Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1104/23.7T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
CONFIANÇA COM VISTA A FUTURA ADOÇÃO
Nº do Documento: RP202510131104/23.7T8PRD.P1
Data do Acordão: 10/13/2025
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não estando na génese da decisão de confiar um menor a instituição para adoção, em exclusivo ou de forma preponderante a sua situação de insuficiência económica, não se verifica a violação do previsto no artigo 8º da CEDH na interpretação que do mesmo é feita pelo TEDH.
II - A garantia de habitação por parte do Estado, enquanto direito social consagrado no artigo 65º da CRP não confere um direito imediato a uma prestação efetiva a favor do cidadão.
III - A criança tem direito a crescer num ambiente seguro, que lhe proporcione condições de saúde, acesso a formação, educação e um são desenvolvimento.
Prevalentemente em meio familiar e no seio da sua família biológica, junto dos seus progenitores por em princípio ser com quem manterá relações de afeto de qualidade e significativas, cuja continuidade deverá ser promovida.
IV - A prevalência da família biológica só não ocorrerá quando, e no que ora releva, os pais por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança, demonstrando-se ainda que inexistem ou estão seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação [vide artigo 1978º nº 1 al. d) do CC].
Ou quando os progenitores não garantirem a manutenção dos vínculos próprios da filiação enquanto o menor se mantem institucionalizado, nos termos previstos na al. e) do mesmo artigo 1978º.
V - A criança tem direito a crescer numa família e por isso deve em tempo útil ser definido o seu projeto de vida.
Não é legítimo que o menor se mantenha institucionalizado até que os progenitores adquiram as competências necessárias para do mesmo cuidar, porquanto não vai ao encontro do superior interesse do menor em se ver integrado num meio familiar onde lhe seja proporcionado estabelecer laços afetivos, securizantes e saudáveis que potenciem o seu são desenvolvimento tanto física como mentalmente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 1104/23.7T8PRD.P1

3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunta – Ana Paula Amorim

Adjunto – Nuno Marcelo Araújo

Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Jz. de Família e Menores de ...

Apelante/ AA e BB

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

A) Sob promoção do Ministério Público, foi instaurado a 19/05/2023 o presente processo de promoção e proteção a favor do menor:

CC, nascido a ../../2022.

Como fundamento para a indicada necessidade de acompanhamento da situação do menor através da aplicação de uma medida de proteção e consequente pedido de abertura de instrução nos termos dos artigos 72º nº 1, 73º e 79º da Lei 147/99 de 01/09 [Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP)] foi pelo MºPº alegado:

- ter sido sinalizada à CPCJP de ... o nascimento do CC, relatando ser a progenitora mãe de outros 3 filhos, tendo os dois mais velhos sido confiados a instituição com vista a futura adoção e tendo o mais novo sido entregue aos cuidados da avó materna.

Por seu turno sendo o progenitor pai de uma criança que terá estado acolhida em instituição e que atualmente estará entregue aos cuidados de uma prima;

- instaurado o processo de promoção e proteção a favor do menor CC os progenitores consentiram na intervenção;

- tendo os progenitores referido que iriam viver com a avó materna, contactada esta negou-o;

- não tendo os progenitores habitação para onde levar o recém-nascido, foi aplicada pela CPCJ a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, medida que os progenitores aceitaram, tendo o respetivo acordo de promoção e proteção sido subscrito em 13.12.2022;

- no decurso da execução da medida apurou-se que os progenitores residem numa habitação sem água, sem luz e contra a vontade da sua proprietária, que pretende que os mesmos abandonem o local;

- a progenitora não trabalha, passando os dias no centro de acolhimento, com o filho, com quem é afetuosa.

Por seu turno, o progenitor trabalha, auferindo cerca de € 800,00 mensais.

Não obstante, o casal gasta cerca de € 600,00 no café onde faz todas as refeições;

- para definição do projeto de vida do menor, é necessário que ambos os progenitores sejam sujeitos a perícias de psicologia forense, para o que é este processo remetido a tribunal.

B) Recebidos os autos e declarada aberta a instrução nos termos do artigo 106º nº 2 da LPCJP, foi em 22/05/2023:

. agendada audição dos progenitores;

. notificados os progenitores a requererem querendo a realização de diligências instrutórias;

. ordenada a elaboração de relatório social acerca da situação do menor;

. ordenada a realização de perícias de avaliação psicológica e psiquiátrica a ambos os progenitores, tendo como objeto

“Apurar se os progenitores possuem capacidade e idoneidade para o desempenho das capacidades e responsabilidades parentais, ou se esse desempenho se mostra de alguma forma comprometido;

Capacidade para cada um dos progenitores para reconhecer e satisfazer adequadamente as diversas necessidades da criança;

Avaliar os diversos aspetos que podem influenciar as competências parentais de cada um dos progenitores;

Apurar se algum dos progenitores padece de patologia e, em caso afirmativo, qual a repercussão dela no exercício das responsabilidades parentais.”.

C) Foi junto relatório social de avaliação pelo SIATT em 28/06/2023, relativo ao menor CC, tendo neste sido emitido o seguinte parecer técnico:

“Atendendo ao exposto, propomos a prorrogação da medida de acolhimento residencial, oportunamente aplicada a favor do CC, por nos parecer aquela que melhor salvaguarda a sua proteção e a satisfação das suas necessidades. Para que possa ser delineado o melhor projeto de vida para esta criança, aguardamos os relatórios das Perícias Médico-Legais de Psicologia e Psiquiatria solicitadas a ambos os progenitores, no sentido de serem avaliadas as respetivas capacidades parentais, os laços que os ligam ao CC, assim como a capacidade para, em tempo útil, protegerem e assegurarem o necessário bem-estar do mesmo, sem o auxílio permanente de terceiros, e bem assim para lhe imporem regras e limites estruturantes.”

D) Está junto em 04/07/2023 aos autos Acordo de Promoção e Proteção datado de 04/06/2023 ao abrigo do artigo 113º da LCPJP de aplicação de medida de proteção de acolhimento residencial – sendo o menor confiado à guarda e cuidados da Casa de Acolhimento A... nos termos do artigo 35º nº 1 al. f) e 50º e 51º da LCPJP com a duração de seis meses, findo o qual ficou prevista a reavaliação da situação;

E) Na mesma data de 04/07/2023 foi realizada conferência, no seu âmbito tendo:

- a Técnica Social autora do relatório referido em C) mantido o teor do mesmo, declarando ainda “A situação familiar atual deste casal, ou seja, a instabilidade e ausência de habitação condigna, não permite prosseguir na nossa intervenção, sendo que a procura de uma nova habitação será crucial para que consigamos avançar no processo. Existem ainda outros fatores que deverão ser tidos em conta, nomeadamente o desemprego da progenitora, que deverá ter uma procura/postura ativa na sua inserção profissional, sendo que já se encontra inscrita no Gabinete de Inserção Profissional de ... (GIP), bem como no IEPF.

Sugerimos ainda que nos parece de extrema importância realizar as avaliações periciais aos progenitores, para que possamos comprovar as suas competências parentais, bem como definir o melhor projeto de vida para o CC.

Aguardamos os relatórios das Perícias Médico-Legais de Psicologia e Psiquiatria solicitadas a ambos os progenitores, no sentido de serem avaliadas as respetivas capacidades parentais, os laços que os ligam ao CC, assim como a capacidade para, em tempo útil, protegerem e assegurarem o necessário bem-estar do mesmo, sem o auxílio permanente de terceiros, e bem assim para lhe imporem regras e limites estruturantes.

Assim de forma a se verificar a estabilidade da relação conjugal, somos do parecer, salvo melhor entendimento de Vossa Ex.ª, que se aplique a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial.”

- A técnica da casa de Acolhimento “A...” referido que “O CC é uma criança que reconhece a mãe, sendo a mesma uma figura de referência.

A mãe estabeleceu uma ligação com o CC.

O CC é um bebé de sete meses que só come e dorme (dormindo a noite toda), está bem desenvolvido, a mãe também o estimula muito nas visitas, notando-se ter capacidade de tomar conta do mesmo com orientação de terceiros.

Apesar de estar acolhido, está bem, sendo um bebé que palra bastante e está sempre a esboçar sorrisos.

Devido ao passado da mãe, que já é mãe de mais três crianças, duas das quais foram adotadas e a terceira está a cargo da avó materna, é necessário ver as competências da mãe sem que tenha ajuda de terceiros, pois é uma pessoa que a nível de competências de gestão de casa ainda tem muito trabalho a ser praticado.”

- e os progenitores em declarações dito:

A mãe “BB (…)

Vai visitar o filho todos os dias menos ao fim de semana, sábado porque nem sempre tem transporte e ao domingo porque a casa de acolhimento não permite, o pai só vai ao sábado por causa do trabalho.

Atualmente está desempregada, encontra-se inscrita no instituto de formação profissional.

Vive em casa da mãe em ..., com o seu filho de cinco anos e o marido, sendo uma estadia provisória, uma vez que se encontra à procura de casa, o que não tem sido fácil, uma vez que as rendas são altíssimas.

A casa é composta por três quartos, uma casa de banho, sala, cozinha, despensa e uma marquise.

Concorda com a medida sugerida pela técnica da segurança social de acolhimento residencial.”

O pai “AA (…)

Concorda com a medida sugerida pela técnica da segurança social de acolhimento residencial.”

Após o que, declarada “encerrada a fase de instrução.” e determinada “a imediata realização da Conferência para Obtenção de Acordo de Promoção e Proteção.”,

Foi decidido

“Considerando o teor do acordo que antecede, a posição assumida pelo Ministério Público e pela Segurança Social expressa no relatório já junto aos autos e tendo em atenção que o aludido acordo acautela suficientemente os interesses da criança, no sentido de lhe proporcionar as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, homologo por sentença o acordo que antecede, nos termos do disposto no artigo 113.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 147/99, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro, sendo aplicada à criança CC, nascido a ../../2022, a medida de acolhimento residencial.

A medida terá a duração de 6 (seis) messes.

Para acompanhamento da execução da medida ora aplicada, designo a Segurança Social.”

F) Em 14/09/2023 foi junto aos autos um primeiro Relatório Pericial Psicológico relativo ao progenitor AA, de cujas conclusões consta:

“O AA mostra-se disponível e colabora com o que lhe é solicitado. Revela um humor eutímico (normal). Postura natural, com colorido de ansiedade. A expressão facial é concordante com o discurso. Aparenta ter uma idade que corresponde à sua idade real, tem uma apresentação cuidada de acordo com o seu estatuto sociocultural. O seu discurso é claro e organizado. Não se observam alterações ao nível do pensamento. Consciente, lucido, orientado no tempo e no espaço, auto e alo-psiquicamente. Mantém a atenção ao longo da situação de exame não se apurando problemas em termos de memória.

Devido à complexidade dos assuntos em questão e face a impossibilidade de cumprirmos os objetivos estipulados, devido à falta de comparência à consulta agendada, não nos foi possível obter dados clínicos suficientes e conclusivos para tecermos qualquer tipo de consideração sobre as questões em análise, sendo necessário estar novamente com o examinando.”

Em 14/12/2023 foi junto relatório psicológico final relativo ao progenitor AA, do qual constam as seguintes conclusões:

“AA mostra-se disponível e colabora com o que lhe é solicitado. Revela um humor eutímico (normal), procurando controlar as emoções. Postura natural, mas imatura. A expressão facial é concordante com o discurso. Aparenta ter uma idade que corresponde à sua idade real, tem uma apresentação cuidada de acordo com o seu estatuto sociocultural.

O seu discurso é claro, organizado, mas pouco diferenciado. Não se observam alterações ao nível do pensamento. Consciente, lucido, orientado no tempo e no espaço, auto e alo-psiquicamente. Mantém a atenção ao longo da situação de exame não se apurando problemas em termos de memória. Expressão facial é concordante com o discurso.

Da avaliação instrumental destaca-se a existência de um pensamento paranoide, marcado por desconfiança interpessoal. Não foram apurados sintomas depressivos ou ansiosos, no entanto assume-se como sendo uma pessoa que facilmente fica nervosa.

A avaliação instrumental ficou marcada pela existência de desejabilidade social, no sentido de transmitir uma imagem valorizada de si. Durante a avaliação revelou capacidade em controlar as emoções, mesmo as mais negativas.

Ao nível da personalidade dos resultados obtidos pelo AA apurou-se que o mesmo parece evidenciar dificuldade em admitir as suas fragilidades e mudanças a empregar em si.

Revela-se pouco satisfeito com a natureza das suas relações interpessoais, que poderá estar relacionado com a desconfiança interpessoal que evidencia.

Relativamente às competências parentais através das entrevistas foi possível apurar a existência de algumas expectativas adequadas face à idade e desenvolvimento do filho.

Descreve o filho de forma positiva. Demonstra ter algum conhecimento sobre o seu desenvolvimento, através da informação que lhe será reportada pela figura materna, mas pouco envolvimento nas rotinas da criança. A prestação de cuidados básicos, parece ser realizada pela progenitora quando visita a criança, pelo que o examinando evidencia a necessidade de recurso a terceiros, de forma a garantir que os cuidados não ficam comprometidos. Refere a partilha de alguns momentos de proximidade com o filho nas situações em que o visita. O contacto com a criança parece ser pouco frequente.

Perceciona-se de forma positiva como pai, no entanto, revela dificuldades em compreender quais as suas reais fragilidades, no que diz respeito ao exercício da parentalidade.

Da sua história de vida apurou-se pouca proximidade com a família nuclear, baixa rede de suporte social, isolamento interpessoal e sem vínculos sociais de proximidade. Demonstra dificuldades em decidir, planear e avaliar as consequências das suas decisões, podendo as mesmas revelar-se desadequadas.

Enquanto progenitor, refere ter uma filha fruto de outra relação, com a qual não mantém contacto e quando aborda o assunto atribui tal facto a fatores externos.

Por outro lado, parece procurar assegurar as responsabilidades familiares a nível financeiro.

Destacam-se como fatores de risco: histórico de consumo de álcool na família, isolamento interpessoal, locus de controlo externo, distanciamento familiar, instabilidade financeira, impulsividade e dificuldade na tomada de decisão, fraca rede de suporte social, reduzidas estratégias de coping e imaturidade psicoafectiva.

Como fatores protetores significativos destacam-se: ausência de consumo de substâncias.

Face ao mencionado, o examinando necessita de terceiros de referência para assegurar as suas competências parentais básicas, de forma que estas não fiquem comprometidas.

A nível psicológico não se apurou sintomatologia de relevância clínica. Ao nível da personalidade evidencia imaturidade psicoafectiva que poderá interferir com o exercício da parentalidade.

Apesar de à data o examinando se mostrar motivado em cumprir com as suas responsabilidades e obrigações parentais, não parecem estar reunidas as condições necessárias que garantam o bem-estar desta criança. Salienta-se que se mantêm vários fatores de risco (sendo que a maioria são de carácter estável).

Desta forma, considera-se que se deverá manter um acompanhamento contínuo e de proximidade por parte dos diversos serviços, a esta família, tendo em conta as fragilidades evidenciadas. Pretende-se assim garantir que as necessidades da criança não ficam comprometidas, bem como supervisionar se os progenitores continuam a empregar esforços para manter a sua estabilidade familiar.”

G) Em 29/09/2023 foi junto aos autos um Relatório Pericial Psicológico relativo à progenitora BB, de cujas conclusões consta:

“BB mostra-se disponível no que diz respeito a este processo de avaliação. Colabora com o que lhe é solicitado. No que se refere ao seu aspeto físico aparenta ter uma idade que corresponde à sua idade real, tem uma apresentação cuidada de acordo com o seu estatuto sociocultural. Postura natural, com sinais de ansiedade. O seu discurso é claro e organizado. Não se observam alterações ao nível da linguagem, nem quanto à forma, curso ou conteúdo do pensamento. Consciente, lucida, orientada no tempo e no espaço, auto e alo-psiquicamente. Mantém a atenção ao longo da situação de exame, não se apurando problemas em termos de memória. Humor eutímico (normal), com colorido de ansiedade.

Expressão facial é concordante com o discurso. Revela ressonância afetiva.

Da avaliação instrumental destaca-se a existência de níveis elevados de ansiedade com características fóbicas, que levam à adoção de comportamentos de evitamento por medo persistente de uma situação, objeto ou pessoa, assim como obsessões e compulsões que incluem pensamentos, impulsos e ações de caracter persistente que o sujeito não consegue controlar. Manifesta ainda níveis moderados de hostilidade com pensamentos, sentimentos e ações que se traduzem pela irritabilidade, ressentimento e cólera, bem como sentimentos de inadequação pessoal, inferioridade e timidez, que poderá estar relacionado com a perceção das suas dificuldades.

A avaliação instrumental ficou marcada pela existência de desejabilidade social, no sentido de transmitir uma imagem valorizada de si. Durante a avaliação revelou capacidade em controlar as emoções, mesmo as mais negativas. Não foram apurados sintomas depressivos.

Ao nível da personalidade os resultados obtidos pela BB revelam que a mesma se sente satisfeita consigo mesmo, não considerando necessário realizar mudanças no seu comportamento. Nas relações interpessoais, demonstra um padrão de alguma passividade, com tendência para se retrair e dificuldade em impor-se, nas situações em que seria necessário.

Relativamente às competências parentais através das entrevistas foi possível apurar a existência de algumas expectativas adequadas face à idade e desenvolvimento do filho.

Descreve o filho de forma positiva. Demonstra ter conhecimento sobre o seu desenvolvimento, que tem procurado acompanhar. Evidencia competências em relação à prestação de cuidados básicos, com necessidade de recurso a terceiros, de forma a garantir que os cuidados não ficam comprometidos (fragilidades nas condições habitacionais, dificuldades financeiras...). Refere a partilha de momentos de proximidade com o filho.

Ao nível das práticas parentais não se verificou o recurso a práticas educativas desadequadas. Parece adotar uma postura passiva, com dificuldade na implementação de regras e limites. É capaz de ser afetuosa.

Perceciona-se como uma mãe protetora, no entanto, revela dificuldades em compreender quais as suas fragilidades no que diz respeito ao exercício da parentalidade.

Da sua história de vida apurou-se instabilidade laboral, marcada por trabalhos que mantém por curtos períodos de tempo e longos períodos de desemprego, com impacto na sua condição financeira; um padrão disfuncional nas relações afetivas, pouco duradouras e com gravidezes não planeadas. Demonstra dificuldades em decidir, planear e avaliar as consequências das suas decisões, podendo as mesmas revelar-se desadequadas. Ao nível da dinâmica familiar verificou-se uma relação de proximidade com a figura materna, mas distanciamento com a fratria e restante família alargada. Revela uma baixa rede de suporte social, isolamento interpessoal, sem vínculos sociais de proximidade, que parece estar relacionado com a desconfiança relacional que evidencia.

Ao longo do seu percurso de vida, enquanto progenitora, constatam-se dificuldades em assegurar algumas das necessidades dos seus filhos, tais como proteção, segurança, desenvolvimento e de estabilidade emocional, sendo que da fratria, três crianças terão sido institucionalizadas e uma estará sob a tutela da avó materna. Quando aborda o assunto considera que estas situações se devem a fatores externos.

Destacam-se como fatores de risco: isolamento interpessoal, locus de controlo externo, distanciamento familiar, instabilidade laboral, instabilidade financeira, relações afetivas pouco duradouras, gravidezes não planeadas, impulsividade e dificuldade na tomada de decisão, histórico de institucionalização, fraca rede de suporte social, reduzidas estratégias de coping e imaturidade psicoafectiva.

Como fatores protetores significativos destacam-se: ausência de consumo de substâncias, competências em relação à prestação de cuidados básicos, capacidade em ser afetuosa, acompanhamento de proximidade ao seu filho CC e motivação e desejo em cuidar do filho.

Face ao mencionado, a examinanda revela competências parentais básicas, sendo necessário o recurso a terceiros de referência de forma que estas não fiquem comprometidas. Revela uma postura passiva, com dificuldades na implementação de regras e limites. Revela nutrir afetos positivos pela criança e preocupação face à mesma.

A nível psicológico apuraram-se algumas fragilidades, que poderão estar relacionadas com a situação vivenciada. Ao nível da personalidade evidencia imaturidade psicoafectiva que poderá interferir com o exercício da parentalidade.

Apesar de à data a examinanda se mostrar motivada em cumprir com as suas responsabilidades e obrigações parentais, existem várias fragilidades que poderão condicionar o bem-estar desta criança. Salienta-se que se mantêm vários fatores de risco (sendo que a maioria são de carácter estável).

Desta forma, considera-se que se deverá manter um acompanhamento contínuo e de proximidade por parte dos diversos serviços, a esta família, tendo em conta as fragilidades evidenciadas. Pretende-se assim garantir que as necessidades da criança não ficam comprometidas, bem como supervisionar se os progenitores continuam a empregar esforços para manter a sua estabilidade familiar.”

H) Em 27/01/2024 é junto novo relatório pelo SIATT datado de 26/01/24 de cujas conclusões consta a proposta de “prorrogação da medida de acolhimento residencial, oportunamente aplicada a favor do CC, por nos parecer aquela que melhor salvaguarda a sua proteção e a satisfação das suas necessidades. Aguardamos os relatórios das Perícias Médico-Legais de Psicologia e Psiquiatria solicitadas a ambos os progenitores, para que possa ser delineado o melhor projeto de vida para o CC que tem 14 meses e está acolhido desde que nasceu.”

Notificados os interessados do seu teor, dirigiu o progenitor AA em 06/02/2024 aos autos mail em que fez constar:

“Quero informar que sobre o processo do meu filho vi informações que não está correto. Informação em como falto muito ao trabalho e também a informação que o companheiro da minha cunhada vive ca isso é mentira porque ele não vive cá e eu sempre trabalho so falto em caso de ser mesmo nessessario ta.”

I) Em 27/02/2024 foi decidido:

“Por se mostrarem os fatores de risco que determinaram a aplicação a CC da medida de promoção e proteção em execução, que se mostra como única para afastar os perigos ainda existentes, determina-se a manutenção da medida de acolhimento familiar por mais 6 (seis) meses.”

J) Em 03/07/2024 a progenitora junta requerimento a pedir declaração do tribunal para requerer atribuição de habitação social junto da Câmara ..., para ser possível ficar com o filho junto dela.

K) Foi junto novo relatório pela ISS de acompanhamento da execução da medida em 06/08/2024 elaborado pela mesma técnica dos relatórios mencionados em C) e E), do qual consta o seguinte parecer:

“O CC nasceu no dia ../../2022 e encontra-se acolhido na Casa de Acolhimento Residencial “A...” desde o dia 13/12/2022, depois de ter saído do Centro Hospitalar ... onde nasceu.

Decorridos quase 20 meses após o acolhimento residencial, continuam a não estar reunidas as condições necessárias para que se possa perspetivar a reunificação familiar do CC em tempo útil.

Os progenitores mostram-se acomodados ao acolhimento residencial do filho e a cada revisão da medida propõem a prorrogação da mesma por mais algum tempo que lhes permita arrendarem uma casa. No entanto o progenitor encontra-se desempregado desde o passado mês de fevereiro, embora o negue e a progenitora iniciou atividade laboral há cerca de 3 meses. Nas visitas ao CC a progenitora mostra dificuldades crescentes em lidar com as necessidades do filho.

Lembramos que a progenitora tem três filhos de anteriores relacionamentos. Dois deles foram adotados e o terceiro foi confiado à avó materna tendo sido as responsabilidades parentais devidamente reguladas.

O progenitor tem uma filha de um relacionamento anterior que se encontra a viver com a madrinha depois de ter estado acolhida. A avó materna tem 60 anos, já é responsável pelo neto DD de 7 anos que apresenta necessidades educativas especiais e embora se mostre disponível para cuidar do CC, no caso de o neto integrar o seu agregado, não o visita e mal o conhece.

Assim, entendemos que urge definir um projeto de promoção e proteção que não prolongue o acolhimento residencial do CC para além do estritamente necessário, uma vez que a evidência científica existente aponta para as consequências danosas e potencialmente irreversíveis do acolhimento residencial prolongado no desenvolvimento das crianças, em particular das crianças com menos de 6 anos, com potencial impacto negativo no futuro ao nível do controlo dos impulsos, da saúde mental e da capacidade de estabelecer vínculos.

Atendendo ao exposto e de acordo com o parecer da equipa técnica da Casa de Acolhimento Residencial “A...”, propomos a substituição da medida de acolhimento residencial, oportunamente aplicada a favor do CC, pela medida de confiança a instituição com vista a futura adoção por nos parecer a medida que melhor acautela as necessidades e o superior interesse desta criança de 20 meses, que se encontra acolhida desde que nasceu, no sentido de crescer num ambiente familiar sensível, responsivo e estruturante.”

L) Foi agendado novo dia para a audição “dos progenitores e da técnica da EMAT que faz o acompanhamento da situação, nos termos do artigo 107.º, n.º 1, da Lei n.º 147/99”.

Nesta audiência, realizada a 05/12/2024, foi informado e declarado o seguinte:

“Pelas legais representantes do centro de acolhimento temporário A..., Dra. EE e Dra. FF, e pela Técnica da segurança social, Dr.ª GG melhor identificadas nos autos foi referido que:

Confirmam na íntegra o que consta do relatório junto aos autos e mantêm o parecer no sentido de as crianças serem confiados à instituição com vista a futura adoção.


*

(...)

Pelo pai da criança, AA, melhor identificado nos autos foi referido que:

Encontra-se a trabalhar em ..., começou a trabalhar em meados de outubro, recebendo €250,00 (duzentos e cinquenta euros) semanais, mas não tem contrato de trabalho, porque o patrão só no início do ano é que o vai colocar como efetivo.

Costuma visitar o filho ao sábado.

Não dá o consentimento para que o filho seja confiado a instituição com vista a futura adoção.


*

Pela mãe da criança, BB, melhor identificada nos autos foi referido que:

Ainda não têm habitação própria, atualmente ajuda uma senhora num café e recebe cerca de €15,00 (quinze euros) por dia, dependendo das horas que trabalhar. Não é trabalho certo.

O filho fez anos no dia 23 de novembro e foram visitar o menino.

Não dá o consentimento para que o filho seja confiado a instituição com vista a futura adoção.

(…)

Concedida a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, pela mesma foi dito:

Tendo em conta o declarado pelos interessados, promovo a notificação dos mesmos, nos termos do disposto no artigo 114.º da LPCJP”.

Após tendo sido proferido o seguinte despacho:

“Uma vez que não foi possível obter o acordo entre os presentes quanto ao projeto de vida da criança e face ao declarado pelos interessados, diligencie pela nomeação de patrono aos progenitores.

Após, notifique nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 114.º da LPCJP.

Juntas as alegações ou decorrido tal prazo, indique os Juízes Sociais e abra conclusão para admissão da prova.

Mantém-se a medida de promoção e proteção já aplicada até à realização do debate judicial e prolação do acórdão.”

M) Alegaram:

- o progenitor AA em 23/12/2024, pugnando a final pela improcedência do “peticionado pelo Ministério Público, aplicando-se, ao invés, a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, ou apoio junto de outro familiar, fazendo ingressar o menor no agregado familiar de origem, só assim, fazendo prevalecer o superior interesse do menor”;

- a progenitora BB em 23/12/2024, requerendo a final “DEVE A DECISÃO DE CONFIAR O MENOR A UMA INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOÇÃO SER DECLARADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADO NOS TERMOS DO ARTIGO 1978º DO CÓDIGO CIVIL, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”

N) Agendado debate judicial nos termos do artigo 114º da LPCJP e realizado o mesmo (com participação de Juízes Sociais) em 06/02/2025, veio a ser proferida decisão (em 15/05/2025) aplicando ao menor CC a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção, nos termos do segmento decisório que aqui se reproduz;

“procedendo à revisão da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial aplicada em benefício da criança CC, filho de AA e de BB, este coletivo misto delibera em:

. Declarar cessada a medida de acolhimento residencial;

. Em substituição dessa medida, aplicar, em benefício da criança CC, a medida de promoção e proteção de confiança à instituição Casa de Acolhimento Residencial (CAR) “A...”, com vista à adoção;

. Decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais pelos progenitores;

. Decretar a cessação dos convívios da família biológica com a criança;

. Nomear o(a) Exmo.(a) Sr.(a) Diretor(a) da instituição Casa de Acolhimento Residencial (CAR) “A...”, sita em ..., como curador(a) provisório(a) da criança.”


***

*


Inconformados com a decisão proferida, dela interpuseram os progenitores recurso.

Interpôs recurso o progenitor AA recurso de apelação, apresentando alegações, a final formulando as seguintes conclusões:

(…)


*

Interpôs a progenitora BB recurso de apelação, oferecendo alegações e a final formulando as seguintes

“Conclusões:

(…)


*

Foram apresentadas contra-alegações pelo MºPº pugnando pela improcedência do recurso, face ao bem decidido pelo tribunal a quo.

*

Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.

O tribunal a quo, na sequência do determinado por este tribunal, pronunciou-se no sentido da não verificação das arguidas nulidades imputadas à decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.


***

II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC [Código de Processo Civil] – resulta das formuladas pelos apelantes serem questões a apreciar:

- nulidade da decisão recorrida;

- erro ou omissão na decisão de facto;

- errada aplicação do direito em função da factualidade apurada.


***

III- Fundamentação

Foram julgados provados pelo tribunal a quo os seguintes factos:

1 - CC, nascido a ../../2022 é filho de AA e de BB.

2 – No dia 25 de novembro de 2022, foi efetuada sinalização pelo serviço social do Centro Hospitalar ..., relatando que a progenitora é mãe de outros três filhos, tendo os dois mais velhos sido confiados a instituição com vista a futura adoção e tendo o mais novo sido entregue aos cuidados da avó materna; relatava ainda que progenitor é pai de uma criança que terá estado acolhida em instituição e que atualmente estará entregue aos cuidados de uma prima.

3 – Uma vez instaurado processo de promoção e promoção a favor do CC, junto da CPCJ de ..., foram ouvidos os progenitores, que prestaram consentimento para a intervenção e referiram que iriam viver com a avó materna.

4 – A CPCJ contactou a avó materna que negou que tal fosse suceder, mostrando-se igualmente indisponível para receber outro neto.

5 – À data da intervenção da CPCJ, os progenitores não tinham habitação para onde levar o recém-nascido, pelo que no dia 6 de dezembro de 2022, a CPCJ deliberou aplicar a favor da criança uma medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, medida que os progenitores aceitaram, tendo o respetivo acordo de promoção e proteção sido subscrito a 13 de dezembro de 2022.

6 – No decurso da execução da medida, a CPCJ apurou que os progenitores residiam numa habitação sem água, sem luz e contra a vontade da sua proprietária, que pretendia que os mesmos abandonassem o local, tendo igualmente apurado que CPCJ “O progenitor encontra-se desempregado e a progenitora tem o RSI suspenso. O progenitor não trabalha, apesar de dizer que faz «biscates» na construção civil, não possuímos qualquer comprovativo que sustente tal afirmação. (…) Não existe ninguém que os possa auxiliar. (...). De momento, o recémnascido não tem onde viver com um mínimo de condições”.

7 – Aquando da aplicação da medida pela CPCJ, a progenitora não trabalhava, passando os dias no centro de acolhimento, com o filho, com quem era afetuosa.

8 – Por seu turno, o progenitor trabalhava, auferindo cerca de €800,00 (oitocentos euros) mensais.

9 – A CPCJ apurou ainda que o casal gastava cerca de €600,00 (seiscentos euros) no café, onde faziam todas as refeições.

10 – O CC encontra-se acolhido na Casa de Acolhimento Residencial (CAR) “A...”, em ..., desde o dia 13 de dezembro de 2022.

11 – Nos primeiros meses após o acolhimento do CC, a progenitora passava os dias na CAR com o filho sendo a cuidadora privilegiada do mesmo.

12 – Na mesma altura, nas visitas à CAR foi observado que existia uma boa interação mãe/bebé, sendo percetível uma boa estimulação/interação com o bebé, revelando a mãe expressões de contentamento e reagindo o bebé com o olhar para com a mãe, sendo que ocasionalmente sorria; a mãe respondia prontamente ao comportamento do bebé, revelando estar atenta e em alerta, questionando sempre o horário da amamentação, preocupando-se quando o bebé estava a dormir mais do que o normal, sendo orientada para o ir estimulando para o acordar com calma e tranquilidade; frequentemente brincava com o bebé, sendo constantes as suas vocalizações para o bebé, conseguindo-o tranquilizar; quanto ao progenitor, este era mais passivo na sua interação com o bebé e menos responsivo.

13 – Nos primeiros meses de acolhimento do CC, a avó materna nunca contactou a CAR nem visitou o CC desde que foi acolhido.

14 – No mesmo período, a avó paterna chegou a contactar a equipa técnica da CAR e a pedir visitas, mas a equipa optou por não marcar devido aos conflitos entre os progenitores e a avó paterna.

15 – Os progenitores casaram a 19 de outubro de 2022.

16 – O CC é o quarto filho da progenitora, BB, e o segundo filho do progenitor, AA.

17 – Os irmãos uterinos do CC, HH, nascida a ../../2010 e II, nascido a ../../2012, estiveram acolhidos na Casa de Acolhimento Residencial “B...” em ... e foi aplicada, a favor dos mesmos, a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, concretizada para ambos em 2014.

18 – A HH foi acolhida no dia 4 de agosto de 2011, com 8 meses e o II foi acolhido no dia 26 de julho de 2012, com 3 dias de vida.

19 – Segundo a equipa técnica da CAR onde aquelas crianças estiveram acolhidas (referida em 17), foi tentada a reunificação familiar junto dos progenitores, sem sucesso, sendo que a progenitora beneficiou de acompanhamento psicossocial e de intervenção ao nível das competências parentais prestada pelo Centro de Apoio à Vida da ... (Associação ...); uma tia materna da progenitora, de nome JJ, tê-la-á ajudado a reorganizar-se e a gerir o dinheiro que a mesma recebeu após a morte do pai, com o qual terá adquirido casa própria em ...; nessa altura, a progenitora vivia com o progenitor da HH e do II na referida habitação, mobilada e decorada, com boas condições de habitabilidade, mas com sinais de desorganização e de gestão inconsequente dos rendimentos herdados que rapidamente se terão esgotado; foram identificadas limitações significativas à progenitora, em termos cognitivos e não sendo encontradas alternativas na família alargada, foi aplicada a medida de adoção a favor da HH e do II.

20 – O irmão uterino, DD, nascido a ../../2017 está entregue aos cuidados da avó materna, BB, tendo sido homologado acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais em julho de 2019; junto da progenitora foi apurado que a mesma esteve acolhida “numa casa de mães solteiras (Comunidade de Inserção) em ... com o DD durante um ano e pouco” após o nascimento do DD, acrescentando que “depois o tribunal entregou o DD à minha mãe (…) por causa do pai dele”.

21 – A irmã consanguínea, KK, nascida a ../../2017, esteve acolhida na Casa de Acolhimento Residencial “A...” (onde está acolhido o CC) de 19 de junho de 2017 a 28 de novembro de 2017 e está entregue aos cuidados da prima paterna e madrinha, LL, residente em ..., tendo sido homologado acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais em outubro de 2019.

22 – Os progenitores encontram-se a residir na casa da avá materna do CC desde o dia 27 de maio de 2023, com autorização da Câmara Municipal ... para ali permanecerem pelo período de seis meses, pelo que o agregado reside em habitação camarária, num apartamento de tipologia T3, arrendado por €223,00 (duzentos e vinte e três euros); os progenitores ocupam um dos três quartos e o irmão uterino do CC dispõe de quarto próprio, mas, segundo a progenitora, quer dormir com a avó.

23 – A avó materna é viúva e exerce atividade laboral desde fevereiro de 2021, na empresa “C..., SA”, exercendo a função de ajudante de cozinha na Escola Básica ..., em ...; trabalha de segunda a sexta das 10h às 14h (4 horas diárias), auferindo a remuneração mensal base de €355,60 (trezentos e cinquenta e cinco euros e sessenta cêntimos); ao nível da saúde, referiu ser acompanhada no Centro de Saúde ... e em consulta de especialidade no Hospital ... por ter problemas de memória.

24 – O progenitor, após o acolhimento do CC, iniciou atividade laboral na fábrica de móveis “D...”, em ..., auferindo, à data, a remuneração mensal base de €800,00 (oitocentos euros), mas depois de ter ido residir para ..., deixou o trabalho na fábrica e começou a trabalhar na construção civil, no dia 7 de junho de 2023, sem contrato e a receber o salário mínimo nacional.

25 – A progenitora encontrava-se à data desempregada, sem rendimentos, sendo que beneficiou da prestação de rendimento social de inserção, que foi suspensa quando esteve a cumprir pena de prisão entre 31 de agosto e 23 de setembro de 2022.

26 – A equipa técnica da CAR “A...” reportou, em junho de 2023, que “a progenitora integrou um projeto de parentalidade positiva, realizado pela estagiária de educação social, que teve como objetivo a orientação para a promoção e desenvolvimento ao nível das funções parentais sobre a alimentação, a vacinação, as consultas, a higiene pessoal e segurança e o desenvolvimento do bebé. De salientar que ainda existiu uma sessão onde a mãe foi ajudada a elaborar um currículo vitae, para que se começasse a trabalhar as questões relacionadas com a sua inserção profissional. Percebemos que a progenitora tem curso de estofos, informática, pintora e decoradora de cerâmica, como experiência profissional, verificamos que teve experiência como ajudante de cozinha, auxiliar de cantina, foi voluntária numa associação para crianças com paralisia cerebral, distribuidora de publicidade e empregada de balcão e mesa. Foram realizadas seis sessões de intervenção. No decurso das sessões podemos referir que a progenitora esteve atenta aos conteúdos falados, sendo interventiva, questionando as suas dúvidas”.

27 – A Dra. MM do Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social (SAAS) de ... elaborou a seguinte informação datada de 15 de junho de 2023: “Família nuclear composta por casal e 1 descendente menor. O menor CC encontra-se institucionalizado na Casa de Acolhimento Residencial “A...” após alta hospitalar do serviço social do Centro Hospitalar ... a 13/12/2022. (…) O agregado familiar reside numa habitação de tipologia T3 arrendada, com fracas condições de habitabilidade, ao nível da organização e higiene habitacional. De salientar, que o espaço habitacional não possui água nem eletricidade. Atualmente, a fonte de rendimentos da família é proveniente do trabalho do Sr. AA. O agregado familiar encontra-se com a prestação de Rendimento Social de Inserção (RSI) suspensa desde 01/03/2023, devido aos rendimentos de trabalho do Sr. AA. A Sr.ª BB é desempregada de longa duração, encontrando-se inscrita no Centro de Emprego .... Atualmente, a família está a ser acompanhada pela equipa de Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social (SAAS) de ... desde Dezembro de 2022. O casal apresenta um percurso profissional pautado pela precaridade e instabilidade. O acompanhamento da equipa do SAAS é ao nível da procura ativa de emprego para o Sr. AA, tendo o mesmo obtido a sua inserção profissional a 18/01/2023 numa empresa de mobiliário em ... como marceneiro. Como a Sr. BB tem experiência profissional na área de geriatria, foi proposta a sua inscrição no Centro de Emprego ..., no sentido de obter ofertas de emprego. Aquando do primeiro contacto com o Sr. AA, o mesmo referiu a existência de endividamentos referente à renda (cerca de 6 meses), tendo a senhoria procedido ao corte de eletricidade, impossibilitando o acesso à luz e água. A senhoria pretende que o agregado familiar abandone a habitação. Nesse sentido, o Sr. AA demonstra pouca iniciativa para a resolução dos seus problemas. Assim sendo, a equipa de SAAS, incentivou e apoiou na procura de nova habitação, tendo facultado contactos de proprietários de habitações disponíveis em ... e ..., mas sem sucesso. A Sr.ª BB tem procurado habitações na freguesia ..., mas até à data sem resposta. Abordou-se com a família a possibilidade de se inscreverem em habitação social em ..., tendo referido estarem inscritos. No entanto, tivemos a confirmação que até à data ainda não efetuaram a sua inscrição em habitação social. A família obteve autorização para residir temporariamente com a progenitora da Sr.ª BB em ..., em habitação social. Desde junho de 2023 que residem em .... O agregado familiar numa primeira fase beneficiou de apoio alimentar da Cantina Social da Associação ..., tendo posteriormente acesso ao apoio alimentar POAPMC, atendendo aos rendimentos do agregado familiar. Tivemos conhecimento que a Sr.ª BB se encontra a frequentar sessões de parentalidade positiva com a equipa do ... ... Integra. Em suma é um agregado familiar que apesar de não serem proactivos na resolução dos seus problemas, quando orientados conseguem cumprir com as propostas definidas”.

28 – Do relatório de perícia médico-legal de psicologia realizado à pessoa do progenitor AA resultou o seguinte: “Da avaliação instrumental destaca-se a existência de um pensamento paranoide, marcado por desconfiança interpessoal. Não foram apurados sintomas depressivos ou ansiosos, no entanto assume-se como sendo uma pessoa que facilmente fica nervosa. A avaliação instrumental ficou marcada pela existência de desejabilidade social, no sentido de transmitir uma imagem valorizada de si. Durante a avaliação revelou capacidade em controlar as emoções, mesmo as mais negativas. Ao nível da personalidade dos resultados obtidos pelo AA apurou-se que o mesmo parece evidenciar dificuldade em admitir as suas fragilidades e mudanças a empregar em si. Revela-se pouco satisfeito com a natureza das suas relações interpessoais, que poderá estar relacionado com a desconfiança interpessoal que evidencia. Relativamente às competências parentais através das entrevistas foi possível apurar a existência de algumas expectativas adequadas face à idade e desenvolvimento do filho. Descreve o filho de forma positiva. Demonstra ter algum conhecimento sobre o seu desenvolvimento, através da informação que lhe será reportada pela figura materna, mas pouco envolvimento nas rotinas da criança. A prestação de cuidados básicos, parece ser realizada pela progenitora quando visita a criança, pelo que o examinando evidencia a necessidade de recurso a terceiros, de forma a garantir que os cuidados não ficam comprometidos. Refere a partilha de alguns momentos de proximidade com o filho nas situações em que o visita. O contacto com a criança parece ser pouco frequente. Perceciona-se de forma positiva como pai, no entanto, revela dificuldades em compreender quais as suas reais fragilidades, no que diz respeito ao exercício da parentalidade. Da sua história de vida apurou-se pouca proximidade com a família nuclear, baixa rede de suporte social, isolamento interpessoal e sem vínculos sociais de proximidade. Demonstra dificuldades em decidir, planear e avaliar as consequências das suas decisões, podendo as mesmas revelar-se desadequadas. Enquanto progenitor, refere ter uma filha fruto de outra relação, com a qual não mantém contacto e quando aborda o assunto atribui tal facto a fatores externos. Por outro lado, parece procurar assegurar as responsabilidades familiares a nível financeiro. Destacam-se como fatores de risco: histórico de consumo de álcool na família, isolamento interpessoal, locus de controlo externo, distanciamento familiar, instabilidade financeira, impulsividade e dificuldade na tomada de decisão, fraca rede de suporte social, reduzidas estratégias de coping e imaturidade psicoafectiva. Como fatores protetores significativos destacam-se: ausência de consumo de substâncias. Face ao mencionado, o examinando necessita de terceiros de referência para assegurar as suas competências parentais básicas, de forma que estas não fiquem comprometidas. A nível psicológico não se apurou sintomatologia de relevância clínica. Ao nível da personalidade evidencia imaturidade psicoafectiva que poderá interferir com o exercício da parentalidade. Apesar de à data o examinando se mostrar motivado em cumprir com as suas responsabilidades e obrigações parentais, não parecem estar reunidas as condições necessárias que garantam o bem-estar desta criança. Salienta-se que se mantêm vários fatores de risco (sendo que a maioria são de carácter estável). Desta forma, considera-se que se deverá manter um acompanhamento contínuo e de proximidade por parte dos diversos serviços, a esta família, tendo em conta as fragilidades evidenciadas. Pretende-se assim garantir que as necessidades da criança não ficam comprometidas, bem como supervisionar se os progenitores continuam a empregar esforços para manter a sua estabilidade familiar”.

29 – Do relatório de perícia médico-legal de psicologia realizado à pessoa da progenitora BB resultou o seguinte: “Da avaliação instrumental destaca-se a existência de níveis elevados de ansiedade com características fóbicas, que levam à adoção de comportamentos de evitamento por medo persistente de uma situação, objeto ou pessoa, assim como obsessões e compulsões que incluem pensamentos, impulsos e ações de caracter persistente que o sujeito não consegue controlar. Manifesta ainda níveis moderados de hostilidade com pensamentos, sentimentos e ações que se traduzem pela irritabilidade, ressentimento e cólera, bem como sentimentos de inadequação pessoal, inferioridade e timidez, que poderá estar relacionado com a perceção das suas dificuldades. A avaliação instrumental ficou marcada pela existência de desejabilidade social, no sentido de transmitir uma imagem valorizada de si. Durante a avaliação revelou capacidade em controlar as emoções, mesmo as mais negativas. Não foram apurados sintomas depressivos. Ao nível da personalidade os resultados obtidos pela BB revelam que a mesma se sente satisfeita consigo mesmo, não considerando necessário realizar mudanças no seu comportamento. Nas relações interpessoais, demonstra um padrão de alguma passividade, com tendência para se retrair e dificuldade em impor-se, nas situações em que seria necessário. Relativamente às competências parentais através das entrevistas foi possível apurar a existência de algumas expectativas adequadas face à idade e desenvolvimento do filho. Descreve o filho de forma positiva. Demonstra ter conhecimento sobre o seu desenvolvimento, que tem procurado acompanhar. Evidencia competências em relação à prestação de cuidados básicos, com necessidade de recurso a terceiros, de forma a garantir que os cuidados não ficam comprometidos (fragilidades nas condições habitacionais, dificuldades financeiras...). Refere a partilha de momentos de proximidade com o filho. Ao nível das práticas parentais não se verificou o recurso a práticas educativas desadequadas. Parece adotar uma postura passiva, com dificuldade na implementação de regras e limites. É capaz de ser afetuosa. Perceciona-se como uma mãe protetora, no entanto, revela dificuldades em compreender quais as suas fragilidades no que diz respeito ao exercício da parentalidade. Da sua história de vida apurou-se instabilidade laboral, marcada por trabalhos que mantém por curtos períodos de tempo e longos períodos de desemprego, com impacto na sua condição financeira; um padrão disfuncional nas relações afetivas, pouco duradouras e com gravidezes não planeadas. Demonstra dificuldades em decidir, planear e avaliar as consequências das suas decisões, podendo as mesmas revelar-se desadequadas. Ao nível da dinâmica familiar verificou-se uma relação de proximidade com a figura materna, mas distanciamento com a fratria e restante família alargada. Revela uma baixa rede de suporte social, isolamento interpessoal, sem vínculos sociais de proximidade, que parece estar relacionado com a desconfiança relacional que evidencia. Ao longo do seu percurso de vida, enquanto progenitora, constatam-se dificuldades em assegurar algumas das necessidades dos seus filhos, tais como proteção, segurança, desenvolvimento e de estabilidade emocional, sendo que da fratria, três crianças terão sido institucionalizadas e uma estará sob a tutela da avó materna. Quando aborda o assunto considera que estas situações se devem a fatores externos. Destacam-se como fatores de risco: isolamento interpessoal, locus de controlo externo, distanciamento familiar, instabilidade laboral, instabilidade financeira, relações afetivas pouco duradouras, gravidezes não planeadas, impulsividade e dificuldade na tomada de decisão, histórico de institucionalização, fraca rede de suporte social, reduzidas estratégias de coping e imaturidade psicoafectiva. Como fatores protetores significativos destacam-se: ausência de consumo de substâncias, competências em relação à prestação de cuidados básicos, capacidade em ser afetuosa, acompanhamento de proximidade ao seu filho CC e motivação e desejo em cuidar do filho. Face ao mencionado, a examinanda revela competências parentais básicas, sendo necessário o recurso a terceiros de referência de forma que estas não fiquem comprometidas. Revela uma postura passiva, com dificuldades na implementação de regras e limites. Revela nutrir afetos positivos pela criança e preocupação face à mesma. A nível psicológico apuraram-se algumas fragilidades, que poderão estar relacionadas com a situação vivenciada. Ao nível da personalidade evidencia imaturidade psicoafectiva que poderá interferir com o exercício da parentalidade. Apesar de à data a examinanda se mostrar motivada em cumprir com as suas responsabilidades e obrigações parentais, existem várias fragilidades que poderão condicionar o bem-estar desta criança. Salienta-se que se mantêm vários fatores de risco (sendo que a maioria são de carácter estável). Desta forma, considera-se que se deverá manter um acompanhamento contínuo e de proximidade por parte dos diversos serviços, a esta família, tendo em conta as fragilidades evidenciadas. Pretende-se assim garantir que as necessidades da criança não ficam comprometidas, bem como supervisionar se os progenitores continuam a empregar esforços para manter a sua estabilidade familiar”.

30 – A 26 de janeiro de 2024, a EMAT juntou novo relatório, constando de relevante o seguinte: “A equipa técnica da Casa de Acolhimento Residencial “A...” conclui, no seu relatório de 23/12/2023: “A situação familiar atual deste casal ainda apresenta uma grande fragilidade. Ainda estão a viver em casa da avó materna do CC (D. BB). Continua a ser importante ter em conta outros fatores nomeadamente o desemprego da progenitora, que deverá ter uma procura mais ativa na sua inserção profissional. Será também importante saber o resultado das perícias realizadas à progenitora. Considerando tudo o que foi referido, consideramos que a situação dos progenitores é muito frágil, quer ao nível da habitação, ao nível do trabalho, e ainda da demonstração da capacidade de sozinhos serem capazes de responder a todas as necessidades do CC. Face ao exposto e tendo em conta que ainda não temos o resultado das perícias, consideramos que a medida deverá ser prorrogada por 6 meses, sendo que se no final deste período, não existirem alterações, deve-se ponderar a realização de um outro projeto de vida para o CC”.

31 – No relatório junto pela EMAT a 6 de agosto de 2024, consta que “A mãe do CC iniciou atividade profissional em maio de 2024, num café sedeado em ..., mas sem vínculo contratual. Refere auferir o salário mínimo nacional e que se encontra em fase experimental pelo período de três meses. O horário de trabalho da D. BB não é sempre o mesmo alternando entre manhãs e noites, quando trabalha da parte da manhã fá-lo das 12:00h ás 16:00h e à noite das 18:00h ás 2:00h da manhã. Uma vez que a D. BB iniciou atividade profissional, as visitas ao CC tiveram um decréscimo, no entanto, durante o período que realiza visita é a cuidadora privilegiada do CC. No decorrer dos últimos meses, a mãe tem apresentado alguma dificuldade em dar a alimentação ao CC, uma vez que este faz inúmeras birras. (…) Importa ainda referir que no dia 01/08/2024 os progenitores estiveram reunidos com a equipa da Casa de Acolhimento A.... Quando questionados sobre as alterações significativas que tiveram na sua vida, para garantir todo o bem-estar do CC, reconheceram que não tiveram grande evolução. A situação do casal encontra-se praticamente igual aquando do acolhimento do CC na CAR. O casal não consegue definir um período para que possa ocorrer a mudança de habitação, ou prestativa mudança na sua vida para evoluir no processo de avaliação/capacidade de competências parentais. Os pais do CC continuam a residir em ...-..., junto da avó materna do CC. A D. BB refere que se tem esforçado imenso na procura de habitação, mas até à data não encontraram qualquer tipo de resposta. Foi-nos solicitada uma cópia do último despacho de revisão da medida para que os pais conseguissem efetivar inscrição em habitação social no município ..., no entanto, segundo nos referiram, essa inscrição não pode ser efetuada porque o casal não reside em ... há mais de dois anos”, acrescentando-se que “A equipa técnica da CAR reporta que “após a inserção laboral da D. BB as visitas sofreram um decréscimo, sendo que visita o filho em média duas vezes por semana. As visitas do Sr. AA passaram a ser ainda mais escassas, sendo que quando passa períodos mais longos sem efetuar visita o CC, no primeiro contacto com o pai, chora. A D. BB quando realiza visita continua a ser a cuidadora privilegiada do CC. Esta demonstra interesse pelo desenvolvimento do filho e preocupação. Sempre que existem consultas ela estabelece contacto telefónico para perceber como correram. Ao longo dos últimos meses a equipa técnica da CAR tem notado que o CC cria alguma resistência quando a mãe lhe dá a refeição, faz inúmeras birras tendo a equipa técnica que intervir de forma que este efetue a refeição calmamente. Os pais realizam contactos diários com a equipa da CAR com o objetivo de saber como se encontra o filho.” A este respeito importa ainda acrescentar que em reunião com a equipa técnica na CAR no dia 17/06/2024 a mesma informou que “o CC chora a visita toda porque a mãe quer impor-lhe coisas e pressiona-o, não percebendo as necessidades do filho ao nível da segurança, pois quer obrigá-lo a andar sem apoio, quando ele se sente mais seguro agarrado à mão, e está sempre a dizer “não”, não sabendo distrair o CC ou cativá-lo, só sabe dizer “não” e contrariá-lo, por isso ele passa o tempo todo a chorar nas visitas”.

32 – Contactada a empresa E... – Empresa Municipal de Gestão de Empreendimentos Habitacionais de ..., apurou-se que “o requerimento para que os progenitores fossem viver para junto da avó materna apenas foi aceite em julho de 2023, tendo sido permitido que o casal esteja lá a viver durante 6 meses, prazo que terminou em janeiro de 2024. De acordo com a técnica esta situação podese prolongar até 2 anos. Realça que enquanto o casal estiver nestas condições não consegue candidatar-se a habitação social”.

33 – Desde pelo menos agosto de 2024, reside ainda na habitação referida em 22 a irmã da progenitora, de nome NN, juntamente com o companheiro, ocupando um dos três quartos da habitação.

34 – Do relatório elaborado pela EMAT e datado de 6 de agosto de 2024, consta ainda que “Os progenitores mostram-se acomodados ao acolhimento residencial do filho e a cada revisão da medida propõem a prorrogação da mesma por mais algum tempo que lhes permita arrendarem uma casa. No entanto o progenitor encontra-se desempregado desde o passado mês de fevereiro, embora o negue e a progenitora iniciou atividade laboral há cerca de 3 meses. Nas visitas ao CC a progenitora mostra dificuldades crescentes em lidar com as necessidades do filho. Lembramos que a progenitora tem três filhos de anteriores relacionamentos. Dois deles foram adotados e o terceiro foi confiado à avó materna tendo sido as responsabilidades parentais devidamente reguladas. O progenitor tem uma filha de um relacionamento anterior que se encontra a viver com a madrinha depois de ter estado acolhida. A avó materna tem 60 anos, já é responsável pelo neto DD de 7 anos que apresenta necessidades educativas especiais e embora se mostre disponível para cuidar do CC, no caso de o neto integrar o seu agregado, não o visita e mal o conhece”.

35 – Atualmente, o progenitor encontra-se empregado, sem contrato de trabalho escrito e não declarado na Segurança Social.

36 – A progenitora encontra-se a trabalhar, ganhando 30,00€/dia a trabalhar num café de segunda a sexta no horário de manhã, noutro café ganha igualmente 30,00€/dia de segunda a sexta no horário da noite e ao sábado de tarde faz serviço de limpeza numa residência, ganhando 20,00€/tarde, tudo sem contrato de trabalho escrito e não declarado na Segurança Social”.


***

Conhecendo.

I- Das alegadas nulidades da decisão recorrida.

Alegaram ambos os recorrentes que a decisão recorrida é nula.

Nulidade que sustentam na ausência de identificação de factos não provados em observância do previsto no artigo 121º nº 2 da Lei 147/99 [de ora em diante identificada como LPCJP] – vide conclusão C do recurso do progenitor AA e conclusão II do recurso da progenitora BB.

Aparentemente imputando também à decisão recorrida o vício de nulidade por contradição entre a fundamentação jurídica utilizada pelo tribunal a quo e os factos julgados provados – vide conclusão D do recurso do progenitor AA e conclusões V, K e O do recurso da progenitora BB.

A nulidade da decisão recorrida deve ser aferida por referência às causas de nulidade da sentença previstas e elencadas no artigo 615º do CPC, ex vi artigo 126º da LPCJP e aos fundamentos em tal norma previstos de forma taxativa.

Sendo pacificamente aceite que tais causas de nulidade[1], respeitam a vícios formais decorrentes “de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito”[2], pelo que nas mesmas não se inclui quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito[3].

Atendendo aos fundamentos invocados por ambos os recorrentes para fundamentar a arguida nulidade, resulta claro que estes se não integram nas causas de nulidade previstas, antes se reportam precisamente a imputados erros de julgamento quer da matéria de facto - in casu por alegada omissão, quer a errada subsunção jurídica dos factos ao direito.

A censura apontada à decisão recorrida com os fundamentos identificados tem assim de ser analisada em sede de erro de julgamento.

Motivo por que sem mais se julgam improcedentes as arguidas nulidades da sentença recorrida.

II- Erro na decisão de facto.

Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao(s) recorrente(s) [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Sendo ainda ónus do(s) mesmo(s) apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede(m) a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.

Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação.

Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório[4].

Tratamento diverso merece o vício imputado à decisão de facto com base em eventual vício de deficiência, obscuridade ou contradição da decisão proferida, que quando invocado e se procedente, ou mesmo conhecido oficiosamente, poderá implicar quando dos autos não constem todos os elementos necessários, a anulação da decisão de facto para suprimento de tais vícios ou ampliação da decisão de facto nos termos do artigo 662º nº 2 al. c) do CPC.

Estes últimos vícios não estão, como tal, sujeitos aos requisitos impugnativos prescritos no artigo 640º nº 1 do CPC “os quais só condicionam a admissibilidade da impugnação com fundamento em erro de julgamento dos juízos probatórios concretamente formulados”.

Requisitos impugnativos de admissibilidade da impugnação da decisão de facto com base em erro de julgamento que encontram o seu fundamento na garantia da “adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso”.[5]

Tendo presentes estes considerandos e confrontado o teor das alegações recursórias, verifica-se que ambos os recorrentes invocam ter ocorrido erro de julgamento, ter o tribunal a quo feito uma errada valoração da prova produzida no debate judicial (vide conclusão D do recurso do progenitor AA e conclusão V do recurso da recorrente BB), invocando ainda a recorrente BB as suas declarações e de outras testemunhas para tecer considerandos sobre a sua situação habitacional e laboral atual (vide concretamente conclusão XXIII) bem como sobre a sua relação com o filho, por referência ao que consta dos relatórios periciais e da equipa da EMAT.

No entanto das observações que a recorrente tece, para além de parcialmente traduzidas nos factos provados, verifica-se que a mesma não impugna diretamente nenhum dos factos que vem julgados provados, nem diretamente pugna pela introdução na decisão de facto de quaisquer outros concretos factos.

O mesmo é dizer que os recorrentes não observaram os ónus de impugnação e especificação sobre si incidentes, determinando a rejeição da impugnação da decisão de facto.

III- Do alegado erro na aplicação do direito.

Da decidida aplicação ao menor CC da “medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção” interpuseram ambos os progenitores recurso, opondo-se ao assim decidido, em suma sustentando o seu desacordo nos seguintes fundamentos:

(recorrente AA)

- a génese do decidido está na falta de habitação condigna dos progenitores para acolherem o seu filho, situação que já se não verifica, estando ainda ambos a trabalhar;

- a progenitora (alegou o recorrente AA, conforme consta na conclusão M do seu recurso) tem condições para ter consigo o filho, sem prejuízo de necessitar de acompanhamento continuo e proximidade por parte dos diversos serviços, para garantia das necessidades da criança (vide conclusão N do recurso do progenitor AA);

- a decisão de confiar o menor para adoção com base nas fragilidades financeiras e habitacionais dos pais é discriminatório e atentatório dos princípios constitucionais, tendo o Estado falhado ao garantir uma habitação aos progenitores (vide conclusões P a S e W do recorrente AA);

- não foi respeitado o superior interesse das crianças, violando o artigo 8º do CEDH (vide conclusões AA e CC do recorrente AA);

- não foi adotada qualquer medida para promoção da reunificação familiar, tendo o menor sido institucionalizado com dias de vida (vide conclusões FF a II do recorrente AA);

- A medida adotada não levou em consideração as melhorias da atual situação dos progenitores, violando o disposto no artigo 4º al. e) da LPCJP (vide conclusão KK do recorrente AA).

(recorrente BB)

- na origem do decidido está a falta de habitação condigna dos progenitores para acolherem o seu filho, situação que já se não verifica, estando ainda ambos a trabalhar. Sendo inexistente à data da decisão a situação de perigo para o menor (vide conclusões IX a XVIII e XIX a XXIII e XXXIII a XXXV e XLII);

- a recorrente tem competências parentais, tendo participado ativamente nas ações de formação para a aquisição de tais competências e nunca lhe foi dada a hipótese de as exercer na sua plenitude (vide conclusões XXIV a XXXII);

- a avó materna manifestou vontade de acolher o menor, o que foi desvalorizado pelo tribunal a quo (vide conclusões XXXVI a XLI);

- a recorrente criou condições para ter o seu filho CC consigo (conclusão LVIII);

- do relatório pericial consta que apesar da progenitora necessitar de acompanhamento continuo e proximidade por parte dos serviços, existindo estes ficam garantidas as necessidades do CC. Concluindo assim ter condições para criar o seu filho (vide conclusões LXVII e LXVIII);

- a reunificação familiar não foi facilitada, tendo o menor sido institucionalizado com dias de vida (vide conclusões LXXII e seguintes);

- A medida adotada deveria ter sido a de acolhimento familiar (vide conclusão LXXIX);

- A medida adotada não levou em consideração as alterações na atual situação da progenitora, violando o disposto no artigo 4º al. e) da LPCJP (vide conclusão LXXX).


*

Sem colocar em crise a verificação dos pressupostos de intervenção judicial para promoção dos direitos e proteção do menor CC, bem como a inicial medida de acolhimento residencial aplicada ao menor em dezembro de 2022, perante o circunstancialismo pessoal dos progenitores aquando do nascimento do mesmo – à data encontrando-se o casal a viver em casa sem luz nem água, desempregados, a progenitora com RSI suspenso e sem apoio familiar - insurgem-se os recorrentes AA e BB quanto à medida tomada por cuja revogação pugnam.

O recorrente AA peticionando apenas a revogação da medida sem apresentação de alternativa, implicando como tal a manutenção do menor na instituição onde foi colocado.

A recorrente BB de igual modo pugnando pela revogação da decisão, defendendo que deveria ter sido aplicada, perante o circunstancialismo apurado, a medida de “acolhimento familiar” [na verdade e perante o alegado pela recorrente, afigura-se-nos que o pretendido será a medida de apoio junto de outro familiar (in casu a avó) prevista na al. b) do artigo 35º da LPCJP e não a medida de “acolhimento familiar” prevista na al. e) do mesmo artigo].


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Atenta a argumentação aduzida pelos recorrentes e que acima elencámos, importa em primeiro lugar convocar quer os instrumentos internacionais quer a Constituição da República Portuguesa e legislação nacional pertinentes ao caso e que foram também invocados nos recursos. Instrumentos que consagram o princípio da prevalência da família biológica que os recorrentes invocam ter sido desrespeitado.

Começando pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, temos consagrado no seu artigo 8º o “Direito ao respeito pela vida privada e familiar” nos seguintes termos:

1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.

2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem - estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.”

Acrescentamos que nesta mesma Convenção, Protocolo nº 7, artigo 5º, foi consagrado o direito de igualdade entre os cônjuges nos seguintes termos:

“Os cônjuges gozam de igualdade de direitos e de responsabilidades de carácter civil, entre si e nas relações com os seus filhos, em relação ao casamento, na constância do matrimónio e aquando da sua dissolução. O presente artigo não impede os Estados de tomarem as medidas necessárias no interesse dos filhos”.

De ambas estas disposições se extrai a previsão de uma ingerência pública em caso de necessidade de salvaguarda/proteção da saúde ou da moral ou dos direitos e liberdades de terceiros (artigo 8º) ou da necessidade de tomar medidas no interesse dos filhos (artigo 5º - Protocolo nº 7).

Em consonância com a intervenção assim prevista, estipula-se na também convocada “Convenção Sobre os Direitos das Crianças” no seu artigo 3º “1. Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.

2. Os Estados Partes comprometem-se a garantir à criança a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, representantes legais ou outras pessoas que a tenham legalmente a seu cargo e, para este efeito, tomam todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.

3. Os Estados Partes garantem que o funcionamento de instituições, serviços e estabelecimentos que têm crianças a seu cargo e asseguram que a sua proteção seja conforme às normas fixadas pelas autoridades competentes, nomeadamente nos domínios da segurança e saúde, relativamente ao número e qualificação do seu pessoal, bem como quanto à existência de uma adequada fiscalização.”

E no seu artigo 9º, ficou acordado que “1. Os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança ou no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada.

2. Em todos os casos previstos no n.º 1 todas as partes interessadas devem ter a possibilidade de participar nas deliberações e de dar a conhecer os seus pontos de vista.

3. Os Estados Partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança.”

Uma vez mais e no interesse superior da criança, funcionando como exceção à regra geral de não separação da criança dos seus pais, é prevista essa separação quando necessária no interesse superior da criança.

Nesses casos em que no interesse superior da criança não pode a mesma ser deixada no seu ambiente familiar, consta ainda da Convenção em menção que a criança – artigo 20º“ 1(…) tem direito à proteção e assistência especiais do Estado.

2. Os Estados Partes asseguram a tais crianças uma proteção alternativa, nos termos da sua legislação nacional.

3. A proteção alternativa pode incluir, entre outras, a forma de colocação familiar, a kafala do direito islâmico, a adoção ou, no caso de tal se mostrar necessário, a colocação em estabelecimentos adequados de assistência às crianças. Ao considerar tais soluções, importa atender devidamente à necessidade de assegurar continuidade à educação da criança, bem como à sua origem étnica, religiosa, cultural e linguística.”

No caso da adoção reconhecida e ou permitida pelos Estados Partes, assegurando estes que o superior interesse da criança será a consideração primordial neste domínio e (adicionalmente) artigo 21º:

a) Garantem que a adoção de uma criança é autorizada unicamente pelas autoridades competentes, que, nos termos da lei e do processo aplicáveis e baseando-se em todas as informações credíveis relativas ao caso concreto, verificam que a adoção pode ter lugar face à situação da criança relativamente a seus pais, parentes e representantes legais e que, se necessário, as pessoas interessadas deram em consciência o seu consentimento à adoção, após se terem socorrido de todos os pareceres julgados necessários;”

Ainda

- do artigo 27º, convocado pelo recorrente AA resulta:

“1 - Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.

2 - Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança.

3 - Os Estados Partes, tendo em conta as condições nacionais e na medida dos seus meios, tomam as medidas adequadas para ajudar os pais e outras pessoas que tenham a criança a seu cargo a realizar este direito e asseguram, em caso de necessidade, auxílio material e programas de apoio, nomeadamente no que respeita à alimentação, vestuário e alojamento.

4 - Os Estados Partes tomam todas as medidas adequadas tendentes a assegurar a cobrança da pensão alimentar devida à criança, de seus pais ou de outras pessoas que tenham a criança economicamente a seu cargo, tanto no seu território quanto no estrangeiro. Nomeadamente, quando a pessoa que tem a criança economicamente a seu cargo vive num Estado diferente do da criança, os Estados Partes devem promover a adesão a acordos internacionais ou a conclusão de tais acordos, assim como a adoção de quaisquer outras medidas julgadas adequadas.”

- e do artigo 29 nº 1 resulta o acordo entre os Estados Partes quanto ao destino da educação da criança, nomeadamente

a) Promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicos na medida das suas potencialidades;

b) Inculcar na criança o respeito pelos direitos do homem e liberdades fundamentais e pelos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas;

c) Inculcar na criança o respeito pelos pais, pela sua identidade cultural, língua e valores, pelos valores nacionais do país em que vive, do país de origem e pelas civilizações diferentes da sua;

d) Preparar a criança para assumir as responsabilidades da vida numa sociedade livre, num espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade entre os sexos e de amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e com pessoas de origem indígena; e) Promover o respeito da criança pelo meio ambiente”

Extrai-se portanto das disposições vindas de citar a previsão da intervenção, nomeadamente dos tribunais, na medida em que tal se mostre necessário no interesse superior da criança.

O mesmo se extraindo da Convenção Europeia em Matéria de Adoção de Crianças, onde se estipula que “1 - A autoridade competente não decreta uma adoção sem adquirir a convicção de que a adoção assegura os interesses do menor.”

De todos estes instrumentos internacionais se extrai a preponderância do interesse do menor como critério de aferição e justificação da intervenção do tribunal, nomeadamente no que concerne ao afastamento do menor da sua família biológica.

No Direito Interno, a Constituição da República Portuguesa, bem como a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo – LPCJP - aprovada pela Lei 147/99 são consentâneas com os instrumentos internacionais vindos de referir.

Assim dispõe o artigo 36º da CRP em matéria de Direitos Liberdades e Garantias (Título II Capítulo I):

“1. Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.

(…)

5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.

6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.

7. A adoção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respetiva tramitação.”

Deste normativo se realça o direito e dever de educação e manutenção dos filhos (nº 5); bem como a não separação dos filhos dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais (nº 6).

A que acresce, em matéria de direitos e deveres sociais (Capítulo II) a proteção da paternidade e maternidade (artigo 68º) [1. Os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes] bem como da Infância (artigo 69º) fazendo recair sobre a sociedade e Estado a proteção da criança “1(…) com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.

2. O Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.”

Com relevo para o objeto do recurso, de considerar ainda o disposto no artigo 1978º do CC: “1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:

a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;

b) Se tiver havido consentimento prévio para a adoção;

c) Se os pais tiverem abandonado a criança;

d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;

e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.

3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.

4 - A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela.”

Bem como o preceituado nos artigos 3º e 4º da LPCJP[6] que com este artigo 1978º se conjugam:

- artigo 3º “1 - A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.

2 - Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:

a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;

b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;

c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;

d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;

e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;

f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;

g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.

h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.”

- artigo 4º (definindo os princípios orientadores da intervenção)

A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:

a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;

b) Privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;

c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;

d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo;

e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;

f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;

g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;

h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável;

i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;

j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção;

k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.”

Como se pode ver, logo em primeiro lugar é elencado [al. a)] o já antes referenciado superior interesse da criança, critério norteador de toda e qualquer intervenção, na qual se deve atender “prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas”, sem prejuízo “da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;”

De entre esses direitos, está o direito da criança a crescer num ambiente seguro, que lhe proporcione condições de saúde, acesso a formação, educação e um são desenvolvimento.

Prevalentemente em meio familiar e no seio da sua família biológica, junto dos seus progenitores por em princípio ser com quem manterá relações de afeto de qualidade e significativas, cuja continuidade deverá ser promovida, assim preservando tais relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento.

Assim o aconselham [vide artigo 4º da LPCJP] para além do referido interesse superior da criança [al. a)]; o princípio da intervenção mínima [al. d)]; o princípio da proporcionalidade e atualidade [al. e)]; o princípio da responsabilidade parental [al. f)]; o princípio do primado da continuidade das relações psicológicas profundas – devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante [al. g)]; e o princípio da prevalência da família – devendo na promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável [al. h)].

A prevalência da família biológica só não ocorrerá quando e no que ora releva os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança. Ou se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança. Demonstrando-se ainda que inexistem ou estão seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação [vide artigo 1978º nº 1 als. d) e e) do CC].

Foram estes os fundamentos acolhidos pelo tribunal a quo para fundamentar a medida adotada e contra a qual se insurgem os recorrentes.

Tal qual se extrai da decisão recorrida, em modo conclusivo:

“Assim, não constituindo os progenitores nem qualquer outro elemento da família biológica um pilar afetivo e primordial de apego desta criança, temos de concluir que a aplicação da medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção é adequada e necessária, no caso do CC, cujos progenitores não dispõem, nem se perspetiva que venham a dispor, de condições reais e efetivas para assegurar o seu integral desenvolvimento, tendo adotado comportamentos omissivos comprometedores dos vínculos afetivos próprios da filiação, revelados pela verificação objetiva de situações previstas nas alíneas d) e e) do artigo 1978.° do Código Civil.”

Alega o recorrente AA, como argumento principal que o motivo para a aplicação da medida de confiança se reconduz à pobreza material e financeira dos progenitores, tendo o Estado falhado no assegurar de uma habitação condigna aos mesmos para poderem acolher o seu filho - vide conclusões E), S), W), violando assim o dever de reunificação familiar, potenciando a quebra dos laços afetivos da criança com os pais – conclusão EE).

Argumento que também a recorrente BB invoca – vide conclusões IX, L e LI, assinalando (tal como o recorrente AA) - que tal entendimento vai contra as recomendações emitidas para Portugal em 2019 pelo Comité para os Direitos da Criança da ONU, sendo ainda causa de condenação do Estado Português por violação do direito à proteção da vida familiar, na medida em que a situação de insuficiência económica foi o critério preponderante para a retirada de crianças da família.

Analisemos se esta argumentação aduzida pelos recorrentes tem pertinência.

Das invocadas recomendações consta, entre outras e no que respeita às Diretrizes sobre cuidados de proteção às crianças, a recomendação de o Estado Português assegurar que as políticas e práticas adotadas sejam guiadas pelo princípio de que a pobreza financeira e material, ou condições direta e exclusivamente atribuíveis à pobreza nunca são a única justificação para retirar uma criança dos cuidados parentais e a submeter a medidas alternativas ou impedir a sua reintegração social[7].

No mesmo sentido se tendo vindo a pronunciar o TEDH, cujas decisões foram invocadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso[8] para justificar a alegada violação do direito à proteção da vida familiar em situações em que as crianças são retiradas “a famílias em situação de insuficiência económica como causa preponderante para a tomada de decisões”.

A crítica apontada ao Estado Português pelo TEDH (e pelos recorrentes invocada) decorre do entendimento de na decisão de retirada das crianças da família ser preponderante a sua situação de insuficiência económica violando o disposto no artigo 8º da CEDH, como os dois casos que a seguir citamos o demonstram:

i- no 1º caso a medida de colocação de menor(es) com vista à sua adoção privou a progenitora “dos seus direitos parentais a respeito dos seus filhos e (…) do contacto com eles, provocando a rutura do laço familiar biológico (…)” em situação em que foi verificada (no que ora relva) “a ausência de violência ou de abuso de ordem física (comparar R. e H. c. Reino-Unido, n.º 35348/06, § 85, 31 de Maio de 2011), sexual ou psíquico sobre as crianças, a existência de laços afetivos fortes com estas últimas, a ausência de resposta da parte dos serviços sociais ao desespero material da Requerente, mãe de uma família numerosa, exercendo praticamente sozinha a sua função parental” [vide caso Soares de Melo c. Portugal, Queixa n.º 72850/14, acórdão, Estrasburgo 16 de Fevereiro de 2016]

ii- no segundo caso o menor foi encaminhado para adoção sem razões pertinentes que o justificassem para tanto considerando:

. “O facto de uma criança poder ser acolhida num quadro mais propício à sua educação não justifica, por si só, que possa ser retirada à força dos cuidados dos seus pais biológicos; semelhante ingerência no direito dos pais, previsto no artigo 8º da Convenção, a gozar de uma vida familiar com o seu filho tem, ainda, de se revelar “necessária” à luz de outras circunstâncias”

. as autoridades competentes faltaram à sua obrigação “positiva de adotar as medidas necessárias a permitir aos requerentes beneficiarem de um contacto regular com o seu filho, sabendo, ademais, que o menor havia sido acolhido num centro situado a 40km de distância do domicílio familiar”, por tal sendo responsáveis pela interrupção de contactos entre os progenitores e os menores e consequente rutura de laços entre os progenitores e o menor [no processo em menção era alegado que a determinado momento os progenitores foram impedidos de ter o menor consigo por não serem autorizadas saídas nem permitidas visitas];

. apesar de os relatórios indicarem uma melhoria da situação familiar “em nenhum momento as jurisdições internas ponderaram soluções menos radicais do que o encaminhamento de P. para a adoção, de modo a evitar o afastamento definitivo e irreversível da criança, não apenas dos seus pais biológicos, mais ainda dos seus irmãos, provocando assim o desmembramento da família contrariando, eventualmente, o superior interesse da criança” [vide caso PONTES c. PORTUGAL (Queixa n.º 19554/09) acórdão, Estrasburgo 10 de abril de 2012].

Ana Rodrigues, no artigo citado na nota 9 assinala que nos casos Soares de Melo c. Portugal referido em 1, bem como nos casos Neves Caratão Pinto c. Portugal e Manteigas c. Portugal foi preponderante o fator da insuficiência económica para a tomada da decisão pelo tribunal nacional, motivo da condenação do Estado português por violação do direito ao respeito familiar.

Concluindo ser jurisprudência do TEDH “que, na verificação da necessidade de intervenção protetiva que implique afastamento da criança do seu ambiente familiar, a ideia orientadora é a de que uma criança poder ser colocada num ambiente mais benéfico para o seu desenvolvimento e educação nunca justificará, por si só, uma medida compulsória de retirada à família. Deve assim, haver adicionais cautelas no sentido de que essa verificação não resulte da assunção de que a privação material ou condições daí diretamente decorrentes sejam a justificação exclusiva para a tomada da medida, devendo igualmente garantir-se que todos os esforços são envidados no sentido da reunificação familiar assim que possível.”

Assim enquadrada a argumentação dos recorrentes como fundamento para a crítica que dirigem à decisão recorrida e presente o entendimento do TEDH, cumpre perante a factualidade que vem julgada provada, conjugada com todo o acervo documental que consta dos autos, consultável e a que os recorrentes tiveram acesso, sem que o questionassem [exceção feita ao relatório do SIATT quanto à menção de o progenitor faltar muito ao trabalho; menção que o progenitor veio negar e assinalada no ponto H) do nosso enunciado inicial] aferir se a decisão proferida padece do vício apontado.

O que dos autos se extrai, como justificação do início do processo em 2022 pela CPCJ é uma premente necessidade de encontrar um local seguro onde o menor pudesse ser acolhido após a sua saída da maternidade, já que os progenitores não tinham um lar onde pudessem garantir ao recém-nascido o acesso aos cuidados mínimos de conforto, higiene e saúde. Note-se que então os mesmos viviam numa casa sem água e luz e contra a vontade da proprietária, ambos desempregados.

Sem qualquer apoio familiar – tendo a avó materna, a quem fora já entregue um outro filho da progenitora do CC, fruto de outro relacionamento, se recusado a receber o receber o casal e o menor [veja-se o referido na informação de 29/11/22 proveniente da CPCJ de ... e junta com o requerimento inicial] - ou em círculo social mais alargado que pudesse receber o casal bem como a criança, foi com o acordo de ambos os progenitores conduzido o recém-nascido à Casa de Acolhimento Residencial (CAR) “A...” sita em ... em 13/12/2022, onde ainda permanece.

Perfazendo em novembro deste ano 3 anos de idade, o menor CC nunca saiu desta instituição.

Da factualidade provada, conjugada com a análise da diversa documentação junta aos autos, resulta um historial prolongado de incapacidade dos progenitores em manterem uma relação laboral estável e assim garantirem autonomia financeira para proverem ao seu sustento e consequentemente do menor. Mantendo-se como tal dependentes de terceiros ou de auxílios de terceiras entidades, para as suas necessidades mais básicas. Repare-se que esta dificuldade que assim se nota não advém de uma qualquer incapacidade física, sequer falta de qualificações ou mesmo de oportunidades do mercado de trabalho. Sendo que a progenitora foi já no âmbito do processo instaurado inscrita no Gabinete de Inserção Profissional de ..., bem como no IEFP, tal qual consta do relatório psicossocial elaborado pela CAT em março de 2023.

E ambos os progenitores acompanhados pelo SAAS (Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social da ...) desde dezembro de 2022 com vista à procura ativa de emprego e apoio na procura de nova casa, conforme informação de 15/06/2023 referida em 27 dos factos provados.

A mencionada instabilidade laboral está demonstrada nos autos. O progenitor AA durante a pendência do processo, iniciou funções numa empresa de mobiliário na ... (na sequência aliás do SAAS acima mencionada), localidade onde o menor ficou acolhido, com contrato datado de janeiro de 2023 e celebrado por seis meses. Emprego que o recorrente abandonou alegando ter mudado de residência para ..., o que ocorreu em 27/05/2023; ainda tendo iniciado funções numa outra empresa de fundição, em setembro de 2023 de onde saiu em fevereiro de 2024 por alegadamente “ter tido uma chatice” (vide relatório da ISS de 06/08/2024), dizendo que depois voltou, o que é desmentido quer pela inexistência de registos de remunerações declaradas quer pela sua sogra que referiu estar o mesmo desempregado; de permeio tendo ainda o registo de 4 dias de trabalho para uma outra empresa de construções em abril de 2024.

Por seu turno a progenitora, durante este período, embora sempre afirmando estar à procura de trabalho, apenas veio a referir ter iniciado trabalho num café em maio de 2024 como empregada de mesa, anteriormente constando apenas um registo de remunerações em abril de 2024 por 10 dias.

Do seu CV (junto com o requerimento inicial deste processo) consta ainda que a sua experiência profissional inclui 5 locais onde nunca esteve mais de 3 meses de duração, com exceção da experiência como voluntária numa associação de paralisia cerebral como distribuidora de publicidade onde é referido um período contido entre os anos de 2015-2016.

Esta instabilidade e precariedade laboral está conforme ao que foi assinalado nas perícias médico-legais de psicologia realizadas a ambos os progenitores, realçando-se, entre o mais que a seguir aqui se deixa reproduzido, as seguintes caraterísticas comuns a ambos os progenitores: isolamento interpessoal, locus de controlo externo (ou seja a imputação dos acontecimentos da sua vida a fatores externos, assim atribuindo a circunstâncias externas e fora do seu controle as ocorrências da sua vida, numa atitude de desresponsabilização própria), distanciamento familiar, instabilidade financeira, reduzidas estratégias de coping (esforços cognitivos e comportamentais para lidar com situações stressantes ou ameaçadoras) e imaturidade psicoafectiva.

A que acresce:

- quanto ao progenitor AA a “dificuldade em admitir as suas fragilidades e mudanças a empregar em si”; “dificuldades em decidir, planear e avaliar as consequências das suas decisões, podendo as mesmas revelar-se desadequadas; como fatores de risco sendo destacados “histórico de consumo de álcool na família, isolamento interpessoal, locus de controlo externo, distanciamento familiar, instabilidade financeira, impulsividade e dificuldade na tomada de decisão, fraca rede de suporte social, reduzidas estratégias de coping e imaturidade psicoafectiva”, como fator positivo sendo destacado a ausência de consumo de substâncias, para se concluir o “examinado necessita de terceiros de referência para assegurar as competências parentais básicas, de forma a que estas não fiquem comprometidas. (…) Ao nível da personalidade evidencia imaturidade psicoafectiva que poderá interferir com o exercício da parentalidade . Apesar de à data o examinado se mostrar motivado em cumprir com as suas responsabilidades e obrigações parentais não parecem estar reunidas as condições necessárias que garantam o bem-estar da criança. (…) Desta forma considera-se que se deverá manter um acompanhamento contínuo e de proximidade por parte dos diversos serviços a esta família, tendo em conta as fragilidades evidenciadas. Pretende-se assim garantir que as necessidades da criança não ficam comprometidas, bem como supervisionar se os progenitores continuam a empregar esforços para manter a sua estabilidade familiar” – vide fp 28.

- quanto à progenitora BB ““…a existência de níveis elevados de ansiedade com características fóbicas, que levam à adoção de comportamentos de evitamento por medo persistente de uma situação, objeto ou pessoa, assim como obsessões e compulsões que incluem pensamentos, impulsos e ações de caracter persistente que o sujeito não consegue controlar. Manifesta ainda níveis moderados de hostilidade com pensamentos, sentimentos e ações que se traduzem pela irritabilidade, ressentimento e cólera, bem como sentimentos de inadequação pessoal, inferioridade e timidez, que poderá estar relacionado com a perceção das suas dificuldades. (…)

Ao nível da personalidade os resultados obtidos pela BB revelam que a mesma se sente satisfeita consigo mesmo, não considerando necessário realizar mudanças no seu comportamento. Nas relações interpessoais, demonstra um padrão de alguma passividade, com tendência para se retrair e dificuldade em impor-se, nas situações em que seria necessário. (…)

Da sua história de vida apurou-se instabilidade laboral, marcada por trabalhos que mantém por curtos períodos de tempo e longos períodos de desemprego, com impacto na sua condição financeira; um padrão disfuncional nas relações afetivas, pouco duradouras e com gravidezes não planeadas. Demonstra dificuldades em decidir, planear e avaliar as consequências das suas decisões, podendo as mesmas revelar-se desadequadas. Ao nível da dinâmica familiar verificou-se uma relação de proximidade com a figura materna, mas distanciamento com a fratria e restante família alargada. Revela uma baixa rede de suporte social, isolamento interpessoal, sem vínculos sociais de proximidade, que parece estar relacionado com a desconfiança relacional que evidencia. Ao longo do seu percurso de vida, enquanto progenitora, constatam-se dificuldades em assegurar algumas das necessidades dos seus filhos, tais como proteção, segurança, desenvolvimento e de estabilidade emocional, sendo que da fratria, três crianças terão sido institucionalizadas e uma estará sob a tutela da avó materna. Quando aborda o assunto considera que estas situações se devem a fatores externos. Destacam-se como fatores de risco: isolamento interpessoal, locus de controlo externo, distanciamento familiar, instabilidade laboral, instabilidade financeira, relações afetivas pouco duradouras, gravidezes não planeadas, impulsividade e dificuldade na tomada de decisão, histórico de institucionalização, fraca rede de suporte social, reduzidas estratégias de coping e imaturidade psicoafectiva. Como fatores protetores significativos destacam-se: ausência de consumo de substâncias, competências em relação à prestação de cuidados básicos, capacidade em ser afetuosa, acompanhamento de proximidade ao seu filho CC e motivação e desejo em cuidar do filho. Face ao mencionado, a examinanda revela competências parentais básicas, sendo necessário o recurso a terceiros de referência de forma que estas não fiquem comprometidas. Revela uma postura passiva, com dificuldades na implementação de regras e limites. Revela nutrir afetos positivos pela criança e preocupação face à mesma. A nível psicológico apuraram-se algumas fragilidades, que poderão estar relacionadas com a situação vivenciada. Ao nível da personalidade evidencia imaturidade psicoafectiva que poderá interferir com o exercício da parentalidade. Apesar de à data a examinanda se mostrar motivada em cumprir com as suas responsabilidades e obrigações parentais, existem várias fragilidades que poderão condicionar o bem-estar desta criança. Salienta-se que se mantêm vários fatores de risco (sendo que a maioria são de carácter estável). Desta forma, considera-se que se deverá manter um acompanhamento contínuo e de proximidade por parte dos diversos serviços, a esta família, tendo em conta as fragilidades evidenciadas. Pretende-se assim garantir que as necessidades da criança não ficam comprometidas, bem como supervisionar se os progenitores continuam a empregar esforços para manter a sua estabilidade familiar” - fp 29.

O que destes relatórios se retira é, numa primeira linha, a existência de traços comuns da personalidade de ambos os progenitores que lhes dificulta reconhecer as suas próprias falhas, bem como atuar de forma adequada e estável, alterando comportamentos nomeadamente a nível da sua organização pessoal e profissional que lhes permitam prover de forma estável às necessidades básicas, suas e do menor CC e assim a este proporcionar um lar onde o mesmo se possa desenvolver em segurança, com saúde, acesso à educação e formação.

E esta incapacidade perdurou durante todo o período de pendência dos autos, assumindo uma atitude de conformação perante os resultados da sua realidade pessoal.

Tanto que e perante a não alteração efetiva da sua situação profissional e habitacional, aceitaram e mesmo pugnaram os progenitores e mesmo a avó materna pela manutenção do menor na instituição, até os progenitores resolverem a sua situação – a qual por prolongado período não lograram alterar de forma efetiva e tempestiva. Vide o relatório do ISS de 06/08/2024, onde tanto os progenitores como a avó referem ser preferível que o menor ali (no acolhimento) se mantenha até terem casa que estão a procurar (dizem os progenitores), referindo a avó que se o menor viesse “mais desenvolvido” era melhor. Referência que já no relatório de 26/01/24 a progenitora mãe fizera. E se é verdade que então (em 26/01/2024) o progenitor ainda referiu que se fosse possível o menor ir para casa da sogra, renovavam o pedido de manutenção da sua residência em tal casa junto da câmara, a avó na mesma altura expressou dificuldades em tal situação, por não estar habituada “à maneira do miúdo”, embora referisse que se tivesse de vir aceitava por ser seu neto. Menção que de acordo com o que consta nos autos não teve sequer seguimento algum nomeadamente qualquer pedido de concretização por parte dos progenitores nesse sentido (aliás essa não fora já em janeiro a vontade manifestada pela progenitora).

No relatório de agosto de 2024 é ainda referido que os progenitores - que durante todo este tempo se mostraram incapazes de acolher no seu seio familiar o menor, alegando nomeadamente incapacidade económica para suportar o pagamento da renda de uma habitação – informaram ter adquirido uma viatura, para pagamento da qual estão a pagar a prestação mensal de € 128 euros.

Canalizando os seus parcos rendimentos para outras despesas, não priorizando a resolução dos problemas inerentes à habitação e assim os interesses do seu filho.

Assim se é certo que o início do processo teve subjacente razões de ordem económico-profissional dos progenitores – na medida em que estando desempregados e a viver em casa sem luz e água cortadas por não pagarem a renda não ofereciam condições mínimas de segurança e habitabilidade para o menor recém nascido, não foi esta a única nem mesmo a principal causa para a decisão proferida.

Determinante foi de um lado a incapacidade dos progenitores em durante a pendência dos autos alterarem de forma consolidada e estável comportamentos – não obstante as orientações e colaboração que lhe foram prestadas pelas equipas intervenientes no processo, incluindo formação à progenitora de promoção de educação parental – e de outro um conformismo dos mesmos em manter o menor na casa de acolhimento, colocando o menor em espera, sem previsão do termo futuro, pela resolução das dificuldades da sua vida (nomeadamente situação habitacional) sem que qualquer concreto sinal tivesse sido dado de uma alteração comportamental significativa nesse sentido. É certo que dos factos provados resulta que agora está a progenitora a trabalhar auferindo um valor de cerca de € 1200 mensais (vide fp 36) sem contrato escrito e não declarado na segurança social; vindo também provado que o progenitor trabalha embora sem contrato escrito e não declarado à SS. Sem que se saiba qual o valor auferido. Porém, atento o historial de instabilidade profissional já assinalado aos progenitores associado ao comportamento posterior que infra se analisará, não é possível concluir só por aqui que ocorreu uma efetiva e tempestiva alteração na sua conduta capaz de se traduzir numa atuação responsável e duradoura perante o menor, por forma a lhe proporcionar um ambiente securizante, estável e organizado, onde possa crescer num ambiente educacional equilibrado.

Aliás, diga-se que nem sequer o recorrente progenitor invoca estar para tal capacitado, já que apenas pugna pela revogação da medida, realçando as capacidades das progenitora, ainda que carente de acompanhamento contínuo e próximo (vide conclusões M e N).

Acresce e de forma relevante que no contexto analisado, concluiu ainda o tribunal a quo como fundamento para o decidido, estar demonstrada a inexistência ou séria quebra dos vínculos afetivos próprios da filiação entre o CC institucionalizado desde quase a sua nascença (logo que saiu da maternidade) e os seus progenitores, bem como com a avó materna, nos termos e para os fins previstos no artigo 1978º nº 1 als. d) e e) do CC.

Afastando, perante a inexistência de outra possibilidade na família ou fora dela, a possibilidade de ser aplicada uma medida a executar em meio natural de vida.

Do exposto entendemos afastada a crítica que os recorrentes apresentam à decisão recorrida no sentido de ser violadora do previsto no artigo 8º da CEDH, na interpretação que do mesmo é adotada pelo TEDH, já que na génese do decidido não está em exclusivo uma falta de habitação condigna dos progenitores.

Já quanto a uma alegada violação de garantia de habitação por parte do Estado, enquanto fundamento para a revogação da decisão, é de referir não conferir o direito à habitação consagrado no artigo 65º da CRP um direito imediato a uma prestação efetiva a favor do cidadão.

Tal qual é entendimento reiterado do Tribunal Constitucional, o conteúdo deste direito à habitação, enquanto direito social, desdobra-se numa dupla vertente: “por um lado, uma vertente de natureza negativa, que se traduz no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de atos que prejudiquem tal direito; por outro lado, uma vertente de natureza positiva, correspondente ao direito a medidas e prestações estaduais visando a sua promoção e proteção.

(…)

Nessa medida, a consagração do direito fundamental à habitação «pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo, a efetivar-se segundo a “reserva do possível”, não conferindo, por si mesmo, habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e de conforto, com preservação da intimidade pessoal e da privacidade familiar, na medida em que isso sempre dependerá da concretização da tarefa constitucionalmente atribuída ao Estado» (cf. Acórdão n.º 829/96 e, neste mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos n.ºs 508/99 e 29/2000).”[9]

Pelo que deste direito à habitação consagrado constitucionalmente como direito fundamental de natureza social não deriva como referido para o cidadão um direito imediato a uma prestação efetiva, pois é seu sujeito passivo o Estado – e igualmente as regiões autónomas e os municípios. Só surgindo “depois de uma interpositio do legislador, destinada a concretizar o seu conteúdo, o que significa que o cidadão só poderá exigir o seu cumprimento, nas condições e nos termos definidos pela lei”[10].

Termos em que se conclui pela improcedência da argumentação dos recorrentes direcionada a uma alegada violação de garantia de habitação por parte do Estado ao abrigo do previsto no artigo 65º da CRP, enquanto fundamento para a revogação da decisão.

Retomando os argumentos recursivos, agora diretamente relacionados com a julgada não verificação ou comprometimento sério dos vínculos próprios da filiação entre o menor e os progenitores ou avó, argumentaram os recorrentes que no decurso do processo não foi facilitada a reunificação familiar, nem respeitado o superior interesse do menor, invocando ter a progenitora competências parentais. Mais alegando não terem sido consideradas as melhorias da atual situação dos progenitores – em causa o apurado emprego de ambos os progenitores.

No que à reunificação familiar respeita, para além do acima já referido quanto ao conformismo dos progenitores na manutenção da situação de acolhimento do menor até que resolvessem a sua situação e consonante com tal modo de pensar, dizemos nós, não podemos de deixar de assinalar a inexistência de uma qualquer menção a um pedido nos autos para sequer uma saída com o menor. Por outro lado constando dos diversos relatórios, menções a conversas tidas com os progenitores quanto à necessidade de alterarem os seus comportamentos, nomeadamente estabilizando a sua situação profissional para lograrem após arrendar uma casa e suportar os encargos inerentes ao pleno exercício das responsabilidades parentais. Para tanto tendo sido orientados pelas equipas que no processo tiveram intervenção.

Nesta medida não se entende justificado o argumento da não facilitação da reunificação familiar.

Analisando agora a relação estabelecida com o menor, temos de um lado o progenitor que não obstante as declarações de interesse manifestadas pelo mesmo e admite-se pelo mesmo nutrindo carinho, com o mesmo efetuou na verdade muitos poucos contactos e mesmo nestes assumindo uma atitude passiva na interação com o bebé, sendo menos responsivo – assim é referido no relatório da CAT de março de 2023 (vide fp 12); também no próprio relatório do INML (vide fp 28), tal como no relatório do ISS (EMAT) de agosto de 2024 (vide fp 31) nada evidenciando que com o menor tenham sido estabelecidos laços afetivos próprios da filiação.

De afastar é ainda o que parece ser por parte do recorrente AA uma imputação à institucionalização da criança com poucos dias de vida como causa desta inexistência de laços entre os pais e filho. Note-se que e ao contrário do que alega o recorrente, por acordo entre os progenitores e a CAR foi estabelecido um horário alargado e diário de visitas ao filho, salvo domingos e aos sábados tendo sido estipulada uma hora para a visita.

Se é certo que estando a trabalhar – e períodos há em que esteve sem trabalho - se admite a dificuldade em visitar o filho diariamente, tal não acontecia aos sábados. Sábados a que o recorrente frequentemente não compareceu, havendo meses em que apenas visitou o menor um dia. E sem prejuízo de se impor reconhecer que em alguns dias da semana o recorrente ainda se dirigiu à casa de acolhimento para visitar o filho [tal qual resulta dos relatórios da ISS que enumerou as visitas realizadas], facto é que se manteve pouco envolvido nas rotinas da criança, como o relatório do IML dá nota. O mesmo sendo referido no relatório da CAT de 16/03/2023, junto com o requerimento inicial e também no relatório do ISS de 06/08/2024, onde se refere que o progenitor passa longos períodos sem visitar o menor, pelo que este no primeiro contacto com o pai chora.

Já quanto à mãe, sendo inegável o acompanhamento próximo que no inicio dispensou ao menor, o que foi reconhecido no relatório psicossocial da CAR de março de 2023 (vide fp 12), demostrando competências em relação à prestação de cuidados básicos, ainda que com necessidade de recursos a terceiros de forma a garantir que os cuidados não ficam comprometidos, atentas as fragilidades habitacionais e dificuldades financeiras, com capacidade de ser afetuosa (vide fp 29), facto é que no decurso do tempo foi espaçando as visitas realizadas ao CC. Sendo tal mencionado nomeadamente no relatório de agosto de 2024, onde se faz menção à conexão entre esta situação e o início da atividade laboral da progenitora em maio de 2024, sem prejuízo de se reconhecer que a mesma continua a ser a cuidadora privilegiada do menor quando faz a visita, mostrando-se preocupada e interessada no desenvolvimento do filho. Filho que tem vindo a apresentar resistência quando a mãe lhe dá a refeição, fazendo birras que demandam a intervenção da técnica da CAR para o acalmar. Para além de – conforme informação em reunião da CAR de 17/06 mencionada neste mesmo relatório de 08/24 - ter sido informado que o menor nas visitas da mãe, por esta o não saber distrair ou cativar, passa o tempo todo a chorar (vide fp 31).

A diminuição das visitas da mãe ao longo de tempo foi efetivamente notória. E se é certo que a mesma afirma (e no relatório de agosto assim é referido) ser tal devido ao início da sua atividade laboral – reportada a maio de 2024, não é o que se pode extrair dos elementos constantes dos autos. Note-se que dos relatórios juntos que enunciam os dias de visita[11] se verifica que em março (quando ainda não trabalhava) dos 10 dias de visita que efetuou só um foi ao sábado, tendo os outros sido dias úteis, não tendo na Páscoa ocorrido qualquer visita; em abril dos 10 dias em que visitou o menor, nenhum dos dias de visita coincidiu com sábado; em maio dos 11 dias em que visitou o menor apenas dois dias coincidiram com sábado (para além de uma videochamada); em junho dos 4 dias em que visitou o menor, apenas um dia coincidiu com sábado e em julho dos 7 dias em que visitou o menor, apenas um dos dias coincidiu com sábado.

Trabalhando a progenitora com horários alternados – das 12.00 às 16.00 ou das 18.00 às 02.00 (vide fp’s 31 e 38) de segunda a sexta, ao sábado trabalhando de tarde, não resulta que a mesma efetivamente estivesse impedida de visitar o menor por motivos do trabalho, atento o horário alargado que foi fixado às visitas - para os dias úteis das 9 às 18 e aos sábados inicialmente das 12.00 às 13.00 mas com hipóteses de ser alterado (como já fora acordado por interesse do progenitor). Sendo que outro motivo não foi invocado.

Estando em causa um bebé de tenra idade, as suas necessidades de atenção, cuidados, estímulos e afetos é constante, decorrendo da prestação dos necessários cuidados físicos e psicológicos o estabelecimento dos vínculos afetivos próprios da filiação. Vínculos que inicialmente a progenitora logrou estabelecer mas que, fruto do distanciamento que entretanto praticou, deixou esvanecer.

Não se ignora a exigência acrescida para os progenitores que representa a visita de criança que está em regime de acolhimento. Mas os interesses do filho devem sobrepor-se aos dos progenitores a quem cabe mostrar empenho no estabelecer da relação parental, criando e reforçando os laços de afeto com o filho. Não tendo os progenitores tempestivamente logrado alterar a situação que determinou o acolhimento do menor, cabia-lhes diligenciar pela manutenção da proximidade com o mesmo por forma a que este os reconhecesse como figuras de referência, securizantes e capazes de assegurar o seu bem estar e um são desenvolvimento.

O que dos factos provados resulta é que em agosto de 2024 e num contexto já alargado de diminuição de visitas dos progenitores ao menor, a criança (então quase com dois anos) e a viver sempre na instituição, já estranha a presença do pai e não se comporta de forma calma na presença da progenitora mãe – vide fp 31.

A ligação afetiva que os progenitores clamam manter para com o menor, não é suficiente só por si e no contexto analisado para permitir concluir que os vínculos afetivos próprios da filiação se mantêm, sendo que da parte do menor nada o evidencia[12]. Nem aliás, importa reconhecer, os recorrentes sobre tal fazem alusão alguma. Limitando-se a fundamentar o recurso por referência às suas expetativas e sentimentos, sem nunca invocar qual o relacionamento do menor para com os mesmos, não obstante invoquem o interesse do menor, o que só por si – a inexistência de vínculo afetivo da criança para o progenitor- já seria suficiente.

Independentemente do acima referido quanto à ligação do menor aos progenitores que por estes não é invocada sequer no recurso, facto é que as visitas efetuadas ao menor nos termos que viemos já de descrever ainda que inicialmente e apenas pelo lado da mãe fossem significativas do ponto de vista da relação estabelecida com o menor, acabaram pela sua diminuição de frequência e superveniente dificuldade em interagir com o menor por provocar um afastamento no relacionamento mãe/filho não compatível com o estabelecer do necessário vínculo materno/filial. Este já afastado também em relação ao progenitor.

Tal como decidido no Ac. do STJ de 30/01/2025, nº de processo 2680/20.1T8GDM.P1.S1 in www.dgsi.pt “…para se aferir da existência ou do não comprometimento sério dos “vínculos afetivos próprios da filiação” para os efeitos da norma do artigo 1978.º do CC não basta ver se existe uma ligação afetiva entre o(s) progenitor(es) e a criança; é preciso ver em que é que, existindo esta ligação, ela se concretiza. Ela deve traduzir-se em gestos, atos ou atitudes que revelem de que o(s) progenitor(es) têm(tem) não só a preocupação como também a aptidão para assumir plenamente o papel que, por natureza, lhes cabe – o papel de pai(s) da criança. Sempre que, ao contrário, existam factos que demonstrem, seja o desinteresse, seja a falta de capacidade do(s) progenitor(es) para assumir plenamente este papel, é de concluir que não existem ou estão seriamente comprometidos, para os efeitos da norma do artigo 1978.º do CC, os “vínculos afetivos próprios da filiação”.

É pois da conjugação entre o modo como são exercidos ou cumpridos os deveres parentais e o envolvimento emocional e o relacionamento afetivo entre pais e filhos resultante de tal relação que se de há-de avaliar a existência ou comprometimento dos vínculos afetivos[13].

Perante o que acima já deixámos exposto, na relação que vem demonstrada terem os progenitores estabelecido com o menor, apenas se logra identificar a preocupação e da parte da mãe, é certo, carinho com o menor, não traduzida porém num pleno exercício das responsabilidades parentais, nem num estabelecer de um relacionamento afetivo recíproco (pai/mãe e filho).

Motivo justificativo para concluir nenhuma censura merecer o decidido pelo tribunal a quo quer quanto à conclusão de que os laços efetivos próprios da filiação, entre progenitores e menor estão seriamente comprometidos para efeitos do nº 1 do artigo 1978º quer para integrar a atuação dos progenitores na previsão contida nas als. d) e e) do nº 1 do artigo 1978º, já que se trata de menor que foi institucionalizado por carecerem os progenitores de condições básicas mínimas para o acolherem, assim tendo colocado em perigo a segurança e saúde do menor, só afastada pela decisão de acolhimento do mesmo no CAR [al. d) do artigo 1978º]. Menor em relação ao qual por sua vez os progenitores não garantiram a manutenção dos vínculos próprios da filiação enquanto o mesmo se manteve institucionalizado, preenchendo assim também a previsão legal da al. e) do mesmo artigo 1978º[14].

E se é correta a conclusão do tribunal a quo em relação aos progenitores, mais o é em relação à avó materna que logo de início recusou receber o menor junto com os seus pais na sua casa. Não estabeleceu com o mesmo qualquer proximidade ou vínculo afetivo, apesar de umas muito poucas visitas que fez acompanhada do ou dos progenitores (já numa fase posterior).

Importa esclarecer que o assim observado nenhum juízo de censura contém em relação a esta avó que acolheu já um outro neto, filho da progenitora fruto de uma outra relação e que do mesmo cuida desde julho de 2019, apresentando este necessidades educativas especiais pelo que da mesma exige cuidados acrescidos. Ainda assim e sem prejuízo de tal constatação se tendo disponibilizado a acolher o neto CC, “se tiver que ser”.

Não resulta, porém, ser do interesse do menor o acolhimento por uma avó que com o mesmo não estabeleceu laços afetivos e apenas a tal se disponibiliza como recurso último para evitar a adoção. Avó que refere também problemas de saúde e tem já ao seu cuidado um outro neto com necessidades educativas especiais e assim não demonstra ter condições para proporcionar ao neto um projeto de vida que lhe permita um são e integral desenvolvimento, em ambiente estável e seguro.

Quando se chega à conclusão que a família biológica não tem a capacidade de constituir uma alternativa válida para a reintegração dos jovens no seu agregado familiar há que equacionar um novo projeto de vida para os menores [vide artigos 34º e 35º sobre o objetivo pretendido com as medidas de proteção e sua tipificação].

A intervenção do tribunal foi necessária, oportuna, proporcional e apenas se optou pela não prevalência da família biológica perante a atuação omissiva dos progenitores durante um prolongado período de tempo que comprometeu definitivamente os laços afetivos próprios da filiação. Sem que na família alargada se apresentasse uma alternativa válida.

Pelo que a integração em família por via da adoção é a medida certa.

A criança tem direito a crescer numa família e por isso deve em tempo útil ser definido o seu projeto de vida.

O tempo das crianças não é necessariamente o mesmo das suas famílias de origem[15].

E não é legítimo que o menor se mantenha institucionalizado até que os progenitores adquiram as competências necessárias para do mesmo cuidar, porquanto não vai ao encontro do superior interesse do menor em se ver integrado num meio familiar onde lhe seja proporcionado estabelecer laços afetivos, securizantes e saudáveis que potenciem o seu são desenvolvimento tanto física como mentalmente.

Desconhecendo-se quando os recorrentes fariam uma inversão do seu comportamento, estabilizando a sua situação para assim demonstrarem possuir competências para cuidar do menor, tanto mais quando aguarda o menor por tal aquisição de competências parentais desde já dezembro de 2022.

Não se considera conforme ao superior interesse dos menores, suspender um possível projeto de vida até que os progenitores refaçam – eventualmente, sem quaisquer garantias de que tal decorrerá - a sua situação económica, financeira, residencial e comportamental.[16]

Recorda-se que na base da aplicação e manutenção da medida de promoção e proteção a este menor estiveram questões relacionadas com a incapacidade dos progenitores (nos termos acima já analisados) em garantir ao mesmo um ambiente saudável e seguro, onde fosse possível este se desenvolver física e psiquicamente.

Termos em que se conclui ser de manter a medida de promoção e proteção aplicada no acórdão recorrido.


***

IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto, consequentemente mantendo a decisão recorrida na integra.

Sem custas, por não serem devidas (artigo 4º nº 2 al. f do RCP).


Porto, 2025-10-13
Fátima Andrade
Ana Paula Amorim
Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo [com declaração de voto que segue:
Voto de vencido:
Não acompanho o entendimento que fez vencimento, salvo o elevado respeito que lhe é devido, pelos motivos que sintetizo seguidamente:
1) Creio que a realidade subjacente aos autos mudou acentuadamente desde que, no início do processo, foi decretada a medida de protecção, até à data mais recente considerada na sentença, evidenciando uma diminuição acentuada da situação de perigo para o menor.
Assim, a medida foi tomada logo após o nascimento daquele porquanto: a) os pais não possuíam habitação minimamente condigna, b) a mãe não trabalhava e dependia do RSI;
c) o pai acusava uma situação de instabilidade laboral e d) a avó materna não queria acolher a criança na sua casa, nem tinha contacto com ela.
Agora, a) os pais vivem em habitação condiga, pertencente à avó materna da criança;
b) a mãe passou a trabalhar, e fá-lo em três locais diferentes – evidenciando acentuado esforço para superar a situação anterior de desemprego, o que parece dever ser associado à intenção última de permanecer com o filho), c) o pai continua a trabalhar, o que vem desmentir a instabilidade laboral que inicialmente os autos denunciavam, e d) a avó materna tem vontade de receber a criança e passou a visitá-la, ainda que na companhia dos pais.
Todos estes factos estão reflectidos na sentença, ainda que alguns fora do local próprio e inclusivamente na fundamentação de direito.
2) Neste quadro, parece-me compreensível que as visitas da mãe tenham diminuído no período mais recente, em consequência do esforço que lhe é requerido para a manutenção de três locais de trabalho, destacando-se, porém, que elas sempre se mantiveram.
Sendo justificado questionar a lealdade e transparência na actuação das entidades que acompanhavam a situação do menor que, embora criticando inicialmente a ausência de ocupação profissional por parte da progenitora, exortando-a a trabalhar para mais facilmente reunir as condições necessárias para permanecer com o menor, no final já censuram a diminuição das visitas - forçosamente em consequência da ocupação laboral, neste caso, em três locais distintos – que aduzem como um dos fundamentos de aplicação da medida.
3) Entendo que a situação tem essencial semelhança com o caso tratado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-05-2023, Juiz Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves, proc. 327/22.0T8OBR.P1.S1, em dgsi.pt, que revogou a decisão das instâncias que haviam aplicado e mantido a medida de confiança para futura adopção.
4) No mesmo sentido, apontam as condenações do Estado Português pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violação do direito à protecção da vida familiar, concretamente pela tomada de medidas de promoção e protecção que se consubstanciam na retirada de crianças a famílias, essencialmente, em função da sua insuficiência económica, que o recurso do progenitor e o acórdão em apreço justamente mencionam, sendo certo que também no nosso caso, a meu ver, é essencialmente a pobreza das pessoas envolvidas que está a justificar a espécie da medida tomada.
5) Recordo, por fim, a jurisprudência segundo a qual a medida de confiança com vista a futura adoção, prevista no n.º 1, do art.º 1978.º, do C. Civil, assume a natureza de “última ratio”, que só deve ser aplicada quando tenham sido previamente feitas tentativas para a evitar, com o intuito de procurar com efectividade a reintegração familiar do menor, e o objetivo se tenha frustrado (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05-04-2018, Juiz Conselheiro Rosa Ribeiro Coelho, proc. 17/14.8T8FAR.E1.S2, e de 30-01-2025, Juiz Conselheiro Orlando Nascimento, proc. 2680/20.1T8GDM.P1.S1).
No caso dos autos, segundo creio, nada foi feito pela Segurança Social e demais entidades envolvidas no processo que configurasse tentativa séria de possível reintegração do menor na família.
Neste sentido, a meu ver, não é razoável censurar os progenitores por eventualmente não terem tomado a iniciativa para pedir que fossem passados dias ou fins de semana com o menor fora da instituição. Face a máximas de experiência comum, os progenitores, já receosos pelas eventuais consequências do processo judicial, não conseguem ser dinâmicos a esse ponto e actuam sobretudo com o intuito de satisfazer ao que lhes é solicitado e cumprir as orientações, na expectativa de no final conseguir “aprovação” na questão da permanência com a criança. E, nesse aspecto, a progenitora no nosso caso foi especialmente colaborante.
Por isso não lhe pode ser assacada, segundo entendo, a responsabilidade maior pela omissão de diligências fora da instituição de acolhimento que servissem para estreitar o relacionamento do menor com o seu agregado familiar.
Estas são, em síntese, as razões pelas quais teria decidido a procedência dos recursos e do pedido da progenitora que, embora referindo o “acolhimento familiar”, considero ter tido em vista, mais propriamente, e como resulta das restantes alegações e conclusões, a medida de apoio à família a que alude o art. 42.º da LPCJP.]
________________
[1] Preceitua o artigo 615º nº 1 do CPC
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
[2] Cfr. Ac. STJ de 23/03/2017, Relator Manuel Tomé Gomes, in www.dgsi.pt
[3] Vide Ac. STJ de 30/05/2013, Relator Álvaro Rodrigues, in www.dgsi.pt sobre a distinção entre nulidade da sentença (no caso por oposição entre os fundamentos e decisão) versus erro de julgamento.
[4] Sobre os ónus de impugnação e especificação a cumprir pelos recorrentes, vide AUJ nº 12/2023, publicado in DRE nº 220/2023, Série I de 14/11/2023.
[5] Cfr. Ac. STJ de 22/03/2018, Relator Tomé Gomes, in www.dgsi.pt
[6] Lei que tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (vide artigo 1º).
[7] Cfr. Recomendações para Portugal do Comité para os Direitos da Criança da ONU publicadas em 09/12/2019 com a referência “CRC/C/PRT/CO/5-6: Committee on the Rights of the Child” in https://www.ohchr.org/en/documents/concluding-observations/crccprtco5-6-committee-rights-child-concluding-observations
[8] Entre os quais, também os casos identificados por Ana Rodrigues no artigo intitulado “A DISCRIMINAÇÃO COMO LEITMOTIV NAS DECISÕES DE RETIRADA DO AMBIENTE FAMILIAR POR INSUFICIÊNCIA ECONÓMICA UMA ANÁLISE À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA RECENTE DO TRIBUNAL EUROPEU DE DIREITOS HUMANOS CONTRA O ESTADO PORTUGUÊS” e acessível in https://repositorium.uminho.pt/server/api/core/bitstreams/4a13522f-b228-423f-9136-acd0d7cf1c04/ content
[9] Vide Ac. T. Constitucional nº 221/2025, proferido no processo 837/2044 e demais decisões deste tribunal ali citadas, publicado in www.tribunalconstitucional.pt
[10] Vide Ac. T. Constitucional nº 131/92 proferido no processo nº 122/90, publicado in www.tribunalconstitucional.pt
[11] Dos 3 relatórios do ISS juntos aos autos estão identificadas as visitas dos progenitores do seguinte modo:
- Entre dezembro de 2022 e junho de 2023 (relatório psicossocial elaborado pela CAT “A...” em março de 2023) sendo a progenitora muito assídua e permanecendo por período prolongado na sua maioria 7 horas diárias nos meses de dezembro a março de 2023 (aqui são indicados os períodos horários), visitou em dezembro o CC 16 dias desde o acolhimento a 13; em janeiro (24 dias), [a partir de 09/01 passando o pai a vir ao fim de semana, aos sábados, permanecendo períodos mais curtos entre 1 hora e 2 horas, sem prejuízo de a mãe nalguns desses dias ter permanecido um pouco mais – veja -se o dia 14/01 em que a mãe ficou 4 horas e o pai 1 hora]; em março de 2023, 24 dias tendo o pai comparecido nos dia 15 (4ª feira), 18 e 25 (sábado); em abril 21 dias (5 com o progenitor); em maio 19 dias (3 com o progenitor);
- Entre junho de 2023 e janeiro de 2024 (relatório de 26/01/2024 do ISS) recebeu o CC visitas do pai dois dias (dias de semana) e a mãe 15 dias em junho; em julho 9 dias a progenitora e o progenitor 1 dia. Juntamente com a progenitora ou progenitores tendo a avó feito 2 visitas e em dois outros dias tendo também o irmão uterino DD acompanhado essa visita; em agosto de 23 a progenitora visitou o filho dois dias, um deles acompanhada pelo progenitor e em setembro os progenitores visitaram o filho um dia – sendo referido que a progenitora fez uma intervenção cirúrgica e esteve doente nestes dois meses; em outubro a progenitora visitou o filho 11 dias e o progenitor dois dias; em novembro só a progenitora visitou o filho 9 dias e em dezembro 8 dias, nos quais 5 acompanhada do progenitor; em dois desses dias tendo vindo a acompanhar o DD e num destes também a avó materna;
- Entre janeiro de 2024 e julho de 2024 (relatório do ISS de agosto de 2024) sendo dada nota das seguintes visitas ao menor: o pai visitou o filho dois dias (um deles dia de semana) e a mãe 11 dias em janeiro; em fevereiro 1 dia o progenitor e a progenitora 11 dias; em março o progenitor visitou o filho 1 dia e a progenitora 10 dias; em abril o progenitor 1 dia e a progenitora 10 dias; em maio 3 dias o progenitor, 11 dias a que acresce um dia em videochamada feita por ambos os progenitores; em junho 1 dia o progenitor e 4 dias a progenitora; em julho 1 dia o progenitor e a progenitora 7 dias, sendo que no dia em que ambos vieram, se fizeram acompanhar do DD.
[12] Cfr. Ac. STJ de 25/09/2018, nº de processo 20085/16.7PRT.P1.S1.S1.S1 in www.dgsi.pt, defendendo que tendo por base o superior interesse da criança, basta para a verificação da quebra ou comprometimento sério do vínculo afetivo próprio da filiação a que alude o nº 1 do artigo 1978º do CC, a quebra do vínculo afetivo da criança para com os pais.
[13] Vide sobre este conceito de vinculação o exposto no Ac. TRL de 12/03/2019, nº de processo 1/16.7T1VFC.L1-7 in www.dgsi.pt
[14] Vide sobre a interpretação que é feita desta al. e) do nº 1 do artigo 1978º do CC, o justificado no Ac. STJ de 17/06/2025, nº de processo 244/23.7T8PRD.P1.S1 in www.dgsi.pt e demais doutrina e jurisprudência nele citados.
[15] Rosa Barroso in “A Adoção e o direito de uma criança a uma família” in Ebook CEJ, Adoção, 2015, afirma que “Existe a obrigação de definir em tempo útil um projeto que assegure um desenvolvimento integral e harmonioso dessa criança. Útil para não acrescer em danos. É que a criança tem direito a crescer numa família (…).
O princípio da prevalência da família significa: que o menor tem o direito a desenvolver-se no seio duma família (enquanto célula fundamental da sociedade no seu processo de socialização e de desenvolvimento). Se a criança tem uma família natural que quer assumir as funções parentais, de forma satisfatória, não deve a criança ser separada dessa família, ainda que com ajuda externa. Só não a tendo, é que haverá que encontrar uma família adotiva/substitutiva e, caso se demonstre ser essa a solução adequada, de acordo com os seus superiores interesses. Esta prevalência da família deve ser entendida como a solução de prevalência da família, biológica, ou adotiva, desde que seja uma família que assegura os seus direitos.
A proteção da infância não pode continuar exclusivamente centrada na ideia de recuperação da família biológica, a todo o custo, esquecendo que o tempo das crianças, não é necessariamente o mesmo das suas famílias de origem.
Daí que esgotadas as possibilidades de a criança usufruir de um crescimento feliz e saudável dentro da sua família biológica, com o apoio do Estado e da sociedade ou com o recurso à família biológica alargada, a adoção surge como a resposta possível e desejável.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Crianças de 20 de Novembro de 1989 reconhece expressamente que: “esgotadas as possibilidades de a criança usufruir de um crescimento feliz e saudável dentro da sua família biológica, com o apoio do Estado e da sociedade, ou com o recurso à família biológica alargada, a adoção surge com uma resposta possível e satisfatória”.
[16] Vide neste sentido o decidido no Ac. TRG de 06/10/2016, processo nº 291/11.1TBVPAT.G2 in www.dgsi.pt