Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
134/21.8T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL PEIXOTO PEREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
SEGURO DE GARAGISTA
CONTRIBUTO DO LESADO PARA OS DANOS
Nº do Documento: RP20251009134/21.8T8PVZ.P1
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A confissão judicial efetuada em procedimento cautelar, atento o disposto na 2ª parte, do n.º 3, do art.° 355°, do Cód. Civ., vale para o processo principal. Tendo sido aí tomado depoimento/declarações, devidamente reduzida a assentada declaração confessória, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas, pois, dos artigos 355º, nº 3 e 358º, n.º 1, ambos do CC, aquela confissão judicial escrita tem força plena contra a confitente nestes autos, com o que, provado por confissão, sem mais, o facto respetivo.
II - O seguro previsto no artº 6º, nº3, do DL 291/2007, é o seguro de responsabilidade civil para garantir a utilização do veículo enquanto o garagista/vendedor tiver a sua direção efetiva, isto é, o utilizar por virtude das suas funções e no exercício da sua atividade profissional.
III - Se não resulta aquela direção efetiva, detenção ou poderes de disposição pelo dono do stand/tomador do seguro (hipótese distinta do “abuso de funções” que caracteriza a situação de inoponibilidade prevista no referido art. 7º), quedamo-nos fora do âmbito da responsabilidade garantida ou segurada.
IV - Ausentes os factos que determinariam a afirmação da responsabilidade civil do dono do stand e tomador do seguro (cfr. art 503º, n.º 1 do CC), não é convocável o seguro por ele celebrado para cobrir já a responsabilidade “exclusiva” do proprietário do veículo.
V - O seguro convocado é-o da responsabilidade civil do tomador/stand, que não da responsabilidade civil do condutor do veículo, sendo que, no caso, esta “evidência” é prejudicada pela relação profissional intercedente à data do sinistro e pela identificação do condutor como “pessoa segura.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 134/21.8T8PVZ.P1

Relatora: Isabel Peixoto Pereira

1º Adjunto: José Manuel Correia

2º Adjunto: António Carneiro da Silva


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Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

AA veio propor acção de condenação contra FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e BB, concluindo pelo pedido de condenação dos RR a satisfazerem-lhe uma indemnização, que líquida, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais para si emergentes de um acidente de viação ocorrido com veículo tripulado pelo segundo co-demanadado, com culpa do condutor, sendo que a responsabilidade civil se não encontrava transferida para qualquer Companhia de Seguros.

Reclamou inicialmente a quantia de € 100.000,00, bem como os valores relegados para liquidação em execução de sentença ou ampliação do pedido, sendo que, em 24/9/2024 a autora deduziu ampliação do pedido em mais €150,000,00, liquidando o valor do dano patrimonial futuro em €100.000,00 e o dano biológico em €50.000,00.

O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP veio intervir a título principal nos autos, reclamando ser ressarcido pelo demandado BB da quantia de €1.600,26, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Contestou o FGA e requereu a intervenção principal provocada da A..., Plc, na sua qualidade de seguradora do veículo interveniente no sinistro, mais pugnando pela culpa da demandante no agravamento do dano, por não circular com cinto de segurança, mais impugnando os danos reclamados.

A interveniente veio pugnar pela inexistência de seguro do veículo.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, pela qual:
1. Se julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se, solidariamente, os réus Fundo de Garantia Automóvel e BB a pagar à autora:

- a quantia de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais;

- a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico

- os juros de mora contabilizados sobre tais quantias, à taxa legal, contabilizados desde a data da decisão;

2. se absolveu a interveniente “A..., Plc” dos pedidos;

Nessa parte se fixaram custas por autora e réus FGA e BB na proporção de, respetivamente, 70% para a autora e 30% para os réus, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a autora;

3. Se julgou procedente o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto de Segurança Social e, em consequência, condenou o réu BB a pagar a esse Instituto a quantia de €1.600,26 (mil e seiscentos euros e vinte e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, com custas quanto a esse pedido pelo réu BB.

É desta decisão que vêm interpostos dois recursos. Assim:


A) Pela Autora, quanto aos valores arbitrados a título de indemnização, que apoda de manifestamente miserabilísticos e como tal não indemnizatórios da dimensão e gravidade dos danos sofridos, mediante as seguintes conclusões:

I - Na douta decisão proferida fixou-se à Autora uma indemnização global de € 75.000,00;
II - Tal valor é manifestamente miserabilístico, atenta a gravidade dos danos corporais sofridos pela mesma;
III - Com efeito, à Autora foi fixada uma incapacidade parcial geral de 15 Pontos, com esforços acrescidos;
IV - E, nesta medida, considerando a idade, salário e respetiva incapacidade, a título de dano patrimonial futuro deverá fixar-se-lhe a quantia de € 62.674,50.
V - Tal défice à integridade física e psíquica que afeta a saúde e bem-estar da Autora, com repercussão na sua vida social e familiar e de bem-estar, implica uma limitação física e diminuição da capacidade de usar o corpo em toda a sua plenitude, deve ser tratado como um dano autónomo e funcional, ou seja, como dano biológico, que não se confunde com o dano patrimonial da perda de capacidade de ganho, conforme estabelece, à contrário sensu, o artº 9º nº 3 da Portaria 377/2008.
VI - Pelo que tal dano biológico deve ser fixado na quantia de € 50.000,00;
VII - Por fim, e no que diz respeito aos danos morais, é de salientar:
- O longo período de internamento hospitalar a que a Autora foi sujeita.
- As duas cirurgias a que se submeteu.
- A repercussão na atividade profissional de 463 dias, sempre com ITA.
- O quantum doloris no grau 4/7
- O dano estético no gau 4/7
- E a repercussão nas atividades desportivas de 4/7
VIII - Tudo isto deve ser valorado a título de danos morais com uma quantia não inferior a € 60.000,00.
IX - Pelo exposto, e nos termos atrás enunciados, deve fixar-se à Autora uma indemnização global de € 172.674,50.
X - A decisão proferida violou, assim, o disposto no artº 496º nº 1 do Cód. Civil, e artº 9º nº 3, à contrario sensu, da Portaria nº 377/2008.
Termos em que o recurso deve ser admitido e, consequentemente, alterar-se a decisão proferida.

B) Pelo co-demandado FGA, o qual versa sobre quatro pontos essenciais:

i) A decisão tomada quanto à matéria de facto a respeito dos factos considerados provados e não provados;

ii) A contradição entre os factos provados sob o número 11) e 16), a “Motivação” e a “Fundamentação de Direito” da Sentença no que concerne à exclusão da cobertura do Seguro de Garagista;

iii) A responsabilidade da interveniente A...;

iv) A culpa da lesada na produção e agravamento dos danos por si sofridos.

São as seguintes as conclusões respectivas:

i. Deve ser considerado provado o facto descrito na sentença como matéria de facto não provada sob o número 1), ou seja, que a Autora se fazia transportar no veículo de matrícula ..-ZV-.. sem utilizar o cinto de segurança;

ii. Ademais, tal decorre quer do depoimento transcrito do réu BB, quer da confissão expressa da autora e das declarações da testemunha CC em sede de audiência de julgamento do procedimento cautelar em apenso aos presentes autos;

iii. É notório que as declarações prestadas nesta sede pela autora e às quais o Tribunal confere credibilidade, não são verdadeiras o que se justifica pelas justas consequências sofridas pela autora em virtude dessa confissão, i.e. a redução em 20%, em sede de arbitramento de reparação provisória, dos valores prestacionais arbitrados;

iv. Deverão ser aditados à matéria de facto provada:

a) O réu BB adquiriu a viatura de matrícula ..-ZV-.. para revenda, tendo-a anunciado no “stand” de DD.

b) Caso o “stand” angariasse comprador para a referida viatura, receberia uma parte do valor da venda;

v. Ademais, tal decorre do depoimento transcrito do réu BB;

vi. Ao contrário da narrativa que se pretendeu criar nos presentes autos, o réu BB adquiriu esta viatura não para uso pessoal, mas com o mero intuito de revenda, tendo-a imediatamente anunciado, na qualidade de vendedor, no stand do DD;

vii. A venda desta viatura, caso proviesse da angariação do comprador por parte do “stand” resultaria num proveito para o mesmo;

viii. Esta era uma prática comum na relação entre o réu e o “stand” sendo que para nenhuma das viaturas que assim adquire, providencia pelo registo automóvel ou contrata um contrato de seguro, uma vez que tem o seu “seguro de carta”, que é precisamente o seguro de garagista celebrado pelo DD com a interveniente A..., titulado pela Apólice n.º ..., que tem indicado como “Vendedor” BB;

ix. Estes factos revestem especial relevância quando a venda da viatura é utilizada como argumento na sentença para excluir a atendibilidade do referido seguro de garagista, o que não pode colher já que as circunstâncias quer da venda da viatura quer de o réu BB, no momento do sinistro, se encontrar a utilizar a viatura em apreço no âmbito da sua vida pessoal, não são oponíveis ao FGA;

x. O Tribunal da Relação deve reapreciar os meios de prova indicados relativamente ao ponto da matéria de facto que se questiona, almejando uma autónoma convicção probatória – por isso se fala de segundo grau de julgamento da matéria de facto - pelo que pode alterar e aditar respostas dadas à matéria de facto quando a reapreciação da prova conduza com segurança a um resultado diverso, não se exigindo apenas erro notório, que no caso (porém) também se verifica;

xi. Existem duas contradições verificadas entre os factos provados 11) e 16) e a motivação e fundamentação da sentença sub judice;

xii. Quanto ao facto 11), a divergência de datas apontadas como correspondendo à venda do veículo a qual, tendo em consideração os documentos juntos aos autos e a discussão em audiência de julgamento, se crê tratar-se de um erro do Tribunal no ano da referida venda (que será 2020) carece da respetiva retificação;

xiii. Verifica-se que, pese embora no facto 16) dos factos provados conste expressamente que o réu BB foi funcionário de DD até data posterior a 14/09/2020, ou seja, até depois do acidente, e inclusive na “Motivação” se faça a menção de que tal facto se deu como provado atendendo às declarações da testemunha DD, do réu BB e da testemunha CC, o Tribunal utiliza como (um dos argumentos) para não considerar atendível o seguro de garagista titulado pela Apólice n.º ..., o facto de o mesmo já não ser funcionário do DD à data do sinistro;

xiv. Este argumento não tem qualquer correspondência com a realidade, plasmada no facto provado 16) pelo que nunca poderá ser invocado como critério de exclusão da atendibilidade daquele contrato de seguro.

xv. Assim, particularmente no que se refere à fundamentação de direito da sentença, impõe-se a sua revogação neste particular;

xvi. Acresce que, considera a recorrente que a circulação do veículo de matrícula ..-ZV-.. se encontrava garantida pela Apólice n.º ..., contrato de seguro esse celebrado com a seguradora A... Plc – Sucursal de Portugal;

xvii. A venda da viatura de matrícula ..-ZV-.. em nada releva no que à lesada e ao FGA diz respeito, porquanto, a caducidade do contrato emergente da alienação do veículo, estabelecida no artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, de 21/08, é inoponível ao lesado e ao FGA, enquanto meio de defesa da seguradora previsto no artigo 22.º do DL n.º 291/2007 e no artigo 147.º do RJCS;

xviii. Por outro lado, apesar de o veículo de matrícula ..-ZV-.. se encontrar, no momento do sinistro, a ser conduzido pelo titular da apólice, mas fora das suas obrigações profissionais, tal circunstância não é oponível à lesada nem ao FGA;

xix. A Interveniente Seguradora deve responder pelos danos decorrentes do sinistro, tal como prevê o n.º 1 do artigo 7.º do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, assistindo-lhe depois o direito de regresso contra o garagista ou o titular do seguro de carta – conforme a alínea f) do artigo 27.º do mesmo diploma legal;

xx. O presente sinistro encontra-se excluído do âmbito de competências do FGA, impondo-se a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que determine a absolvição do FGA do pedido;

xxi. Sem conceder, em face da alteração da decisão quanto à matéria de facto requerida, os valores indemnizatórios arbitrados, terão de ser reduzidos, ao abrigo do disposto no artigo 570.º do Código Civil, em função da contribuição da recorrida na extensão dos danos por si sofridos;

xxii. O comportamento da recorrida, ao fazer-se transportar no veículo de matrícula ..-ZV-.. sem utilizar o competente cinto de segurança, contribuiu de forma decisiva para os danos que esta veio infelizmente a sofrer;

xxiii. Em geral e abstrato, a ausência de cinto de segurança é um facto omissivo apto a causar agravamento das lesões em caso de acidente de viação, pelo que se afigura incontroverso que a conduta da recorrida, para além de ilícita, pois integra uma infração ao artigo 82.º, n.º 1, do Código da Estrada, é culposa, pelo que o seu grau de comparticipação para a produção dos danos deverá ser fixado em, pelo menos, 20%, por aplicação do disposto no artigo 570.º, n.º 1 do CC.;

xxiv. O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 7.º n.º 1, 21.º n.º 1, 23.º, 27.º f), 48.º e 49.º do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, 82.º n.º 1 do Código da Estrada, 570.º n.º 1 do Código Civil e 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil.

Respondeu a interveniente Companhia de Seguros, pugnando pela improcedência do Recurso pelo FGA, desde logo na medida em que os factos cujo aditamento o Recorrente pretende não correspondem a matéria oportunamente alegada por nenhuma das partes, pelo que não podem ser considerados. Sempre pugna pela imprestabilidade do depoimento do co-Réu, convocado, para a aquisição pretendida.

II.

São as seguintes as questões a decidir nos autos:

a) a do erro de julgamento na matéria de facto quanto ao facto não provado sob o ponto 1 e, em consequência,

b) a da redução da indemnização arbitrada por concorrência de culpa da lesada no agravamento do dano;

c) a da existência de seguro que cobrisse a circulação do veículo, a implicar agora com as questões:

i)a da necessidade e possibilidade de ampliação da matéria de facto provada, em termos de resultar ou implicar a existência e subsistência de seguro válido e eficaz quanto ao veículo interveniente no sinistro e

ii) a da contradição entre factos provados e fundamentação da sentença, em termos de mais resultar a existência e subsistência de seguro eficaz, posto que inoponíveis ao FGA quer a venda anterior do veículo, quer a condução fora da actividade profissional pelo co-demandado;

d)a da justeza ou adequação dos valores indemnizatórios arbitrados.

É a seguinte a matéria de facto provada e não provada:

1) No dia 14 de setembro de 2020, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-ZV-.., conduzido pelo Réu BB, circulava pela Autoestrada ..., em ..., Vila do Conde, no sentido .../....

2) O condutor deste veículo imprimia ao mesmo uma velocidade superior a 120 km/hora.

3) Razão pela qual, ao aproximar-se do Km 20,700 da referida via e ao descrever uma curva para a sua esquerda deixou sair o veículo da faixa de rodagem, em despiste.

4) Indo embater no talude existente do lado direito da berma, capotando e imobilizando-se na referida berma ao Km 20, 780 da referida via.

5) No momento chovia, pelo que o piso da via se encontrava molhado.

6) A Autora seguia como passageira no interior do referido veículo.

7) O veículo de matrícula ..-ZV-.. era, à data do acidente, da propriedade do Réu BB.

8) Este Réu não transferiu a responsabilidade civil pela circulação do aludido veículo para uma companhia de seguros.

9) DD havia transferido para a interveniente A... a responsabilidade civil automóvel emergente de sinistros quanto ao veículo de matrícula ..-ZV-.. através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....

10) Em 7 de Agosto de 2020 o mencionado DD requereu a substituição de veículo, passando tal apólice a partir dessa data a abranger o veículo de matrícula ..-QP-...

11) DD vendeu o veículo automóvel de matrícula ..-ZV-.. em 10 de setembro de 2022 ao réu BB.

12) Nesse dia o réu BB assinou um termo de responsabilidade pelo qual assumiu “inteira responsabilidade pelos prejuízos, quaisquer que sejam as causas, que o referido veículo possa eventualmente sofrer ou causar a terceiros”.

13) E ainda declarou ter tomado conhecimento que “a mencionada viatura não está

coberta por qualquer seguro de responsabilidade civil (obrigatório por lei)”.

14) DD é comerciante de automóveis.

15) Nessa qualidade, o referido DD celebrou com a interveniente A... um contrato de seguro de carta ou garagista, titulado pela Apólice n.º ..., no dia 18 de setembro de 2019, tendo indicado o “Vendedor” BB, com a carta de condução ....

16) O réu BB foi funcionário de DD até data não concretamente apurada, mas posterior a 14/9/2020,

17) O réu BB conduzia o veículo de matrícula ..-ZV-.. no dia 14 de setembro de 2020, na qualidade de proprietário do mesmo e em momento da sua vida pessoal.

18) BB não possuía qualquer seguro de responsabilidade civil relativamente ao veículo de matrícula ..-ZV-...

19) Em consequência do acidente a autora sofreu fratura dos 10.º e 11.º arcos costais direitos, fratura exposta da tíbia e do perónio esquerdos, com duas feridas na face anterior e fratura da D7, tendo ficado encarcerada no veículo em que era transportada.

20) Foi transportada após desencarceramento para o Hospital ..., no Porto, onde foi submetida a uma intervenção cirúrgica em 14/9/2020 para encavilhamento com vareta e parafusos na tíbia esquerda e instrumentação pedidular D5 e D9.

21) Ficou internada nesse hospital até 23/9/2020, sendo que, nessa data, foi transferida para o Hospital 1..., onde ficou internada, tendo tido alta em 14/11/2020.

22) Em 2/11/2020 foi submetida a EMOS de parafusos distais para dinamização da vareta e correção de aparente alongamento da tíbia.

23) Em 5/11/2020 fez artroscopia anterior do tornozelo e alongamento do tendão de Aquiles.

24) Em 17/6/2021 foi internada novamente no Hospital 1... para

tratamento cirúrgico, tendo tido alta em 20/6/2021.

25) Por motivo das lesões sofridas, o Instituto da Segurança Social pagou à Autora o montante de €1.600,26, a título de subsídio de doença, no período compreendido entre 14.09.2020 e 14.01.2021.

26) Em consequência das lesões sofridas a autora ficou com uma cicatriz nacarada com vestígios de pontos, longitudinal, com 20 cm sobre a linha média da região dorsal, referindo diminuição da sensibilidade em ao longo de toda a cicatriz, contratura paravertebral bilateral, referindo dor à palpação, à direita da linha média, diminuição do movimento de inclinação e rotação direitas por dor no hemitórax direito, dor à compressão no toráx anteroposterior e laterolateral, referida à face lateral e posterior do hemitórax direito, limitação do movimento de abdução do ombro a 155º e de flexão a 165°, amiotrofia de 2cm na perna, 3 cicatrizes longitudinais no membro inferior esquerdo, arroxeadas, com vestígios de pontos nacarados, a maior na face anterior do joelho com 5x1cm, as outras duas com 2x1cm

27) As sequelas das lesões sofridas em consequência do acidente determinam para a autora um défice funcional temporário total de 66 dias, um défice funcional temporário parcial de 586 dias, uma repercussão temporária na atividade profissional total de 463 dias e uma repercussão temporária na atividade profissional parcial de 189 dias.

28) Tais sequelas determinam para a autora um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 15 pontos de acordo com a Tabela de Avaliação de Incapacidade em Direito Civil

29) e uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer de 4 pontos numa escala de 7.

30) As dores de que padeceu e padece quantificam-se num grau 4 numa escala de 7.

31) As sequelas sofridas pela autora traduzem-se num dano estético permanente fixável no grau 4 numa escala de 7.

32) A autora nasceu em ../../1984 (junto em 15/1/2025)

33) A autora trabalhava ao balcão de uma pastelaria e, em julho de 2020, auferia uma retribuição base no valor de €635,00 (recibo junto com a petição inicial)

Com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos e, designadamente, não se provou que:

1) A autora fazia-se transportar no veículo de matrícula ..-ZV-.. sem utilizar o cinto de segurança.

2) A mesma, em consequência do embate, foi projetada para o exterior do veículo.

3) As sequelas de que ficou a padecer a autora impedem-na de exercer a sua profissão habitual.

4) Em consequência do acidente a autora sofreu contusões pulmonares.

5) A autora não consegue movimentar a perna esquerda.

6) A autora está dependente da ajuda de terceira pessoa para todos os atos da vida diária, nomeadamente, alimentar-se, fazer a sua higiene, vestir-se.

Quanto à motivação, no que ao caso importa:

(…) Este tribunal considerou como assentes os pontos 11 a 13 considerando os depoimentos do réu BB e da testemunha DD sendo ambos foram coincidentes ao explicar que este último vendeu o veículo de matrícula ..-ZV-.. em 10 de setembro de 2022 ao réu BB, tendo este confirmado que assinou o termo de responsabilidade cuja cópia se encontra junta à contestação da A....

Valoraram-se ainda os documentos juntos aos autos em 18/2/2025 que corroboram tais depoimentos.

Salientamos que este tribunal considerou credíveis tais depoimentos porquanto os mesmos foram prestados de forma clara e isenta e por que não se vislumbra por que razão é que o réu BB viria a juízo admitir ter adquirido o veículo em data anterior ao sinistro e não ter transferido a responsabilidade civil do mesmo sabendo que tais factos o prejudicam e afetam se tal não correspondesse à realidade.

Acresce que analisada a participação do sinistro feita pela GNR na altura do acidente junta em 19/1/2022 dela resulta que o aqui réu BB se terá assumido logo no momento como sendo o proprietário do veículo.

A testemunha DD confirmou igualmente que é comerciante de automóveis e que o réu BB foi funcionário no seu stand, o que foi corroborado pelo réu BB, sendo que ambos foram coincidentes a explicar que o réu trabalhou no stand até pouco depois do acidente.

Do depoimento da testemunha CC (que também seguia no veículo sinistrado no momento do acidente) também resultou que este tinha conhecimento que o réu BB trabalhava num stand. Conjugados esses depoimentos foram dados como provados os pontos 14 e 16.

Quanto ao ponto 15 valorou-se o depoimento do mencionado DD e o teor do documento junto à contestação da A..., sendo que da análise desse documento resulta que o referido DD celebrou com a interveniente A... um contrato de seguro de carta ou garagista, titulado pela Apólice n.º ..., no dia 18 de setembro de 2019, tendo indicado o “Vendedor” BB, com a carta de condução ....

O réu BB no seu depoimento confessou que conduzia o veículo de matrícula ..-ZV-.. na data do acidente na qualidade de proprietário do mesmo e em momento da sua vida pessoal, bem como que não possuía qualquer seguro de responsabilidade civil desse veículo pelo que foram dados como provados os pontos 17 e 18, sendo certo que, atendendo a regras de experiência comum e juízos de normalidade, não se vislumbra por que razão é que o réu BB viria a juízo admitir que conduzia um veículo que era sua propriedade e em momento da sua vida pessoal, sabendo que essa factualidade lhe é prejudicial se a mesma não correspondesse à realidade.

(…) O ponto 1 dos factos não provados não foi considerado assente porquanto não foi feita prova nos autos que a autora se fazia transportar no veículo acidentado sem utilizar o cinto de segurança.

Com efeito, a autora referiu não ter lembrança se no momento do acidente tinha ou não colocado o cinto. Embora este tribunal estranhe esse esquecimento, a verdade é que sempre teremos de ter em conta que a autora em consequência do despiste ficou encarcerada durante bastante tempo, de acordo com o que é mencionado na participação da GNR e mesmo nos registos clínicos de entrada na urgência do Hospital ..., tendo estado submetida a fortes dores pelo facto de apresentar uma fratura exposta, pelo que é de admitir que possa não se recordar com rigor dessa factualidade.

As demais testemunhas inquiridas nenhuma delas conseguiu, com certeza, precisar de a autora levava ou não colocado o cinto, pelo que entendemos que não foi feita prova dessa factualidade.

a) Do erro de julgamento quanto à falta de aquisição probatória da falta de uso de cinto de segurança pela demandante

Tendo-se por cumpridos os pressupostos do conhecimento respectivo[1], cabe, em geral, analisar a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pelo recorrente, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, por forma a apurar se a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise.

Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes[2], que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia. «Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Em resumo, reapreciação dos meios de prova, de todos os meios de prova, mas verificação ainda da correcção do juízo probatório constante da sentença recorrida, em termos de não estar em causa a substituição de um juízo probatório possível por outro, mas a confirmação da evidência da apreciação errada da prova pelo juiz recorrido.

De todo o modo, a impugnação da matéria de facto não se destina a contrapor a convicção da parte e do seu mandatário à convicção formada pelo tribunal, com vista à alteração da decisão. Destina-se, sim, à especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (art. 640.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil).

A impugnação da matéria de facto mais pode relevar directamente de uma questão eminentemente jurídica, qual seja, a da desconsideração da força probatória plena de um meio de prova existente.

Desde logo, nos termos do disposto no art.° 383° do CPC, nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar tem qualquer influência no julgamento da acção principal, ou seja, nem a decisão sobre a matéria de facto, nem a decisão final do procedimento podem influenciar a decisão da matéria de facto e a sentença proferidas na acção declarativa, mormente não fazem caso julgado material.

Como bem refere, Abrantes Geraldes (pág. 138, do Tomo II, 2a ed., dos Temas da Reforma do Processo Civil ) ao que o dispositivo citado se refere, quando alude à decisão sobre a matéria de facto, é à decisão final do procedimento cautelar e não aos meios de prova produzidos na providência cautelar.

Quanto a estes, desde que tenha sido produzido o devido contraditório, nada obsta que os documentos, nos termos do disposto no art.° 421° do CPC, e a prova arbitral e os depoimentos produzidos no procedimento cautelar, nos termos do disposto no n.o 1 do art.° 421° do CPC, sejam atendidos no processo principal, quanto mais não seja, como princípio de prova (2a parte da referida norma do CPC).

E quanto à confissão judicial efectuada em procedimento cautelar, atento o disposto na 2a parte, do n.º 3, do art.° 355°, do Cód. Civ., vale para o processo principal.

Ora, quando se atente, consultados os autos respectivos, na acta de julgamento em sede de procedimento cautelar apenso, na audiência realizada em 12.07.2021, tendo sido aí tomado depoimento/declarações à ali requerente e aqui Autora, devidamente reduzida a assentada foi a declaração confessória por ela de que circulava sem o cinto de segurança.

Donde, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas, pois, dos artigos 355º, nº 3 e 358º, n.º 1, ambos do CC, aquela confissão judicial escrita tem força plena contra a confitente nestes autos, com o que, provado por confissão, sem mais, o facto respectivo. Desnecessário, assim, convocar outros meios de prova, mormente os arregimentados pelo Recorrente.

Nessa parte, pois, assistindo razão ao recorrente, cumpre haver aquele facto sob 1 dos factos não provados como provado, o que se decide.

De todo o modo, cabendo agora apurar do imprescindível nexo causal entre aquela conduta e o agravamento dos danos sofridos (escamoteado na sentença recorrida por via da falta de prova do facto principal), o que, ainda que mediante recurso a juízos de normalidade e regras da experiência comum, por via agora de presunções judiciais ou naturais, tem a sua sede própria no juízo de facto[3], temos para nós que, analisada a prova documental e testemunhal, não é possível ter por demonstrado no caso aquele nexo, com a certeza bastante.

Assim, tem-se por não provado agora, aditando-se, sob o ponto 1 dos não provados, que caso a A. tivesse utilizado cinto as lesões não se teriam verificado ou não e teriam verificado com a extensão e a gravidade/intensidade apuradas.

Naturalmente, há que apreciar a prova no seu conjunto, conjugando todos os elementos probatórios produzidos no processo e atendíveis independentemente da sua proveniência. E, nessa apreciação global, o julgador poderá lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais, isto é, no seu prudente arbítrio, o julgador poderá deduzir de certo facto conhecido um facto desconhecido (artigos 349.º e 351.º).

A noção de presunção consta do artigo 349.º: “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.

Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.

As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. “Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência”.[4]

Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser “graves, precisas e concordantes”. “São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar”.[5]

A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.

A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção.[6]

A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.

A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção.

Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.

A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros.

A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança. Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.

Ora, a falta de cinto de segurança pode implicar um nexo causal com o agravamento das lesões, mas a demonstração desse nexo depende da prova concreta de que o não uso do cinto foi a causa determinante para tal agravamento e não apenas um factor (teoricamente) possível (possibilitador). É necessário provar, através de regras de experiência ou perícia, que a inobservância do uso do cinto contribuiu para o aumento da gravidade dos danos sofridos.

Em alguns casos, a experiência comum, a partir agora da natureza do acidente e tipo de lesões, pode indiciar que a falta de cinto influenciou a produção ou agravamento de certas lesões.

Vejam-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STJ de 19.12.2018, processo 1173/14.OT2AVR.P1.S1, todos na base de dados da dgsi; o Ac Relação de Guimarães 12/7/2016, (Mª Amália Santos), o veículo onde seguia o lesado capotou várias vezes, o que lhe causou, além do mais, lesões na cabeça (traumatismo craniano) e na coluna (fractura e luxação da coluna vertebral); também no Ac STJ de 6/5/2004 (Ferreira de Almeida), ocorreu «capotamento e circunstâncias particularmente aparatosas», referindo-se nesse aresto, apesar de se ter concluído pela culpa do lesado, «que o simples não uso do cinto de segurança pelos passageiros dos veículos automóveis (em violação do dever imposto pelo art. 82°, nº 1 do Código da Estrada de 1994 - anterior artº 83º, nº 1 do mesmo diploma) não deve, em princípio (sendo, todavia, sempre necessária uma ponderação casuística), mormente se a eclosão do acidente houver sido provocado por terceiro, ser considerado (presumidamente) concausal para as lesões sofridas, nos termos e para os efeitos do artigo 570º do Código Civil, pois que em termos de previsibilidade normal e típica, se encontrará à margem do processo causador/desencadeador das lesões»; no Ac R C de 15/9/2015 (Mª Catarina Gonçalves), a colisão foi frontal e dela decorreu a projecção do sinistrado que não usava cinto de segurança; o que igualmente sucedeu no acidente a que se reporta o Ac STJ de 21/12/2013 (Mª dos Prazeres Beleza). No Ac R P de 14/3/2016, o lesado foi projectado do habitáculo do veículo e os restantes quatro ocupantes do mesmo veículo permaneceram no seu interior apenas tendo sofrido ferimentos ligeiros, dado terem colocados os respetivos cintos de segurança.

Sempre a circunstância de no agravamento do dano se estar num plano de causalidade sucessiva, não afasta a necessidade da conduta do lesado se ter de se apresentar como causa real do agravamento dos danos.

Só é possível afirmar que um resultado se mostra decorrente de uma determinada acção em função de factos que encadeadamente o demonstrem, (a menos que o legislador interferira na questão específica de determinada causalidade estabelecendo uma presunção legal, como sucede, v.g., com a condução sob o efeito de TAS superior à legalmente permitida).

Ora, se a afirmação da causalidade é questão que só se resolve em função de um processo causal e este há-de decorrer de factos e de presunções de facto entre eles – a menos que haja a referida presunção legal, e não existe na matéria em que nos encontramos - cabia ao R., agora apelante, que invocou a culpa do lesado, fazer a prova desse processo causal, isto é, que foi porque, nas concretas circunstâncias em que o acidente se deu, circulava sem cinto de segurança que o transportado viu agravadas as lesões corporais que para ele sempre decorreriam do acidente.

Mas, na verdade, a dinâmica do acidente que o R. alegou na contestação não se veio a provar. Efectivamente, não se provou que a lesada tenha sido projectada para o exterior da viatura, o maior risco empiricamente associado ao não uso de cinto de retenção.

Sempre as lesões padecidas, mesmo ao nível da grade costal e da coluna e, decisivamente, a dos membros inferiores e o próprio encarceramento, não se apresentam, directa e manifestamente, em relação com o não uso do mecanismo de retenção, sendo que outrossim ausente a menção a um tal nexo em sede de relatório pericial.

Tudo para dizer da insuficiência probatória da relação intercedente e o não uso do mecanismo de retenção e as lesões (qualquer delas) ou a sua gravidade, remetendo-se para o aditamento ou ampliação da matéria havida como indemonstrada.

c) a questão de facto e de direito da existência de seguro que cobrisse a circulação do veículo, a implicar agora com as questões:

i) da necessidade e possibilidade de ampliação da matéria de facto provada e

ii) da contradição entre os factos provados sob o número 11) e 16), a “Motivação” e a “Fundamentação de Direito” da Sentença no que concerne à exclusão da cobertura do Seguro de Garagista.

Pugna o Recorrente pelo aditamento da seguinte matéria de facto, reconduzindo-se desde logo, ao depoimento mesmo do co-demandado, adquirido proprietário e adquirente do veículo interveniente no sinistro:

a) O réu BB adquiriu a viatura de matrícula ..-ZV-.. para revenda, tendo-a anunciado no “stand” de DD;

b) Caso o “stand” angariasse comprador para a referida viatura, receberia uma parte do valor da venda.

Desde logo, está em causa matéria trazida à audiência (e apenas), já que absolutamente ausente dos articulados e pelo depoimento do co-demandado, adiante-se, sujeito da obrigação de segurar o veículo, como proprietário e principal interessado na “alegada” venda…

Com efeito, o nosso ordenamento processual só admite a atendibilidade, na decisão da causa, de matéria não alegada pelas partes quando a mesma não consubstancie factualidade essencial (que identifique ou individualize a causa de pedir e/ou a excepção alegadas).

Dispõe o art.º 5º, do NCPC, a propósito, que:

“1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.

2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”.

Decorre, pois, deste preceito legal que, sem prejuízo de às partes caber a formação da matéria de facto, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais que integram a causa de pedir, ao tribunal cabe a assunção de uma posição activa, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo, reconhecendo-se ao juiz, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova a possibilidade de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado e de os utilizar quando resultem da instrução e da discussão da causa e desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório [vide, art.ºs 607º, nºs 3 a 5, e 5º, nº 2, al. b), do NCPC].

Porque reservada às partes a alegação dos factos essenciais identificadores ou individualizadores da causa de pedir e/ou excepção alegadas (factos essenciais nucleares), não pode o juiz considerar, na decisão, factos essenciais diversos dos alegados pelas partes, podendo somente ser atendidos e integrados na fundamentação de facto da decisão da causa (além dos notórios e daqueles que o tribunal conheça por virtude do exercício das suas funções – al. c) do nº 2 do art.º 5º do NCPC), os factos que, não desempenhando tal função individualizadora ou identificadora da causa de pedir e/ou excepções alegadas, se revelem imprescindíveis à procedência da acção ou da excepção, por também constitutivos do direito invocado ou excepção arguida (factos essenciais complementares), assim como os factos instrumentais (aqueles que permitem a afirmação, por indução, de factos de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da excepção).

Assim, apenas podem ser considerados na sentença (com referência, sempre, aos limites de cognição do tribunal traçados pela causa de pedir e/ou excepção individualizadas e identificadas nos factos essenciais alegados pelo autor e pelo réu – art.º 5º, nº 1 e 615º, nº 1, al. d) do NCPC) os factos complementares e instrumentais – estes, quando resultem da instrução da causa (art.º 5º, nº 2, a) do NCPC); aqueles, quando resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido as partes possibilidade de se pronunciar (art.º 5º, nº 2, b) do NCPC).

Factos essenciais são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu.

Factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito. São aqueles que indiciam os factos essenciais e, ainda que sejam secundários ou não essenciais, permitem aferir a ocorrência e a consistência dos factos principais; permitem “a afirmação, por indução, de factos de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da exceção” e, não se mostrando “imprescindível a sua alegação, podem ser livremente averiguados e discutidos na audiência final em torno da produção e valoração dos meios de prova e em face dos temas da prova enunciados” (vide, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 29).

Quanto aos factos complementares são aqueles que, não integrando a causa de pedir, são complementares dessa causa de pedir e, por isso, podem ser também essenciais para a procedência da acção; o mesmo se diga para os factos complementares de uma excepção peremptória: embora não integrem essa excepção, podem revelar-se essenciais para a improcedência da acção com base na excepção.

Para Paulo Pimenta (in, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 20 e 21) os factos complementares e os concretizadores são, a par dos factos nucleares (os referidos no nº 1 do art.º 5º do NCPC), modalidades de factos essenciais: os nucleares constituem o núcleo primordial da causa de pedir ou da excepção, de forma a que a sua omissão implica a ineptidão da petição inicial ou a nulidade da excepção e os factos complementares e os concretizadores embora também integrem a causa de pedir ou a excepção não têm já uma função individualizadora pelo que a omissão da sua alegação já não é passível de gerar a ineptidão da petição inicial ou a nulidade da excepção. Para este autor “os factos complementares são os completadores de uma causa de pedir (ou de uma exceção) complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma exceção) aglutinadora de diversos elementos, uns constitutivos do seu núcleo primordial, outros complementando aquele” e os factos concretizadores “têm por função pormenorizar ou explicitar o quadro fáctico exposto, sendo exatamente essa pormenorização dos factos anteriormente alegados que se torna fundamental para a procedência da ação (ou exceção)”.

Os factos complementares “[A]lém de poderem ser adquiridos durante a instrução da causa (…) também podem ser adquiridos na sequência do convite ao aperfeiçoamento do articulado da parte (art. 590.º, n.º 2, al. b), e 4); como não se pode entender que este convite possa servir para a parte completar uma causa de pedir insuficiente (dado que este vício determina a ineptidão da petição inicial e esta ineptidão não é sanável), só se pode concluir que os factos complementares não integram a causa de pedir (…) A conclusão de que os factos complementares não integram a causa de pedir é confirmada pelo disposto no art. 590.º, n.º 6, nCPC: este preceito estabelece que os factos alegados pela parte na sequência do convite formulado pelo tribunal não podem implicar uma alteração da causa de pedir. Isto significa que os factos que são suscetíveis de ser invocados pela parte não podem constituir nenhuma nova causa de pedir, ou seja, só podem ser factos complementares da causa de pedir invocada pelo autor” (vide, Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, https://blogippc.com).

Também Teixeira de Sousa, in ‘Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil’, Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 396 e 397 (na sequência do que ensina já nos Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, p. 71 a 74), nota que deve distinguir-se a factualidade necessária “para individualizar a pretensão material alegada pelo autor, isto é, para se saber qual a pretensão material que o autor quer defender em juízo”, que constitui a causa de pedir, daquela que constitui factualidade complementar ou instrumental, nos seguintes termos:

- os factos complementares “concretizam ou complementam os factos que integram a causa de pedir (cf. art. 5.º, n.º 2, al. b))” e “asseguram a concludência da alegação da parte”; não “esgotam uma previsão legal, mas, como complemento dos factos que integram a causa de pedir, são necessários para a procedência da pretensão da parte” e “realizam, por isso, uma função de fundamentação desta pretensão”;

- os “factos instrumentais (cf. art. 5.º, n.º 2, al. a)) são os factos que indiciam, através de presunções legais ou judiciais (cf. art. 349.º a 351.º CC), os factos que constituem a causa de pedir ou os factos complementares; os factos instrumentais compõem a base de uma presunção e a causa de pedir ou os factos complementares os factos presumidos; portanto, os factos instrumentais cumprem apenas uma função probatória dos factos indispensáveis à procedência da causa.”.

A consideração dos factos complementares ou concretizadores em resultado da instrução tem agora, segundo entendemos, natureza oficiosa; isto é, não obstante a parte interessada continuar a poder ter a iniciativa de deles se querer aproveitar, agora não é necessário requerimento nesse sentido da parte interessada e nem a sua concordância para que o tribunal os possa considerar.

Neste sentido consagrou-se na al. b) do nº 2 do art.º 5º do NCPC que além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, mas desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.

Afastada a configuração como factos complementares, discutível estarem em causa meros factos instrumentais da existência do seguro indicado na participação do acidente, facto essencial (e único) alegado na contestação do Recorrente; sendo certo que ausente (da acta, como do decurso da audiência gravada) a manifestação da vontade da parte em aproveitar-se desses factos e, assim, o verdadeiro e próprio exercício do contraditório quanto à relevância desse segmento do depoimento pela contraparte. Creem-se, pois, fora do âmbito dos poderes de cognição do tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 5º, n.º 2 a contrario do CPC, tanto mais que nem da acta da audiência na qual foi prestado o depoimento, nem da audição do seu registo, emerge agora ocorrência da situação prevista no nº 2 do artigo 589º do CPC…

Decisivo se nos apresenta que tal matéria factual não se evidencie juridicamente relevante, qualquer que seja a decisão que sobre a mesma venha a ser proferida à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito a solucionar.

Donde, atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de actos inúteis (artigo 130º do vigente Código de Processo Civil).

Como refere Abrantes Geraldes[7] “De acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objecto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) n) Abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”. No mesmo sentido cfr. os Acórdãos da Relação de Coimbra de 24.4.2012, processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, e da Relação de Guimarães de 10.09.2015, processo n.º 639/13.4TTBRG.G1, todos na base de dados da dgsi.

Por esse motivo, adiante-se, sempre nos abstemo-nos de reapreciar a decisão da matéria de facto relativamente aos factos cuja inclusão se sugere…

Na verdade, o que releva na situação decidenda é o âmbito de cobertura do seguro convocado pelo FGA, o referido em 15), sem o qual não pode, nunca, falar-se em responsabilização da A... pelos danos causados por aquele condutor, ainda quando no espaço de actividade do stand para o qual ainda trabalhava o condutor do veículo (no pressuposto da “revenda” combinada cujo aditamento se pretende).

Não se esqueça que o seguro em causa, na configuração da lei, o é por quem não seja o proprietário do veículo[8]/[9], no pressuposto da possibilidade de uso/circulação geradora do risco de sinistro, por via da actividade da venda. Bem assim que não está em causa um puro e simples “seguro de carta”…

Donde a cobertura contratada vai referida necessariamente não apenas à pessoa identificada no contrato como condutor/vendedor empregado (funcionário), sequer ao (concomitante) facto de o veículo se encontrar à venda pelo tomador, mas já à responsabilidade do garagista/vendedor/stand, pela conduta do seu funcionário…

Por isso que, decisivo, na situação decidenda, não o é a acção da condução pelo co-demandado “fora do exercício” da sua actividade de funcionário/trabalhador/ comissário do vendedor de veículos[10], é antes o incumprimento por ele da sua obrigação de segurar o veículo sua propriedade[11], com ele circulando no seu próprio interesse e sem que tenha resultado[12] qualquer detenção, posse ou uso pelo tomador do seguro convocado quanto ao veículo em causa…

Não se estando, pois[13], perante uma hipótese típica (a da inoponibilidade e sempre perante o lesado) de “abuso” de auxiliar do responsável civil, dono do stand que está na posse de veículo e o utiliza no seu próprio interesse; o que se evidencia é antes que, não se verificando os pressupostos mesmos da responsabilidade do garagista/dono do stand, naturalmente que o seguro que garante esta não cobre o sinistro em apreço….

O contrato foi celebrado para estes efeitos, única e exclusivamente, com o que o risco da circulação de um veículo apenas conduzido pelo funcionário do Stand, seu proprietário e no exercício do uso dos poderes de proprietário, quando nada resulte, traduzido em factos, naturalmente, quanto ao “domínio” da disponibilidade do veículo pelo tomador do seguro de garagista, existente, não pode haver-se como coberto pelo seguro em causa.

Nessa medida é que, reconhecendo-se, também, a invocada contradição na sentença recorrida, quando apela em sede de motivação de direito, ao facto de o sinistro ter ocorrido após a cessação do vínculo laboral com o indicado condutor “seguro”, para justificar, também (que não apenas) a falta de cobertura pelo seguro de garagista, a qual gera a sua parcial nulidade e a eliminação daquele segmento de fundamentação, a mesma não se releva decisiva à questão que cabe dirimir.

De sublinhar que o tipo de contrato em análise regula-se pelas disposições da respectiva apólice (condições gerais, especiais e particulares acordadas) não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições da LSO.

O seguro celebrado e em causa vem a ser o denominado seguro de garagista, que, como resulta da matéria assente, vai referido à condução pelo condutor interveniente/responsável. Ora, não importa apenas que aquele ainda fosse, à/na data do sinistro, vendedor do stand que outorgou a cobertura convocada. Nem também que o veículo, propriedade, como adquirido, daquele condutor se encontrasse à venda no stand em questão, pelo que perspectivável um “interesse” do tomador do seguro (objecto da pretendida ampliação)…

Sobre o seguro de garagista, escreve MARIA MANUELA RAMALHO SOUSA CHICHORRO[14] que “Os seguros destes profissionais (refere-se, portanto, aos garagistas) “apresentam algumas variações relativamente ao regime geral do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. No contrato consta como objecto seguro a carta de condução do segurado e não um determinado veículo como é habitual. Significa isto que estes profissionais da indústria automóvel ficam garantidos pela condução que realizem de viaturas de determinadas características abrangidas pela categoria de veículos para os quais tenham habilitação legal para conduzir”.

Assim, portanto, o seguro de garagista abrange a responsabilidade civil automóvel dos profissionais da indústria e comércio automóvel, limitada aos riscos e valores máximos estabelecidos no contrato, relativamente a sinistros ocorridos com qualquer veículo do tipo e cilindrada ali mencionados “desde que, evidentemente, a condução seja efectuada pelo portador da carta de condução segura e esteja no exercício de uma das actividades já mencionadas”.

O seguro em apreço está previsto no artº 6º, nº3, do DL 291/2007, sendo o seguro de responsabilidade civil para garantir a utilização do veículo enquanto o garagista/vendedor tiver a sua direcção efectiva, isto é, o utilizar por virtude das suas funções e no exercício da sua actividade profissional.

Ora, não resulta[15] aquela direcção efectiva, detenção ou poderes de disposição pelo dono do stand/tomador do seguro, com o que, fora do âmbito da responsabilidade garantida ou segurada, imediatamente excluído do objecto/garantia do contrato de seguro em apreço o sinistro…, nos termos da lei, como do “objecto” contratado.

Como escrevem ADELINO GARÇÃO SOARES, JOSÉ MAIA DOS SANTOS e MARIA JOSÉ RANGEL MESQUITA[16], “em princípio o denominado seguro de garagistas só cobre os riscos resultantes de sinistros ocorridos com veículos de terceiros por si utilizados no desempenho da sua actividade profissional.[17] Isto sem prejuízo do disposto no art. 7º da mesma lei. Sempre a inoponibilidade é um princípio fundamental que protege o terceiro lesado em um acidente, a qual é mais restrita do que no “normal” seguro de responsabilidade civil obrigatório, pois o seguro de garagista incide sobre a responsabilidade no exercício de uma actividade específica.

Em resumo, o Decreto-Lei n.º 291/2007 e, especificamente, o seu artigo 7.º, estabelecem que a inoponibilidade garante que os lesados não sejam prejudicados por questões internas da actividade do segurado. Não já que o seguro exista e subsista fora do seu domínio de cobertura.

A obrigação de efectuar e manter em vigor um contrato de seguro de responsabilidade civil não tem que recair necessariamente sobre o titular da propriedade do veículo, pois «o que importa não é saber a quem pertence o veículo, mas quem de facto o dirige e dele se aproveita, isto é, quem cria o risco[18]», salientando este Mestre que «a finalidade essencial do requisito da direcção efectiva do artigo 503º, nº 1 do C. C, é afastar a responsabilidade daqueles que, a qualquer título, não tenham o poder efectivo da direcção ou disposição do veículo e, por isso, não criem o risco especial derivado da sua utilização[19]».

E quem tem a direcção efectiva do veículo é «a pessoa que, de facto, goza ou usufrui as vantagens dele, e a quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento»[20], não dependendo essa direcção efectiva do domínio jurídico sobre a viatura, podendo existir sem esse domínio, da mesma forma que tal domínio pode existir sem ela, «pois essa direcção, intencional e expressamente qualificada pela lei como efectiva, se identifica com o poder real (de facto) sobre o veículo em causa»[21].

O caso paradigmático da perda temporária da direcção efectiva do veículo por banda do seu dono e da ausência do interesse exclusivo na sua utilização vem a ser o da colocação de um veículo numa oficina, para reparar ou num stand, para vender. É que o mesmo passa então a estar à guarda do garagista que, no exercício da sua actividade, pode exercer a sua condução, através de funcionários, assim detendo o poder de facto sobre a viatura e o correlativo interesse profissional em utilizá-lo.

Como bem se diz no Ac. do STJ de 05.07.2007 (JOÃO MOREIRA CAMILO), o garagista não exerce a sua actividade sob a direcção do dono do veículo e não existe uma relação de subordinação ou de dependência entre ambos. Já assim também decidiu o acórdão do Supremo de 21-10-92[22], concluindo que “o proprietário de uma viatura automóvel que a entrega a uma oficina para reparação perde a direcção efectiva do veículo a favor deste, durante o período de reparação e enquanto se encontrar em poder do garagista, o que, desde logo, é indiciado pela existência de um direito de retenção do garagista sobre o proprietário, no caso de não pagamento das despesas efectuadas por aquele (arts. 754º e 755º, nº1 alíneas c) e d) do Cód. Civil).”. Ainda sobre a direcção efectiva do veículo por banda do garagista, pode ver-se: a Revista n.º 1283/03 - 6.ª Secção - Nuno Cameira (Relator); 30-09-2004 - Revista n.º 2445/04 - 6.ª Secção - Silva Salazar; 31-05-2005 - Revista n.º 1059/05 - 1.ª Secção (Reis Figueira); 05-07-2007 - Revista n.º 1991/07 - 6.ª Secção - João Camilo; 17-12-2009 - Revista n.º 209/2001.S1 - 2.ª Secção - Bettencourt de Faria; 15-02-2018 - Revista n.º 36/08.3TBSTS.P2.S2 - 2.ª Secção - Rosa Tching, todos acessíveis na base de dados da dgsi.

Em causa nos autos um seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, sendo um seguro com natureza pessoal (quem se segura não é o veículo, mas, sim, a responsabilidade da pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação dos danos causados a terceiros por veículos de circulação terrestre a motor[23]).

Ora, no caso, como se adiantou, ausentes os factos que determinariam a afirmação da responsabilidade civil do dono do stand e tomador do seguro (cfr. art 503º, n.º 1 do CC), não é convocável o seguro por ele celebrado para cobrir já a responsabilidade “exclusiva” do proprietário do veículo.

O seguro convocado é-o da responsabilidade civil do tomador/stand, que não da responsabilidade civil do condutor do veículo, sendo que, no caso, esta “evidência” é prejudicada pela relação profissional intercedente à data do sinistro e pela identificação do condutor como “pessoa segura”.

Na medida em que não convocável o contrato de seguro em apreço, por não se reportar à responsabilidade civil em causa nestes autos, demonstrado agora que o veículo não tinha seguro válido e eficaz pelo proprietário, o responsável civil exclusivo, perfeitamente subsistente a fundamentação da sentença recorrida no que importa à responsabilidade do FGA.

Nessa parte, para ela nos remetemos, sendo que não suscita dúvidas.

Acrescente-se, apenas, que a função social do contrato de seguro (com que também se preocupa o Recorrente, ainda mediante a alusão à interpretação conforme ao Direito Europeu, mormente o aplicado pelo TJEU, sendo que não se encontra, pela irrelevância também das “inoponibilidades” cuja análise convoca, qualquer necessidade ou pertinência de o analisar) está aqui perfeitamente assegurada.

Com efeito, para além das tradicionais funções económicas e sociais reconhecidas aos contratos de seguro em geral, o contrato de SORCA desempenha uma função social única que está intrinsecamente dependente do carácter obrigatório da contratação do mesmo. Esta função é descrita por muitos autores como a “socialização do risco”.

A função social do seguro consiste, então, na máxima proteção das vítimas dos acidentes de viação, a qual é assegurada por dois pilares: por um lado, o pilar da obrigatoriedade do seguro; por outro, o pilar do Fundo de Garantia Automóvel (FGA)[24]. O objectivo do FGA é a garantia da indemnização às vítimas de acidente de viação, designadamente, havendo incumprimento, por parte do responsável, da sua obrigação de contratação de SORCA. A proteção que o FGA oferece às vítimas, maxime nesta situação, é representativo do seu alcance, o qual se estende muito para além do âmbito do SORCA e das próprias regras de responsabilidade civil[25].

Ora, essa garantia da indemnização da vítima (a Autora) está plenamente assegurada com a decisão que nessa parte se impõe confirmar.

d) da justeza ou adequação dos valores indemnizatórios arbitrados, a coenvolver já, lógica e sistematicamente, a questão da redução da indemnização arbitrada por concorrência de culpa da lesada no agravamento do dano

No que a esta última importa, em causa a apreciação normativa da questão já aventada, em sede de causalidade naturalística.

Hão-de ser as circunstâncias a definir a adequação da causa, mas sem perder de vista que para a produção do dano pode ter havido a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e que a causalidade não tem de ser necessariamente directa e imediata, bastando que a acção condicionante desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano–causalidade indirecta. Pode também acontecer que a lesão resulte de duas ou mais causas, que vários factos tenham contribuído para a produção do mesmo dano, isto é, que haja um concurso real de causas, o que sucede, designadamente, quando nenhum dos factos, singularmente considerado, é suficiente, só por si, para produzir o efeito danoso, mas o primeiro é causa adequada do facto que se lhe sucede, praticado por outro sujeito.

Relevará, nessa aferição global da adequação, a necessidade de, num juízo de prognose posterior objectiva, formulado a partir das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de um observador experiente, se poder afirmar que certo facto do lesado, quando em colaboração com outro ou outros, provocaria ou favoreceria a espécie de dano em causa, surgindo este, pois, como uma consequência provável ou típica daquele facto. Cfr. Brandão Proença in "A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério da Imputação do Dano Extracontratual" pág. 445.

No caso, como se viu, apesar da alteração da matéria de facto, como pugnada pela Recorrente, não resulta já que o não uso de equipamento de retenção tenha causado ou agravado as demonstradas lesões, com o que, nessa parte, improcedente o Recurso e a pretensão de diminuição dos valores arbitrados, por via da consideração da culpa da lesada.

Reconduzidos, pois, ao Recurso pela Autora, no que tange agora aos valores indemnizatórios arbitrados.

Relativamente à Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, invocada pela recorrente, cumpre referir que a mesma — posteriormente alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho — estabelece, no seu Anexo III, uma fórmula de cálculo do dano patrimonial futuro, acompanhada de uma tabela prática de aplicação.

Essa Portaria fixa critérios e valores orientadores para apresentação, pelos responsáveis civis ou seguradoras, de propostas razoáveis de indemnização por dano corporal resultante de acidentes de viação, em conformidade com o Capítulo III, Título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, diploma que aprovou o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, em vigor desde 20 de outubro de 2007 (cf. artigo 95.º).

O objetivo principal deste normativo é agilizar a composição extrajudicial de litígios relativos a sinistros automóveis com danos corporais, mediante a adopção de procedimentos padronizados pelas seguradoras.

Importa, porém, salientar que os valores e critérios fixados na referida Portaria não têm caráter vinculativo para os tribunais. Tal decorre expressamente do n.º 2 do artigo 1.º do diploma, que estipula que “as disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos”. Também o respetivo preâmbulo o explicita ao afirmar que não se pretende a “fixação definitiva de valores indemnizatórios”, mas sim a criação de parâmetros orientadores para a razoabilidade das propostas, permitindo, inclusive, à autoridade de supervisão avaliar objetivamente tais propostas (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.01.2025, proc. n.º 2073/20.0T8VFR.P1.S1, relator Jorge Leal, e Ac. STJ de 28.03.2023, proc. n.º 3410/20.3Y8VNG.P1.S1, relator Isaías Pádua, na base de dados da dgsi).

Como é sabido, o responsável pelo facto ilícito encontra-se obrigado a indemnizar os danos causados, nos termos do artigo 562.º do Código Civil, segundo o qual “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Por seu turno, o artigo 563.º exige a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano: “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Nos termos do artigo 564.º, n.º 1, a indemnização abrange tanto os danos emergentes como os lucros cessantes, entendidos como “o prejuízo causado” e os “benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”. Já o n.º 2 do mesmo artigo permite a consideração dos danos futuros, desde que previsíveis.

Nos termos do artigo 566.º do Código Civil, a indemnização deve, em primeira linha, traduzir-se na reconstituição natural. Se esta não for possível, não repuser integralmente os danos, ou for excessivamente onerosa para o devedor, então a reparação será feita em dinheiro. Esta será medida pela diferença patrimonial entre a situação atual e aquela que o lesado teria se o evento danoso não tivesse ocorrido (n.º 2 do artigo 566.º). Quando o valor exato não puder ser determinado, o tribunal decide equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3).

Relativamente aos danos não patrimoniais, dispõe o artigo 496.º, n.º 1, que apenas são indemnizáveis aqueles que, “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. O n.º 3 remete a quantificação para a equidade, considerando os fatores do artigo 494.º: grau de culpa, situação económica do agente e do lesado, e demais circunstâncias do caso.

Na impossibilidade de eliminar o dano imaterial, visa-se uma compensação pecuniária, mitigadora do sofrimento sofrido. Tal compensação cumpre igualmente uma função de reprovação civil, impondo ao lesante uma sanção de natureza privada (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 8.ª ed., Almedina, pp. 611-613; Ac. STJ de 10.02.1998, Col. STJ, Tomo I, p. 67).

Assim, a única condição para a compensabilidade dos danos não patrimoniais é a sua gravidade (cf. artigo 496.º, n.º 1). Esses danos são, por natureza, indeterminados e de difícil quantificação, não se tratando propriamente de uma reparação, mas de um esforço de compensação (cf. Vaz Serra, Bol. 83, p. 83; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.ª ed., p. 378 ss; Ac. STJ de 24.02.2015, proc. n.º 2147/07, in Sumários, Fev. 2015, p. 48).

A finalidade da indemnização, nestes casos, é proporcionar ao lesado um montante que compense, dentro do possível, o sofrimento físico ou psicológico experimentado, punindo civilmente o lesante (cf. Antunes Varela, op. cit., p. 630).

Os factos provados e valorados pelo Tribunal a quo sustentam a existência de danos não patrimoniais de natureza grave, claramente delimitados e justificativos da compensação.

No que respeita à sua quantificação, sendo tais danos subjetivos e não mensuráveis por critérios matemáticos, há que recorrer à equidade e à valoração subjetiva, considerando elementos como a idade, saúde, sensibilidade emocional do lesado, entre outros (cf. Maria Manuel Veloso, “Danos não patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil, vol. III, p. 506).

A equidade, nesse contexto, constitui o instrumento por excelência do julgador — a justiça do caso concreto — que deve ser aplicada dentro dos limites da matéria de facto provada (cf. A. Castanheira Neves, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, 1971-72, p. 244; Manuel Carneiro da Frada, in Forjar o Direito, Almedina, 2015, pp. 656, 675-676; Ac. STJ de 23.09.2021, proc. 162/19.3T8VRS.E1.S1, relatora Catarina Serra).

Tal abordagem assegura também o respeito pelo princípio da igualdade, nos termos do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, promovendo a uniformização jurisprudencial.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem, nesse sentido, evoluído para uma análise detalhada dos diversos parâmetros do dano não patrimonial, tais como: Quantum doloris – dor física e moral durante a convalescença; Dano estético – prejuízo anatómico-funcional; Prejuízo de afirmação social – impacto nas relações sociais; Dano à saúde geral e longevidade – sofrimento irreversível e diminuição da esperança de vida; Pretium juventutis – frustração do projecto de vida juvenil (cf. Ac. STJ de 25.10.2018, proc. n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1, relator Helder Almeida).

Tais desenvolvimentos são fruto dos progressos das ciências humanas, permitindo uma avaliação mais rigorosa do sofrimento resultante do acto danoso.

A jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a reconhecer indemnizações substanciais em função da gravidade dos danos, como se ilustra nos seguintes arestos:

● Ac. STJ de 10.12.2024, proc. n.º 8415/17.9T8LSB.L1.S1 – €80.000 por lesões físicas e psicológicas duradouras;

● Ac. STJ de 19.09.2024, proc. n.º 347/21.2T8PNF.P1.S1 – €200.000 por paraplegia e sofrimento extremo;

● Ac. STJ de 06.03.2024, proc. n.º 13390/18.0T9PRT.P1.S1 – €150.000 por incapacidades permanentes severas;

● Ac. STJ de 06.02.2024, proc. n.º 21244/17.0T8PRT.P1.S1 – €175.000 por défice funcional e sofrimento prolongado;

● Ac. STJ de 05.09.2023, proc. n.º 549/16.3T8LRA-C2.S1 – €75.000 por impotência e sofrimento emocional grave;

● Ac. STJ de 08.11.2022, proc. n.º 2133/16.2T8CTB.C1.S1 – €70.000 por perda de atividades desportivas e lazer;

● Ac. STJ de 19.10.2021, proc. n.º 7098/16.8T8PRT.P1.S1 – €125.000 por incapacidade e sofrimento psíquico persistente.

Todos estes julgados reafirmam a importância da equidade fundamentada na prova e na jurisprudência consolidada, enquanto instrumento de realização da justiça material.

Como é consabido, a indemnização por danos não patrimoniais deve ser, em termos de quantum, não irrelevante ou simbólica, mas significativa, visando propiciar compensação adequada quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, direcionados para as circunstâncias do caso, sem esquecer os padrões jurisprudenciais indemnizatórios atualizados.

Devendo o Tribunal de recurso adoptar um critério que apenas considere suscetível de revogação, por inadequada, uma solução que, de forma manifesta, exceda certa margem de liberdade decisória do Tribunal a quo.

Ora, tem-se por verificada esta situação, quando se atente agora: no relevo ou dimensão do quantum doloris, do dano estético e do prejuízo de afirmação pessoal. No lapso de tempo pelo qual se prolongou a ITA da A, na necessidade de dupla intervenção cirúrgica, o que tudo é de molde a justificar o arbitramento de uma indemnização de 50.000 EUR.

Já não assim quanto aos danos patrimoniais.

Alinha-se já na tendência jurisprudencial que se vem afirmando desde há largo tempo no sentido do primado das regras da equidade na fixação de tal tipo de indemnização, de que são exemplo os Ac. do STJ de 17/05/2011, Processo 7449/05.0TBVFR.P1.S1; de 07/06/2011, Processo 3042/06.9TBPNF e de 06/12/2011, Processo 52/06.0TBVNC.G1.S1, de 21/01/2016, Processo n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1 e de 04/06/2015, Processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1 todos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj.

Parece-nos ser esta, em obediência aos critérios legais aí referidos, a melhor solução e a que mais se adequa à função do julgador ao dirimir o conflito entre as partes.

O que não implica, como é óbvio, que o tribunal não se socorra de operações de cálculo, sem as quais seria de todo, ou quase de todo, impossível computar a indemnização devida.

O que se pretende realçar é o primado das regras de equidade e do arbítrio do julgador, sem as quais se esvazia de conteúdo a própria função de julgar, tal como a mesma é configurada nos preceitos legais ora citados, para as substituir por meras operações de cálculo matemático e/ou financeiro.

Em causa já a questão da ressarcibilidade da perda de capacidade laboral geral, do denominado dano biológico, sob a vertente patrimonial. Recorre-se já à terminologia de Maria da Graça Trigo, a quem se deve a reflexão mais e completa sobre a jurisprudência portuguesa que sobre este particular vem versando, vg em Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português, ROA, Ano 72, I, Jan-Mar 2012 e em Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Lisboa, UC, 2015.

Os Tribunais superiores têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, porquanto se entende que a existência de incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, pode determinar a necessidade de desenvolver um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido.

Com efeito, conforme se escreve no já longínquo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2012[26] “a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”. Mais adiante desenvolve “ na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira capitis deminutio num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais”.

Neste contexto, os lucros cessantes não decorrem apenas de uma incapacidade que implique uma perda total ou parcial de rendimentos auferidos pelo lesado no exercício da sua atividade profissional, mas igualmente prejuízos que incidem na sua esfera patrimonial[27], relacionados com a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis[28].

Noutra perspetiva, o dano biológico tem sido configurado como um tertius genus, com autonomia relativamente ao dano não patrimonial, pois se pondera que se trata de um dano de natureza específica, que envolve prioritariamente uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado[29], que implica uma perda genérica de potencialidades funcionais do lesado das quais deriva penosidade acrescida no exercício das tarefas do dia a dia[30]/[31]. Nessa medida, entende-se que mesmo não sendo perspetiváveis perdas patrimoniais próximas ou previsíveis, aquela perda constitui um dano ressarcível, o qual, pela sua gravidade, não poderá deixar de merecer a tutela do direito[32].

Por outras palavras, o dano biológico enquanto dano-evento, integrado por uma lesão de bens eminentemente pessoais, concretamente, da saúde, coloca a ênfase num aspeto importante: tratando-se de uma incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, traduz-se numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando (ou podia desempenhar), com regularidade[33]. Este enquadramento permite valorizar o dano biológico em lesados que não entraram ainda no mercado de trabalho ou que, por via da idade ou de outras vicissitudes, não exercem uma atividade profissional.

O dano em causa é entendido como tendo um cariz dinâmico compreendendo vários fatores, sejam atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais[34], tanto mais que se traduz numa “diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”[35]. Por outras palavras, o dano biológico reflete a afetação da potencialidade física do lesado determinando uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará, com perda de qualidade de vida.

[Aqui se consigna que o recurso a jurisprudência já longínqua no tempo visa reforçar a noção acima de estar em causa na fixação equitativa da indemnização um complexo de conceitos, noções ou aquisições sedimentadas e fundamentadas ao longo do tempo pela jurisprudência, mormente dos tribunais superiores.]

Mais do que a respectiva qualificação — como dano patrimonial, não patrimonial ou como um tertium genus —, o que verdadeiramente se revela complexo é atribuir a soma justa tendente a ressarcir um dano que, na jurisprudência dos tribunais superiores, é tratado de modo díspar.

Quando esteja em causa uma incapacidade que não implique abandono da profissão ou perda de capacidade de ganho, mas antes acréscimo dos esforços para o desempenho das mesmas tarefas profissionais, as indemnizações arbitradas divergem substancialmente, apesar de a esmagadora maioria das mesmas recorrer ao mesmo tipo de cálculo e de todas elas se socorrerem da equidade, com a consequente desigualdade no tratamento dos titulares do direito a uma indemnização.

Assim se afirma no Ac. do TRL de 22.11.2016 que «(…) inexiste um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido, o dano biológico. Enquanto uma parte da jurisprudência (talvez maioritária) o configura como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; outra parte admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, segundo uma análise casuística. Assim, em função das consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais) variará também o próprio dano biológico. Existe também uma terceira posição que o qualifica como dano base ou dano- -evento que deve ser ressarcido autonomamente».

Ainda assim, com excepção da corrente que defende que a ofensa à integridade física e psíquica da vítima, quando dela não resulte perda da capacidade de ganho, apenas tem expressão nos danos não patrimoniais[36], para as demais correntes, este dano, na vertente patrimonial, deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso consistindo o prejuízo a indemnizar.

Sufraga-se, a exemplo do Ac. do TRL de 22.11.2016, na base de dados da dgsi, o pressuposto de que «(…) o dano biológico constitui uma lesão da integridade psicofísica, susceptível de avaliação médico-legal e de compensação, estando a integridade psicofísica tutelada directamente no artigo 25.º, n.º 1, da Constituição («a integridade moral e física das pessoas é inviolável») e no artigo 70.º, n.º 1, do Código Civil».

Assume-se, como naquele mesmo Acórdão, que o dano consiste «[n]uma incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais em geral, e numa consequente e, igualmente previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando com regularidade».

Reconhece-se que tal dano tem expressão patrimonial, por se admitir que a respectiva integração no dano não patrimonial tende à subvalorização do mesmo: é a avaliação médico-legal e o respectivo enquadramento tabelar que fornecem a base para que a jurisprudência possa partir de elementos objectivos para a determinação do valor da indemnização. Reportar o dano da afectação psicofísica à categoria de dano não patrimonial, a mais de desconsiderar que a capacidade de obter rendimento, que fica prejudicada, constitui um dano de natureza patrimonial, acrescenta nas mãos do julgador o encargo de materializar o que não é material, aumentando a álea e, com isso, a potencial desigualdade entre lesados[37]. Quanto à quantificação deste dano, sublinha-se no Ac. do TRP de 30.09.2014 (no mesmo lugar) que tal «(…) constitui uma espinhosa tarefa (…). A percepção das dificuldades e, mais do que isso, a apreciação crítica da diversidade dos resultados decorrente do recurso a critérios rodeados de elevada dose de subjectividade levou a que em alguns sistemas se tenha avançado para a introdução de outros potenciadores de maior objectividade. Assim aconteceu, por exemplo, em Espanha, com a introdução de medidas de “baremacion”, nos termos da Ley n.º 30/1995, de 8-11, vinculativas para os tribunais. Ainda que sem o mesmo valor vinculativo, é um tal sistema assente em “barémes” que se encontra implantado em França (…). É de reconhecer também o esforço do legislador português no sentido da uniformização de critérios de cálculo e defesa do interesse das vítimas de acidentes de viação, designadamente através da publicação de vários diplomas, como sejam o Decreto-Lei n.º 83/2006, de 3 de Maio, o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro — que introduziu na ordem jurídica portuguesa a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil —, a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, que, complementando-o, estabeleceu os valores orientadores de proposta razoável para indemnização do dano corporal resultante de acidente de automóvel e a Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, que, além do mais, veio actualizar os valores daqueloutra, de acordo com o índice de preços ao consumidor de 2008».

No que concerne aos fatores a ponderar no respetivo cálculo, com vista à maior uniformidade na sua quantificação, têm sido apontados os seguintes[38]:

- a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;

- no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;

- os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização são apenas um instrumento de auxílio, meramente indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação que se impõe fundada na equidade;

- deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, permitindo ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, pelo que há que considerar esses proveitos introduzindo um desconto no valor encontrado;

- deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa do lesado, a respetiva esperança média de vida do lesado, enquanto “pessoa” e “cidadão”, que vive para além do tempo da reforma[39];

- a idade do lesado;

- o grau de défice funcional permanente;

- as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou atividade económica alternativa, aferidas, em regra, pelas suas qualificações.

A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, sendo que a prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente incompatível com as circunstâncias do caso (Acórdão do STJ, de 4 de junho de 2015, acessível em www.dgsi.pt).

Nessa parte têm-se como perfeitamente atendidos ou valorados os factores a atender e, nessa medida, como justa a indemnização arbitrada também.

III.
a) Concede-se parcial provimento ao recurso interposto pela Autora, arbitrando-se a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos a quantia de 50.000 EUR, mantendo-se, quanto aos danos patrimoniais e demais, o decidido na sentença. Custas nos termos decididos na sentença recorrida;
b) Concedendo-se parcial provimento ao recurso interposto pelo FGA, no que importa à consideração como provado do facto de a A. não usar cinto de segurança no momento do acidente, nega-se, no mais, provimento ao recurso, mantendo-se, pois, ainda que com fundamentação distinta, no que importa já à responsabilidade do FGA, pela inexistência de seguro que cubra a responsabilidade civil do condutor do veículo, a única apurada no processo, a condenação nos seus precisos termos, sem prejuízo da al. a) que antecede.
Custas do Recurso pelo Recorrente FGA, na medida da inocuidade da parcial procedência.

Notifique.


Porto, 09.10.2025
Isabel Peixoto Pereira
José Manuel Correia
António Carneiro da Silva
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[1] Pode dizer-se que, em geral, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem observado, fundamentalmente, um critério de proporcionalidade e de razoabilidade, entendendo que os ónus previstos no art. 640.º do CPC têm em vista garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objeto do recurso. Deste modo, “a apreciação da satisfação das exigências estabelecidas no art. 640.º do CPC deve consistir na aferição se da leitura concertada da alegação e das conclusões, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se encontra formulada num adequado nível de precisão e seriedade, independentemente do seu mérito intrínseco” , Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2020 (Rijo Ferreira), proc. n.º 1519/18.2T8FAR.E1.S1 – disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1519.18.2T8FAR.E1.S1/.
Vide, no mesmo sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de julho de 2020 (Nuno Pinto Oliveira), proc. n.º 4081/17.0T8VIS.C1-A.S1, – disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:4081.17.0T8VIS.C1.A.S1/; de 16 de junho de 2020 (Henrique Araújo), proc. n.º 8670/14.6T8LSB.L2.S1 – disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:8670.14.6TB8LSB.L2.S1/; de 5 de fevereiro de 2020 (Nuno Pinto Oliveira), proc. n.º 3920/14.1TCLRS.S1 – disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:3920.14.1TCLRS.S1/. Para acesso a mais jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre o tema do ónus de impugnação da matéria de facto, pode consultar-se o caderno de jurisprudência temática disponível in ttps://www.stj.pt/wp-content/uploads/2020/11/onus_-impugnacao_materia_facto-.pdf.
[2] Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, 7ª edição, págs. 274 e 277.
[3] Aqui em causa a matéria da causalidade adequada na sua feição naturalística, respeitante ao nexo entre o facto-condição e o resultado por ele provocado; sem prejuízo da ulterior apreciação em sede normativa, tendente a saber se esse facto, em abstracto, é causa adequada daquele resultado.
[4] Cfr., v.g. Vaz Serra, Direito Probatório Material, in BMJ, nº 112, pág. 190.
[5] Cfr. Carlos Maluf, As Presunções na Teoria da Prova, in "Revista da Faculdade de Direito", Universidade de São Paulo, volume LXXIX, pág. 207.
[6] Cfr. Vaz Serra, ob. e loc. cit.
[7] In Recursos em Processo Civil Novo Regime, 2.ª edição revista e actualizada pág. 297.
[8] Admitindo-se que, em alguns casos, se possa admitir a celebração de um contrato desta natureza pelo proprietário-vendedor (e anote-se que o veículo antes da venda era objecto de um seguro “normal” de responsabilidade, pelo dono do stand, seu proprietário), sempre nos casos de venda para revenda a que se reconduz o FGA, mediante o pretendido aditamento, a cobertura de um sinistro “causado” pelo veículo pelo seguro de garagista do stand nunca seria função apenas da contratada “revenda”, mas do domínio do veículo pelo vendedor/stand/garagista, ou seja, não se bastaria com a acordada revenda, nem também com o benefício económico do stand. Ponto era que resultasse também que a utilização pelo condutor o foi no âmbito das funções de empregado/vendedor do Stand ou por causa delas (ainda quando aproveitando-se das mesmas ou abusando), posto que estando o veículo na esfera de guarda do garagista.
[9] É o que mais torna irrelevante a argumentação pela Recorrente atinente à inoponibilidade da transmissão da propriedade do veículo, já que não está em casa qualquer cessação de contrato de seguro por efeito da transmissão.
[10] Com o que despicienda ademais a questão da manutenção do vínculo laboral à data do sinistro, como provada.
[11] Na responsabilidade civil automóvel, a obrigação de segurar recai, em primeira linha, sobre o proprietário do veículo, sendo certo que a subscrição por ele da declaração de “responsabilidade” havida como provada mais induz, ainda que se tivesse como verdadeira a aventada compra para revenda, uma detenção/uso ou fruição por ele do veículo, que não uma pura e simples “entrega” do veículo para venda…
[12] Não o sendo também dos factos cujo aditamento vem pedido, sem mais, donde a inutilidade já adiantada.
[13] Repete-se, mesmo que perante a realidade dos dois pretendidos aditados factos.
[14] O Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Coimbra Editora, ponto 6.3.3.1.2. Garagistas.
[15] Nem resultaria dos factos cujo aditamento se pretende.
[16]Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, 2ª ed., Coimbra, 2001, pág. 25
[17] Sem prejuízo agora da inoponibilidade
[18] VAZ SERRA, BMJ, nº 90
[19] RLJ, ano 109, pág. 163.
[20] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol.1, 10ª ed., págs. 657 e seg
[21] Entre outros, ver Ac. STJ, de 28.09.2004 (proc. 04A2445), publicado in www.dgsi.pt
[22] BMJ 420º, pág. 531.
[23] Cfr. MENEZES CORDEIRO, in, “Manual de Direito Comercial”, 2ª ed, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 827.
[24] Vide ALBUQUERQUE MATOS, O Contrato de Seguro, 2001, pág. 409.
[25] Idem.
[26] In http://www.dgsi.pt/ processo nº 632/2001.G1.S1.
[27] No sentido que “o dano biológico não se pode reduzir aos danos de natureza não patrimonial na medida em que nestes estão apenas em causa prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária e naquele estão também em causa prejuízos de natureza patrimonial provenientes das consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado”, vide Ac. STJ de 28. 01.2017 in http://www.dgsi.pt/ processo nº Proc. 1862/13.7TBGDM.P1.S1.
[28] Nesse sentido, citando a Conselheira Maria da Graça Trigo, vide Ac. STJ de 15.06.2016 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 1364/06.8TBBCL.G1.S2.
[29] O dano biológico é constituído pela lesão à integridade físico-psíquica, à saúde da pessoa em si e por si considerada, independentemente das consequências de ordem patrimonial, abrangendo as tarefas quotidianas que a lesão impede ou dificulta e as repercussões negativas em qualquer domínio em que se desenvolva a personalidade humana – nesse sentido, vide Ac. RL de 25.02.2021 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 852/17.5T8AGH.L1-2.
[30] Nesse sentido, vide Ac. STJ de 8.06.2017 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 1029/12.1TAMAI.P1.S1.
[31] Trata-se de uma limitação funcional geral com repercussões negativas no desenvolvimento de esforços e na qualidade de vida, acrescentando maior penosidade ao desgaste natural da vitalidade no que diz respeito a paciência, atenção, diminuindo perspetivas de carreira, gerando desencantos e acrescentando fragilidade a nível somático ou psíquico.
[32] Há quem sustente que apesar das conceções que defendem um ressarcimento ou compensação a definir casuisticamente verificando-se “verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade”, entende-se que “não parece oferecer grandes dúvidas o entendimento de que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia traduz mais um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial” nesse sentido, vide Ac. RL de 25.02.2021 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 852/17.5T8AGH.L1-2.
[33] Nesse sentido, vide Ac. RL de 22.11.2016 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 1550/13.4TBOER.L1-7.
[34] Nesse sentido, vide Ac. STJ de 19.05.2009 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 298/06.0TBSJM.S1.
[35] Citação do Acórdão do STJ de 4 de Outubro de 2005 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 05A2167.
[36] Em manifesta minoria. A título de exemplo, vd. o Ac. do STJ de 30.06.2016, processo n.º 161/11.3 TBPTB.G1.S1.
[37] Assim Rita Mota Soares, O dano biológico quando da afectação funcional não resulte a perda da capacidade de ganho, Julgar, n.º 33, p. 121 e ss, com uma resenha de jurisprudência.
[38] Nesse sentido, vide Ac. RC de 29.01.2019 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 342/17.6T8CBR.C1. Ainda, a título meramente exemplificativo, Ac. RL de 25.02.2021 in http://www.dgsi.pt.
[39] Basta-nos remeter para o Acórdão do STJ de 1/3/2018 (Relatora: Maria da Graça Trigo): “a afectação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial, compreendendo-se na primeira categoria a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. A fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566º,2 do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566º,3 do CC). Para tanto, relevam: (i) a idade do lesado à data do sinistro; (ii) a sua esperança média de vida (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado); (…)”. A esperança média de vida das mulheres, segundo os dados mais recentes do INE que localizámos, é de 83,5 anos.