expressa a enumeração dos factos dados como provados, a menção dos factos dados como não provados e, ainda, a respetiva fundamentação, quer fáctica, quer jurídica, que sustenta a decisão proferida, sendo pois evidente que a decisão recorrida não omite qualquer parte essencial, antes os apresenta com clareza, lógica e coerência, em obediência ao disposto nos artigos 607.º e 615.º do CPC.

17º Acresce que, ao alegar que o facto n.º 13 dos factos dados como provados deveria ser considerado não provado e ao pugnar pela adição de um novo facto – a saber, “O estabelecimento do Mercado ..., a que se reporta o contrato, nunca chegou a abrir” – o Recorrente não está verdadeiramente a invocar uma nulidade da sentença, mas sim a manifestar a sua discordância quanto à valoração da prova e à decisão da matéria de facto, questão que se inscreve noutro plano e que, como se demonstrou supra, não foi validamente suscitada.

18º Assim, a Sentença recorrida está formal e materialmente estruturada em estrita conformidade com a lei, contendo todos os elementos exigidos pelo artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, e estando livre das causas de nulidade previstas no artigo 615.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, pelo que, deverá improceder integralmente a alegação de nulidade da sentença formulada pelo Recorrente.

19º Vem também o Recorrente alegar que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo se baseou exclusivamente no facto de este já ter celebrado anterior contrato com a Recorrida, sustentando, por isso, que não poderia ignorar o seu conteúdo, por estar familiarizado com o mesmo.

20º Com base em tal argumento, o Recorrente invoca, por um lado, a invalidade das cláusulas contratuais subjacentes à obrigação exequenda, por alegada violação do dever de comunicação e informação previstos nos artigos 5.º, 6.º, 1.º, n.º 3, e 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, e, por outro, requer a exclusão dessas cláusulas, invocando ainda o preenchimento abusivo do título dado à execução e a consequente extinção da execução.

21º Com efeito, no dia 15 de fevereiro de 2023, Recorrente e Recorrida celebraram um contrato de fornecimento de café e seus sucedâneos, denominado “Parceria Comercial”, o qual foi acompanhado da emissão de uma letra de câmbio e da respetiva autorização de preenchimento de letras em branco/avalistas.

22º Nos termos desse contrato, o Recorrente, juntamente com os demais intervenientes, comprometeu-se a adquirir 1.800 kg de café da marca A..., lote “Massimo”, no período de 72 meses, com quantidades mínimas mensais de 25 kg, conforme estipulado na cláusula primeira do contrato.

23º Em contrapartida, o cumprimento pontual do contrato assegurava ao Recorrente os benefícios descritos na cláusula terceira, valores que foram fixados com base nas legítimas expectativas previamente definidas, conforme alínea B do contrato em apreço – benefícios esses que, como o próprio Recorrente reconheceu, recebeu.

24º Ora, conforme resulta dos autos, o Recorrente não cumpriu as obrigações contratuais assumidas, evidenciando uma intenção premeditada de beneficiar dos incentivos previstos no contrato, sem efetuar a correspondente aquisição mínima mensal de café acordada, em clara violação do princípio do pacta sunt servanda consagrado no artigo 406.º do Código Civil.

25º Acresce que, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, não se verifica qualquer violação do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais, já que, conforme resulta quer do depoimento do representante legal da Recorrida, quer da prova documental junta aos autos, todas as cláusulas contratuais foram devidamente explicadas, apresentadas e comunicadas ao Recorrente, nos termos exigidos pelo artigo 5.º do DL n.º 446/85.

26º Não se pode, ademais, ignorar, como pretende o Recorrente, que não se tratava da primeira vez que este celebrava contratos com a Recorrida, estando perfeitamente familiarizado com os termos e estrutura contratual.

27º A convicção do Tribunal a quo não se formou apenas com base na existência de contratos anteriores, mas sim com fundamento em elementos probatórios diversos e sólidos, incluindo a prova documental constante dos autos e a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente a prestada pelo representante legal da Recorrida.

28º Assim, o facto dado como provado sob o n.º 13 – de que o Recorrente teve conhecimento das cláusulas contratuais em causa – reflete fielmente a realidade apurada nos autos, devendo manter-se inalterado.

29º Em face do exposto, é manifesto que não ocorreu qualquer violação do regime das cláusulas contratuais gerais, nem qualquer preenchimento abusivo do título executivo, pelo que deverá improceder, por completo, esta alegação do Recorrente, mantendo-se o facto provado sob o n.º 13, assim como a força executiva do título dado à execução.

30º Alega também o Recorrente que a resolução contratual não produziu os seus efeitos e que, por esse motivo, o título executivo que serve de base à presente execução foi indevidamente preenchido, uma vez que o advogado signatário das comunicações de resolução contratual não dispunha, alegadamente, de poderes para o efeito.

31º A resolução contratual em causa foi comunicada ao Recorrente mediante envio de Carta Registada com Aviso de Receção, remetida para o domicílio convencionado, em estrito cumprimento dos artigos 224.º, n.ºs 1 e 2, 258.º e 436.º, n.º 1, todos do Código Civil.

32º A comunicação foi subscrita pelo mandatário judicial da aqui Recorrida, o qual, na qualidade invocada de representante, afirmou expressamente:

“Na qualidade de mandatário da A..., Lda., (...) venho por este meio comunicar a V. Exa. o seguinte...”, em conformidade com os artigos 43.º e 44.º do Código de Processo Civil.

33º O regime jurídico aplicável ao contrato de mandato, em especial ao mandato com representação, está previsto nos artigos 1157.º e seguintes do Código Civil.

34º O Código Civil distingue mandato com representação e mandato sem representação, sendo que, relativamente ao primeiro, o artigo 1178°, n.° 1 do C.C dispõe que, se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto nos artigos 258.° e seguintes, enquanto o n.° 2 do mesmo preceito determina que o mandatário a quem hajam sido conferidos poderes de representação tem o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada.

35º A atribuição de poderes representativos ao mandatário faz surgir uma nova obrigação para o mandatário, a obrigação de agir em nome do mandante, para além da obrigação que lhe incumbe de agir por conta do mandante (que decorre da norma geral do artigo 1157º do C.C).

36º Quando o mandatário age em nome do mandante, dentro dos poderes que o instrumento de representação lhe confere, os efeitos dos atos que praticar repercutem-se diretamente na esfera jurídica do mandante, sem necessidade de qualquer ato adicional. Esta é a essência do mandato representativo.

37º Importa ainda atender ao contrato de mandato forense, tal como previsto no artigo 1157.° e ss. do C.C e artigo 67.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, já que, como se consegue aferir, o contrato de mandato forense configura um subtipo de mandato com representação, o qual se presume oneroso, visto ter por objeto atos que o mandatário pratica por profissão, nos termos previstos no artigo 1158°, n° 1 do C.C, podendo ter por objeto o exercício do mandato com representação, com poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas.

38º Por seu turno, a procuração é um negócio jurídico unilateral realizado por um sujeito que atribui por ele a outra pessoa poderes para a representar na prática de um ato ou na celebração de um negócio, o mais das vezes um contrato, do que resulta que o âmbito dos poderes representativos conferidos pela procuração é definido por ela, podendo ser poderes gerais ou especiais para um ato, negócio ou contrato, (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-02-2023, Processo nº 18510/21.4T8PRT.P1).

39º O que, efetivamente, origina os poderes existentes no mandatário não é a procuração. A procuração, no sistema do Código Civil, é o meio adequado para exercer o mandato, representando apenas a exteriorização do poder negocial que é conferido ao mandatário pelo mandante através do mandato.

40º De acordo com o artigo 43° e 44º do C.P.C, o mandato judicial pode ser conferido, além do mais, por instrumento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial, ora, podendo o mandato forense ter por objeto, entre outros, atos de representação extrajudicial, nos quais se incluem atos dispositivos de determinados direitos ou a extinção de relações jurídicas, nada impede que os poderes representativos por aquele conferidos se insiram no âmbito das comunicações que impliquem a modificação ou cessação de contratos (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27-03-2014, processo nº 1196/10.9TBALR-A.E1).

41º Assim, e nos termos dos artigos e jurisprudência supra elencados, parece á aqui Recorrida, de forma clara e inequívoca, que o mandatário judicial tinha plenos poderes para enviar a missiva de Resolução Contratual ao aqui Recorrente, até porque, este último, apesar de ter alegado a suposta falta de poderes para Resolução Contratual, nunca requereu que a Recorrida confirmasse ou provasse os mesmos, ao passo que, a própria Representada, aqui Recorrida, aceitou a prática do ato de resolução contratual operado pelo representante, ora se não porquanto, não lhe tinha dado instruções para prosseguir para a respetiva ação executiva.

42º Caso assim não se entenda, e ainda que, por mera hipótese, se admitisse a ausência de poderes de representação para emitir as missivas, tal atuação foi tacitamente ratificada pela Recorrida, nos termos do artigo 44º nº4 in fine do C.P.C, artigos 217.º, 268.º, 471.º, 1157º, 1158º, 1159.º, n.º 1 e 2, e 1163.º do C.C, já que, é perfeitamente visível, através de elementos e factos concludentes que a vontade da aqui Recorrida era a Resolução Contratual, já que, e atento ao incumprimento contratual do aqui Recorrente, e depois de várias tentativas extrajudiciais de resolução da controvérsia, não restou outra opção à Recorrida que não fosse recorrer a instancias judiciais (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 98B1185 de 11-02-1999, também Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 299709/11.0YIPRT.L1S1 de 09-07-2014 e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 07A988 de 24-05-2007).

43º Ora, e indo de encontro àquilo que vem sendo defendido, a ratificação decorre de diversos atos posteriores, desde logo, procuração forense junta aos autos, instauração da presente Ação Executiva, a Contestação dos Embargos de Executado, entre outros atos, sempre pela mão do mesmo mandatário judicial, confirmando inequivocamente a vontade da Recorrida em Resolver o Contrato, conferindo eficácia retroativa às declarações emitidas,

44º ou seja, a Resolução Contratual, é válida e eficaz, servindo de fundamento ao título executivo em apreço, devendo as alegações do Recorrente serem julgadas improcedentes.

45º Outrossim, alega o Recorrente que se encontram preenchidos os pressupostos do artigo 790.º, n.º 1 do Código Civil, sustentando que o estabelecimento comercial para o qual teria sido celebrado o contrato em apreço nunca chegou a abrir portas, razão pela qual não foram cumpridos os quantitativos mínimos mensais acordados.

46º Na verdade, salvo melhor opinião e com o devido respeito, trata-se apenas de mais uma manobra do aqui Recorrente para fugir aos compromissos contratuais assumidos, já que, o contrato celebrado entre as partes, objeto da presente execução, foi expressamente negociado com base no pressuposto da aquisição, por parte do Recorrente, de café e seus sucedâneos ao longo de um período de 72 meses, em quantidades mínimas mensais de 25 kg, conforme expressamente estipulado na cláusula primeira.

47º Em contrapartida, a Recorrida concedeu, a título de desconto antecipado, o montante de €26.465,23, valor esse que foi entregue, e para o que a este Recurso importa, ao Recorrente.

48º Ora, não tendo sido convencionado em qualquer cláusula do contrato, nem sequer mencionado em sede de negociações, que a validade ou execução do contrato estaria subordinada à abertura efetiva de um qualquer estabelecimento comercial, tal argumento constitui uma mera alegação defensiva, destituída de qualquer valor probatório ou fundamento jurídico.

49º Com efeito, ao celebrar o contrato e ao receber o montante correspondente ao desconto antecipado, o Recorrente demonstrou de forma inequívoca a sua adesão livre e consciente às condições contratuais previamente negociadas e estipuladas,

50º pois que, caso, à data da celebração do contrato, não estivesse em condições de cumprir as obrigações assumidas, nomeadamente no que respeita às aquisições mensais mínimas, deveria ter-se abstido de assinar o contrato e, sobretudo, de receber os montantes concedidos a título de desconto antecipado.

51º Diversamente, o que se verificou é que o Recorrente, com plena consciência da sua situação e das condições contratuais, agiu de forma deliberada, recebendo o valor do desconto antecipado com a clara intenção de não cumprir as suas obrigações contratuais, desde logo porque, segundo o próprio, nunca abriu o alegado estabelecimento.

52º Estamos, pois, perante um incumprimento contratual culposo, alicerçado numa conduta dolosa, sendo por isso absolutamente inaplicável o disposto no artigo 790.º, n.º 1 do Código Civil, devendo portanto improceder, por total falta de fundamento, a alegada aplicação do regime de impossibilidade de cumprimento prevista no artigo 790.º, n.º 1 do C.C.

53º O Recorrente invoca também, na parte final do seu recurso, a natureza supostamente abusiva da cláusula penal contratualmente estipulada, requerendo a sua redução com fundamento nos artigos 811.º e 812.º do Código Civil e no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.

54º Com efeito, o contrato sub judice foi celebrado com base no princípio da liberdade contratual (art. 405.º do Código Civil), e traduz um compromisso negocial estabelecido entre profissionais, em sede de contratação comercial, livremente negociado, aceite e assinado, com efeitos juridicamente vinculativos para ambas as partes.

55º No caso concreto, foi convencionada uma cláusula penal (cláusula 6.ª do contrato), a qual representa um valor a pagar à Recorrida em caso de incumprimento do contrato, precisamente como sucedeu.

56º Tal cláusula penal, enquanto estipulação acessória de natureza compulsória e indemnizatória, visa garantir o cumprimento da obrigação principal e acautelar os danos previsíveis causados pelo incumprimento, funcionando ainda como estímulo negocial à seriedade contratual (cf. artigo 810.º, n.º 1 do Código Civil).

57º Não procede, por isso, a invocação do artigo 812.º, n.º 1 do Código Civil, pois, conforme a vasta doutrina e jurisprudência a que se aludiu, a cláusula penal só poderá ser reduzida se se revelar manifestamente excessiva, isto é, se evidenciar um descompasso gritante, flagrante, entre o valor estipulado e os danos previsivelmente causados, ou com o fim coercivo da cláusula, (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo nº 142/11.7TBFAF.61, ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo nº 14056/22.1T8PRT.P1, de 20-02-2024, também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 2042/13.7TVLSB.L1.S2 de 19/06/2018, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 4738/15.0T8MAI-A.P1.S1, de 10-03-2022 e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo nº 1508/20.7T8GRD-A.C1, de 30-05-2023).

58º A cláusula penal em causa foi estipulada como forma de garantir o cumprimento da obrigação de aquisição mensal mínima de café, funcionando como cláusula compulsória e indemnizatória, nos termos do artigo 810.º, n.º 1 do Código Civil, não existindo, portanto, qualquer indício de que a quantificação feita seja desproporcionada ou manifestamente excessiva,

59º correspondendo, aliás, de forma direta e proporcional, ao café que deixou de ser adquirido, calculado em função do preço unitário convencionado, sem qualquer acréscimo arbitrário.

60º Do mesmo modo, não existe qualquer violação do princípio da boa fé (art. 334.º do Código Civil), nem qualquer abuso de posição contratual, sendo que o contrato foi livremente celebrado entre as partes, com plena autonomia negocial, afastando-se a aplicação do artigo 19.º do DL 446/85,

61º impondo-se concluir que a cláusula penal acordada é válida, proporcional, e encontra-se plenamente justificada pelas circunstâncias do caso concreto, não havendo fundamento legal, contratual ou jurisprudencial que permita a sua redução.

62º devendo improceder, também nesta parte, o recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.

Cumpre então apreciar e decidir.


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QUESTÃO PRÉVIA (suscitada pela embargada/recorrida)

A intempestividade do recurso interposto pelo embargante

1. A recorrida, na resposta ao recurso interposto pelo embargante, veio sustentar que este deverá ser rejeitado, por extemporaneidade, embora seja certo que o prazo de trinta dias previsto no art. 638º, nº 1 do Cód. Proc. Civil é de alargar por dez dias sempre que esteja em causa a reapreciação da prova gravada, nos termos do nº 7 do mesmo preceito.

Ora, entende a recorrida que a impugnação da matéria de facto efetuada pelo embargante/recorrente não foi feita com a observância dos ónus previstos no art. 640º do Cód. Proc. Civil, uma vez que este não procedeu à transcrição dos excertos considerados relevantes para essa impugnação, tendo antes apresentado uma descrição subjetiva e interpretativa do depoimento indicado.

Daí decorre não poder o recorrente beneficiar da referida extensão de prazo e, sendo assim, o recurso, conforme defende a recorrida, foi interposto já depois de esgotado o referido prazo de trinta dias.

Vejamos.

2. O art. 638º, nº 1 do Cód. Proc. Civil estabelece que o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias, contado a partir da notificação da decisão, prazo este que, nos termos do nº 7 do mesmo preceito, pode, porém, ser acrescido em 10 dias se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada.

Em termos de impugnação fáctica consta o seguinte das conclusões da alegação recursiva do embargante:

“5. Isto posto, quanto à decisão de facto, impetra-se a revogação do item 13 do elenco dos factos provados, onde consta que a exequente comunicou ao embargante as cláusulas contratuais que integram os documentos referidos e reproduzidos em 2, 3 e 4 da factualidade provada na sentença.

(…)

8. Sem embargo, das declarações de parte do Embargante, AA, prestadas em audiência, que tiveram lugar em 12.02.2025 e foram objecto de gravação, com início às 14:15 horas e termo às 15:07 horas, merece evidência, no que à matéria do item 13º da decisão de facto concerne, o que consta dos minutos 4.26 ao minuto 5.00 e dos minutos 31,05 a 37,13 da gravação, onde o depoente explicou ter sido solicitado pelo executado CC, verdadeiro gerente de facto da sociedade executada, para comparecer no restaurante o …, onde este se encontrava com o que julga ser um representante da A..., com quem sequer falou, para assinar os documentos em apreço – letra, contrato e declaração de preenchimento – onde o dito CC lhe indicou, apondo o carimbo da C..., que levava consigo e que o embargante sequer conhecia as pessoas da A..., nada tendo negociado com esta em relação a tal contrato, nem lhe tendo sido explicado o negócio e o contrato, tendo após a assinatura abandonado o local, exprimindo arrependimento por ter aposto a sua assinatura em tais documentos.

9. O que legitima e justifica a impugnação do concreto item da matéria de facto considerada provada, a impor que tal matéria seja dada como não provada, antes se considerando provado que “A exequente não comunicou adequada e efectivamente ao embargante as cláusulas que integram os documentos referidos em 2, 3 e 4”.

10. Pretende ainda o Recorrente ver aditada ao elenco da factualidade assente a seguinte matéria: “O estabelecimento do Mercado ..., a que se reporta o contrato, nunca chegou a abrir”, como já consta do penúltimo parágrafo da fundamentação da matéria de facto e se reveste de relevância para a decisão da causa segundo as várias soluções de direito plausíveis.”

3. A propósito da questão prévia suscitada pela recorrida na sua resposta ao recurso, ABRANTES GERALDES (in “Recursos em Processo Civil”, 7ª ed., págs. 173/176) escreve que o recorrente apenas poderá beneficiar do prazo alargado previsto no nº 7 do art. 638 “se integrar no recurso conclusões que envolvam efetivamente a impugnação da decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, nos termos do art. 640º, nº 2, al. a), independentemente da verificação dos demais requisitos legais da impugnação ou sequer da apreciação do respetivo mérito. Caso contrário, terá de se sujeitar ao prazo geral do art. 638º, nº 1.

Embora o mérito da impugnação da decisão da matéria de facto não deve interferir, por princípio, num aspeto anterior ligado à tempestividade do recurso, é exigível que se possa concluir, mesmo num critério que negue valor absoluto ao respeito de cada um dos ónus do art. 640º, que existiu alguma impugnação da decisão da matéria de facto com base em depoimentos gravados. Assim, embora deva estabelecer-se uma distinção entre a apreciação do mérito da impugnação da decisão da matéria de facto e a apreciação dos requisitos formais que devem ser cumpridos pelo recorrente, está inviabilizada a consideração da existência de alguma impugnação da decisão da matéria de facto com base em prova gravada num caso em que o recorrente se tenha limitado a invocar uma divergência quanto à apreciação de determinados depoimentos testemunhais, sem a mínima indicação dos pontos de facto que refletiriam um erro de julgamento e sem indicação da resposta alternativa que, com base em tais depoimentos, deveria ter sido dada.

Se, apesar de existir prova gravada, o recurso for apresentado além do prazo normal sem que, como já se disse, seja inserida no seu objeto a impugnação da decisão da matéria de facto com base na reapreciação daquela prova, verificar-se-á uma situação de extemporaneidade determinante da sua rejeição.”

Acrescenta ainda este ilustre Juiz Conselheiro (ob. cit., pág. 176, nota 312) que esta solução apenas é ajustada nos casos em que as alegações revelem a pura omissão de qualquer impugnação da decisão da matéria de facto sustentada em prova gravada.

Por seu turno, no Ac. STJ de 9.2.2017 (p. 471/10.7TTCSC.L1.S1, relator FERREIRA PINTO, disponível em www.dgsi.pt), pode ler-se o seguinte no seu sumário:

“3. Ao impor um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, com fundamento na reapreciação da prova gravada, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, daí que o prazo acrescido de 10 dias só seja aplicável quando o recorrente o use efetivamente para impugnar a matéria de facto.

4. Para que o recorrente/apelante possa usufruir desse acréscimo de 10 dias, a impugnação da matéria de facto efetuada deve refletir efetivamente essa reapreciação.

5. Se nas conclusões não existir, concreta ou implicitamente, qualquer referência à prova gravada e nem se fizer alusão a qualquer depoimento, não beneficia o recorrente daquele acréscimo.”

Aludiremos ainda, sobre a questão que ora nos ocupa, ao Ac. STJ de 8.9.2021 (p. 5404/11.0 TBVFX.L1.S1, relator JOSÉ RAINHO, disponível in www.dgsi.pt.), no qual se consignou o seguinte no respetivo sumário:

“I – Para que se possa dizer que o recurso tem por objeto a reapreciação da matéria de facto, e deste modo poder o recorrente beneficiar do acréscimo de prazo a que se refere o nº 7 do art. 638º do CPC, é necessário que o recorrente tenha integrado no recurso conclusões que envolvam efetivamente a impugnação da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados.

II – Não se encontra nessas condições o recurso de apelação em que, não obstante o recorrente transcrever ao longo de 268 páginas depoimentos testemunhais, não especifica nas conclusões (o mesmo tendo sucedido no corpo da alegação) quais os concretos factos que foram mal julgados à luz da prova testemunhal nem faz alusão a qualquer depoimento concreto.

III – Deste modo, tendo o recurso sido apresentado para além dos 30 dias normalmente devidos, é o mesmo extemporâneo, não beneficiando o recorrente de tal acréscimo de prazo.”

4. Dispõe-se o seguinte no nº 1 do art. 640º do Cód. Proc. Civil:

«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»

E depois na alínea a) do nº 2 acrescenta-se:

«Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes

5. De retorno ao caso dos autos, verifica-se que, nas conclusões do seu recurso, a recorrente especificou que considera incorretamente julgado o facto nº 13 [a exequente comunicou ao embargante as cláusulas que integram os documentos referidos supra em 2, 3 e 4], pretendendo que o mesmo transite para o elenco dos factos não provados.

No sentido desta alteração indicou na conclusão 8 as suas próprias declarações de parte, das quais individualizou os minutos 4:26 a 5:00 e 31:05 a 37:13, explicando, em seguida, as razões pelas quais sustenta que estas passagens horárias justificam a alteração que pretende.

É certo que o recorrente não procedeu à transcrição dos segmentos por si indicados da gravação, mas, face ao que se preceitua na al. a) do nº 2 do art. 640, tal não lhe era exigível, pois bastará a indicação, com exatidão, das passagens em que o recorrente funda o seu recurso no tocante à impugnação da matéria de facto, para que se tenha por preenchida a exigência imposta nesta alínea.

Deste modo, temos por preenchidos pelo recorrente os ónus previstos no art. 640º do Cód. Proc. Civil quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, de forma que este poderá beneficiar da extensão do prazo a que alude o art. 638º, nº 7 do mesmo diploma, donde resulta a tempestividade do recurso interposto e a improcedência da questão prévia suscitada pela recorrida.


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APRECIAÇÃO DO RECURSO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


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As questões a decidir são as seguintes:

I - Nulidade da sentença recorrida;

II – Reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto;

III Incumprimento dos deveres de comunicação e informação previstos nos arts. 5º e 6º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais [LCCG];

IVIneficácia da declaração resolutiva por falta de poderes;

V – Impossibilidade objetiva de cumprimento;

VINulidade/Redução da cláusula penal.


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São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida:

1. O exequente apresentou o seguinte documento no processo principal como título executivo:




2. No dia 15 de fevereiro de 2023, Embargante e Embargada celebraram o seguinte contrato de fornecimento de café e sucedâneos, denominado "PARCERIA COMERCIAL":






3. Os executados assinaram ainda o seguinte documento:


4. E ainda ao seguinte:



5. No dia 3-5-2024, foi enviada uma carta registada com AR ao executado, conforme documento junto como n.º 6 com o requerimento executivo, subscrita por advogado referindo fazê-lo na qualidade de mandatário da exequente, e cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, designadamente, que “5. (…) tem o prazo de 10 DIAS, a contar da data da recepção da presente, para que comece a efetuar as aquisições de café (…), servindo a presente missiva como interpelação admonitória (…). 6. Caso v. Exª (…) não comece a efectuar as aquisições mínimas mensais contratadas, ocorrerá incumprimento definitivo do supra identificado contrato (…) procederá a M/Constituinte, à resolução do mesmo (…)”.

6. O AR encontra-se assinado por terceira pessoa.

7. No dia 18-4-2024, foi enviada ao co-executado CC, a carta registada com AR junta como documento n.º 9 com o requerimento executivo, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, designadamente, que “5. (…) tem o prazo de 10 DIAS, a contar da data da recepção da presente, para que comece a efetuar as aquisições de café (…), servindo a presente missiva como interpelação admonitória (…). 6. Caso v. Exª (…) não comece a efectuar as aquisições mínimas mensais contratadas, ocorrerá incumprimento definitivo do supra identificado contrato (…) procederá a M/ Constituinte, à resolução do mesmo (…)”.

8. A carta veio devolvida com a menção de “objecto não reclamado”.

9. No dia 5-6-2024, foi enviada ao executado uma carta registada com AR ao executado, conforme documento junto como n.º 12 com o requerimento executivo, e cujo teor se dá por reproduzido, subscrita por advogado e referindo fazê-lo na qualidade de mandatário da exequente, onde consta, para além do mais que: “(…) 3. Atenta a cláusula 5ª e 6ª do supra identificado contrato, ocorreu incumprimento contratual de V. Exª, que fundamenta a resolução do mesmo contrato, que pela presente via vos é comunicada (…)”.

10. A carta veio devolvida com a menção de “objecto não reclamado”.

11. No dia 5-6-2024, foi enviada ao co-executado CC, a carta registada com AR junta como documento n.º 15 com o requerimento executivo, cujo teor se dá por reproduzido.

12. A carta veio devolvida com a menção de “objecto não reclamado”.

13. A exequente comunicou ao embargante as cláusulas que integram os documentos referidos supra em 2, 3 e 4.


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São os seguintes os factos não provados:

a) Que o Embargante nunca exerceu a gerência de facto da sociedade primeira executada, que sempre esteve cometida ao segundo executado, CC, jamais tendo tido acesso a livros, documentos e informações da sociedade;

b) Que o estabelecimento ... não foi objecto de intervenção, sequer tendo sido aberto ao publico, por não estar apetrechado e dotado do inerente licenciamento camarário;

c) Que foi o Embargante que escolheu as quantidades mensais que se obrigava a comprar.


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Passemos agora à apreciação do mérito do recurso interposto pelo embargante.

INulidade da sentença recorrida

1. O recorrente, relativamente à sentença recorrida, argui a sua nulidade, por entender, em suma, ocorrer omissão de fundamentação da decisão e também por haver contradição do decidido com o facto de se ter concluído que o embargante referiu não lhe ter sido explicado o teor das cláusulas.

Integra estas nulidades no art. 615º, nº1, als. a) e b) do Cód. Proc. Civil.

A recorrida pronuncia-se pela não verificação de qualquer uma destas nulidades.

Vejamos.

2. A nulidade da alínea a) [falta da assinatura do juiz] não se verifica, porquanto é manifesto encontrar-se na sentença recorrida aposta a assinatura do juiz que a proferiu, de tal modo que, a nosso ver, a referência a esta alínea em sede recursiva ter-se-á ficado a dever a lapso do recorrente.

Já na alínea b) diz-se que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Ora, da leitura da sentença logo se constata que esta, elaborada em conformidade com o disposto no art. 607º do Cód. Proc. Civil, contém a enumeração dos factos provados e não provados, a ela se seguindo a fundamentação jurídica do decidido.

E quanto à nulidade prevista na alínea c) que, embora não mencionada pelo recorrente, também poderá estar em causa, face ao que este alegou, impunha-se para que ela se verificasse que os fundamentos estivessem em oposição com a decisão ou ocorresse alguma ambiguidade e obscuridade que tornasse a decisão ininteligível.

Sucede que também nada disto ocorre na sentença recorrida, uma vez que a decisão por inteiro se compatibiliza com a argumentação produzida pela Mmª Juíza “a quo”, não se vislumbrando qualquer ambiguidade ou obscuridade na mesma.

3. Aliás, mais do que a arguição de nulidades, o recurso interposto pelo embargante envolve um pedido de reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto, no que toca ao seu nº 13, atendendo a que este discorda do modo como foi formada a convicção do tribunal de 1ª Instância.

Mas essa discordância, podendo, é certo, vir a conduzir a uma situação integrativa de erro de julgamento e, por essa via, a uma eventual alteração do decidido, não é de subsumir, ao contrário do que parece pretender o recorrente, a qualquer das nulidades previstas no art. 615º do Cód. Proc. Civil.


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II – Reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto

1. Como já atrás se referiu em sede de questão prévia, o embargante, em via recursiva, veio insurgir-se contra o nº 13 da matéria de facto provada [a exequente comunicou ao embargante as cláusulas que integram os documentos referidos supra em 2, 3 e 4], pretendendo que o mesmo transite para o elenco dos factos não provados.

No sentido desta alteração indicou na conclusão 8 as suas próprias declarações de parte, das quais individualizou os minutos 4:26 a 5:00 e 31:05 a 37:13, explicando, em seguida, as razões pelas quais sustenta que estas passagens horárias justificam a alteração que pretende.

Porque considerámos que foram observados os ónus previstos no art. 640º do Cód. Proc. Civil, iremos proceder à reapreciação deste ponto factual, no que ouvimos, na íntegra, as declarações de parte produzidas pelo embargante AA.

Este, que é engenheiro civil, disse que lhe foi pedido pelo co-executado para assinar um contrato relativo ao fornecimento de café com a “A...” e a respetiva letra, o que fez, sem se ter apercebido dos termos do negócio. Aliás, não participou na negociação e só depois é que se apercebeu que havia cometido um erro. Embora tenha assinado toda a documentação que lhe foi colocada à frente, onde inclui o documento nº 4, não a leu, nem lhe foi explicado o seu conteúdo. Sublinha que não conhece nem contactou qualquer pessoa da “A...”. No momento em que assinou a documentação estavam presentes o co-executado CC, com o qual as suas relações já estavam deterioradas, e uma pessoa da “A...” que não conhecia.

Procedemos também à audição das declarações prestadas pelo legal representante da embargada, DD, parcialmente transcritas nas contra-alegações.

Disse conhecer pessoalmente o embargante AA, tendo estado envolvido diretamente na negociação deste contrato. Referiu ter estado duas vezes com o embargante, no âmbito de dois contratos distintos. Nessas reuniões participaram o embargante, o depoente e o Sr. CC. Na ocasião da assinatura do contrato dos autos, disse que eles (o embargante e o CC) o leram, bem como toda a documentação que o acompanhava. Não lhe foram pedidas explicações sobre o seu conteúdo, até porque era a segunda vez que eles estavam a celebrar um contrato com a “A...”.

2. Em sede de fundamentação da matéria de facto a Mmª Juíza “a quo”, a propósito do ponto factual impugnado, escreveu o seguinte:

Pese embora tenha o embargante referido que não lhe explicaram as cláusulas insertas no contrato, o certo é que, a oportunidade de ter lido o seu teor, tendo assinado inclusivamente a denominado “declaração”, esta não foi a primeira vez que o embargante interveio num contrato com a exequente, conforme foi pelo representante da exequente esclarecido, o qual referiu que o embargante tinha já intervindo na realização de um outro contrato denominado de “Parceria”, pelo que não poderia este ficar surpreendido com a existência das cláusulas em causa – razão pela qual o tribunal entendeu dar como provada a factualidade descrita em 13.” [sic].

3. Acontece que, uma vez avaliado o teor das declarações prestadas pelo embargante AA e pelo representante da embargada, DD, devidamente conjugado com a documentação junta aos autos, que se mostra assinada pelo embargante, entendemos não existir razão para dissentir da convicção probatória formada pela 1ª Instância, no sentido de se dar como assente que a exequente comunicou à embargante as cláusulas que integram a documentação contratual.

Com efeito, terá de se realçar que o embargante AA apôs a sua assinatura a uma declaração que, acompanhando os documentos intitulados “parceria comercial” e “autorização para preenchimento de letras em branco”, tem o seguinte texto: “(…) a A..., Lda. nos prestou os esclarecimentos necessários e suficientes e respondeu a todas as questões por nós colocadas, explicitando as características essenciais do contrato que nos propomos celebrar e descrevendo, sumariamente, os efeitos específicos dele decorrentes para nós, principalmente das consequências em caso de incumprimento contratual da nossa parte, da exigibilidade e aplicabilidade da cláusula penal e das consequências da resolução contratual, colocando-nos em posição de me permitir avaliar se o referido contrato se adapta às nossas necessidades.”

Assim, uma vez que o embargante não nega ter efetuado esta assinatura, antes a confirma, sendo que se trata de uma pessoa de formação superior – engenheiro civil –, que não poderia deixar de ter consciência dos efeitos da aposição da sua assinatura num documento, até porque já tinha estado envolvido num outro processo negocial com “Cafés A...”, teremos naturalmente de concluir que este tinha conhecimento das cláusulas que integram os documentos que acompanharam o requerimento executivo.

De outra forma não se compreende a sua assinatura na dita “declaração”.

Por esse motivo, concordamos com a 1ª Instância, devendo, por isso, permanecer na factualidade assente o seu nº 13, assim improcedendo o recurso interposto neste segmento.

4. O recorrente pugna ainda no sentido de ser aditado à factualidade assente um item onde conste que “o estabelecimento do Mercado ..., a que se reporta o contrato, nunca chegou a abrir”, matéria esta que se relaciona com a eventual extinção do contrato por impossibilidade objetiva de cumprimento.

Por esse motivo, esta questão será tratada no ponto V do presente acórdão.


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III Incumprimento dos deveres de comunicação e informação previstos nos arts. 5º e 6º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais [LCCG]

1. Na sentença recorrida qualificou-se o contrato dos autos como sendo um contrato atípico, misto, de natureza comercial, entendimento este que não mereceu oposição do embargante em via recursiva.

Porém, este sustenta que houve da parte da recorrida incumprimento dos deveres de comunicação e informação, o que, verificando-se, afeta o preenchimento da letra dada à execução que se deve ter por abusivo com as consequências daí decorrentes traduzidas na invalidade e na inexequibilidade do título.

2. Dispõe o seguinte o art. 5º da LCCG sob a epígrafe “comunicação”:

«1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência.

3. O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais

Já no art. 6º da LCCG, que tem a epígrafe “dever de informação”, estatui-se o seguinte:

«1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
 2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados

No art. 8º, als. a) e b) do mesmo diploma diz-se que se consideram excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art. 5º e também as que foram comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo.

3. Sucede que a questão do eventual incumprimento dos deveres de comunicação e informação por parte da exequente “A...” se encontra, desde logo, solucionada em termos factuais, atendendo a que no nº 13 se deu como assente que esta comunicou ao embargante as cláusulas que integram os documentos que acompanham o requerimento executivo.

Aliás, neste âmbito e com significativo relevo, não se pode ignorar o teor da declaração assinada pelo embargante, referida no nº 4 da factualidade provada, onde este confirma o cumprimento dos deveres de comunicação e informação pela “A...”.

Ora, conforme atrás se explicitou aquando da reapreciação da decisão da matéria de facto, pese embora a impugnação efetuada pelo recorrente, o dito nº 13, onde se vertia facticamente o cumprimento daqueles deveres, foi mantido sem qualquer alteração.

Daí que, sem necessidade de outras considerações, improcede neste segmento o recurso interposto.


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IVIneficácia da declaração resolutiva por falta de poderes

1. O recorrente alega também que, sendo a exequente uma sociedade comercial por quotas, as declarações resolutivas se acham subscritas por advogado munido de procuração com meros poderes forenses gerais, donde decorre a ineficácia dessas declarações.

Na sentença recorrida entendeu-se não ocorrer tal ineficácia, mas o embargante, em via recursiva, continua a pugnar nesse sentido.

Vejamos então.

2. Do nº 9 da factualidade assente decorre que no dia 5.6.2024 foi enviada uma carta registada com AR ao executado AA, subscrita por advogado que referiu fazê-lo na qualidade de mandatário da exequente, onde, além do mais, consta o seguinte:

“(…) 3. Atenta a cláusula 5ª e 6ª do supra identificado contrato, ocorreu incumprimento contratual de V. Exª, que fundamenta a resolução do mesmo contrato, que pela presente via vos é comunicada (…)”.

3. O mandato é o contrato pelo qual uma das partes, o mandatário, se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra, o mandante (art.º 1157º do Cód. Civil). Por conta da outra parte significa não só que o mandatário deve agir no interesse do mandante (embora o contrato possa ser celebrado no interesse conjunto do mandatário ou de terceiro, como se extrai dos arts. 1170º, nº 2 e 1175º do Cód. Civil), mas também que o mandatário atua em vez do mandante, na posição jurídica em que este estaria se fosse ele a praticar o ato. A atuação por conta tem aqui o significado de fazer repercutir, direta ou indiretamente, os efeitos jurídicos praticados pelo mandatário na esfera jurídica do mandante.

Daqui resulta que na essência do mandato há uma relação entre a obrigação de cumprir o negócio gestório, a exigência da sua conformidade às indicações do mandante e a vinculatividade de todas as relações jurídicas dirigidas à realização de um programa gestório funcionalizado à realização de interesses alheios. A obrigação do mandatário de agir no interesse do mandante decorre da própria natureza desse negócio jurídico.[2]

O mandato, conforme destrinça o Cód. Civil, pode ser conferido com representação ou sem representação.

Ao primeiro caso reporta-se o art. 1178º, onde se diz no seu nº 1 que se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandante o disposto nos arts. 258º e segs., ou seja: o disposto sobre representação.

Acresce que no nº 2 do art. 1178º se preceitua que o mandatário a que hajam sido conferidos poderes de representação tem o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada, sendo que esta regra concretiza o dever de lealdade que recai sobre o mandatário, pois se este aceitou, pelo mandato, agir por conta do mandante e dispondo de poderes de representação para o fazer, não lhe cabe, nesse âmbito, agir em seu próprio nome.[3]

Deste modo, a atribuição de poderes de representação ao mandatário faz surgir uma nova obrigação para este: a obrigação de agir em nome do mandante, para além da obrigação que lhe incumbe de agir por conta deste, a qual decorre da norma geral do art. 1157º do Cód. Civil.

Assim, quando o mandatário age em nome do mandante, dentro dos poderes que o instrumento de representação lhe confere, os efeitos dos atos que praticar repercutem-se diretamente na esfera jurídica do mandante, sem necessidade de qualquer ato adicional.

Já o mandato forense, previsto no art. 67º do Estatuto da Ordem dos Advogados, desenha-se como um mandato com representação, que se presume oneroso, uma vez que tem por objeto a prática de atos que o mandatário pratica por profissão – art. 1158º, nº 1 do Cód. Civil – e, embora esteja centrado no campo judicial, pode alargar-se para além dele[4], envolvendo, inclusive, poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas.

Por seu turno, a procuração, que vem prevista no art. 262º do Cód. Civil, distingue-se do mandato por se tratar de um negócio jurídico unilateral, através do qual se atribui, a uma pessoa, poderes de representação, e ainda porque a procuração inclui sempre poderes representativos, ao passo que o mandato, adstrito à ideia de agir por conta de outrem, pode envolver, ou não, poderes de representação.[5]

“Trata-se de um negócio jurídico unilateral conferidor de poderes ao representante, funcionalmente dirigido à realização de fins e interesses do representado, num quadro de relação externa assente, por seu turno, numa relação gestória interna, em regra de natureza contratual na espécie de mandato.”[6]

Como tal, escreve-se o seguinte no Ac. Rel. Porto de 9.2.2023 (p. 18510/21.4 T8PRT, relator FILIPE CAROÇO, disponível in www.dgsi.pt.)[7]:

“Pelo mandato, o mandatário obriga-se a celebrar atos jurídicos por conta do mandante. Pela procuração, confere-se ao representante o poder de celebrar tais atos jurídicos em nome do representado. O seu conteúdo e alcance estão delimitados pelos poderes conferidos pelo mandante ao mandatário, através daquele ato jurídico (procuração).

O que, efetivamente, origina os poderes existentes no mandatário não é a procuração; a procuração, no sistema do Código Civil atual, é o meio adequado para exercer o mandato; representa apenas a exteriorização do poder negocial que é conferido ao mandatário pelo mandante através do mandato.”

Assim, se o mandato forense pode ter por objeto também atos de representação extrajudicial, como sejam a negociação da constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas, nada impede que os poderes de representação conferidos por aquele mandato possam abranger ainda comunicações que se dirijam à modificação ou à cessação de contratos.

Contudo, como podemos estar perante um representante sem poderes, uma procuração inválida ou já extinta, a lei prevê que o terceiro possa exigir ao representante que prove os seus poderes, dentro de prazo razoável.

É o que resulta do art. 260º, nº 1 do Cód. Civil onde se estatui que «se uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos.»

Prosseguindo, far-se-á agora referência ao Ac. Rel. Évora de 27.3.2014 (proc. 1196/10.9 TBALR-A.E1, relator FRANCISCO XAVIER, disponível in www.dgsi.pt.)[8] onde se escreveu o seguinte:

“Na situação de representação, o representante age, de modo expresso e assumido, em nome do representado: dá a conhecer aos interessados o facto da representação. O destinatário da conduta tem, então, o direito, nos termos do artigo 260º, n.º 1, de exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, doutro modo a declaração não produzirá efeito. Trata-se dum esquema destinado, por um lado, a dar credibilidade à representação e, por outro, a evitar situações de incerteza quanto ao futuro do negócio, sempre que tarde a surgir a prova dos poderes invocados pelo representante”.[9]

E depois a propósito de um caso de resolução contratual extraprocessual, que também se verifica no presente caso, continuou-se no referido aresto pela seguinte forma:

“No caso dos autos, a executada, confrontada com a comunicação de resolução do contrato, na qual é expressamente invocada a “representação” não exigiu ao representante a comprovação dos poderes a que este se arroga (aliás nem sequer alega tal facto), pelo que, não o tendo feito, aceitou-o a praticar o acto em nome da representada, não lhe sendo lícito vir agora, apenas quando demandada na acção executiva, invocar tal vício, designadamente ao abrigo do artigo 258º do Código Civil» e “deste modo, como não fez uso de tal direito a comunicação da resolução do contrato produziu efeito na sua esfera jurídica, bem como na do representado, sendo manifesto que este aceitou a prática do acto pelo representante, tanto mais que o mandatou para correspondente acção executiva”.

4. Regressando à situação dos autos constata-se que o embargante/recorrente, apesar de ter vindo alegar a ineficácia da declaração resolutiva do contrato por falta de poderes, não exigiu em momento anterior que o representante, tal como preceitua o art. 260º, nº 1 do Cód. Civil, fizesse prova dos seus poderes, em prazo razoável, sob pena de a declaração não poder produzir efeitos.

Todavia, mais do que esta inação do recorrente, o que até decorre dos autos é que a recorrida “A...” aceitou a resolução contratual operada pelo seu representante, porque se assim não fosse certamente que não teria dado a este instruções no sentido da propositura da ação executiva.

Por conseguinte, impõe-se concluir que os elementos que resultam do processo são concludentes e inequívocos no sentido de que a vontade da recorrida, face ao incumprimento contratual dos ora executados, era no sentido da resolução do contrato.

Assim o atestam a procuração forense junta aquando da instauração da ação executiva e a contestação apresentada aos embargos de executado, onde surge como mandatário da recorrida o Sr. Dr. BB, que foi também quem subscreveu a missiva através da qual se operou a resolução do contrato em causa nos autos.

Deste modo, porque não pode haver dúvidas de que tal corresponde à vontade da exequente “A...”, temos por válida e eficaz a resolução contratual feita através da missiva datada de 5.6.2024 e assinada pelo Sr. Dr. BB, motivo pelo qual, também nesta parte, soçobra o recurso interposto.


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V – Impossibilidade objetiva de cumprimento

1. O recorrente, nas suas alegações, alega também que o estabelecimento comercial a que o café se destinava, denominado “B...”, nunca chegou a abrir e, por essa razão, nunca foi adquirida qualquer quantidade de café à recorrida.

Como tal, entende que o contrato dos autos se deve considerar extinto por impossibilidade objetiva de cumprimento não imputável ao devedor, nos termos do art. 790º, nº 1 do Cód. Civil.

Dispõe o seguinte este artigo:

«A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor

Para que a obrigação se extinga, o credor não mais a possa exigir e o devedor fique liberado, a impossibilidade tem de ser objetiva (nem o devedor, nem terceiros, a podem prestar), absoluta (a causa impossibilitante não é superável), total, definitiva e tem ainda de resultar de circunstâncias não imputáveis ao devedor.

Uma impossibilidade não imputável ao devedor poderá decorrer de situações fortuitas ou de força maior, impedimentos legais, condutas de terceiros, atuações voluntárias do credor ou ainda de circunstâncias não culposas atribuíveis ao devedor.[10]

2. Em linha com esta via argumentativa, assente no disposto no art. 790º, nº 1 do Cód. Civil, o recorrente sustenta que à factualidade dada como assente deveria ser aditado um facto com a seguinte redação: “O estabelecimento do Mercado ..., a que se reporta o contrato, nunca chegou a abrir.”

Certo é que este facto é verdadeiro, não oferecendo qualquer dúvida que o estabelecimento de café do Mercado ... não abriu, conforme é até reconhecido pela Mmª Juíza “a quo”.

No entanto, tal como esta adianta, não resultou provada a razão que motivou a sua não abertura, desconhecendo-se se terá sido por não estar apetrechado e dotado do inerente licenciamento camarário, o que corresponde ao facto não provado b), o qual nem sequer foi impugnado pelo recorrente.

Sucede que a aplicabilidade “in casu” do estatuído no art. 790º, nº 1 do Cód. Civil pressuporia sempre que a impossibilidade de cumprimento de prestação radicasse em circunstâncias não imputáveis ao devedor, o que não se mostra demonstrado.

Por isso, levar à factualidade provada tão-somente que o estabelecimento do Mercado ..., a que se reporta o contrato, não chegou a abrir, mesmo que verídico, não tem qualquer relevo para a decisão do litígio, pois o que importaria provar é que a impossibilidade da sua abertura se ficou a dever a razões não atribuíveis ao devedor.

Neste contexto, por irrelevante e inútil para o desfecho dos autos, não há que aditar à factualidade provada o facto indicado pelo recorrente.

Para além disso, importa ainda referir que a validade ou execução do contrato não ficou subordinada à abertura de um qualquer estabelecimento comercial, donde flui não poder ser acolhida a via argumentativa seguida pelo recorrente com vista à extinção do contrato ao abrigo do art. 790º, nº 1 do Cód. Civil.

Assim, improcede ainda nesta parte o recurso interposto.


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VINulidade/Redução da cláusula penal

1. O recorrente, apelando de forma genérica ao disposto nos arts. 811º do Cód. Civil e 19º, al. c) da LCCG, sustenta ser nula a cláusula penal, por ter ocorrido impossibilidade objetiva que extinguiu a obrigação de aquisição, ao invés do invocado incumprimento, e também porque nela se prevê uma indemnização que excede o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal, pelo valor do café não consumido, obrigação que, na perspetiva deste, se mostrava extinta.

Porém, mesmo que se considere a dita cláusula penal como válida e aplicável, entende o recorrente que esta sempre deverá ser tida como manifestamente abusiva e excessiva, impondo-se assim a sua redução de acordo com o art. 812º do Cód. Civil.

2. A cláusula penal que aqui se discute – cláusula sexta, nº 1 do contrato celebrado entre as partes – tem a seguinte redação:

Consequência do incumprimento, total ou parcial, do presente contrato, por motivo imputável, objetiva ou subjetivamente à segunda outorgante, considera-se perdido o benefício do prazo concedido para a aquisição do café, tendo a Primeira Outorgante o direito de receber de imediato o valor do café em falta, de acordo com os seus extratos de consumos, ao PVP e IVA em vigor, e sem descontos, à data do efetivo pagamento do mesmo.”

3. Estatui o art. 810º, nº 1 do Cód. Civil que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível, o que se chama cláusula penal. Esta pode ser definida como a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou não cumprir exatamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária. Se estipulada para o caso de não cumprimento, chama-se cláusula penal compensatória; se estipulada para o caso de atraso no cumprimento, chama-se cláusula penal moratória – cfr. CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Penal Compulsória”, 4ª ed., págs. 247/248.

O direito de estipular uma cláusula penal surge como corolário do princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405º do Cód. Civil, do qual decorre que dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, bem como reunir no mesmo contrato as regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.

O principal objetivo da cláusula penal, que resulta do acordo das partes, é o de evitar dúvidas futuras e litígios entre elas quanto à determinação do montante da indemnização – cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, Vol. II, 3ª ed., pág. 74.

A cláusula penal, conforme afirma ANTUNES VARELA (in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., págs. 139/140), é normalmente chamada a exercer uma dupla função, no sistema da relação obrigacional.

“Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (um agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena – pena convencional.

A cláusula penal é, nestes casos, um plus em relação à indemnização normal, para que o devedor, com receio da sua aplicação, seja menos tentado a faltar ao cumprimento.

A cláusula penal extravasa, quando assim seja, do prosaico pensamento da reparação ou retribuição que anima o instituto da responsabilidade civil, para se aproximar da zona cominatória, repressiva ou punitiva, onde pontifica o direito criminal.

(…)

Por outro lado, a cláusula penal visa amiudadas vezes facilitar ao mesmo tempo o cálculo da indemnização exigível.

Assim sucede, com alguma frequência, quando os danos previsíveis a acautelar sejam muitos e de cálculo moroso, quando os prejuízos sejam, por natureza, de difícil avaliação ou quando sejam mesmo de carácter não patrimonial.”

Como já atrás se referiu, a cláusula penal reveste usualmente duas modalidades: compensatória, quando estipulada para o caso de não cumprimento; moratória, quando estipulada para o caso de atraso no cumprimento.

Escreve CALVÃO DA SILVA (in ob. cit., págs. 248/249) que “dada a sua simplicidade e comodidade, a cláusula penal é instrumento de fixação antecipada, em princípio “ne varietur”, da indemnização a prestar pelo devedor no caso de não cumprimento ou mora, e pode ser eficaz meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação. Queremos com isto dizer que, na prática, a cláusula penal desempenha uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva.

No que concerne à primeira destas funções, a cláusula penal prevê antecipadamente um forfait que ressarcirá o dano resultante de eventual não cumprimento ou cumprimento inexacto. Incidindo sobre o momento ressarcitório da dinâmica contratual, através dela as partes pré-avaliam o dano e liquidam-no de uma maneira «forfaitaire» (invariável) e preventiva. O que significa que o devedor, vinculado à cláusula penal, não será obrigado ao ressarcimento do dano que efectivamente cause ao credor com o seu incumprimento ou cumprimento não pontual, mas ao ressarcimento do dano fixado antecipadamente e negocialmente através daquela, sempre que não tenha sido pactuada a ressarcibilidade do dano excedente (art. 811º, nº 2).”

Já quanto à segunda daquelas funções – coercitiva - escreve o mesmo Professor (in ob. cit., pág. 250) que a cláusula penal “(…) funciona, também, como poderoso meio de pressão de que o credor se serve para determinar o seu devedor a cumprir a obrigação, desde que o montante da pena seja fixado numa cifra elevada, relativamente ao dano efectivo. O carácter elevado da pena constrange directamente o devedor a cumprir as suas obrigações, visto desencorajá-lo ao não cumprimento, pois este implica para si uma prestação mais onerosa do que a realização, nos termos devidos, da originária prestação a que se encontra adstrito. Esta maior onerosidade do incumprimento é de natureza a incitar o devedor a realizar a prestação devida, dada a ameaça de sanção que sobre si recai em caso de inadimplemento, e, assim, reforça e garante realmente a obrigação principal, exercendo pressão sobre o devedor no sentido do seu cumprimento.”

Estipulada validamente uma cláusula penal, a pena, que é o seu objeto, será exigível quando se verifique a situação para que foi prevista. Haverá, pois, que apurar a falta que os contraentes, por seu intermédio, quiseram sancionar, se a simples mora, o inadimplemento definitivo, o incumprimento propriamente dito ou qualquer outra irregularidade da prestação. Assim como haverá que determinar o interesse que concretamente se quis proteger com a estipulação da pena, a fim de saber se o facto ilícito ocorrido é o que ela cobre – cfr. PINTO MONTEIRO, “Cláusula Penal e Indemnização”, Colecção Teses, Almedina, pág. 683.

Prosseguindo, escreve PINTO MONTEIRO (in ob. e loc. cit.): “Não basta, porém, para que a pena se torne exigível, que ela haja sido aceite validamente e venha a ocorrer a situação por si prevenida. O devedor só incorre na pena caso tenha procedido com culpa.”

E mais adiante diz-nos ainda este Professor (in ob. cit., pág. 685):

“O direito à pena deve ser exercido (…) de acordo com o princípio da boa fé, à luz do qual poderá ter de se considerar que a pena é inexigível – e não apenas susceptível de redução – caso o seu elevado montante indicie sancionar ela infracções de especial gravidade, o que não se compatibilizará com uma atitude do credor que reclame o seu pagamento em face de uma diminuta infracção, praticamente insignificante. Também um comportamento tolerado ou consentido durante largo tempo, sem qualquer reacção do credor, poderá ser facto impeditivo da exigibilidade da pena, caso a sua reclamação posterior se mostre contrária ao princípio da boa fé.”

4. Prosseguindo, há a referir que dos autos não resultam elementos factuais que permitam concluir no sentido da nulidade da dita cláusula penal, impondo-se agora averiguar se, contudo, existe fundamento para a sua redução.

Dispõe-se no art. 812º, nº 1 do Cód. Civil que «a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer disposição em contrário

Sobre o poder que neste preceito legal se confere ao juiz no sentido de proceder à redução da cláusula penal escreve o seguinte CALVÃO DA SILVA (in ob. cit, págs. 272/273):

“Se a irredutibilidade da cláusula penal constitui uma solução injusta – por ser uma porta aberta a abusos cometidos por credores pouco escrupulosos e, assim, possibilitar o desenvolvimento imoderado e excessivo da sua função cominatória – não é difícil reconhecer que a intervenção judicial comporta em si o perigo de neutralização do valor coercitivo da cláusula penal, privando o credor de um legítimo e salutar, desde que não abusivo, meio de pressão sobre o devedor recalcitrante, apto a vencer resistências deste não menos injustificadas e a determiná-lo a cumprir as obrigações a que se encontra adstrito.

(…)

A questão está … em encontrar uma solução que, evitando resultados extremos, corrija os abusos sem matar o legítimo e salutar valor cominatório da cláusula penal, importante e às vezes essencial para compelir ao cumprimento devedores recalcitrantes que oferecem resistências injustificadas, prejudiciais ao credor e à segurança e desenvolvimento do comércio jurídico. (…)

O controlo judicial da cláusula penal impõe-se, mas limitado apenas à correcção de abusos, impõe-se, tão-só, para proteger o devedor de exageros e iniquidades dos credores, mas, não já, para privar o credor dos seus legítimos interesses (…)

Por isso, e para isso, a intervenção judicial do controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter à forfait. Daí que, por toda a parte, apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.”

E mais adiante o mesmo Professor (in ob. cit., pág. 274/276) escreve:

“Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não deverá deixar de atender à natureza e condições de formação do contrato …; à situação respectiva das partes, nomeadamente a sua situação económica e social, os seus interesses legítimos, patrimoniais e não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo previsível no momento da celebração do contrato e ao efectivo prejuízo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor (…); ao próprio carácter à forfait da cláusula (…). É em função da apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má fé, que o juiz pode ou não reduzir a cláusula penal, independentemente da existência de uma estipulação negocial que retire ao tribunal esse poder ou traduza renúncia prévia do devedor à utilização do equitativo poder de redução judicial, dado o carácter cogente do art. 812º - carácter imperativo que leva a considerar não escrita essa estipulação.”

O art. 812º do Cód. Civil surge assim como norma de controlo, como norma destinada a permitir uma fiscalização judicial de penas convencionais cujo exercício, na circunstância concreta, se revele abusivo – cfr. PINTO MONTEIRO, ob. cit., pág. 209.

5. Revestindo a cláusula penal natureza coercitiva, compulsória, deverá ter-se presente que para impelir o devedor a cumprir é necessário cominar-lhe um mal que represente um desincentivo ao incumprimento. Uma vez que esse mal não se relaciona com os danos e acresce mesmo à indemnização dos danos, o excesso manifesto terá de se reportar à dimensão da própria cominação e ocorrerá quando esta seja irrealista, desmesurada, brutal. Só é possível reduzir a cláusula penal quando for manifesto que esta possui uma desproporção substancial e evidente, quando a satisfação da mesma tiver para o devedor efeitos exorbitantes.

Através da sua redução não se pode eliminar o efeito compulsório querido com a estipulação da cláusula penal, até porque isso daria aos devedores a ideia de que podem aceitar qualquer cláusula dessa natureza sem temerem pelo seu pagamento em caso de não cumprimento uma vez que depois, quando ela lhe for exigida, obterão a sua redução judicial.

Tal redundaria na exclusão por via judicial do mecanismo jurídico da cláusula penal voluntária, o que deve ser evitado - cfr. Ac. Rel. Porto de 3.3.2016, p. 11709/15.4 T8PRT.P1, relator ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA, disponível in www.dgsi.pt..

Conforme escrevem ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO e A. BARRETO MENEZES CORDEIRO (in “Código Civil Comentado – II – Das Obrigações em Geral” – CIDP, Almedina, 2021, pág. 1070) “[a] cláusula penal a reduzir deve ser manifestamente excessiva. A jurisprudência enfatiza o advérbio: não basta que seja excessiva; deve ser chocante e exagerada, de valor exorbitante, totalmente desadequado e abusivo…”. [11]

Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal deverá proceder-se à comparação entre o montante que resulta dessa cláusula e a ordem de grandeza do prejuízo que o credor sofrerá com o incumprimento, tendo em conta todas as circunstâncias do caso.

Por isso, nessa apreciação o juiz deverá atender à natureza e condições de formação do contrato (por exemplo, se a cláusula foi contrapartida de melhores condições negociais); à situação das partes, nomeadamente a situação económica e social; os seus interesses legítimos, patrimoniais ou não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo previsível no momento da celebração do contrato e ao efetivo prejuízo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular a boa ou má fé do devedor; ao próprio carácter forfait da cláusula, salvaguardando sempre o seu valor cominatório. É em função da apreciação global de todo o circunstancialismo objetivo e subjetivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má fé, que o juiz pode ou não reduzir a cláusula penal – cfr. CALVÃO DA SILVA, ob. cit., págs. 274/275.

6. Uma vez feitas estas considerações a questão que então se coloca é a de saber se, no caso dos autos, a cláusula penal convencionada reveste esse carácter de manifesta excessividade que possa justificar a sua redução nos termos do art. 812º, nº 1 do Cód. Civil.

A resposta dada pela 1ª Instância foi negativa, tendo, a este propósito, a Mmª Juíza “a quo” escrito o seguinte:

Conforme já referido, importa comparar o valor que seria resultante do normal cumprimento do contrato e o que resultou do seu incumprimento, face ao verificado acionamento da cláusula penal ora sobre escrutínio.

E apenas poderá o juiz reduzir o valor referente à cláusula penal em causa quando esta se for manifestamente excessiva, exigindo-se, para tanto, que exista uma desproporção manifesta entre o dano causado e a pena estipulada, o que não se verifica neste caso face à ausência de factualidade invocada para o efeito.

Assim, considera-se que não se verifica o fundamento previsto no artigo 812º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil, para a redução da cláusula penal propugnada pelo embargante, por falta de elementos concretos invocados para o efeito.

Porém, neste segmento, não concordamos com a posição da 1ª Instância.

Do contrato celebrado entre as partes, decorre que os ora executados se obrigaram a adquirir à exequente, em regime de exclusividade e para consumo no seu estabelecimento, a quantidade mínima de 1800 kgs. de café, fracionados pelo período de 72 meses (6 anos), em quantidades mensais mínimas e sucessivas de 25 kgs., sendo que durante esse período se obrigaram ainda a publicitar a marca “A...” e a não adquirir a terceiros, publicitar e/ou comercializar produtos concorrentes e/ou comercializados pela ora exequente – cfr. cláusulas primeira e segunda.

Para o efeito, a ora recorrida fez um investimento no cliente, tendo-lhe fornecido 20.000,00€ em dinheiro, a título de desconto antecipado no preço do café, e afetou-lhe ainda, na rúbrica descontos, diversos equipamentos (máquina de café, moinho de café, depurador) no valor global de 6.465,23€ - cfr. cláusula terceira.

Na letra dada à execução foi aposta a quantia de 113.872,45€, que de acordo com a declaração resolutória do contrato, datada de 5.6.2024, foram subdivididos pela exequente da seguinte forma:

- Valor do café não consumido: 1800 kgs x 36,73€/kg = 66.114,00€ + IVA a 23% (15.206,22€) = 81.320,22€;

- Valor dos descontos concedidos: 26.465,23€ + IVA a 23% (6.087,00€) = 32.552,23€.

Sucede que a quantia de 66.114,00€, a que depois se acresceu IVA, seria o valor que era previsível a recorrida receber da cliente no termo da vigência do contrato de seis anos, a que sempre se somariam as mais valias decorrentes da publicidade e da promoção feitas à sua marca e ao seu produto no estabelecimento comercial desta.

Certamente que esta quantia não corresponde ao lucro que a recorrida obteria, isto porque sempre se imporia subtrair-lhe o valor dos descontos concedidos – 26.465,23€ - e também o preço pelo qual adquirira os 1.800 kgs. de café, acrescidos dos custos associados ao seu fornecimento, designadamente administrativos e de transporte.

De todo este contexto resulta que a cláusula penal estipulada, logo à data da celebração do contrato (em que as partes não partiram do pressuposto que aquele iria ser incumprido, mas antes do pressuposto contrário – pois se assim não fosse, certamente que não o teriam celebrado) se revela manifestamente excessiva, visto que, em caso de incumprimento, permitia à recorrida cobrar a totalidade do preço do café que não lhe tivesse sido adquirido pelo cliente, ao preço pelo qual lho teria vendido, sem descontar neste o preço do café pelo qual a própria o teria adquirido e os custos associados ao fornecimento.

Ora, se a cláusula penal convencionada surge logo aquando da celebração do negócio como manifestamente excessiva, ela mantém essa característica ao ocorrer o incumprimento justificativo da resolução contratual.

Com efeito, esta cláusula permitiria à recorrida obter o pagamento da totalidade do café que não foi adquirido pela sua cliente como se ele lhe tivesse sido efetivamente comprado, sem que, contudo, tivesse de suportar o custo pelo qual ela própria o adquiriu e outros encargos associados ao seu fornecimento.

Urge, assim, concluir, à semelhança do que se fez no Ac. Rel. Guimarães de 10.7.2019[12] (proc. 1008/15.7 T8VNF-A.G1, relator JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS, disponível in www.dgsi.pt.), onde se tratou um caso com alguma similitude, que a cláusula penal em que é ajustado que, em caso de incumprimento do contrato, o devedor fica obrigado a pagar uma indemnização correspondente à totalidade do café não adquirido, ao preço pelo qual este teria sido comprado por aquele ao credor, é manifestamente excessiva.

7. Há, pois, que proceder à sua redução, de acordo com a equidade, nos termos do art. 812º, nº 1 do Cód. Civil.

Frisando sempre que a indemnização obtida pela recorrida através da aplicabilidade da cláusula penal excederá em muito o que esta obteria se o contrato tivesse sido voluntariamente cumprido, pois que através dela consegue haver o preço da venda do café, sem que o tenha entregue ao cliente e também sem suportar os custos inerentes a essa entrega, entendemos que a sua redução equitativa se deverá situar em 50%.

Percentagem essa que, a nosso ver, retirará à cláusula a manifesta excessividade, sem que tal prejudique o seu carácter sancionatório.[13]

Consequentemente, o valor indemnizatório calculado com base na cláusula sexta do contrato celebrado entre as partes, com IVA incluído, será reduzido para 40.660,11€ [81.320,22€: 2 = 40.660,11€].

Como o valor aposto na letra dada à execução foi de 113.872,45€, a redução agora operada implicará que a presente execução prosseguirá tão-só para pagamento da quantia de 73.212,24€, acrescida dos respetivos juros de mora, contados, à taxa legal, a partir da data do vencimento constante da letra dada à execução e até integral e efetivo pagamento.

Deste modo, procede parcialmente o recurso interposto.[14]


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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil):

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DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo embargante AA e, em consequência, determina-se o prosseguimento da presente execução para o pagamento da quantia de 73.212,24€ (setenta e três mil duzentos e doze euros e vinte e quatro cêntimos), acrescida dos respetivos juros de mora, contados, à taxa legal, a partir da data do vencimento constante da letra dada à execução e até integral e efetivo pagamento.

As custas serão suportadas por embargante e embargada, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.

Porto, 10.7.2025

Eduardo Rodrigues Pires

Alberto Taveira

Alexandra Pelayo



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[1] Seguiu-se no essencial o relatório constante da sentença recorrida.
[2] Cfr. FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, “Contratos Privados”, Coimbra Editora, 2ª ed., Vol. III, pág. 60.
[3] Cfr. MENEZES CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil”, XII, “Contratos em Especial” (2ª parte), Almedina, 2020, págs. 697/698. [4] Cfr. MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pág. 712.
[5] Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 244.
[6] Cfr. Acórdãos do STJ de 12.9.2013, proc. 593/09.7TBCTB.L1.S1 (GRANJA DA FONSECA) e de 27.3.2008, proc. n.º 08B503 (SALVADOR DA COSTA), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[7] Também citado na sentença recorrida e nas contra-alegações apresentadas pela embargada.
[8] Também citado em sede de contra-alegações.
[9] Cfr. MENEZES CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil”, I, Parte Geral, Tomo IV, 2007, págs. 85/86.
[10] Cfr. JOSÉ BRANDÃO PROENÇA, “Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral”, 2018, Universidade Católica Editora, pág.1084.
 [11] Entre a jurisprudência aí referenciada apontam-se os Acórdãos da Relação de Coimbra de 10.7.2014, p. 3865/10.4 T2AGD.A.C1 (CATARINA GONÇALVES), disponível in www.dgsi.pt. e de 13.1.2009 (COSTA FERNANDES) in CJ, ano XXXIV, tomo I, págs. 13/17. 
[12] Citado nas alegações de recurso.
[13] Cfr. também Ac. Rel. Porto de 21.2.2018, p. 1057/12.7 TBVLG-A.P1, relator CARLOS GIL e Ac. STJ de 10.10.2013, p. 1303/11.4 T8GRD.C1.S1, relator ORLANDO AFONSO, disponíveis in www.dgsi.pt.
[14] Uma nota para referir ainda que a situação tratada no Ac. Rel. Porto de 20.2.2024 (p. 14056/22.1 T8PRT.P1, disponível in www.dgsi.p.), do presente relator e citado nas contra-alegações da recorrida, em apoio da sua posição no sentido da não redução da cláusula penal, tem contornos fáctico-jurídicos diferentes da que está em apreciação neste recurso.