Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2337/24.4T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
DELIBERAÇÃO ABUSIVA
Nº do Documento: RP202511262337/24.4T8STS.P1
Data do Acordão: 11/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Para os efeitos do art. 56º, nº 1, al. d) do Cód. das Sociedades Comerciais, entende-se que as deliberações cujo conteúdo é ofensivo dos bons costumes são aquelas que se traduzem em comportamentos chocantes, numa perspetiva social, designadamente se instigam à prática de atividades consideradas ilícitas.
II – Já as deliberações que, de acordo com esta mesma norma, ofendem preceitos legais que não podem ser derrogados são aquelas que infringem preceitos legais imperativos, que são de tal modo estruturantes da sociedade que os sócios não os podem pôr em causa.
III – Para se estar perante deliberação abusiva, para os efeitos do art. 58º, nº 1, al. b) do Cód. das Sociedades Comerciais, exige-se que o conteúdo aprovado seja anormal ou excessivo
IV – Não é, sem mais, abusiva a deliberação da maioria apenas suscetível de causar um dano à sociedade ou aos outros sócios na prossecução de vantagens especiais, mas aquela que traduza esta ideia na forma ou na dimensão de um excesso manifesto, abrindo margem a uma situação de clamorosa injustiça.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2337/24.4 T8STS.P1

Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 1

Apelação

Recorrente: AA

Recorrida: “A..., Lda.”

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadoras Márcia Portela e Raquel Lima

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

O requerente AA, com morada na Rua ..., ..., intentou procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra a requerida “A..., Lda.”, com sede na Rua ..., União de freguesias ..., ... e ..., concelho da Póvoa de Varzim.

Pretende que:

A. Se declare suspensa a eficácia das deliberações tomadas na Assembleia Geral da Sociedade Requerida de 31.7.2024 que determinaram o pagamento das remunerações aos sócios-gerentes BB e CC de 10.000,00€ a cada um, desde fevereiro de 2024; o condicionamento do pagamento da salário do sócio requerente subordinado a um conceito indeterminado de mais valia trazida mensalmente; a atribuição de uma gratificação extraordinária aos gerentes BB e CC de 200.000,00€ a cada um; e a aprovação das contas relativas ao exercício económico terminado a 31.12.2023.

B. Se dispense o requerente do ónus de propositura da ação principal, nos termos do disposto nos arts. 369º e 382º do Cód. Proc. Civil, e consequentemente:

Sejam declaradas nulas, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 56.º do Cód. das Sociedades Comerciais, as deliberações da assembleia da requerida de 31.7.2024;

Ou, caso assim não se entenda:

Sejam anuladas as deliberações da assembleia da requerida de 31.7.2024 por violação do disposto no art. 54º n.ºs 1 e 2 do Cód. das Sociedades Comerciais, e em consequência, verificação do estatuído nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art. 58.º do Cód. das Sociedades Comerciais.

A sociedade requerida deduziu oposição, peticionando a não suspensão das deliberações sociais impugnadas.

Foram efetuadas, por iniciativa das próprias partes e também da Mmª Juíza “a quo”, várias diligências com vista à formalização de um acordo, as quais se vieram a malograr.

Realizou-se audiência final com observância do legal formalismo.

Por fim, foi proferida decisão na qual se consideraram nulas as seguintes deliberações da assembleia da requerida realizada em 31.7.2024:

A não remuneração do sócio-gerente AA, sendo que o pagamento do seu salário passaria a ficar condicionado à discricionariedade de uma “mais-valia” que seria apurada, mensalmente, pelos outros sócios-gerentes (seus pares);

A atribuição de uma gratificação extraordinária aos gerentes BB e CC de 200.000,00€ a cada um.

O destino a dar aos resultados líquidos obtidos.

No mais o pedido formulado pelo requerente foi julgado improcedente.

Deferiu-se ainda o pedido de inversão do contencioso, dispensando-se o requerente do ónus de propositura da ação principal.

Inconformado com o decidido, interpôs recurso o requerente que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

A requerida apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.

Formulou as seguintes conclusões:

(…)

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Cumpre então apreciar e decidir.


*


FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


*


As questões a decidir são as seguintes:

I – Reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto;

II – Nulidades da decisão recorrida;

IIINulidade da deliberação que aumentou a remuneração dos sócios-gerentes BB e CC para 10.000,00€ mensais, com referência ao art. 56º, nº 1, al. d) do Cód. das Sociedades Comerciais;

IVAnulabilidade da deliberação que aumentou a remuneração dos sócios-gerentes BB e CC para 10.000,00€ mensais, com referência ao art. 58º, nº 1, al. b) do Cód. das Sociedades Comerciais;

VRatificação de anterior decisão que já aumentara a remuneração dos sócios-gerentes BB e CC para 10.000,00€ mensais.


*


É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:

A. A sociedade Requerida, é uma sociedade por quotas, com um capital social de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), dividido em três quotas:

a. uma com valor nominal de €83.346,00 (oitenta e três mil trezentos e quarenta e seis euros) pertencente ao Requerente;

b. outra com o valor nominal de €83.326,50 (oitenta e três mil trezentos e vinte e seis euros e cinquenta cêntimos) pertencente à Sócia BB, e c. outra de €83.327,50 (oitenta e três mil trezentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos) pertencente ao sócio CC.

B. A sociedade Requerida tem por objeto a Prestação de serviços à indústria, em construções mecânicas, mecano-soldadura, caldeiras industriais e todas as transformações de materiais e sua manutenção; criação, aquisição, locação, tomada de arrendamento, instalação, exploração de todos os estabelecimentos, fundos de comércio, oficinas e ateliers referentes a qualquer uma das actividades especificadas; tomada de arrendamento, aquisição, exploração ou cessão de todos os processos e alvarás referentes às mesmas actividades; participação directa ou indirecta em todas as operações ou empresas comerciais ou industriais ligadas ao objecto.

C. Para além de sócio, o Requerente é, ainda, um dos três gerentes da referida sociedade.

D. A sociedade Requerida tem, também, como gerentes os sócios BB e CC.

E. O Requerente é pai da sócia BB, a qual vive em união de facto com o sócio CC, tendo dois filhos em comum, os quais são netos do Requerente.

F. Em 31 de julho de 2024 foi realizada assembleia geral, nos termos do artigo 54.º do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC), para deliberar sobre:

a. definição e regularização das remunerações atribuídas a cada um dos gerentes;

b. avaliação da condição de gerente remunerado do sócio Sr AA, atualmente não ativo;

c. atribuição de uma gratificação extraordinária aos colaboradores e aos gerentes efetivos da empresa, pelo desempenho e sucesso obtido nos diferentes projetos nacionais e internacionais da sociedade;

d. discussão e aprovação das contas relativas ao exercício económico terminado a 31/12/2023, bem como definição do destino a dar aos resultados líquidos obtidos.

G. A Assembleia decorreu num ambiente de clara dissonância entre os sócios BB e CC e o Requerente, representada na assembleia pelo Sr. Advogado constituído no processo, suportada no conflito que se tem vindo a agudizar entre estes sócios que, atenta à sua difícil relação familiar, tem contribuído para o seu afastamento.

H. Meses antes da assembleia de 31/07/2024, os sócios BB e CC, sem ter sequer precedido da realização de uma assembleia e sem o conhecimento do Requerente, decidiram:

a. aumentar os seus vencimentos para o valor mensal de 10.000,00 Euros cada, quantia essa que vêm auferindo, pelo menos, desde fevereiro de 2024;

b. Deixar de pagar o vencimento do Requerente desde janeiro de 2024 até ao presente no montante de 1.040,00 Euros mensais, o que, na presente data, totaliza a quantia de 7.280,00 Euros, acrescido do subsídio de férias no montante de 1.040,00 Euros, encontrando-se, assim, em dívida ao Requerente o pagamento da quantia de 8.320,00 Euros;

c. Liquidar as suas contas pessoais através da sociedade, usando-a no seu interesse e em prejuízo da sua atividade económica e do Requerente;

I. Não foi fornecida ao Requerente, até à data da propositura da presente providencia cautelar – 12.08.2024, cópia da ata e respetivos anexos da assembleia em causa, apesar de ter a mesma ter sido solicitada ao Presidente da Assembleia.

J. No dia 31 de julho de 2024, pelas 10:30, na sequência da convocatória supra indicada, reuniram, na sede social da sociedade, em Assembleia Universal de sócios constituída nos termos do artigo 54.º do CSC os seguintes intervenientes:

a. DD, que é o TOC da Sociedade e que interveio na qualidade de Presidente da AG;

b. O Requerente na qualidade de sócio e representado pelo seu advogado;

c. Os Sócios BB e CC, com apoio jurídico da dra. EE, que assistiu à Assembleia.

K. A Assembleia decorreu à porta fechada.

L. Iniciada a Assembleia, e entrando no ponto a) da ordem de trabalhos “definição e regularização das remunerações atribuídas a cada um dos gerentes.”, começou-se por colocar à consideração e discussão dos presentes os salários em dívida ao aqui Requerente, na qualidade de gerente.

M. Colocada à votação foi decidido dar instruções ao departamento financeiro da sociedade para proceder ao pagamento do montante global em dívida relativo aos salários do sócio AA, aprovado com os votos favoráveis do aqui Requerente e do sócio CC e com o voto contra da sócia BB.

N. Ainda neste ponto foi colocado à discussão o pagamento da quantia de 10.000,00 Euros a cada um dos gerentes CC e BB, quantias essas que, sem precedência de uma assembleia para o efeito, já aqueles têm vindo a receber, pelo menos, desde fevereiro de 2024.

O. Esta deliberação foi aprovada e contou com os votos a favor dos indicados sócios beneficiários do valor e com o voto contra do Requerente.

P. Quanto ao ponto b) “avaliação da condição de gerente remunerado do sócio Sr. AA, atualmente não ativo”, os sócios CC e BB colocaram à discussão que o Requerente continuasse como gerente mas sendo o pagamento do seu salário condicionado à discricionariedade de uma “mais-valia” que seria apurada, mensalmente, pelos outros sócios-gerentes (seus pares), ficando, assim, tal pagamento subordinado a essa condicionante.

Q. O Requerente, representado pelo seu advogado, votou contra.

R. A deliberação foi votada favoravelmente pela maioria dos sócios BB e CC.

S. Quanto ao ponto “c) atribuição de uma gratificação extraordinária aos colaboradores e aos gerentes efetivos da empresa, pelo desempenho e sucesso obtido nos diferentes projetos nacionais e internacionais da sociedade”, foi apresentado pelos sócios CC e BB, na assembleia, um mapa das gratificações, quer quanto aos colaboradores, quer quanto às suas pessoas, que pretendiam fazer aprovar.

T. Tendo estes sócios colocado à consideração e votação a respetiva aprovação dos pagamentos dos montantes constantes desse documento, afirmando que seriam adequados em face do desempenho e resultados da sociedade, bem como dos montantes de apoio a fundo perdido recebidos (que totalizam a quantia de 428.000,00 Euros), sendo que, 400.000 Euros seriam a quota parte das gratificações dos sócios CC e BB.

U. O Requerente votou contra a atribuição e pagamento das gratificações no montante de 400.000 Euros aos sócios CC e BB por entender se revelarem totalmente desadequadas e desequilibradas em função dos resultados líquidos da empresa referentes ao ano 2023.

V. O Requerente votou a favor na parte da retribuição e pagamento das demais gratificações aos restantes colaboradores melhor identificados no documento n.º 3 pois que os montantes nessa parte totalizam 25.000 Euros, esses sim, meritórios e adequados ao desempenho dos mesmos e contribuição para os resultados líquidos positivos da sociedade.

W. Quanto a este ponto que não foi colocada à consideração e votação atribuição e pagamento de uma gratificação ao Requerente que, aliás, nem a sua pessoa consta do mapa.

X. Quanto ao ponto “d) discussão e aprovação das contas relativas ao exercício económico terminado a 31/12/2023, bem como definição do destino a dar aos resultados líquidos obtidos.”, as contas foram apresentadas pelos sócios-gerentes CC e BB, informando que a sociedade, no ano de 2023, teve um resultado positivo de 227.475,13€ (duzentos e vinte e sete mil quatrocentos e setenta e cinco euros e trezes cêntimos)

Y. O Requerente votou contra a aprovação das contas fundamentando que, uma vez ter sido afastado da gestão do “dia-a-dia” da empresa, não tem informação quanto à gestão que tem vindo a ser desenvolvida pelos outros sócios-gerentes e das reais decisões que têm vindo a ser tomadas.

Z. Os sócios CC e BB votaram a favor das contas apresentadas tendo a sua maioria prevalecido e as contas sido aprovadas.

AA. No que respeita ao destino a dar aos resultados líquidos obtidos, o aqui Requerente representado pelo seu advogado votou pela distribuição de metade dos lucros, pese embora os demais sócios tenham votado desfavoravelmente.

AB. Foi por razões associadas às férias do mês de agosto que não foi possível elaborar a mesma antes, sendo que se tratou de uma Assembleia Geral em que os respetivos sócios/gerentes foram convocados.

AC. Os sócios-gerentes BB e CC não votaram favoravelmente todas as deliberações que foram objeto da presente Assembleia Geral, pois o sócio-gerente CC votou a favor do pagamento dos remunerações do requerente (janeiro/julho 2023), enquanto que a sócio-gerente BB votou contra e, quanto à segunda parte do ponto 4 da ordem de trabalhos, a sócio-gerente BB votou contra e o sócio-gerente CC absteve-se.

AD. O requerente tem as chaves das instalações da requerida, o respetivo código do alarme, um escritório (espaço de trabalho), sendo que a requerida adquiriu em junho de 2023 e entregou-lhe um smartphone novo, porque o dele estava danificado, e adquiriu um Tablet, em 2020, para que o requerente pudesse ler os e-mails de trabalho.

AE. O requerente, a partir 2010 - quando o mesmo e os outros dois sócios/gerentes BB e CC se tornaram sócios/gerentes da requerida (o requerente era antes somente gerente da requerida) tomou a decisão de vir apenas de tarde (5 vezes por semana, 2h/3h por dia) às instalações da requerida, sendo certo que passou a não praticar os atos de gestão corrente (dia-a-dia), nem a participar nas decisões da gerência da requerida.

AF. Posteriormente, a partir de 2017, o requerente passou a comparecer, apenas 2 a 3 vezes por semana, durante 1 a 2 horas, nas instalações da requerida.

AG. Por outro lado, a título de exemplo, quando os sócios gerentes BB e CC avisaram o requerente que havia uma reunião quanto ao projeto PT2020 (banco, fornecedores, etc.), o mesmo assumiu, claramente, que não viria nesse dia, para não participar nessa reunião.

AH. No âmbito do projeto PT2020, os sócios/gerentes BB e CC tiveram reuniões, duas a três vezes por semana, de janeiro de 2017 a 2021.

AI. O projeto PT2020 abrangeu as seguintes medidas realizadas (sendo que o requerente não participou nas várias reuniões efetuadas):

a. A construção das instalações da requerida de 2017 a 2019: com o Fornecedor B... S.A – 746.821€, tendo ocorrido várias reuniões (2 a 3 reuniões no local por semana);

b. A implementação de uma inovação técnica de 2016 a 2019: INES TEC Universidade Porto – 125.000€ (tendo sucedido várias reuniões – 1 a 2 reuniões/mês);

c. Fabrico e instalação de uma célula robótica de soldadura de tubos de 2017 a 2021:

SARKKIS - 335.750€ (tendo ocorrido várias reuniões – 2 reuniões/mês)

d. A implementação do ERP – informatizado – MICROREGIO de 2019 a 2021: 136.000€ (tendo sucedido várias reuniões – 1 a 2 reunião/semana);

e. Várias reuniões com mais de 15 outros fornecedores que participaram no presente PT2020 (1.200.000€).

AJ. De 2020 a 2023, o requerente passou a comparecer, uma ou duas vezes por mês, durante 15 a 30 minutos, nas instalações da requerida, apenas quando o único cliente da requerida, que estava na sua alçada, lhe enviava uma solicitação de preço ou para recolher fotocópias ou dar um projeto de orçamento à FF (colaboradora da requerida), para esta última elaborar o respetivo orçamento e enviar ao cliente, sendo certo que o requerente nem sequer sentava, no seu local de trabalho, nas instalações da requerida.

AK. Desde janeiro de 2024 que o requerente não efetuou qualquer tipo de atividade, enquanto gerente da requerida, sendo certo que o único cliente, que estava na sua alçada, não o conseguiu contactar mais, nesse período, e consequentemente o mesmo cliente teve de contactar os serviços da requerida para o efeito.

AL. O requerente sabia do aumento salarial proposto pelos sócios-gerentes BB e CC e de que estava previsto que o mesmo iria deixar de auferir um vencimento enquanto gerente, pois ocorreu reunião, em outubro de 2023, em que os três sócios-gerentes estiveram presentes, no escritório do contabilista da requerida, Dr.º DD.

AM. O requerente foi alertado em várias reuniões (setembro e outubro 2023 e janeiro 2024) para voltar a reassumir as suas tarefas, mas em janeiro 2024, não voltou a exercer qualquer função na empresa.

AN. Subsequentemente, na Assembleia Geral Extraordinária em causa, foi ratificado o aumento do montante da remuneração já auferida (recebida) e a auferir pelos sócios gerentes BB e CC.

AO. OS 3 projetos cumulativos (Weldgalaxy – Sifide – PT2020) apresentados e executados, - 3 a 5 Weldgalaxy, 6 e 7 Sifide, 8 a 10 PT2020 - ), permitiram que a requerida recebesse 984 mil euros em apoios, tendo os sócios-gerentes BB e CC trabalhado durante sete anos e graças ao presente Projeto PT2020, a requerida passou a faturar de 1.476.202,97€ (em 2014) para 3.530.241,84€ (em 2023), duplicando o valor num espaço de 10 anos.

AP. Face à ausência do requerente verificou-se uma manifesta diminuição da atividade e faturação realizada pelo requerente, desde 2004 até 2024.

AQ. Da ata da respetiva assembleia ficou a constar que a intenção dos sócios-gerentes BB e CC em deliberar sobre o aumento da respetiva remuneração e a distribuição de uma gratificação extraordinária aos colaboradores e a estes últimos sócios-gerentes, que estão no ativo, foi o de reconhecer o esforço que foi feito durante anos, quer na implementação dos projetos, e já foram três, que deram muito trabalho, mas também ajudaram a catapultar a requerida e a posicioná-la num patamar muito diferente daquele que tinha quando era uma pequena unidade industrial a laborar numas instalações arrendadas.

AR. No que respeita aos sócios-gerentes BB e CC o seu esforço e dedicação foi constante como se pode ver pelos resultados e pelo reconhecimento dos próprios clientes, que reconhecem a qualidade dos trabalhos e como consequência continuam a acreditar na requerida.

AS. Da ata da Assembleia resulta que o aumento das remunerações e a gratificação destinaram-se a compensar a mais-valia que a implementação do projeto de investimento - que muito custou à vida particular dos sócios-gerentes BB CC e à respetiva família - trouxe à requerida, concretizado num acréscimo direto de valor na ordem dos 984.000€.

AT. Só muito recentemente, os sócios-gerentes BB e CC viram as suas remunerações melhoradas.

AU. A sociedade, tem meios financeiros líquidos para fazer face às retribuições aprovadas dos gerentes, como capitais próprios suficientes para acomodar estes valores, sem entrar em situação de desequilíbrio de balanço, uma vez que a empresa se encontra capitalizada.

AV. O sócio-gerente CC sugeriu um critério da avaliação de mais valia aplicado ao requerente, para se definir o montante da remuneração.

AW. Todavia, após a intervenção da sócio-gerente BB, votou-se a proposta de não remuneração do sócio-gerente AA, tendo sido a mesma aprovada por maioria.

AY. A gratificação proposta não é referente ao ano 2023, mas a 7 anos de realização do Projeto PT2020, iniciado em novembro 2016 e a decisão final obtida em 30/04/2024 do apoio em fundo perdido no Valor 766 899,33€, por se ter cumprido todos os objetivos estipulados pelas Autoridades, e também, pelo facto da requerida ter passado a faturar de 1.476.202,97€ (em 2014) para 3.530.241,84€ (em 2023).

AY1. A requerida enviou, nos termos do preceito normativo previsto no art.º 263.º do C.S.C., a convocatória, por correio registado com a aviso de receção com a respetiva documentação e a documentação relacionada com os outros pontos da ordem de trabalhos, tendo este último sido informado, nessa mesma convocatória, que os sócios gerentes BB e CC e os serviços de contabilidade estariam disponíveis para prestar qualquer esclarecimento que o mesmo precisasse, não tendo o requerente solicitado qualquer tipo de informação.

AX. A execução das deliberações quanto ao não pagamento da retribuição ao requerente, subordinando-a a um conceito indeterminado de mais valia trazida mensalmente, a atribuição de uma gratificação extraordinária aos gerentes BB e CC de 200.000,00 Euros a cada um, o destino a dar aos resultados líquidos obtidos, acarretará danos diretos e indiretos à sociedade, ao ponto de colocarem em causa a sua subsistência e ao sócio aqui Requerente, porque esvaziam a sociedade do seu património e desvalorizando o valor da quota do Requerente.


*


Os factos não provados são os seguintes:

1. Todas as deliberações tomadas na referida assembleia foram aprovadas pela obtenção dos votos a favor dos sócios BB e CC, cujas quotas totalizam, no seu conjunto, 66,66% do capital social, perfazendo, assim, a maioria, com o intuito de satisfazer o propósito único e exclusivo destes dois sócios, e, em prejuízo do sócio, aqui Requerente.

2. O Requerente tem vindo a ser afastado das decisões do dia-a-dia da empresa por imposição dos restantes sócios e gerentes que pretendem, dessa forma, controlar a sociedade, usando-a em seu proveito pessoal único e exclusivo.

3. As “gratificações” foram uma transferência de fundos da sociedade para a conta pessoal destes sócios, numa altura de conflito entre os sócios quer nas relações da sociedade quer nas relações familiares entre si, prejudicando a sociedade e o Requerente, causando ao sócio AA e à própria sociedade um grave dano, que é a sua descapitalização.

4. O requerente foi afastado da gestão do “dia-a-dia” da empresa, não tendo informação quanto à gestão que tem vindo a ser desenvolvida pelos outros sócios-gerentes e das reais decisões que têm vindo a ser tomadas.

5. Que em face dessa falta de informação encontra-se impossibilitado de poder analisar em detalhe os documentos contabilísticos (balanço, balancete e demonstração de resultados) relativos ao exercício de 2023.

6. Que o Requerente, nunca concordou com o pagamento da quantia de 10.000,00 Euros a cada gerente BB e CC.

7. Que a sociedade, tem meios financeiros líquidos para fazer face às gratificações aprovadas aos gerentes, como capitais próprios suficientes para acomodar estes valores, sem entrar em situação de desequilíbrio de balanço, uma vez que a empresa se encontra capitalizada.

8. Que a vontade, desde 2009, do requerente de se distanciar da requerida é a efetiva causa dos conflitos existentes.

9. Em 2024, o requerente apenas deslocou-se duas vezes às instalações da requerida, sendo que uma foi para entregar faturas quanto à gasolina e outra para reunir com os sócios-gerentes BB e CC, em que falaram sobre o aumento do montante dos rendimentos, enquanto gerentes, destes últimos, para 10.000 euros.

10. Que a título de exemplo, ocorreu um caso que poderia ter sido muito gravoso para a requerida, visto que, tendo em conta a ausência de atividade do requerente enquanto gerente e a falta de resposta a um cliente, quase perderam recentemente um cliente histórico e muito importante (a C...), que apenas foi “resgatado”, em razão do esforço dos restantes sócios-gerentes.

11. Que o requerente na reunião identificada em AL. propôs um aumento do montante da remuneração dos sócios gerentes BB e CC e, posteriormente, os três sócios-gerentes tiveram uma reunião em janeiro de 2024 (sem o contabilista), em que o requerente confirmou que os outros sócios-gerentes poderiam aumentar o montantes da respetiva remuneração, tendo o sócio-gerente CC sugerido um montante de 10.000€.


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Passemos à apreciação do mérito do recurso.

I – Reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto

1. O recorrente insurge-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto pretendendo, em primeiro lugar, que os factos referenciados sob as letras AL, AN, AQ, AS e AY tenham a sua redação alterada nos termos qua adiante se especificarão e, em segundo lugar, que os factos não provados sob os nºs 3, 6 e 7 transitem para o elenco dos assentes.

Como se mostram observados os ónus previstos no art. 640º do Cód. Proc. Civil, atendendo a que foram indicados os concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados, a decisão que sobre eles deverá ser proferida e os concretos meios probatórios que impõem a alteração, com transcrição dos excertos relevantes, iremos proceder a tal reapreciação.

2. Os factos provados AL, AN, AQ, AS e AY têm a seguinte redação:

AL. O requerente sabia do aumento salarial proposto pelos sócios-gerentes BB e CC e de que estava previsto que o mesmo iria deixar de auferir um vencimento enquanto gerente, pois ocorreu reunião, em outubro de 2023, em que os três sócios-gerentes estiveram presentes, no escritório do contabilista da requerida, Dr.º DD.

AN. Subsequentemente, na Assembleia Geral Extraordinária em causa, foi ratificado o aumento do montante da remuneração já auferida (recebida) e a auferir pelos sócios gerentes BB e CC.

AQ. Da ata da respetiva assembleia ficou a constar que a intenção dos sócios-gerentes BB e CC em deliberar sobre o aumento da respetiva remuneração e a distribuição de uma gratificação extraordinária aos colaboradores e a estes últimos sócios-gerentes, que estão no ativo, foi o de reconhecer o esforço que foi feito durante anos, quer na implementação dos projetos, e já foram três, que deram muito trabalho, mas também ajudaram a catapultar a requerida e a posicioná-la num patamar muito diferente daquele que tinha quando era uma pequena unidade industrial a laborar numas instalações arrendadas.

AS. Da ata da Assembleia resulta que o aumento das remunerações e a gratificação destinaram-se a compensar a mais-valia que a implementação do projeto de investimento - que muito custou à vida particular dos sócios-gerentes BB CC e à respetiva família - trouxe à requerida, concretizado num acréscimo direto de valor na ordem dos 984.000€.

AY. A gratificação proposta não é referente ao ano 2023, mas a 7 anos de realização do Projeto PT2020, iniciado em novembro 2016 e a decisão final obtida em 30/04/2024 do apoio em fundo perdido no Valor 766 899,33 €, por se ter cumprido todos os objetivos estipulados pelas Autoridades, e também, pelo facto da requerida ter passado a faturar de 1.476.202,97€ (em 2014) para 3.530.241,84€ (em 2023).

O recorrente funda a sua impugnação, nesta parte, em excertos dos depoimentos produzidos pelas testemunhas GG e DD e nas declarações prestadas pelos legais representantes da requerida, BB e CC e ainda na ata nº 33, no relatório de gestão e demonstração de resultados.

A redação proposta pelo recorrente para estes factos é a seguinte:

AL - O requerente não sabia do aumento salarial proposto pelos sócios-gerentes BB e CC e não sabia que estava previsto que o mesmo iria deixar de auferir um vencimento enquanto gerente, pois na reunião, em outubro de 2023, no escritório do contabilista da requerida, Dr. DD, não falaram em números.

AN - Na Assembleia Geral Extraordinária em causa, não foi ratificado o aumento do montante da remuneração já auferida (recebida) e a auferir pelos sócios gerentes BB e CC porque não decorre da mesma qualquer efeito retroativo e sendo uma deliberação nula, não se pode ratificar um ato nulo.

AQ - Da ata da respetiva assembleia ficou a constar que a intenção dos sócios-gerentes BB e CC em deliberar sobre o aumento da respetiva remuneração e a distribuição de uma gratificação extraordinária aos colaboradores e a estes últimos sócios-gerentes, que estão no ativo, não foi o de reconhecer o esforço que foi feito durante anos, mas sim de prejudicar o Requerente porque, ao contrário do que aconteceu no passado não foi contemplado no recebimento de qualquer gratificação e com esta deliberação a sua quota é desvalorizada em 133.333,33 Euros.

AS - Da ata da Assembleia resulta que o aumento das remunerações e a gratificação destinaram-se a beneficiar os sócios-gerentes BB CC, em prejuízo do sócio-gerente AA, sendo que o acréscimo direto de valor na ordem dos 984.000€ é da sociedade e ocorreu no ano de 2022, sendo que no ano de 2023 a sociedade não distribuiu lucros, pretendendo esses sócios-gerentes não distribuir lucros e autoremunerar-se e autogratificar-se.

AY - A gratificação proposta nunca foi objeto de prévia deliberação dos sócios e a decisão final obtida em 30/04/2024 do apoio em fundo perdido no Valor 766 899,33€ deveria ser refletida no exercício do ano de 2024 e não do ano de 2023.

Por seu lado, os factos não provados nºs 3, 6 e 7 têm a seguinte redação:

3. As “gratificações” foram uma transferência de fundos da sociedade para a conta pessoal destes sócios, numa altura de conflito entre os sócios quer nas relações da sociedade quer nas relações familiares entre si, prejudicando a sociedade e o Requerente, causando ao sócio AA e à própria sociedade um grave dano, que é a sua descapitalização.

6. O Requerente, nunca concordou com o pagamento da quantia de 10.000,00 Euros a cada gerente BB e CC.

7. A sociedade tem meios financeiros líquidos para fazer face às gratificações aprovadas aos gerentes, como capitais próprios suficientes para acomodar estes valores, sem entrar em situação de desequilíbrio de balanço, uma vez que a empresa se encontra capitalizada.

Nesta parte a impugnação funda-se em excertos dos depoimentos das testemunhas GG e DD, pretendendo o recorrente que os factos identificados como 3, 6 e 7 passem a constar dos factos provados com a seguinte redação:

- As “gratificações” foram uma transferência de fundos da sociedade para a conta pessoal destes sócios, numa altura de conflito entre os sócios quer nas relações da sociedade quer nas relações familiares entre si, prejudicando a sociedade e o Requerente, causando ao sócio AA e à própria sociedade um grave dano, que é a sua descapitalização.

- O Requerente nunca concordou com o pagamento da quantia de 10.000,00 Euros a cada gerente BB e CC.

- A sociedade teve um resultado líquido de 227.000 Euros e o pagamento das gratificações aos gerentes BB e CC, pode levar a que a Requerida entre em situação de desequilíbrio de balanço.

3. Procedemos assim à audição dos depoimentos indicados.

GG é economista, tendo sido contratado para avaliar a quota do requerente. Disse que a sociedade requerida tem uma margem bruta no negócio apreciável. Confrontado com o balanço referente ao exercício de 2023 e o anexo às demonstrações financeiras, donde decorre um resultado líquido de 227.475,13€, referiu que os respetivos números não permitiriam nem sequer justificariam uma gratificação e um aumento de salário para 10.000,00€ relativamente a dois dos três sócios, salientando ainda que quanto a esse exercício se optou pela não distribuição de lucros contornando a lei. Considerou as gratificações como um ato de gestão pouco compreensível e o aumento da retribuição como desproporcional ao volume de negócios. E concluiu também que com as gratificações e o aumento das remunerações haveria uma descapitalização da empresa, o que não deve ocorrer, até porque esta foi destinatária de fundos comunitários que não se destinam a estes comportamentos empresariais. Disse ainda que com base nas contas do exercício de 2023 o valor da quota do requerente situar-se-ia entre 750 e 850.000,00€, mas que esse valor baixaria com as gratificações e o aumento salarial dos dois outros sócios.

DD é técnico de contas da sociedade requerida. Disse que houve uma reunião no seu escritório em 2023, depois das férias, talvez em outubro, com os três sócios, na qual esteve presente e onde se falou no aumento dos salários dos gerentes no ativo, que eram o CC e a BB, e o Sr. AA aceitou, não se tendo oposto ao aumento, embora depois tenha referido que não se falou em números exatos. Mais tarde houve uma outra reunião, lá na empresa, que a testemunha não presenciou, onde já se falou em números. Talvez um ano depois apareceu no seu escritório o Sr. AA, já numa situação de litígio, que disse: “vocês querem aumentar o salário para os dez mil aumentem; vocês querem aumentar o salário para os dez mil aumentem”. Referiu ainda que na reunião de outubro se falou na possibilidade de o sr. AA deixar de ser gerente, isto porque este estava afastado da empresa desde 2016/17. E a seguir frisou que quanto aos assuntos da empresa tratava-os essencialmente com a BB. Quanto ao aumento do valor da remuneração para 10.000 euros considera não estar muito fora do normal.

BB foi ouvida em declarações de parte. É sócia gerente da sociedade requerida, onde exerce funções como diretora administrativa, financeira, de recursos humanos, compras e logística. Disse que em outubro do ano anterior houve uma reunião com o contabilista e onde ela esteve presente, tal como o seu pai e o CC. Nessa reunião foi dito ao pai que se o vencimento era igual para os três era normal ele apoiar e trabalhar também. Em 2023 a remuneração do pai era de 1.280,00€ e a sua e do CC de 2.300/2.400,00€, isto porque em 2021 a aumentaram, pois a situação da empresa estava estabilizada e ainda porque os seus vencimentos eram muito baixos. Tinham funcionários a ganhar o mesmo.

CC foi ouvido em declarações de parte. É sócio gerente da sociedade requerida. Disse que numa reunião havida em outubro de 2023 nas instalações do contabilista, e numa outra em 6 de janeiro, concordaram no aumento das remunerações deles e no vencimento zero para o Sr. AA, o que este aceitou. A retirada da retribuição ao Sr. AA assentou no facto de ele ter deixado de trabalhar e, por isso, explicaram-lhe que sem trabalhar ele não podia continuar a receber. Os seus vencimentos eram muito baixos, cerca de 1.200,00€ até 2021, que então aumentaram para 3.100,00€.

4. Vejamos agora os diversos pontos factuais impugnados.

a) Quanto ao facto provado AL, face ao depoimento que foi prestado pelo técnico de contas da sociedade requerente – DD -, que esteve presente na reunião efetuada entre os três sócios gerentes no seu escritório em outubro de 2023, é de concluir que aí se falou no aumento de salário para os sócios BB e CC, sem que, porém, se tenha aludido a números concretos.

Por isso, entendemos que a redação do facto AL deverá passar a ser a seguinte:

- O requerente sabia que os sócios gerentes BB e CC se propunham aumentar os seus salários, o que foi falado numa reunião ocorrida, em outubro de 2023, no escritório da sociedade requerida e onde estiveram presentes os seus três sócios-gerentes.

b) Quanto ao facto AN, o mesmo apoia-se na ata da Assembleia Geral realizada em 31.7.2024 (ata nº 33, junta com a oposição), de cujo texto resulta que o aumento da remuneração dos sócios gerentes BB e CC para 10.000,00€ mensais foi ratificado por 2/3 do capital.

Ora, a alteração pretendida pelo recorrente assenta apenas em considerações de ordem jurídica quanto à nulidade de tal deliberação, nada contendo de factual, pelo que não pode ser acolhida.

De qualquer modo, retifica-se a redação deste ponto fáctico que passará a ser a seguinte:

- Na Assembleia Geral em causa foi ratificado o aumento do montante da remuneração dos sócios-gerentes BB e CC.

c) No tocante ao facto AQ teremos também aqui que nos ater, em primeira linha, ao texto da ata da Assembleia Geral, onde se refere como justificação para o aumento das respetivas remunerações o esforço que os sócios gerentes BB e CC fazem no seu dia-a-dia e as propostas mais aliciantes que recebem do exterior.

Já quanto às gratificações aos sócios gerentes BB e CC, que também se estenderiam aos colaboradores, referiu-se como justificação para as mesmas que estes tudo deram para que o sucesso da empresa tivesse sido uma realidade nos anos em que se implementou o projeto Portugal 2020.

O recorrente pretende alterar a redação deste facto de modo a que se dê como provado que o objetivo visado com as gratificações e o aumento remuneratório não foi o que consta da ata, mas sim o de prejudicar o requerente.

Cabe, contudo, salientar que as gratificações estão fora do âmbito do presente recurso, uma vez que a deliberação na parte em que as atribuiu foi declarada nula pela decisão agora recorrida e, no que tange ao aumento remuneratório dos sócios-gerentes BB e CC, a prova produzida, designadamente o depoimento da testemunha GG, é insuficiente para que se possa concluir que este foi aprovado com a intenção específica de prejudicar o aqui recorrente.

No entanto, de modo a melhor compatibilizar a redação deste ponto AQ com o teor da referida ata nº 33, altera-se a sua redação pela seguinte forma:

- Da ata da respetiva assembleia ficou a constar que a intenção dos sócios-gerentes BB e CC em deliberar sobre o aumento da respetiva remuneração e a distribuição de uma gratificação extraordinária para eles, e também extensiva aos colaboradores, foi o de reconhecer o esforço que por eles tem vindo a ser feito no sentido de que o sucesso da empresa fosse uma realidade nos anos em que se implementou o projeto Portugal 2020.

d) Quanto ao ponto AS ainda aqui teremos que nos cingir ao texto da ata da Assembleia Geral de 31.7.2024 e desta resulta que na discussão do ponto nº 3 da ordem dos trabalhos, relativo às gratificações, a sócia-gerente BB argumentou em sentido favorável a essas gratificações, referindo a mais valia que a implementação do projeto de investimento trouxe à “A...” com um acréscimo direto no valor de 984.000,00€, o que muito custou à sua vida particular, do seu marido CC e dos seus filhos.

Mais uma vez realçando que, neste recurso, estão em causa apenas os aumentos remuneratórios e não as gratificações, deverá novamente referir-se que a prova produzida, designadamente o depoimento da testemunha GG, é insuficiente para que se possa concluir que estes foram deliberados com a intenção de prejudicar o recorrente.

De qualquer modo, de modo a melhor compatibilizar a redação deste ponto AS com o conteúdo da ata da Assembleia Geral, altera-se a sua redação pela seguinte forma:

- Da ata da respetiva assembleia consta que a sócia gerente BB justificou a atribuição das gratificações, referindo nesse sentido a mais-valia que a implementação do projeto de investimento - que muito custou à vida particular dos sócios-gerentes BB, CC e à respetiva família - trouxe à sociedade requerida, concretizando-se num acréscimo direto de valor na ordem dos 984.000,00€.

e) Prosseguindo, dir-se-á que o facto provado AY e os factos não provados nºs 3 e 7 se reportam tão-só à atribuição das gratificações.

Sucede que tais factos não têm qualquer interesse para a decisão do presente recurso, pois, como já atrás referimos, este reporta-se apenas à deliberação que aprovou os aumentos salariais e não à que atribuiu as gratificações, que já foi declarada nula na decisão recorrida.

Como tal, é desnecessária a sua reapreciação.

f) Por último, quanto ao facto não provado nº 6, importa referir que o recorrente não indica qualquer meio probatório, quer testemunhal, quer documental, que permita dar como provado, sem margem de incerteza, que este nunca tenha concordado com o aumento da remuneração dos dois outros sócios-gerentes para 10.000,00€ mensais.


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Em suma, pese embora a impugnação da matéria de facto efetuada pelo recorrente não colha êxito, ir-se-á alterar a redação dos pontos factuais AL, AN, AQ e AS nos seguintes termos:

AL - O requerente sabia que os sócios-gerentes BB e CC se propunham aumentar os seus salários, o que foi falado numa reunião ocorrida, em outubro de 2023, no escritório da sociedade requerida e onde estiveram presentes os seus três sócios-gerentes.

AN - Na Assembleia Geral em causa foi ratificado o aumento do montante da remuneração dos sócios-gerentes BB e CC.

AQ - Da ata da respetiva assembleia ficou a constar que a intenção dos sócios-gerentes BB e CC em deliberar sobre o aumento da respetiva remuneração e a distribuição de uma gratificação extraordinária para eles, e também extensiva aos colaboradores, foi o de reconhecer o esforço que por eles tem vindo a ser feito no sentido de que o sucesso da empresa fosse uma realidade nos anos em que se implementou o projeto Portugal 2020.

AS - Da ata da respetiva assembleia consta que a sócia-gerente BB justificou a atribuição das gratificações, referindo nesse sentido a mais-valia que a implementação do projeto de investimento - que muito custou à vida particular dos sócios-gerentes BB, CC e à respetiva família - trouxe à sociedade requerida, concretizando-se num acréscimo direto de valor na ordem dos 984.000,00€.


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II – Nulidades da decisão recorrida

O recorrente imputa também à sentença recorrida diversas nulidades, mais concretamente as de contradição entre os fundamentos e a decisão, de omissão de pronúncia, de obscuridade e de falta de fundamentação, as quais se encontram previstas no art. 615º, nº 1, als. b), c) e d) do Cód. Proc. Civil.

Fá-lo, porém, de uma forma vaga e genérica, sem concretizar, em momento algum da sua motivação de recurso, as razões que o levam a invocar tais nulidades, sendo certo que da mera leitura da sentença recorrida resulta evidente que esta não padece de nenhuma delas.

Assim, sem necessidade de outras considerações, o recurso interposto pelo requerente improcederá neste segmento.


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IIINulidade da deliberação que aumentou a remuneração dos sócios-gerentes BB e CC para 10.000,00€ mensais, com referência ao art. 56º, nº 1, al. d) do Cód. das Sociedades Comerciais

1. Na decisão recorrida a Mmª Juíza “a quo” declarou nulas as deliberações tomadas na Assembleia Geral realizada em 31.7.2024 que tinham decidido: i) a não remuneração do sócio-gerente AA, sendo que o pagamento do seu salário passaria a ficar condicionado à discricionariedade de uma “mais-valia” que seria apurada, mensalmente, pelos outros sócios-gerentes (seus pares); ii) a atribuição de uma gratificação extraordinária aos gerentes BB e CC de 200.000,00€ a cada um; iii) o destino a dar aos resultados líquidos obtidos.

Manteve-se, no entanto, a deliberação tomada nessa mesma Assembleia Geral que determinou o pagamento da remuneração mensal de 10.000,00€ a cada um dos sócios-gerentes BB e CC, desde fevereiro de 2024.

É contra este segmento do decidido que se insurge o requerente AA em sede recursiva, pretendendo que, em primeira linha, esta deliberação seja declarada nula por força do disposto no art. 56º, nº 1, al. d) do Cód. das Sociedades Comerciais.

2. Dispõe-se neste artigo que «são nulas as deliberações dos sócios…cujo conteúdo diretamente ou por atos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios

Os preceitos legais que não podem ser derrogados são os preceitos legais imperativos, de regime infrangível, que não podem ser afastados ou derrogados, nem pela coletividade dos sócios (ou pelo sócio único), nem por outros órgãos sociais – cfr. J. M. COUTINHO DE ABREU in “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, vol. I, Almedina, pág. 663.

São de tal modo estruturantes da sociedade que os sócios não os podem pôr em causa, inserindo-se aqui, designadamente, as deliberações que versam sobre os chamados direitos irrenunciáveis que nem um sócio individualmente, nem o coletivo, podem pôr em causa, como sejam, por exemplo, o direito aos lucros periódicos – cfr. PAULO OLAVO CUNHA, “Direito das Sociedades Comerciais”, 6ª ed., Almedina, pág. 709.

Sucede que, tal como se entendeu na sentença recorrida, aumentar a remuneração de sócios-gerentes para 10.000,00€ mensais, em Assembleia Geral, não ofende qualquer preceito que não possa ser derrogado.

3. Mas há também que apurar se esta deliberação se mostra ofensiva dos bons costumes, por, na perspetiva do recorrente, ao aumentar as remunerações de apenas de dois sócios-gerentes prejudica o sócio minoritário e a própria sociedade, surgindo como gravemente lesiva de princípios éticos.

Quanto às deliberações cujo conteúdo seja ofensivo dos bons costumes, nos termos do art. 56º, nº 1, al. d) do Cód. das Sociedades Comerciais, o entendimento corrente é de que estas se terão de traduzir em comportamentos chocantes, numa perspetiva social, designadamente se instigam à prática de atividades consideradas ilícitas. Por exemplo: uma deliberação que contribua para a facilitação da prostituição ou uma outra que permita ou incentive os administradores da sociedade ao pagamento de “luvas” a entidades públicas – cfr. PAULO OLAVO CUNHA, ob. cit., págs. 708/709.

Por seu turno, J.H. PINTO FURTADO (in “Deliberações de Sociedades Comerciais”, Almedina, págs. 616/617) sobre a mesma questão, numa perspetiva casuística, sistematiza as seguintes classes fundamentais de ofensa aos bons costumes:

“a) tráfico de bens cuja comercialidade é reprovada pela moral pública (tráfico sexual, esponsais, tráfico de influência…);

b) exploração económica eticamente censurável pelo aproveitamento das circunstâncias para se extorquir uma prestação patrimonial indevida ou para se comercializarem bens incomerciáveis (recebimento de luvas, quota litis, remuneração para não se cometer um delito, etc.);

c) sujeição do semelhante a formas de servidão (obrigação de prestação de serviço por toda a vida, de abraçar ou abandonar determinada religião, de não escrever desfavoravelmente a determinado assunto ou pessoa, de votar ou não votar sempre em certo sentido, etc.).

E mais adiante continua este mesmo Professor: “É neste quadro que terá, em nosso entender, de integrar-se uma deliberação de sociedade comercial, para poder dizer-se inquinada de ofensa aos bons costumes e por essa via ser fulminada de nulidade, em função do que se dispõe na al. d) do art. 56-1 CSC.”[1]

4. Retornando ao caso dos autos, impõe-se concluir, tal como o faz a Mmª Juíza “a quo”, que a deliberação que se objetiva no aumento das remunerações dos sócios-gerentes BB e CC para 10.000,00€ mensais não se mostra chocante, nem ofende, de forma flagrante quaisquer regras éticas que orientam a vida em sociedade e, aqui mais especificamente, quaisquer regras de deontologia comercial.

Consequentemente, nesta parte, improcede o recurso interposto.


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IVAnulabilidade da deliberação que aumentou a remuneração dos sócios gerentes BB e CC para 10.000,00€ mensais, com referência ao art. 58º, nº 1, al. b) do Cód. das Sociedades Comerciais

1. O recorrente, em via recursiva e em segunda linha, pugna também pela anulabilidade da deliberação aqui em causa por entender que se mostra preenchida a previsão do art. 58º, nº 1, al. b) do Cód. das Sociedades Comerciais.

Este preceito diz-nos que são anuláveis as deliberações que «sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos.»

Tal como decorre do texto legal, a deliberação é abusiva quando, sem violar disposições específicas da lei ou dos estatutos da sociedade, é apropriada para satisfazer o propósito do sócio de conseguir vantagens especiais para si ou para outrem, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou o propósito de prejudicar aquela ou estes, salvo se se provar que a mesma deliberação teria sido adotada sem os votos abusivos.

Há duas espécies de deliberações abusivas: as apropriadas para satisfazer o propósito de alcançar vantagens especiais em prejuízo da sociedade ou de sócios; as apropriadas para satisfazer o propósito tão-só de prejudicar a sociedade ou sócios – as chamadas deliberações emulativas.

As deliberações de uma e outra espécie têm pontos em comum: como pressuposto subjetivo, o “propósito” de um ou mais votantes; e como pressuposto objetivo, a deliberação há-de ser objetivamente “apropriada” ou apta para satisfazer o propósito.

Mas têm também pontos distintivos: nas primeiras, o propósito relevante é o de alcançar vantagens especiais; relativamente às segundas, o propósito relevante é o de causar prejuízos – cfr. J. M. COUTINHO DE ABREU, ob. cit., págs. 677/8.

Por seu lado, PAULO OLAVO CUNHA (in ob. cit., págs. 702/703) referindo-se às deliberações sociais abusivas, anuláveis nos termos do art. 58º, nº 1, al. b) do Cód. das Sociedades Comerciais, diz-nos que estas são as deliberações pelas quais se vai prosseguir um interesse particular, prejudicando-se o interesse dos sócios, sem que isso corresponda ao interesse da sociedade.

Para que a deliberação seja abusiva é, todavia, necessário que se verifique um dos seguintes requisitos: i) que a deliberação assegure ao sócio vantagens especiais para si ou para terceiro, em prejuízo da sociedade ou de outro sócio; ou ii) que a deliberação vise prejudicar a sociedade ou outro(s) sócio(s).

A lei, contudo, estabelece uma salvaguarda relativamente ao efeito dos votos abusivos: a de que, apesar de ser abusiva, a deliberação pudesse ter sido formada sem aqueles votos (abusivos), caso em que não é anulável[2].

Já J. H. PINTO FURTADO (in ob. cit., pág. 665), referindo-se ao dito art. 58º, nº 1, al. b), diz-nos que nesta alínea se procede, antes de mais, a uma caracterização, aliás incompleta, do que designa por abuso de poder da maioria, nela se destrinçando duas classes de deliberações sociais, ambas sancionáveis com a anulabilidade: as deliberações apropriadas para a satisfação de um propósito de vantagens especiais, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, e as apropriadas para a satisfação de um simples propósito de prejudicar aquela ou estes.

Salienta ainda este Professor (in ob. cit., pág. 667) que caso na situação concreta não haja o traço de um assinalável excesso nas vantagens especiais aprovadas, não será a alínea b) que determinará a anulabilidade da deliberação respetiva. A norma não quis seguramente estatuir, sem mais, a anulabilidade da deliberação vantajosa para a maioria e desvantajosa para a minoria, para a sociedade ou terceiros, impondo-se que, para além destas características, a deliberação apresente também uma feição excessiva.

Conforme se refere no Acórdão do STJ de 9.10.2003 (p. 03B1816, relator SANTOS BERNARDINO, disponível in www.dgsi.pt.) “…a alínea b) do art. 58º do CSC é insuficiente para se compreender toda a problemática das deliberações abusivas, tornando-se necessário recorrer ao conceito geral de abuso do direito para esclarecer alguns aspectos menos claros deste normativo.[3]

Esse recurso conduz a que, desde logo, seja exigível a constatação do carácter anormal ou excessivo do conteúdo aprovado para que se possa falar de deliberação abusiva: tal característica é que, objectivamente, define o abuso e o distingue da directa violação da lei ou do contrato de sociedade; só a partir dela é possível distinguir entre deliberação abusiva e deliberação ilegal ou antiestatutária.

(…)
 O recurso à figura do abuso do direito impõe-se ainda devido ao facto de a fórmula legal da alínea b) em análise omitir referência à componente ético-jurídica, ao carácter de iniquidade manifesta do abuso do direito, que transparece manifestamente do conteúdo do art. 334º do CC.

(…) não é, "sem mais, abusiva a deliberação da maioria apenas susceptível de causar um dano à sociedade ou aos outros sócios na prossecução de vantagens especiais, mas aquela que traduza esta ideia na forma ou na dimensão de um excesso manifesto, abrindo margem à situação de clamorosa injustiça de que falam os autores e quanto à qual, só verificada ela, poderá fazer-se disparar a eficácia reparadora do abuso do direito."[4] [5]

Prosseguindo, com apoio no referido Ac. STJ de 9.10.2003, é de realçar que a ação de anulação de deliberações sociais “é hoje vista, não tanto como instrumento de defesa da legalidade societária, mas sobretudo como instrumento de defesa da participação social e dos interesses do respectivo titular, e como meio de garantir a protecção da situação das minorias, da posição jurídica e dos interesses dos membros da corporação, perante a maioria e os seus instrumentos de poder. E, sendo assim, conhecidos os contornos do conceito do abuso do direito, não se estranha que a lei tenha, a par de outras, colocado as deliberações dos sócios aprovadas com abuso de direito, sob a mira da acção de anulação, desta forma assegurando a possibilidade de se cortar o passo a deliberações que, embora formalmente regulares, traduzem um excesso manifesto no exercício do direito de voto.”[6]

Reconhece-se que um dos casos em que esta situação pode ocorrer é aquele em que com a deliberação social em causa se procede a uma diferenciação remuneratória entre os sócios gerentes de uma determinada sociedade, num quadro em que o sócio maioritário é beneficiado de forma desproporcionada e não justificada relativamente ao sócio minoritário.

Porém, não podemos ignorar que cada caso tem as suas especificidades, o que serve para referir que o caso tratado no Ac. Rel. Porto de 13.6.2023, do presente relator (proc. 2397/21.0 T8AVR.P1, disponível in www.dgsi.pt.), invocado, nas alegações de recurso, em favor da sua posição pelo recorrente, não é sem mais transponível para os presentes autos, desde logo porque assenta em factualidade substancialmente diversa.

2. Regressemos então à concreta situação dos autos.

Ora, da factualidade assente decorre que os sócios-gerentes BB e CC trabalharam durante muitos anos, sem aumentarem a sua remuneração, tendo-se entregue de forma eficiente aos destinos da sociedade que tornaram competitiva, quer no mercado nacional, quer até no mercado internacional.

Aliás, foi apenas devido à intervenção destes dois sócios que a requerida aumentou a sua faturação de 1.476.202,97€ (em 2014) para 3.530.241,84€ (em 2023), mais que duplicando este valor num espaço de 10 anos e só em 2023, quando a situação financeira da empresa se tornou confortável, é que estes decidiram aumentar para 10.000,00€ a sua remuneração mensal – cfr. factos provados AH, AI, AO, AQ, AR, AS e AT.

Neste contexto, tal como se afirma na sentença recorrida, face à concreta situação financeira da requerida, não ficámos convencidos que tenha havido da parte dos sócios-gerentes BB e CC um propósito egoístico de conseguirem vantagens especiais para si, com prejuízo da sociedade e do requerente.

De resto, este até beneficiou com o acima referido aumento de faturação da sociedade, que naturalmente fez subir o valor da sua quota, sem que tenha contribuído para o incremento da sociedade, que se verificou apenas graças ao esforço dos outros dois sócios-gerentes.

Com efeito, o alheamento progressivo do requerente relativamente à vida da sociedade, face à factualidade dada como assente, é evidente.

Vejamos.

O ora requerente, a partir 2010 - quando também BB e CC se tornaram sócios-gerentes - tomou a decisão de vir apenas de tarde (5 vezes por semana, 2h/3h por dia) às instalações da requerida e deixou de praticar atos de gestão corrente e de participar nas decisões da gerência da sociedade [facto AE].

Depois, a partir de 2017, passou a comparecer, apenas 2 a 3 vezes por semana, durante 1 a 2 horas, nas instalações da requerida [facto AF].

De 2020 a 2023, o requerente passou a comparecer, somente uma ou duas vezes por mês, durante 15 a 30 minutos, nas instalações da requerida, apenas quando o único cliente da requerida, que estava na sua alçada, lhe enviava uma solicitação de preço ou para recolher fotocópias ou dar um projeto de orçamento à FF (colaboradora da requerida), para esta última o elaborar e enviar ao cliente [facto AJ].

E desde janeiro de 2024 que o requerente não efetua qualquer tipo de atividade, enquanto gerente da requerida, sendo certo que o único cliente, que estava na sua alçada, não o conseguiu contactar mais, nesse período, e consequentemente este teve de contactar os serviços da requerida para o efeito [facto AK].

O grau muito diverso de participação na gerência da sociedade, confrontando a atividade desenvolvida nesse âmbito pelo requerente AA com a de BB e CC, justifica, com pertinência, que haja entre eles uma diferença remuneratória que reflita essa diferença de empenho.

Certo é que o aumento da remuneração para 10.000,00€ é expressivo, mas também não podemos ignorar que o volume de faturação da sociedade requerida atingiu em 2023 o valor de 3.530.241,84€.

As remunerações serão fixadas tendo em conta as funções desempenhadas e a situação económica da sociedade – art. 399º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais -, devendo atentar-se no setor em que a empresa labora, nos resultados obtidos em função da intervenção do gerente, avaliando a sua competência técnica nessa qualidade, na alta rentabilidade da empresa e na sua posição estratégica no mercado.

Quanto à competência dos gerentes BB e CC a mesma é inegável, pois foi o seu trabalho e empenho que impulsionaram a sociedade requerida e a levaram a atingir um nível muito diferente – e bem mais elevado - daquele que tinha, quando assumiram a gerência, em que esta era uma pequena unidade industrial a laborar em instalações arrendadas.

Com eles, a sociedade requerida atingiu níveis de rentabilidade nunca antes conseguidos.

Assim, à semelhança da sentença recorrida, consideramos que muito embora a remuneração de 10.000,00€ seja objetivamente elevada, não vemos que com esta se tenha procurado prejudicar a sociedade ou o requerente.

Ao cabo e ao resto, a deliberação da maioria que aprovou o aumento remuneratório, perante os concretos contornos do presente caso, em que releva o elevado empenho dos sócios-gerentes BB e CC no significativo incremento da sociedade, não apresenta qualquer traço de assinalável excesso quanto a esse aumento, nem nos remete para qualquer situação de clamorosa injustiça.

Deste modo, em concordância com a sentença recorrida, consideramos não existir fundamento para anular a deliberação em causa com fundamento na alínea b) do nº 1 do art. 58º do Cód. das Sociedades Comerciais, pelo que, ainda nesta parte, improcede o recurso interposto.

Isto, sem prejuízo de se deixar assinalado que, não nos presentes autos em que se aprecia somente se a deliberação de aumento remuneratório pode ser anulada ou declarada nula, mas sim noutro processo, qualquer sócio pode pedir ao tribunal a redução das remunerações dos sócios-gerentes, nos termos do nº 2 do art. 255º do Cód. das Sociedades Comerciais, se as considerar gravemente desproporcionadas relativamente quer ao trabalho prestado quer à situação da sociedade.


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VRatificação de anterior decisão que já aumentara a remuneração dos sócios-gerentes BB e CC para 10.000,00€

1. No tocante a este segmento do recurso interposto, correspondente às conclusões 4, 5 e 6, por relevante, transcreve-se aqui o que a propósito se escreveu na sentença recorrida:

“Quanto a esta questão resultou provado que meses antes da assembleia de 31.07.2024, os sócios BB e CC, sem ter sequer precedido da realização de uma assembleia decidiram aumentar os seus vencimentos para o valor mensal de 10.000,00 Euros cada, quantia essa que vêm auferindo, pelo menos, desde fevereiro de 2024 e deixaram de pagar o vencimento do Requerente desde janeiro de 2024.

Resultou, ainda, provado que no dia 31 de julho de 2024, pelas 10:30, na sequência da convocatória supra indicada, reuniram, na sede social da sociedade, em Assembleia Universal de sócios e na qual foi deliberado dar instruções ao departamento financeiro da sociedade para proceder ao pagamento do montante global em dívida relativo aos salários do sócio AA, aprovado com os votos favoráveis do aqui Requerente e do sócio CC e com o voto contra da sócia BB e, ainda neste ponto foi colocado à discussão o pagamento da quantia de 10.000,00 Euros a cada um dos gerentes CC e BB, quantias essas que, sem precedência de uma assembleia para o efeito, já aqueles têm vindo a receber, pelo menos, desde fevereiro de 2024.

Esta deliberação foi aprovada e contou com os votos a favor dos indicados sócios beneficiários do valor e com o voto contra do Requerente.

Caso fosse suscitada pelo requerente, estaria em causa apreciar a questão desdobrada em dois períodos temporais distintos: o de fevereiro de 2024 a julho de 2024 (decisão dos dois sócios-gerentes sem deliberação) e o período posterior à julho de 2024, ou seja, após a data da deliberação até aos dias de hoje.

Estabelece o nº 1 do art.º 255º do CSC que salvo disposição do contrato de sociedade em contrário, o gerente tem direito a uma remuneração, a fixar pelos sócios.

«Fixar pelos sócios» é fixar por deliberação dos sócios; assim dizia explicitamente o anteprojecto Vaz Serra, mas apesar de no texto do art.º 255º não aparecer a palavra «deliberação» outro não pode ser o sentido do preceito – só por meio de deliberação, nalguma das formas admitidas pela lei, os sócios exprimem uma vontade imputável à sociedade (cfr. Raúl Ventura, local citado e Coutinho de Abreu em Código das Sociedades Comerciais em Comentário - Volume IV, 2ª edição, Almedina, 2017, pg. 115.)

No caso, não tendo sido alegada disposição contrária do contrato de sociedade, é então aos sócios a quem compete a fixação da sua remuneração, não o podendo fazer eles próprios – os dois sócios-gerentes de forma unilateral, sem a intervenção do outro sócio.

Como é sabido, a vontade das sociedades é formada e manifestada através de pessoas físicas.

Os órgãos sociais que tais pessoas integram são parte componente das sociedades, os atos e a vontade daqueles são os atos e a vontades destas, a estas são os mesmos referidos ou imputados.

Mais concretamente, a vontade das sociedades comerciais é formada, no plano interno, pelo conjunto ou coletividade dos sócios, não necessariamente em assembleia ou reunião.

Por outro lado, é indiferente que a vontade, condensada na deliberação, seja formada através da unanimidade dos votos ou apenas pela maioria deles.

Na verdade, a deliberação tanto pode resultar de uma decisão alcançada por vontade unânime dos sócios, como por vontade de uma maioria deles, maioria que pode ser simples ou qualificada e pode ser achada por referência aos votos emitidos ou à totalidade dos votos correspondentes ao capital social, consoante o que for determinado pela lei ou pelo contrato.

Nos termos do disposto no art. 62º, nº1 do Cód. das Sociedades Comerciais uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 56º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroativa, ressalvados os direitos de terceiros.

A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória.

Não há dúvida que os sócios-gerentes BB e CC, sem ter sequer precedido da realização de uma assembleia, decidiram aumentar os seus vencimentos para o valor mensal de 10.000,00 Euros cada e decidiram também deixar de pagar a retribuição ao requerente.

Como já dissemos, trata-se de um assunto que apenas pode resultar de uma deliberação de sócios, com intervenção de todos os sócios, o que não aconteceu.

Sabe-se que, no caso, trata-se de uma sociedade de cariz familiar em que os três sócios são pai, filha e companheiro desta e os três sócios são os três gerentes.

E não sendo legalmente correto, porquanto a remuneração do gerente carecia efetivamente de deliberação dos sócios como já explicámos, tal circunstância implicaria, em princípio, que o requerente teria direito a receber a sua retribuição desde janeiro de 2024 a julho de 2024 e, por sua vez, os gerentes BB e CC deverão devolver à sociedade ré o valor correspondente ao aumento que decidirem receber entre fevereiro de 2024 a julho de 2024.

Poderia colocar-se a questão se tal decisão pode ser ratificada posteriormente ou atribuir-lhe efeitos retroativos, como resulta da ata da Assembleia.

Sucede que o requerente não suscitou esta questão e também não se opôs à parte (formal) em que foi atribuído efeitos ratificativos ou retroativos à deliberação.

O requerente apenas coloca em crise a validade da deliberação quanto ao seu conteúdo e não quanto à forma.

Daí que se entenda que, face à posição do requerente que não colocou em crise a possibilidade de se ratificar a deliberação tomada fora do âmbito da assembleia geral, não seja necessário abordar a questão da validade da ratificação. (…)”.

2. Não havendo qualquer dúvida de que, no presente caso, os sócios-gerentes BB e CC decidiram aumentar em fevereiro de 2024 a sua remuneração mensal para 10.000,00€ sem que, nessa altura e para esse efeito, se tivesse realizado a pertinente assembleia geral, poderia equacionar-se a possibilidade de ratificação – ou não - dessa decisão através da posterior assembleia geral de 31.7.2024.

Sucede que a Mmª Juíza “a quo” na sentença recorrida vai trilhando esse caminho, afirmando que até se poderia colocar a questão de tal decisão poder ser ratificada posteriormente ou de lhe serem atribuídos efeitos retroativos, como resulta da ata da assembleia geral aqui em causa, mas, logo em seguida, acaba por referir que, na sua petição/requerimento inicial, o ora recorrente não a suscitou.

Com efeito, lendo-se o requerimento inicial, verifica-se que o requerente apenas no seu art. 12º aludiu ao facto de meses antes da assembleia de 31.7.2024 os sócios BB e CC, por iniciativa própria, terem aumentado as suas remunerações sem precedência da competente assembleia geral.

Em nenhum ponto deste requerimento levantou a questão da impossibilidade de ratificação desta decisão em posterior assembleia geral ou de nesta se atribuir efeitos retroativos a tal deliberação respeitante ao aumento remuneratório.

A sua discordância relativamente ao deliberado na assembleia geral de 31.7.2024 quanto a aumentos remuneratórios situou-se, assim, apenas no conteúdo e não na forma, pugnando tão-só pela sua nulidade/anulabilidade com referência aos arts. 56º, nº 1, d) e 58º, nº 1, als. a), b) e c) do Cód. das Sociedades Comerciais.

De tal modo, que a Mmª Juíza “a quo”, acertadamente, entendeu não ter que abordar a questão da validade da ratificação em assembleia geral do anteriormente decidido, unilateralmente, pelos sócios BB e CC quanto aos seus salários.

Em bom rigor, trata-se de questão nova que foi introduzida na discussão somente pela Mmª Juíza “a quo” na sentença recorrida, para a afastar do seu objeto de cognição, o que, todavia, viria a ser aproveitado pelo recorrente para, em sede recursiva, também a suscitar.

Porém, neste contexto, porque não foi colocada em momento processual próprio, igualmente em sede de recurso não haverá que proceder à sua apreciação.


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Assim, sem necessidade de outras considerações, o recurso interposto improcederá, mantendo-se incólume a deliberação tomada na Assembleia Geral de 31.7.2024 que determinou o pagamento da remuneração mensal de 10.000,00€ a cada um dos sócios-gerentes BB e CC, desde fevereiro de 2024, sendo que, porém, todas as demais deliberações aí tomadas, referentes à não remuneração do requerente, à atribuição de gratificações extraordinárias aos gerentes BB e CC e ao destino a dar aos resultados líquidos obtidos, foram declaradas nulas na sentença recorrida.


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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil):

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DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo requerente AA e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas, pelo seu decaimento, a cargo do recorrente.

Porto, 26.11.2025

Eduardo Rodrigues Pires

Márcia Portela

Raquel Lima




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[1] Cfr. também, por ex., Acórdãos da Rel. Coimbra de 14.3.2017, p. 1327/12.4 TBLRA.C1, relator FONTE RAMOS e da Rel. Guimarães de 12.3.2020, p. 6604/18.8 T8VNF.G1, relatora ANA CRISTINA DUARTE, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
 [2] Com efeito, se a deliberação se constituísse mesmo sem os votos abusivos, a desconsideração destes não evitaria que a deliberação se formasse e, por isso, ela deixa de ser anulável.
[3] Cfr. J. H. PINTO FURTADO, ob. cit., pág. 667.
[4] Cfr. J. H. PINTO FURTADO, ob. cit., pág. 668.
[5] Cfr. também Ac. STJ de 27.5.2003, CJ STJ, Ano XI, tomo II, págs. 69/74, relator AFONSO CORREIA, onde no respetivo sumário se consignou o seguinte: “Uma deliberação só será anulável, por abusiva, quando o seu contexto envolva proporções de um excesso manifesto, de flagrante e marcada iniquidade.”
[6] Cfr. também Ac. Rel. Porto de 16.5.2017, p. 1919/15.0 T8OAZ.P1, do presente relator, disponível in www.dgsi.pt