Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | SÍLVIA SARAIVA | ||
Descritores: | COMISSÃO DE SERVIÇO SEM GARANTIA DE EMPREGO ASSÉDIO LABORAL DISCRIMINATÓRIO / INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RP202507103002/23.5T8VLG.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE. ALTERADA A SENTENÇA. | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Da análise do corpo e das conclusões do recurso de apelação, verifica-se que o Recorrente indica os pontos de facto que considera incorretamente julgados. II - Estando em causa uma situação de comissão de serviço sem garantia de emprego, a livre extinção da comissão por decisão unilateral do empregador implica não apenas a cessação do exercício das funções, mas também a cessação livre e imotivada do contrato de trabalho, mediante a observância do aviso prévio e o pagamento de uma indemnização calculada nos termos do artigo 366.º. III - A discriminação que decorre de características físicas ou psicológicas que tornam um trabalhador mais vulnerável pode configurar assédio moral discriminatório, por se basear num fator de discriminação. IV - Nos casos de assédio laboral discriminatório, há uma inversão do ónus da prova. Cabe ao empregador demonstrar que não houve discriminação. V - Contactos excessivos durante a baixa médica configuram uma pressão indevida, que se pode qualificar como assédio laboral. (Sumário do Acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 3002/23.5T8VLG.P1 Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 2 (secção social) Relatora: Juíza Desembargadora Sílvia Gil Saraiva Adjuntos: Juiz Desembargador António Joaquim da Costa Gomes Juiz Desembargador António Luís Carvalhão *
Recorrida: Lojas A..., S.A. *
Sumário: ………………………………… ………………………………… ………………………………….
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I - RELATÓRIO: AA (adiante "Autor") intentou uma ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “Lojas A..., S.A.” (adiante "Ré"), peticionando os seguintes valores: a) O reembolso da totalidade das despesas médicas, medicamentosas e de saúde suportadas, que totalizaram: No ano de 2020: €1.621,15; no ano de 2021: €1.266,98; no ano de 2022: €3.143,44; e no ano de 2023: €774,98. b) O reembolso de todas as despesas médicas e medicamentosas futuras, até que o Autor seja considerado medicamente curado, por decisão do seu médico assistente, relacionadas com a sua condição de saúde, a cura do seu estado depressivo e da sua doença autoimune. c) A quantia de €307.926,36, a título de danos patrimoniais decorrentes da cessação do contrato de trabalho. Este valor baseia-se nas legítimas expectativas do Autor de manutenção das suas funções por, pelo menos, 14 anos, período quantificado em comparação com a durabilidade contratual de uma colega com as mesmas funções, BB, admitida em setembro de 2009 e ainda em funções à data da ação, bem como outros quadros da empresa a nível nacional. d) O valor das horas de formação profissional que a Ré deveria ter ministrado e documentado com lisura, num montante global de €1.580,80 (€395,20 x 4). e) A diferença de €2.055,37 respeitante à compensação por cessação do contrato, considerando que o valor devido ascende a €10.277,61, face a uma retribuição mensal bruta de €2.443,86, e que a Ré apenas liquidou €8.222,24. f) O valor, nunca inferior a €15.000,00, a título de danos morais sofridos. Estes danos decorrem do sofrimento e constrangimento causados pelo agravamento do seu estado de saúde e da doença autoimune, pela preocupação com o desenvolvimento de um quadro depressivo e o receio de sequelas, bem como pelas preocupações e receios inerentes à cessação do contrato de trabalho por motivos imputados à Ré. Síntese da alegação do Autor Em síntese, o Autor alegou ter celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a Ré, designado por esta como comissão de serviço, para o exercício das funções de P&C Manager do ... (chefe de departamento de recursos humanos da Loja da A... do Centro Comercial ..., em ..., ...). A retribuição era de €1.955,09, acrescida de subsídio de alimentação de €5,00, uma remuneração mensal de 25% da retribuição a título de isenção de horário de trabalho (€488,77) e remuneração por trabalho noturno, domingos e feriados. O Autor afirma padecer de uma doença autoimune de que a Ré tinha conhecimento. Durante a pandemia de COVID-19, a médica responsável pelos serviços de saúde da Ré recomendou o uso de equipamento de proteção individual e uma organização do trabalho para o Autor que implicava o afastamento do contacto com pessoas, e mais tarde, o levantamento periódico e a evitação de subir e descer escadas com frequência. Contudo, a Ré não adaptou o posto de trabalho do Autor conforme as recomendações, o que terá determinado o agravamento da sua doença e a entrada num quadro depressivo. O Autor esteve de baixa médica de 24.09.2021 a 18.12.2022. Durante este período, a Ré, alegadamente, contactou-o várias vezes por mês para solicitar a sua intervenção, informar sobre o seu horário de trabalho e pressioná-lo a regressar ao serviço. A 14.10.2022, o Autor foi despedido telefonicamente, tendo recebido uma carta na mesma data a invocar a cessação da comissão de serviço, justificada pela sua débil condição física e psicológica. O Autor sustenta que o agravamento do seu estado de saúde, na sequência da conduta da Ré, levou-o a suportar despesas médicas e de saúde que agora reclama. Alega ainda que a doença autoimune e o estado depressivo persistem, continuando a ser assistido, e pede a condenação da Ré no pagamento das despesas futuras até à sua alta médica. Por outro lado, o Autor alega ter perdido o seu emprego devido à violação das recomendações médicas por parte da Ré. Tinha a expectativa de trabalhar para a Ré por um número de anos equivalente ao da sua colega BB, que, desempenhando as mesmas funções, contabiliza 14 anos de serviço. Assim, reclama os salários desde o despedimento, que totalizam €307.926,36, a título de danos patrimoniais decorrentes da cessação do contrato. Adicionalmente, o Autor alega que a Ré não lhe ministrou todas as horas de formação profissional a que estava obrigada, reclamando a quantia de €1.580,80. Considera, ainda, que o valor da compensação por cessação do contrato está incorreto. Com base na sua retribuição mensal de €2.443,86, a compensação devida deveria ser de €10.277,61, em vez dos €8.222,24 efetivamente pagos pela Ré. Por fim, o Autor alega ter sofrido danos morais devido à conduta da Ré, peticionando a quantia de €15.000,00. Contestação da Ré A Ré contestou, aceitando a celebração do contrato invocado pelo Autor. Alegou que o Autor trabalhava num espaço com apenas uma colega que usava máscara, e que se ofereceu para ir trabalhar para outro espaço, ao que o Autor se opôs. Sustentou que as funções exercidas pelo Autor não podiam ser realizadas em teletrabalho. Referiu que os horários eram enviados ao Autor porque este apresentava baixas com duração de 30 dias, e a Ré elaborava horários com seis semanas de antecedência, esperando o seu regresso ao trabalho a qualquer momento. Durante a baixa do Autor, a Ré comunicou-lhe que iria receber um prémio e um aumento salarial. A Ré defende que a iniciativa de cessação da relação partiu do Autor, que pediu para sair, com a salvaguarda do recebimento da compensação e do subsídio de desemprego. Negou que o Autor tenha sido despedido telefonicamente, afirmando que foi efetuada uma chamada para informar que receberia a carta a comunicar a cessação da comissão de serviço. Finalmente, a Ré alegou que a compensação pela cessação do contrato está correta, uma vez que não inclui o valor da IHT, e que nada deve ao Autor a título de formação profissional. O Autor foi notificado do despacho de convite ao aperfeiçoamento, ao qual respondeu. No Despacho Saneador, foi dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova. O valor da ação foi fixado em €333.369,08. Após a realização da Audiência Final, foi proferida sentença datada de 07 de maio de 2024, cuja decisão (dispositivo) concluiu o seguinte: «Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, consequentemente: a) Condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 210,77€ a título de formação profissional relativa aos anos de 2019 a 2021; e b) No mais, absolvo a ré do pedido. Custas a cargo do autor e da ré, em proporção do decaimento. Notifique.» (Fim da transcrição) Desta sentença interpôs o Autor, recurso de apelação visando a sua revogação. Termina as suas alegações com as seguintes conclusões: «1. Não se conforma o Autor com a sentença proferida que apenas conclui por uma condenação da Ré no pagamento ao Autor da quantia de 210,77€ a título de formação profissional relativa aos anos de 2019 a 2021; e que no mais, absolve a ré do pedido. 2. No entendimento do Autor, foram erradamente considerados provados os ponto 37 e o ponto 41, e de igual modo o ponto 38 deveria ser dado como provado como a seguinte redação “A ré entende que o exercício das funções em teletrabalho só seria possível ao nível das tarefas administrativas, mas a gestão das pessoas enquanto responsável máximo pelos recursos humanos da loja obriga à presença física.” 3. Da mesma forma e pelos motivos supra mencionados é entendimento do Autor que o Tribunal a quo não deveria ter considerado como não provadas os factos constantes das alíneas a), b), c), d), e), f), g), i), j), k), l), q), r) e s). 4. O exercício da relação laboral em regime de comissão de serviço é admissível relativamente aos trabalhadores que exerçam: a) cargos de administração ou equivalente; b) cargos de direção ou chefia diretamente dependente da administração ou de diretor geral ou equivalente; c) funções de secretariado pessoal de titular de qualquer dos cargos supra referidos; ou ainda, d) funções cuja natureza também pressuponha especial relação de confiança em relação a titulares daqueles cargos. 5. A razão de ser deste modelo contratual em questão estar, como referido, é o facto de supostamente estar vocacionado para o exercício de funções que pressupõem um elevado grau de confiança. 6. Contudo, nunca relativamente a este cargo do Autor existiu essa especial relação de confiança pois o mesmo resultou de uma candidatura para a loja de ..., porque o Autor era de ..., tinha la a família e os amigos e durante o processo de recrutamento foi-lhe proposto que a única possibilidade que teria para fazer parte da A... seria ou para a loja de ... ou para a loja do .... 7. O Autor referiu que achar bastante estranho a tipologia de contrato que estava a ser oferecida, mostrei o seu desconforto com várias partes antes de o assinar e foi lhe explicado de que isto só estaria a acontecer recentemente na função de Responsável de Recursos Humanos, pois todas as outras funções eram contratualizados por contratos sem termo, diretores de loja, assistant managers, department managers, todos. 8. Todas as outras funções possuíam contratos sem termo, os próprios responsáveis de recursos humanos 70% eram sem termo, só os mais recentes estavam na mesma situação que o Autor, em risco que lhes façam o mesmo. 9. Por se tratar de uma situação que contende com o princípio da segurança no emprego – art. 53.º da CRP - encontra-se circunscrito ao exercício de funções específicas. 10. A falta de alguma dessas formalidades, consideradas essenciais, determina o exercício permanente dessas funções, bem como a conversão do contrato de comissão de serviço em contrato sem termo. 11. Embora nos termos do artigo 163.º, do Código do Trabalho de 2009, a comissão de serviço possa ser feita cessar a qualquer momento por livre iniciativa de qualquer das partes, tal cessação não pode basear-se em qualquer facto de discriminação ilegítimo. 12. parece-nos evidente que a cessação do contrato se deveu às questões de saúde que afligiram o Autor à data da sua relação laboral e isso é discriminatório. 13. Maria do Rosário Palma Ramalho, sustenta que “o recurso à comissão de serviço fora dos casos previstos comina uma situação de nulidade, por contrariedade à lei.” 14. Parece óbvio que o recurso a este expediente contratual foi apenas para que, em caso de necessidade, pudesse ser realizada a cessação do contrato a qualquer momento e não para abarcar o exercício de funções que pressupusessem um elevado grau de confiança. 15. Tanto mais que encontrando-se o Autor de baixa uma das preocupações da Ré era a de que “(…) estivemos a verificar a tua situação como já é uma baixa prolongada de bastante tempo e temos que tomar uma decisão em relação à posição da CC, para te comunicar que a empresa decidiu cessar o teu contrato”. 16. E entendimento do Autor que foi vítima de mobbing, isto porque: o o Desde o início da relação contratual que era conhecimento da empresa que tinha uma doença autoimune o No exercício das suas funções, em 28/05/2020, ou seja, em plena pandemia Covid 19, face à sua condição de saúde, nomeadamente à doença autoimune, a responsável médica pelos serviços de saúde da A... recomendou o uso de equipamento de proteção individual e uma reformulação na organização do trabalho aplicado ao autor que passava, em crise, pela “solução de afastamento do contacto com pessoas”; o Recomendação que se manteve em 15/10/2020 e em 02/11/2020. o Em 17/05/2021 ao conteúdo das prévias recomendações constantes das Fichas de Aptidão Médicas supra mencionadas e emitidas pela Medicina do Trabalho da A..., mais se acrescentaram outras recomendações, nomeadamente as de que o autor beneficiasse de “levante periódico” e que “devia evitar subida e descida de escadas com frequência”. o Mais de um ano após a primeira recomendação médica com data de 28/05/2020, a médica de trabalho da A..., em 23 de setembro de 2021, devido ao estado gravoso a que este se encontrava, concluiu que o autor se encontrava inapto para a função. o Ocorreu um agravamento do estado de saúde e da doença do autor e, desde maio de 2020, pelo menos até setembro de 2021, para a manutenção da sua atividade o autor se viu compelido a tomar, entre outros medicamentos, Voltarem 100, imunossupressores, corticoides e hidroxicloroquina para conseguir desempenhar as suas funções presencialmente. o O autor recorreu a consulta de psiquiatria em 04/08/2021 e a acompanhamento da especialidade médica associada à doença com recurso a medicação e exames médicos para atenuar o agravamento e a evolução negativa causados. o O autor recorreu novamente à consulta da especialidade a 14/09/2021, tendo reforçado a medicação e sido aconselhado o afastamento do local de trabalho. o Em 24/09/2021, o autor entrou em baixa médica a qual se prolongava até 18 de dezembro de 2022. o As recomendações médicas são reportadas e do conhecimento da responsável de Health, Safety & Environment de Portugal. o Após as recomendações médicas referidas em 15) a 17, o autor continuou a realizar as suas funções sem qualquer restrição ao contacto diário com colegas/trabalhadores da ré e prestadores da Loja. o A ré recusou/não permitiu, por diversas vezes, que o autor, face as recomendações médicas, exercesse a sua função em regime de teletrabalho, alegando que não seria essa a política da empresa e que as suas funções apenas eram compatíveis fisicamente na loja. o Durante os períodos de confinamento em período de pandemia Covid-19, tal como todos os restantes colegas com as mesmas funções de P&C Manager, estiveram a desempenhar funções em regime de teletrabalho. o Desde o início da sua baixa, a ré, na qualidade de Diretora de Recursos Humanos Ibérica (DD) e a Diretora de Loja (EE) ligavam/contactavam (telefonicamente e por mail) várias vezes por mês, umas vezes a pedir a sua intervenção, outras a dar conhecimento do horário de trabalho. o A Diretora de Loja, que já entrou quando o autor se encontrava em baixa, contactou com o trabalhador duas ou três vezes, sendo que numa delas lhe comunicou que face ao seu afastamento a sua colega CC o iria substituir nas suas funções e outra para lhe referir que o autor só receberia o prémio de final do ano e o aumento aprovado para o ano de 2021 se processe à assinatura dos documentos que lhe tinham sido enviados e mencionados no doc. 39 junto com a petição inicial. o Em agosto de 2022, a ré enviou ao autor um e-mail a solicitar confirmação e resposta escrita em como o autor tinha tido conhecimento do teor do mesmo. o Durante a sua baixa, era constante o envio dos horários de trabalho, mesmo tendo conhecimento do seu estado de saúde e que o mesmo se encontraria de baixa médica. o Alguns dos contactos telefónicos ocorriam antes e depois das juntas médicas e nomeadamente para saberem o resultado das avaliações médicas. 17. Não pode o Autor aceitar que o Tribunal a quo tenha afirmado que o facto de ter sido medicamente recomendado ao autor o afastamento do contacto com pessoas e de o autor ter continuado a realizar as suas funções sem qualquer restrição ao contacto diário com colegas/trabalhadores da ré e prestadores da Loja, para além de, por si só, não configurar um comportamento assediante, mostra-se justificado com o facto de o exercício cabal das suas funções não poder ser levado a cabo em teletrabalho. 18. De igual modo não pode o Autor compreender o entendimento exposto pelo Tribunal, no que respeita à imputada conduta da ré durante o período em que o autor se encontrou de baixa médica, de também não resultou provado o comportamento da ré que poderia configurar uma conduta assediante, em concreto, os contactos da ré aludidos em j) (A mencionada diretora de cada vez que se aproximava a marcação de qualquer junta médica, contactava o trabalhador a questioná-lo qual era o dia e hora da junta médica e contactava novamente depois de cada junta médica a perguntar o resultado e realizando constantes reparos a sua continuidade em baixa referindo que a situação não poderia continuar assim e que tinha de ser resolvida de vez.) e k) (Em meados de dezembro de 2021, os recursos humanos ordenaram que o autor procedesse ao envio de um ficheiro em PDF que tinha sido realizado por si e que se encontrava no computador da loja.). 19. E também não pode compreender o entendimento plasmado pelo Tribunal a quo de que os contactos que a ré realizou plasmados nos factos provados constantes em 28) a 32) não configuram, por si só, qualquer comportamento incorreto, abusivo ou prepotente do empregador, mostrando-se o envio dos horários plenamente justificados pela ré, como resulta dos pontos 39) e 40). 20. Ora, desde logo durante a baixa, o contrato de trabalho está suspenso, razão por que o Autor não tem a obrigação de atender chamadas ou responder a mensagens e emails do empregador, nem de se pronunciar sobre qualquer avaliação de desempenho ou qualquer assunto laboral (art. 296º, nº 1, do CT). 21. E como ficou provado o Autor era contactado pela Diretora de Recursos Humanos Ibérica e alvo de diversos contactos, descritos nos factos dados como provados nos pontos 28 a 32 e sentia-se compelido/obrigado a atender. 22. Tendo em atenção todo este enquadramento parece evidente ao Autor que a prática de qualquer ato discriminatório lesivo de um trabalhador lhe confere o direito a uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais. 23. Julga o autor ser razoável, por termo comparativo, que a Ré fosse condenada no pagamento da quantia de 307.926,36€ (trezentos e sete mil novecentos e vinte e seis euros e trinta e seis cêntimos), a título de danos patrimoniais causados ao autor por via da cessação do contrato de trabalho, tendo em atenção as suas legítimas expectativas na manutenção das suas atuais funções por um período de tempo, quantificado até à presente data, pelo menos nunca inferior a 14 anos, atendendo à durabilidade temporal previsível contratual da trabalhadora, com as mesmas funções, BB, bem como de outros quadros da empresa a nível nacional, admitida em Setembro 2009 e ainda em funções à data de hoje. 24. Importa ter em atenção o facto de o Autor se ter candidatado à loja de ..., porque é de ..., a sua família está em ..., os seus amigos também e durante o processo de recrutamento foi-lhe proposto que a única possibilidade que teria para fazer parte da A... seria ou para a loja de ... ou para a loja do ... e isso implicaria uma mudança muito grande de cidade, e o projeto que lhe foi apresentado foi um projeto duradouro, em momento algum se pôs em cima da cima que haveria a possibilidade de ser um projeto de curta duração, foi-lhe lançada a expectativa que a A... estaria num projeto de expansão muito grande e que iria abrir várias lojas e que outras oportunidades poderiam surgir para ele possivelmente voltar para perto de casa, perto da minha família, portanto o autor mudou-se de malas e de bagagens, vendeu a sua casa em ..., comprou casa em ..., se ele soubesse que poderia haver intenção ou a possibilidade de isto ser temporário, teria alugado uma casa, não teria comprado uma casa em ..., e confiou, ou seja, ficou convicto que efetivamente o projeto que lhe foi apresentado na fase de recrutamento com DD, diretora de recursos humanos em Espanha, que efetivamente não seria temporário. 25. Concomitantemente crê o Autor, que de igual modo, lhe deve ter atribuída uma indemnização pelos dos danos morais sofridos (sofrimento e constrangimento que teve com o agravamento do seu estado de saúde e da doença autoimune; pela preocupação causada com a entrada em estado depressivo, bem como por todo o receio e medo causado pelo facto de o estado depressivo poder vir a deixar sequelas e ainda por todas as preocupações e receios que criaram ao autor com a cessação do seu contrato de trabalho, por motivos a que a ré deu corpo, tendo em atenção os encargos e responsabilidades contraídos com a compra da sua habitação e contração do mutuo hipotecário, que obrigou ao repensamento de toda a sua vida pessoal e profissional e às formas de garantir quer a sua subsistência quer o cumprimento das suas obrigações de uma forma debilitada), que se calcularam em montante nunca inferir a 15.000€ (quinze mil euros). 26. Por último, analisando a documentação junta pela Ré verifica-se que em 2019 o autor assinou 24 H:30 M, em 2020 assinou apenas 2 H e em 2021 assinou 5 H:54 M, sendo-lhe devido o crédito das restantes horas não ministradas, atendendo-se ao tempo de baixa que mediou entre 24.09.2021 e 18.12.2022, que montam em 1.200,63 (mil e duzentos euros e sessenta cêntimos) e não no crédito que lhe foi reconhecido de 210,77. 27. É assim entendimento do Autor que deverá o Tribunal concluir pela nulidade do contrato de comissão de serviço e pela verificação de mobbing na pessoa do autor, por de forma consciente e ilegítima terem atentado contra a sua saúde, não atendendo às recomendações médicas da Medica de Trabalho, o que propiciou ao agravamento do estado da sua saúde e à subsequente baixa, que originou o que o Autor entende como “seu despedimento”. 28. Essa prática de qualquer ato discriminatório lesivo de um trabalhador lhe confere o direito a uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais, e nos termos e valores já explicitados.» (Fim da transcrição) A Ré apresentou contra-alegações ao recurso interposto pelo Recorrente, pugnando pela manutenção do decidido. * * Ser evidente a fragilidade argumentativa apresentada quanto à impugnação da matéria de facto por incorreta observância do ónus a que se alude nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil. Estabilizada desde modo a matéria de facto a qual deverá ser integralmente confirmada não há motivo para a alteração da matéria de direito, para os segmentos em causa. * * * O objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente [artigos 635.º, n.º3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 1.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo do Trabalho], por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso e da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. As questões a decidir são as seguintes: A- Da impugnação da matéria de facto dada como provada: · Factos incorretamente considerados provados: os pontos 37) e 41); · Alteração da redação dada ao facto provado sob o ponto 38); · Factos incorretamente considerados não provados que deveriam ter sido considerados provados: as alíneas a), b), c), d) e), f), g), i), j), k), l), q), r) e s). B- Do erro na aplicação do direito: · Inadmissibilidade da comissão de serviço, o que implica a sua nulidade e a conversão do contrato de comissão de serviço em contrato de trabalho sem termo; · O modo de cessação do contrato e o seu ressarcimento; · A existência de assédio moral o que lhe confere o direito a uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais; · Ser devido crédito a título de horas de formação profissional não ministradas. *
Matéria de facto dada como provada em primeira instância[1] * 2. A sua contratação foi para as funções de P&C Manager do ... (chefe de departamento de recursos humanos da Loja da A... do Centro Comercial ..., em ..., ...). 3. De acordo com o contrato a sua função de chefia encontrava-se descrito como diretamente dependente da Direção Ibérica de Recursos Humanos, reportando também diretamente à Direção de Loja. 4. Antes da assinatura do contrato de trabalho, o autor questionou a Direção de Recursos Humanos sobre a duração do mesmo por e-mail, datado de 06/09/2018. 5. O autor foi contratado exatamente para as mesmas funções e para a mesma loja (...) que por exemplo a colaboradora BB, que foi admitida, em setembro de 2009, sobre a tipologia de contrato por termo indeterminado, sem, contudo, lhe titularem o contrato como de “comissão de serviço externo”. 6. Essa colaboradora exerce ainda atualmente funções de P&C Manager na loja de .... 7. No contrato referido em 1) consta que “no caso de cessação da comissão de serviço por iniciativa da Primeira que não corresponda a despedimento por facto imputável ao Segundo, a indemnização a pagar ao segundo será calculada nos termos do artigo 366º do Código do Trabalho sendo que o valor para efeitos de cálculo será de 30 dias por cada ano. 8. Em 2022, a remuneração mensal ilíquida do autor cifrava-se em 1.955,09€ (mil novecentos e cinquenta e cinco euros e nove cêntimos), com direito ao recebimento de subsídio de alimentação, que se cifrava em 5€ (cinco euros), mais acrescendo de outra remuneração mensal, a título de isenção do horário de trabalho, correspondente a 25% da retribuição, que correspondia ao montante de 488,77€ (quatrocentos e oitenta e oito euros e setenta e sete cêntimos), acrescido de horas de trabalho noturno, domingos e feriados. 9. A ré liquidou ao autor, a título de compensação pela cessação do contrato, o valor de 8.222,24€. 10. O autor apresentou boas avaliações de desempenho, a 07/12/2018, a 28/03/2019, 14/09/2019 e a 12/09/2020, com reconhecimento da sua evolução constante. 11. Durante o período de exercício das suas funções, o autor não tem qualquer registo de absentismo ou incumprimento de assiduidade, entre 01/10/2018 (data de início do seu contrato) até 23/09/2021. 12. Aquando da sua entrada, bem como nos anos subsequentes, o autor foi sujeito às avaliações médicas, no âmbito da medicina do trabalho, sendo do conhecimento da empresa que tinha uma doença autoimune, que em nada obstou e obstava à realização cabal das suas funções. 13. A sua condição de saúde tinha um controle normal e estabilizado, que passava pela toma de imunossupressores e corticoides apenas em situações de exacerbação da doença. 14. No exercício das suas funções cabia ao autor cuidar de todas as tarefas operacionais de recursos humanos da loja, implementação da cultura organizacional, acompanhar, orientar, formar e aconselhar os restantes responsáveis de equipas e departamentos, contactando com prestadores de serviço da loja e com as organizações sindicais e que era executado de acordo com as indicações da direção de loja, a qual por sua vez reportava perante a Direção Ibérica de recursos humanos, assim como outras funções quando a este eram solicitadas. 15. No exercício dessas funções, em 28/05/2020, ou seja, em plena pandemia Covid 19, face à sua condição de saúde, nomeadamente à doença autoimune, a responsável médica pelos serviços de saúde da A... recomendou o uso de equipamento de proteção individual e uma reformulação na organização do trabalho aplicado ao autor que passava, em crise, pela “solução de afastamento do contacto com pessoas”. 16. Recomendação que se manteve em 15/10/2020 e em 02/11/2020. 17. Em 17/05/2021 ao conteúdo das prévias recomendações constantes das Fichas de Aptidão Médicas supra mencionadas e emitidas pela Medicina do Trabalho da A..., mais se acrescentaram outras recomendações, nomeadamente as de que o autor beneficiasse de “levante periódico” e que “devia evitar subida e descida de escadas com frequência”. 18. Mais de um ano após a primeira recomendação médica com data de 28/05/2020, a médica de trabalho da A..., em 23 de setembro de 2021, devido ao estado gravoso a que este se encontrava, concluiu que o autor se encontrava inapto para a função. 19. Ocorreu um agravamento do estado de saúde e da doença do autor e, desde maio de 2020, pelo menos até setembro de 2021, para a manutenção da sua atividade o autor se viu compelido a tomar, entre outros medicamentos, Voltarem 100, imunossupressores, corticoides e hidroxicloroquina para conseguir desempenhar as suas funções presencialmente. 20. O autor recorreu a consulta de psiquiatria em 04/08/2021 e a acompanhamento da especialidade médica associada à doença com recurso a medicação e exames médicos para atenuar o agravamento e a evolução negativa causados. 21. O autor recorreu novamente à consulta da especialidade a 14/09/2021, tendo reforçado a medicação e sido aconselhado o afastamento do local de trabalho. 22. Em 24/09/2021, o autor entrou em baixa médica a qual se prolongava até 18 de dezembro de 2022. 23. As recomendações médicas são reportadas e do conhecimento da responsável de Health, Safety & Environment de Portugal. 24. Após as recomendações médicas referidas em 15) a 17), o autor continuou a realizar as suas funções sem qualquer restrição ao contacto diário com colegas/trabalhadores da ré e prestadores da Loja. 25. A ré recusou/não permitiu, por diversas vezes, que o autor, face as recomendações médicas, exercesse a sua função em regime de teletrabalho, alegando que não seria essa a política da empresa e que as suas funções apenas eram compatíveis fisicamente na loja. 26. Durante os períodos de confinamento em período de pandemia Covid-19, tal como todos os restantes colegas com as mesmas funções de P&C Manager, estiveram a desempenhar funções em regime de teletrabalho. 27. Durante esse período as lojas estiveram encerradas e sem trabalhadores ao serviço, pelo que as funções a serem desempenhadas pelos responsáveis de RH eram reduzidas. 28. Desde o início da sua baixa, a ré, na qualidade de Diretora de Recursos Humanos Ibérica (DD) e a Diretora de Loja (EE) ligavam/contactavam (telefonicamente e por mail) várias vezes por mês, umas vezes a pedir a sua intervenção, outras a dar conhecimento do horário de trabalho. 29. A Diretora de Loja, que já entrou quando o autor se encontrava em baixa, contactou com o trabalhador duas ou três vezes, sendo que numa delas lhe comunicou que face ao seu afastamento a sua colega CC o iria substituir nas suas funções e outra para lhe referir que o autor só receberia o prémio de final do ano e o aumento aprovado para o ano de 2021 se processe à assinatura dos documentos que lhe tinham sido enviados e mencionados no doc. 39 junto com a petição inicial. 30. Em agosto de 2022, a ré enviou ao autor um e-mail a solicitar confirmação e resposta escrita em como o autor tinha tido conhecimento do teor do mesmo. 31. Durante a sua baixa, era constante o envio dos horários de trabalho, mesmo tendo conhecimento do seu estado de saúde e que o mesmo se encontraria de baixa médica. 32. Alguns dos contactos telefónicos ocorriam antes e depois das juntas médicas e nomeadamente para saberem o resultado das avaliações médicas. 33. A ré enviou um e-mail ao autor enquanto este estava de baixa a comunicar-lhe que não só ia receber um prémio monetário (“Special Recognition Payment”) no valor de €1.163,00 pelo bom trabalho prestado durante a pandemia, como lhe comunicou um aumento salarial a partir de 01/01/2022, aumento salarial que veio a beneficiar o autor meses mais tarde, pois a sua compensação e demais créditos salariais foram calculados com base no novo salário, sem o autor ter prestado um único dia de trabalho após o aumento. 34. Em 14/10/2022, houve uma chamada telefónica de cortesia para dar conta que ia receber uma carta a comunicar a cessação da comissão de serviço, carta que recebeu na mesma data, carta que se mostra junta a fls. 53, verso. 35. Quando a trabalhadora da ré BB foi contratada em 2009 a A... não utilizava o regime da comissão de serviço. 36. O autor trabalhava num espaço apenas com outra pessoa, a CC que trabalhava com máscara. 37. A CC, além de trabalhar de máscara, numa conversa informal sugeriu ao Autor poder ir trabalhar para outro espaço, mas sem prévia ou posterior solicitação à Diretora da Loja – FF[2]. 38. O exercício das funções em teletrabalho só seria possível ao nível das tarefas administrativas, mas a gestão das pessoas enquanto responsável máximo pelos recursos humanos da loja é preferível com a presença física[3]. 39. Os e-mails enviados ao autor eram e-mails gerais enviados para a lista total dos trabalhadores da loja. 40. O autor apresentava baixas com duração de 30 dias e a ré elabora horários com 6 semanas de antecedência, sendo expectativa da ré que o mesmo voltasse a qualquer momento recuperado e são para trabalhar. 41. A ré prestou as seguintes horas de formação ao autor: - em 31/10/18, 160 horas, - em 14/03/19, 4 horas, - em 18/03/19, 4 horas, - em 14/05/19, 1 hora, - em 23/05/19, 7 horas, - em 9/07/19, 2:30 horas, - em 27/11/19, 10:45 horas, - em 28/01/20, 1 hora, - em 28/01/20, 1 hora, - em 6/02/20, 2 horas, - em 22/07/20, 0:30 hora, - em 31/08/20, 12 horas, - em 20/10/20, 0:45 hora, - em 23/10/20, 1 hora, - em 31/12/20, 12 horas, - em 25/01/21, 1 hora, - em 5/03/21, 9 horas, - em 9/04/21, 1 hora, - em 13/04/21, 1 hora, - em 13/04/21, 0:50 hora, - em 14/04/21, 1 hora, - em 25/04/21, 1 hora, - em 25/01/21, 0:50 hora, e - em 9/08/21, 2 horas. 42. Nas recomendações médicas referidas nos pontos 15) e 16), foi expressamente sugerido e recomendado que o Autor prestasse a sua atividade em regime de teletrabalho, atendendo à sua situação específica e ao período em questão.[4] 43. Não obstante as recomendações médicas aludidas nos pontos 15) a 17), o Autor prosseguiu o desempenho das suas funções sem qualquer restrição ao contacto diário com clientes e fornecedores da Loja.[5] 44. A Ré, por intermédio da sua “Health & Safety Manager” para Portugal, GG, e da sua Diretora de RH Ibérica, DD, tinha pleno e cabal conhecimento da doença autoimune do Autor, da sua condição e do seu progressivo agravamento, e bem assim da necessidade de adaptação do posto de trabalho.[6] 45. A circunstância referida no ponto 43) contribui ao agravamento do quadro da doença autoimune do Autor, e ao subsequente desenvolvimento de um quadro depressivo, a partir de agosto de 2021 [cfr. o ponto 20)], o que lhe determinou uma situação de inaptidão temporária para o Trabalho [cfr. o ponto 18)].[7] 46. Em cada renovação de baixa médica, a Diretora de Recursos Humanos Ibérica, DD, contactava o Autor para questionar a sua aptidão para o trabalho, informando-o da impossibilidade de (re)adaptação do seu posto de trabalho face às especificidades da sua função, que exigia presença física em loja, e insinuando a hipótese de este considerar a saída da empresa, dado que urgia definir o futuro profissional da sua substituta, CC. 47. No decurso do início de 2022, e pouco tempo após o início da sua baixa médica, a Diretora de RH Ibérica, DD, contactou o Autor com o propósito de solicitar um ficheiro em formato PDF referente a um projeto (People Sense) por si desenvolvido, o qual se encontrava armazenado no computador da loja.[8] * * a) Foi assegurado ao autor que o contrato referido em 1) não teria data de término prevista. b) Após as recomendações aludidas em 15) a 17), o autor, com seguimento e aconselhamento médico, teve a necessidade de aumentar a dosagem de imunossupressores, corticoides, e também introduzir Hidroxicloroquina para obviar ao agravamento da doença, resultados de análises médicas que sempre afastaram a transição da doença autoimune estável e controlada, começou a dar positivo para Lúpus eritematoso sistémico. c) (…)[9]. d) (…)[10]. e) (…)[11]. f) (…)[12]. g) O referido em 21) ocorreu atentas as exigências da atividade profissional do autor. h) (…)[13]. i) (…) [14] j) (…) [15] k) (…) [16] l) O autor não tendo esses elementos em sua posse, viu-se obrigado a recorrer a contactos com colegas que se encontravam a trabalhar para proceder ao seu envio. m) O autor, por dirigir o departamento de recursos humanos, vivenciou e presenciou que os trabalhadores recuperados de estados depressivos se veem compelidos e são conduzidos e sugestionados para a cessação dos contratos de trabalho, desde logo pelas dificuldades que lhe são criadas e por serem condicionados a optar pela estabilidade da sua saúde mental. n) Apesar dos diversos pedidos efetuados pelo autor, a ré não procedeu à entrega tempestiva da necessária declaração para pedido do pagamento do valor das prestações compensatórias junto da Segurança Social e relacionadas com o pagamento dos Subsídios de Férias e de Natal de 2021 e 2022, pelo facto de ter estado de baixa por doença e que não foram pagos pela ré. o) O autor, face à inércia da ré teve de participar a situação à Seg. social e à ACT, para que oficiosamente lhe fosse permitido, como foi, o acesso ao direito do recebimento do valor relativo a essas prestações, no montante de cerca de 3.600€. p) O agravamento do seu estado de saúde levou a que o autor viesse a ter de suportar despesas médicas e de saúde que em 2020 representaram um custo total de 1.621,15€, em 2021 representaram um custo total de 1.266,98€, em 2022 representada um custo total de 3.143,44€ e em 2023 já representaram um custo de 774,98€. q) O facto de ter adoecido levou a que a ré conduzisse o processo que levou ao seu afastamento das funções e da empresa, tendo por um lado permanecido com as sequelas que se mantém até hoje. r) Qualquer destes quadros, o depressivo e a doença autoimune, mantêm-se até à presente data, continuando o autor a ser medicamente assistido para os debelar. s) O autor sentiu sofrimento e constrangimento com o agravamento do seu estado de saúde e da sua doença autoimune, preocupação causada com a entrada em estado depressivo, bem como receio e medo causado pelo facto de o estado depressivo poder vir a deixar sequelas e ainda preocupações e receios com a cessação do seu contrato de trabalho, tendo em atenção os encargos e responsabilidades contraídos com a compra da sua habitação e com assunção de competente mútuo hipotecário, efetuado por alturas da sua entrada na empresa, que obrigou ao necessário recalculo de toda a sua vida pessoal e profissional e às formas de garantir quer a sua subsistência quer o cumprimento das suas obrigações. t) O autor opôs-se ao referido em 37). u) A iniciativa de ver cessada a relação laboral partiu do próprio autor, que pediu à ré para sair, mas com salvaguarda dos seus direitos – compensação e acesso ao subsídio de desemprego –, ao que a ré acedeu. * Os Ónus do Recorrente na Impugnação da Matéria de Facto Nos termos do n.º 1 do artigo 640.º, do Código de Processo Civil, o Recorrente tem o dever de delimitar o âmbito do recurso, indicando os segmentos da decisão que considera erróneos e especificando a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida [alíneas a) e c) do n.º 1]. Adicionalmente, deve fundamentar, de forma concludente, as razões da sua discordância, analisando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, na sua perspetiva, justifiquem uma decisão diferente [alínea b) do n.º 1]. Embora estas exigências se refiram à fundamentação do recurso, não se impõe ao recorrente a reprodução integral, nas conclusões, de tudo o que alegou sobre os requisitos previstos no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Tratando-se de recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, as conclusões devem indicar os pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e que se pretende ver alterados.[17] O Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado que, na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640.º, os aspetos de formais devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade[18]. (negrito nosso) A Impugnação da Decisão de Facto A impugnação da decisão de facto não se esgota com a mera discordância do Recorrente face ao decidido, expressa de forma imprecisa, genérica ou descontextualizada, nem na simples reprodução parcial e descontextualizada de excertos de depoimentos. É o apelante, ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto, quem se encontra em melhores condições para indicar, fundamentadamente, os eventuais erros de julgamento a esse nível. Como refere Ana Luísa Geraldes[19], a prova de um facto, por regra, não resulta de um só depoimento ou de parte dele, mas da conjugação e análise crítica de todos os meios de prova produzidos, ponderados globalmente, segundo as regras da lógica, da experiência e, se aplicável, da ciência. Neste contexto de apreciação global e crítica da prova produzida: «mostra-se facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências da apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.» (Fim da transcrição) Impõe-se, portanto, o confronto desses elementos com os restantes que fundamentaram a convicção do Tribunal (e que constam da motivação da decisão), recorrendo-se, se necessário, às demais provas produzidas e documentadas, apontando eventuais disparidades, contradições ou incorreções que afetem a decisão recorrida. Papel do Tribunal da Relação na Reapreciação da Prova É hoje jurisprudência pacífica que o objetivo da segunda instância, na apreciação de facto, não é a mera repetição do julgamento, mas sim a deteção e correção de erros de julgamento concretos, específicos, claramente indicados e fundamentados – cfr. o n.º 1, do artigo 662.º, do Código de Processo Civil. Descarta-se, assim, a tese de que a modificação da decisão sobre a matéria de facto só possa ocorrer em casos de erro manifesto na apreciação dos meios probatórios, ou de que o Tribunal da Relação, tendo em conta os princípios da imediação e da oralidade, não possa contrariar o juízo formulado em 1.ª instância relativamente a meios de prova que foram objeto de livre apreciação. Todavia, se o Recorrente impugnar apenas determinados pontos da matéria de facto, os restantes não poderão ser alterados, sob pena da decisão do Tribunal da Relação incorrer em nulidade, nos termos da segunda parte, alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil. Princípio da Livre Apreciação da Prova No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, ou da livre convicção, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas sem qualquer hierarquização pré-estabelecida e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção formada acerca de cada facto controvertido. Note-se, ainda, o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414.º do Código de Processo Civil, segundo o qual: «a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.» Sem prejuízo da relevância de tais princípios e sem olvidar que o Juiz de 1.ª instância se encontra, pela imediação com a produção da prova, em condições particularmente favoráveis para a apreciação da matéria de facto (condições que, em regra, não se repetem em sede de julgamento no Tribunal da Relação), não há dúvidas de que a opção legislativa consagrada no citado n.º1, do artigo 662.º [e, ainda, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo preceito legal] aponta no sentido de o Tribunal da Relação assumir-se: «(…) Como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem (…), fica claro que a Relação tem autonomia decisória competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.»[20] (Fim da transcrição e negrito nosso) Contudo, como sublinha Ana Luísa Geraldes[21], em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida[22], deverá prevalecer a decisão proferida pela 1.ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.» (Fim da transcrição). Mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.» (Fim da transcrição) Isto significa que, na reapreciação da prova em 2.ª instância, não se procura obter uma nova (e diferente) convicção a todo o custo, mas sim verificar se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, considerando os elementos probatórios constantes dos autos, e aferir, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão sobre a matéria de facto. É necessário, em qualquer caso, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo Recorrente, impondo, dessa forma, uma decisão diferente da proferida pelo tribunal recorrido – artigo 640º, n.º 1, alínea b), parte final, do Código de Processo Civil. Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que se baseou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações do Recorrente e Recorrido, sem prejuízo de oficiosamente, considerar quaisquer outros elementos probatórios que tenham fundamentado a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Isto enquadra-se no princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil. Segundo Miguel Teixeira de Sousa[23]: «Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…), estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…). Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º 1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.» (Fim da transcrição) Em suma, para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, é necessário averiguar se ocorreu alguma anomalia na formação da respetiva “convicção”, designadamente, se na formação da convicção do julgador de 1.ª instância, expressa nas respostas dadas aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter sido subjacentes, nomeadamente as regras da experiência comum, da ciência e da lógica, a conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos dados como assentes. Não obstante, e apesar de a apreciação em primeira instância ser construída com recurso à imediação e à oralidade, tal não impede à «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1.ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida (…). Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada.»[24] (Fim da transcrição) Contudo, importa referir que, no contexto do julgamento da matéria de facto, seja ao nível da 1.ª instância, seja na sua reapreciação no Tribunal da Relação, a reconstrução dos factos não persegue uma verdade absoluta ou uma certeza naturalística (própria de outros ramos das ciências), mas sim um grau de certeza empírica e histórica, baseado numa elevada probabilidade. Como salienta Manuel de Andrade: «a prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica).»[25] (Fim da transcrição) Apreciação dos Pontos Concretos Feito este enquadramento, cumpre aferir quais os pontos concretos que devem ser apreciados por este Tribunal: O Recorrente requer o seguinte: · Retirar da matéria de facto dada como provada e aditar à matéria de facto dada como não provada os pontos 37) e 41); · A alteração da redação dada ao facto provado sob o ponto 38); · Retirar da matéria de facto dada não provada e aditar à matéria de facto provada as alíneas a), b), c), d) e), f), g), i), j), k), l), q), r) e s). O Tribunal a quo fundamentou os pontos de facto impugnados da seguinte forma: «(…) Relativamente à matéria referida nos pontos 13), 24), 36) e 37) foram consideradas as declarações prestadas pelo autor devidamente conjugadas com o depoimento das testemunhas FF, HH - gestora de Recursos Humanos na ré entre 2012 e 2022 -, II - companheiro do autor - e CC. O autor e o seu companheiro relataram o estado da doença de que aquele padecia até ao ano de 2020, altura em que se agravou, como resulta das fichas de aptidão acima referidas. O autor e as testemunhas FF, HH e CC foram unânimes em afirmar a matéria referida em 24) e que o autor trabalhava num gabinete com uma pessoa - a testemunha CC – que, de forma muito assertiva, afirmou usar sempre máscara de proteção e ter proposto ao autor ir trabalhar para outro espaço, não se recordando, porém, da resposta do autor a tal proposta, daí ter sido dado como não provada a matéria constante em t). (…) A respeito dos pontos 27) e 38) apenas o autor considerou ser possível exercer as suas funções à distância. A testemunha CC – que, recorde-se, substituiu o autor no período em que esteve de baixa e após a sua saída – foi perentória em afirmar que tal não era viável, uma vez que esta função pressupõe o contacto direto com os funcionários da ré, sendo que apenas as funções administrativas desta função podiam ser exercidas à distância. Este depoimento foi corroborado pelo da testemunha DD e também por JJ que afirmaram o carácter presencial desta função. Ainda a este respeito, importa referir que, pese embora a testemunha JJ tenha afirmado que duas pessoas com a mesma função do autor exerceram funções em teletrabalho, a verdade é que afirmou que tal aconteceu apenas períodos de tempo (que não especificou), sendo que a testemunha DD identificou 3 pessoas a quem tal foi permitido, mas apenas por alguns dias e não, sequer, durante algumas semanas ou mês. Ora, em face das funções típicas da categoria do autor, que vêm descritas no ponto 14) da matéria de facto, e da conjugação dos depoimentos destas testemunhas com as regras da normalidade, afigura-se-me como seguro poder afirmar-se que o autor para as exercer precisava de estar fisicamente na loja. Quanto ao ponto 41) foram considerados os certificados juntos à contestação como documento nº 2, devidamente conjugados com o depoimento da testemunha CC. É certo que nem todos os certificados de formação profissional juntos se mostram acompanhados da lista de presença assinada pelo autor, mas a verdade é que tal como assegurou aquela testemunha, só a formação profissional que se mostrava assinada pelo autor foi certificada, daí ter o tribunal entendido como bastantes os certificados juntos aos autos.» (Fim da transcrição) Reexame da Matéria de Facto Impugnada Verifica-se que o Recorrente observou cabalmente os ónus processuais que impendem sobre quem impugna a decisão da matéria de facto, o que impõe o reexame dos pontos de facto em causa. Após análise dos depoimentos colhidos na audiência de julgamento, constata-se que a sentença recorrida sintetizou, de forma adequada, os aspetos relevantes da prova oral produzida. Vejamos em detalhe: Análise da Prova No que respeita ao facto provado no ponto 37), o Autor/Recorrente, no seu depoimento e declarações, referiu que a mudança de posto de trabalho exigia autorização superior, que todos os funcionários usavam máscara durante a pandemia e que a colega CC não se ofereceu para ir trabalhar noutros espaços. De igual modo, a testemunha FF (ex-diretora da Loja do ..., até maio de 2021) afirmou no seu depoimento que CC nunca lhe mencionou qualquer intenção de mudar de gabinete. Referiu ainda que, caso o tivesse feito, seria uma questão de simples resolução. Por seu turno, a testemunha CC (P&C Manager — Diretora de Recursos Humanos), ao ser questionada sobre a sugestão de mudança de sala durante a pandemia de COVID-19, deu um depoimento que, embora não fosse totalmente convincente (uma vez que não se recordava inicialmente), incluiu as seguintes afirmações: · Durante a pandemia de COVID-19, trabalhava na mesma sala que o Autor/Recorrente, e ambos usavam equipamento de proteção individual (máscaras). · Recorda-se de ter questionado o Recorrente se faria sentido ocuparem gabinetes diferentes. · Não se recorda da resposta exata do Recorrente, mas acredita que ele terá dito que não seria necessário, uma vez que estavam apenas os dois e as suas mesas não estavam próximas. · Referiu que era possível trabalhar noutros locais com computadores portáteis, apesar de existir um sistema de registo de ponto que só funcionava em computadores fixos. · Mencionou a existência de uma sala de formação contígua ao Departamento de Recursos Humanos que poderia ser utilizada, bem como outra opção de espaço. · Afirmou que a mudança para outra sala não necessitava de ser comunicada à diretora de loja nem de autorização, e que, por vezes, ela própria utilizava o seu portátil noutra sala para se concentrar melhor. Conclusão Prevalece, neste contexto, o princípio da imediação e oralidade da prova, não tendo o Tribunal ad quem detetado qualquer anomalia na formação da convicção da Exma. Senhora Juíza do Tribunal a quo. Contudo, entende-se que a factualidade provada no facto provado no ponto 37), deverá ser reformulada para melhor refletir a prova produzida na audiência de julgamento, conforme a seguinte redação (resposta explicativa): “37) A CC, além de trabalhar de máscara, numa conversa informal sugeriu ao Autor poder ir trabalhar para outro espaço, mas sem prévia ou posterior solicitação à Diretora da Loja – FF.” Manutenção do Ponto de Facto 41) No que concerne às horas de formação, dadas como provadas no ponto 41), a testemunha CC referiu ter sido responsável por recolher a informação relativa à formação profissional ministrada ao Recorrente. A testemunha esclareceu, ainda, que as formações sem assinatura não foram certificadas, mas ressalvou a possibilidade de existirem outras certificações a nível central. Explicou, outrossim, que a data aposta nos certificados é posterior à data de saída do Recorrente, justificando este facto por terem sido extraídos da plataforma numa data ulterior. A prova documental junta aos autos corrobora integralmente este depoimento, designadamente, os certificados de formação juntos com a contestação como documento n.º 2 (cfr. Ref.ª 36941051.º Citius). Por conseguinte, mantém-se inalterado o facto provado sob o ponto 41). Alteração da Redação do Facto Provado n.º 38) Quanto ao facto provado no ponto 38) e à alteração da sua redação requerida pelo Recorrente, a versão original era a seguinte: “O exercício das funções em teletrabalho só seria possível ao nível das tarefas administrativas, mas a gestão das pessoas enquanto responsável máximo pelos recursos humanos da loja obriga à presença física.” O Recorrente sugere a seguinte redação: “A ré entende que o exercício das funções em teletrabalho só seria possível ao nível das tarefas administrativas, mas a gestão das pessoas enquanto responsável máximo pelos recursos humanos da loja obriga à presença física”. A alteração requerida é fundamentada no depoimento da testemunha JJ (que desempenhou funções de store management na Recorrida até ao ano de 2021). Da audição do seu depoimento, extrai-se o seguinte: · O HR Manager estava muito presente na loja, admitindo que, excecionalmente, em duas situações (uma com crianças pequenas e outra por motivo de saúde oncológica), o teletrabalho foi pontualmente permitido por períodos determinados. · A testemunha entende que um P&C Manager não consegue exercer as suas funções sem contacto direto com os trabalhadores. · Durante o período da pandemia em que as lojas estiveram encerradas, o trabalho foi realizado em teletrabalho. · Contudo, após a reabertura das lojas, a testemunha referiu que o P&C Manager apenas consegue exercer as suas funções em teletrabalho de forma excecional e por um período de tempo determinado, dado ser o "braço direito" do Store Manager. Conclusão e Proposta de Alteração Considerando o exposto, impõe-se a alteração da redação adotada pelo Tribunal a quo. A palavra "obriga" revela-se demasiado determinativa e definitiva face à prova produzida. A substituição por "preferível" reflete melhor o depoimento da testemunha, que admite exceções ao regime de presença física. Deste modo, a redação do facto provado no ponto 38) deverá passar a ser a seguinte: “38) O exercício das funções em teletrabalho só seria possível ao nível das tarefas administrativas, mas a gestão das pessoas enquanto responsável máximo pelos recursos humanos da loja é preferível com a presença física.” Da Impugnação da Matéria de Facto Não Provada O Recorrente considera que as alíneas a), b), c), d), e), f), g), i), j), k), l), q), r) e s) da matéria de facto não provada deveriam ser dadas como provadas. Importa sublinhar que o juízo de "não provado" não implica que a afirmação seja necessariamente falsa, mas sim que não foi possível obter prova suficiente para a sustentar. Por outro lado, a contradição na matéria de facto apenas ocorre se os factos provados negarem diretamente os factos não provados. Análise do Facto Não Provado sob a Alínea a) A alínea a) tem a seguinte redação: “a) Foi assegurado ao autor que o contrato referido em 1) não teria data de término prevista.” Analisada a prova produzida, e para além do que resulta provado sob o ponto 4), nenhuma prova efetiva foi feita quanto à existência ou não de um termo para o contrato identificado no facto provado sob o ponto 1). O depoimento da testemunha DD (Diretora de RH Ibérica) não confirmou tal afirmação. Deste modo, não existe qualquer reparo a fazer quanto à manutenção desta alínea na factualidade dada por não provada. Da Impugnação da Matéria de Facto Não Provada (Continuação) Por seu turno, as alíneas b), c), d), e), f), e g) dos factos não provados possuem a seguinte redação: b) Após as recomendações aludidas em 15) a 17), o autor, com seguimento e aconselhamento médico, teve a necessidade de aumentar a dosagem de imunossupressores, corticoides, e também introduzir Hidroxicloroquina para obviar ao agravamento da doença, resultados de análises médicas que sempre afastaram a transição da doença autoimune estável e controlada, começou a dar positivo para Lúpus eritematoso sistémico. c) Nas recomendações referidas em 15) e 16) foi sugerido e recomendado, no seu caso em específico e durante esse período, que o autor prestasse o seu serviço em teletrabalho. d) Após as recomendações médicas referidas em 15) a 17), o autor continuou a realizar as suas funções sem qualquer restrição ao contacto diário com clientes e fornecedores da Loja. e) O autor fazia questão de mostrar o agravamento da doença e dar conhecimento da necessidade de adaptação de posto de trabalho, em diversos momentos, à Direção de Loja, à Direção de Recursos Humanos Ibérica e à responsável de Health, Safety & Environment em Portugal. f) A falta de atenção aos pareceres médicos, dos próprios serviços da A..., sem a realização de qualquer adaptação ao posto de trabalho, conduziu ao referido agravamento do quadro da doença autoimune e ao subsequente aparecimento de um quadro grave depressivo que se verificou a partir de agosto de 2021 que determinou que o autor tivesse entrado em situação de inaptidão temporária para o Trabalho. g) O referido em 21) ocorreu atentas as exigências da atividade profissional do autor. Análise da Alínea b) Quanto à alínea b), da análise do depoimento da testemunha KK (Médica do Trabalho da Recorrida desde 2016), que confirmou ter emitido as fichas de aptidão do Recorrente, sempre com base em documentos médicos (relatórios e exames), e não em meras queixas deste, resulta que a mesma confirmou a doença autoimune do Recorrente, a sua gravidade e a natureza incurável. A testemunha referiu que a situação de saúde do Recorrente se agravava progressivamente, podendo piorar com stress ou esforço físico. Relativamente à medicação, confirmou a toma de hidroxicloroquina, epicortinol e imunossupressores (imuran), que diminuem a imunidade e as defesas do organismo, tornando o Recorrente mais vulnerável, especialmente durante a pandemia, e que causavam manifestações físicas, como “pintinhas” nas pernas que se recordava de ter visto. Assim, para além do que já consta nos factos provados nos pontos 17) a 19), não se encontra motivo para dar por provado o que consta da alínea b). Nomeadamente, o aumento da medicação ser necessário para obviar à transição de uma doença autoimune estável e controlada para uma situação positiva para lúpus eritematoso sistémico. Análise das Alíneas c) e d) No que toca às alíneas c) e d), do depoimento da Médica do Trabalho acima identificada, resulta que a ficha de 28 de maio de 2020 sugeria isolamento, afastamento ou teletrabalho para evitar o contacto. A testemunha confirmou que esta sugestão de teletrabalho partiu de um médico especialista e que a transmitiu ao Recorrente. Uma alternativa seria a ocupação de um gabinete próprio e afastado de contactos, mas a testemunha não soube confirmar se essa medida foi implementada. Além disso, dos depoimentos do Autor e das testemunhas, verifica-se que: · Embora a sugestão de teletrabalho para o Recorrente tenha partido da sua médica do trabalho, e mesmo que este tenha expressado inicialmente reservas sobre a sua compatibilidade, as funções administrativas e analíticas das suas funções podiam ser realizadas em teletrabalho, conforme confirmado pelo próprio e por outras testemunhas (LL e FF). · Adicionalmente, existiam precedentes de outros P&C Managers na A... que foram autorizados a trabalhar pontualmente em regime de teletrabalho por motivos pessoais ou de saúde, incluindo MM (por algumas semanas), NN e OO (por 2 a 4 dias). A própria Diretora de RH Ibérica (DD) afirmou que a A... oferece esta possibilidade a qualquer trabalhador em situações pontuais. Assim, concorda-se que o conteúdo das alíneas c) e d) dos factos não provados deverá ser adicionado à factualidade provada, mas com a seguinte redação: 42. “Nas recomendações médicas referidas nos pontos 15) e 16), foi expressamente sugerido e recomendado que o Autor prestasse a sua atividade em regime de teletrabalho, atendendo à sua situação específica e ao período em questão.” 43. “Não obstante as recomendações médicas aludidas nos pontos 15) a 17), o Autor prosseguiu o desempenho das suas funções sem qualquer restrição ao contacto diário com clientes e fornecedores da Loja.” Análise da Alínea e) No tocante à alínea e), o seu conteúdo deverá ser transposto para a factualidade provada, mas não na redação propugnada pelo Recorrente. Com efeito, sobre o conhecimento da empresa acerca da doença do Recorrente, da sua evolução e das recomendações emitidas pela Medicina do Trabalho, da prova pessoal realizada em audiência de julgamento, resulta o seguinte: · A doença autoimune do Recorrente era do conhecimento da Recorrida desde a sua entrada. O Recorrente mostrava as lesões nas pernas aos colegas (depoimento do Recorrente e das testemunhas FF e HH), e a Diretora de RH em Espanha (DD) também sabia. · A doença do Recorrente, "vasculite", que destrói leucócitos e causa bolhas de sangue nas pernas com dificuldade em andar, era visível, e ele mostrava as lesões (bolhas de sangue/pintinhas/manchas pretas) nas pernas aos colegas. · Apesar dessas dificuldades, o acesso ao elevador era-lhe vedado (uma vez que era utilizado como monta-cargas e por clientes), tendo de subir lances de escadas íngremes, só o utilizando ocasionalmente quando havia carga. · A empresa tinha conhecimento total da situação do Recorrente através das fichas de aptidão enviadas pela Medicina do Trabalho à GG (Health & Safety Manager Portugal). A médica do trabalho, KK, confirmou que as fichas de aptidão do Recorrente foram por ela emitidas com base em documentos médicos. · As recomendações da medicina do trabalho eram enviadas para GG, que deveria estar envolvida na implementação de adaptações. · A médica do trabalho esperava que a Recorrida seguisse as suas recomendações. · A testemunha HH (ex-Department Manager da Recorrida) corroborou que "não houve adaptação organizacional da função do AA", que continuou a realizar todas as suas tarefas (administrativas, presenciais e reuniões) da mesma forma. Assim, a alínea e) da factualidade não provada deverá passar para os factos provados, com a seguinte redação explicativa: 44. "A Ré, por intermédio da sua Health & Safety Manager para Portugal, GG, e da sua Diretora de RH Ibérica, DD, tinha pleno e cabal conhecimento da doença autoimune do Autor, da sua condição e do seu progressivo agravamento, bem como da necessidade de adaptação do posto de trabalho." Análise da Alínea f) No tocante à redação da alínea f) e à sua subsequente passagem para a matéria de facto provada, da conjugação da prova produzida, resulta o seguinte: · No seu depoimento, o Recorrente menciona que a falta de adaptação levou ao agravamento da sua doença e ao desenvolvimento de depressão. · Provou-se que o seu estado de saúde se agravou, que recorreu a consultas de psiquiatria, reforçou a medicação e foi considerado inapto para a função. · A médica do trabalho (KK) confirmou o agravamento da doença do Recorrente e a sua inaptidão temporária, associando-a a uma questão psiquiátrica exacerbada por conflitos no trabalho. · A testemunha II (coabitante com o Recorrente) referiu ter observado um agravamento significativo na saúde e nas dificuldades físicas do Recorrente (com inchaços e manchas nas pernas, dificuldades em andar ou subir escadas) após 2020, com a doença a manifestar-se de forma mais aguda a partir do período da pandemia de COVID-19 e com alterações de humor. Deste modo, a alínea f) deverá passar para a factualidade dada como provada, com a seguinte redação: 45. “A circunstância referida no ponto 43) contribui ao agravamento do quadro da doença autoimune do Autor, e ao subsequente desenvolvimento de um quadro depressivo a partir de agosto de 2021 [cfr. o ponto 20)], o que lhe determinou uma situação de inaptidão temporária para o Trabalho [cfr. o ponto 18)].” Análise da Alínea g) O Recorrente pretende, ainda, que o que consta da alínea g) da factualidade não provada passe a constar dos factos provados. Contudo, não se vislumbra qual a relevância dessa factualidade, nem qual a prova efetiva produzida pelo Recorrente quanto à mesma, pelo que se indefere o solicitado, mantendo-se o juízo de não provado. Análise das Alíneas i), j), k) e l) O Recorrente solicita ainda que sejam considerados provados o que consta das alíneas i), j), k) e l), cujas redações são as seguintes: · h) (...) · i) A Diretora de Recursos Humanos, a cada vez que a baixa era renovada, ligava ao Autor a questioná-lo se estava apto ou não, referindo-lhe que para a sua função era impossível fazer a (re)adaptação do seu posto de trabalho, que as funções só poderiam ser levadas a cabo com a presença física em loja e que, por isso, face à impossibilidade dessa adaptação do seu posto de trabalho, queria saber qual seria a decisão do Autor, sugerindo-lhe se não seria melhor ele pensar na saída da empresa, até porque precisava de decidir sobre as funções da pessoa que o ficou a substituir – CC – e que a situação não se poderia eternizar. · j) A mencionada diretora, cada vez que se aproximava a marcação de qualquer junta médica, contactava o trabalhador a questioná-lo sobre o dia e a hora da junta médica e contactava-o novamente depois de cada junta médica para perguntar o resultado, fazendo constantes reparos à sua continuidade em baixa e referindo que a situação não poderia continuar assim e que tinha de ser resolvida de vez. · k) Em meados de dezembro de 2021, os recursos humanos ordenaram que o Autor procedesse ao envio de um ficheiro em PDF que tinha sido realizado por si e que se encontrava no computador da loja. · l) O Autor, não tendo esses elementos em sua posse, viu-se obrigado a recorrer a contactos com colegas que se encontravam a trabalhar para proceder ao seu envio. Com base no poder-dever de controlo da decisão da matéria de facto conferido pelos artigos 662.º, n.º 1, e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, a matéria de facto deve ser alterada quando a prova produzida no processo conduza, de forma inequívoca, a uma conclusão diferente. Neste enquadramento, e perante a manifesta contradição entre o teor da alínea h) dos factos não provados e a prova constante do ponto 28) — que estabelece a existência de contactos ao longo de vários meses do ano —, decide-se, oficiosamente, eliminar a referida alínea da factualidade não provada. Análise das Alíneas i), j), k) e l) da Matéria de Facto Não Provada No que diz respeito às alíneas i) e j), a prova produzida em audiência de julgamento sustenta a tese do Recorrente, em complemento ao já estabelecido nos factos provados sob os pontos 28) a 33). O depoimento do próprio Recorrente foi elucidativo ao detalhar a pressão exercida, afirmando que DD o contactava para "pressionar ao regresso", sublinhando que a situação de CC era temporária e que "não se podia arrastar muito mais tempo", pois a loja não poderia ter um P&C Manager ausente por um longo período. O Recorrente referiu ainda que lhe foi transmitido que a adaptação do posto de trabalho "não iria ser possível", e que o tom das chamadas se tornou mais "pressionante", com perguntas diretas como "se voltas, queremos saber se contamos contigo, queremos saber se vens, se não vens". Relatou, inclusivamente, que lhe foi comunicada a decisão da empresa de "cessar o teu contrato, visto que não regressava, que não poderia continuar nesta situação, que a mobilidade da CC que estava a chegar ao fim, e que o P&C Manager era uma função indispensável na loja". Esta narrativa foi corroborada por outras testemunhas: · II, coabitante com o Autor, confirmou ter testemunhado chamadas da Dra. DD, nas quais a preocupação inicial rapidamente evoluía para a pergunta "então quando é que voltas?". · LL confirmou que é prática habitual a diretora de loja ou DD contactarem colaboradores em situação de baixa. · PP também corroborou que o Recorrente recebia contactos telefónicos e que, mesmo de baixa, "agarrava-se ao computador a tratar das coisas da empresa", falando com colegas sobre assuntos de trabalho. · A Diretora de RH Ibérica, DD, confirmou que falava com o Recorrente "de dois em dois ou três em três dias para saber como estava e se precisava de algo". Perante a prova produzida, e sem dar por provada a totalidade das alíneas i) e j), deverá ser aditado um novo facto com a seguinte redação: 46. “Em cada renovação da baixa médica, a Diretora de Recursos Humanos Ibérica, DD, contactava o Autor para questionar a sua aptidão para o trabalho, informando-o da impossibilidade de (re)adaptação do seu posto de trabalho face às especificidades da sua função, que exigia a presença física em loja, e insinuando a hipótese de este considerar a saída da empresa, dado que urgia definir o futuro profissional da sua substituta, CC.” Análise das Alíneas k) e l) No que respeita às alíneas k) e l), a prova testemunhal confirmou a existência dos contactos: · O Recorrente, no seu depoimento, relatou um episódio no "início de 2022, pouco depois da baixa ter iniciado", em que DD (Diretora de RH Ibérica) lhe pediu um ficheiro em PDF sobre um projeto (People Sense) que ele tinha desenvolvido e que se encontrava no computador da loja. · A testemunha II confirmou ter presenciado um telefonema em que a mesma pessoa (DD) ligou ao Recorrente "a pedir para ele ligar para a loja para enviar um documento". · Contudo, CC, no seu depoimento, não confirmou ter sido ela a enviar o PDF referido. Assim, apenas se dará por provado o que consta na alínea k), com a seguinte redação: 47. “No decurso do início de 2022, e pouco tempo após o início da sua baixa médica, a Diretora de RH Ibérica, DD, contactou o Autor com o propósito de solicitar um ficheiro em formato PDF referente a um projeto (People Sense) por si desenvolvido, o qual se encontrava armazenado no computador da loja.” Análise das Alíneas q), r) e s) da Matéria de Facto Não Provada Por fim, o Recorrente pretende que se considerem provados os factos constantes das alíneas q), r) e s), cuja redação é a seguinte: q) O facto de ter adoecido levou a que a ré conduzisse o processo que levou ao seu afastamento das funções e da empresa, tendo por um lado permanecido com as sequelas que se mantém até hoje. r) Qualquer destes quadros, o depressivo e a doença autoimune, mantêm-se até à presente data, continuando o autor a ser medicamente assistido para os debelar. s) O autor sentiu sofrimento e constrangimento com o agravamento do seu estado de saúde e da sua doença autoimune, preocupação causada com a entrada em estado depressivo, bem como receio e medo causado pelo facto de o estado depressivo poder vir a deixar sequelas e ainda preocupações e receios com a cessação do seu contrato de trabalho, tendo em atenção os encargos e responsabilidades contraídos com a compra da sua habitação e com assunção de competente mútuo hipotecário, efetuado por alturas da sua entrada na empresa, que obrigou ao necessário recalculo de toda a sua vida pessoal e profissional e às formas de garantir quer a sua subsistência quer o cumprimento das suas obrigações. Neste ponto, e sem prejuízo de opinião diversa, entende-se que, para além do já estabelecido na factualidade provada, nada mais foi demonstrado. Adicionalmente, o que consta das alíneas q), r) e s) não corresponde a factos concretos, mas antes a juízos conclusivos sobre a questão de fundo, cuja apreciação e decisão competem ao Tribunal no momento da subsunção jurídica dos factos ao direito. Por esses motivos, julga-se parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto. * IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO: Fundamentação da Sentença Recorrida A sentença recorrida baseou a sua decisão nos seguintes pontos: 1. Assédio Moral (Mobbing) O Tribunal concluiu que o Autor não conseguiu provar ter sido vítima de assédio moral por parte da Entidade Empregadora. As recomendações médicas relativas ao afastamento do contacto com outras pessoas, bem como o facto de o Autor ter continuado a desempenhar as suas funções sem restrições, não foram, por si só, consideradas como um comportamento assediante. A sua conduta foi justificada pela necessidade de presença física para o exercício cabal das funções. Adicionalmente, os contactos estabelecidos pela Ré durante o período de baixa médica do Autor (pontos 28 a 32 da matéria de facto provada) não foram classificados como incorretos, abusivos ou prepotentes, e o envio de horários foi devidamente justificado pela Ré. Por conseguinte, o Autor não tem direito a qualquer indemnização por danos morais. 2. Despesas Médicas e Medicamentosas O Tribunal verificou que o Autor não provou que o agravamento da sua doença autoimune ou o seu estado depressivo se deveram à conduta da Ré. Também não demonstrou ter suportado as despesas médicas e medicamentosas reclamadas. Por este motivo, o pedido foi indeferido. 3. Danos Patrimoniais por Cessação do Contrato O Tribunal sublinhou que o Autor não questionou a legalidade da celebração do contrato de comissão de serviço, nem a sua cessação. Para além disso, não foi provado qualquer facto que permitisse concluir que a Ré agiu de forma discriminatória ao cessar o contrato. O pedido do Autor de uma indemnização no valor de 307.926,36€, com base na expectativa de trabalhar 14 anos, não tem qualquer respaldo legal. 4. Danos Não Patrimoniais (Danos Morais) Imputados à Conduta da Ré Este pedido estava diretamente ligado à alegação de mobbing. Uma vez que o Tribunal considerou que o Autor não provou ter sido vítima de assédio moral e que os danos reclamados não foram demonstrados, o pedido improcedeu. 5. Compensação por Formação Profissional Não Ministrada O Tribunal reconheceu o direito do Autor a uma compensação de 210,77€ a título de formação profissional não ministrada, relativa aos anos de 2019 a 2021. O cálculo teve como base a diferença entre as horas de formação legalmente devidas (35 horas anuais até 05/09/2019 e 40 horas a partir dessa data) e as horas efetivamente prestadas, excluindo o período de baixa médica, durante o qual a Ré não era obrigada a fornecer formação. 6. Cálculo da Compensação pela Cessação do Contrato O Tribunal concluiu que o valor de 8.222,24€ pago pela Ré a título de compensação pela cessação do contrato foi calculado corretamente. O contrato previa que o cálculo da indemnização fosse feito nos termos do artigo 366.º do Código do Trabalho, que considera a retribuição mensal base e as diuturnidades, não incluindo o valor da isenção de horário de trabalho auferido pelo Autor. Assim, o pedido do Autor de uma compensação superior foi indeferido. Em suma, a sentença julgou a ação parcialmente procedente apenas no que respeita à formação profissional não ministrada, condenando a Ré ao pagamento de 210,77€, e absolvendo-a de todos os restantes pedidos. * Prosseguimos com a análise da adequação da solução jurídica adotada, começando pela validade da figura do contrato de comissão de serviço identificado nos factos provados nos pontos 1) a 3). A modalidade de contrato de trabalho em comissão de serviço é regulada pelos artigos 161.º e seguintes do Código do Trabalho (2009)[26]. Conforme destaca Joana Nunes Vicente[27]: «Oriunda, como se sabe, do Direito Administrativo, a figura da comissão de serviço laboral sugere, desde logo, a ideia de preenchimento transitório de um lugar (note-se: preenchimento transitório de um lugar permanente), bem como a deslocação funcional do trabalhador. O traço mais marcante do respetivo jurídico consiste, entretanto, na circunstância de comissão de serviço poder cessar, a todo o tempo, por simples manifestação de vontade de qualquer um dos sujeitos, inclusive o empregador - traço que, como é evidente, permite rodear o exercício dos correspondentes cargos de um acentuado grau de flexibilidade.» (Fim da transcrição) Na comissão de serviço, estão em causa funções específicas a desempenhar pelo trabalhador, que se caracterizam por uma relação de confiança interpessoal. Esta é a base que sustenta a figura jurídica, de tal forma que a comissão só se mantém enquanto a relação de confiança perdurar. O artigo 161.º, sob a epígrafe “objeto da comissão de serviço”, preceitua o seguinte: “Pode ser exercido, em comissão de serviço, cargo de administração ou equivalente, de direção ou chefia diretamente dependente da administração ou de diretor-geral ou equivalente, funções de secretariado pessoal de titular de qualquer desses cargos, ou ainda, desde que instrumento de regulamentação coletiva de trabalho o preveja, funções cuja natureza também suponha especial relação de confiança em relação a titular daqueles cargos e funções de chefia”. Assim, em termos de requisitos substanciais, o mencionado artigo 161.º admite a utilização desta modalidade contratual em três grupos de hipóteses: i. Cargos de administração ou equivalente, de direção ou chefia diretamente dependente da administração ou de diretor-geral ou equivalente; ii.Funções de secretariado pessoal de qualquer desses cargos de administração, direção ou chefia; iii.“Outras funções cuja natureza também suponha especial relação de confiança ou que correspondam a funções de chefia”, desde que previstas em instrumentos de regulamentação coletiva. Como explica Maria Irene Gomes[28], a referência legal a “cargo de administração” deve ser interpretada numa aceção ampla, abrangendo qualquer cargo com funções executivas ou de gestão de uma pessoa coletiva. Trata-se de uma mera designação, à semelhança do cargo de direção, que serve para qualificar posições que pressupõem uma especial relação de confiança, o exercício de poderes de direção e de autoridade, e uma posição relevante na estrutura hierárquica da empresa. O conteúdo da atividade prestada é, portanto, um elemento decisivo para determinar se o trabalhador se enquadra num dos grupos referidos para os quais se admite a celebração deste tipo de contrato. Uma vez que o legislador não apresentou uma definição de “atividade de direção”, cabe ao intérprete verificar se, no caso concreto, as funções exercidas pelo trabalhador revelam poderes organizacionais e de gestão típicos do empregador, ou seja, a capacidade de tomar decisões estratégicas fundamentais para a vida da empresa. Enquadramento do Caso Concreto No caso em análise, estamos perante uma comissão de serviço externa, também designada por comissão de serviço sem garantia de emprego. Esta modalidade aplica-se a situações em que um trabalhador, sem vínculo laboral prévio com a empresa, é contratado para exercer funções em regime de comissão de serviço sem que lhe seja garantida a permanência após o seu termo (conforme o n.º 2 do artigo 162.º, a contrario sensu). Da análise dos factos provados (pontos 1 a 3), resulta que o Recorrente foi contratado para exercer as funções de chefe de departamento de recursos humanos da Loja da A... do Centro Comercial ..., em ..., .... A sua posição implicava uma dependência direta da Direção Ibérica de Recursos Humanos, sendo que não foi acordada a sua permanência na empresa após o termo da comissão. Descrição de Funções [cfr. o facto provado sob o ponto 14)] No exercício das suas funções, competia ao Autor assegurar a gestão de todas as tarefas operacionais de recursos humanos da loja e a implementação da cultura organizacional. As suas responsabilidades incluíam o acompanhamento, orientação, formação e aconselhamento dos restantes responsáveis de equipas e departamentos, bem como o contacto com prestadores de serviço e organizações sindicais. A sua atuação era executada em conformidade com as indicações da Direção de loja, a qual, por sua vez, reportava à Direção Ibérica de Recursos Humanos, sem prejuízo do desempenho de outras funções que lhe fossem solicitadas. Face ao exposto, verificam-se preenchidos os requisitos de natureza substancial previstos no artigo 161.º, bem como os de natureza formal previstos no n.º 3 do artigo 162.º. Nos termos do n.º 1 do artigo 163.º, qualquer das partes pode pôr termo à comissão de serviço através de denúncia livre, mediante aviso prévio por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante a sua duração, respetivamente, até dois anos ou superior a esse período. Os efeitos da cessação da comissão de serviço na esfera jurídica do trabalhador estão previstos no artigo 164.º, cujo n.º 1, alínea c), estabelece o seguinte: c) Tendo sido admitido para trabalhar em comissão de serviço e esta cesse por iniciativa do empregador que não corresponda a despedimento por facto imputável ao trabalhador, a indemnização calculada nos termos do artigo 366.º” Como referido, está aqui em causa uma situação de comissão de serviço sem garantia de emprego. Neste contexto, a livre extinção da comissão por decisão unilateral do empregador implica não apenas a cessação do exercício das funções, mas também a cessação livre e imotivada do contrato de trabalho, mediante a observância do aviso prévio e o pagamento de uma indemnização calculada nos termos do artigo 366.º. Alguma doutrina jurídica[29], questiona a conformidade jurídico-constitucional desta submodalidade de comissão de serviço, nomeadamente a sua compatibilidade com a garantia constitucional da segurança no emprego e a proibição de despedimento sem justa causa (artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa). No entanto, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a matéria em duas ocasiões – primeiro no Acórdão n.º 64/91, de 04.04.1991, e mais recentemente no Acórdão n.º 338/2010, de 22.09.2010 [2] – entendendo que o regime em questão não viola o parâmetro constitucional da segurança no emprego. O Tribunal considerou, em suma, tratar-se de um tipo contratual distinto do contrato de trabalho, o que, por si só, afasta o debate sobre a sua conformidade com o princípio da segurança no emprego. Neste âmbito, é, pois, irrelevante a alegação do Recorrente de que a cessação do contrato de trabalho teve origem em questões de saúde que o afligiam no decurso da relação laboral. Em face do exposto, a cessação da comissão de serviço por iniciativa da Recorrida de forma livre e imotivada é considerada válida, tendo esta liquidado ao Recorrente, a título de compensação, o valor de €8.222,42 [cfr. os factos provados nos pontos 9) e 34)]. Da Compensação Devida Importa sublinhar que, nos termos do n.º 1 do artigo 366.º, o valor da compensação abrange apenas a retribuição base e as diuturnidades. Conforme a alínea a) do n.º 2 do artigo 262.º, a retribuição base corresponde à prestação devida pela atividade do trabalhador no seu período normal de trabalho. Neste sentido, a quantia de €488,77 paga a título de retribuição pela isenção de horário de trabalho não integra a retribuição base do Recorrente, uma vez que se trata de uma prestação específica e autónoma. Em virtude do exposto, improcedem, nesta parte, as alegações e conclusões do recurso do Recorrente que visavam a condenação da Recorrida no pagamento de €307.926,36 a título de danos patrimoniais decorrentes da cessação do contrato de trabalho. * Na perspetiva do Recorrente, este terá sido vítima de assédio laboral, também conhecido como mobbing. O assédio terá ocorrido porque, apesar de a Recorrida ter conhecimento da sua doença autoimune, não adaptou o posto de trabalho, continuando a contactá-lo durante a sua baixa médica. Estas ações desestabilizaram-no e agravaram o seu estado de saúde. O n.º 2 do artigo 29.º, abrange todas as manifestações de assédio. Este dispositivo legal estabelece o seguinte: “Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”. (negrito nosso) Conforme sublinhado, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02.02.2024, Processo n.º 1868/21.2T8CTB.C1.S1 e de 06.12.2023, Processo n.º 1110/22.9T8CTB.C1.S1[30], no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo assediante. O Direito à Igualdade e Não Discriminação Dispõe o artigo 24.º, n.º 1 (Direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho): “O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreiras profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.” (negrito nosso) É hoje inegável que a igualdade e não discriminação constituem pilares do ideal democrático. Conforme sublinha Guilherme Dray[31], trata-se de um tema de cidadania atual e essencial para a afirmação da liberdade dos cidadãos. Os artigos 24.º e seguintes proíbem a discriminação em geral, abrangendo expressamente as razões de saúde, como a doença. Esta proibição reflete o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. No ordenamento jurídico português, a discriminação assume duas formas distintas, ambas proibidas. A discriminação direta, definida na alínea a), do n.º 1, no artigo 23.º, manifesta-se de forma clara. Ocorre quando, em virtude de um fator de discriminação [o que implica a sua conjugação com o disposto no artigo 24.º, n.º 1)], uma pessoa é sujeita a um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa numa situação comparável. Por sua vez, a discriminação indireta encontra a sua definição na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º. Consiste numa disposição, critério ou prática aparentemente neutra que, no entanto, é suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras. Tal situação só será lícita caso essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificada por um fim legítimo e os meios para o alcançar sejam adequados e necessários. O artigo 25.º, n.º 1, consagra de forma expressa a proibição de discriminação, estipulando que: “O empregador não pode praticar qualquer discriminação direta, ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no n.º 1 do artigo anterior.” Conforme as palavras de Guilherme Dray[32]: «O que está em causa, na proscrição da discriminação, não é a diferenciação em si mesma, mas sim a ausência de razoabilidade da sua motivação e a ausência de motivos que a justifiquem. As diferenciações motivadas por razões que se prendem com as convicções religiosas ou partidárias, o sexo, a raça ou a ascendência, entre outros, não são aceitáveis, porque são atentatórias da dignidade humana e põem em causa a referida ideia de cidadania no trabalho. Em todo o caso, admite-se que o princípio da igualdade, na aludida vertente de proscrição de comportamentos discriminatórios, deve operar de forma aberta e dinâmica, obedecendo aos elementos materiais fornecidos pelo caso concreto e variando de intensidade em função do maior ou menor grau de desequilíbrio negocial entre as partes envolvidas. (…) O apuramento da prática discriminatória deve realizar-se casuisticamente, segundo juízos de razoabilidade, atendendo à finalidade e aos motivos que determinaram a atuação do empregador e segundo critérios de adequação e de proporcionalidade.» (Fim da transcrição) O artigo 25.º, n.º 5, consagra uma regra crucial em matéria de prova: a inversão do ónus da prova nas alegações de práticas discriminatórias. “Cabe a quem alega a discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.” Este regime afasta-se, assim, da regra geral de prova estabelecida no artigo 342.º do Código Civil. Isto significa que, uma vez provada a existência dos factos que integram um dos fatores caraterísticos da discriminação, presume-se, nos termos do n.º 5 do artigo 25.º, que a discriminação ocorreu com base nesse fundamento. Esta presunção legal inverte o nexo causal quanto ao ónus da prova, recaindo sobre o empregador o dever de demonstrar que não houve discriminação. Como sublinha Guilherme Dray[33], a adoção desta regra de inversão do ónus da prova deve-se ao facto de as regras gerais se revelarem “claramente insuficientes” neste domínio. Esta opção legislativa está em linha com o previsto no artigo 10.º da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro. É importante notar que estes conceitos estão sedimentados e amplamente acolhidos na Diretiva 2000/78/CE, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, proibindo a discriminação, nomeadamente com base na deficiência. Além disso, o Pilar Europeu dos Direitos Sociais reforça a importância da igualdade de oportunidades e acesso ao mercado de trabalho. Este pilar estabelece que, independentemente do género, origem racial ou étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual, todos têm direito a tratamento igualitário e iguais oportunidades no emprego, proteção social, educação e acesso a bens e serviços disponíveis ao público. O Conceito de Deficiência e a Não Discriminação no Contexto Europeu Embora o conceito de “deficiência” não esteja explicitamente definido no Código do Trabalho Português nem na Diretiva 2000/78/CE, este foi consagrado na Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em 30 de março de 2007 e ratificada por Portugal em 30 de julho de 2009: Artigo 1.º estipula que: “(…) § As pessoas com deficiência incluem aqueles que têm incapacidades duradouras físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais, que em interação com várias barreiras podem impedir a sua plena e efetiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros.” Em 2009, a União Europeia também subscreveu esta Convenção, o que implica que a Diretiva 2000/78/CE deve ser interpretada à luz da mesma. Inicialmente, o Tribunal de Justiça da União Europeia não considerava as doenças crónicas como integrantes do conceito de “deficiência” para os efeitos da Diretiva 2000/78/CE (veja-se, o caso “Chacón Navas”, C-13/05, de 11 de julho de 2006[34]). No entanto, a adesão da União Europeia à Convenção da ONU alterou significativamente o seu entendimento. Veja-se, nesse sentido, o Acórdãos apensos “HK Danmark” e “Ring/Gdanks”, C-335/11 e C-337/11, de 11 de abril de 2013[35], e o Acórdão FOA (C-354/13), de 18 de dezembro de 2014[36]. 1. Acórdão Chacón Navas (C-13/05): Este foi um dos Acórdãos mais importantes do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a matéria. Embora inicialmente tenha sido interpretado de forma restritiva, o Tribunal clarificou, subsequentemente, que o conceito de "deficiência" abrange uma limitação que resulta, designadamente, de incapacidades físicas, mentais ou psíquicas e que dificulta a participação da pessoa em causa na vida profissional em condições de igualdade com os outros trabalhadores, desde que essa limitação seja de longa duração. Uma doença prolongada que impede o trabalhador de desempenhar as suas funções por um período significativo pode, portanto, enquadrar-se neste conceito. 2. Acórdão HK Danmark (C-335/11 e C-337/11): Nesses casos, o Tribunal de Justiça da União Europeia reafirmou que o conceito de "deficiência" nos termos da Diretiva 2000/78/CE, deve ser interpretado de forma a incluir uma doença curável ou incurável se essa doença implicar uma limitação, resultante nomeadamente de lesões físicas, mentais ou psíquicas, que, em interação com diversas barreiras, possa obstar à plena e efetiva participação da pessoa em causa na vida profissional em condições de igualdade com os outros trabalhadores, e a duração dessa limitação não for de curta duração. Este ponto é crucial, pois as ausências prolongadas por doença (mesmo que curável, mas de longa duração) podem ser vistas como uma limitação que impede a participação plena. 3. Acórdão FOA (C-354/13), de 18 de dezembro de 2014: Este acórdão reforça a interpretação do conceito de "deficiência" estabelecida em casos anteriores (como o Chacón Navas e HK Danmark), alargando-o a condições como a obesidade, desde que preencham os critérios de limitação duradoura e impeditiva da participação profissional. Se a obesidade de um trabalhador causar tais limitações, qualquer tratamento desfavorável (incluindo despedimento ou avaliação de desempenho negativa) direta ou indiretamente ligado a essa condição pode ser considerado discriminatório em razão da deficiência. A ideia central do Tribunal de Justiça da União Europeia é que a discriminação não se limita a pessoas com deficiências permanentes e reconhecidas. Vai mais além, estendendo-se a situações de doença prolongada que resultam numa limitação da capacidade de trabalho e interação com o ambiente laboral. Recomendações Médicas e a Condição do Autor 1. Contextualização do Caso Retomando o caso em análise, é crucial atentar às recomendações médicas e à condição de saúde do Recorrente, AA (conforme os factos provados nos pontos 12, 13, 15, 16 e 17). 2. Doença e Recomendações Médicas · O autor, AA, padece de uma doença autoimune, facto do conhecimento da empresa A... desde a sua admissão. Embora a condição estivesse inicialmente controlada, o autor necessitava de medicação em situações de exacerbação. · A partir de maio de 2020, em plena pandemia de COVID-19, a médica responsável pelos serviços de saúde da A... recomendou o uso de equipamento de proteção individual e uma restruturação do trabalho, com vista a um "afastamento do contacto com pessoas" em momentos de crise. · Esta recomendação foi reiterada em outubro e novembro de 2020. · Em maio de 2021, outras recomendações foram adicionadas, nomeadamente que o autor beneficiasse de "levantamento periódico" e que "devia evitar subir e descer escadas com frequência". 3. Incumprimento das Recomendações Apesar das recomendações da Medicina do Trabalho, a Recorrida não adaptou o posto de trabalho do Recorrente, conforme os factos provados nos pontos 24, 25, 42, 43 e 44. Esta omissão contraria o disposto no artigo 84.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que estabelece os princípios gerais para o emprego de trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida. Nos termos deste preceito legal: "O empregador deve facilitar o emprego a trabalhador com capacidade de trabalho reduzida, proporcionando-lhe adequadas condições de trabalho, nomeadamente a adaptação do posto de trabalho (…)." (negrito nosso) Adicionalmente, a conduta da empresa poderá configurar uma violação do artigo 5.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, que proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e do risco agravado de saúde, especialmente no contexto laboral. Segundo o n.º 4 do artigo 5.º desta lei, o empregador deve adotar medidas de adaptação adequadas, em função das necessidades específicas de cada situação, para que um trabalhador com deficiência possa ter acesso a um emprego, progredir na carreira ou receber formação. A única exceção é se tais medidas implicarem encargos desproporcionados para a entidade empregadora. Assim, exigia-se da Recorrida uma conduta proativa na adaptação do posto de trabalho do Recorrente. No caso em análise, é inquestionável que a empresa não se preocupou em elaborar um protocolo claro para lidar com a doença crónica e a condição de saúde que afetavam a capacidade laboral do Recorrente. Essa conduta proativa implicaria, por exemplo: · Implementar as recomendações médicas: Colocar em prática, sem demora, as recomendações da medicina do trabalho (como o afastamento de contactos, pausas periódicas e evitar o uso frequente de escadas), adaptando o posto de trabalho e o regime laboral conforme necessário. · Reavaliar as exigências da função: Garantir que as tarefas atribuídas não contrariassem as restrições médicas, revendo a compatibilidade entre as funções e o estado de saúde do trabalhador, mesmo que isso exigisse uma redefinição temporária ou permanente das suas responsabilidades. Em suma, a postura mais adequada por parte da Recorrida seria a de antecipar e intervir ativamente perante as necessidades de saúde do Recorrente, em vez de uma postura reativa ou de mera recusa. Tal conduta demonstraria a adoção de um compromisso efetivo com a saúde e segurança do trabalhador, promovendo adaptações eficazes e um acompanhamento contínuo. Mesmo que se aceite a necessidade da presença física do Recorrente para o exercício das suas funções, na nossa opinião, a Recorrida deveria ter adotado uma conduta proativa para mitigar os riscos e adaptar o posto de trabalho, de acordo com as recomendações da Medicina do Trabalho. Nesse sentido, a Recorrida poderia, por exemplo, ter reduzido o "contacto diário irrestrito" através da colocação do Recorrente numa sala isolada com controlo de circulação das demais pessoas. Outra opção seria a possibilidade de trabalhar em regime de teletrabalho, utilizando um modelo de trabalho híbrido (teletrabalho e presença física). Esta solução seria viável, uma vez que as funções de caráter mais administrativo podiam ser realizadas à distância, e a própria empresa admitiu pontualmente esta possibilidade para outros trabalhadores. Acrescente-se que a implementação destas soluções não se afigura desproporcionada em termos de encargos. Conforme a interpretação alargada do Tribunal de Justiça da União Europeia, o conceito de "deficiência" abrange doenças de longa duração que impeçam o trabalhador de participar de forma plena e eficaz na vida profissional, em condições de igualdade com os demais. Assim, se uma doença provoca uma limitação duradoura que impede a participação profissional, a pessoa deve ser considerada deficiente para efeitos da Diretiva 2000/78/CE. Neste contexto, qualquer tratamento desfavorável — uma prática aparentemente neutra que, por motivo de doença, coloca o trabalhador em desvantagem em comparação com os outros — pode ser considerado discriminação indireta em razão de deficiência, especialmente quando não são consideradas adaptações razoáveis ou quando falta uma justificação objetiva e proporcional para a sua não adaptação. Por conseguinte, a discriminação que decorre de características físicas ou psicológicas que tornam um trabalhador mais vulnerável pode configurar assédio moral discriminatório, por se basear num fator de discriminação. Assim, é inelutável que a ausência de adaptação do posto de trabalho do Recorrente levanta sérias questões de discriminação. Inversão do Ónus da Prova Nos casos de assédio laboral discriminatório, há uma inversão do ónus da prova. Em suma, cabe ao empregador demonstrar que não houve discriminação [artigo 25.º, n.º 5)]. No caso em apreço, a Recorrida não conseguiu cumprir este ónus, pelos motivos supra referidos[37]. Contactos Durante a Baixa Médica Conforme decorre dos factos provados nos pontos 28, 29, 30, 31, 32, 33, 39, 40, 46 e 47, desde o início da baixa médica, o autor foi contactado várias vezes por mês (por telefone e e-mail) pela Diretora de Recursos Humanos Ibérica (DD) e pela Diretora da Loja. Estes contactos visavam, ora solicitar a sua intervenção, ora informá-lo sobre o seu horário de trabalho. Alguns telefonemas ocorriam antes e depois das juntas médicas, com o intuito de saber o resultado das avaliações. Estes contactos eram, por vezes, pressionantes, conforme decorre do ponto 46 dos factos provados, chegando a insinuar que o autor deveria ponderar a sua saída da empresa, dada a urgência em definir o futuro profissional da sua substituta, CC. Ora, não é aceitável que uma empresa contacte repetidamente um trabalhador durante uma baixa médica. Com efeito, o contacto deve limitar-se a questões estritamente relacionadas com a própria baixa, como a sua comunicação ou a duração. Nesse período de convalescença, o trabalhador tem direito à privacidade e ao descanso, essenciais para uma recuperação plena e rápida. Assim, contactos excessivos durante a baixa médica configuram uma pressão indevida, que se pode qualificar como assédio laboral. Direito à Indemnização Nos termos do n.º 4 do artigo 29.º, a prática de assédio confere à vítima o direito a ser indemnizada, conforme previsto no artigo 28.º, que estabelece: “A prática de ato discriminatório lesivo do trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.” É inquestionável, à luz dos factos provados [nomeadamente os pontos 18, 19, 20, 21, 22 e 45)], que a não adoção, por parte da Recorrida, de medidas de adaptação do posto de trabalho, recomendadas pela Medicina do Trabalho para mitigar a doença do Recorrente, contribuiu para o agravamento do quadro da sua doença autoimune e o subsequente desenvolvimento de um quadro depressivo, resultando na sua inaptidão temporária para o trabalho. Tal como referido no Acórdão da Secção Social de 27.02.2023, Processo n.º 5452/20.0T8VNG.P1, disponível em www.dgsi.pt: «(…) o assédio é um comportamento ilícito, que viola a dignidade e personalidade do trabalhador e que é suscetível de gerar o direito a uma indemnização pelos danos não patrimoniais (e patrimoniais) que dele resultem.» (Fim da transcrição) No caso em apreço, provou-se a ocorrência de uma lesão física (agravamento da doença autoimune) e psíquica (quadro depressivo), um dano (baixa médica) e o nexo de causalidade entre o dano e o comportamento discriminatório (não adaptação do posto de trabalho) imputável à Recorrida. Assim, nos termos dos artigos 483.º e 496.º do Código Civil, trata-se de um prejuízo que merece tutela jurídica. É, por isso, justa e equitativa a fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €15.000,00, quantia essa peticionada pelo Recorrente. Nestes termos, neste segmento, o recurso de apelação deve ser provido. * Relativamente à questão das horas de formação profissional não ministradas, o Tribunal a quo pronunciou-se nos seguintes termos: «Por último, importa apreciar do pedido do autor a receber a quantia de 1.580,80€ a título de formação não prestada. Dispõe o artigo 131º, nº 2 do C. do Trabalho que o trabalhador tem direito a um número mínimo de horas de formação contínua. Assim e como ensina Luís Miguel Monteiro no seu artigo “O dever de formar e o direito à formação profissional no Código do Trabalho – breves reflexões”, publicado no Prontuário de Direito do Trabalho, nºs 76,77 e 77, “através da consagração de princípio geral da formação profissional, o artigo 123º do Código do Trabalho (CT) determina, neste domínio, direitos e deveres para as partes da relação de trabalho: à obrigação do empregador proporcionar ações de formação profissional adequadas à qualificação do trabalhador, corresponde o direito deste a receber a referida formação, mas também a obrigação de nela participar de modo diligente”. E, continua “o direito individual à formação de cada trabalhador traduz-se assim na conversão das horas de formação garantidas em créditos acumuláveis. Os trabalhadores podem utilizar estes créditos na frequência de ações de formação por sua iniciativa”, esclarecendo ainda que “o trabalhador não tem direito, por isso a beneficiar da conversão em dinheiro do tempo de formação não concedido, exceto em caso de cessação do contrato de trabalho”. Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação – cfr. artigo 134º. Assim, com a cessação do contrato de trabalho celebrado com a ré, ficou o autor com o direito a beneficiar da conversão em dinheiro do tempo de formação não concedido. Considerando a redação do artigo 131º, nº 2 do C. do Trabalho com a redação da Lei nº 93/19, de 4/09, deveriam ter sido concedidas ao autor 35h anuais de formação, até 5/09/19 e, desde então, 40 horas. Como resulta provado, em cada ano de duração do contrato e até 24/09/21 – data em que o contrato foi suspenso, por via da situação de baixa médica em que o autor se encontrou, não incumbindo, por isso, à ré dar formação nesse período (cfr. artigo 296º, nº 1 e 295, nº 1 do C. Trabalho) - a ré prestou ao autor as seguintes horas de formação: - de 1/10/18 a 30/09/19: em 31/10/18, 160 horas, em 14/03/19, 4 horas, em 18/03/19, 4 horas, em 14/05/19, 1 hora, em 23/05/19, 7 horas e em 9/07/19, 2:30 horas (total de 178h30m); - de 1/10/19 a 30/09/20: em 27/11/19, 10:45 horas, em 28/01/20, 1 hora, em 28/01/20, 1 hora, em 6/02/20, 2 horas, em 22/07/20, 0:30 hora, em 31/08/20, 12 horas (total de 27h15m); e - de 1/10/20 a 24/09/21: em 20/10/20, 0:45 hora, em 23/10/20, 1 hora, em 31/12/20, 12 horas, em 25/01/21, 1 hora, em 5/03/21, 9 horas, em 9/04/21, 1 hora, em 13/04/21, 1 hora, em 13/04/21, 0:50 hora, em 14/04/21, 1 hora, em 25/04/21, 1 hora, em 25/01/21, 0:50 hora, e em 9/08/21, 2 horas (total de 31h25m). Assim, tem o autor a receber a diferença entre as horas de formação que deveria ter recebido e as que lhe foram prestadas que ascendem a: - no período de 1/10/19 a 30/09/20: 12h45m (40horas – 27h15), e - no período de 1/10/20 a 24/09/21: 8h35m (40h - 31h25m). O período normal de trabalho é de 40 horas semanais/8 horas semanais, tal como resulta do contrato celebrado entre as partes. Considerando o valor da retribuição diária do autor, o valor a que tem a receber é de 210,77€.» (Fim da transcrição) A procedência do recurso nesta parte dependia da alteração da factualidade provada no ponto 41, que se manteve inalterada. Face ao exposto, nada há a acrescentar ao decidido pela primeira instância relativamente às horas de formação profissional, pelo que a decisão se mantém. *
* I) Julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto. II) Julgar no mais parcialmente procedente o recurso interposto pelo Recorrente e, consequentemente, condenar a Recorrida a: · Pagar ao Autor a quantia de €15.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais. As custas, em ambas as instâncias, ficam a cargo do Recorrente e da Recorrida na proporção do decaimento [em sede de recurso de apelação, a taxa de justiça é devida conforme a tabela I-B anexa ao Regulamento Custas Processuais (cfr. artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais)]. Valor do recurso: o da ação (artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais). Notifique e registe.
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